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UNIAMÉRICA

IMUNIDADE DE TRIBUTAÇÃO DE LIVROS DIGITAIS E CARDS GAMES NO


BRASIL

Análise da jurisprudência do STF e histórico de tentativas de tributação pelo


governo do Brasil

Wendyl Alves de Lira, Bacharel em


direito, advogado, pós-graduando em
Direito Tributário. Professor (a) Orientador
(a): Profa. Juliana Pimentel Viana.
dezembro/2022.

RESUMO

Este artigo apresenta um estudo sobre o histórico de jurisprudências do STF sobre a


imunidade de tributação sobre livros digitais e cards games no Brasil,
conjuntamente, analisando tais decisões, serão verificadas as tentativas de
tributação sobre os cards games e livros digitais realizadas pelo governo do Brasil, o
artigo tem como objetivo analisar os fundamentos das várias decisões do STF sobre
o tema, e entender o motivo que fez o governo brasileiro até o ano de 2022 tentar
tributar tais periódicos mesmo após várias derrotas jurídicas. Serão analisados de
forma objetiva os motivos que levaram o STF a considerar de forma unânime os
livros digitais como idênticos aos livros físicos, e os jogos Cards Games como livros,
assim como, ponderar os fundamentos do governo brasileiro ao tentar tributar os
Cards, e ao final, concluir se as decisões do STF caminham em harmonia com a
constituição e doutrina brasileira. Para elaboração do estudo, serão utilizados,
artigos, livros e as jurisprudências do STF como referência bibliográfica.

Palavras-chaves: tributário; livros; STF; imunidade; Cards.

1. INTRODUÇÃO

O art. 150, VI, Alínea D, da Constituição Federal do Brasil, estabelece a


existência de imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel
destinado a sua impressão, texto criado em 1988, o que gerou algumas
controvérsias após o passar dos anos.
A controvérsia sobre a tributação de livros eletrônicos e Cards Games é
antiga, pois a imunidade garantida aos livros e periódicos estabelecida pelo artigo
150, VI, alínea D, da Constituição Federal, é interpretada por muitos de forma
restrita, principalmente pelos estados e União que tentam tributar tais itens, pois
sabem que a movimentação financeira é extremamente alta sobre o comércio de tais
artigos de consumo.

A realidade, é que a Constituição Federal Brasileira de 1988 foi criada em


uma época que a tecnologia não englobava artigos digitais, pois a internet no Brasil
foi estabelecida em 1990, porém, se tornou popular nos anos 2000. De tal modo, o
legislador não poderia prever o avanço tecnológico que ensejaria na existência de
livros digitais, aparelhos digitais específicos para leitura de livros, e a existência de
Cards Gamers mundialmente conhecidos.

Os Cards Games é uma forma de jogos de cartas que derivam de um


universo fantástico, possuindo cenário, histórias e personagens próprios, de tal
modo, é considerado por muitos um livro divido em várias cartas, onde as
informações do universo e jogo são transmitidas aos leitores por intermédio de
cartas avulsas.

Assim, a controvérsia em relação aos livros eletrônicos foi lançada ao


interpretar de forma restrita o art. 150, VI, Alínea D, da Constituição Federal do
Brasil, existindo a alegação de que só podem ser considerados livros, os objetos
físicos em papel, deixando de considerar os livros digitais para fins de aplicação do
artigo supracitado.

No tocante aos Cards Games, a controvérsia paira sobre vários fatores, há


aqueles que alegam que os Cards Games não podem ser considerados livros
porque o seu conteúdo não é educacional, onde o art. 150, VI, Alínea D, da
Constituição Federal do Brasil supostamente estabelece que somente conteúdos
educacionais possuem a imunidade tributária, existe a alegação de que os Cards
Games são livros de figurinha colecionáveis, não podendo ser considerado um livro,
existe a alegação de que por ser um jogo, os Cards Games não podem ser
considerados livros, e por fim, existe a alegação de que os Cards Games não podem
ser considerados livros por conta do formato que é confeccionado, por intermédio de
cartas avulsas.

De tal modo, a seguir serão averiguadas as alegações dos estados e União


ao tentar tributar os Cards Games, serão analisadas também algumas exceções,
tudo conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de
Justiça e Tribunais de Justiça do Brasil.

