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gestão de marketing
marketing: histórico
e conceitos
1
gestão de marketing
marketing: histórico
e conceitos
Competências
Identificar as mudanças pelas que passou o conceito de
marketing até a primeira década do século XXI e reconhe-
cer os momentos históricos em que surge.
Habilidades
Inserir o marketing na Teoria da Administração como
parte de um processo sólido e contínuo, natural da pró-
pria necessidade administrativa.
APRESENTAÇÃO
Nesta primeira Unidade de Aprendizagem, você estu-
dará o que é marketing, sua origem e evolução. Antes
de começar, assimile e relembre os conceitos da Teoria
Geral da Administração, para que assim os contextos se
entrelacem nas próximas páginas.
Participe! Faça esta troca de experiência, dê sua opi-
nião, ajude na construção de novas reflexões grupais.
Por fim, os conceitos desta Unidade foram extraídos
dos livros mencionados no item Referências. Sempre
que puder, faça a leitura dos textos originais para enri-
quecer ainda mais seus conhecimentos.
PaRA COMEÇAR
Esta é a primeira UA desta disciplina! Quero lhe dar as
boas-vindas. Nós, professores-autores, preparamos
para você um material com o qual poderá descobrir o
mundo do marketing: uma das áreas que mais desper-
tam a curiosidade de alunos e empresários ansiosos por
aprender as melhores técnicas para difundir, convencer,
persuadir e divulgar bens, produtos e serviços, melhorar
a imagem e identidade da empresa ou, ainda, agregar
valor aos produtos e/ou serviços.
Por isso, pergunto: no seu ponto de vista, o que é mar-
keting? Neste momento, anote suas percepções. Use ape-
nas seu senso comum para responder, sem antes fazer
outras pesquisas ou avançar na leitura. A ideia é conhecer
o seu ponto de vista.
Observando a foto a seguir, quais as suas conclusões?
Registre-as! Há relação entre esta foto e o avanço da Te-
oria Geral da Administração? Recupere o material desta
disciplina e faça suas anotações.
Figura 1. Gravura de
um antigo mercado
de rua, Frankfurt.
Dica
Acesse a área Navegando por aí e confira um vídeo que
apresenta conceitos importantes para contextualizar e in-
troduzir esse tema de estudo.
Figura 2.
Representação de
compras digitais.
Não foi apenas com o uso da moeda que os mercados se expandiram, mas
também com a herança das inovações tecnológicas. Por exemplo, as nave-
gações permitiram a conquista não só de novos mercados e a agilidade no
transporte de mercadorias, mas também a conquista de novos continentes.
A ferrovia e a aquavia, em muitos países, ainda é uma estratégia para deslo-
camento de pessoas e mercadorias para longas distâncias a baixos custos.
Mais tarde, ainda na Revolução Industrial, as cidades se avolumaram.
E se antes, no campo, a economia estava sujeita ao trabalho de grupos,
em volta da lavoura e da colheita, nos centros urbanos passou a depen-
der da mão de obra do indivíduo. Os mercados e transações se tornaram
complexos com o aumento de indústrias, o inchamento das cidades e as
novas realidades, tais como necessidade de saneamento básico, de me-
lhorias nos transportes, educação e saúde.
Figura 3.
Supermercado
inglês, década de 60.
Disponível em: www.
flickr.com/photos/
brizzlebornand
bred/8751069802
Nos últimos 6.000 anos o campo de marketing foi considerado como feito de artistas
de segunda classe, trapaceiros, ‘picaretas’ e distribuidores de mercadoria de segunda
mão. Muitos de nós já foram ‘ludibriados’ pelo trapaceiro; e todos nós alguma vez já
fomos levados a comprar toda espécie de ‘coisas’ que, na verdade, não precisávamos
e que, mais tarde, descobrimos que nem ao menos queríamos. (FARMER, 1967 apud
KOTLER, 1980, p. 30)
papo técnico
Antes de apresentar o conceito de marketing, é importante
que você saiba ainda que marketing não é vendas, não é
propaganda e não é publicidade, marketing é muito mais
que isso! A venda, a publicidade e a propaganda são ferra-
mentas que o marketing utiliza para alcançar os objetivos
mercadológicos da empresa (que pode ser pública, privada e
sem fins lucrativos).
conceito
Com base nestes conceitos é possível afirmar que a fun-
ção máxima do marketing é satisfazer as necessidades e
os desejos dos clientes, criando e entregando o produto/
serviço onde quer que ele esteja, da maneira desejada (que
é superior à esperada), no momento em que precisa e, atual-
mente, atentando-se à responsabilidade social empresarial,
cuidando do planeta e preservando-o.
atenção
Quando os processos de marketing são cuidadosamente pla-
nejados e bem executados, servem para agregar valor ao
serviço e ao produto, oferecidos ao consumidor conforme as
suas necessidades e expectativas. Ou seja, ações planejadas
para conquistar clientes constituem o objetivo das interven-
ções do marketing.
Lembre-se
Muito se comenta sobre o marketing como ferramenta
persuasiva que envolve grandes investimentos e assesso-
ria especializada de alto custo, a que poucos têm acesso.
Contudo é importante atentar para os novos canais de con-
tato com o consumidor, como exemplo os meios digitais.
E agora, José?
Façamos um resumo dos principais pontos abordados
nesta Unidade de Aprendizagem:
O marketing existe desde os primórdios da civilização,
mas como área de estudo surgiu apenas na década de
1950, nos Estados Unidos do período pós-guerra. Muitos
autores conceituaram o termo das mais variadas manei-
ras. No começo, faziam uma relação entre marketing e o
processo de troca. Posteriormente, o identificaram como
necessário para a satisfação de necessidades e desejos
dos consumidores. Hoje, é tido como o responsável pela
satisfação de necessidades e desejos humanos e sociais.
Na década de 1960, para alguns, o marketing era o sal-
vador da sociedade; para outros, seu vilão e corruptor.
Não há uma tradução literal de marketing para um ter-
mo em português. As mais aceitas são mercadologia e
comercialização, porém estas o remetem absolutamente
à visão de comércio, desfigurando o real sentido da pa-
lavra em inglês.
O marketing deve ser encarado como uma filosofia
empresarial e não como um departamento ou setor iso-
lado, responsável por divulgação ou vendas.
Quando os processos de marketing são cuidadosa-
mente bem planejados e executados, vão poder agregar
valor ao serviço ou produto.
As ações planejadas para conquistar, atrair e reter
clientes constituem-se no objetivo das intervenções
de marketing.
Na próxima Unidade de Aprendizagem, veremos as
abordagens clássicas do marketing. Para um melhor
aproveitamento da UA, é importante que você releia o
conteúdo e esclareça todas as eventuais dúvidas com
seu professor.
Glossário
Paradigma: pode ser entendido como uma re- Público-alvo: o público que se deseja alcançar
ferência, uma diretriz, algo ideal, um modelo com as estratégias de marketing.
digno de ser seguido. Composto de marketing: são variáveis que a
Neologismo: uso de palavras novas, que podem empresa estuda para encontrar respostas
ser derivadas ou formadas de outras exis- desejadas em determinado mercado-alvo.
tentes, da mesma língua ou de outro idioma Posicionamento: ato ou efeito de posicionar a
e, até mesmo um novo sentido a palavras já imagem ou marca na mente do consumidor,
existentes em uma determinada língua. a maneira como a empresa quer que o clien-
Antagônicos: opiniões opostas sobre um de- te se lembre do seu produto/serviço.
terminado assunto, também significa di- Segmentação: dividir a mercado para estudá-
vergência. -lo, para melhor alcance da propaganda e da
Nichos: oportunidade de novos negócios, oportu- comunicação, para melhor satisfazer as ne-
nidades a serem descobertas e aproveitadas. cessidades e desejos do consumidor.
Referências
AMA. A
merican Marketing Association. Dis- _______. e KELLER, Kevin Lane. Administração
ponível em <http://www.marketingpower. de Marketing. São Paulo: Pearson Prentice
com/AboutAMA/ Pages/DefinitionofMarke- Hall, 2006.
ting.aspx?sq=marketing+definition>. Acesso LIMA, M. et. al. Gestão de Marketing. Rio de
em abr. 2010. Janeiro: FGV, 2007.
COBRA, M. M arketing básico. São Paulo: Marketing Ligado na Tomada. As mudanças
Atlas, 1997. que revolucionaram o antigo marketing do
DIAS, R. e CASSAR, M. Fundamentos do Marke- século 20. Disponível em: < http://mkt21.
ting Turístico. São Paulo: Pearson Prentice orgas-mudancas-que-revolucionaram-o-an-
Hall, 2005. tigo-marketing-do-seculo-20.asp>. Acesso
KOTLER, P. M
arketing. Edição compacta. São em mai. 2010
Paulo: Atlas, 1980. RUSCHMANN, D. Marketing turístico: um en-
_______. Administração de Marketing. São Pau- foque promocional. 10ª ed. Campinas: Pa-
lo: Prentice Hall, 2000. pirus, 1990.
_______. e ARMSTRONG, Gary. P
rincípios de Ma-
rketing. São Paulo: Prentice Hall, 2003.
abordagens clássica
e contemporÂnea
do marketing
2
gestão de marketing
abordagens clássica
e contemporânea
do marketing
Competências
Aproximar a abordagem clássica do marketing das pri-
meiras abordagens da Teoria Geral da Administração.
Analisar uma situação contemporânea do marketing,
bem como solucionar um problema.
Habilidades
Pesquisar informações que permitam a compreensão do
marketing em suas abordagens clássica e contemporânea.
Perceber que a abordagem clássica do marketing ainda é
aplicada no contexto empresarial do século XXI.
APRESENTAÇÃO
Nesta segunda Unidade de Aprendizagem você começará a
estudar as abordagens de marketing. Primeiramente, apre-
sentaremos as abordagens clássicas do marketing, com des-
taque para o Composto de marketing, ou mix de marketing
— conhecido como os 4 Ps do marketing (Produto, Preço,
Praça, Promoção). Esta unidade é fundamental para que
compreenda o desenrolar das atividades e propostas de
marketing atuais.
Mas antes de começar, destine 5 minutos para relembrar
o que foi desenvolvido na UA 1. Com os conceitos ali estu-
dados frescos na memória, fica mais fácil entender as prin-
cipais abordagens clássicas do marketing.
Se atualmente chegamos ao marketing holístico, é por-
que toda uma reflexão foi concebida a partir dos 4 Ps. Não
à toa esta abordagem clássica continua presente no dia a
dia dos profissionais de marketing, que ainda fazem análi-
se de demanda e estudo de mercado baseado em Produto,
Preço, Praça e Promoção. Nesta Unidade de Aprendizagem
também chamaremos a atenção para a orientação das em-
presas: se ela não ouvir primeiro o cliente, não é orientada
ao marketing.
Após estudar as abordagens clássicas, você aprenderá
sobre as abordagens contemporâneas de marketing, com
destaque para o marketing de relacionamento, integrado,
interno e socialmente responsável. O importante é vincular
o surgimento dessas novas abordagens com a própria evo-
lução do marketing, que deixa de analisar a demanda para
pensar no público; deixa de ter um enfoque no produto e
passa a entender melhor o consumidor e suas necessidades.
PaRA COMEÇAR
Nas próximas páginas, você aprenderá sobre a abordagem
clássica do marketing. Destacaremos as principais vertentes
deste período.
Antes, vamos relembrar o que aprendemos na unidade anterior:
Mas é importante que você saiba que esse equívoco de confundir mar-
keting e vendas, ou marketing e propaganda, realmente existiu e conti-
nua existindo.
papo técnico
Como você verá nesta unidade, as empresas, de acordo com
as abordagem clássica do marketing, terão um tipo de orien-
tação — mas são poucas as empresas que até os dias de
hoje são orientadas ao marketing e, muito menor ainda,
o número de empresas que tem a orientação do market-
ing societal.
dica
Para que você possa compreender a abordagem clássica do
marketing e identificar como e porque foi pensada da ma-
neira como a apresentaremos, é importante que assista ao
vídeo disponível na área Navegando por aí dessa unidade,
no Ambiente Virtual do curso.
lembre-se
Analisar a abordagem clássica do marketing é contextualizar
a teoria do marketing na evolução da própria administração,
quanto à sua orientação para o mercado consumidor.
Fundamentos
1. ABORDAGEM CLÁSSICA DO MARKETING
Conforme já foi salientado, para analisar a abordagem clássica do market-
ing é importante identificar a própria evolução das empresas quanto à sua
orientação para o mercado. Kotler e Keller (2006, p. 13-16) mencionam que
são cinco fases (que eles denominam era ou orientação). Detalhamos a
seguir cada uma para maior compreensão:
papo técnico
A orientação para o marketing enfatiza a importância de de-
senvolver e comercializar produtos e serviços com base nas
necessidades e desejos dos clientes.
conceito
Agora que já foram expostos os tipos de orientações de em-
presas no processo de evolução do marketing, é importan-
te salientar que a maioria dos países e das empresas atuais
encontram-se nas últimas três fases (vendas, marketing e
marketing societal), mas ainda é possível encontrar aquelas
que se orientam para o produto e a produção. Isso acontece
porque as diferenças culturais, sociais e econômicas influen-
ciam em tais orientações empresariais.
Dica
Em 1980, o autor Philip Kotler em seu livro Marketing (edi-
ção compacta) alertava que “Hoje o marketing não deve ser
entendido no velho sentido de efetuar uma venda, no de
satisfazer as necessidades dos clientes [grifo nosso]” (p.41).
lembre-se
Analisar a abordagem contemporânea do marketing é con-
textualizar a teoria do marketing na evolução da área e na
orientação para o mercado consumidor.
Antes de iniciar a leitura dos fundamentos, escreva o que você, como con-
sumidor, espera de uma empresa. Você acredita que está sendo feito pela
marca o que o marketing se propõe a fazer para o consumidor?
Estudamos a abordagem clássica do marketing e as orientações da em-
presa para o mercado. Vimos as eras de produção, produto, vendas e
marketing. Agora é a vez de conhecermos a orientação Holística do ma-
rketing. Você sabe o que é holístico? Segundo o Dicionário Aurélio é aquilo
“que dá preferência ao todo ou a um sistema completo, e não à análise da
separação das respectivas partes componentes”.
É exatamente isso que todas as áreas devem fazer e buscar sempre:
integrar as partes e compreender como se relacionam. No marketing não
é diferente. Busca-se harmonizar suas partes e pensar no todo, sendo o
todo a nossa sociedade e o ambiente que vivemos.
Segundo Kotler e Keller (2006, p. 15):
Conceito
O marketing holístico pode ser visto como o desenvolvimen-
to, o projeto e a implementação de programas, processos e
atividades de marketing, com o reconhecimento da ampli-
tude e das interdependências de seus efeitos. Ele reconhece
que no marketing “tudo é importante” — o consumidor, os
funcionários, outras empresas e a concorrência, assim como
a sociedade como um todo — e que muitas vezes se faz ne-
cessária uma perspectiva abrangente e integrada.
atenção
O marketing se relaciona com as áreas da tecnologia e da
comunicação a fim de criar, comunicar e entregar valor para
seus consumidores.
E agora, José?
Nesta unidade apresentamos a você que, segundo a
orientação da empresa para o mercado, teremos:
Referências
KOTLER, P. M
arketing. Edição compacta. São . e KELLER, K. L. Administração
Paulo: Atlas, 1980. de Marketing. São Paulo: Pearson Prentice
. Administração de Marketing. Hall, 2006.
São Paulo: Prentice Hall, 2000.
AMBIENTE DE marketing:
MICROAMBIENTE
3
gestão de marketing
ambiente de marketing:
microambiente
Competências
Capacidade de articular a teoria e prática ao pensar
ações microambientais viáveis.
Habilidades
Combinar teoria e prática no momento de propor ações
estratégicas que envolvam variáveis de microambiente.
APRESENTAÇÃO
Nesta terceira Unidade de Aprendizagem você começa a
estudar sobre os ambientes de marketing. Em primeiro
lugar, aprenderá o que é o microambiente, e as variáveis
microambientais. É importante que assimile corretamen-
te os conceitos apresentados.
Antes de começar, destine 5 minutos para relembrar
o que foi desenvolvido na Unidade 3 de Aprendizagem.
E para que possa aproveitar ainda mais os conceitos que
serão apresentados nas próximas páginas, faça uma re-
leitura da disciplina de Teoria Geral da Administração,
especialmente dos conceitos da Matriz SWOT ou PFOA.
Também é preciso ter na memória o processo de criação
da matriz, porque estes conceitos são dados – nesta UA
– como já aprendidos. O que faremos é uma breve ex-
planação para contextualizar tais conceitos na disciplina
de marketing.
PaRA COMEÇAR
Nas UAs anteriores, apresentamos a você o alicerce no
qual o marketing se fundamenta, e, a partir de agora, co-
meçaremos a praticar e a pensar estratégias. Ou seja,
você terá o apoio da teoria para pensar a melhor alterna-
tiva para a resolução de problemas (que serão propos-
tos a partir desta Unidade de Aprendizagem). Portanto,
a leitura e o entendimento dos conceitos apresentados
a seguir são essenciais para o desenvolvimento das ati-
vidades posteriores.
Atualmente, é comum observar a tomada de decisão
de alguns profissionais sem o embasamento teórico e
prático dos ambientes de marketing. Isso não quer dizer
que a decisão seja equivocada, mas se houvesse um em-
basamento prévio nos conceitos - que aprenderá nesta
Unidade de Aprendizagem -, a probabilidade de erros
seria ainda menor.
Muitas vezes, nas grandes empresas, há um ritual que antecede impor-
tantes decisões corporativas. As decisões são tomadas depois que a pes-
quisa de mercado foi realizada, que a análise detalhada de dados secun-
dários e primários sinala oportunidades ou ameaças (macroambientais)
ou pontos fracos e fortes (microambientais).
Mas essa não deve ser uma realidade e prática somente a empresas
de grande porte. As de médio e pequeno porte também podem usufruir
destas estratégias para corrigir a trajetória empresarial, prevenir-se de in-
cidentes e falhas mercadológicas e ainda tirar proveito de oportunidades
que são dadas à sua área de negócios.
Para que possa aproveitar os conceitos que serão apresentados nesta
unidade, é importante que faça uma releitura da disciplina de Teoria Geral
da Administração e dos conceitos da Matriz SWOT ou PFOA. É preciso re-
lembrar também o processo de criação da matriz, porque estes conceitos
são dados – nesta UA – como já aprendidos. O que faremos é uma breve
explanação para contextualizar tais conceitos na disciplina de marketing.
Vamos recordar estes conceitos antes de continuar com a leitura?
