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Ana Mercedes Morales Carrera et al.

Geociências

Caracterização Mineralógica das Argilas da


Península de Santa Elena, Equador
(Mineralogical charaterization of the clays of the Santa Elena
Peninsula, Ecuador)

Ana Mercedes Morales Carrera


Doutoranda-DEGEO/UFOP. Ouro Preto/Brasil
FICT/ESPOL. Campus Gustavo Galindo, Km30.5 vía Perimetral. Ap.:09-01-5863. Guaiaquil-Equador
E-mail: anamc73@gmail.com

Angélica Fortes Drummond Chicarino Varajão


Professora Associada - Departamento de Geologia/UFOP - Ouro Preto - MG - Brasil
E-mail: angelica@degeo.ufop.br

Marcos Andrade Gonçalves


Professor Adjunto - ICEB/UFOP - Ouro Preto - MG - Brasil
E-mail: marcos.andrade@iceb.ufop.br

Resumo Abstract
A Península de Santa Elena, localizada a sudoeste The Santa Elena Peninsula, located in the
do litoral equatoriano, é formada por rochas ígneas e se- southwest of the Ecuadorian coast, consists of igneous
dimentares do Cretáceo até o Quaternário. As argilas pes- and sedimentary rocks from the Cretaceous to the
quisadas são provenientes da alteração de cinzas vulcâ- Quaternary era. The sampled clays originated from the
nicas andinas e encontram-se inseridas nos argilitos das alteration of Andean volcanic ashes found inserted in
unidades do Eoceno Médio ao Mioceno Médio (Grupo the clay rocks of the Eocene Medium to Miocene Medium
Ancón, Formações Tosagua e Progreso). (Ancon Group and, Tosagua and Progreso Formations).
Análises mineralógicas (DRX, ATG e ATD), análises Mineralogical analysis (XDR, ATG and ATD),
texturais (distribuição granulométrica, superfície especi- textural analysis (grain size distribution, specific surface
fica e estudo morfológico por microscopia eletrônica de and morphological analysis by SEM), and chemical
varredura) e análises químicas (fluorescência de raios-X analysis (X-ray fluorescence and CEC), have permitted
e capacidade de troca catiônica) permitiram a seleção de the selection of four deposits that have iron-
quatro depósitos, cujo principal argilomineral é a mont- montmorillonite as their main clay mineral, in
morilonita com ferro, em associação com caulinita e tra- association with kaolinite and traces of mica. Clays of
ços de mica. As argilas desses depósitos foram caracteri- theses deposits have been characterized as calcic
zadas como bentonitas cálcicas. bentonites.
Palavras-chave: Argila, montmorilonita, bentonita, Keywords: Clay, montmorillonite, bentonite, Santa
Península Santa Elena, Grupo Ancón, Formação Elena Peninsula, Ancon Group, Tosagua Formation.
Tosagua.

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Caracterização Mineralógica das Argilas da Península de Santa Elena, Equador