2. GARANTIA DE IMUNIDADE DE TRIBUTAÇÃO SOBRE LIVROS, ARTIGO 150,


VI, ALÍNEA D, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL

O artigo 150, VI, alínea D, da Constituição Federal do Brasil estabelece o


seguinte:

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é


vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

VI - instituir impostos sobre: (Vide Emenda Constitucional nº 3, de 1993)

d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.

Podemos observar que tal norma possui caráter objetivo, que é basicamente
garantir imunidade tributária sobre livros, jornais, periódicos e o papel destinado a
sua impressão.

Contudo, a Constituição Federal Brasileira não estabelece alguns pontos


específicos sobre tal norma, deixando margem para interpretação, função essencial
que é exercida pelo Supremo Tribunal Federal, e tais analises foram realizadas
exaustivamente, conforme será exposto a seguir.

A primeira questão a ser elucidada, é esclarecer o que é um livro, pois, a


Constituição Federal Brasileira garante imunidade aos livros, mas determina o que é
um livro, não deixando fixado um formato específico, existindo: revistas; jornais;
livros; folhetos; livretos, entre outras espécies de impressos.

Outra questão controvérsia se refere ao material do livro, porque, apesar de


citar o “papel destinado à sua impressão”, conforme exposto anteriormente a
Constituição foi elaborada em 1988, época em que não existia outro formato de livro,
de tal modo, não se trata de uma omissão, mas sim de uma lacuna criada pelo
tempo e avanço da tecnologia.

Conforme será demonstrado a seguir, o artigo da Constituição Federal


Brasileira supracitado foi elaborado com precisão e coerência, inexistindo a
necessidade de complementação, pois as interpretações do Supremo Tribunal
Federal sobre o artigo ou temas inerentes ao artigo supracitado, foram realizadas de
forma sistema visando garantir uma projeção para o futuro, evitando que a norma
perca a eficácia pelo tempo.

2.1. Breve histórico das Decisões do Supremo Tribunal Federal sobre a


tributação de livros digitais e cards games

De uma forma resumida, serão demonstradas a seguir, as principais


jurisprudências do Supremo Tribunal Federal sobre o tema objeto do presente
estudo, onde será explanado de forma sintetizada as decisões e seus reflexos sobre
a tributação dos livros eletrônicos e cards games.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. no Recurso Extraordinário


656.203. São Paulo. Relatora: Min. Cármen Lúcia. 25.09.2012. Disponível
em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search. Acesso em: 25.12.2022.

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO


EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. 1. Imunidade do art. 150, inc. VI,
alínea d, da Constituição da República. Álbum de figurinhas. Precedentes.
2. Extensão da imunidade aos respectivos “cards”: ausência de
prequestionamento da matéria constitucional. Súmulas n. 282 e 356 do
Supremo Tribunal Federal. 3. Discussão quanto à classificação das
figuras: Súmula n. 279 deste Supremo Tribunal. 4. Agravo regimental ao
qual se nega provimento.

Em tal julgado de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, a União interpôs recurso


extraordinário contra julgado do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, o qual
manteve sentença que julgou procedente pedido de desembaraço aduaneiro
“referente à importação de livros e cards, também conhecidos como figurinhas ou
estampas colecionáveis”, sendo tais cards, da editora Devir Livraria LTDA, empresa
que possui a literatura Magic, um conjunto de cartas desse segmento.

Em tal decisão, o mérito da julgado não se resolver ao analisar se os Cards


Games podem ser considerados livros, mas sim, ao considerar que a jurisprudência
do STF também se aplica a álbuns de figurinhas, mesmo sendo realizada a venda
separada por pacotes, assim, julgado improcedente o recurso da União, garantindo
a imunidade tributária aos Cards Games, mesmo os considerando figurinhas.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário com agravo


1.253.322. São Paulo. Min. Cármen Lúcia. 03.04.2020. Disponível em:
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search. Acesso em: 25.12.2022.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO DA UNIÃO E RECURSO


EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO DE CENTRO DA INDÚSTRIA DO
ESTADO DO AMAZONAS. TRIBUTÁRIO E
PROCESSUAL CIVIL. IMUNIDADE DO INC. VI DO ART. 150 DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ÁLBUM DE FIGURINHAS. LIVROS
ILUSTRADOS. EXTENSÃO AOS RESPECTIVOS CARDS. RECURSOS
EXTRAORDINÁRIOS COM AGRAVOS AOS QUAIS SE NEGA
PROVIMENTO.

