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A FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA E OS DESAFIOS DA GESTÃO

DEMOCRÁTICA

Deivid Fernando Franco


Especializando em Gestão Escolar: UNICENTRO. 2018.
E-mail: franco-historia@hotmail.com / deivid.franco@escola.pr.gov.br

Margareth de Fátima Maciel


Professora Orientadora. Dra. em Educação. Departamento de Pedagogia

RESUMO

Palco de contradições sociais, a escola pública carrega a responsabilidade de formar


cidadãos. O presente trabalho propõe uma reflexão acerca dos temas Educação e Gestão
escolar. Neste sentido, realizamos uma pesquisa bibliográfica com o objetivo de
problematizar a função social da escola e o papel desempenhado do gestor escolar. À luz do
debate sobre gestão escolar lançamos mão das contribuições de Libâneo e Luck, dentre
outros. Acerca das tendências pedagógicas nos apoiamos nos textos de Saviani

Palavras-chaves: Gestão Escolar; Função Social da Escola; Educação; Cidadania.


1 INTRODUÇÃO

Ao longo da História a educação procurou adequar o indivíduo ao modelo de


sociedade vigente. Os meninos espartanos eram tirados de suas famílias aos sete anos de
idade e levados ao convívio do Estado e da prática militar. Os atenienses consideravam
aptos ao exercício da cidadania apenas os homens maiores de vinte que tivessem noções
políticas ou filosóficas aprendidas nos bancos escolares.
A constituição dos “sistemas nacionais de ensino” remonta a chegada da
burguesia ao poder e a consolidação do modo de produção capitalista em meados do século
XIX. O direito de todos a educação, agora obrigatoriamente ofertada pelo Estado, trazia em
seu bojo a necessidade de democratizar a sociedade dominada pelos reis absolutistas que
caracterizaram o “Antigo Regime”. Do mesmo modo, intencionou-se transformar o súdito em
cidadão esclarecido que, vencendo a barreira da ignorância, estaria apto a viver em uma
nova sociedade democrática e burguesa (SAVIANI, p. 17, 1999).
Nos quadros da contemporaneidade a Educação escolar brasileira, segundo
a LDB 9394/96, “tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para
o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Com efeito, a história da
educação escolar é marcada por um jogo de interesses sociais, políticos e econômicos e,
por agregar um grande contingente de sujeitos históricos em processo de formação a escola
pública torna-se, muitas vezes, palco de tensões sociais. Haja visto que estes agentes
constituirão uma nova sociedade ou darão continuidade ao modelo do qual já fazem parte.
A Gestão Democrática está baseada na coordenação de atitudes e ações que
propõem a participação social, ou seja, a comunidade escolar (professores, alunos, pais,
direção, equipe pedagógica e demais funcionários) é considerada sujeito ativo em todo o
processo da gestão, participando de todas as decisões da escola. Assim, é imprescindível
que cada um destes sujeitos tenha clareza e conhecimento de seu papel quanto
sujeito/participante da comunidade escolar ou das instâncias colegiadas
O presente trabalho intenciona problematizar o debate sobre a função social
da escola analisando o papel do diretor escolar frente proposta da Gestão Democrática,
modelo educacional adotado pela LDB (Lei n. 9.394/96) para as instituições públicas que
ofertam a Educação Básica (Educação Infantil, o Ensino Fundamental obrigatório de nove
anos e o Ensino Médio - Lei n. 9.394/96). Não objetivamos formular práticas para superação
de desafios que venham a serem identifiados, todavia, o debate teórico se constitui como
elemento essencial no planejamento e na execução das atividades realizadas no interior das
instituições de ensino. Nossa justificativa pode ser encontrada na razão de problematizar os
rumos da educação brasileira e na discussão sobre a função social da escola pelo viés da
Gestão escolar que, almejando contribuir com o trabalho desenvolvido por gestores e
educadores também auxilie nas futuras pesquisas sobre o tema.
Partindo da premissa de que o conhecimento teórico se constitui como
ferramenta imprescindível ao exercício de uma gestão democrática efetiva lançamos mão do
debate sobre a função social da escola e investimos em uma pesquisa bibliográfica sobre o
tema Gestão Escolar.
Assim, para elaboração do presente trabalho realizamos uma pesquisa
bibliográfica buscando fundamentação teórica que alicerçasse a tematização da pesquisa de
forma clara e objetiva. Como apontam Lakatos e Marconi (2003, p. 183) esta prática almeja
“colocar o pesquisador em contato direto com tudo o que foi escrito, dito ou filmado sobre
determinado assunto, inclusive conferencias seguidas de debates que tenham sido
transcritos por alguma forma”. Conquanto, esgotar a leitura acerca de tais produções
tornaria inviável a produção deste artigo, exigindo uma pesquisa de maior fôlego
considerando sua amplitude.