1. Introdução escamas de peixes e microfósseis; sua Apesar da extensa distribuição dos


espessura é de até 300 m. materiais argilosos na península, os es-
A Península de Santa Elena locali- tudos relativos ao seu aproveitamento
za-se a sudoeste do litoral equatoriano A Formação Progreso (Figura 1) têm sido feitos em pequena escala e de
(Figura 1), abrangendo uma área de, apro- possui uma espessura máxima de 2.700 m e maneira rudimentar. Os referidos materi-
ximadamente, 12.000 km². Nela encon- é formada por arenitos, siltitos, argilitos e ais argilosos são utilizados, principal-
tram-se várias ocorrências de minerais e calcários com restos de moluscos. mente, como aditivo na fabricação de
rochas industriais, tais como materiais
argilosos, calcários, gipsita, lutitos dia-
tomáceos e outros materiais de constru-
ção, sendo os primeiros os mais abun-
dantes. Estes se encontram inseridos no
Grupo Ancón e nas Formações Tosagua
e Progreso (Spencer, 1993; Dugas, 1986;
Del Arco et alii, 1983; Bristow et alii,
1977) do Eoceno Médio ao Mioceno
Médio.
O Grupo Ancón (Figura 1), com uma
espessura estimada em 1.500 m, aflora,
principalmente, na bacia Ancón, no sul
da Depressão Chongón-Colonche e, em
alguns pontos da Cordilheira Chongón-
Colonche. Garner (1956, in Del Arco et
alii, 1983) propôs a divisão desse grupo
nas Formações Socorro e Seca. A For-
mação Socorro é subdividida nos Mem-
bros Clay Pebble Bed e Socorro, enquan-
to a Seca, nos Membros Lutita Seca e
Arenisca Punta Ancón. O Membro Clay
Pebble Bed é formado por argilito,
quartzito, conglomerado, chert, rochas
ígneas, calcário, arenito turbidítico e frag-
mentos de rochas das formações pree-
xistentes. O Membro Socorro é consti-
tuído por lutitos turbidíticos, arenito e
argilito. O Membro Lutita Seca é forma-
do por lutitos turbidíticos e arenitos. O
Membro Arenisca Punta Ancón consti-
tui-se de arenito grauvaquiano com in-
tercalações de argilitos, conglomerados
com linhito, calcário e lutitos.
A Formação Tosagua (Figura 1) é
constituída por três membros. O Mem-
bro Zapotal, com uma espessura de até
1.100 m, é constituído por conglomera-
do com seixos de quartzo, arenito com
tufos e lutitos em uma matriz argilosa. O
Membro Dos Bocas possui uma espes-
sura máxima estimada de 2.000 m e é for-
mado, principalmente, por argilitos de cor
marrom em camadas centimétricas a de-
cimétricas, com intercalações de finos
estratos de gipsita e arenito. O Membro Figura 1 - Localização e coluna estratigráfica da Península de Santa Elena, indicando
Villingota é constituído por lutitos dia- as amostras selecionadas do Grupo Ancón (GA1 e FS4) e Formações Progreso (FP1)
tomáceos de cor branca ou creme, com e Tosagua (FT1, FT4 e FT8) (Spencer, 1993).

