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A arterapia e o desenvolvimento do
comportamento no contexto da
hospitalização*
Nas intervenções de arteterapia, a predo- O objetivo deste trabalho foi avaliar o com-
minância é do não-verbal, isto é, a abordagem portamento de crianças com idade de sete a
A arteterapia possibilita dez anos, internadas devido a moléstias infec-
e as formas de intervenção destinam-se ao
confronto com conteúdos inerentes a proces-
à criança não só a ciosas, antes e após intervenção de arteterapia.
sos psíquicos primários e pré-verbais. O liberdade de
arteterapeuta, na intervenção, utiliza a pala- expressão, mas MÉTODO
vra durante o desenrolar dos processos ex- sustenta sua
pressivos, não de forma abusiva, pois ela po- autonomia criativa, Tipo de estudo: as autoras trabalharam
derá dificultar o aprofundar da psique. Após amplia o seu com a abordagem quantitativa e delineamen-
o término das atividades plásticas, a palavra conhecimento sobre o to quasi-experimental.
poderá ser mais produtiva, com o objetivo de mundo e proporciona
melhor expor as experiências subjetivas, de Amostra e local: caracterizaram a amos-
seu desenvolvimento
maneira às vezes mais profunda. De qualquer tra vinte crianças internadas no Hospital de
emocional e social. Doenças Transmissíveis (HDT) de Goiânia
forma, antes ou depois da palavra, com ou
sem ela, o indivíduo já terá experimentado - Goiás, durante o primeiro semestre de 2003,
dentro de si, algo que efetivamente a arteterapia tem de maior sendo que dez compuseram o grupo experimental (grupo
eficácia terapêutica, como: expressar, configurar e materializar que passou por intervenções de arteterapia) e outras dez,
conflitos e afetos(2). o grupo controle (grupo que não passou por intervenções
de arteterapia). Os grupos foram constituídos por crianças
A arteterapia não é mero entretenimento, mas, sim, uma de ambos os sexos, na faixa etária entre sete anos e sete
forma de linguagem que permite à pessoa comunicar-se com meses a dez anos e onze meses de idade.
os outros. Desse modo, possibilita à criança não só a liber-
dade de expressão, mas também sustenta sua autonomia Procedimentos: este estudo é parte da dissertação da
criativa, ampliando o seu conhecimento sobre o mundo e autora principal, intitulada: “Arteterapia com crianças hos-
proporcionando seu desenvolvimento tanto emocional, pitalizadas”, tendo sido aprovado pelo Comitê de Ética em
como social. Por conseguinte, é importante à vida da pes- Pesquisa Médica Humana e Animal do HDT. A pesquisado-
soa, e pode ser de grande valor para aquelas que apresen- ra principal consultou as crianças e seus responsáveis quan-
tam patologias diversas e estão hospitalizadas(3). to ao desejo de participarem do mesmo, e após sua aquies-
cência, os responsáveis assinaram o Termo de Consenti-
No caso das crianças, o adoecimento favorece altera- mento Livre e Esclarecido, conforme as normas de pesquisa
ções na sua vida, como um todo, podendo, muitas vezes, com seres humanos – Resolução nº196/96(9).
desequilibrar seu organismo interna e externamente, o qual,
em conseqüência disso, gerará um bloqueio no seu proces- Analisou-se o comportamento das crianças com relação
so de desenvolvimento e comportamento saudável, especi- à arteterapeuta e ao material durante as avaliações iniciais
almente se a doença for longa(4-7). (antes do processo arteterapêutico) e finais (após as inter-
O instrumento empregado para análise dos dados foi a Com a intenção de verificar a existência ou não de dife-
Ficha de Avaliação de Características do Comportamento renças no comportamento da criança com relação à
das Crianças, uma adaptação das escalas do modelo de arteterapeuta e ao material de arte, nas avaliações inicial e
Machado, Figueiredo & Selegato(10), que visavam à obser- final de cada grupo, separadamente, realizaram-se as com-
vação de campo em sala de aula, tendo sido ajustadas para parações utilizando o Teste T de Wilcoxon. O Quadro 1 exi-
o presente estudo, com o fim de avaliarem os comportamen- be o desempenho dos grupos A (experimental) e B (contro-
tos dos participantes (crianças) na sua relação com a le), separadamente, no que diz respeito aos resultados obti-
arteterapeuta e com o material de arte em si (Anexo 1 e 2). dos nas duas modalidades.