2 REFERENCIAL TEÓRICO

2.1 Democracia e Gestão Escolar

Segundo Bobbio (2005, p. 7), a democracia se contrapõe ao autoritarismo


pela forma de distribuição do poder, compondo “uma das várias formas de governo, em
particular aquelas em que o poder não está nas mãos de um só ou de poucos, mas de
todos, ou melhor, da maior parte”.
A proposta da redemocratização brasileira, “lenta, gradual e segura”, iniciada
no governo de Geisel (1974/1979) e seguida no governo Figueiredo contagiou a nação
brasileira da década de 1980 com um sentimento de liberdade de expressão, evidenciado
nas mobilizações populares como a campanha para eleições diretas de 1984, a
“Diretas já”. Durante o período ditatorial, marcado pela repressão e a tortura, as eleições
para ocupação de cargos políticos ocorriam de forma indireta, por indicação de um
colegiado eleitoral composto por militares e seus partidários. O mesmo processo marcou as
eleições de 1985, porém, os presidentes eleitos eram civis.
Durante a ditadura, a luta pela democracia fez parte da carreira de inúmeros
profissionais da educação e de estudantes brasileiros, muitos perseguidos e torturados.
Com efeito, parte sonho democrático ganhou cores com a volta dos militares para os
quartéis e a democracia chegou também à esfera educacional, agora na forma de lei
(BRASIL, 1988).
Atualmente no estado do Paraná a escolha para o cargo de diretor escolar é
realizada através de processo eleitoral, todavia, Paro (2003) enumera, outras duas
categoriais para alçar um diretor escolar ao cargo, sendo elas a nomeação e o concurso.
No que tange a modalidade para a escolha de diretores realizada por nomeação, Paro
(2003, p. 19) enfatiza que este processo dá continuidade ao “clientelismo político”,
caracterizado pela troca de favores em detrimento as práticas democráticas.
Conforme o no site da Secretaria da Educação do Estado do Paraná, a
Gestão Democrática “está baseada na coordenação de atitudes e ações que propõem a
participação social, ou seja, a comunidade escolar” a qual é formada por professores,
alunos, pais, direção, equipe pedagógica e demais funcionários. Assim, a comunidade
escolar é considerada sujeito ativo no processo da gestão, participando das decisões
tomadas no interior das instituições de ensino. Doravante, o conceito de Gestão Escolar que
norteia esta pesquisa é denominado democrático-participativo desenvolvido por Libâneo
onde a o gestor é o responsável por colocar em prática o sistema organizacional a partir do
interesse comum, assumido pela comunidade escolar no interior das instituições de ensino.
Conforme Libâneo (2013), mesmo mediante às decisões coletivas este processo
democrático não exime seus participantes de responsabilidades individuais. Para o autor,
que prioriza as relações humanas, este modelo de gestão se opõe as formas de
conservadorismo social.

Os objetivos sociopolíticos da ação dos educadores voltados para as lutas


pela transformação social e da ação da própria escola de promover a
apropriação do saber para a instrumentação científica e cultural da
população, é possível não só resistir às formas conservadoras de
organização e gestão como também adotar formas alternativas, criativas,
que contribuam para uma escola democrática a serviço da formação de
cidadãos críticos e participativos e da transformação das relações sociais
presentes (LIBÂNEO, 2006, p. 328).