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cimento (CODIGEM, 1997) e na confec- 2. Metodologia Análises termodiferenciais (ATD) e
ção de objetos cerâmicos (Muff & Kap- termogravimétricas (ATG) foram efetua-
teinat, 1988). A pesquisa iniciou com o reconhe- das sobre a fração argila natural de 4
cimento de 188 afloramentos, distribuí- amostras selecionadas, após a extração
Relatórios internos (Holderbank, dos aleatoriamente na península, das dos óxidos e hidróxidos de ferro amor-
1974) de trabalhos relacionados à pes- unidades litológicas do Grupo Ancón e fos e cristalinos segundo o método DCB,
quisa de matérias-primas para a fabrica- das Formações Tosagua e Progreso. A ditionito-citrato-bicarbontato (Mehra &
ção de cimento, em áreas próximas a Guai- partir das observações de campo, 42 Jackson, 1960). O equipamento utilizado
aquil, foram os primeiros estudos mine- amostras foram coletadas, por conterem foi da TA INSTRUMENTS, modelo 2960
ralógicos e químicos que incluíram as maior proporção da fração argila, maior STD V2.2B, com taxa de aquecimento de
argilas do litoral equatoriano. Entretan- plasticidade e menor proporção de mi- 10ºC por minuto, atmosfera de N2 e tem-
to a primeira caracterização mineralógica nerais não-filossilicatos. peratura máxima de 1.100 ºC.
e tecnológica das argilas litorâneas foi
realizada em uma única jazida de argila Todas as 42 amostras foram secas A espectrometria no infravermelho
do Grupo Ancón próxima a Guaiaquil a 60°C de temperatura durante 24 horas, foi realizada no Laboratoire Environne-
(Morales-Carrera, 2003; Morales-Carre- moídas em almofariz de ágata e analisa- ment et Minéralurgie (LEM) da Escola
ra et alii, 2003). Tal estudo, além de iden- das mineralógica e quimicamente. A aná- Nacional de Geologia de Nancy (Fran-
tificá-la como bentonita cálcica, permitiu lise mineralógica foi realizada usando um ça), num espectrômetro com transforma-
conhecer o seu potencial para aplicações difratômetro RIGAKU GEIGERFLEX da de Fourier (Brucker IFS 55), por trans-
tecnologicamente mais avançadas, após D/MAX com radiação monocromática missão, na fração argila natural das 4
sua ativação ácida. de CuKα e velocidade do goniô- amostras selecionadas, sendo os espec-
metro de 1.2° por minuto-1 para a fra- tros registrados entre 400 e 4000 cm-1,
Considerando a abundância de ção pó total e de 0.6° por minuto-1 para a com resolução de 4 cm-1, através de um
materiais argilosos na península e os re- fração argila (fração < 2µm), separada por detector DTGS - sulfato de triglicina deu-
sultados já obtidos em uma única jazida sedimentação. Os difratogramas obtidos tério. Para as análises de transmissão, as
da região, o presente trabalho visou a na fração total abrangem um intervalo amostras foram diluídas em KBr (1 mg de
estender o estudo de caracterização mi- de 2 a 70º (2θ) e das amostras orientadas amostra por 150 g de KBr) e homogenei-
neralógica, física e química e de avalia- da fração argila de 2 a 35° (2θ). Os ele- zadas e as pastilhas foram obtidas com
ção do potencial de aplicação para os mentos maiores foram analisados por flu- uma pressão de 15 toneladas/m².
materiais argilosos da Península de San- orescência de raios X, utilizando um es-
ta Elena. As amostras selecionadas nes- pectrômetro Magi X, equipado com o As fotomicrografias foram obtidas
se trabalho estão inseridas nos membros software SuperQ, versão 3. no microscópio eletrônico de varredura
Clay Pebble Bed (GA1) e Socorro (FS4) da JEOL JSM-5510, de 0.5 a 30 Kv, com
da Formação Socorro (Grupo Ancón), no A partir dos difratogramas das fra- resolução de 3,5 a 48 nm e metalização
Membro Dos Bocas (FT1, FT4 e FT8) da ções total e argila, foram selecionadas 6 de grafite.
Formação Tosagua e, na Formação Pro- amostras (Figura 1), por apresentarem as
A capacidade de troca catiônica e a
greso (FP1), por apresentarem maior maiores intensidades para os picos
superfície específica total foram quanti-
conteúdo argiloso. d(001) do grupo das esmectitas: GA1 e
ficadas usando o método azul de metile-
FS4 (Grupo Ancón), FT1, FT4 e FT8
Estudos sobre evolução geológica no (Pejon & Zuquette, 1992). A densida-
(Formação Tosagua) e FP1 (Formação
da Costa do Equador (Dorfman, 1976; de foi determinada usando um Multi-
Progreso).
Lonsdale, 1978) revelaram, no Cretáceo, Picnômetro da QUANTACHROME, sen-
a ocorrência de atividades vulcânicas Para as 6 amostras selecionadas, do Hélio o gás usado. A superfície espe-
com deposição de tufos e outros frag- após extração dos carbonatos e da ma- cífica externa foi determinada pelo méto-
mentos de rochas e sedimentos mari- téria orgânica, procedeu-se à análise gra- do BET (Brunauer, Emmett & Teller, 1938)
nhos, juntamente com eventos tectôni- nulométrica (EMBRAPA, 1997; Mato et com adsorção de N 2 a -196ºC, sendo
cos, que antecedem a deposição dos alii, 1982) e determinação das frações a amostra desgaseificada a 60ºC du-
sedimentos do Grupo Ancón e Forma- areia (> 0,053 mm e < 2 mm), silte rante 5 horas. O equipamento utilizado
ções Tosagua e Progreso. Tal fato suge- (> 0,002 µm e < 0,053 µm) e argila foi High Speed Gas Sorption da
re que as argilas em estudo, podem ter (< 2 µm). A fração argila foi submetida à QUANTACHROME, modelo NOVA
sido produto de alteração de cinzas vul- saturação com MgCl2, KCl (Walker, 1958 1000. Argilas contendo montmorilonita
cânicas, podendo, portanto serem defi- in Brown, 1961) e LiCl (Greene-Kelly, possuem, além da superfície externa, uma
nidas, genericamente, como bentonitas, 1953a) e, novas análises de DRX, amos- superfície interna entre as camadas que
que é a denominação mais utilizada des- tras desorientadas e orientadas, foram não é accessível ao N2 (Greene-Kelly,
de 1917 (Moore & Reynolds, 1989), de- efetuadas para determinação da espécie 1964; Diamond & Kinter, 1956). A meto-
vido a tal origem. de argilomineral. dologia usando azul de metileno permite

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quantificar, tanto a capacidade de troca Tabela 1 - Distribuição granulométrica das seis amostras representativas do Grupo
Ancón e das Formações Tosagua e Progreso.
catiônica da montmorilonita, quanto a
sua superfície específica total, pois, em
solução líquida, íons de azul de metileno
podem entrar entre as camadas que for-
mam sua estrutura cristalina (Kahr &
Madsen, 1995).