Os itens avaliados em relação à arteterapeuta foram: os
níveis de agressividade, tranqüilidade, respeito, obediên- Quadro 1 – Comparação intragrupos dos escores obtidos
cia, comunicação, rebeldia, tensão, saliência, dependência e nas avaliações inicial e final, quanto ao comportamento
controle (Anexo1). Os itens avaliados em relação ao traba- das crianças, em relação à arteterapeuta e material de
lho executado, foram: os níveis de inquietação, arte* - Goiânia - 2003
impulsividade, organização, aplicação, tensão, saliência,
apatia, rapidez, atenção, interesse, participação, orientação, C o mpo rta me n to da cria n ça GA
GA GB
GB
persistência e cuidado (Anexo 2). Em relação à arteterapeuta A I <A F1 AI = AF
Quanto à avaliação dos itens relativos ao comportamen- Em relação ao material de arte A I <A F1 A I =A F
to, estes podiam estar presentes ou ausentes na dinâmica
da criança, sendo classificados em escores de até cinco pon- *Teste T de Wilcoxon(11)
1 p < 0,01
tos, evoluindo de um pólo oposto ao outro. GA (Grupo A - experimental): n = 10 GB (Grupo B – controle): n = 10
AI: avaliação inicial (antes das intervenções de arteterapia)
Um auxiliar de pesquisa, que recebeu treinamento prévio, AF: avaliação final (após as intervenções de arteterapia)
realizou as observações utilizando esse instrumento, tendo
Os dados do comportamento das crianças em relação à
também compartilhado as avaliações com a arteterapeuta.
arteterapeuta, no Quadro 1, indicam que a maioria dos sujei-
As intervenções de arteterapia consistiram de acompa- tos do grupo A (experimental) apresentou progresso signifi-
nhamento individual, realizadas no decorrer de sete sessões, cativo da avaliação inicial para a final, por mostrarem maior
durante três dias e meio consecutivos, com duração variada tranqüilidade, respeito, obediência, comunicação, solicitu-
de uma hora a três horas e meia, cada. Durante as interven- de, relaxamento, independência e controle, após as inter-
ções, trabalharam-se várias modalidades de arte apoiadas venções de arteterapia. Em relação ao aspecto de as crian-
às necessidades singulares de cada criança, favorecendo a ças estarem mais tímidas, não se registraram diferenças sig-
conduta focal e imediata e reforçando, assim, o vínculo. As nificativas nos dois grupos.
intervenções consistiram de técnicas lúdicas e de ativi-
Quanto ao grupo B (controle), este na avaliação final
dades artísticas, com condução espontânea das dinâmicas,
não indicou alterações estatisticamente significativas em
o que favoreceu a exteriorização da subjetividade da crian-
relação à avaliação inicial, demonstrando pontuações seme-
ça. Durante as intervenções utilizaram-se várias modali-
lhantes nas duas avaliações (inicial e final).
dades expressivas, entre elas, o desenho, a pintura,
a colagem, a modelagem, a construção, a gravura, o origami, Observa-se, sobretudo, que as categorias que progredi-
a dramatização, os jogos educativos e a escrita criativa. ram no grupo A (experimental) referem-se às reações, que
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(13) Urrutigaray MC. Arteterapia: a transformação pessoal pelas
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a) Classifique o paciente nas escalas abaixo julgando como ele se comporta em relação à Arteterapeuta:
De se m p e n h o Nív el Te n d ê n c i a L ev e Não L ev e Te n d ê n c i a Nív el De se m p e n h o
N í v e l (A ) (A ) pa r a (A ) Te n d ê n c i a pe rte n ce Te n d ê n c i a pa r a (B ) (B ) N í v e l (B )
+3
+3 +2
+2 pa r a (A ) n e m (A ) pa r a (B ) -2
-2 -3
-3
+1
+1 n e m (B ) -1
-1
0
(10)
* Adaptação ao Modelo de Machado, Figueiredo e Selegato
Anexo 2
a) Classifique o paciente nas escalas abaixo julgando como ele se comporta em relação ao material:
De se m p e n h o )N í v e l Te n d ê n c i a L ev e Não L ev e Te n d ê n c i a Nív el De se m p e n h o
N í v e l (A ) (A ) pa r a (A ) Te n d ê n c i a pe rte n ce Te n d ê n c i a pa r a (B ) (B ) N í v e l (B )
+3
+3 +2
+2 pa r a (A ) n e m (A ) pa r a (B ) -2
-2 -3
-3
+1
+1 n e m (B ) -1
-1
0
Esta pesquisa foi financiada pelo CNPQ, vinculada ao Núcleo de Estudos e Pesquisa em Saúde Integral
(NEPSI)/ Faculdade de Enfermagem/ UFG.
Correspondência:
A Ana Cláudia Afonso
arteterapia e o desenvolvimento Valladares
do comportamento Rev Esc Enferm USP
Ruacontexto
no 227 Qd. 68
CEP 74605-080
Valladares
das/n. Setor Leste Universitário
hospitalização
ACA, -Carvalho
Goiânia -AMP.
GO
2006; 40(3):350-5.
www.ee.usp.br/reeusp/ 355