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Resumo
Abstract
The objective of this paper is to describe some acceptance based procedures to the treatment of
exhibitionism. The client was a 24 years old student, who looked for psychotherapic treatment
spontaneously. He had been showing exhibitionists responses for eight years. His exhibitionist
responses used to occur once a day followed by masturbation and uncomfortable feelings of guilt -
according to the self-records of the first twenty days in treatment. Sixteen sessions were conducted and
at the end of them, the masturbation, the paraphiliac thoughts and the public exhibition had their
frequency reduced to no occurrence in two weeks. This paper discusses the acceptance-based
procedures to the treatment of exhibitionism, as well as the relevance of a friendship to promote this
particular clinical change.
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e a direção que quer seguir, embora não tenha do pensamento parafilíaco e da excitação se-
escolha acerca de seus sentimentos. Na quinta xual tende a enfraquecer o contexto verbal que
etapa (meta 5), o cliente é encorajado a aban- influencia o responder constantemente aos
donar a luta contra aspectos de seu compor- eventos relacionados a parafilia. É importante
tamento para os quais o controle direto é considerar que aceitar os eventos privados
ineficaz. Isso tende a aumentar a exposição e impróprios não implica em conformar-se com
promover o enfrentamento diante de eventos respostas públicas passíveis de controle efe-
antes evitados, originando mudanças em seu tivo e que potencialmente causam danos a
repertório. Finalmente, a última etapa (meta outras pessoas.
6) estabelece o comprometimento com os O objetivo deste artigo é relatar uma expe-
objetivos da terapia e a mudança comporta- riência de atendimento do caso de um cliente
mental, uma vez que o cliente já não evita mais que apresentava comportamentos “exibicio-
pensamentos e sentimentos em conformidade nistas” empregando os procedimentos da
com as práticas da comunidade verbal fora do ACT, sugeridos por Hayes e Wilson (1994),
contexto clínico (Hayes & Wilson, 1994). buscando fundamentar a análise do caso em
A terapia baseada na aceitação foi origi- uma abordagem analítico-comportamental.
nalmente indicada por Hayes (1987) para Embora não descreva uma investigação em-
transtornos de ansiedade e de humor, que pírica, esse relato se justifica pela aparente es-
tipicamente envolvem emoções e pensa- cassez de literatura científica sobre o assunto.
mentos desagradáveis. Tratando-se das
parafilias, a topografia das respostas distin- Caracterização do cliente e da queixa
gue-se daquelas apresentadas nos transtornos
de humor e ansiedade. Diferentemente do que Carlos6, um estudante universitário de 24 anos
ocorre nestes transtornos, as parafilias do sexo masculino. Procurou a clínica por
envolvem estados prazerosos, como o desejo vontade própria, queixando-se de “sofrer
sexual, a excitação ou o orgasmo e muitas uma vontade incontrolável de exibir o pênis
pessoas que apresentam comportamentos ereto para mulheres desconhecidas, sentindo-
parafilíacos não se incomodam com sua se, logo em seguida, culpado e fracassado por
excitação atípica, mas apenas com as envolver-se com algo imoral e inútil” (sic).
conseqüências sociais da parafilia. No entan- O histórico da queixa remete à sua adoles-
to, há indivíduos que se sentem desconfor- cência quando, aos 14 anos, teve uma ereção à
táveis com suas respostas parafilíacas e beira de uma piscina. Naquele momento,
relatam sentimentos de culpa, fracasso e garotas fizeram comentários elogiando seu
insatisfação com o seu comportamento para- corpo, e seus amigos elogiaram o “sucesso”
filíaco (LoPiccolo, 1994). entre as meninas. Carlos conta que sentiu um
Um contexto verbal que condena comporta- bem-estar bastante intenso no momento e que,
mentos parafilíacos e encoraja as tentativas de a partir desse episódio, começou a sentir
suprimir os eventos privados corresponden- vontade de exibir sua ereção para meninas.
tes (pensamentos, desejos e fantasias) tende a Procurava ser discreto, cuidando para que
manter comportamentos de fuga/esquiva do conhecidos não presenciassem os episódios
cliente daqueles eventos. Mas, em razão dos de exibição. Desde aquele primeiro evento,
pensamentos e fantasias serem sensíveis ao em que incidentalmente houve a ereção
controle verbal, o mesmo contexto que peniana seguida por conseqüências sociais
influencia a inútil busca por controlá-los, possivelmente reforçadoras (elogios dos cole-
tende a mantê-los. gas), oito anos se passaram até que o cliente
A aplicação de procedimentos terapêuticos procurasse a terapia.
baseados na aceitação da incontrolabilidade De um modo geral, o cliente apresentou-se
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O nome do cliente foi alterado.