Na perspectiva de uma Gestão Democrática-participativa resistente as formas


conservadoras de gestão, bem como de relações sociais, a formação humana torna-se o fim
último de todo aparato e empenho de organização educacional. Lück (2009, p. 25) aponta
que “a gestão escolar é um enfoque de atuação, um meio e não um fim em si mesmo”, pois,
“os alunos são as pessoas para quem a escola existe e para quem deve voltar as suas
ações, de modo que todos tenham o máximo sucesso nos estudos que realizam para sua
formação pessoal e social” (2009, p. 21). Assim, sendo a escola a instituição que existe para
atender a uma demanda estudantil composta por crianças e jovens advindos de diversos
setores da sociedade - alguns antagônicos, a educação configura-se como um meio que
propicia a instrumentalização para o rompimento das amarras que permitem a continuidade
das desigualdades sociais. Destarte, não poderíamos nos furtar a ela enquanto categoria
conceitual.
Para Saviani (1999, p. 90) todo processo educativo configura uma relação entre
setores/sujeitos não antagônicos, pois, o educador age para o bem e a serviço dos
interesses do educando. Do mesmo modo, é refutada a neutralidade do ensino e se assume
a objetividade no ato de educar. O autor classifica o processo de ensino/aprendizagem
como uma atividade não material em que o produto não se separa do ato da produção.
Diferentemente de uma produção material, não ocorre nesta atividade o intervalo entre
produção e consumo, Saviani se utiliza do clássico exemplo de “dar aula” para caracterizar
esta afirmativa, pois, a aula é consumida ao mesmo tempo de sua produção (2011, p.12).
Sob a ótica da pedagogia história-crítica desenvolvida por Saviani (1999, p. 84-85) a
educação necessita estar articulada às práticas sociais vigentes, daí o seu aspecto
mediador em um constante processo de desenvolvimento do saber. Logo, o caráter
democrático da educação tem sua razão de ser nos efeitos prolongados a ação pedagógica,
fora dos muros da escola, pois, “o processo educativo é passagem da desigualdade à
igualdade”.
Em suma, a educação comprometida com a conscientização das classes é um fator
que a torna ferramenta de transformação social podendo se adaptar ao modelo de gestão
democrática-participava, tendo em vista que ambas se opõem as relações sociais
verticalizadas que pressupõem as continuidades da desigualdade dentro e fora das escolas.
Tendo em vista que este trabalho de pesquisa busca também analisar o papel da Gestão
Escolar Democrática e seus desafios na educação pública atual torna-se necessário
caracterizar os passos trilhados pela educação e o ensino público brasileiro. Contudo, a
brevidade confessada na apresentação do debate sobre os temas insinua que a discussão
está longe de se esgotar.