Fundamentos
1. O AMBIENTE DE MARKETING: VARIáVEIS
MACRO E MICRoAMBIENTAIS
Segundo Kotler e Armstrong (2000, p. 39):
adj. Que está à roda ou em volta de (pessoa ou coisa): ar ambiente. / S.m. O meio em
que se vive; o ar que se respira. / Recinto. / Literatura. / Conjunto das particularidades
de um meio social, natural ou histórico em que se situa a ação de uma narrativa (ro-
mance, conto, novela).
papo técnico
No microambiente se diz que as variáveis são controláveis e
que no macroambiente as variáveis são incontroláveis.
No microambiente se traça uma análise baseada em fa-
tores internos e no macroambiente, com base nos fato-
res externos.
conceito
Para Kotler e Armstrong (2000, p. 39) “o microambiente de
marketing consiste em forças próximas à empresa que afetam
sua capacidade de servir seus clientes – a própria empresa, os
fornecedores, as empresas do canal de marketing, os merca-
dos clientes, os concorrentes [grifo nosso] e os públicos”
1.1.1. Empresa
Ao desenvolver o plano de marketing, o gerente deste setor leva em con-
sideração os demais departamentos da empresa (ex: compras, produção,
qualidade, finanças, contabilidade, logística, comercial, entre outros), por-
que se não houver sintonia e apoio corporativo, o plano de marketing não
será implantado conforme o planejamento inicial.
Na maioria das empresas quem decide a visão, a missão, os objetivos,
as políticas da empresa e o Planejamento Estratégico da empresa é o Pre-
sidente em conjunto com a diretoria ou conselho administrativo.
dica
Possíveis estratégias empresariais, para que os setores en-
tendam a importância do plano de marketing e seu cumpri-
mento, é investir em ações de endomarketing, treinamentos,
marketing de incentivos, ações pontuais de comunicação
empresarial tais como: reuniões, portal corporativo, periódi-
co, informativos, remuneração variável, entre outras.
1.1.2. Fornecedores
São essenciais a uma empresa. São eles que fornecem os materiais neces-
sários que serão utilizados na fabricação de bens ou serviços. A qualidade
do material entregue, a pontualidade desta entrega, a facilidade e a forma
de pagamento é que permitirão à empresa pensar em supostas promo-
ções, descontos ou lidar com a sazonalidade das vendas.
Os gerentes de marketing precisam acompanhar o processo de com-
pras, o recebimento, bem como o nível de estoque e a qualidade dos ma-
teriais, pois basta uma falha nestes processos para que o departamento
comercial enfrente adversidades para atender os contratos e pedidos fe-
chados, ou seja, não consiga honrar os compromissos assumidos, o que
trará prejuízos financeiros e a insatisfação do cliente.
Também é importante levar em consideração que o aumento do valor
dos suprimentos pode forçar a empresa a elevar o preço do produto final,
decaindo, portanto, a quantidade de vendas no período.
Possíveis estratégias para o acompanhamento dos fornecedores in-
cluem: contato com os fornecedores, feedbacks constantes, ações de in-
centivo, contratos com cláusulas claras e multa por atraso ou falhas no
material entregues, parcerias, redes de empresas, formação de clusters,
exclusividade, entre outros.
1.1.3. Intermediários
Assim como os fornecedores, os intermediários são muito importantes no
processo de entrega dos bens ou serviços ao consumidor final. São os in-
termediários que auxiliam a empresa no processo de promover, divulgar,
vender e distribuir os bens ou serviços. No momento em que trabalham
com o produto ou serviço, são imagem e referenciais de valor da empresa
que intermedeiam.
1.1.4. Consumidores
Os consumidores devem ser acompanhados constantemente. A análise
de como, quando e porque compram são perguntas que devem incentivar
o profissional de marketing a conhecer os hábitos, os comportamentos de
compra e os aspectos psicográficos de seu público-alvo sempre.
Os consumidores podem ser:
atenção
Entender o consumidor não é uma tarefa fácil.
1.1.5. Concorrentes
A empresa deve se esforçar para oferecer bens e serviços que satisfaçam
as necessidades e desejos de seus clientes em maior grau que os dos seus
concorrentes. Ou seja, os pontos fracos dos concorrência devem ser pon-
tos fortes da sua empresa.
Portanto, os profissionais de marketing devem agir pensando em vanta-
gens competitivas, esforçando-se para posicionar seus próprios produtos
e serviços na mente do consumidor em melhor medida que as demais em-
presas do mercado.
lembre-se
O que garante o sucesso na análise de microambiente:
→→ o planejamento das ações;
→→ as estratégias empresariais corretas.
1.1.6. Públicos
É importante apresentar que a variável público seria qualquer grupo com inte-
resse real ou potencial ou que até mesmo cause impacto na possibilidade da
empresa atingir seus objetivos. Apresentamos a seguir sete tipos de públicos:
→→ Philip Kotler, que na década de 1980 (p. 48), em seu livro denomi-
nado Marketing, titula o ambiente de marketing de sistema de mar-
keting era um sistema porque para ele um conjunto de instituições
ou ainda fluxos que ligavam as organizações com o público-alvo e
os mercados-alvos porque eram selecionados dentre uma série de
outras possibilidades;
E agora, José?
É importante destacar nesta UA que:
Referências
FERREIRA, Aurélio Buarque de Hollanda. . e KELLER, K. L. A
dministração de
Dicionário Aurélio on-line. Disponível em Marketing. São Paulo: Pearson Prentice
<http://www.dicionariodoaurelio.com/>. Hall, 2006.
Acesso em 05/2010. LAS CASAS, Alexandre Luzzi. Marketing: con-
KOTLER, P. e ARMSTRONG,G. I ntrodução ao Ma- ceitos, exercícios, casos. 7ª ed. São Paulo:
rketing. 4ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 2000. Atlas, 2005.
. P
rincípios de Marketing. Rio de Ja-
neiro: Prentice Hall, 1993.
AMBIENTE DE marketing:
MaCROAMBIENTE
4
gestão de marketing
ambiente de marketing:
macroambiente
Competências
Analisar situações do macroambiente de marketing e
suas influências nas decisões de marketing.
Habilidades
Pesquisar informações que permitam a compreensão do
macroambiente de marketing e como estas forças afe-
tam a capacidade da empresa atender seus clientes.
APRESENTAÇÃO
Esta unidade é continuação da anterior. Agora você estu-
dará sobre é o macroambiente, e as variáveis macroam-
bientais. Estas últimas são determinantes para o sucesso
das estratégias empresariais de marketing nos dias atuais,
repletos de mudanças climáticas, instabilidades econômi-
cas, entre outros.
Antes de seguir para as próximas páginas, esclareça
toda e qualquer dúvida que ainda tenha com respeito
aos ambientes de marketing, pois o citaremos em diver-
sas Unidades de Aprendizagem durante esta disciplina.
As leituras complementares também são fundamentais,
e não excluem a importância da consulta nos livros cita-
dos como referências.
PaRA COMEÇAR
Nesta UA vamos observar o ambiente que nos cerca e
como ele pode interferir nas organizações. Quando fa-
lamos aqui em ambiente, não nos referimos apenas ao
meio ambiente, mas ao ambiente em suas múltiplas e ma-
croáreas, que apresentam ameaças e oportunidades para
os negócios das empresas.
Por serem comuns às diversas organizações, essas
grandes áreas influenciam o mercado de uma maneira
geral com forças incontroláveis que geram um ambiente
de incertezas e instabilidade. As organizações, com seus
gestores de marketing, precisam conhecer estas variá-
veis incontroláveis a fim de adaptarem seu composto de
marketing às características do mercado.
A melhor maneira de reduzir as incertezas deste mer-
cado em constante mudança é a análise dos ambientes
de marketing. Você já viu na Unidade de Aprendizagem
anterior o microambiente e suas forças que atuam pró-
ximas da organização, afetando a capacidade de atender
seus clientes. Nesta UA, veremos como o macroambiente - e suas forças
mais amplas - interferem no microambiente.
Portanto, o macroambiente é composto das seguintes forças:
→→ Demográficas;
→→ Econômicas;
→→ Políticas/legais;
→→ Tecnológicas;
→→ Naturais;
→→ Culturais.
dica
Antes de iniciar a leitura dos fundamentos, escreva em uma
folha de papel separada o que você, como futuro gestor,
pode fazer para conhecer o macroambiente de marketing e
como pode reagir às mudanças constantes do mercado.
Fundamentos
Vocês já viram em que contexto surgiu o marketing, suas diversas orien-
tações, suas características atuais, suas tendências e o microambiente.
Agora vamos abordar o cenário mais amplo do marketing e sua influência
nas empresas.
Segundo Kotler (1980, p. 68):
conceito
Macroambientes são os fatores incontroláveis aos quais as
empresas adaptam-se por meio da utilização dos fatores
controláveis: o composto de marketing.
Por que estes fatores são incontroláveis? Pelo fato de serem característi-
cas sociais e globais, não podemos alterá-las, apenas nos adaptar às mu-
danças que promovem no ambiente. O gestor deve acompanhar e moni-
torar estas mudanças do mercado para não ser surpreendido por elas. É
necessário se preparar, conhecer, prever as tendências para se adaptar e
1. Ambiente demográfico
O ambiente demográfico possui uma importância muito grande para
o marketing, pois apresenta todas as características da população, tais
como: tamanho, densidade, faixa etária, gênero, ocupação, grau de esco-
laridade, localização, dentre outras. Estes dados estatísticos são obtidos
em censos e pesquisas de mercado e podem revelar o perfil dos consu-
midores potenciais e reais de uma marca. Consumidores potenciais, aliás,
são tão importantes quanto os reais: ainda não são seus clientes, mas
podem se tornar a partir do momento que você souber atingi-los.
O crescimento rápido da população mundial e a formação de novos mer-
cados com características altamente diversificadas fazem com que a obser-
vação desta força do macroambiente se torne uma importante fonte de in-
formações sobre o perfil, as condições socioeconômicas e as possibilidades
de atender de modo rentável esta demanda. Quanto mais você conhecer o
seu público-alvo, mais fácil ficará para atingi-lo. Portanto, não esqueça que
estas informações são vitais para o negócio da sua empresa.
As mudanças que operam no ambiente demográfico caracterizam mu-
danças de comportamento, estilo de vida, cultura e gerações. As novas ge-
rações possuem características bem diferentes das gerações anteriores, e
a velocidade e a quantidade de informação que elas recebem fazem com
que estejam mais ligadas e preparadas para as transformações futuras.
atenção
Quanto maior o número de informações sobre característi-
cas do mercado obtiver, mais fácil será atender sua demanda
e segmentar seu público.
2. Ambiente econômico
Segundo Kotler e Armstrong (2007, p. 66), “o ambiente econômico con-
siste em fatores que afetam o poder de compra e o padrão de gastos
das pessoas”. Este poder de compra é definido pela renda individual e
familiar, que possibilitam a satisfação dos desejos e necessidades de cada
um. Ao recebermos nossos salários, movimentamos o mercado: compra-
mos produtos, adquirimos serviços e sempre pensamos em como gastar
ou investir nosso dinheiro. As empresas observam este poder de compra
para saber onde investir em propaganda, promoção, definir o preço, entre
outras coisas.
As mudanças pelas quais a economia brasileira já passou são carac-
terísticas de um período de grande instabilidade, com altos índices de
inflação e juros. Atualmente, os fatores econômicos são favoráveis ao
crescimento do mercado, da renda, das empresas nacionais e das possibi-
lidades de investimento das empresas multinacionais. Esta fase de expan-
são econômica possibilita ampliação da atuação do marketing e aumento
da oferta de produtos e serviços.
O ambiente econômico global se caracteriza por um mercado interco-
nectado, com reações e reflexos em vários países, como ocorreu recente-
mente na economia norte-americana e no mundo. Estas ligações se fazem
presentes nas economias industriais, que constituem ricos mercados para
diferentes tipos de bens de consumo. O consumo cresce com a prosperi-
dade econômica, como percebemos no Brasil, e decresce em períodos de
crise, como foi nos Estados Unidos.
O acompanhamento e o monitoramento do ambiente econômico pos-
sibilitam a definição de metas e estratégias de crescimento e geração de
oportunidades de atuação no mercado. Por outro lado, aqueles que não
monitoram o mercado econômico e não se preparam, muitas vezes, são
surpreendidos e ameaçados por qualquer mudanças.
papo técnico
As variações do mercado devem ser acompanhadas aten-
tamente pelos profissionais de marketing para que possam
3. Ambiente político/legal
O ambiente político, legal ou jurídico consiste em leis e órgãos governa-
mentais que regulamentam a atuação das empresas. Segundo Kotler e
Armstrong (2007, p. 70):
4. Ambiente tecnológico
A força ambiental é a que mais tem impactado as organizações atualmen-
te. Suas grandes e rápidas mudanças afetam a todos nós e causam ver-
dadeiras revoluções em nossas vidas. Com o avanço da tecnologia, novos
produtos são lançados e novas formas de consumo e de comportamento
do consumidor são definidas.
Com este apoio tecnológico, as empresas se atualizam e encontram
novas formas de atingir seu consumidor: campanhas em mídias que
dica
Procure estar sempre bem informado em relação às novida-
des tecnológicas, uma vez que estas trazem múltiplas for-
mas de atuação na área de marketing.
5. Ambiente natural
O ambiente natural representa o meio ambiente no marketing. Até agora,
falamos de muitas forças ambientais que alteram as formas de atuação
das empresas no mercado, mas nos referíamos ao ambiente de negócios.
Aqui trataremos do ambiente natural, que oferece matérias-primas para
as empresas e recebe um enorme impacto com a produção e o descarte
de produtos após o uso.
Segundo Kotler e Armstrong (2007, p. 67):
6. Ambiente cultural
O ambiente cultural apresenta variações de acordo com o tempo e o es-
paço: de período em período, podemos perceber na sociedade mudanças
dos valores, do comportamento e das práticas sociais; de lugar para lugar,
estas características variam, tornando o ambiente cultural uma valiosa
fonte de informação para o marketing.
Conhecer os hábitos, o comportamento, os valores e as crenças de cada
lugar que se pretende atuar é fundamental no marketing. Num mesmo
país, como o Brasil, com todas as suas dimensões, há características de
E agora, José?
Agora você já conhece os principais conceitos e áreas do
micro e macroambiente de marketing e como estas for-
ças influenciam os negócios da empresa e o composto
de marketing.
Lembre-se sempre: é muito importante conhecer
todos os componentes dos ambientes de marketing. O
macroambiente é formado pelas variáveis tecnológicas,
econômicas, naturais, culturais, político-legais e demo-
gráficas. As macrovariáveis são incontroláveis. Precisa-
mos criar cenários e prever as mudanças, que são exter-
nos à empresa e geram oportunidades e ameaças.
Para tanto, você aprenderá na próxima Unidade de
Aprendizagem a estrutura do composto de marketing, os
famosos 4 Ps. Começaremos pelo Produto, em todos os
seus níveis. Bons estudos!
Glossário
Lobby: atividade de pressão de um grupo or- exercer sobre estes qualquer influência ao
ganizado (de interesse, de propaganda etc.) seu alcance, mas sem buscar o controle for-
sobre políticos e poderes públicos, que visa mal do governo; campanha, lobismo.
Referências
KOTLER, P. M
arketing. Edição compacta. São KOTLER, P. e ARMSTRONG, G. P
rincípios de
Paulo: Atlas, 1980. marketing. São Paulo: Pearson Prentice
Hall, 2007.
Competências
Analisar uma situação que envolva as variáveis que com-
põe o produto.
Habilidades
Pesquisar informações que permitam a compreensão do
produto em suas múltiplas tendências.
APRESENTAÇÃO
Esta Unidade de Aprendizagem marca o início do com-
posto de marketing. O primeiro P a ser estudado é o do
Produto. Produto é muito mais do que um bem físico:
ele pode ser um serviço, uma experiência, um evento,
pessoas, lugares, ideias, organizações, informações
etc. Em sua perspectiva mais ampla, envolve todos
estes elementos e seus benefícios, diferenciais e valo-
res agregados.
Antes de começar, destine cinco minutos para relem-
brar o que foi desenvolvido na UA 4. Nas próximas pági-
nas, você começará a estudar o composto de marketing:
os 4 Ps. Lembre-se que este conteúdo é muito importan-
te para a carreira de um profissional graduado na área
de Processos Gerenciais.
PaRA COMEÇAR
O mercado se encontra em constante mudança, assim
como seus ambientes. E você, já observou como seu
comportamento de consumidor mudou nos últimos
tempos? Aparecem novidades no mercado cada vez
mais e com maior frequência. A moda, as tendências
e tudo que surge para nos conquistar foi pesquisado,
observado e planejado pelo marketing a fim de configu-
rar uma oferta de acordo com as diretrizes apontadas
nas pesquisas de mercado e com o comportamento do
consumidor. Surge aí o produto, que você irá conhecer
melhor nesta Unidade de Aprendizagem.
lembre-se
O produto representa aquilo que a empre-
sa oferece para satisfação das necessida-
des e desejos do consumidor.
O que é um produto para você? Produto é muito mais do que um bem
físico: ele pode ser um serviço, uma experiência, um evento, pessoas,
lugares, ideias, organizações, informações etc. Em sua perspectiva mais
ampla, envolve todos estes elementos e seus benefícios, diferenciais e
valores agregados.
Cada vez mais, as empresas precisam lançar novos produtos para con-
quistar seus consumidores reais e ampliar seus potenciais. Lançar novos
produtos significa atualização, inovação, tendências de mercado e muita
pesquisa. Conhecer os anseios, as necessidades e desejos do seu público-
-alvo e traduzi-los em um produto que corresponda às expectativas de
seus consumidores é o grande desafio da gestão de produtos.
dica
Antes de iniciar a leitura dos fundamentos, escreva em
uma folha de papel separada o que você, como consumi-
dor, espera de um produto. Você acredita que está sendo
feito por esta marca o que o marketing se propõe a fazer
para o consumidor?
Portanto, nesta unidade você vai aprender sobre o primeiro item do com-
posto de marketing, que é o produto.
Fundamentos
Para começar, é importante conceituar o que é o composto de market-
ing. Há mais de um sistema de marketing utilizado pelas empresas, mas,
nesta disciplina, vamos utilizar somente o sistema de análise denomina-
do 4’s (professor E. J. McCarthy apud COBRA, 2009, p. 11-12), que reparte
o mercado em quatro áreas para estudos e melhor compreensão das
diversas forças que influenciam os resultados do ambiente empresarial.
