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Williams Meirelles1

Capítulo 1

Evolução Histórica da
Contabilidade 1

1 Williams Meirelles é especialista em Controladoria e Gestão da Informação Con-


tábil pelo Centro Universitário Lasalle (UNILASALLE-Canoas, RS), possui graduação
em Ciências Contábeis e Administração de Empresas pela Universidade Luterana
do Brasil (ULBRA-Canoas, RS). Tem vasta experiência em Auditoria Contábil, ten-
do atuado por anos em uma “Big Four”. Atualmente, é professor dos cursos de
Ciências Contábeis e Administração de Empresas da ULBRA, presencial e EAD e
empregado público da Petrobras.
2 Teoria da Contabilidade e Estudos Atuariais

Introdução

A história da Contabilidade é tão antiga quanto à própria His-


tória da Civilização, e durante um longo período foi tida como
a arte da escrituração mercantil. Utilizava técnicas específicas
que se foram aperfeiçoando e especializando.

Nos primeiros tempos da Humanidade, havia apenas o


senso do coletivo em tribos primitivas. Com o rompimento da
vida comunitária, surgiram as divisões e o senso de proprie-
dade.

Assim, cada pessoa criava sua riqueza individual. Ao mor-


rer, o espólio deixado pelo indivíduo era passado como heran-
ça aos filhos ou parentes. A herança recebida dos pais (pater,
patris), denominou-se patrimônio. O termo passou a ser utili-
zado para quaisquer valores, mesmo que estes não tivessem
sido herdados.

A origem da Contabilidade está ligada à necessidade de


registros do comércio. O homem enriquecia, e isso impunha
o estabelecimento de técnicas para controlar e preservar os
seus bens. À medida que o homem começava a possuir maior
quantidade de valores, preocupava lhe saber quanto poderiam
render e qual a forma mais simples de aumentar as suas pos-
ses; tais informações não eram de fácil memorização quando
já em maior volume, requerendo registros.

Foi o pensamento do “futuro” que levou o homem aos pri-


meiros registros a fim de que pudesse conhecer as suas reais
possibilidades de uso, de consumo, de produção etc.
Capítulo 1 Evolução Histórica da Contabilidade 3

Com o surgimento das primeiras administrações particula-


res, aparecia a necessidade de controle, que não poderia ser
feito sem o devido registro, a fim de que se pudesse prestar
conta da coisa administrada.

O desenvolvimento do papiro (papel) e do cálamo (pena


de escrever) no Egito antigo facilitou extraordinariamente o re-
gistro de informações sobre negócios.

À medida que as operações econômicas se tornam com-


plexas, o seu controle se refina. No período medieval, diversas
inovações na Contabilidade foram introduzidas por governos
locais e pela igreja.

Sua evolução deu-se de forma gradativa e, hoje, a Conta-


bilidade é tida como a linguagem dos negócios, uma bússola
que orienta os gestores (públicos e privados) na tomada de
decisão. Seu estudo parte do entendimento e da apreensão de
sua base conceitual.

O objetivo deste capítulo é darmos nossos primeiros passos


para que você vá descobrindo a ciência contábil e vendo o
quanto ela faz parte da sua vida.

1.1 Evolução da Ciência Contábil

Podemos resumir a evolução da ciência contábil da seguinte


forma: Período Antigo, Período Medieval, Período Moderno e
Período Científico.
4 Teoria da Contabilidade e Estudos Atuariais

1.1.1 Período Antigo


Também denominada como Contabilidade Empírica, era pra-
ticada pelo homem primitivo, já tinha como objeto o Patri-
mônio, representado pelos rebanhos e outros bens nos seus
aspectos quantitativos.

Os primeiros registros processaram-se de forma rudimen-


tar, na memória do homem. Como este é um ser pensante,
inteligente, logo encontrou formas mais eficientes de processar
os seus registros, utilizando gravações e outros métodos alter-
nativos.

O inventário exercia um importante papel, pois a conta-


gem era o método adotado para o controle dos bens, que
eram classificados segundo sua natureza: rebanhos, metais,
escravos etc. A palavra “conta” designa o agrupamento de
itens da mesma espécie.

As primeiras escritas contábeis datam do término da Era


da Pedra Polida, quando o homem conseguiu fazer os seus
primeiros desenhos e gravações. Os registros combinavam o
figurativo com o numérico. Gravava-se a cara do animal cuja
existência se queria controlar e o número correspondente às
cabeças existentes.