2.2 A função Social da Escola e o Gestor Escolar

Em “Escola e Democracia” (1999) Saviani apresenta um quadro das


tendências pedagógicas que fomentaram o debate sobre educação brasileira e a Função
Social da Escola. Conforme o autor, a educação foi abordada por dois modelos teóricos
distintos durante o século XX, o primeiro, denominado de “teorias não-críticas” e do qual
fazem parte as escolas Tradicional, Nova e Tecnicista, sugere que o ensino está atrelado
aos interesses do capital, servindo-se da cartilha do liberalismo econômico a educação é
percebida como algo autônomo e pode ser discutida a partir dela mesma. Para o segundo
grupo, chamado de “teoria crítico-reprodutiva” a escola é uma instituição condicionada a
fatores externos a sua existência, ou, “aos determinantes sociais, vale dizer, à estrutura
socioeconômica que condiciona a forma de manifestação do fenômeno educativo” (SAVIANI,
1999, p. 17).
No limiar da história da educação escolar brasileira, a Escola Tradicional viu
o processo de ensino/aprendizagem como elemento que possibilitava, unicamente, o
resgate do indivíduo da marginalidade, daí a necessidade de calcar o processo de
ensino/aprendizagem na transmissão de conhecimento. Já no fim do século XIX as críticas
ao modelo tradicional de ensino deram origem a Escola Nova, que percebia a educação
como instrumento de equalização social combatendo a marginalidade no sentido de “ajustar,
de adaptar os indivíduos à sociedade, incutindo neles o sentimento de aceitação dos demais
e pelos demais” (SAVIANI, 1999, p. 20). Esta teoria pressupunha a valorização do aspecto
psicológico sobre o lógico, do interesse sobre o esforço, o marginalizado não era mais o
“ignorante” desprovido de conhecimento, mas, o anormal ou, o diferente. Todavia, o alto
custo de sua manutenção restringiu este modelo de educação a uma minoria burguesa, em
detrimento de um grande contingente de educandos, em sua maioria pertencentes as
camadas populares da sociedade. Tal fato contribuiu para o rebaixamento da qualidade do
ensino público de tendência tradicional, pois, provocaram o afrouxamento da disciplina e a
despreocupação com a transmissão de conhecimentos.
Diante do declínio da popularidade da Escola Nova surgiram no segundo
quartel do século XX outras tendências teórico-pedagógicas que concorreram para sua
superação. No quadro das “teorias não-criticas” o tecnicismo foi impulsionado pelo
pressuposto da neutralidade científica e nos princípios de racionalidade, eficiência e
produtividade. Destarte, em uma sociedade sob a égide capitalista onde o trabalhador deve
se adaptar ao processo de trabalho, o ensino alinhou-se ao modo de produção fabril
objetivando através da prática pedagógica a formação de uma mão-de-obra apta a
produtividade, a característica da marginalidade agora estava vinculada ao indivíduo
tecnicamente incompetente, improdutivo (SAVIANI, 1999, p. 23-24). Por ser considerada
como modeladora do comportamento humano, as premissas da Escola Tecnicista foram
cooptadas pelo governo federal brasileiro durante a ditadura civil-militar, entre as décadas de
década de 1960 e 1970 o currículo escolar do ensino superior e o ensino de 1º e 2ª graus
foram adaptados aos interesses dos generais presidentes que os reorganizaram através das
leis 5.540/68 e 5.692/71 (LUCKESI, 1994, p. 63). O autoritarismo, marca do período em que
os militares estiveram no poder brasileiro, pode ser percebido no âmbito educacional ante a
supressão das disciplinas que amparavam a formação crítica dos educandos, “basta ver a
exclusão da filosofia, a minimização da literatura, da história, da geografia humana e das
artes” (ARANHA, 1996, p. 177).
No que tange as tendências pedagógicas vinculadas a “teoria crítico-
reprodutiva”, Saviani destaca a Escola como Violência Simbólica teorizada por Pierre
Bourdieu, a Escola como Aparelho Ideológico do Estado de Louis Althusser e a Escola
Dualista de Baudelot e Establet. Cabe ressaltar que as diferentes teorias, “crítica” ou “crítico-