O primeiro P que será estudado é o Produto. É importante pensar na
importância dos produtos para as empresas, os consumidores e a socie-
dade de uma maneira geral. Como já mencionado anteriormente, o pro-
duto não é apenas um bem físico: ele significa muito mais, e seu valor está
na satisfação da necessidade e desejo do seu consumidor. Para as em-
presas, o produto representa sua fonte de lucro; para os consumidores,
a forma de satisfazer necessidades e desejos e; para a sociedade, uma
conceito
Produtos podem ser definidos como objeto principal das re-
lações de troca, que podem ser oferecidos num mercado para
pessoas físicas ou jurídicas, visando proporcionar satisfação a
quem os adquire ou consome. (LAS CASAS, 2009, p. 186)
introdução
atenção
O Ciclo de Vida do Produto representa um modelo de análise
de cada etapa da “vida” do produto, com suas característi-
cas, ameaças e oportunidades de ampliação no mercado.
conceito
Produtos empresariais são os comprados para o processa-
mento posterior ou para uso na gestão de um negócio. As-
sim, a distinção entre um produto de consumo e produto
empresarial é fundamentada na finalidade para qual o pro-
duto é comprado.
→→ Instalações ou montagens;
→→ Equipamentos;
→→ Equipamentos acessórios;
→→ Partes e componentes materiais;
→→ Suprimentos;
→→ Serviços para negócios.
benefício
central
E agora, José?
Agora você já conhece os principais conceitos e caracte-
rísticas de Produtos - um dos 4 Ps - que configura a ofer-
ta, juntamente com todos os seus benefícios. Na conti-
nuidade, teremos mais um P, o Preço, que gera receita
e lucro para as empresas. Para tanto, você aprenderá
como obter informações de determinação de preços e
qual a importância disso para o marketing. Bons estudos!
Glossário
Posicionamento: conforme Trout e Al Ries, posi- não é o que faz o produto, mas o que você faz
cionamento refere-se à metodologia utilizada com a cabeça do público-alvo.
para criar percepção de um produto, marca ou Tangibilidade: característica de concretude, de
identidade de uma empresa. “Posicionamento poder tocar, sentir o produto.
Referências
COBRA, M. Administração e marketing no KOTLER, P. & ARMSTRONG, G. P
rincípios de Ma-
Brasil. São Paulo: Cobra e Mark, 2008. rketing. São Paulo: Prentice Hall, 2003.
KOTLER, P. A
dministração de Marketing. São LAS CASAS, A. L. M
arketing: conceitos, exercí-
Paulo: Prentice Hall, 2000. cios, casos. São Paulo: Atlas, 2009.
Competências
Planejar estratégias de preços diferenciadas para produ-
tos ou serviços.
Habilidades
Determinar preços de produtos ou serviços com base nas
principais técnicas vistas nesta Unidade de Aprendizagem.
APRESENTAÇÃO
Nesta sexta Unidade de Aprendizagem, daremos continui-
dade ao estudo do composto de marketing. Agora é o mo-
mento de conhecer o Preço - o único P que gera receita. O
preço, principalmente no setor de serviços, é muito difícil
de ser definido e ainda recebe diversas denominações:
aluguel, matrícula, mensalidade, valor da consulta, pas-
sagens, tarifas, juros, pedágio, seguro, prêmio, propina,
cachê, taxa, adiantamento, salário, empréstimo, crédito,
parcela, comissão, entre outros.
Estude, também, o material complementar e assimile
os conceitos sobre preço. Os livros citados nesta unida-
de também podem ser consultados para esclarecimen-
tos e maiores informações.
PaRA COMEÇAR
A análise do preço é muito interessante. Este é o único
“P” do Composto de Marketing que traz lucros, enquanto
os demais mostram a necessidade de investimentos.
O Preço, sobretudo no setor de serviços, é muito difí-
cil de ser definido. Há casos de prestadores de serviços
que desconsideram a maior parte dos custos fixos e va-
riáveis no momento de definir o preço final. Acreditam
que, se tiverem que levar em conta todos estes números,
o serviço ou produto sairia muito caro e as pessoas não o
comprariam. Resumindo: há muitos prestadores de servi-
ços que definem seus preços levando em conta os custos
de materiais que utilizaram no desenvolvimento da pres-
tação de serviço e acabam não cobrando o valor de sua
mão-de-obra. Outros, especialmente os comerciantes, so-
mente adicionam um percentual, por exemplo, 30%, sob a
mercadoria adquirida, e acreditam que se cobrarem mais
não conseguirão vendê-las.
O preço é um item de total importância na análise de
composto de marketing. Veremos tanto a parte conceitu-
al e teórica quanto a análise de estratégias direcionadas
a preço. Muitos dos conceitos são comuns aos comentários apresentados
nos dois vídeos que você assistiu.
Antes de fazer a leitura dos fundamentos, retome os conceitos do com-
posto de marketing e do Produto, que são pré-requisitos para o entendi-
mento do conteúdo que será apresentado a seguir. Ótima leitura!
Fundamentos
1. O SEGUNDO “P” DO COMPOSTO DE MARKETING: PREÇO
O preço recebe diversas denominações: aluguel, matrícula, mensalida-
de, valor da consulta, passagens, tarifas, juros, pedágio, seguro, prêmio,
propina, cachê, taxa, adiantamento, salário, empréstimo, crédito, parcela,
comissão, entre outros. E, como foi dito anteriormente, é o único “P” do
Composto de Marketing que é capaz de produzir receita, que remunera.
Os demais P’s geram custos.
lembre-se
O preço é o valor de troca por aquilo nos é oferecido: é o
preço que você paga pela mercadoria ou serviço que deseja
ou necessita.
dica
No momento da compra, o cliente vai avaliar se a troca, que
está a ponto de concretizar, é justa; se ele terá que abrir
mão de algo para adquirir o produto ou serviço, qual o valor
final, o valor agregado e as formas de pagamento.
conceito
Incluir preço a um produto ou serviço dependerá de vários
fatores. Os principais são:
R$ 4,00
= = R$ 5,00
1 - 0,2
atenção
Este método somente funcionará se a previsão de unidades
vendidas estimadas for alcançada.
0,30 × R$ 500.000,00
R$20,00 +
=
50.000
R$ 23,00
=
custo fixo
Volume ponto de equilíbrio =
(preço - custo variável)
R$ 200 000,00
=
R$ 20,00 - R$ 15,00
= 25 000 unidades
atenção
O diferencial é oferecer mais valor que o concorrente.
atenção
Trabalhar com descontos é uma prática comercial, mas ofe-
recer desconto a todo tempo e a todas as empresas, so-
mente para fechar vendas, denota falta de organização e de
metas empresariais.
Mas pode ser que a sua empresa queira aumentar os preços. Quando a
estratégia é bem-sucedida, pode alavancar os juros da empresa de forma
substancial. Mas este aumento causa um impacto sobre os clientes. De-
pendendo do setor, o aumento deve constar em contrato e os usuários
devem ser avisados com antecedência. Outra necessidade de aumento de
preço é a inflação ou o excesso de demanda.
atenção
O profissional da área pode também lidar com custos elevados
e excesso de demanda sem aumentar os custos. Bastam ini-
ciativas como: reduzir o tamanho e manter o preço, substituir
ingredientes por outros mais baratos, reduzir ou remover ser-
viços adicionais, utilizar material de embalagem diferenciado
com preço inferior, reduzir o número de tamanhos e de mode-
los oferecidos (standard ), criar marcas mais baratas, reduzir ou
remover características dos produtos para diminuir custos etc.
papo técnico
→→ Redução de preços: aparentemente a redução de
preços é fácil de ser feita, mas se alguns cuidados não
forem tomados os clientes que pagaram um preço
mais elevado poderão sentir-se prejudicados;
→→ Aumento de preços: na maioria das vezes, tem-se
grande dificuldade em fazer com que os consumidores
aceitem o aumento de preços;
→→ Preços para novos produtos: antes de lançar um
novo produto, procure conhecer o valor percebido
pelos clientes. Identifique os pontos de diferenciação
com relação aos concorrentes e pergunte a seus clien-
tes se estes atributos os motivariam a comprar a um
preço maior. (LEONI FILHO, 2002, p. 50-52)
E agora, José?
Para estabelecer a política de preços, as empresas, em
sua maioria, seguem as seis etapas a seguir:
a. Preços geográficos;
b. Descontos e concessões;
c. Promocionais; e
d. Diferenciados.
a. Manter o preço;
b. Manter o preço e elevar a qualidade do produto
/ serviço;
c. Reduzir o preço;
d. Aumentar o preço e a qualidade; ou
e. Lançar uma nova linha de produtos para concorrer
no mercado.
Referências
KOTLER, P. e KELLER, K. L. A
dministração de SÁ, S. de. Do Mundo do Marketing: Pre-
Marketing. São Paulo: Pearson Prentice ço de encartes de supermercado é di-
Hall, 2006. ferente do cobrado. 2010. Disponível
LEONI FILHO, S. A. Estratégia de Preços. Revis- em: <http://www.mundodomarketing.
ta Marketing: Fae Business School. Coleção com.br/5,13200,preco-de-encartes-de-
gestão empresarial n. 3, Curitiba, Associação supermercado-e-diferente-do-cobrado.
Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus, p. htm>. Acesso em: mai. 2010.
43-53, 2002.
Competências
Planejar estratégias de praça diferenciadas, tanto para
produtos, como também para serviços.
Habilidades
Determinar critérios para determinação de localização
estratégica, atrativos para a estrutura física da empresa
e uso correto de técnicas para melhorar a aparência
física da empresa.
Apresentação
Já chegamos à nossa oitava Unidade de Aprendizagem. Con-
tinuaremos com o estudo do composto de marketing. Aqui
você aprenderá sobre o terceiro P, que é conhecido como
Praça (ponto de venda). Antigamente, o ponto de venda era
a loja física, mas nas abordagens contemporâneas do mar-
keting já há espaço para refletir sobre as lojas virtuais e as
categorias de profissionais que trabalham em casa (home
office) ou compartilhando seu espaço de trabalho com ou-
tros profissionais de diversas áreas (co-working).
PaRA COMEÇAR
Nesta UA, você conhecerá o terceiro ‘P’ do Composto de Ma-
rketing, que é Praça. Há uma visão diversificada por parte
dos autores com referência a este ‘P’, como será explicado
no item Fundamentos.
Nas duas últimas unidades, você criou ou propôs
diferencial(is) a um produto ou serviço e também fez o le-
vantamento do preço a ser cobrado. Aqui, o exercício será
traçar estratégias para a estrutura física da sua empresa
(que existe ou que terá que criar).
Antes de apresentar os principais conceitos, queremos
convidá-lo a refletir sobre os seguintes aspectos:
1. Descuidar da Vitrine
A vitrine deverá ser transformada num permanente
convite. Colocar uma espécie de cada um dos pro-
dutos em um amontoado confuso é um erro muito
comum. A vitrine não é um catálogo. Pense como se
fosse um consumidor: uma vitrine clara, em que se perceba o que
é vendido com duas ou três mensagens claras, como os de promo-
ção, novidade, exclusivo, por exemplo.
2. Iluminação Deficiente
É desagradável entrar numa loja que se encontra em ambiente de
autêntica penumbra. Certamente, é uma péssima primeira impres-
são. Também o será se, ao entrar, o cliente tiver a sensação de que
levou com um flash nos olhos, tal a intensidade da luz. No equilíbrio
está a virtude, e esse equilíbrio será diferente em cada caso e para
cada tipo de produtos ou serviços que se pretende vender.
4. Cores Desajustadas
Não chocar, nem ser agressivo ao escolher as cores base do seu
ponto de venda são decisões extremamente importantes. As cores
fazem parte de todo o ambiente. E, certamente, você quer um am-
biente agradável e facilitador dos contatos e das vendas. Cores que
distraem a atenção do cliente é um erro. Mas também a ausência de
cor ou cores demasiado deslavadas, “anônimas”, dá certo desconfor-
to, por isso precisam ser evitadas.
6. Layout Inadequado
Ao entrar no ponto de venda, o cliente tem que perceber, automa-
ticamente e com facilidade, onde é o atendimento e onde estão ex-
postos os artigos. Evite aquelas distorções de espaços onde apenas
a pessoa do atendimento é capaz de discernir onde está o produto,
levando o cliente a ter de contar sempre com ela. Neste caso, perde-
rá o cliente ocasional, que entra para dar “uma olhadela”.
Este sairá de imediato, pois não percebe nada que lhe interesse,
unicamente devido à disposição interior do ponto de venda.
Muitas vezes não se vende. O cliente é quem compra. Esse talvez seja, ain-
da hoje, um dos principais erros nos pontos de venda. É um erro também
muito comum não olhar as práticas e estratégias da concorrência, retiran-
do dali os ensinamentos positivos que poderão ser aplicados no próprio
ponto de venda. A diferenciação, a atenção ao cliente e toda a questão do
espaço de venda são também fatores que não podem ser descuidados.
Aquilo que chamamos merchandising - que abarca conceitos e práticas
que vão desde o vitrinismo ao layout dos espaços interiores, às cores, en-
tre outros -, são aspectos ainda muito ignorados no comércio atual.
O atendimento faz a grande diferença. O prazer em receber, a atenção
ao cliente e a simpatia são os elementos que nos cativam como consumi-
dores, mas que tantas vezes estão ausentes de grande parte dos pontos
de venda. Daí que a grande aposta deverá ser o reforço nestes compo-
nentes, principalmente através da formação do pessoal.
Nota-se já, sobretudo entre os mais novos, uma outra imagem do co-
mércio, fruto da aposta no profissionalismo e na adoção de tecnologias
que potencializam os resultados positivos, mas que têm estado ausentes
do comércio em geral, especialmente nos pequenos pontos de venda.
Fundamentos
1. O TERCEIRO ‘P’ DO COMPOSTO DE MARKETING: PRAÇA
Quando falamos do terceiro ‘P’ – Praça – nos referimos a:
papo técnico
De acordo com Moreira (1990, p. 176), “as atividades indus-
triais são, de modo geral, fortemente orientadas para o lo-
cal onde estão os recursos. Matéria-prima, água, energia e
mão-de-obra. As atividades de serviços, sejam públicas ou
particulares, orientar-se-ão mais para fatores como proximi-
dade do mercado (clientes), tráfego (facilidades de acesso) e
localização dos competidores”.
lembre-se
O ponto de venda deve ser um item que complementa e
colabora para a exposição e venda do produto/serviço.
Mesmo um serviço pode ser exposto. Nos últimos anos, os salões de ca-
beleireiros inovaram ao expor seu serviço àqueles que, ao passar pela
calçada, nos transportes, entre outros, podem ver como é o seu espaço, a
disposição, cores, as pessoas trabalhando etc. Isso é promover o serviço
no ponto de venda.
Até algum tempo atrás, era complicado pensar na exposição do ser-
viço em um ponto de venda. Com o aumento da concorrência, na busca
pela diferenciação, prestadoras de serviços também descobriram novas
dica
De acordo com analistas do Sebrae, “colocar-se no lugar
do cliente é uma ótima estratégia para analisar o ponto
de venda”.
dica
Permita que o cliente opine sobre a aparência interna
e externa, a experiência da compra e o contato com os
vendedores – já que é nesta fase que também se fideliza
um cliente. E lembre-se de usar o bom senso na hora de
aceitar as sugestões como propostas de melhorias - e
não como críticas – e para ponderar o que é possível de
se executar.
Conceito
Os conceitos macro e microambientais são fundamentais no
momento de decidir a escolha da localização da empresa
E agora, José?
Nesta Unidade de Aprendizagem, destacamos a impor-
tância das características da praça (ponto de venda) e dos
cuidados ao buscar a localização para a empresa.
O ponto de venda é fundamental para a apresentação
do produto ou serviço, e os micro e macroambientes in-
fluenciam diretamente nele.
Na próxima UA, você verá a continuação do P de pra-
ça, os Canais de marketing, que cuidam da distribuição
dos produtos ou serviços. Portanto, faça os exercícios
aqui propostos e releia os fundamentos antes de seguir
para a próxima unidade. Lá, teremos muitos conceitos e
teorias que dependem do entendimento de Praça para
que sejam assimilados corretamente.
Glossário
Canal de distribuição: designa o conjunto de Logística: produto certo, no local certo, na hora
meios utilizados para fazer com que o pro- certa, com preço justo. Começando com a
duto ou serviço chegue desde o produtor até compra da matéria-prima, a produção até
ao consumidor final. a entrega junto ao cliente e os serviços de
pós-venda.
Referências
BOITEUX, B. Do C. O
Rio, as enchentes MOREIRA, D. A. A
dministração da produção e
e o turismo. Disponível em: http:// operações. 2. ed. São Paulo: Pioneira, 1996.
lexturisticanova.blogspot.com/2010/04/o- OLIVEIRA, J. C. V. de. Disponível em <http://
rioas-enchentes-e-o-turismo.html. Acesso www.breginski.com.br/?pg=verartigo>.
em mai. 2010. Acesso em mai. 2010.
LAS CASAS, A. L. Marketing: Conceitos, Exercí-
cios e Casos. São Paulo: Atlas, 2001.
canais de marketing
8
gestão de marketing
canais de marketing
Competências
Identificar os melhores canais de marketing que devem
ser usados pela empresa.
Habilidades
Planejar a utilização de canais de marketing que permi-
tam à empresa alcançar diferenciais competitivos.
APRESENTAÇÃO
Falaremos, a partir de agora, dos canais de marketing
(também conhecidos como canais de distribuição), que
complementam os estudos da unidade anterior, sobre
Praça. Para adquirir a compreensão total do terceiro P
do composto de marketing, você precisa saber por que a
distribuição dos bens e serviços é um dos grandes desa-
fios das empresas que querem sobreviver no século XXI.
Os canais de marketing são fundamentais no mercado
atual, não deixe de ler sobre o assunto nos livros indi-
cados no item Referências. Este é um tema amplo e a
leitura complementar é necessária caso queira assimilar
conceitos que o auxiliem no processo de construção e
amadurecimento sobre canais de marketing. Aproveite
para ler os conteúdos de aulas anteriores.
PaRA COMEÇAR
No estudo do marketing para bens tangíveis, muitos au-
tores conceituam a distribuição ou os conhecidos ca-
nais de marketing como continuidade do estudo da Pra-
ça - que vimos na última UA. Já o marketing para bens
intangíveis (Marketing de Serviços) denomina o próprio
item Praça como distribuição.
Tanto para produtos, quanto para serviços, a distribui-
ção deve ser uma preocupação frequente da empresa,
principalmente àquelas que operam no e-commerce ou
e-business. Quando se fala em distribuição, deve ficar cla-
ro que sua função não é somente a de distribuir produtos.
Atualmente, distribuir informação também é uma preo-
cupação de empresas de grande, médio e pequeno porte.
Analise a foto abaixo e registre o que mais chama a
sua atenção.
Figura 1. Área de
distribuição central
de uma montadora
de carros. A partir de
uma estrutura central,
carros são içados
por um elevador
e armazenados
nessa estrutura.