Os sumérios e babilônicos, assim como os assírios, faziam


os seus registros em peças de argila, retangulares ou ovais,
ficando famosas as pequenas tábuas de Uruk, que mediam
aproximadamente 2,5 a 4,5 centímetros, tendo faces ligeira-
mente convexas.
Capítulo 1 Evolução Histórica da Contabilidade 5

Figura 1 Pedra Uruk.


Fonte: Wikipédia – creative comons – <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/thumb/1/1f/P1150884_Louvre_Uruk_III_tablette_%C3%A9criture_pr%-
C3%A9cun%C3%A9iforme_AO19936_rwk.jpg/534px-P1150884_Louvre_Uruk_
III_tablette_%C3%A9criture_pr%C3%A9cun%C3%A9iforme_AO19936_rwk.jpg>

Com a dinamização do Sistema Contábil, os registros se


tornaram diários e, posteriormente, foram sintetizados em pa-
piros ou tábuas, no final de determinados períodos, o que lem-
bra o diário, o balancete mensal e o balanço anual.

Já se estabelecia o confronto entre variações positivas e ne-


gativas. Reconhecia-se a receita, a qual era confrontada com
a despesa.

Os egípcios legaram um riquíssimo acervo aos historia-


dores da Contabilidade, e seus registros remontam há 6.000
anos antes de Cristo. A escrita no Egito era fiscalizada pelo
Fisco Real, o que tornava os escriturários zelosos e sérios em
sua profissão. O inventário revestia-se de tal importância, que
6 Teoria da Contabilidade e Estudos Atuariais

a contagem do boi, divindade adorada pelos egípcios, marca-


va o início do calendário adotado. Inscreviam-se bens móveis
e imóveis, e já se estabeleciam, de forma primitiva, controles
administrativos e financeiros.

As Partidas de Diário assemelhavam-se ao processo mo-


derno: o registro iniciava-se com a data e o nome da conta,
seguindo-se quantitativos unitários e totais, transporte, se ocor-
resse, sempre em ordem cronológica de entradas e saídas.

Pode-se citar, entre outras contas: Conta de Pagamento de


Escravos, Conta de Vendas Diárias, Conta Sintética Mensal
dos Tributos Diversos etc.

Tudo indica que foram os egípcios o primeiro povo a uti-


lizar o valor monetário em seus registros. Usavam como base
uma moeda cunhada em ouro e prata, denominada “Shat”.
Era a adoção, de maneira prática, do Princípio do Denomina-
dor Comum Monetário.

Os gregos, baseando-se em modelos egípcios, 2.000 anos


antes de Cristo, já escrituravam Contas de Custos e Recei-
tas, procedendo, anualmente, a uma confrontação entre elas,
para apuração do saldo. Os gregos aperfeiçoaram o modelo
egípcio, estendendo a escrituração contábil às várias ativida-
des, como administração pública, privada e bancária.

Há interessantes relatos bíblicos sobre controles contábeis,


um dos quais no tempo de José, no Egito, houve tal acumula-
ção de bens que perderam a conta do que se tinha (Gênesis
41:49).
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Houve um homem muito rico, de nome Jó, cujo patrimônio


foi detalhadamente descrito no livro de Jó, capítulo 1, verso 3.
Depois de perder tudo, ele recupera os bens, e um novo inven-
tário é apresentado em Jó, capítulo 42, verso 12.

Os bens e as rendas de Salomão também foram inventaria-


dos (I Reis 4:22-26 e 10:14-17).

Em uma parábola de Jesus, há citação de um construtor,


que faz contas para verificar se o que dispunha era suficiente
para construir uma torre (Lucas 14:28-30).

Ainda, relata-se a história de um devedor, que foi perdoa-


do de sua dívida registrada (Mateus 18:23-27).

Tais relatos comprovam que, nos tempos bíblicos, o contro-


le de ativos era prática comum.

1.1.2 Período Medieval


Na Itália, em 1202, foi publicado o livro Liber Abaci, de Leo-
nardo Pisano. Estudavam-se, na época, técnicas matemáticas,
pesos e medidas, câmbio etc., tornando o homem mais evoluí-
do em conhecimentos comerciais e financeiros.

Se os sumérios-babilônios plantaram a semente da Conta-


bilidade e os egípcios a regaram, foram os italianos que fize-
ram o cultivo e a colheita.