reprodutivas” não surgiram de modo linear, em detrimento de suas antecessoras ou se
sobrepondo uma a outra. Todavia, coexistiram juntas e continuam a fomentar o debate
acerca da Função Social da Escola.
Como supracitado, a escola é um ambiente que congrega os mais variados
setores sociais e se configura, conforme Bourdieu (1999, p.41-42) em “um dos fatores mais
eficazes de conservação social". Para o autor, a escola permite a legitimidade às
desigualdades sociais, pois, o ambiente escolar é onde expressam-se as heranças
culturais, transmitidas em casa para os alunos, conforme seu capital cultural e seus valores.
Nesta perspectiva, existe uma cultura dominante sobrepondo-se a uma popular
cotidianamente interior das escolas, sua ação, apesar de não ser imperceptível foi
historicamente naturalizada, pois, a cultura das crianças dos setores privilegiados está mais
próxima do saber disseminado nas escolas. As crianças das camadas populares levam
desvantagem na assimilação dos saberes que já fazem parte do universo infantil burguês,
essa condição de violência simbólica sai da esfera cultural indo para a material a medida em
que os educandos assumem seus lugares na sociedade dando a condição de permanência
a conservação social (SAVIANI, 1999, p. 30).
Em Althusser o conceito de "Aparelho Ideológico de Estado" deriva da
premissa que "a ideologia tem uma existência material" e evidencia-se em práticas materiais
reguladas por rituais materiais definidos por instituições materiais (ALTHUSSER, s.d., 88-89
apud SAVIANI, 1999, p. 33). Destarte, a formação adquirida nos bancos escolares pelos
educandos, independentemente de suas classes sociais, reproduz as relações inerentes ao
sistema de exploração capitalista de tal forma que torna inglória a luta dos profissionais da
educação que fazem frente a esta estrutura social, porém, a escola como Aparelho
Ideológico do Estado não se exime da luta de classes. A marginalidade é percebida na
relação entre capitalista/explorador e trabalhador/explorado.
Esses atores sociais, burguesia e proletariado, constituem a teoria de C.
Baudelot e R. Establet, chamada por Saviani de Escola Dualista, entretanto, Saviani aponta
que os teóricos não admitem a escola como um palco para a luta de classes, pois, a função
precípua da escola é a inculcação da ideologia burguesa, pois, é um Aparelho pertencente
ao Estado Burguês (1999, p. 37). Assim, ao passo em que é disseminada a ideologia
burguesa, dos quais os conteúdos ou a cultura burguesa fazem parte, há um efeito ou, uma
reação da categoria do proletariado em se sujeitar, dissimulando sua condição. Para
Baudelot e Establet, a função social da escola é a de “impedir o desenvolvimento da
ideologia do proletariado e a luta revolucionária” (SAVIANI, p. 38). A escola está separada do
processo de produção não cabendo a ela qualificar trabalho intelectual ou manual.
Como mencionado anteriormente, as tendências pedagógicas disseminadas
durante o século XX não esgotam as possibilidades de discussão ou aplicação de sua
prática, ora pelo fato de que a sociedade está em constante transformação, ora pelo cenário
político e econômico das primeiras décadas do século XXI. Com efeito, para que qualquer
tendência pedagógica seja colocada em prática é mister que se organize através de um
processo de elaboração de projetos, objetivos e metas a serem alcançadas, neste cenário
surge a figura do gestor escolar.
Nos quadros do pós-ditadura a Constituição Federal de 1988 trazia no artigo
206, inciso VI a “gestão democrática do ensino público, na forma da lei”, enquanto que a
LDB (Lei n. 9.394/9) no seu artigo 14 outorgou a “participação dos profissionais da educação
na elaboração do projeto pedagógico da escola” e “participação das comunidades escolar e
local em conselhos escolares ou equivalentes”. Concomitantemente, iniciaram-se os
debates e a produção literária acerca dos modelos de Gestão Escolar vigentes até então,
bem como as novas possiblidades de atuação do diretor escolar, tendo em vista a posição