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socialmente hábil, tanto na interação com a Análise funcional dos comportamentos rela-
terapeuta quanto em seus relatos. O relacio- cionados ao exibicionismo
namento familiar durante a infância e adoles-
cência pareceu afetuoso e apropriado. Seus Um exame do auto-registro entregue pelo
pais o sustentavam financeiramente e apoia- cliente indicou as principais condições
vam-no emocionalmente, conforme relatava. antecedentes aos episódios de exibicionismo:
Mostrava-se responsável e comprometido ausência de homens, pessoas conhecidas ou
com sua vida acadêmica, apresentando boas policiais no local e a presença de uma ou mais
notas. Costumava dar aulas de reforço, mulheres desconhecidas (atraentes ou não). A
planejar e se engajar com entusiasmo em resposta de exibição consistia em exibir ou
comportamentos que envolviam sua carreira insinuar a exibição do órgão genital mas-
profissional. culino ereto na presença de mulheres
Quanto ao aspecto afetivo/sexual, no início desconhecidas, seguida ou não de mastur-
da terapia, o cliente geralmente se envolvia bação (em local privado).
em relacionamentos esporádicos e breves, Tal resposta ocorria com maior freqüência à
com pouca intimidade e contatos sexuais noite, sendo que neste período a exibição
ocasionais. Pouco mais de um mês depois, o consistia na exposição do pênis ereto
cliente iniciou uma relação afetiva com maior (geralmente, o cliente simulava estar uri-
comprometimento e intimidade. nando de modo que somente as garotas
Além dos comportamentos-queixa, Carlos pudessem vê-lo). Durante o dia, o pênis era
costumava se engajar em rituais como: contar freqüentemente exibido através de aberturas
passos enquanto andava; abrir todas as aparentemente acidentais nas roupas, o que
gavetas, em seqüência, quando apenas a dissimulava a exibição.
abertura de uma delas era necessária; caso O relato do cliente sugeriu que as diferentes
tivesse encostado o braço acidentalmente em reações das vítimas aumentavam ou dimi-
alguém, “compensava” esbarrando com o nuíam a probabilidade de ele continuar a
outro braço também; compensando do exibir-se e também influenciavam a excitação.
mesmo modo cada vez que queimava um O cliente tendia a continuar emitindo as
dedo. Tais rituais não se constituíam em respostas de exibição e sua excitação
queixa clínica e pareciam não afetar signifi- aumentava, conforme relatou, quando as
cativamente sua vida. vítimas demonstravam interesse pelo tama-
nho do seu pênis ou pelo vigor da ereção. Por
Características da clínica e do terapeuta outro lado, a excitação sexual e a resposta de
exibição, de acordo com o cliente, eram inter-
As sessões ocorreram em uma clínica-escola rompidas quando a reação da vítima expres-
que oferecia atendimento gratuito para a sava medo ou aversão.
comunidade. O cliente era atendido em uma Freqüentemente, o cliente sentia um forte
sala mobiliada com uma mesa, duas cadeiras, arrependimento e sentimento de culpa depois
um divã, um espelho e um lavatório. de ter se exibido. Ele relatava que não tinha
A terapeuta era uma estudante de graduação qualquer interesse de envolvimento com as
o
do 5 ano de Psicologia, de 23 anos e cujos vítimas. Durante os primeiros 20 dias de
atendimentos eram parte do cumprimento do registro, os episódios de exibicionismo ocor-
estágio obrigatório em Psicologia Clínica na riam, em média uma vez ao dia, enquanto que
Universidade Estadual de Londrina e foram as respostas pré-correntes (premência para
supervisionados semanalmente por uma exibir-se, resposta de excitação sexual e
professora de Psicologia Clínica em Análise ansiedade intensa) ocorriam cerca de três
do Comportamento. vezes.
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3 problema relacionado a parafilia foi consis-
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tente com os procedimentos terapêuticos
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adotados no tratamento do caso, uma vez que
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1º 10º 19º 28º 37º 46º 55º 64º
tenderam a gerar aceitação emocional do
Ordenação dos dias de registro
desconforto ocasionado pelo problema
Figura 1. Auto-registro das freqüências do Pensamento Intrusivo, da
clínico. Aparentemente, a namorada foi uma
Exibição e da Masturbação com estímulos parafílicos em registros ouvinte que respondeu à revelação do
semanais realizados (aleatoreamente) ao longo do tratamento problema de exibicionismo de modo a concor-
rer com um contexto verbal que condena a
Os pensamentos continuaram ocorrendo até o parafilia.
término do tratamento, geralmente acom- O presente relato pretendeu destacar o
panhados de reações fisiológicas de ansiedade benefício potencial do emprego de proce-
como sudorese, taquicardia e tontura, mas a dimentos de aceitação emocional no trata-
intensidade deles diminuiu, segundo relato mento de um caso de exibicionismo, assim
do cliente. A masturbação com pensamentos como do fomento de relacionamentos afetivos
parafílicos, realizada em ambientes privados, promotores de condições antecedentes à
como o banheiro e o quarto, aparentemente, resposta exibicionista incompatíveis ou con-
foi extinta. correntes com ela. O relacionamento afetivo
No caso deste cliente, o engajamento em um aqui relatado pareceu ter influenciado na me-
relacionamento amoroso com comprometi- lhora do cliente também por ter fomentado
mento tanto dele quanto da namorada, cons- um contexto verbal de aceitação emocional
tituiu um evento importante para a mudança das respostas relacionadas a parafilia,
comportamental clínica. Este relacionamento consistentemente com o procedimento tera-
afetivo, conforme relatado pelo cliente, pêutico adotado.
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