Em tal julgamento da relatoria da Ministra Cármen Lúcia, foi estabelecido que


os Cars Games apesar de não possuir o formato tradicional dos livros impressos,
são conteúdos culturais de transmissão de conhecimento e informação infantil,
ajudando as crianças e jovens a se familiarizar com a leitura, possuindo sim, grande
contribuição social.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 1.199.021.


Santa Catarina. Min. Marco Aurélio. 08.09.2020. Disponível em:
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search. Acesso em: 25.12.2022.

TRIBUTÁRIO – SIMPLES NACIONAL – BENEFÍCIO FISCAL – PIS -


– COFINS – REGIME MONOFÁSICO – ALÍQUOTA ZERO – RESTRIÇÃO –
LEI Nº 10.147/2000 – CONSTITUCIONALIDADE. É constitucional a
restrição, imposta a empresa optante pelo Simples Nacional, ao benefício
fiscal de alíquota zero previsto no parágrafo único do artigo 2º da Lei nº
10.147/2000, tendo em conta o regime próprio ao qual submetida –
considerações.

Tal julgamento de relatoria do Ministro Marco Aurélio, ensejou na declaração


de constitucionalidade da restrição imposta a empresa optante pelo Simples
Nacional, ao benefício fiscal de alíquota zero, e por consequente, deu margem a
interpretação dos tribunais brasileiros, de que o optante pelo Simples Nacional não
faz jus ao benefício da imunidade tributária concedida aos livros e periódicos.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. no Recurso Extraordinário


1.108.541 São Paulo. Relator: Min. Nunes Marques. 05/09/2022. Disponível
em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search. Acesso em: 25.12.2022.

AGRAVO INTERNO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO


TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA. CARDS DA SÉRIE MAGIC
THE GATHERING. ACESSO À INFORMAÇÃO E DISSEMINAÇÃO
CULTURAL. ART. 150, VI, “D”, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA. ACÓRDÃO RECORRIDO EM
DESCONFORMIDADE COM O ENTENDIMENTO FIRMADO PELO
PLENÁRIO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NO JULGAMENTO
DO RE 330.817. 1. Ao apreciar a controvérsia, o Tribunal de origem divergiu
de entendimento firmado pelo Plenário do Supremo segundo o qual “a
interpretação das imunidades tributárias deve se projetar no futuro e levar
em conta os novos fenômenos sociais, culturais e tecnológicos. Com isso,
evita-se o esvaziamento das normas imunizantes por mero lapso temporal,
além de se propiciar a constante atualização do alcance de seus preceitos”
(RE 330.817, ministro Dias Toffoli).
2. Agravo interno desprovido.

Por fim, tal julgamento de relatoria do Ministro Nunes Marques foi de extrema
importância para o tema, pois, concluiu que a interpretação das imunidades
tributárias deve se projetar para o futuro, ou seja, deve considerar o avanço da
tecnologia e seus efeitos sociais, culturais e tecnológicos, assim, evitando que as
normas percam a eficácia por consequência do tempo e avanço tecnológico e
cultural.

Na realidade, tal decisão teve como fundamento o Recurso Extraordinário de


Repercussão Geral 330.817 do Ministro Dias Toffoli, decisão que será alvo de
análise em tópico específico a seguir. A citação do supracitado Recurso
Extraordinário 1.108.541 é importante, por conta da sua data de julgamento, dia
05.09.2022, assim, podemos observar que mesmo após o julgamento do Tema de
Repercussão Geral 330.817 que trata sobre o assunto, ainda assim, o Estado de
São Paulo tenta tributar os Cards Games, ingressando com cobrança sobre os
mesmos Cards Games, Magic The Gathering.

Conforme decisões elencadas acima, é possível verificar que o Supremo


Tribunal Federal não realiza distinção sobre os livros e os Cards Games, e mesmo
nas decisões em que os Cards são considerados como objetos distintos dos livros
em seu formato, o Supremo Tribunal Federal também garante a imunidade tributária
para os Cards.

Adiante serão analisadas as principais alegações dos estados brasileiros e


União ao tentar tributar os livros digitais e Cards Games.

2.2. Dos fundamentos utilizados pelo governo do Brasil ao tentar tributar os


livros digitais e cards games
Os fundamentos dos estados e da União para tentar tributar os livros digitais e
Cards Games são variados, porém, a seguir serão elencados os principais
fundamentos utilizados.