Foi um período importante na história do mundo, especial-


mente na história da Contabilidade.
8 Teoria da Contabilidade e Estudos Atuariais

A indústria artesanal proliferou com o surgimento de novas


técnicas no sistema de mineração e metalurgia. O comércio
exterior incrementou-se por intermédio dos venezianos, surgin-
do, como consequência das necessidades da época, o Livro-
Caixa, que recebia registros de recebimentos e pagamentos
em dinheiro. Já se utilizavam, de forma rudimentar, o Débito e
o Crédito, oriundos das relações entre direitos e obrigações, e
referindo-se, inicialmente, a pessoas.

O aperfeiçoamento e o crescimento da Contabilidade fo-


ram a consequência natural das necessidades geradas pelo
advento do capitalismo, nos séculos XII e XIII. O processo de
produção na sociedade capitalista gerou a acumulação de ca-
pital, alterando-se as relações de trabalho. O trabalho escra-
vo cedeu lugar ao trabalho assalariado, tornando os registros
mais complexos. No século X, apareceram as primeiras cor-
porações na Itália, transformando e fortalecendo a sociedade
burguesa.

No final do século XIII, apareceu pela primeira vez a con-


ta Capital, representando o valor dos recursos injetados nas
companhias pela família proprietária.

No início do Século XIV, já se encontravam registros expli-


citados de custos comerciais e industriais, nas suas diversas
fases: custo de aquisição; custo de transporte e dos tributos;
juros sobre o capital, referente ao período transcorrido entre
a aquisição, o transporte e o beneficiamento; mão de obra
direta agregada; armazenamento; tingimento etc., o que re-
presentava uma apropriação bastante analítica para época.
A escrita já se fazia nos moldes de hoje, considerando, em
Capítulo 1 Evolução Histórica da Contabilidade 9

separado, gastos com matérias primas, mão de obra direta a


ser agregada e custos indiretos de fabricação. Os custos eram
contabilizados por fases separadamente, até que fossem trans-
feridos ao exercício industrial.

1.1.3 Período Moderno


A Contabilidade tornou-se uma necessidade para se estabe-
lecer o controle das inúmeras riquezas que o Novo Mundo
representava.

A introdução da técnica contábil nos negócios privados foi


uma contribuição de comerciantes italianos do séc. XIII. Os
empréstimos a empresas comerciais e os investimentos em di-
nheiro determinaram o desenvolvimento de escritas especiais
que refletissem os interesses dos credores e investidores e, ao
mesmo tempo, fossem úteis aos comerciantes, em suas rela-
ções com os consumidores e os empregados.

O aparecimento da obra de Frei Lucca Paccioli, contem-


porâneo de Leonardo da Vinci, que viveu na Toscana, no sé-
culo XV, marca o início da fase moderna da Contabilidade.
Escreveu Tratactus de Computis et Scripturis (Contabilidade por
Partidas Dobradas), publicado em 1494, enfatizando que a
teoria contábil do débito e do crédito corresponde à teoria dos
números positivos e negativos.

Paccioli foi matemático, teólogo, contabilista, entre outras


profissões. Deixou muitas obras, destacando-se a Summa de
Aritmética, Geometria, Proportioni et Proporcionalitá, impressa
em Veneza, na qual está inserido o seu tratado sobre Contabi-
lidade e Escrituração.
10 Teoria da Contabilidade e Estudos Atuariais

Paccioli, apesar de ser considerado o Pai da Contabilidade,


não foi o criador das Partidas Dobradas. O método já era utili-
zado na Itália, principalmente na Toscana, desde o Século XIV.

O tratado destacava, inicialmente, o necessário ao bom


comerciante. A seguir, conceituava inventário e como fazê-lo.
Discorria sobre livros mercantis: memorial, diário e razão, e so-
bre a autenticação deles; sobre registros de operações: aqui-
sições, permutas, sociedades; sobre contas em geral: como
abrir e como encerrar; contas de armazenamento; lucros e
perdas; sobre correções de erros; sobre arquivamento de con-
tas e documentos etc.

Sobre o Método das Partidas Dobradas, Frei Lucca Paccioli


expôs a terminologia adaptada:

“Per”, mediante o qual se reconhece o devedor;

“A”, pelo qual se reconhece o credor.

Acrescentou que, primeiro deve vir o devedor, e depois o


credor, prática que se usa até hoje.

A obra de Paccioli não só sistematizou a Contabilidade,


como também abriu precedente que para novas obras pudes-
sem ser escritas sobre o assunto. É compreensível que a forma-
lização da Contabilidade tenha ocorrido na Itália, afinal, nesse
período, instaurou-se a mercantilização, sendo as cidades ita-
lianas os principais interpostos do comércio mundial.