3. Resultados e
discussão
A Tabela 1 mostra a distribuição
granulométrica das 6 amostras selecio-
nadas. A amostra FS4 do Grupo Ancón
contém a maior percentagem de argila
(< 2 µm), com 62,13 %; seguida da FT1,
com 51,11 % e FT8 com 44,15 %, ambas
da Formação Tosagua. As amostras FT4,
GA1 e FP1 apresentam os percentuais
mais baixos em argila (< 25 %), que são
compensados pelos maiores teores em
silte.
Concentrações mais elevadas em
silte podem ter relação com certa aglo-
meração de partículas de argilominerais,
pois, apesar de seguidos os procedimen-
tos de eliminação da matéria orgânica e Figura 2 - Fotomicrografias obtidas por microscopia eletrônica de varredura da fração
argila da amostra GA1. (A): Um aglomerado; (B) detalhe da região assinalada no
carbonatos (EMBRAPA, 1997), os difra- aglomerado mostrando lamelas típicas das esmectitas aglomeradas.
togramas de raios X obtidos da fração
silte, com amostras orientadas, revela- argilomineral do grupo das esmectitas. Após saturação com MgCl2 (Figu-
ram a presença marcante de argilomine- Associa-se, também, a essa fração a pre- ra 4A), valores de d(001) próximos a 15Å,
rais do grupo das esmectitas. Aglomera- sença de caulinita e traços de ilita. Adici- nas amostras secas à temperatura ambi-
dos podem ser claramente observados, onalmente, ocorrem quartzo e traços de ente, passam a 18Å, ao serem saturadas
mesmo na fração argila (Figura 2), atra- calcita e feldspato. Nas amostras GA1 e com glicerol, e a 10Å, ao serem aqueci-
vés das análises de microscopia eletrô- FS4, ocorre, também, a presença de goe- das a 350ºC. Quando da saturação com
nica de varredura (MEV). thita (Figura 3B). Difratogramas das KCl (Figura 4B), valores de d (001) próxi-
Os difratogramas da fração total amostras da fração argila, desorientadas, mos a 12Å, nas amostras secas ao ambi-
das seis amostras representativas do revelaram valores do pico d(060) de ente, passam a 14Å, ao serem saturadas
Grupo Ancón e das Formações Tosagua ~ 1.49 Å, o que caracteriza a presença de com glicerol, e a valores próximos a 10Å,
e Progreso (Figura 3A) indicam a pre- minerais do grupo das esmectitas quando aquecidas a 350ºC e 550ºC. Tais
sença marcante de argilominerais do gru- dioctaédricas, cujas principais varieda- resultados confirmam a presença do ar-
po das esmectitas. Nesses difratogramas des são montmorilonita, com carga da gilomineral do grupo das esmectitas. Para
também se observam traços de outros camada originada a partir de substitui- determinar a origem da carga das cama-
minerais argilosos como mica e caulini- ções na folha octaédrica, e a série beide- das, se tetraédrica ou octaédrica, de modo
ta. Minerais não-argilosos como quart- lita-nontronita, cujas cargas das cama- a distinguir a montmorilonita da beideli-
zo e feldspato estão sempre presentes e, das são originadas a partir de substitui- ta e nontronita, utilizou-se a metodolo-
em algumas amostras, tem-se calcita e ções na folha tetraédrica (Brindley & gia de Greene-Kelly (1953a), na qual a
gipsita. Brown, 1980; Moore & Reynolds, 1989). fração argila foi saturada com LiCl. Des-
Entretanto, segundo Brindley e Brown te modo, a montmorilonita pode ser dife-
Os difratogramas da fração argila (1980, p. 170), composições intermediá- renciada da beidelita e nontronita pelo
(Figura 3B) dessas mesmas seis amos- rias entre montmorilonita, em um lado da seu irreversível colapso depois de aque-
tras mostram a maior intensidade do pico série, e beidelita-nontronita, em outro cida após a saturação com Li. O íon Li
a ~15 Å e, portanto, a predominância do lado, são comuns. migra para a folha octaédrica e neutraliza

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Figura 3 - Difratogramas mostrando a mineralogia da fração total (A) e da fração argila (B) das 6 amostras selecionadas do grupo Ancón e
das formações Progreso e Tosagua. Sendo S: esmectita, M: mica, K: caulinita, Q: quartzo, F: feldspato, Ca: calcita, G: gipsita. Observa-se a
presença de Go - goethita - na fração argila das amostras GA1 e FS4.