Inicialmente, um dos principais fundamentos utilizados ao tentar tributar os


livros digitais e Cards Games é o argumento de que tais objetos possuem forma
diferente do livro, na realidade, o ente público tenta estabelecer uma restrição ao
formato e material do livro.

Por não ser impresso, o livro digital recebe as críticas de que a Constituição
Federal Brasileira não lhe garantiu imunidade tributária, pois o texto do artigo 150,
VI, alínea D, da Constituição Federal do Brasil fala em “papel destinado a sua
impressão”, de tal modo, só seria considerado um livro, os materiais impressos.

No tocante a forma dos Cards Games, por serem confeccionados de forma


avulsa, são cartas vendidas em pacotes, não possuindo sequência lógica.

Outro argumento é de que os Cards Games não são um livro, mas sim, um
jogo que não possui função literária, não possuindo relação com o universo literário
do cenário do jogo ou sequência narrativa lógica.

Por fim, outra argumentação bastante utilizada ao tentar tributar os Cards


Games, é de que tais Cards não possuem caráter educacional.

De tal forma, os motivos e fundamentos que levaram o Supremo Tribunal


Federal a rechaçar tais argumentos serão analisados a seguir.

3. RESUMO DA CONTROVÉRSIA DE TRIBUTAÇÃO DOS LIVROS DIGITAIS E


CARDS GAMES NO BRASIL

Conforme todo o exposto anteriormente, é possível verificar que mesmo


existindo vários julgados do STF sobre o tema, os estados e União ainda insistem
em tributar os Cards Games.

Após a decisão de repercussão geral do Recurso Extraordinário 330.817-RJ


do STF, sobre a imunidade de tributação sobre livros e eletrônicos ou digitais, a
tentativa de tributação sobre tais livros se tornou rara, sendo tal julgamento
extremamente importante para o tema e outros inerentes, pois, mesmo em casos de
tentativa de tributação de Cards Games, o Recurso Extraordinário 330.817-RJ é
utilizado em sua fundamentação.

Contudo, infelizmente a tributação sobre os Cards Games ainda é realizada


por alguns estados, o que implica em prejuízo para várias empresas que não
possuem conhecimento sobre o tema, e a existência de ações judicias para as
empresas que possuem conhecimento jurídico sobre o tema, ademais, existem
algumas exceções em que a empresa não poderá usufruir do benefício da
imunidade tributária, conforme será exposto a seguir.

3.1 Análise da decisão no Recurso Extraordinário 330.817-RJ, repercussão


geral, imunidade de tributação sobre livro eletrônico ou digital

O Recurso Extraordinário 330.817-RJ, de repercussão geral, foi julgado em


08.03.2017, e teve como Ministro Relator Dias Toffoli. Em síntese, o Estado do Rio
de Janeiro interpõe recurso extraordinário com fundamento no art. 102, inciso III,
alínea a, da Constituição Federal contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado
do Rio de Janeiro, alegando contrariedade ao art. 150, VI, d, da Constituição
Federal.

O Estado do Rio de janeiro alegou que certamente, o constituinte ofereceu


especial proteção apenas aos livros, aos jornais e aos periódicos, produzidos com
papel, e que todos os outros meios estão excluídos da imunidade, e que o livro
eletrônico já existia ao tempo da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Tais alegações foram rechaçadas pelo STF, a Ementa do julgado merece


citação, pois trouxe imenso saber jurídico e reflexos na sociedade sobre o tema,
vejamos:

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 330.817. Tema


de Repercussão Geral. Rio de Janeiro. Relator Min. Dias Toffoli.
08.03.2017. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search.
Acesso em: 25.12.2022.