Foi a Itália o primeiro país a fazer restrições à prática da


Contabilidade por um indivíduo qualquer. O governo passou
a somente reconhecer como contadores, pessoas devidamente
Capítulo 1 Evolução Histórica da Contabilidade 11

qualificadas para o exercício da profissão. A importância da


matéria aumentou com a intensificação do comércio interna-
cional e com as guerras ocorridas nos séculos XVIII e XIX, que
consagraram numerosas falências e a consequente necessida-
de de se proceder à determinação das perdas e lucros entre
credores e devedores.

Figura 2 Frei Luca Pacioli.


Fonte: Wikipédia – creative comons - <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/
commons/thumb/2/23/Jacopo_de%27_Barbari_-_Portrait_of_Fra_Luca_Pacio-
li_and_an_Unknown_Young_Man_-_WGA1269.jpg/584px-Jacopo_de%27_Bar-
bari_-_Portrait_of_Fra_Luca_Pacioli_and_an_Unknown_Young_Man_-_WGA1269.
jpg>
12 Teoria da Contabilidade e Estudos Atuariais

1.1.4 Período Científico


O Período Científico apresenta, nos seus primórdios, dois
grandes autores consagrados: Francesco Villa, escritor mila-
nês, contabilista público, que, com sua obra “La Contabilità
Applicatta alle administrazioni Private e Plubbliche”, inicia a
nova fase; e Fábio Bésta, escritor veneziano.

Embora o século XVII tivesse sido o berço da era científica e


Pascal já tivesse inventado a calculadora, a ciência da Conta-
bilidade ainda se confundia com a ciência da Administração, e
o patrimônio se definia como um direito, segundo postulados
jurídicos.

Nessa época, na Itália, a Contabilidade já chegara à uni-


versidade. A Contabilidade começou a ser lecionada com a
aula de comércio da corte, em 1809.

A obra de Francesco Villa foi escrita para participar de um


concurso sobre Contabilidade, promovido pelo governo da
Áustria, que reconquistara a Lombarda, terra natal do autor.
Além do prêmio, Villa teve o cargo de Professor Universitário.

Francisco Villa extrapolou os conceitos tradicionais de Con-


tabilidade, segundo os quais escrituração e guarda livros po-
deriam ser feitas por qualquer pessoa inteligente. Para ele, a
Contabilidade implicava conhecer a natureza, os detalhes, as
normas, as leis e as práticas que regem a matéria administra-
da, ou seja, o patrimônio. Era o pensamento patrimonialista.
Foi o início da fase científica da Contabilidade.

Fábio Bésta, seguidor de Francesco Villa, superou o mestre


em seus ensinamentos. Demonstrou o elemento fundamental
Capítulo 1 Evolução Histórica da Contabilidade 13

da conta, o valor, e chegou muito perto de definir patrimônio


como objeto da Contabilidade.

Foi Vicenzo Mazi, seguidor de Fábio Bésta, quem pela pri-


meira vez, em 1923, definiu patrimônio como objeto da Con-
tabilidade.

A partir de 1920, aproximadamente, inicia-se a fase de


predominância norte-americana dentro da Contabilidade. En-
quanto declinavam as escolas europeias, floresciam as escolas
norte-americanas com suas teorias e práticas contábeis, favo-
recidas não apenas pelo apoio de uma ampla estrutura eco-
nômica e política, mas também pela pesquisa e trabalho sério
dos órgãos associativos. O surgimento do American Institut
of Certield Public Accountants foi de extrema importância no
desenvolvimento da Contabilidade e dos princípios contábeis;
várias associações empreenderam muitos esforços e grandes
somas em pesquisas nos Estados Unidos. Havia uma total in-
tegração entre acadêmicos e os já profissionais da Contabili-
dade, o que não ocorreu com as escolas europeias, onde as
universidades foram decrescendo em nível e importância.

A criação de grandes empresas, como as multinacionais ou


transnacionais, por exemplo, que requerem grandes capitais,
de muitos acionistas, foi a causa primeira do estabelecimento
das teorias e práticas contábeis, que permitissem correta in-
terpretação das informações, por qualquer acionista ou outro
interessado, em qualquer parte do mundo.