Figura 4 - Difratogramas da fração argila (amostra FT1) após saturação com MgCl 2 (A), com KCl (B) e com LiCl (C).

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a carga da camada, se essa carga é devi- Resultados de análises químicas
da a substituição octaédrica. A elimina- (Tabela 2) mostram, para a fração argila,
ção da carga converte a montmorilonita, razão SiO2/Al2O3 superior a 2, compatí-
em um mineral com as mesmas caracte- vel com a predominante presença de
rísticas da pirofilita, isto é, um mineral montmorilonita (Gomes, 1986). Na fração
que não expande quando saturado com pó total, elevados teores de SiO2 refe-
água ou ethileno glicol ou glicerol. rem-se à presença de quartzo e feldspa-
Os difratogramas obtidos da fração tos. Teores médios de Fe2O3 de 7% além
argila (Figura 4C) após a saturação com de serem relacionados à presença de hi-
LiCl, aquecimento a 300°C por 12 h e, dróxidos de ferro, como goethita, podem
novamente, saturação com glicerol mos- ser relacionados à presença de Fe no sí-
traram valores de d (001) próximos a 9,6Å, tio octaédrico, implicando terem essas
evidenciando o colapso do argilomine- esmectitas dioctaédricas uma composi-
ral e, conseqüentemente, a sua identifi- ção intermediária entre as séries mont-
cação como montmorilonita. morilonita e beidelita-nontronita. De fato,
os teores de Fe2O3 nas amostras GA1 e
As análises térmicas diferenciais FS4, que mostraram a presença de goe-
(Figura 5) mostram comportamentos tér- thita (Figura 3B), após a extração dos
micos da fração argila, após a extração óxido-hidróxidos de ferro, apresentaram,
dos óxidos e hidróxidos de ferro, das 4 respectivamente, teores de Fe2O3 de
amostras que foram selecionadas após 5,21% e 4,52 %, o que sugere a presença
análises por difração de raios X. Os dois deste na estrutura da esmectita.
primeiros picos endotérmicos (~70ºC e
Figura 5 - Curvas termodiferenciais da
~300ºC) são relativos à perda de água Comparando as temperaturas de fração argila das quatro amostras
adsorvida e água intercamada na esmec- desidroxilação das amostras seleciona- selecionadas, após a aplicação do método
tita. Na amostra GA1, tem-se, ainda, o das nesse estudo (Figura 5) com as tem- DCB.
pico a 160ºC. Segundo Greene-Kelly peraturas típicas de desidroxilação das
(1953b), a presença de dois picos no esmectitas dioctaédricas (Tabela 3), as- Na Figura 6, são mostradas as ban-
intervalo de 100-300ºC se deve a tendên- sim como com a bentonita de Wyoming, das que ocorrem nos espectros do infra-
cia prematura de perda de H2O de um íon observa-se que os valores encontrados vermelho das quatro amostras selecio-
divalente. O terceiro pico endotérmico a nesse trabalho são próximos aos da nadas, na sua fração argila. Como resul-
~470ºC refere-se à desidroxilação da cau- montmorilonita (~700 - 850ºC). Já para as tado das substituições isomórficas (te-
linita e/ou esmectita. Os picos endotér- bentonitas da Paraíba (Brasil), onde teo- traédricas e octaédricas) nas esmectitas
micos a ~720ºC e 870ºC referem-se a es- res de ferro são maiores (Amorim et alii, dioctaédricas, as ordens cristalinas são
mectita. As curvas termogravimétricas 2004) do que os do presente estudo, reduzidas e as imperfeições estruturais
apresentam uma perda total de massa no ocorre a presença de um pico endotérmi- são registradas através das bandas de
final do aquecimento, entre 16 e 24 %. co intermediário a ~500 - 650ºC. adsorção dos espectros do infraverme-

Tabela 2 - Composição química das frações total e argila das quatro amostras de argila.