Recurso extraordinário. Repercussão geral. Tributário. Imunidade


objetiva constante do art. 150, VI, d, da CF/88. Teleologia multifacetada.
Aplicabilidade. Livro eletrônico ou digital. Suportes. Interpretação evolutiva.
Avanços tecnológicos, sociais e culturais. Projeção. Aparelhos leitores de
livros eletrônicos (ou e-readers).
1. A teleologia da imunidade contida no art. 150, VI, d, da
Constituição, aponta para a proteção de valores, princípios e ideias de
elevada importância, tais como a liberdade de expressão, voltada à
democratização e à difusão da cultura; a formação cultural do povo
indene de manipulações; a neutralidade, de modo a não fazer distinção
entre grupos economicamente fortes e fracos, entre grupos políticos etc; a
liberdade de informar e de ser informado; o barateamento do custo de
produção dos livros, jornais e periódicos, de modo a facilitar e estimular a
divulgação de ideias, conhecimentos e informações etc. Ao se invocar a
interpretação finalística, se o livro não constituir veículo de ideias, de
transmissão de pensamentos, ainda que formalmente possa ser
considerado como tal, será descabida a aplicação da imunidade.
2. A imunidade dos livros, jornais e periódicos e do papel destinado
a sua impressão não deve ser interpretada em seus extremos, sob pena de
se subtrair da salvaguarda toda a racionalidade que inspira seu alcance
prático, ou de transformar a imunidade em subjetiva, na medida em que
acabaria por desonerar de todo a pessoa do contribuinte, numa imunidade a
que a Constituição atribui desenganada feição objetiva. A delimitação
negativa da competência tributária apenas abrange os impostos incidentes
sobre materialidades próprias das operações com livros, jornais, periódicos
e com o papel destinado a sua impressão. 3. A interpretação das
imunidades tributárias deve se projetar no futuro e levar em conta os novos
fenômenos sociais, culturais e tecnológicos. Com isso, evita-se o
esvaziamento das normas imunizantes por mero lapso temporal, além de se
propiciar a constante atualização do alcance de seus preceitos.
4. O art. 150, VI, d, da Constituição não se refere apenas ao método
gutenberguiano de produção de livros, jornais e periódicos. O vocábulo
“papel” não é, do mesmo modo, essencial ao conceito desses bens finais. O
suporte das publicações é apenas o continente (corpus mechanicum) que
abrange o conteúdo (corpus misticum) das obras. O corpo mecânico não é o
essencial ou o condicionante para o gozo da imunidade, pois a variedade de
tipos de suporte (tangível ou intangível) que um livro pode ter aponta para a
direção de que ele só pode ser considerado como elemento acidental no
conceito de livro. A imunidade de que trata o art. 150, VI, d, da Constituição,
portanto, alcança o livro digital (e-book). 5. É dispensável para o
enquadramento do livro na imunidade em questão que seu destinatário
(consumidor) tenha necessariamente que passar sua visão pelo texto e
decifrar os signos da escrita. Quero dizer que a imunidade alcança o
denominado “audio book”, ou audiolivro (livros gravados em áudio, seja no
suporte CD-Rom, seja em qualquer outro).

6. A teleologia da regra de imunidade igualmente alcança os aparelhos


leitores de livros eletrônicos (ou e-readers) confeccionados
exclusivamente para esse fim, ainda que, eventualmente, estejam
equipados com funcionalidades acessórias ou rudimentares que auxiliam a
leitura digital, tais como dicionário de sinônimos, marcadores, escolha do
tipo e do tamanho da fonte etc. Esse entendimento não é aplicável aos
aparelhos multifuncionais, como tablets, smartphone e laptops, os quais vão
muito além de meros equipamentos utilizados para a leitura de livros
digitais.
7. O CD-Rom é apenas um corpo mecânico ou suporte. Aquilo que
está nele fixado (seu conteúdo textual) é o livro. Tanto o suporte (o CDRom)
quanto o livro (conteúdo) estão abarcados pela imunidade da alínea d do
inciso VI do art. 150 da Constituição Federal.
8. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

TESE DA REPERCUSSÃO GERAL:


9. Em relação ao tema nº 593 da Gestão por Temas da Repercussão
Geral do portal do STF na internet, foi aprovada a seguinte tese:
“A imunidade tributária constante do art. 150, VI, d, da
CF/88 aplica-se ao livro eletrônico (e-book), inclusive aos
suportes exclusivamente utilizados para fixá-lo.

Tal decisão do Ministro Dias Toffoli foi muito feliz ao esclarecer várias lacunas
sobre os livros digitais, inclusive, traçando regras que se estendem aos Cards
Games.

Inicialmente é esclarecido que o objetivo da norma constitucional que


estabeleceu a imunidade tributária sobre livros, foi garantir a liberdade de expressão,
sem intervenção de classe social dominante ou outras influencias, assim como,
incentivar a leitura e por consequência a cultura brasileira. Cumpre salientar que, a
Constituição Federal Brasileira de 1988 foi elaborada em um período posterior a
ditadura, de tal modo, existia claramente um temor sobre o domínio da informação,
existindo a imunidade também, a função social de garantir a liberdade de expressão.