No Brasil, a vinda da Família Real Portuguesa incrementou


a atividade colonial, exigindo – devido ao aumento dos gastos
públicos e também da renda nos Estados – um melhor aparato
14 Teoria da Contabilidade e Estudos Atuariais

fiscal. Para tanto, constituiu-se o Erário Régio ou o Tesouro


Nacional e Público, juntamente com o Banco do Brasil (1808).
As Tesourarias de Fazenda nas províncias eram compostas de
um inspetor, um contador e um procurador fiscal, responsáveis
por toda a arrecadação, distribuição e administração financei-
ra e fiscal.

Importantes fatos que marcaram a Contabilidade no Brasil:

1924 – Aconteceu o primeiro congresso brasileiro de Con-


tabilidade;

1940 – 1º Lei das S/A’s – Decreto Lei 2.627/40, influencia-


do pela escola patrimonialista italiana.

1946 – Promulgação do Decreto Lei 9.295/46, regula-


mentando as atribuições profissionais.

1976 – 2º Lei das S/A’s – Lei 6.404/76, onde seguimos a


escola norte-americana.

2007 – Com o advento da Lei 11.638/07, estabelece-se


uma mudança de foco na legislação contábil, pois a conta-
bilidade brasileira passa a ter como base de sustentação os
padrões contábeis internacionais.

1.2 Escolas do Pensamento Contábil

Com a disseminação do conhecimento da contabilidade e as


pesquisas feitas em torno dela, principalmente após a obra
de Luca Pacioli, começou a ser criado um arcabouço teórico
Capítulo 1 Evolução Histórica da Contabilidade 15

capaz de fundamentar em ciência o que nós escolhemos hoje


como profissão.

Dessa forma, teorias são defendidas por diversas correntes


de pensadores, que nós chamamos de escola. Segue abaixo
um breve resumo das escolas contábeis realizada por Coelho
e Lins (2010):

Escola contista: surgiu no século XV, com a obra de Luca


Pacioli, e foi impulsionada pelos primeiros livros impressos de
contabilidade. Suas teorias ficaram inalteradas até o século
XVIII, e foi conhecida como a era da estagnação contábil. A
preocupação central era explicar o funcionamento das con-
tas, esquecendo-se que a conta é apenas consequência das
operações que ocorreram na entidade. Sendo que Degran-
ges enumera os cinco principais efeitos: 1º mercadorias; 2º
dinheiro; 3º efeito a receber; 4º efeito a pagar e 5º lucros e
perdas. Nessa corrente de pensamento contábil, os pensado-
res que mais se destacaram foram: Jacques Savovy e Edmund
Degrange (pai) (FAVERO et al., 1997). A escola contista per-
deu influência devido à falta de suporte e enunciação.

Escola Personalista: essa escola do pensamento contábil é


conhecida, também, como escola Toscana e surge em reação
aos conceitos e propostas da escola contista. Essa corrente tem
como objetivo explicar as relações de direitos e obrigações.
Para defender suas teses, os autores dessa época criaram os
axiomas, que são premissas que admitem serem verdades sem
exigência de demonstração. Essa linha de pensamento foi am-
plamente analisada pela escola aziendalista, como será visto
mais adiante. Seguem os axiomas:
16 Teoria da Contabilidade e Estudos Atuariais

 1° AXIOMA: toda azienda (conjunto de obrigações, bens


materiais e direitos que constituem um patrimônio) deve
ser administrada, todas possuem um ou mais proprie-
tários e estes não podem conseguir uma gestão se não
entrarem em contato com agentes e correspondentes.

 2° AXIOMA: uma coisa é desfrutar a propriedade, outra


é administrar.

 3° AXIOMA: uma coisa é administrar a azienda, e outra


custodiar sua substância e por ela responder material-
mente.

 4° AXIOMA: não se pode criar um devedor sem, simul-


taneamente, criar-se um credor e vice-versa.

 5° AXIOMA: o proprietário, administrado ou não a


azienda, é, de fato, credor da substância e devedor das
passividades pertinentes àquela, ao contrário do que
ocorre com os agentes e com os correspondentes.

 6° AXIOMA: o débito e o crédito do proprietário não va-


riam senão em razão de perdas ou lucros, ou ainda por
acréscimos ou reduções do capital originário.

Escola Administrativa: vários são os nomes para nomear


essa escola de pensamento contábil: escola administrativa,
Lombarda, materialista ou ainda materialista substancial. Essa
escola originou-se no norte da Itália, no século XIX, e a admi-
nistração das entidades passou a ser o foco dos estudos. Aqui,
nasce a ideia de que todo empreendimento deve ser precedido
de um estudo de viabilidade econômica. Dessa forma, nota-se
Capítulo 1 Evolução Histórica da Contabilidade 17

que a contabilidade ligada à administração, destinada a inter-


pretar a dinâmica das empresas.