Fonte: Pavel L
Photo and Video /
Shutterstock.com.
Fundamentos
1. O QUE SÃO OS CANAIS DE MARKETING?
Os canais de marketing também são conhecidos na área da logística como
canais de distribuição. Em muitos casos, a indústria não possibilita que o
consumidor compre o produto ou serviço direto do fabricante, mas sim
por meio dos chamados intermediários.
lembre-se
Os canais são os intermediários que a empresa decide ter e
que levarão o produto ou serviço até o consumidor.
dica
Por isso é importante sinalizar que os departamentos de lo-
gística e marketing preocupam-se com os canais de market-
ing porque a entrega do produto / serviço é importante e
demanda atenção e dedicação redobrada.
papo técnico
A empresa também tem a possibilidade de estabelecer par-
cerias de longo prazo com os seus intermediários. Para isso
4. TIPOS DE CANAIS
conceito
Os tipos de canais se diferenciam para produtos de consu-
mo e produtos industriais
6. VERTICALIDADE / HORIZONTALIDADE
Dependendo do setor em que a empresa opera, a possibilidade de con-
trolar os canais de marketing com atenção especial traz diferenciais com-
petitivos à empresa. Os canais de marketing podem ser classificados em
sistemas verticais ou horizontais.
Os sistemas verticais são divididos em três categorias:
7. ESCOLHA DO CANAL
Para a escolha correta do canal de marketing é preciso avaliar alguns as-
pectos indispensáveis. O potencial de vendas no segmento de mercado
escolhido é o primeiro passo. Em seguida, é momento de analisar o clien-
te para decidir qual o melhor canal (os hábitos de compra também devem
ser levados em consideração). A análise do tipo de produto/serviço tam-
bém é essencial para a escolha do canal. A concorrência precisa ser ana-
lisada e estudada cuidadosamente bem como os recursos do fabricante.
atenção
O canal de marketing é muito mais que o escoamento de
mercadorias, é o valor agregado ao produto/serviço por
conta de uma entrega em prazo, forma, condições combina-
das previamente e que fazem a diferença.
E agora, José?
É importante destacar que os canais são os intermediá-
rios que a empresa decide ter e que levarão o produto
ou serviço até o consumidor.
Quando se fala em canais de marketing é preciso apon-
tar importantes aspectos dessa ferramenta do marketing:
a. Fabricante-consumidor;
b. Fabricante-varejista-consumidor;
c. Fabricante-atacadista-varejista-consumidor;
d. Fabricante-agente-varejista-consumidor;
e. Fabricante-agente-atacadista-varejista-consumidor.
a. Fabricante-usuário industrial;
b. Fabricante-distribuidor industrial-usuário industrial;
c. Fabricante-agentes-usuário industrial;
d. Fabricante-agentes-distribuidores industriais-usuá-
rio industrial.
a. Intensiva;
b. Seletiva;
c. Exclusiva;
d. Direta.
Referências
KOTLER, P. e KELLER, K. L. A
dministração de LUCENA, R. Folha de S. Paulo, São Paulo,
Marketing. São Paulo: Pearson Prentice 06/06 2006. Folha Mercado. Disponível
Hall, 2006. em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/
LAS CASAS, A. L. Marketing: conceitos, exer- dinheiro/ult91u108311.shtml>. Acesso em
cícios, casos. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2005. jun. 2010.
DOWNSIZING
MARINGÁ
2011
CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ
ANA CAROLINA IGNÁCIO DA SILVA
DIANDRA PESSINI
MARCIA TATHIANE DA SILVA RIBEIRO MANTOVANI
RENATA CRISTINA TORREZAN
DOWNSIZING
MARINGÁ
2011
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................ 3
2. DOWNSIZING......................................................................................... 4
2.1. CONCEITO .......................................................................................... 4
2.2. FATORES MOTIVADORES ................................................................. 6
2.3. OBJETIVOS ......................................................................................... 6
2.4. CARACTERÍSTICAS............................................................................ 7
2.5. TIPOS DE DOWNSIZING .................................................................... 7
2.6. ESTRATÉGIAS .................................................................................... 8
2.7. IMPLEMENTAÇÃO .............................................................................. 10
2.8. MITOS ................................................................................................. 12
2.9. VANTAGENS ....................................................................................... 12
2.10.DESVANTAGENS ................................................................................ 13
2.11. CASE ................................................................................................... 14
2.11.1. Marisol S.A. .................................................................................. 14
2.11.1.1. Empresa ....................................................................................... 14
2.11.1.2. Missão .......................................................................................... 15
2.11.1.3. Case ............................................................................................. 15
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................... 16
REFERÊNCIAS ............................................................................................ 17
3
1. INTRODUÇÃO
2. DOWNSIZING
2.1. CONCEITO
2.3. OBJETIVOS
2.4. CARACTERÍSTICAS
alto nível gerencial, na tecnologia e nos sistemas; (4) ênfase nas mudanças
na estrutura; (5) redefinição da missão e da estrutura da organização; (6)
orientação para o arranjo externo; (7) ênfase na flexibilidade e na
adaptabilidade; (8) ênfase no critério de eficácia; (9) foco em fazer as coisas
diferentes; (10) redesenho precede o downsizing.
2.6. ESTRATÉGIAS
É uma ferramenta que deve ser analisada com uma visão global, pois afetará
toda a empresa, e sofrerá influência direta do ambiente interno e externo, portanto
deve estar alinhada com o planejamento estratégico da empresa (MATIELI, 2010).
O planejamento é sempre a melhor saída em casos de reduções de custos.
O primeiro passo importante para que a reestruturação seja bem-sucedida é
integrar o downsizing com as estratégias em longo prazo da empresa. A
empresa deve determinar qual a direção que esta tomando e quais
empregados são necessários para garantir o futuro desejado. A empresa
deve identificar e proteger indivíduos com alto potencial (DUBRIN, 2003, p.
366).
2.7. IMPLEMENTAÇÃO
2.8. MITOS
2.9. VANTAGENS
• Moderniza a empresa;
• Permite concentração de esforços e recursos em áreas consideradas mais
rentáveis;
• Potencializa e automatiza os processos da empresa, tornando-a mais rentável
e competitiva.
2.10. DESVANTAGENS
Segundo Lacombe (2009, p. 228) se esta técnica for levada aos extremos
pode apresentar as seguintes desvantagens como: (1) Perda do espírito de equipe;
(2) Perda da memória da organização; (3) Perda de recursos humanos experientes
com know-how.
Pode gerar perda de lucro e produtividade, pois é difícil conseguir
comprometimento de funcionários que sabem que a qualquer sinal de instabilidade a
empresa executa o downsizing, além dos custos adicionais com rescisões,
indenizações, processos trabalhistas, planos de aposentadoria e recolocação de
pessoal (BOHLANDER; SNELL; SHERMAN, 2003).
Sem um bom planejamento este processo pode acarretar riscos como (1)
demissões desnecessárias; (2) menor comprometimento dos empregados; (3)
ambientes adversos ao risco; (4) funcionários com resistência as inovações
(trauma); (5) perda de talentos; (6) resistência a mudanças (MATIELI, 2010).
O downsizing continua a ser muito criticado e mal aceito devido ao problema
dos custos elevados. Gary Hamel no livro Competing for the Future chama ao
downsizing de anorexia empresarial (NUNES, 2007), anorexia empresarial porque o
downsizing surgiu para enxugar os excessos para que a empresa ganhasse
agilidade e fôlego para se adaptar as mudanças do mercado, algumas empresas se
encontram viciadas nesta ferramenta, o que pode comprometer a saúde da
organização, quando são eliminadas partes importantes para o funcionamento da
empresa como um todo.
Muitas empresas se preocupam apenas com o processo de downsizing e
esquecem dos efeitos que isto pode gerar nos sobreviventes, pesquisas indicam que
as pessoas reagem mais favoravelmente se as medidas tomadas não transgredirem
a cultura da empresa e for amplamente divulgado (MILKOVICH; BOUDREAU, 2000).
14
2.11. CASE
2.11.1.1. Empresa
2.11.1.2. Missão
2.11.1.3. Case
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Com base nas informações do referencial teórico, podemos perceber que assim
como todas as técnicas existentes, o downsizing também possui vantagens e
desvantagens.
As empresas normalmente utilizam este tipo de estratégia quando estão em uma
fase de sobrevivência, ou seja, estão morrendo, e buscam alternativas para
sobreviver dentro do mercado, evitando serem massacradas pela concorrência.
O downsizing deveria ser realmente a última alternativa para uma empresa, pois
as demissões em massa geram altos custos indenizatórios e de reparação
psicológica para os demitidos e sobreviventes, e se a empresa conseguir se
restabelecer no mercado precisará contratar e sofrerá altos custos com
recrutamento, seleção e treinamento. Como citado no trabalho existem várias
alternativas que podem ser empregadas antes desta medida extrema.
A alta administração das empresas precisam se aprofundar mais no assunto
antes de decidir por este processo, deve ampliar sua visão e perceber outras opções
mais viáveis. Para não cometerem erros que podem piorar a situação da empresa,
em vez de melhorar.
É preciso quebrar o paradigma de que a qualquer sinal de crise a primeira e única
alternativa é demitir funcionários, somente assim as empresas conseguiram
enxergar um futuro estável no mercado.
17
REFERÊNCIAS
TAVARES, Mauro Calixta. Gestão Estratégica. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2005
19
Reflexões sobre a aplicação do Modelo Japonês de Administração no contexto atual das
organizações: o caso Nissan
1
Reflexões sobre a aplicação do Modelo Japonês de Administração no contexto atual das
organizações: o caso Nissan
Resumo
Uma pesquisa foi efetuada para avaliar o grau de adoção de práticas e conceitos
relativos ao modelo japonês de administração em uma empresa japonesa da indústria
automotiva e que, recentemente, buscou estabelecer uma aliança com uma empresa ocidental.
Três blocos de informações associados a esse modelo de administração foram pesquisados:
administração participativa, cultura japonesa e redução do desperdício. Os resultados da
pesquisa apontam para uma adoção parcial dos conceitos do modelo japonês de administração
– antes e depois da aliança. A situação do caso pesquisado, especialmente após a aliança,
pode confirmar uma possível tendência de ocidentalização das empresas japonesas num
ambiente globalizado. Essa tendência, se confirmada, pode sugerir a necessidade de melhor
contextualização do ensino do modelo japonês de administração nos livros didáticos de
administração brasileiros.
Abstract
An academic research was executed in order to evaluate the adoption level of the
practices and concepts related to the Japanese management model in Japanese automotive
company, which recently engaged in an alliance with an occidental company. Three
dimensions of this model were analyzed: participating management, Japanese culture and
waste reduction. The findings of the research evidenced partial adoption of Japanese
management model – before and after the alliance. These findings, especially after the
alliance, may confirm a tendency of an “occidentalization” of those Japanese companies in an
"globalized" environment. In this situation, the context of an organization must be properly
considered in the way this model is explained in the Brazilian management teaching books
2
Reflexões sobre a aplicação do Modelo Japonês de Administração no contexto atual das
organizações: o caso Nissan
1. Introdução
O ensino da administração deve exigir por parte do docente, entre outros desafios, um
constante posicionamento crítico em relação às abordagens apresentadas pelas diferentes
escolas teóricas da administração. Com o intuito de estimular este espírito crítico,
desenvolveu-se no âmbito da disciplina de Modelos de Gestão e Organização, a apresentação
e discussão de diversas teorias administrativas e respectivos modelos de gestão, os quais
fazem parte do pensamento gerencial contemporâneo. Durante a disciplina, os autores na
qualidade de aluno e professor procuraram estimular a crítica e estabelecer o debate visando
averiguar a aplicabilidade nos dias atuais da teoria da administração japonesa e do respectivo
ou modelo de gestão construído com base nela. Sabe-se que os postulados da teoria de gestão
denominada de japonesa, foi desenvolvida nos últimos 50 anos no Japão e foi difundida com
o sucesso alcançado pelas empresas japonesas na década de 80 no mercado americano e
europeu.
O presente artigo é parte integrante do trabalho de conclusão desenvolvido nesta disciplina;
focaliza o modelo japonês de administração e, com base, nos resultados de uma pesquisa
bibliográfica efetuada a partir de fontes primárias e secundárias a respeito de uma
organização, discutiu-se a utilização ainda que total ou parcial desse modelo na atualidade.
2. Problema de pesquisa
“Quais aspectos o modelo japonês de administração estão sendo aplicados no contexto atual
das organizações?”
3. Revisão bibliográfica
3.1 As origens do modelo japonês de administração: o Sistema Toyota de Produção
1
Fonte: Womack, J.P. et al., 1992, p. 39.
3
completamente diferentes daquelas praticadas pelas indústrias ocidentais. Um dos exemplos
mais ilustrativos refere-se aos moldes que são utilizados para estampar e dar a forma às
diversas partes de um carro. Esses moldes - sendo pesados e de manipulação complexa e com
sérias conseqüências na produção em caso de erro na sua fabricação ou operação - nas
indústrias ocidentais precisavam de especialistas para sua manipulação no chão de fábrica.
Desta forma, como o regime de produção envolvia grandes volumes, segundo Womack (2000,
p.43) “os fabricantes chegaram à conclusão de que poderiam muitas vezes “dedicar” um
conjunto de prensas a uma peça específica, prensando tais peças por meses ou anos, sem troca
de moldes”. Taichi Ohno buscou aperfeiçoar este processo de forma que estas trocas de
moldes, que antes levavam um dia inteiro, passaram a serem realizadas num prazo de cerca de
duas ou três horas; adicionalmente, sendo as novas técnicas mais fáceis de dominar, os
próprios trabalhadores poderiam realizar estas trocas em lugar dos especialistas. Dez anos
depois de iniciar seus esforços, Taichi Ohno conseguir reduzir para três minutos o tempo de
troca dos moldes, eliminou totalmente os especialistas para estas operações de troca de
moldes e fez uma descoberta, para Womack, totalmente surpreendente: “o custo por peça
prensada era menor na produção de pequenos lotes do que no processamento de lotes imenso.
(...) (pois) produzir lotes pequenos eliminava os custos financeiros dos imensos estoques de
peças acabadas que os sistemas de produção em massa exigiam. E, ainda mais importante,
produzir apenas poucas peças antes de montá-las num carro fazia com que os erros de
prensagem aparecessem quase que instantaneamente. As conseqüências dessa última
descoberta foram imensas, fazendo com que o pessoal da estamparia se preocupasse bem mais
com a qualidade, e eliminando o desperdício com grande número de peças defeituosas (...)”.
4
3.3 A influência da cultura do país
Segundo Maximiano (2000, p.233), em meados dos anos 90, “os japoneses perderam a
dianteira, que foi tomada novamente pela indústria automobilística ocidental, que aprendeu a
lidar com o conceito de produção enxuta sem alterar sua própria base cultural. Por fim, a crise
econômica do final do século XX provocou a mudança da cultura organizacional do Japão.
Precisando manter a competitividade, e precisando lidar com um ambiente de incerteza, as
empresas japonesas começaram a seguir o caminho de suas concorrentes ocidentais,
abandonando as práticas de emprego seguro e vitalício. Isso rompeu o espírito de lealdade do
emprego em relação á empresa, descaracterizando uma das premissas mais importantes da
base cultural do modelo japonês”.
Para Bartlett & Ghoshal (1992, p. 65) os valores culturais japoneses “eram refletidos
no zaibatsu2 e em outros grupos empresariais, que paternalisticamente supervisionavam suas
2
Zaibatsu, segundo Ferreira et al. (2000, p. 148) são as grandes corporações familiares que predominavam em
diversos setores da economia, no período da Revolução Meiji. Durante a intervenção americana os zaibatsu
foram desarticulados; em contra-partidas surgem os keiretsu (trustes industriais japoneses).
5
companhias afiliadas. (...) Estas influências vinculavam administradores e corporações em
um sistema cultural de dependência, que para muitas companhias era um impedimento para a
expansão para mercados internacionais. Os sistemas administrativos exigiam tanta
comunicação e dependiam tanto de relacionamentos que não funcionavam bem quando as
unidades operacionais eram separadas por substanciais barreiras de tempo e distância. Além
disto, as diferenças culturais e de idioma dificultavam a integração de não-japoneses no
processo administrativo. Os compromissos de emprego vitalício e a necessidade de promover
empregados dentro da organização encorajavam ainda mais as companhias japonesas a
expandir suas operações em casa e ao mesmo tempo atingir mercados estrangeiros através de
empresas de comércio ligadas ao zaibatsu ou através de filiais de vendas no exterior. As
companhias japonesas sentiram-se então encorajadas a manter o poder de decisão e o controle
no centro, onde podiam ser geridas por aqueles que compreendiam as sutilezas do sistema”.
Em suma, num ambiente internacional com novas características de competição
(globalização) o modelo japonês revela-se inadequado em alguns de seus aspectos (processos
de comunicação e decisão).
Outras críticas podem ser encontradas no artigo publicado pela revista “The
Economist” em 1994. O artigo defende claramente a idéia de que o Japão está mudando e que,
de fato, estaria se ocidentalizando. Um dos casos apresentados no artigo refere-se a Hitachi. A
Hitachi em 1965 era responsável por 65% do PNB, um símbolo do milagre japonês. Hoje
pode também ser considerado um novo símbolo para um novo Japão.
No passado a Hitachi, a empresa era quem supria necessidades básicas do trabalhador:
dormitório, refeições comunitárias, mercados na empresa, providenciando até casamentos e
funerais. No entanto, segundo o artigo “material need, more than a cultural inclination
towards harmony, led the miners to trust each other like brothers”, ou seja, a harmonia
decorria muito mais da pobreza do que da cultura propriamente. As práticas atuais da empresa
endossam esta tese do artigo, pois a partir da década de 60, 85% dos “colarinhos azuis” já tem
sua casa própria e sua interação já é bem menor. E os trabalhadores também passaram a se
dedicar mais para suas famílias (deixando a empresa em segundo plano). E a empresa que
antes providenciava tudo para seus funcionários, agora é uma empresa que busca incentivar a
criatividade individual.
Adicionalmente, para continuar competitiva, a Hitachi teve que transferir seus
processos e plantas de produção para países asiáticos onde os custos de produção eram mais
baratos e onde não se desenvolveu harmonia e a comunicação teve que ser desenvolvida numa
terceira língua: o inglês. Executivos tiveram que ser treinados em outras culturas, o que
naturalmente, depôs contra o conceito de harmonia. Outros aspectos também mudaram em
decorrência das experiências internacionais da Hitachi: se antes os processos decisórios eram
lentos pela exaustão nos processos de consultas nos escalões inferiores, agora, inclusive no
Japão, novas políticas emergem sinalizando a centralização do processo decisório em poucas
mãos; se antes havia a política de emprego vitalício para trabalhadores e gerentes, agora
jovens brilhantes aspiram por cargos no exterior.