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Tabela 3 - Comparação entre as temperaturas dos picos endotérmicos para montmorilonita de diferentes proveniências.

as bandas de estiramento são encontradas em torno de 3632 a


3660 cm-1 para a beidelita e entre 3556 e 3581 cm-1 para a non-
tronita. Adicionalmente, na região de 1000 a 700cm-1, duas ban-
das a 818 e 770 cm-1 são características da série beidelita-non-
tronita. Entretanto, essas bandas não foram encontradas nos
resultados obtidos nessa pesquisa, o que sugere a não ocor-
rência de esmectitas da série beidelita-nontronita.
A curva da montmorilonita de Wyoming (Wilson, 1994,
p. 26), que contém alguma substituição de Al3+ por Fe3+, é
muito similar à da montmorilonita isenta de ferro. A principal
diferença é a presença da banda de deformação O-H do grupo
AlFe3+OH a 890 cm-1, que é diagnóstica da substituição do Fe
na estrutura das esmectitas. Segundo este último autor, com o
aumento do teor em Fe na montmorilonita, ou seja, com o au-
mento da substituição do Al3+ pelo Fe3+, a banda de deforma-
ção AlFe3+OH retrai de 890 a 870 cm-1 e, quando suficiente Fe
está presente para dar o agrupamento Fe3+Fe3+OH, como na
nontronita, aparece a banda a 815 cm-1. Desta forma, nesse
estudo, a banda a 879 cm-1 presente nas amostras FT1, FS4,
GS1 caracteriza montmorilonita com substituição parcial do
Al3+ pelo Fe3+. Já na amostra FT8, devido à presença de calci-
ta, que absorve em torno de 880 cm-1, pode ocorrer interferên-
cia na banda da montmorilonita. Nessa amostra, as bandas a
1427, 873 e 713 cm-1 podem ser relacionadas à calcita.
A banda a 1636 cm-1 pode se referir à vibração de estira-
mento e de deformação de água de hidratação. Outras bandas
Figura 6 - Espectros do infra-vermelho da fração argila das a 1163 e a 1076 cm-1 correspondem às deformações axiais da
quatro amostras selecionadas. ligação Si-O, tal como foi mostrado para a argila de Wyoming
(Porto & Aranha, 2002). A banda a 3697 cm-1 é típica da caulinita.
lho (Wilson, 1994). Dessa forma, a montmorilonita pode ser O dubleto a 798 e 779 cm-1, além da banda a 695 cm-1,
identificada nas bandas a 3621 e a 3442 cm-1 relativas à vibra- identificam o quartzo. As bandas a 532, 470 e 428 cm-1 indicam
ção de estiramento O-H, que é similar à encontrada na mont- a presença de feldspato (Van Der Marel & Beutelspacher, 1976).
morilonita de Cheto (Wilson, 1994), que também tem um baixo
Valores de densidade, capacidade de troca catiônica (CTC)
teor em Fe. Outra banda característica da montmorilonita ocor-
e superfície específica mostrados na Tabela 4 são próximos
re a 913 cm-1 e refere-se a vibração de deformação O-H em
entre si. Esses resultados apresentam variações aquém dos
associação com a banda a 1.035 cm-1.
recomendados na literatura (Gomes, 1986; Grim, 1962), o que
Para as outras esmectitas dioctaédricas da série beidelita- sugere a interferência de outros argilominerais de baixa ativi-
nontronita, segundo trabalhos publicados por vários autores dade, como caulinita e micas, além de outros não-argilomine-
(Wilson, 1994; Goodman et alii, 1976; Farner & Russel, 1967), rais como quartzo e feldspatos.

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Tabela 4 - Valores de capacidade de troca catiônica (CTC), densidade e superfície específica pelos métodos BET e azul de metileno
(AM), para as quatro amostras da fração argila.