Escola Controlista: os estudiosos dessa época entediam a


contabilidade como a ciência do controle econômico. A ad-
ministração econômica era dividida no seguinte: gestão (que
visa à administração do patrimônio); direção (que harmoniza
a administração econômica e as relações internas e externas
da entidade); e controle (que visa impedir o desperdício).

Escola Reditualista: era o pensamento contábil que enun-


ciava ser o resultado (lucro ou prejuízo) o objeto de estudo da
contabilidade. Fato é que os estudiosos dessa corrente estuda-
vam a dinâmica da riqueza patrimonial, sem se preocupar com
os elementos desse mesmo patrimônio. A grande contribuição
feita por essa corrente foi a dinâmica do movimento patrimo-
nial associada ao ciclo operacional e não ao ano-calendário.

Escola Matemática: surgiu em 1901, por meio de um estu-


dioso italiano chamado Giovani Rossi. Para esse autor, a con-
tabilidade era uma ciência matemática na sua essência.

Escola Norte-Americana: com a criação da AAPA (Ame-


rican Association of Public Accountants) em 1887, que cen-
trou a melhoria da informação contábil, na padronização dos
processos contábeis. Essa escola procurava metodologias que
permitissem uma clara visão dos relatórios contábeis e dos
lançamentos que lhe deram origem, a fim de facilitar o enten-
dimento dos conceitos e teorias contábeis.

Escola Neocontista ou Moderna Escola Francesa: o neo-


contismo do início do século XX procurou restituir a contabi-
18 Teoria da Contabilidade e Estudos Atuariais

lidade o seu verdadeiro objeto: a riqueza patrimonial e, em


consequência, trouxe grande avanço para o estudo da análise
patrimonial e dos fenômenos decorrentes da gestão empresa-
rial.

Escola Alemã: surgiu na Alemanha a partir de 1919, con-


centrando-se em duas visões: teoria econômica das empresas
e o sistema de cálculo. A contabilidade era considerada como
o conjunto de registros para fornecer elemento de gestão.

Escola Aziendalista: nessa corrente, que surgiu em 1922,


a contabilidade é considerada como a ciência da administra-
ção econômica das entidades e estuda não só os resultados
de uma gestão, mas também seus princípios e constituição
harmônica das pessoas da organização. Nessa concepção, a
azienda se constitui de dois elementos: pessoas (elemento hu-
mano) e riqueza (patrimônio).

Escola Patrimonialista: a primeira proposta de formulação


de uma corrente contábil, que defendia a contabilidade como
ciência do patrimônio. Seu grande autor foi Vicenzo Masi, que
começou a escrever teorias em 1923.

Os principais fundamentos dessa escola, que são referên-


cia da contabilidade, são:

 A contabilidade é uma ciência social.

 O objeto da contabilidade é o patrimônio aziendal.

 Os fenômenos patrimoniais são fenômenos contábeis e


podem ser divididos em: estática patrimonial, dinâmica
patrimonial e levantamento patrimonial.
Capítulo 1 Evolução Histórica da Contabilidade 19

 O patrimônio deve ser observado em seus aspectos


qualitativos e quantitativos.

 O fenômeno patrimonial conceitua-se como todo acon-


tecimento que se verifica no patrimônio.

Escola Neopatrimonialista: pode-se dizer que é a primeira


escola de pensamento contábil originada no Brasil. Seu início
ocorreu em 1978, a partir dos estudos do Professor Antônio
Lopes de Sá, que foram expostos pela primeira vez em 1987
na Universidade de Sevilha, na Espanha. Tem o mesmo enfo-
que a teoria patrimonialista, mas com claro objetivo de torná-
-la mais atual face às mudanças tecnológicas e científicas do
nosso mundo.

Século XX – ênfase no controle (1ª fase): do ponto de vista


conceitual, a escola presente até hoje é a patrimonialista, que
teve sua concepção na década de 20. Nessa mesma época,
nos Estados Unidos, houve a queda da Bolsa de Nova York,
com a crise de 29, que se tornou uma grande depressão e
atingiu vários níveis mundiais, afetando a economia de vários
países durante anos. A contabilidade não conseguiu prever a
crise nem seus efeitos.