4. Metodologia da pesquisa
6
Para desenvolver a pesquisa selecionou-se a Nissan Motor Co. Ltd. em função de duas
razões básicas: em primeiro lugar pelo destaque alcançado na mídia impressa, pelos recentes
resultados alcançados decorrentes de mudanças implementadas em sua gestão e, em segundo
lugar, por ser uma empresa japonesa, isto é, uma empresa que nasceu na “maternidade” em
que se desenvolveu o modelo japonês de administração.
Ao final da pesquisa, para facilitar identificação da aplicação (ou não) dos conceitos
associados ao modelo japonês de administração, sintetizou-se o enquadramento das práticas
identificadas nas empresas em aspectos que aderem (presentes) e que não aderem (não
presentes) do modelo japonês de administração. Vale destacar que, em função da empresa
selecionada ter desenvolvido uma aliança estratégica, a identificação das práticas (e sua
aderência ou não ao modelo japonês de administração) foi organizada em dois momentos:
antes e depois desta aliança estratégica.
5. Resultados da pesquisa
7
Ltda. A empresa foi fundada por Yoshisuke Aikawa com o objetivo de produzir “em massa”
entre 10.000 e 15.000 veículos por ano. Em junho de 1934 a empresa mudou de nome se
passou a chamar Nissan Motor Co., Ltda.. Em 1936 a empresa adquiriu tecnologias da
Graham-Paige Motors Corp. dos EUA para fabricar carros e caminhões. A
internacionalização da empresa iniciou-se em 1959 com a produção de seus veículos em
Taiwan em 1959, e depois no México em 1961. Atualmente a empresa possui plantas em 17
países do mundo.
Em março de 1999, após oito anos sem apresentar lucros, acumulando uma dívida de
U$ 17 bilhões e sem recursos para fazer novos investimentos (por exemplo, há nove anos que
os produtos não eram renovados e apresentava um prejuízo de U$ 1.000 para cada veículo
vendido nos EUA) e num contexto altamente turbulento, em termos de fusões e aquisições a
Nissan encontrou na Renault um parceiro disposto a fazer investimentos na empresa e a
recuperá-la. Desta forma com a aliança com a Renault, a Renault passou a ter uma
participação acionária inicial de 36,6% e, adicionalmente, capacitou-se a obter ganhos de
escala e acessos aos mercados americanos e asiáticos que ainda não tinha conseguido ter.
Atualmente, após a implementação de um significativo processo de mudanças
estruturais e organizacionais, a empresa conseguiu alcançar uma margem de lucro operacional
de 10,8% contra 4% da média mundial do setor. Os lucros contabilizados em março deste ano
superaram à casa dos US$ 4 bilhões. A empresa produziu no ano fiscal finalizado em março
2002 a produção de 2.474.888 de veículos, sendo que destes 1.272.851 no Japão e o restante
nas demais unidades espalhadas no mundo. Sua força de trabalho, incluindo todas as
subsidiárias, soma mais de 125 mil profissionais.
8
estrangeiros). Um compromisso de forte impacto foi assumido publicamente pelo novo board:
em caso de fracasso, no período de um ano, Carlos Ghosn e todo o restante do comitê
renunciariam suas carreiras na empresa (Vassallo, 2000, p.48 e Caetano, 2002, p.44). Esta
decisão procurou mostrar o comprometimento dos novos integrantes para com a empresa e,
com isto, sinalizar a seriedade com o compromisso assumido.
9
Para “atacar” a questão dos custos de aquisição foi estabelecido o Plano Nissan 333. A
proposta era de que um terço do esforço de redução de custos deveria vir fornecedores, um
terço da equipe de engenharia da empresa e o restante da área de compras. Com o
estabelecimento do CCT de compras, estabeleceu-se uma política coordenada de compras.
Esta política de coordenação se iniciaria na Europa e depois se estenderia para as demais
unidades da aliança. Esta política cobria todas as compras da empresa e teria por objetivo
conseguir comprar produtos melhores e obter maior poder de negociação. Foi estabelecido,
ainda para este CCT a missão de reduzir em 20% os custos dos fornecedores. Para alcançar
esta meta a empresa propôs que os primeiros fornecedores que atingissem a meta receberiam
prioridade e encomendas maiores. A intenção da Nissan era reduzir de 1145 fornecedores
para cerca de 600 em três anos. Para a área de engenharia foi proposta a revisão e a mudança
nas especificações uma vez que, em alguns casos, eram muito mais severas na Nissan do que
em outras empresas. Com isto, por exemplo, procedimentos e especificações foram revistos e
alguns itens, por exemplo, passaram a ter taxa zero de rejeição enquanto que em outros os
custos reduziram-se efetivamente.
A empresa não tinha recursos para investir e renovar seus produtos. Mas, na verdade, a
empresa tinha muitos recursos. Os quais eram mal investidos em outras empresas conforme a
tradição de keiretsu. Segundo Carlos Ghosn, a empresa tinha mais de US$ 4 bilhões
investidos em centenas de empresas. No entanto, como a maior parte dessas participações era
pequena não gerava alavancagem administrativa para a Nissan. Começou-se, então, a
desmantelar os investimentos tipo keiretsu. No total foi anunciada a venda da maior parte de
suas participações acionárias em 1394 empresas, muitas delas seus fornecedores. Desta 1394
empresas somente 4 foram consideradas decisivas para o sucesso da empresa no futuro.
10
implementação de práticas de administração inovadoras vindas do Japão. No entanto, com a
difusão das técnicas, esse papel perdera seu sentido e eles continuavam a atuar sem dar uma
contribuição significativa e, pior, acabavam por “minar a autoridade dos gerentes de linha”.
Nesses casos os papéis foram revistos e passaram atribuições claramente definidas dentro da
organização.
Analisando-se aspectos relacionados à liderança de Carlos Ghosn, observa-se, por um
lado, decisões que claramente representam uma quebra de paradigma na empresa; em outros
um reforço do que é preconizado pelos japoneses. Para os executivos mais conservadores
Ghosn era um forasteiro, um indivíduo muito mais jovem que chegava para mudar tradições
vigentes por décadas. Com a chegada de Ghosn, conforme já apresentado anteriormente,
houve o fim da tomada de decisão por consenso. Foi certamente muito duro para os
profissionais da Nissan ouvirem de Ghosn que ninguém teria aumento de salário até que o
NRP atingisse suas metas ou que a língua oficial da empresa passaria a ser o inglês. Todas
estas mudanças foram sentidas e Carlos Ghosn precisou também saber lidar com as diferentes
pressões sofridas com reações contrárias a estas mudanças. Por outro lado, seu estilo também
provocou reações positivas, mesmo durante a fase inicial de mudanças. A própria decisão de
renunciar em caso de fracasso “soou” como um pacto samurai de sua dedicação à empresa de
entrar às sete e meia da manhã e sair tarde da noite acabou lhe rendendo o apelido de Mr.
Eleven-Seven, uma rede conhecida de conveniência no Japão (Vassallo, 2000).
11
Modelo Japonês de Administração: o Caso Nissan
Antes da Aliança Depois da Aliança
Aspectos...
Presentes Não presentes Presentes Não presentes
Decisão por Comunicação CCT’s e CFT’s Decisões centralizadas
consenso interfuncional falha
Amplo uso do Processos de Fim do keiretsu e
Administração Keiretsu comunicação amplos e imposição de metas de
interfuncionais amplos redução de custos aos
Participativa fornecedores
Maior integração
interfuncional e
interregional
Obediência à Falta de Devoção para com o Hierarquia pode ser
hierarquia responsabilidade cumprimento das suas desobedecida
coletiva tarefas
Os mais novos se Os mais velhos podem
subordinam aos se subordinar aos mais
mais velhos novos
Cultura Progressão na Falta de orientação Progressão por
carreira em função sistêmica desempenho e não por
Japonesa da idade e idade
experiência
Emprego vitalício Fim do emprego
vitalício
Carreiras Cargos com funções e
generalistas responsabilidades
definidas
Keiretsu como fonte Revisão das
desperdício especificações
Especificações mais Otimização de
severas do que as compras por meio de
necessárias comparações de custos
Redução do e centralização das
compras e ganho de
desperdício
escala
Fábricas com
capacidade excessiva
de produção
Cargos (conselheiros)
que não agregavam
mais valor
Quadro 01: Síntese dos aspectos presentes e não presentes do Modelo Japonês de
Administração no caso Nissan
Esse caso, em resumo, reforça o que o artigo da The Economist, citando o caso
Hitachi, de certa forma preconizava: uma possível ocidentalização do modelo japonês de
administração. As observações de Bartlett e Ghoshal também são suportadas, no caso
estudado, isto é, num modelo de competição global, o modelo japonês de administração não
12
se ajusta adequadamente e por isto precisa ser revisado. Em síntese, o modelo japonês não é
um receituário a ser seguido ao pé da letra, muito menos no contexto atual das organizações.
É possível ainda que, talvez, seja difícil caracterizar algum modelo único, seja ele ocidental
ou oriental.
Certamente é muito cedo para se avaliar os impactos de todas estas mudanças ao longo
prazo nas organizações japonesas e mais ainda na própria cultura japonesa, mas uma coisa
parece certa: parte dos valores e das tradições japonesa está em cheque. Se vão resistir, quais
irão resistir e por quanto tempo, sem sombra de dúvidas, há necessidades de maiores estudos.
7. Bibliografia e webliografia
WOMACK, J. P. et al.: A máquina que mudou o mundo. Rio de Janeiro: Campus, 1992
http://www.nissan-global.com em 12/04/2003
13
14
TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 32
RESUMO
ABSTRACT
This paper intends to discuss the relation between labor and globalization;
therefore, it mentions the debate on the changes in the labor world, the centrality
of labor study in social sciences, and also the analyses of some globalization
impacts, mainly economic one, on such labor. One of the main goals of this paper
is to demonstrate how the emergence of global society and the changes it has been
provoking into capitalist relation of production, mainly in Brazil, have made the
social sciences to think over their analyses related to these matters.
1
Especialista em Sociologia e Sociologia da Educação (UEL). Mestre em Sociologia Política (UFPR).
Doutoranda em Ciências Sociais (UNICAMP). Professora de Fundamentos Sócio-antropológicos
da Educação, no Instituto Superior de Educação Mãe de Deus de Londrina.
E-mail: angellamaria@pop.com.br
TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 33
INTRODUÇÃO
esfera da produção, mas como uma colisão entre os subsistemas de ação racio-
nal-intencional, mediados pelo dinheiro e pelo poder, de um lado, e um mundo-
da-vida-cotidiana, que resiste obstinadamente a estes sistemas, de outro. Em um
outro grupo de análise, podemos citar, para fins de contestação, as teorias soci-
ológicas de Foucault, de Touraine e de Gorz, de que a fábrica não é o centro de
relações de dominação, nem o local dos mais importantes conflitos sociais; que
os parâmetros sociais e econômicos do desenvolvimento social foram substitu-
ídos por uma autoprogramação da sociedade; e que, nas sociedades ocidentais,
tornou-se altamente enganoso equiparar o desenvolvimento das forças produti-
vas e a emancipação humana.
A Sociologia de Gorz também parece não explicar as atuais mudanças
ocorridas no mundo do trabalho. Gorz considera, por exemplo, que o trabalho
deixou, há muito tempo, de fazer parte da liberdade do homem ou da sua iden-
tificação com sua atividade e passou para o reino da necessidade. Na sua pers-
pectiva, o neoproletário passou a ser determinado pelo trabalho que “...não
pertence aos indivíduos que o executam e não é a sua atividade própria: per-
tence ao aparelho de produção social, é repartido e programado por esse apa-
relho e permanece externo aos indivíduos aos quais se impõe.” (GORZ, 1987,
p.90).
Na visão do autor do presente ensaio, a libertação do proletário, difundida
por Marx, torna-se impossível, pelo fato de o proletário pós-industrial não encon-
trar no trabalho social a fonte de seu poder possível como vê nele, a realidade do
poder dos aparelhos e de seu próprio não-poder (GORZ, 1987, p.91). Nessa pers-
pectiva, o trabalho, a cada dia, passa a ser exterior ao homem; aliena e inverte sua
relação com o homem; ao invés de existir para o homem, o homem passa a existir
a partir dele, tornando-se seu dependente e escravo.
Para GORZ, a evolução tecnológica não se apresenta como maneira de uma
apropriação de produção social pelos produtores e, sim, caminha no sentido de
uma abolição dos produtores sociais, de uma marginalização do trabalho social-
mente necessário sob o efeito da revolução informática (1987, p.91).
O trabalho produtivo não está em extinção e nem a classe trabalhadora (pro-
letariado). É verdade que o trabalho passou por diversas metamorfoses. O traba-
lho, ao longo das décadas, se reorganiza e se readapta aos processos e modos de
produção implantados pelo capitalismo, favorecendo sua manutenção.
Como explica ANDRADE FILHO, o trabalho é uma expressão fundante do
homem. Pelo trabalho, o homem potencializa o caminho da humanização e proje-
ta seu futuro em uma nova forma de sociabilidade. O autor investiga o trabalho
como ação transformadora das realidades, em uma resposta aos desafios da natu-
reza, relação dialética entre teoria e prática. Pelo trabalho, entende, “...o homem
TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 36
cobrem que, atrás desse paradoxo, há, na verdade, uma degradação das condições
de trabalho e uma forte intensificação do trabalho, ocasionando sérios problemas
à saúde, uma vez que o apelo ao subjetivismo e o envolvimento do trabalhador
não o poupam de sofrer.
Na mesma linha de pensamento, há as pesquisas de FRANCO (2002). O
autor reforça a tese de que se está longe o fim do trabalho e que o processo cres-
cente de precarização das condições de trabalho decorre do excesso, e não da
falta, de trabalho. Suas atenções se voltam, sobretudo, às pesquisas sobre o Karoshi
(morte súbita por excesso de trabalho) no Japão.
Mesmo que a flexibilização e a precarização do trabalho sintetizem os diver-
sos processos de transformações e de inovações no âmbito da organização do
trabalho, das políticas de gestão e no campo de mercado de trabalho, como fenô-
menos que se mundializaram, tais fenômenos apresentam especificidades nacio-
nais e, mesmo, regionais. As mutações no mundo do trabalho, de forma mais
abrangente, afetam as localidades, as organizações menores, a vida real dos traba-
lhadores envolvidos diferentemente, interferindo no processo real de trabalho, na
nova sociabilidade, na identidade de classe, na nova solidariedade e na maior
intensificação-exploração do trabalhador(a).
Nesse processo de retroalimentação, de inferência de novos valores (capita-
listas) na subjetividade do trabalhador, gera-se, processualmente, uma sociabili-
dade desejável pelo capital.
O trabalhador passa a ter dificuldade hoje de se identificar enquanto classe,
torna-se confuso entre empregado e empreendedor, entre trabalhador terceirizado
e trabalhador permanente; já que emprega outras pessoas no fabricação domésti-
ca, na maioria das vezes, seus próprios familiares e amigos e divide o ambiente de
trabalho com colegas oriundos dos mais diferentes tipos de contrato. O mesmo
passa a se alimentar com uma enganosa liberdade e autonomia, que esconde uma
ideologia de exploração, com piores condições de trabalho, maior jornada, ausên-
cia de direitos, arduamente conseguidos pela luta de classes.
Um dado, para o Brasil, que nos ajuda a compreender os impactos da
globalização no mundo do trabalho está no aumento da relação produtividade/
exclusão do trabalhador no mercado de trabalho. Apesar de os dados não serem
muito atuais, BERTOLINO (1997, p.19) nos dá uma idéia desses impactos. Como
detalha o autor, de 1985 a 1990, a produtividade na indústria nacional andou para
trás ao ritmo de 0,4% ao ano. Em compensação, de 1990 a 1995, segundo o IBGE,
a produtividade aumentou em 49,5%. Em 1996, o aumento foi de 13,1%, em re-
corde histórico. O autor se pergunta: “Qual é a explicação para essa mudança
brusca na capacidade de produção da força de trabalho brasileira?” Segundo ele,
em primeiro lugar estão os investimentos em tecnologia, com a importação maci-
TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 41
“Por mais paradoxal que pareça, na base desta crise está funda-
mentalmente a crise do capital que, para manter-se e recuperar
taxas históricas de exploração, desmantela, sob o ideário neoliberal
da desregulamentação e privatização, os direitos sociais conquis-
tados pelos trabalhadores, de forma assimétrica em diferentes
partes do mundo, especialmente neste último século.”
Os mecanismos utilizados pelas empresas para sair das crises precisam ser
contextualizados nos mecanismos usados pelo capital para se refazer a cada abalo
econômico.
No Brasil, outro impacto da globalização sobre o trabalho, sem dúvida, está no
fato da flexibilização ter flexibilizado também os direitos sociais, duramente con-
quistados pelas lutas dos trabalhadores. A expansão do mercado em escala mundial
os atingiu, particularmente. Segundo RÚDIGER (2003, p.42), estamos diante de
uma crise do direito do trabalho estreitamente ligada à desconstrução e à reorgani-
zação do trabalhador coletivo em escala mundial, com seus desdobramentos na es-
fera jurídica pelo esfarelamento do regramento da relação de emprego em múltiplas
formas atípicas de normatização das relações de trabalho, um trabalho que é contra-
tado no mercado mundial por meio de formas jurídicas diversificadas e flexíveis.
A autora lembra que a atual situação do mercado de trabalho é apenas apa-
rentemente flexível e desregulamentada. Ocorre que a retirada do Estado como
poder regulador do mercado de trabalho e o enfraquecimento dos sindicatos como
representantes, inclusive jurídicos, dos trabalhadores, somente fortalecem o po-
der corporativo das grandes empresas. Através da tecnologia da informação, as
TERRA E CULTURA, ANO XX, Nº 39 43
Esse momento de crise serve também para que a ideologia neoliberal apro-
veite para tentar firmar teses do fim do socialismo e emergência do pós-modernis-
mo. RUMMERT (2000, p.15) fala que esse projeto neoliberal está tentando difun-
dir um ethos empresarial para a sociedade. Diríamos, para alguns, um chamado
projeto de modernidade, ou ainda, um projeto de pós-modernidade.