social e política ocupada por este na sociedade.
A função do diretor escolar é comumente associada a uma atividade
administrativa, todavia, o termo Gestão está vinculado às relações pessoais, pois, os
resultados almejados no interior das instituições, privadas ou públicas, concretizar-se-ão
através da ação de pessoas. Entretanto, uma vertente teórica sobre estudos da Gestão
Escolar defende que esta é um ramo da Administração Geral, pois, partem do pressuposto
de que a função da escola “nada mais é do que um empreendimento com características
sociais que devem ser consideradas em sua especificidade, muito embora sua função
administrativa seja basicamente a mesma onde quer que se apresente” (ALONSO, 1996, p.
66).
No paradigma da Administração Geral, a Gestão Escolar assenta-se na
escola taylorista que privilegia a sistematização das atividades com base nos resultados da
produtividade que, aplicados às linhas de produção deram origem ao Fordismo. No bojo das
teorias administrativas, a Gestão Escolar centralizadora sem participação democrática
efetiva de sua comunidade escolar e que não promove a reflexão e a crítica a tal sistema,
reproduz as condições de opressão e fortalecimento das desigualdades que fundamentam a
perpetuação do modo de produção capitalista, distanciando-se cada vez mais de uma
possível transformação social.
Contrários a concepção de escola como instituição empreendedora, diversos
autores analisaram o papel do Gestor Escolar. Lück (2009, p. 24) aponta que especificidade
do gestor é a de gerir a dinâmica cultural da escola afinado com as diretrizes e políticas
educacionais públicas para a implementação de seu projeto político-pedagógico e
compromissado com os princípios da democracia”. Destarte, a consolidação do processo de
aprendizagem do aluno, com ênfase no seu pensamento criativo, é o fim último da Gestão
Escolar.
Paro, percebe a gestão como sinônimo da administração, sendo entendida
como a utilização racional de recursos para a realização de determinados fins. Para tal, o
autor parafraseia Marx apontando que só o homem é capaz de projetar seu trabalho, geral e
abstratamente, como "atividade orientada a um fim" (MARX, 1983, p. 150 apud PARO,
2010). Com efeito, a direção escolar engloba a administração no processo de racionalização
do trabalho e de coordenação das atividades, mas, “coloca-se acima dela, em virtude do
componente de poder que lhe é inerente” (PARO. 2010, p. 769). Paro dicotomiza o trabalho
do gestor, caracterizado como atividade-meio, do trabalho pedagógico realizado com os
alunos, contudo, este trabalho coexiste nas instituições.
Na obra “Organização e gestão da escola: teoria e prática” (2013) José Carlos
Libâneo descreveu, além da concepção técnico-científica, outras três modelos de Gestão
Escolar. Trabalhando com base nas experiências subjetivas, o modelo interpretativo
privilegia a “ação organizadora” sobre o ato de organizar. Enfatizando as relações pessoais,
o modelo autogestionário é de responsabilidade coletiva e permite alternância na realização
das funções atribuídas aos profissionais da educação. A gestão democrática-participativa
permite, como o modelo autogestionário, a participação de todos na tomada de decisões,
porém, não exclui o papel da coordenação das atividades buscando, assim, objetividade nas
questões voltadas a gestão e a organização das atividades desenvolvidas no interior das
instituições. Ademais, a gestão democrática-participativa não exime seus participantes da
responsabilidade individual.
Partindo do pressuposto da continuidade do debate acerca do tema Gestão
Escolar e sob a proposta/lei da Constituição de 1988 de uma “gestão democrática do ensino
público” podemos, hipoteticamente, supor que os modelos supramencionados coexistam na
esfera nacional, trazendo a especificidade de cada região, pois, “refletem diferentes
posições políticas e concepções do papel da escola e da formação humana na sociedade”
(LIBÂNEO, 2013, p.105).