Dessa forma, houve muitas críticas sobre a falta de uma


uniformidade das práticas contábeis. A partir desse momento,
surge a necessidade dos pareceres da auditoria e de diversas
análises dos demonstrativos contábeis.

Essas metas aumentam o controle das empresas e regras


de padronização. Nasce a SEC (Security and Exchange Comis-
sion), órgão fiscalizador independente do governo federal para
20 Teoria da Contabilidade e Estudos Atuariais

fiscalizar se as empresas estavam cumprindo as novas regras,


principalmente, as vinculadas aos títulos e valores mobiliários.

Século XX – a busca pela harmonização internacional (2ª


fase):

Com a evolução da globalização da economia, avanço da


tecnologia, o fortalecimento do mercado de capitais, dentre
outros fatores, a contabilidade necessitava ter padrão interna-
cional.

Imagine a seguinte situação: como um investidor interna-


cional investiria em uma empresa brasileira, caso não soubes-
se entender os documentos contábeis que lhe demonstrariam
a sua rentabilidade financeira?

Perceba que a contabilidade, via de regra, está se ajustan-


do a essa teoria.

1.3 Teoria das Contas

Ao longo da história da Contabilidade, a classificação das


contas tem dividido os doutrinadores entre várias respostas,
resultando em formas diferentes de classificação e interpreta-
ção das contas. Isto fez com que aparecessem várias escolas
defensoras de seus princípios para justificar os critérios adota-
dos para classificação das contas. Entre as teorias apresenta-
das pelas escolas, três delas se tornaram as mais importantes:
Teoria personalista, Teoria materialista e Teoria patrimonialista.
Capítulo 1 Evolução Histórica da Contabilidade 21

1.3.1 Teoria Personalista


Para a escola personalista, as contas (elementos patrimo-
niais) podem ser representadas por pessoas com as quais são
mantidas relações jurídicas, ou seja, que se relacionam com
a entidade em termos de débito e crédito. Todos os débitos
efetuados nas contas dessas pessoas representam suas res-
ponsabilidades, enquanto todos os créditos representam seus
direitos em relação ao titular do Patrimônio.

Por essa teoria, as contas são classificadas segundo a na-


tureza da relação jurídica que essas pessoas mantêm com o
titular do Patrimônio.

Na Teoria personalista, temos três tipos de contas (pessoas):

a. Proprietários: consiste nos responsáveis pelas contas


do patrimônio líquido e suas variações, como receitas
e despesas. São, portanto, contas dos proprietários:
Capital social, Receita de vendas, Custo da mercado-
ria vendida (CMV), ICMS sobre vendas, Devoluções de
vendas, Receitas financeiras, Reserva legal etc.

b. Agentes consignatários: consistem nas pessoas (con-


tas) a quem a entidade confia à guarda os bens (Ati-
vo), ou seja, que representam os bens. São, portanto,
contas dos agentes consignatários: Caixa, Banco, Veí-
culos, Móveis, Terrenos etc.

c. Agentes correspondentes: consiste nas pessoas que re-


presentam as contas de direitos (Ativo) ou obrigações
(Passivo). São terceiros, que se situam na posição de
devedor ou credor da entidade. São, portanto, contas
22 Teoria da Contabilidade e Estudos Atuariais

dos agentes correspondentes às contas em que a enti-


dade mantém esse tipo de relação jurídica, como, por
exemplo, Clientes e Fornecedores. Os clientes devem
à empresa o valor correspondente a suas compras a
prazo e os fornecedores são credores da empresa em
relação às vendas a prazo que a esta foram feitas. Daí
resulta que Clientes é conta devedora e Fornecedores
é conta credora.

1.3.2 Teoria Materialista


A escola materialista se opôs à teoria personalista, defenden-
do que as contas representam entradas e saídas de valores e
não simples relações de débito e crédito entre pessoas (excluí-
das as relações com terceiros).

Essa é uma visão mais econômica do que vem a ser a


conta, a relação entre as contas e a entidade é uma relação
material e não pessoal, de sorte que a conta só deve existir
enquanto houver também o elemento material por ela repre-
sentado.

As contas dividem-se em:

a. Integrais (ou Elementares): são as representativas dos


bens, dos direitos e das obrigações da entidade, ou
seja, Ativo e Passivo Exigível.

b. Diferenciais (ou Derivadas): são as representativas do


Patrimônio Líquido, das receitas e das despesas da en-
tidade.
Capítulo 1 Evolução Histórica da Contabilidade 23

1.3.3 Teoria Patrimonialista


É a teoria usualmente adotada no Brasil. Segundo ela, criada
por Vincenzo Masi, o objeto de estudo da ciência contábil é
o Patrimônio de uma entidade. A contabilidade tem como fi-
nalidade controlar esse patrimônio e apurar o resultado das
empresas.