Em síntese, a globalização econômica é sustentada pelo consenso econômi-
co neoliberal, cujas três principais inovações institucionais são: restrições drásti-
cas à regulação estatal da economia, novos direitos de propriedade internacional
para investidores estrangeiros, inventores e criadores de inovações susceptíveis
de serem objeto de propriedade intelectual (Robinson, apud SANTOS, 2002, p.31),
subordinação dos estados nacionais às agências multilaterais, tais como o Banco
Mundial, o FMI e a Organização Mundial do Comércio. Isso, sem contar que são
os países periféricos e semiperiféricos os que mais estão sujeitos às imposições do
receituário neoliberal, uma vez que este é transformado pelas agências financei-
ras multilaterais em condições para a renegociação da dívida externa, através dos
programas de ajustamento estrutural. Mas, dado o crescente predomínio da lógi-
ca financeira sobre a economia real, mesmo os estados centrais, cuja dívida públi-
ca tem vindo a aumentar, estão sujeitos às decisões das agências financeiras, ou
seja, das empresas internacionalmente acreditadas para avaliar a situação finan-
ceira dos Estados e os conseqüentes riscos e oportunidades que eles oferecem aos
investidores internacionais (SANTOS, 2002, p.31).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AUTORES
Silvestre Gomes Martins
Graduando de Biblioteconomia Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Campus Universitário- Lagoa Nova- Natal. E-mail: sil_gomes7@hotmail.com
Telefone: (84)9412-6877
PALAVRAS-CHAVE
Benchmarking. Unidade de Informação. Benchmarking em Unidades de Informação.
58
ABSTRACT INTERFACE
It analyzes the technique of benchmarking as a conceptual, historical and typological
approach and demonstrates its applicability in information units. Shows that
benchmarking arises in a competitive situation, from the need that organizations had to
learn from its competitors the best practices, so they can is placed on the market in
efficiently and effectively way. Explains that the technique of benchmarking by being
flexible, can be applied to different situations and different types of organizations, thus
creating three types of benchmarking the internal, the competitive and the functional /
generic, being the manager the responsable by identifying which type best sets or
meets the need of the organization. Focuses on the use of benchmarking in information
units, in order to achieve quality in customer user and in the products and services
developed by these units. Aims to present the technique of benchmarking in the
context of overall organizational and its application in information units as a
management tool that enables search for their overall quality. Used as a methodology
the bibliografic and electronic searches. Concludes that is from of the knowledge of
this technique that is possible used it as a tool of organizational management for all
types of organization.
KEY-WORDS
Benchmarking. Information Unit. Benchmarking in Information Units
BREVE HISTÓRICO
BENCHMARKING INTERNO
63
Este tipo de benchmarking é desenvolvido e praticado dentro da própria INTERFACE
BENCHMARKING COMPETITIVO
Bulhões (2005) afirma que algumas bibliotecas, de certo tempo para cá,
estão utilizando o benchmarking para além de lhes posicionar no mercado,
promover a otimização de seus produtos e serviços.
Para a autora o foco central para as bibliotecas universitárias, ou seja,
um de seus principais fatores críticos de sucesso está na qualidade do
atendimento aos usuários, através dos produtos e serviços por ela oferecidos.
A aplicação do benchmarking poderia se dá com o foco neste fator, uma vez
que ele é um dos mais importantes fatores para o sucesso da biblioteca.
Para uma biblioteca universitária o benchmarking permite um
aperfeiçoamento de seus produtos e serviços, identificar em outras bibliotecas
pesquisadas processos ou atividades rotineiras que são realizadas com
sucesso para uma futura adaptação, aumentando sua vantagem competitiva e
contribuir de forma significativa para a atividade de gestão com novas
informações.
REFERÊNCIAS 67
INTERFACE
TRAMITAÇÃO
Recebido em: 04/12/09
Aprovado em: 11/03/10
68
INTERFACE
RIO DE JANEIRO
Setembro de 2000
ii
Aprovada por:
______________________________
Prof. Agrícola Bethlem
COPPEAD/UFRJ
_____________________________
Profa Anna Maria Campos
_____________________________
Prof. Paulo Fernando Fleury
_____________________________
Profa Sylvia Constant Vergara
Rio de Janeiro
Setembro de 2000
iii
A meus filhos,
Eduardo e Paula
v
AGRADECIMENTOS
Gostaria de, aqui, registrar agradecimentos às pessoas cujas ações e apoio permitiram
que eu pudesse realizar este trabalho. Em primeiro lugar agradeço à minha orientadora,
Profa Angela da Rocha, o tempo dedicado, a orientação e a disponibilidade nas horas
mais difíceis e prementes. Sem ela não teria chegado ao final. Agradeço, ainda, à minha
amiga, Profa. Rebecca Arkader, por sua insistência em me lembrar a necessidade de
dedicação ao trabalho. Suas palavras foram fonte de ânimo e, mesmo, de consolo.
Por fim, agradeço o apoio institucional oferecido pela Secretaria Acadêmica e pela
Biblioteca. Ficou muito mais fácil realizar um trabalho desta monta dentro de uma
organização que acredita e investe em infra-estrutura para a pesquisa e que, na ação de
cada um, docente ou funcionário, busca diariamente e de forma consciente a excelência
do serviço prestado. Ao COPPEAD o meu sincero obrigado.
vi
RESUMO
Este trabalho teve por objetivo pesquisar como os remanescentes perceberam o processo
de downsizing - redução planejada de pessoal – de suas empresas. A partir do estudo de
três organizações brasileiras privatizadas no período entre 1996 e 1998 e da realização
de 58 entrevistas em profundidade, foi possível compreender que o downsizing ao
encontrar-se inserido em um processo de mudança radical da organização – a
privatização – caracterizou-se por sua severidade e abrangência.
Por outro lado, este processo não se fez sem ambigüidades na forma de ver a situação.
Situações concretas de progresso e realizações profissionais no nível da organização e
também no nível individual foram, simultaneamente, acompanhadas de sentimentos
contraditórios que expressavam medo e orgulho, amor e angústia, satisfação e estresse.
As contradições e ambigüidades presentes nos discursos contrapõem-se à clivagem
encontrada na literatura específica de downsizing. De forma geral, os autores assumem
posições polares em que procuram mostrar que o processo ou é danoso e tem
conseqüências negativas para a empresa e o empregado ou é benéfico para a empresa.
Esta pesquisa avança o conhecimento existente no sentido de mostrar que o downsizing
em empresas recém-privatizadas não assume um caráter único. Não é “bom” nem é
“ruim” , são as duas coisas ao mesmo tempo. Assumir a crítica ou o elogio seria
privilegiar apenas um lado da questão.
vii
ABSTRACT
Ambiguity was also present in the process. While there existed concrete opportunities
for professional achievement, these were at the same time accompanied by
contradictory feelings such as, on one hand, proudness regarding the company and
attachment in relation to the work done and, on the other, fear of losing the job and
anxiety for not being able to satisfy the new requirements.
These findings add to the existing theory, which usually assumes downsizing either as a
positive or a negative process. This investigation concluded that, for the surviving
employee, the process of downsizing in the context of privatization is, at the same time,
a positive and a negative experience. Therefore, the usual assumption of a single-sided
perspective implies a poor perception of the process.
viii
Lista de Figuras
Lista de Tabelas
Tabela 1 Estratégias de downsizing
Tabela 2 Comparação entre as estratégias propostas por Cameron et al e
Fleury
Tabela 3 Abordagens ao downsizing
Tabela 4 Benefícios obtidos com o downsizing em empresas canadenses
Tabela 5 Problemas relacionados com o downsizing em empresas canadenses
Tabela 6 Aspectos a serem melhorados nos programas de downsizing em
empresas canadenses
Tabela 7 Impactos do downsizing nos luvros, na produtividade e no moral dos
empregados em empresas norte-americanas
Tabela 8 Efeitos após o downsizing, segundo pesquisa em empresas norte-
americanas
Tabela 9 Tipologia de contratos psicológicos
Tabela 10 Número de entrevistas por cargo
Tabela 11 Adesões ao PDV na ServA por grau de escolaridade
Tabela 12 Adesões ao PDV na ServA por área funcional
Tabela 13 Resultados da pesquisa de opinião sobre o programa de desligamento
voluntário
Tabela 14 Preparação para a privatização segundo percepção dos empregados
Tabela 15 Clima organizacional antes da privatização segundo percepção dos
empregados
Tabela 16 Estratégias para a redução de pessoal
Tabela 17 Estratégias utilizadas pelas empresas segundo taxonomia de
Cameron, Freeman e Mishra (1991)
Tabela 18 Estratégias utilizadas pelas empresas segundo taxonomia de Fleury
(1997)
Tabela 19 Características da comunicação do plano
Tabela 20 Critérios para o desligamento
Tabela 21 Críticas, elogios, ansiedades e comentários aos critérios para os
desligamentos
Tabela 22 Incentivos e apoio oferecidos nos planos de desligamento
Tabela 23 Razões para a adoção dos programas de redução de pessoal segundo
percepção de seus funcionários
Tabela 24 Razões para a adesão ao programa de desligamento voluntário
segundo percepção dos empregados
Tabela 25 Razões para a não adesão ao plano de desligamento voluntário
Tabela 26 Papel do gerente no PDI
Tabela 27 Destino dos empregados desligados segundo relato dos empregados
Tabela 28 Fatores para o aumento na carga de trabalho
Tabela 29 Estratégias para lidar com o aumento na carga de trabalho
Tabela 30 Fatores para o aumento das horas de trabalho, segundo percepção
dos empregados
x
Anexos
Anexo 1 Roteiro de entrevista para remanescentes sem cargo gerencial
Anexo 2 Roteiro de entrevista para remanescentes com cargo gerencial
xii
Sumário
Pág.
1 INTRODUÇÃO 1
1.1 OBJETIVO DA PESQUISA 1
1.2 RELEVÂNCIA DA PESQUISA 1
1.3 DELIMITAÇÃO DA PESQUISA 4
1.4 DEFINICÃO DE TERMOS 5
1.5 ORGANIZAÇÃO DO ESTUDO 7
2 REFERENCIAL TEÓRICO 9
2.1 ANTECEDENTES DA ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO E 9
DOS EMPREGOS
2.1.1 Fase pré-industrial 9
2.1.2 Fase industrial ou fase burocrática 10
2.1.3 Fase pós-industrial 12
3 METODOLOGIA 75
3.1 OBJETIVO, PERGUNTA E DELIMITAÇÃO DA PESQUISA 75
10 ANEXOS 337
1. INTRODUÇÃO
As empresas passam, então, por mudanças as mais variadas: venda de unidades menos
produtivas, venda de negócios sem sinergia com o negócio principal, compra de outras
empresas, terceirização de funções, alianças com concorrentes, enxugamento da
estrutura interna e downsizing, para citar apenas algumas.
A extensão em que a prática de downsizing tem sido utilizada revela que não se pode
falar de um fenômeno passageiro. Em um estudo, verificou-se que 72% das empresas
norte-americanas fizeram redução de pessoal entre 1990 e 1993, e 44% adotaram algum
tipo de aposentadoria antecipada (Cascio, 1993). Mishra, Spreitzer e Mishra (1998)
indicam que mais de 3 milhões de empregos foram cortados desde 1989 nos Estados
Unidos, e, se considerado a partir de 1979, a perda montaria a 43 milhões de empregos.
2
Diante de tal quadro, deve-se perguntar quais são as vantagens e desvantagens dos
programas de downsizing. Há uma corrente de pesquisadores e praticantes que aponta
para uma série de pontos positivos na adoção do processo (Bruton, Keels e Shock,
1996). Dentre os ganhos mais citados, encontram-se: menor overhead, menos
burocracia, processo decisório mais rápido, melhor comunicação, maior produtividade,
maior freqüência de comportamento empreendedor interno à empresa e maiores lucros
(Cascio,1993; Kets de Vries e Balazs, 1997).
Há, também, aqueles que acham que o processo traz em si embutido mais danos do que
benefícios. Tais autores preocupam-se, via de regra, com o moral, a confiança e o
comprometimento daqueles que permanecem na empresa após o programa de redução
de pessoal. Preocupam-se, ainda, com o futuro dos que perderam o emprego. Advogam
que, se o downsizing é bom para a empresa, não o é para as pessoas, e alertam para o
trade-off entre os possíveis benefícios de curto prazo e os danos que podem surgir no
longo prazo (Mone, 1997). Vantagens e desvantagens não poderiam ser comprovados a
priori e, provavelmente, apenas um distanciamento no tempo poderia indicar os erros e
acertos dos diversos programas encerrados e em andamento. 1
1
A leitura dos jornais pode, entretanto, atestar que os alertas acerca de possíveis danos não têm
impedido as empresas de recorrerem, com freqüência, aos processos de redução de pessoal.
Para se ter uma idéia, em outubro de 1998, o Jornal do Brasil informou que a indústria de
autopeças planejava demitir, no Brasil, seis mil trabalhadores até o mês de novembro. A
Raytheon planejava demitir 16% de seus empregados, a Gillette anunciou a intenção de demitir
quatro mil funcionários em todo o mundo e tanto a Merryl Lynch como a Salomon Smith
Barney pretendiam demitir cerca de 5% de seu contingente (Jornal do Brasil, 11/10/98, p. 23).
3
Tomasko, 1990; Wallfesh, 1991); na forma como os processos devem ser conduzidos
(Biteman e Leifer, 1991; Cameron, Freeman e Mishra, 1991; Martin, Parsons e Bennett,
1995; Mishra, Spreitzer e Mishra, 1998); nos impactos na produtividade (Bruton, Keels
e Shock, 1996; Cascio, 1993), nas recomendações para administrar a empresa e os que
nela permaneceram uma vez encerrado o programa (Brockner et al, 1987; Kaye, 1998;
Marks e Mirvis, 1992) e nos moderadores do processo (Brockner et al, 1993; Caldas,
1998, 2000).
A similaridade da ação não implica, entretanto, que sejam idênticos em sua consecução
ou tenham efeitos aproximadamente iguais. A transposição de práticas gerenciais de um
país para outro deve ser conduzida com cautela, uma vez que o sucesso em determinado
país, com suas caraterísticas culturais, econômicas, sociais e legais, não garante o
sucesso em outro, cujas características sejam distintas.
Além disso, é provável que a hegemonia e o sucesso das teorias gerenciais norte-
americanas, aliados ao sucesso empresarial do país, tenham levado a esquecer que
análises e recomendações não devem ser transpostas sem levar em conta as
características próprias de cada sociedade. Muitas empresas de outros países, desejosas
de obter fórmulas prontas e testadas, teriam importado conceitos e práticas gerenciais
sem atentar para o ambiente em que as mesmas deveriam se inserir (Hofstede, 1990).
Além disso, via de regra, os estudos sobre o assunto seguem práticas metodológicas que
privilegiam a pesquisa por meio de experimentos ( Brockner et al, 1993) ou surveys
2
Um dos principais estudos sobre o assunto no Brasil foi realizado por Caldas (1998) em
estudo sobre moderadores passíveis de atenuarem os efeitos negativos dos programas de
downsizing.
3
Um dos poucos estudos encontrados foi o de Mroczkowski e Hanaoka (1997) comparando
estratégias de rightizising entre empresas norte americanas e empresas japonesas.
4
Além disso, a realização de um estudo no Brasil sobre downsizing deverá contribuir para
entendimento mais profundo de como esses processos podem dar-se em empresas
atuantes em nosso país. Pelas características peculiares, o estudo poderá constituir-se,
ainda, em um primeiro passo para novas abordagens teóricas do tema no caso brasileiro,
assim como proporcionar algumas indicações para a prática empresarial nesse ambiente.
Da mesma forma, embora funcionários admitidos após o programa possam ter uma voz
importante na percepção do processo pelo qual a empresa passou, também não foi
intenção da pesquisa conversar e obter as percepções daquelas pessoas que, embora
ativas na empresa, não tivessem diretamente vivenciado o fenômeno.
No caso das novas práticas empresariais, relativamente a seus empregados, não se pode
dizer que um novo padrão esteja emergindo. Um receituário estabilizado e eficaz para a
5
Outro enfoque à questão do downsizing seria aquele que considera as relações entre
cultura organizacional e mudança. Na verdade, embora sejam inúmeros os estudos sobre
cultura organizacional, poucos se dedicaram a estudar de que forma diferentes culturas
organizacionais lidam com o tema da mudança. O presente estudo também não pretende
investigar a relação entre cultura organizacional e diferenças em programas de
downsizing. Não fornece, desta forma, nenhum guia para a realização de mudanças com
utilização de downsizing.
Downsizing
De acordo com Cameron apud Wagar (1997), downsizing pode ser definido como:
Inplacement
4
Tradução livre.
6
Outplacement
Reengenharia
Rightsizing
Rightsizing é definido, segundo Morrall Jr (1998, p.8) como uma “abordagem proativa
e contínua ao downsizing e à reestruturação das organizações”. Nesse sentido, segundo o
autor, o rightsizing é atividade contínua que procura manter o número correto de
empregados no presente e no futuro.
5
Tradução livre do autor.
7
Remanescente
Síndrome do sobrevivente
Refere-se ao conjunto de problemas apresentados pelos funcionários que permanecem
na empresa após programas de redução de pessoal. Entre os problemas apresentados e
tratados pela literatura encontram-se ansiedade, tristeza, culpa, medo, menor
comprometimento com a empresa, insegurança e baixo moral (Boronson e Burgess,
1992; Brockner, 1992; Marks e Mirvis, 1992; O’Neill e Lenn, 1995; Robbins, 1999).
Vítima
Termo utilizado para identificar funcionários que foram desligados, voluntariamente ou
involuntariamente, em programas de downsizing. Este termo contrapõe-se, via de regra,
à categoria dos “sobreviventes” ou “remanescentes”.
dos atores sobre os processos de downsizing em suas respectivas empresas. Por uma
coincidência, todas as empresas pesquisadas haviam sido privatizadas pouco tempo
antes do programa de redução de pessoal, o que orientou a lógica narrativa dos
depoentes. Em vez de seguirem uma seqüência adequada aos relatos de processos de
downsizing, seguiram uma lógica temporal ligada ao evento da privatização.
2 - REFERENCIAL TEÓRICO
Howard (1995), por sua vez, procurando um referencial para analisar a mudança do
trabalho no ambiente norte-americano, elegeu a seguinte divisão: industrialização, que
se iniciaria no século XIX e duraria até o início do século XX, burocracia, que passaria
a florescer a partir da Segunda Guerra Mundial e era pós-industrial, que poderia ser
identificada a partir das décadas de 70 e de 80.
Com a demanda crescente por um produto mais sofisticado, a indústria saiu da esfera
familiar, passando a ser controlada pela figura do mercador que comprava a lã crua e a
entregava aos camponeses para fiação e tecelagem. Esse tecido era, posteriormente,
entregue a artesãos especializados que produziam um produto mais adequado. Embora o
camponês e sua família ainda permanecessem em sua terra, ele trabalhava, nessa nova
situação, com matéria-prima que não mais lhe pertencia e se responsabilizava por
apenas uma parte do processo. Ficava a cargo do mercador garantir que o produto
passasse pelos vários estágios de produção (Britannica, 1990).