2.3 O papel do diretor escolar e o desafio da gestão democrática

Dentre os materiais disponibilizados no site da Secretaria Estadual de


Educação do Paraná - SEED fornecendo suporte aos gestores para superação das
dificuldades encontradas nas instituições de ensino a “Dimensão administrativa da atuação
do gestor na escola pública do Paraná” (2008) considera que, ao assumir o cargo uma série
de funções são delegadas ao diretor escolar.

Ao assumir o cargo de diretor assume uma série de funções, tanto de


natureza administrativa quanto pedagógica. Do ponto de vista
administrativo, compete-lhe:
1. a organização e a articulação de todas as unidades da escola;
2. o controle dos aspectos materiais e financeiros da escola;
3. o gerenciamento dos recursos humanos;
4. a integração entre escola e comunidade;
5. a mediação entre a escola e a mantenedora;
6. a construção do regimento escolar e sua aplicabilidade;
7. o monitoramento e a orientação àqueles a quem delegada
responsabilidades.
8. a liderança e a motivação de todos envolvidos no processo educacional;
9. a promoção de um sistema de ação integrada e cooperativa;
10. a viabilização da comunicação entre os membros da escola e entre a
escola e a comunidade;

Com efeito, pressupondo um conhecimento técnico de suas atividades


administrativas (itens 1, 2, 3, 5, 6 e 7) as atribuições do diretor não se desvencilham das
atividades que se caracterizam como relações sociais (itens 8, 9 e 10). Mesmo que se
apresente como líder, a figura do diretor necessita estar inserida em um ambiente que
inspire liberdade de expressão, tanto no momento em que este perceba a necessidade de
intervir em assuntos que coloquem em risco sua gestão quanto na necessidade de ouvir ou
acatar sugestões de seus conviveres. Quiçá, o primeiro desafio que se interpõe entre o
diretor e a gestão democrática é o de estar pronto para exercê-la.
Neste sentido, Lück percebe que uma das atribuições básicas ao papel do
diretor escolar “é promover na comunidade escolar o entendimento do papel de todos em
relação à educação e a função social da escola, mediante a adoção de uma filosofia comum
e clareza de uma política educacional” (2009, p. 18). A preocupação com o constante
diálogo entre diretor e comunidade escolar expõe a dimensão dos desafios da gestão
escolar carecendo de ser trabalhada constantemente no interior das escolas. Conquanto, o
espaço democrático da escola necessita do caráter hierárquico sem necessariamente
convergir para um ambiente de relações verticalizadas.
Como aponta paro (1986, p.46) a constituição da gestão democrática-
participativa se constitui como um processo histórico, pois, “a participação democrática não
se dá espontaneamente”, assim, cabe a coletividade viabilizar e incentivar participação de
todos nas decisões. Do mesmo modo, cabe ao gestor estimular a participação de todos os
atores sociais envolvidos neste processo.
Nesta perspectiva, não soa estranho supor que o ideal democrático deva
transpor os muros da escola envolvendo toda a comunidade, tendo em vista que a escola é
a instituição de referência desta.
O principal instrumento da administração participativa é o planejamento
participativo, que pressupõe uma deliberada construção do futuro, do qual
os diferentes segmentos de uma instituição, cada um com sua ótica, seus
valores e seus anseios, que, com poder de decisão, estabelecerão uma
política, que deve estar em permanente debate, reflexão, problematização,
estudo, aplicação, avaliação e reformulação, em função das próprias
mudanças sociais e institucionais. (Hora, 1994, p. 51)

As premissas da gestão democrática-participativa denotam que há um longo


caminho a ser percorrido. Assim como a própria democracia brasileira, marcada por
governos autoritários, a gestão democrática-participativa está em construção. Este processo
reafirma a importância da escolha dos diretores pela via democrática bem como, de seu
papel não só dentro das instituições ensino, mas, para a comunidade na qual a escola está
inserida.
Em suma, o papel do diretor/gestor escolar define, em parte significativa, os
rumos da sociedade na qual está inserido, podendo contribuir para uma transformação
social ou para sua conservação.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Partimos da ideia de que a função social da escola se configura, em algum


momento, como instrumento de conservação social, entretanto, é em Saviani que a
educação é percebida como mediadora das práticas sociais. O processo de humanização
proposto pela pedagogia histórico-crítico compreende, assim como a gestão democrática,
um campo de atuação que não comporta apenas o interior das escolas. Torna-se necessário
ampliar a disseminação de conhecimentos para além dos muros da escola, conquanto,
torna-se necessário trazer a realidade social das comunidades para dentro das escolas que
formará cidadãos capazes de investir em uma transformação social.
A escola pública, formada heterogeneamente, palco de interesses políticos,
socioeconômicos e culturais traz em sua complexidade a necessidade de uma constante
reflexão.
Analogamente à democracia brasileira, a gestão escolar democrática é um
processo recente com um quadro instável, pois, assim como a primeira ela é objeto de
interesses políticos que se revezam no poder em detrimento das camadas populares. A
gestão democrática-participativa acena para a participação de toda comunidade escolar nas
tomadas de decisões e lembra responsabilidade de cada um no processo de
ensino/aprendizagem. Se a escola é reflexo do modelo social historicamente construído a
educação constitui uma possibilidade de transformação social. Juntamente com a prática
democrática, a humanização da prática docente constitui alguns dos desafios da gestão
escolar atualmente.

4 REFERÊNCIAS

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Senado Federal, 1988.

BRASIL. Lei nº 9.394 de 20/12/1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação


nacional. Diário Oficial da União. Brasília, 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>
Acesso em: 16/01/2018.

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