De tal modo, a decisão do STF deixa bem claro que um livro é uma formação
de ideias, seja ela educativa ou não, bastando para sua caracterização a
transmissão de informações, não cabendo a análise subjetiva do conteúdo do livro,
pois a norma constitucional foi elaborada de forma objetiva.

Ao considerar que as normas constitucionais devem ser analisadas com


projeções para o futuro, levando em consideração as alterações sociais, políticas e
tecnológicas, o STF entendeu que o artigo 150, VI, Alínea D, da Constituição
Federal do Brasil possui eficácia plena, e que a vontade do legislador atualmente
seria a de incluir os livros digitais expressamente, no rol das imunidades, uma vez
que, livros digitais são apenas uma espécie de livro, ou seja, uma variação mais
moderna de livro, e não um novo conceito totalmente independente de objeto, pois o
que importa é o conteúdo, e não a forma de produção.

Outro definição importante para o tema, foi sobre a forma de recepção da


informação, pois o STF considerou como livros os áudio books, decisão
extremamente correta, pois a forma como a informação é recepcionada pelo
receptor do conteúdo não é importante para a definição de livro, ademais, pessoas
que possuem dificuldade visual conseguem ler utilizando o Braille, onde utilizam o
tato, de tal modo, negar que os áudios books são livros, seria o mesmo que negar
que os livros em Braile são livros, o que seria um absurdo.
Por fim, em tal decisão, o STF entendeu que os aparelhos que possuem
funções exclusivas para leitura de livros também possuem imunidade tributária, por
exemplo, o Kindle, deixando claro que os outros aparelhos que possuem funções
diversas: smartphones; tablets e laptops, não possuem imunidade tributária.

De tal modo, pode-se observar que a decisão do STF no Recurso


Extraordinário 330.817-RJ foi elaborada de forma detalhada, interpretando o artigo
art. 150, VI, D, da Constituição Federal conforme a sociedade atual, afastando as
alegações da União de forma fundamentada, conforme será exposto a seguir.

3.2 Análise sobre a tributação ou imunidade sobre os cards games e Livros


Digitais no Brasil

Conforme exposto anteriormente, existe imensa controvérsia sobre a


tributação ou imunidade sobre Cards Games e livros digitais no Brasil, porém, tais
controvérsias já foram sanadas pelo Supremo Tribunal Federal, assim, a seguir
veremos os argumentos do Supremo Tribunal Federal que invalidaram as alegações
da União e estados Brasileiros em suas tentativas de tributação.

O argumento de que os livros digitais e Cards Games possuem forma


diferente do livro, em uma tentativa de restringir o formato e material do livro, foi
rechaçado pelo Supremo Tribunal Federal, ao decidir que o formato e material do
livro não importa, o que importa é o conteúdo e objetivo de passar informação para o
receptor do conteúdo, não importando também, a forma de fabricação do livro, seja
com papel ou não, seja tangível ou não, inclusive, decidindo que os áudio books
também possuem imunidade tributária.

A alegação da União de que em 1988 já existiam livros digitais não prosperou,


pois em tal época os livros digitais não populares, era de conhecimento de poucos,
basicamente uma classe da sociedade que era dedicada a tecnologia eram os que
conheciam tal forma de livro, não sendo possível e nem lógico, concluir que o
legislador possuía conhecimento da existência de livros digitais.

No tocante a forma dos Cards Games, por serem confeccionados de forma


avulsa, são cartas vendidas em pacotes, não possuindo sequência lógica, tal
alegação foi rejeitada pelo Supremo Tribunal Federal, pois, ao consultar as
alegações das empresas fabricantes dos Cards, era esclarecido que existia um
universo do jogo, onde seguia um roteiro com histórias e personagens, o fato de ser
inserido um jogo no cenário, não quer dizer necessariamente que a leitura deixe de
ter um roteiro, uma seja, existia nítida informação cultural nas cartas.

Os Cards Games que mais foram objetos de recursos, foram os da franquia


Pokemon e Magic The Gathering, a franquia Pokemon possui desenhos infantis,
filmes, jogos virtuais, todos com histórias próprias, a franquia Magic também possui
livros que contam histórias próprias, sendo que as cartas fazem referência a estes
universos, e ajudam a contar as histórias dos livros e filmes, existindo clara função
literária.