7
Moderna não tem aqui o sentido histórico. Para esta disciplina, embora sem acordo com relação às
datas-limite, o termo é entendido como uma das divisões da história ocidental. Inicia-se no século XV e
termina no século XVIII, quando começa a Idade Contemporânea.
10
Rousseau (1995) indica como principais características dos empregos nesta fase: local
de trabalho centralizado; distinção entre trabalhador e supervisor; controle sobre o
tempo e ritmo de produção; propriedade dos meios de produção; controles hierárquicos
forçando horas de trabalho regulares e relações supervisor-subordinado e
desenvolvimento de contratos transacionais8.
8
A autora define contratos transacionais como aqueles que têm foco no curto prazo e nas trocas
monetárias.
11
Havia, portanto, uma “carreira a ser galgada” e uma expectativa de longo tempo de
relacionamento entre empresa e empregado. Ao mesmo tempo, a organização exercia
um controle sobre as “oportunidades de carreira” do empregado, o que, de certa forma,
fazia com que a empresa tivesse razoável influência sobre o seu comportamento. O
contrato social implicava comprometimento de ambas as partes, pois, se de um lado os
empregados esperavam oportunidades de desenvolvimento, de outro prometiam
lealdade à organização. A história empresarial poderia ser contada por ambos: gerentes e
empregados (Rousseau, 1995).
Assim sendo, o mercado de trabalho, até o início da década de 80, trabalhava de forma
isolada das pressões externas. Um dos objetivos de se internalizar esse mercado deveu-
se à necessidade de reduzir a variabilidade e aumentar a predizibilidade, de desenvolver
habilidades específicas do trabalhador necessárias ao tipo de negócio e de reforçar o
comprometimento do trabalhador.
9
Miles e Snow (1996), por exemplo, referem-se a uma ” terceira onda” e uma “quarta onda” nos
relacionamentos de trabalho e nas carreiras. A “terceira onda” abrangeria o período 1975-1995, tendo por
principais características a mobilidade lateral dentro da empresa, a ênfase nas competências técnicas e de
colaboração, definição de carreira em conjunto com empregador e mobilidade entre empregadores. A
“quarta onda”, a iniciar-se no ano 2000, caracterizar-se-ia pelo conceito de empregado de si mesmo, de
expansão da expertise profissional e de total responsabilidade na definição de sua própria carreira.
13
• carreiras com formatos diferentes: com menos mobilidade vertical, maior mobilidade
lateral, múltiplas carreiras ao longo da vida;
Delineou-se, assim, nos últimos anos da década de 80 e nos anos 90, um formato de
trabalho significativamente diferente do que havia sido entendido como modelo ideal
até então. Cabe então perguntar como e por que essas mudanças se engendraram e
ocasionaram uma realidade tão distinta.
Não há um consenso acerca das razões para a reestruturação dos empregos. Thurow
(1997) analisa as mudanças mundiais nas variáveis política, econômica, tecnológica e
demográfica, relatando a partir das mesmas o impacto nos empregos. Useem et al
(1995) indicam como principais fontes de pressão o ambiente de negócios e as políticas
públicas. Rifkin (1995) atribui a radical mudança no número e qualidade dos empregos
disponíveis aos efeitos da tecnologia.
10
Vários autores vêm alertando para a necessidade das habilidades emocionais, não apenas no trabalho,
como em nosso dia a dia. Gardner (1993) e Damásio (1996) tornaram suas pesquisas científicas acessíveis
ao grande público. Goleman (1995) fez do assunto um best-seller. Cooper e Sawaf (1997) transpuseram o
conceito para o âmbito organizacional.
14
• A economia global fez com que as empresas pudessem localizar suas operações em
quase qualquer lugar do mundo, deixando para trás países com altos salários e
legislações trabalhistas rígidas. Além disso, se produtos intensivos em mão-de-obra
não-qualificada se transferiram para países em desenvolvimento, então haveria uma
tendência a que os empregos com mão-de-obra não qualificada dos países
desenvolvidos sofressem uma redução real nos salários.11
11
A proposição de que o comércio internacional tem sido culpado pelo aumento de desemprego é refutada
por Krugman (1997). A noção de que o desenvolvimento de novos países se dá às custas dos demais é
questionada, uma vez que capital e tecnologia não são fixos. Para Krugman, uma das explicações para o
desemprego na Europa e as diferenças salariais nos Estados Unidos refere-se à tecnologia. Embora
Krugman não faça referência explícita, seus exemplos indicam que se refere à tecnologia de informática,
de comunicação e a toda tecnologia que exija do trabalhador maior qualificação. Alerta, porém, que não
se pode extrapolar essa tendência. Exemplo disso seriam os “futuristas vitorianos”, que previam a redução
dos trabalhadores a condições subumanas. Assim, de forma similar, não se poderia prever que os
empregos estivessem destinados apenas àqueles com maior qualificação. A história do computador tem
mostrado, por exemplo, que tem sido possível realizar complexas operações - como ganhar um jogo de
xadrez - com mais facilidade do que reconhecer rostos, habilidade essa presente em crianças de dois
anos.
15
equipe, uma vez que “essas mudanças poderiam e deveriam ter sido feitas há muito
tempo” (p.46).
12
Exemplo citado é o da Europa, onde a legislação praticamente impede a demissão de funcionários.
Assim, as empresas não despedem, mas também não criam novos empregos e preferem transferir e abrir
novas operações em outros locais.
13
Thurow (1995) apresenta argumento semelhante ao apresentar o conceito de “cunha fiscal” (p.149), em
que as empresas oneradas por salários, benefícios e impostos procuram transferir suas operações para
locais onde não existam tantas exigências. No caso brasileiro, Mailson da Nóbrega (1998) refere-se às leis
trabalhistas como “arcaico arcabouço jurídico do trabalhismo brasileiro” que, junto com a reforma
paternalista da Constituição de 1988, pensando estar protegendo os trabalhadores, em verdade, “os
empurrou para a economia informal”. Pimentel (1998), ex-presidente do TST e ex-Ministro do Trabalho
indicou que a CLT, com seu paternalismo exarcebado e por “dificultar a vida empresarial”, mais
prejudicou do que beneficiou os empregados.
16
• pressão dos investidores: a posse das ações das empresas passou a concentrar-se,
cada vez mais, em investidores institucionais. Esses grandes investidores teriam
pressionado as empresas mais problemáticas para mudanças na forma de
administração, muitas vezes com reestruturações organizacionais e cortes de pessoal.
Nem mesmo a criação de novas indústrias seria capaz de resolver o problema, pois
estas, além de trabalharem com mão-de-obra especializada, não poderiam absorver os
trabalhadores desempregados. A procura de novos mercados teria, por sua vez, pouco
sucesso, pois o desemprego tecnológico ocorreria em todos os países, afetando suas
populações e seu poder de consumo. Programas de retreinamento estariam, também,
fadados ao fracasso, pois não haveria como treinar trabalhadores sem qualificação para
assumirem postos de trabalho avançados, como os de engenheiros, biólogos, consultores
ou outras ocupações caracterizadas pela manipulação simbólica15,16.
14
Rifkin utiliza a palavra tecnologia na acepção de inovação tecnológica.
15
Uma das propostas governamentais para a redução do desemprego e melhoria da qualidade de mão-de-
obra brasileira está em requalificar o empregado durante o tempo denominado “demissão temporária”. A
idéia é que, enquanto aguarda sua volta ao trabalho, o empregado invista parte de seu tempo em
treinamento. Este período limita-se, porém, ao tempo máximo de 5 meses, o que, de longe, mostra-se
insuficiente para qualquer mudança drástica na qualificação de qualquer pessoa.
16
Krugman (1994) se pergunta se, realmente, a tecnologia premiará a crescente qualificação. A tecnologia
poderia, em verdade, aumentar a necessidade de mão-de-obra menos qualificada, como foi o caso das
pessoas que manipulavam teares manuais - que exigiam alta habilidade - e foram substituídas por teares
mecânicos que podiam ser operados por quase qualquer um. Krugman especula que o futuro tenderá a
favorecer as habilidades “comuns a todos os seres humanos” (p. 193), pois ainda está longe o tempo em
que faxina, jardinagem e outras atividades possam ser efetuadas por máquinas. A desvalorização do
trabalho comum revelar-se-á, diz o autor, apenas “uma fase temporária” (p. 194).
18
No que se refere à dimensão curto prazo/longo prazo, a autora afirma que o tempo de
emprego tenderia a ser longo se o empregador pudesse, de certa forma, antecipar o
comportamento do mercado e, também, se houvesse necessidade estratégica, por parte
do empregado, de um conhecimento específico relacionado à tecnologia e cultura da
empresa. Por outro lado, se o ambiente não fosse previsível, então rápidas adaptações
seriam necessárias e haveria uma tendência para empregos de menor duração.
FIGURA 1
TIPOLOGIA DE RELAÇÕES DE TRABALHO
19
Longo prazo
Pooled Fixos
Externo Interno
Independentes Carreiristas /
/ temporários malabaristas
Curto prazo
Pooled workers. Seria o caso de pessoas que trabalhassem apenas por um período na
empresa, mesmo que por anos consecutivos. Muitas vezes seriam trabalhadores que se
encontravam, anteriormente, em tempo integral e que, por alguma razão, tiveram que
alterar seu compromisso com a empresa. Um exemplo seria o de enfermeiras,
convocadas apenas em caso de necessidade.
20
Nem todos os autores classificam as relações de trabalho como Rousseau (1997). Pode-
se dizer que grande parte deles se limita a uma classificação do tipo empregados
principais e trabalhadores contingentes. Thurow (1995) refere-se à força de trabalho
contingente, como aquela formada por pessoas que, involuntariamente, trabalham em
tempo parcial, que trabalham com contratos temporários ou, ainda, fornecem serviços
como consultores autônomos. Do ponto de vista dos trabalhadores, tal sistema
significaria menos benefícios, mais incerteza e menores salários; do lado das empresas,
permitiria maior flexibilidade e menor custo de mão-de-obra.
Definição semelhante é adotada por Katz (1997), para quem o trabalhador contingente
se constituiria em alternativa ao empregado em tempo integral, incluindo os
temporários, os que trabalham em tempo parcial e os que trabalham por empreitada
(contract labor). Empregados contingentes poderiam ter as mais variadas qualificações,
desde escriturários até engenheiros, desenhistas e mesmo executivos. Por outro lado,
comparativamente, os salários dos trabalhadores contingentes não seriam,
necessariamente, menores que os dos trabalhadores em tempo integral. A diferença
estaria nos benefícios, pois os trabalhadores contingentes raramente receberiam
benefícios de saúde ou seriam incluídos em planos de aposentadoria. Além disso,
haveria diferenças nas indenizações devidas em caso de rompimento do contrato
acordado. Nos casos de empregados temporários ou subcontratados, o ônus pelo
rompimento seria, via de regra, muito menor (Katz, 1997).
21
Downsizing17 tem sido definido como uma eliminação planejada de postos de trabalho e
de cargos (Cascio, 1993; Katz, 1997; Kets de Vries e Balazs, 1997). Poderia significar
demissão de pessoas e poderia significar, também, uma reorganização do trabalho em
que funções, níveis hierárquicos e mesmo unidades fossem eliminadas18. Segundo
Cameron (1994) apud Wagar (1998, p. 301) representaria “uma estratégia implementada
por gestores que afetaria o tamanho da força de trabalho, os custos e os processos de
trabalho”. Não se incluiriam neste processo as demissões ou aposentadorias que,
normalmente, ocorrem em uma organização (Cascio, 1993).
17
Luthans e Sommer (1999) lembram que, por ter uma conotação negativa, podem-se encontrar outros
termos para o mesmo fenônomeno, como, por exemplo, reengenharia, rightsizing, reorganização e
realocação.
18
Não se inclui no conceito do downszing a alternativa de “suspensão temporária do trabalho”,
recentemente discutida na mídia. Segundo essa proposta, o empregado ficaria com o contrato suspenso
por até cinco meses. Durante esse tempo, o empregado receberia uma bolsa-qualificação, a ser financiada
pelo Fundo de Amparo ao Trabalhador-FAT e faria um curso de qualificação profissional custeado pela
empresa. Poderia haver a manutenção da cesta básica e outros benefícios, desde que houvesse acordo para
tal (Cavalcanti, 1998).
22
O desligamento voluntário seria uma forma de a empresa desligar pessoas sem ter que
arcar com os ônus de um processo de demissão unilateral, como, por exemplo, a
deterioração da imagem da empresa e o efeito negativo sobre o moral dos remanescentes
(Balkin, 1991; Kuzmits e Sussman, 1988).
Uma das principais questões levantadas refere-se à falta de controle da empresa sobre a
qualidade e a quantidade de pessoas que se apresentam como voluntárias. Em algumas
ocasiões haveria excesso de desligamentos e funcionários imprescindíveis poderiam
deixar a empresa. (Kuzmits e Sussman, 1988; Tomasko, 1991)20.
19
A Embratel batizou seu plano de PIRC- Plano de Incentivo à Rescisão Contratual (Gazeta Mercantil,
15/10/98, p. C-3). A Petrobrás adotou o nome PIDV - Plano de Incentivo ao Desligamento Voluntário
(Ordoñez, 1998).
20
A título de exemplo, o autor cita o caso de uma empresa que implantou um programa de incentivo a
antecipação da aposentadoria, tendo recebido um número muito superior ao estimado inicialmente. A
empresa teria sido obrigada a postergar o desligamento de alguns e, ainda, contratar outros como
consultores.
23
de outras alternativas como, por exemplo, a contratação temporária dessas pessoas como
consultoras até que outras pudessem ser treinadas (Balkin, 1991).
Se as adesões não fossem suficientes para atingir a meta estabelecida, a empresa poderia
iniciar um processo de demissão sem qualquer oferecimento de benefícios adicionais
(DeWitt, Trevino e Mollica, 1998; Tomasko, 1990). Tal prerrogativa seria entendida,
muitas vezes, como uma coação sobre os funcionários, no sentido de forçá-los a aderir
ao plano (Balkin, 1991; Pinheiro, 1998).
Do ponto de vista do funcionário, as razões para a adesão seriam variadas. Para alguns,
representaria a oportunidade de começar algo novo ou encerrar uma carreira que
consideram sem futuro. Para aqueles inseguros em seu emprego, representaria o “menor
de dois males” (Tomasko, 1990, p.195).
Outras críticas encontradas na literatura a esta estratégia são: o tempo para a adesão ao
plano (Guedes, Calado e Vieira, 1998) – via de regra considerado curto-, falta de apoio
aos desligados (Guedes, Calado e Vieira, 1998; Tomasko, 1990), discriminação dos
funcionários com mais tempo de empresa (Guedes, Calado e Vieira, 1998) e pressão por
parte da gerência para a adesão ao programa (Guedes, Calado e Vieira, 1998).
21
Não confundir o termo redesenho organizacional, significando mudança no desenho das organizações,
com o significado específico, dado pelos autores, a um tipo particular de downsizing. Embora
relacionados, redesenho organizacional, considerado em sua acepção genérica, não significa,
necessariamente, que pessoas sejam desligadas.
24
O redesenho organizacional teria, por sua vez, o objetivo de cortar trabalho ao invés de
pessoas. Nesse caso, eliminar-se-iam funções, níveis hierárquicos, divisões e produtos.
Por se tratar de estratégia de mais difícil implementação seria, tipicamente, de médio
prazo.
Taxonomia semelhante à proposta por Cameron, Freeman e Mishra (1997) foi apontada
por Fleury (1997) em pesquisa com empresas brasileiras. Estudando a trajetória de
ajuste, na década de 90, em doze empresas industriais, Fleury (1997) identificou três
categorias de ajustamento: enxugamento, racionalização e modernização.
TABELA 1
ESTRATÉGIAS DE DOWNSIZING
25
22
O termo é utilizado para representar desligamentos que naturalmente ocorrem ao longo do tempo, como
demissões e aposentadorias.
TABELA 2
Comparação entre as Estratégias Propostas por Cameron et al e Fleury
Objetivos Eliminar pessoas Reduzir despesas Eliminar trabalho Reduzir despesas e Eliminar processos Aumentar a
aumentar a eficiência estabelecidos capacitação por meio
de melhorias de
dimensões
competitivas
Ações • Demissões • Demissão de • Fusão de unidades • Mudanças de • Envolvimento de • Modernização
• Aposentadorias empregados • Redesenho de estrutura: todos tecnológica e
antecipadas • Fechamento de cargos verticalização, • Mudança de gerencial
• Buyout package fábricas • eliminação de desverticalização, responsabilidade
• Corte de despesas produtos reestruturação de • Incentivo à • Melhorias das
• redução de níveis linhas de melhoria e principais
hierárquicos produtos, inovação contínua dimensões
racionalização da • Simplificação competitivas:
estrutura logística custos, qualidade,
flexibilidade,
inovatividade e
serviços
Para Tomasko (1991) empresas que necessitassem de redução imediata, de mais de 15%
nos custos da folha de pessoal teriam apenas uma opção: o corte generalizado de
pessoal24. Se a redução pretendida se encontrasse na faixa de 6 a 14%, então outras
opções estariam disponíveis, como, por exemplo, programas de incentivo à aposentaria
e programas de demissão voluntária. Caso se pretendesse diminuir a força de trabalho
em 1 a 5%, então, demissões ou programas especiais e seletivos poderiam ser adotados
(Greenhalgh, Lawrence e Sutton, 1988; Tomasko, 1991)
TABELA 3
Abordagens ao Downsizing
23
Deve-se lembrar que as opções têm sua viabilidade limitada pelas legislações trabalhistas de cada país.
No caso brasileiro, por exemplo, não se permite a diminuição do salário dentro de um mesmo contrato de
trabalho. O governo tem, entretanto, aliviado a rigidez com medidas provisórias que permitem o contrato
temporário e a redução da jornada de trabalho acompanhada de redução equivalente no salário. A
eficácia de tais medidas não está, porém, comprovada. A experiência espanhola, relatada no Congresso
Internacional Jurídico, realizado no Rio de Janeiro em 1998, indica que o contrato temporário não deu
certo. Embora positivo no início, trouxe posteriormente instabilidade ao empregados, o que baixou a
motivação e a produtividade. Outro fator negativo foi a reação do comércio, que parou de conceder
crédito àqueles que trabalhavam neste regime, o que, por sua vez, causou queda no consumo e
conseqüente desemprego. A Espanha alterou a legislação de forma a que esta modalidade de contrato
existisse apenas em âmbito restrito e, mesmo assim, para casos especiais. (Jornal do Commercio, 2/9/98,
p. B-8). As posições, quanto à eficácia do contrato temporário na Argentina, são contraditórias. De um
lado, reclama-se de sua utilização abusiva, da alta rotatividade e da “precarização” do mercado de
trabalho. De outro, argumenta-se que a medida foi responsável pela queda do desemprego (Folha de São
Paulo, 21/6/98, p. 2-4).