Densidade CTC Superfície Específica Superfície Específica


Amostra
(g/cm-3) (meq*100g-1) Externa - BET (m²g-1) Total - A M (m²g-1)

GA1 2,31 58,80 36,42 439,85

FS4 2,13 54,00 46,76 403,94

FT1 2,27 60,00 33,77 448,83

FT8 2,30 56,50 43,89 422,64

4. Conclusões • A microscopia eletrônica de varredura França pelas análises de espectroscopia


(MEV) confirmou que grande parte da no infravermelho.
Após a realização das diferentes fração argila mantém-se em forma aglo-
análises que permitiram fazer uma carac- merada.
terização detalhada das argilas da Penín- 6. Referências
sula de Santa Elena, podem-se ressaltar • Difratogramas das amostras com me-
alguns aspectos importantes. nores percentuais de fração argila bibliográficas
mostraram conter calcita, mesmo na AMORIM, L. V., GOMES, C. M., LIRA,
• Considerando os resultados minera- fração argila. Portanto o tratamento H. L. Bentotites from Boa Vista, Brazil:
lógicos, físicos e químicos e tendo em ácido não foi eficiente para eliminar os physical mineralogical and rheological
vista que as argilas da península pes- carbonatos presentes, que também properties. Materials Research, v. 7,
quisada provêm da alteração de cin- podem estar presentes como cimen- n. 4, p. 583-593, 2004.
zas vulcânicas, pode-se concluir que tantes dos argilominerais. BRINDLEY G. W., BROWN G. Crystal
estas são argilas do tipo bentonitas structures of clay minerals and their X -
cálcicas, cujo principal componente • Os valores obtidos das análises de ray identification. (2ª Ed.). London:
pertence ao grupo das esmectitas di- CTC e superfície específica mostram Mineralogical Society, 1980. 495p.
valores um tanto abaixo dos referenci- BRISTOW, C. R., HOFFSTETTER, R.,
octaédricas, sendo definida como FEININGER, T., HALL, M. T. Léxico
montmorilonita ferruginosa. ados na literatura para montmorilonita
pura, o que sugere a interferência dos estratigráfico del Ecuador. (2ª Ed.). Paris:
• A presença de outros argilominerais demais minerais contidos nas amostras. Centre National de la Recherche
Scientifique, 1977.
como caulinita e traços de illita, embo-
• O material pesquisado tem potencial BROWN, G. The X-ray identification and
ra em menores proporções, dificulta a
para aplicações tecnológicas mais crystal structures of clay minerals.
caracterização da montmorilonita atra- London: Mineralogical Society, 1961.
avançadas, como aquelas das bento-
vés das análises térmicas diferenciais. BRUNAUER, S. EMMETT, P. H.,
nitas sódicas e cálcicas amplamente
Entretanto, as bandas de vibração TELLER, E. Adsorption of gases in
usadas na atualidade, tanto em seu
O-H, obtidas nos espectros do infra- estado natural, quanto após tratamentos multimolecular layers. Journal of
vermelho, mostraram ser um importan- American Chemical Society, n. 60,
de ativação (www.bentonit.com.br).
te critério para determinação das es- p.309-319, 1938.
mectitas ferruginosas. CODIGEM - Corporación de Desarrollo e
Investigación Geológico - Minero -
• Depois de aplicadas as metodologias 5. Agradecimentos Metalúrgica, Diagnóstico Ambiental en
da EMBRAPA, para eliminação de ma- Ao CNPq do Brasil, pela bolsa de la Explotación de Canteras de
téria orgânica e carbonatos, seguidas estudos durante o curso de doutorado. Materiales de Construcción, Guayaquil.
da separação granulométrica, difrato- Ao Componente 6 do Programa VLIR/ 1997. Relatório Técnico.
gramas de raios X da fração silte (não DEL ARCO, E. N., DUGAS, F., LABROUSE,
ESPOL do Equador, pelo financiamento
B. Contribución al conocimiento
mostrados no artigo) confirmaram a dos trabalhos de campo na Península de estratigráfico, sedimentológico y tectónico
presença de montmorilonita. Isto su- Santa Elena. Aos laboratórios da FICT de la región oriental de la Península de Santa
gere que aglomerados de argilomine- da ESPOL do Equador e aos da Univer- Elena y Parte Sur de la Cuenca del Guayas.
rais estão sendo quantificados na fra- sidade Federal de Ouro Preto, pela reali- In: CONGRESSO ECUATORIANO
ção silte. A metodologia utilizada, para zação das análises. Ao LEM (Laboratoi- DE INGENIEROS GEÓLOGOS DE
esse material pesquisado, parece não re Environnement et Minéralurgie) da MINAS Y PETRÓLEOS, 3. Guayaquil.
ter alcançado alta eficiência. Escola Nacional de Geologia de Nancy, Anais... 1983.

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Artigo recebido em 17/03/2007 e aprovadoo em 27/11/2007.

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