Por fim, outra argumentação bastante utilizada ao tentar tributar os Cards


Games, é de que tais Cards não possuem caráter educacional, porém, em momento
algum a Constituição Federal Brasileira afirma que a imunidade tributária só será
concedida aos livros que possuem caráter educacional, pelo contrário, a norma
possui o objetivo de garantir a liberdade de expressão, e possui função objetiva.

Se o Supremo Tribunal Federal permitir que a União ou estados realizem


tributação sobre os livros que não consideram educativos, abriria margem para uma
opressão imensa, uma verdadeira afronta a liberdade de expressão, pois a análise
subjetiva sobre o que é educação é um ato que não deverá ser realizado neste
ponto, pois perseguições sobre aspectos religiosos, filosóficas, políticos e sociais
poderiam ser realizadas.

De tal forma, as decisões do Supremo Tribunal Federal que repeliram os


argumentos dos estados e União foram devidamente fundamentadas, e pacíficas,
inexistindo decisões conflitantes, sendo justa a garantia de imunidade tributária para
os livros digitais e Cards Games.

4. CONCLUSÃO

Conforme acima exposto, é possível verificar que existe grande interesse


político em tributar os livros digitais e Cards Games no Brasil, pois é um mercado
financeiro com grande movimentação. Porém, o principal objetivo da imunidade
tributária sobre os livros é garantira liberdade de expressão, incentivar a leitura e por
consequência a cultura da sociedade brasileira. Apesar de existirem várias
alegações de violação do artigo 150, VI, alínea d, da Constituição Federal do Brasil,
a matéria foi exaustivamente discutida pelo Supremo Tribunal Federal, e seu
entendimento pacífico é de que a imunidade também se aplica aos Cards Games,
livros digitais e suportes, englobando os aparelhos que foram criados
exclusivamente para leitura de livros ou áudio books.

Apesar de existir jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, alguns


estados continuam a insistir na cobrança de impostos sobre os Cards Games,
passando a respeitar a jurisprudência apenas no tocante aos livros digitais, tais atos
além de serem antidemocráticos, pois não respeitam a interpretação consolidada do
Supremo Tribunal Federal, também viola diretamente a sociedade, pois Cards
Games incentivam as crianças a praticar a leitura, ademais, por mais que livros
educacionais sejam os mais indicados, a realidade é que existem livros que
possuem uma leitura extremamente difícil, principalmente crianças, e os Cards
Games por possuírem ilustrações e poderem ser jogados, além de incentivar a
leitura, também ajuda no raciocínio lógico das crianças. De tal modo, é possível
verificar que o ato de tentar tributar os Cards Games e livros digitais, não passa de
uma tentativa da União e estados de burlar o dispositivo constitucional que garante a
imunidade tributária sobre livros, pois não existe qualquer mal na produção de tais
materiais, inclusive, várias editoras estão lançando livros impressos e digitais de
suas obras, se adaptando a sociedade moderna, não sendo lógico esperar que a
legislação constitucional se mantenha arcaica, sendo as decisões do Supremo
Tribunal Federal coerentes e harmônicas com a sociedade e política atual do Brasil.

5. REFERÊNCIAS

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Ag. Reg. no Recurso Extraordinário


656.203. São Paulo. Relatora: Min. Cármen Lúcia. Imunidade do art. 150, inc. VI,
alínea d, da Constituição da República. Álbum de figurinhas. Precedentes.
Julgamento 25.09.2012. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search.
Acesso em: 25.12.2022.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário 330.817. Tema de


Repercussão Geral. Rio de Janeiro. Relator Min. Dias Toffoli. Tributário. Imunidade
objetiva constante do art. 150, VI, d, da CF/88. Teleologia multifacetada.
Aplicabilidade. Livro eletrônico ou digital. Suportes. Interpretação evolutiva. Avanços
tecnológicos, sociais e culturais. Projeção. Aparelhos leitores de livros eletrônicos
(ou e-readers). Julgamento 08.03.2017. Disponível em:
https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search. Acesso em: 25.12.2022.

BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário com agravo


1.253.322. São Paulo. Min. Cármen Lúcia. Processual Civil. Tributário. Cards
Pokemon. Imunidade. art. 150. VI. ‘d’da Constituição Federal. Julgamento
03.04.2020. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search. Acesso
em: 25.12.2022.

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