Essas contas se classificam da seguinte forma:

a. Contas Patrimoniais: são as contas representativas dos


bens e dos direitos (Ativo), das obrigações (Passivo) e
do Patrimônio Líquido (PL) da entidade.

b. Contas de Resultado: são as contas que representam


as receitas e as despesas da entidade.

Recapitulando

Neste capítulo, foi abordado um histórico da contabilidade e


sua evolução, que sempre caminhou junto com nosso pro-
cesso evolutivo, pois como Lopes de Sá (2010) mesmo disse,
a contabilidade sempre existiu, mesmo antes dos números e
das letras. Pense agora se não existisse a Contabilidade, como
você verificaria o seu patrimônio?

Foi a partir do período pré-científico, com o Método das


Partidas Dobradas, criado pelo Frei Luca Pacioli, que o uso da
Contabilidade ganhou impulso, surgindo as escolas e doutri-
nas contábeis
24 Teoria da Contabilidade e Estudos Atuariais

Ao passar pelas escolas que influenciaram as teorias contá-


beis, observamos a importância do termo Ciências Contábeis.

Nesse contexto, nasceu o primeiro capítulo, que já nos ace-


na o seu objetivo e os princípios que serão estudados logo
mais.

Sendo assim, um ótimo estudo para você!

Referências

COELHO, Cláudio Ulysses Ferreira; LINS, Luiz dos Santos.


Teoria da Contabilidade: abordagem contextual, históri-
ca e gerencial. São Paulo: Atlas, 2010.

FAVERO, Hamilton Luiz; LONARDONI, Mário; SOUZA, Clóvis


de; TAKAKURA, Massakazu. Contabilidade: Teoria e Práti-
ca, vol. 1. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1997.

IUDÍCIBUS, Sérgio. Teoria da contabilidade. 9. ed. São Pau-


lo: Atlas, 2009.

SÁ, Antônio Lopes de. Teoria da Contabilidade. São Paulo:


Atlas, 2010.

Atividades

1) Faça um breve resumo de como surgiu a Contabilidade.

2) Julgar a assertiva abaixo como (V) Verdadeira ou (F) Falsa:


Capítulo 1 Evolução Histórica da Contabilidade 25

A Lei nº 6.404/1976, ou Lei das Sociedades por Ações,


originalmente elaborada em consonância com as teorias
da Escola Italiana de Contabilidade, foi, nos últimos anos,
modificada para atender a convergência da contabilida-
de brasileira às normas internacionais de contabilidade do
IASB. ( )

3) Julgar a assertiva abaixo como (V) Verdadeira ou (F) Falsa:

A Lei nº 6.404/1976 nasceu da necessidade de aproxi-


mar a contabilidade brasileira dos padrões da contabili-
dade norte-americana, rompendo com a tradição italiana,
agora retomada com as alterações promovidas pela Lei nº
11.638/2007. ( )

4) A Ciência Contábil estabeleceu diversas teorias doutri-


nárias sobre as formas de classificar os componentes do
sistema contábil, que são denominadas “Teorias das Con-
tas”. Sobre o assunto, indique a opção incorreta.

a) A “Teoria Materialística” divide as contas em Integrais


e de Resultado

b) Na “Teoria Personalística”, as contas dos agentes con-


signatários são as contas que representam os bens, no
ativo.

c) Segundo a “Teoria Personalística”, são exemplos de


contas do proprietário as contas de receitas e de des-
pesas.

d) Na “Teoria Materialística”, as contas traduzem simples


ingressos e saídas de valores, que evidenciam o ativo,
26 Teoria da Contabilidade e Estudos Atuariais

sendo este representado pelos valores positivos, e o


passivo representado pelos valores negativos.

e) Na contabilidade atual, há o predomínio da “Teoria


Patrimonialista”, que classifica o ativo e passivo como
contas patrimoniais.

5) Em se tratando do estudo da Teoria das Contas, indique


aquela que subdivide as contas em “Contas do Proprietá-
rio”, “Contas dos Agentes Consignatários” e “Contas dos
Agentes Correspondentes”:

a) Teoria Materialista.

b) Teoria Personalista.

c) Teoria Patrimonialista.

d) Teoria dos Agentes Contábeis.

e) Teoria Bilateral.

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