24
Sparrow (1997) indica que, na França, a partir de 1993, o juiz tem o poder de anular programas de
racionalização se considerar que lhes falta “substância” (p.38), o que obriga as empresas à utilização de
outras alternativas.
28
1%- 5% demissões seletivas perda de recursos humanos por perda de recursos humanos por
situações normais situações normais
(aposentadoria, pedidos de (aposentadoria, pedidos de
demissão etc) demissão etc)
programas direcionados de converter staff em consultores
aposentaria antecipada e
demissão incentivada
venda dos serviços de staff
fora da empresa
Fonte: TOMASKO, Robert M (1991).
Embora não considerada por outros autores, a terceirização seria também uma estratégia
a ser considerada. Segundo Fleury (1997), seis das doze empresas estudadas reduziram,
em média, 50% do seu efetivo de pessoal, o que correspondeu a 27.000 empregados
despedidos. Desses, uma parcela significativa passou a trabalhar para terceiros. Em uma
das empresas estudadas este percentual atingiu 33% do efetivo despedido.25
2.3.3.5 Estratégias de mais longo prazo
Segundo Tomasko (1991), opções por estratégias de mais longo prazo, embora nem
sempre disponíveis, poderiam evitar processos dolorosos. Nesse caso, seria importante
25
Exemplos similares podem ser encontrados nos jornais recentes. Artigo na Gazeta Mercantil (30/9/98,
p. C-1) relata que a Fiat do Brasil dispensou, desde o início do ano até setembro, cerca de 5,2 mil
funcionários que foram, por sua vez, recontratados posteriormente por empresas fornecedoras de serviços
à montadora.
29
que a empresa dispusesse de um plano estratégico claro, que orientasse suas ações e
mantivesse um sistema de comunicação tal que os empregados não perdessem a
confiança no futuro. As opções variariam entre vender unidades, ou mesmo divisões
inteiras, implantar programas de incentivo à aposentadoria e à demissão, retreinar
empregados para assumir vagas para as quais seriam necessárias contratações ou deixar
que as aposentadorias e demissões normais reduzissem pessoal .(Tomasko, 1991).
Para certos autores, algumas das medidas anteriores, como o treinamento para tornar
empregados capazes para maior número de tarefas ou a procura de trabalhos inovativos
para os que estão subutilizados, poderiam dar às empresas maior flexibilidade interna e
fazer com que optassem menos pela flexibilidade externa. Além disso, a utilização
maior ou menor dos recursos externos como forma de ajustar a empresa a variações
econômicas, seria função, também, das restrições impostas pelas legislações e culturas
dos vários países (Greenhalgh, Lawrence e Sutton; Katz, 1997, Osterman, 1997).
Surpreende-se Katz (1997), entretanto, que, mesmo com esse leque de estratégias, as
empresas continuem a fazer downsizing26.
26
No Brasil, empresas, sindicatos patronais e de trabalhadores e o governo, diante da crise, mobilizaram-
se para encontrar soluções alternativas que vão desde redução na remuneração e na jornada de trabalho,
flexibilização da jornada de trabalho através do mecanismo do banco de horas, até a criação de novas
formas contratuais como o contrato temporário.
30
Por outro lado, Useem e Cappelli (1997) indicam que a escolha do downsizing estaria
intimamente relacionada com a cultura da empresa e com os valores dos executivos de
topo. Assim, o redesenho organizacional e a mudança sistêmica só poderiam ser
alcançados com forte comprometimento e “suporte tenaz” dos principais executivos
(p.56).
O estresse no nível do indivíduo poderia ser definido como uma “uma relação particular
entre a pessoa e o ambiente que é avaliada pela pessoa como excedendo seus recursos e
ameaçando seu bem-estar” (Lazarus e Folkman, apud Shaw e Barrett- Power, 1997,
p.111). Esse conceito poderia ser transportado para o nível dos grupos e das
organizações, pois processos similares seriam adotados para avaliar, lidar e se adaptar
ao ambiente.
27
Entidade foi o termo escolhido pelos autores para referir-se a qualquer um dos três níveis: a
organização, o grupo ou o indivíduo.
31
FIGURA 2
A Proposta de Shaw e Barrett-Power
para Análise do Downsizing
Afirmam os autores que a questão crucial, quanto ao modelo proposto seria a medição
de cada uma das variáveis propostas. Definir e operacionalizar essas medidas seriam
pontos cruciais de futuras pesquisas.
Mishra, Spreitzer e Mishra (1998), por outro lado, ao estudarem empresas que
realizaram downszing, sugeriram um modelo temporal em quatro estágios. O primeiro
32
FIGURA 3
O Modelo de Mishra, Spreitzer e Mishra
para a Análise de um Processo de Downsizing
Embora toda a empresa - e mesmo a sociedade - seja afetada pelos processos planejados
de demissão, a literatura trata preferencialmente de dois atores: os remanescentes28 e os
desligados29. Remanescentes30 seriam aquelas pessoas que permaneceram na empresa
após o plano e desligados seriam aquelas que se haviam retirado da empresa. Outros
dois grupos de atores, todavia, poderiam ser considerados como fundamentais: os
decisores e os executores, encarregados de colocar o plano em execução. Note-se que
executores poderiam estar incluídos na categoria de remanescentes ou desligados.
28
Cunhou-se, em inglês, o termo survivor = sobrevivente.
29
Cunhou-se, em inglês, o termo victim = vítima
30
Brockner et al (1994), no entanto, subdividem a categoria em dois tipos: (1) remanescentes “normais” e
(2) aqueles que ficaram na empresa após o downsizing, mas que já foram avisados que iriam sair em
determinado prazo.
33
Há, de certa forma, uma perplexidade acerca dos motivos que realmente incentivam as
empresas a adotarem programas de redução de pessoal. Pergunta, por exemplo, Katz
(1997): por que as empresas reduzem seu pessoal de forma tão drástica? Se as
organizações crescem, via de regra, por um processo cuidadoso e incremental, por que,
então, agem de forma distinta? Segundo o autor, a razão mais provável para tal decisão
deve-se a pressões financeiras intensas que obrigariam a ações de rápido resultado.
Além disso, como o processo enfrentaria grande resistência, as empresas normalmente
adiariam a decisão até quando a redução se tornasse inevitável.
• Pressões dos investidores. Para Useem e Cappelli (1997), parte da pressão para a
reestruturação adviria, no caso americano, de uma concentração de propriedade nas
mãos de investidores institucionais, como, por exemplo, fundos de pensão e
companhias de seguro. Estas estariam interessadas nos lucros a serem obtidos
pressionando a gerência das empresas a cortarem custos, aumentarem a produtividade
e qualidade do serviço ou produto. A fórmula encontrada pelos gestores teria sido,
segundo os autores, por meio de reestruturações organizacionais e de corte de postos
de trabalho.
Tomasko (1990) e Wagar (1997) indicam, ainda, que a existência de condições externas
desfavoráveis não seria necessária para justificar a redução de pessoal, pois esta poderia
ocorrer ainda que com ambiente competitivo favorável e demanda crescente pelo
produto ou serviço. Uma variedade de razões poderia explicar, nesses casos, a redução
de pessoal, entre elas a opção por trabalhar com quadro enxuto, dentro do espírito lean
and mean31 ou, ainda, um movimento de imitação das práticas de outras empresas que
adotaram programas de downsizing.
31
Lean and mean foi cunhado pela literatura de downsizing para designar empresas que optam por
trabalhar com estrutura de pessoal enxuta (lean) mas que ao fazê-lo, são maldosas (mean) com seus
empregados. Harrison (1994) indica que as empresas dentro do espírito lean and mean terminaram por
implantar programas de downsizing que ignoraram os efeitos sobre comunidades, carreiras e vidas
humanas, tendo se tornado, assim, empresas “más”.
35
Mesmo reconhecendo que o downsizing apresenta uma face dupla, em que a empresa
pode ser a beneficiada, mas o empregado não, ainda assim, considera-se que alguns
benefícios decorrem para o empregado. Entre os citados, encontram-se uma nova
organização do trabalho que incentiva maior responsabilidade, maior conjunto de tarefas
realizadas em equipes relativamente autônomas com relação a decisões que,
anteriormente, eram da esfera da supervisão, além de maior liberdade na forma e fluxo
do trabalho (Useem e Cappelli, 1997).
Mesmo no nível gerencial poderiam ser observadas melhorias. Relata-se o maior poder
discricionário nas decisões para atender às necessidades dos clientes, maior participação
em equipes interfuncionais e maior controle sobre seu próprio trabalho.
TABELA 4
BENEFÍCIOS OBTIDOS COM O
DOWNSIZING EM EMPRESAS CANADENSES
Benefícios %
Redução nos custos 85
Maiores lucros 63
Maior produtividade 58
Melhor serviço ao cliente 36
Fonte: BURKE e NELSON (1998)
2.3.5.3 Oposição ao downsizing
36
Todo esse movimento tem gerado pesadas críticas por parte de diversos autores. A
primeira dela refere-se a todos os empregos perdidos, cuja perspectiva de recuperação
seria, no mínimo, duvidosa. Mesmo aqueles que conseguissem se colocar novamente no
mercado, raramente o fariam com as mesmas vantagens anteriores.
Os efeitos não se fariam sentir apenas no nível operacional, mas também no nível da
gerência. Alguns gerentes reportaram aumento da carga de trabalho, aumento da
amplitude de controle, passando a supervisionar mais empregados, redução na
segurança do emprego, menos oportunidades de promoção e menor mobilidade. Tornar-
se-iam mais críticos, alienados e mesmo apáticos, culpando-se pelos danos infligidos a
outros. Os críticos concluem que os gerentes, após a restruturação, passariam a dar mais
ênfase a sua carreira do que aos objetivos organizacionais. (Mishra, Spreitzer, Mishra,
1997; Noer, 1993; Useem e Cappelli, 1997, Tomasko, 1990; Wagar, 1998).
Como boa parte das empresas exageraria nas demissões, seriam obrigadas,
posteriormente, a recontratar essas pessoas como consultores. Os empregados em
função de staff, por exemplo, teriam que ser substituídos por consultores muito mais
caros; as unidades teriam que duplicar muitas funções antes atendidas pela matriz; as
empresas teriam que investir no treinamento de supervisores para exercer atividades,
também, antes executadas pela matriz. Em alguns casos, a empresa seria obrigada a
recontratar funcionários demitidos, em tempo parcial ou tempo integral 32. O número de
32
Cascio (1993) cita um caso interessante de uma empresa que demitiu um contador que ganhava US$
9,00/hora. Como boa parte da memória da empresa, “onde, porquê e como” (p.99) estava na cabeça deste
37
empregados contratados em tempo integral poderia diminuir, mas isso não significaria
que as despesas com pessoas diminuíssem (Burke, 1997; Cascio, 1993).
Para os acionistas a posição não seria melhor. Cascio (1993) cita estudo realizado com
16 empresas, cujas ações encontravam-se tipicamente em baixa. No dia do anúncio do
plano, as ações subiram, para depois iniciarem lenta descida. Dois anos após o anúncio,
as ações de doze das dezesseis empresas estavam sendo negociadas abaixo da média da
indústria em percentuais que variavam de 5 a 45%.
TABELA 5
Problemas Relacionados com o
Downsizing em Empresas Canadenses
empregado, a empresa foi obrigada a recontratá-lo com o título de consultor ao preço de US$ 42,00 /
hora.
33
Ver, por exemplo, no caso brasileiro, a tese de doutorado de Caldas (1999).
38
Do ponto de vista do empregado, é vasta a literatura que relata os malefícios tanto para
os desligados quanto para os remanescentes, havendo, entretanto, uma parcela de
autores que indica melhorias para os empregados remanescentes.
Cameron, Freeman e Mishra (1991), a partir de um estudo que durou quatro anos e
abrangeu 30 empresas norte-americanas do setor automobilístico, indicam as seis
melhores práticas para o downsizing:
• O processo deveria ser iniciado pela alta gerência, mas recomendado e elaborado
com auxílio da base da pirâmide. Uma vez que a alta administração tivesse dado
início ao programa, as equipes analisariam cargos redundantes, processos que
poderiam ser melhorados e dariam sugestões para a implementação do plano. Em
uma das organizações, os empregados cujos cargos foram eliminados tiveram um ano
de salário garantido, sendo esse tempo dedicado a encontrar uma nova posição dentro
da empresa que, efetivamente, adicionasse valor ou novo trabalho fora da empresa.
• Os processos poderiam ser de curto prazo ou de longo prazo; poderiam afetar toda a
empresa, ou poderiam ser seletivos. Os cortes de curto prazo e generalizados fariam
com que a empresa “acordasse” (p.61). Em uma das empresas, ofereceu-se
aposentadoria antecipada a um grupo e, ao mesmo tempo, foram dados incentivos
para que outro grupo permanecesse. Mas estratégias de redesenho e de mudança
sistêmica eram, simultaneamente, adotadas.
• Dar-se-ia atenção a quem perdesse o emprego – utilizando programas de
outplacement, aconselhamento familiar, retreinamento, indenizações vantajosas - e
também a quem não perdesse. Garantir-se-ia a transição para aqueles que
permanecessem com amplo trabalho de esclarecimento das razões e circunstâncias do
40
• Seriam feitos cortes focados dentro da empresa, mas incluir-se-ia, também, a rede de
relacionamentos externos. Locais onde existissem ineficiência e excesso de custos
seriam áreas-alvo para demissões. Muitas empresas reduziriam, o número de
fornecedores e distribuidores. Em vez de, por exemplo, trabalhar com 28
fornecedores separados para a montagem de um componente elétrico, contratar-se-ia
um único fornecedor para a entrega do sistema já montado.
Uma das conclusões mais interessantes deste estudo reporta-se ao fato de que os
processos mais bem sucedidos seriam contraditórios, duais e paradoxais, com
movimentos realizados em um sentido e, ao mesmo tempo, em sentido contrário35.
Curiosamente, os que procurassem harmonia no processo, não seriam tão bem sucedidos
quanto aqueles que aceitassem a contradição.
Mishra, Spreitzer e Mishra (1997) indicam que as estratégias que visassem apenas à
redução de pessoal no curto prazo tenderiam a ser menos efetivas que aquelas mais
abrangentes, que identificassem redundâncias e ineficiências, e repensassem a cultura, a
estrutura e os sistemas organizacionais. Para os autores, a implementação bem sucedida
seria aquela que preservasse a confiança e o empowerment, e fosse precedida de
planejamento detalhado.
O downsizing deveria ser o último dos recursos, a ser considerado apenas depois que
outras opções como a eliminação de bônus, o corte nos pagamentos, as restrições de
horas-extra, o congelamento de salários e as contratações fossem consideradas. Não
deveria ser considerado como um objetivo de curto prazo, e deveria integrar-se dentro
de uma visão que indicasse, claramente, como sua adoção poderia criar vantagens
competitivas. Essa visão, por sua vez, proveria um direcionamento e sentido de futuro
aos empregados.
35
Ë ilustrativo o exemplo da Embratel. A empresa esperava que cerca de 1,5 a 2 mil funcionários
aceitassem entrar no plano de demissão voluntária. Objetivava-se atingir pessoas que trabalhassem em
cargos extintos, em extinção ou terceirizados. Ao mesmo tempo, deveriam ser contratados cerca de 2 mil
novos funcionários para atuarem nas centrais de atendimento (Costa, 1998).
41
Feldman e Leana (1989), por sua vez, indicam que, embora sempre doloroso, o
processo de downsizing poderia ser conduzido com o objetivo de reduzir as
conseqüências negativas para a empresa e facilitar os esforços - por parte dos desligados
- na procura de um novo emprego. Sugerem oito cursos de ação:
36
Carroll (1984) sugere algumas alternativas como vender a fábrica aos empregados, doar terreno e
equipamentos para a comunidade e até mesmo investir em empresas que se dispusessem a oferecer
empregos para os desligados.
43
seria natural que melhorias estivessem previstas para os novos processos. Segundo
pesquisa realizada em 1034 empresas canadenses, intencionava-se alterar os seguintes
aspectos (Burke e Nelson, 1998)
TABELA 6
Aspectos a Serem Melhorados nos
Programas de Downsizing em Empresas Canadenses
37
Algumas notícias recentes acerca de empresas brasileiras podem exemplificar. Segundo relato feito por
D’Ambrosio e Melo (1998), a Santa Marina, tendo que demitir 6% de seu pessoal, considerou “aspectos
sociais” ao dispensar primeiramente os aposentados, seguidos dos solteiros e considerar apenas, em
último caso, os funcionários com famílias. No caso da Embratel, cujo plano foi anunciado em outubro de
1998, objetivou-se atingir os cargos extintos ou em extinção como motoristas, auxiliar de serviços gerais e
mecânicos de automóveis. Outros cargos alvo do programa seriam aqueles inseridos em funções passíveis
de serem terceirizadas (Costa, 1998). A Petrobrás, por sua vez, aplicou um plano de demissão voluntária,
de maio a junho de 1998, apenas em áreas onde havia excedente de pessoal. As pessoas, que por ele
optaram, pertenciam às áreas de apoio administrativo e apoio operacional (Ordoñez, 1998).
44
38
Ille (1997), a título de ilustração, relata que, com o fechamento da planta de Utah, os engenheiros foram
convidados a trabalhar na fábrica da Califórnia. O alto custo de vida do local fez, todavia, com que
recusassem a oferta e aceitassem como alternativa apenas o estado do Novo México, mesmo assim com
incentivos adicionais para a mudança.
39
Por exemplo: plano de saúde.
40
Por exemplo: auxílio à formação de pequenas empresas.
45
41
No caso brasileiro alguns exemplos podem ser ilustrativos. A BS Continental, multinacional alemã,
fabricante de geladeiras e fogões ofereceu a extensão da assistência médica por um período de quatro
meses e também mais quatro meses de cesta básica (Gazeta Mercantil, 28/07/98, p.C-1). A Santa Marina
cortou, em agosto de 1998, cerca de 6% de seu pessoal. Ofereceu aos trabalhadores além dos direitos
trabalhistas, 25% de salário por cada ano trabalhado, cesta básica por um período adicional de dois meses
e prorrogação da assistência médica por dois meses. A Globo Cabo, antiga Net, por sua vez, ao demitir
300 pessoas, instalou um centro de orientação de carreira, com o objetivo de fornecer informações sobre o
mercado de trabalho, atuar como apoio psicológico e ministrar seminários (D’Ambrosio e Melo,1998). A
HP, com o objetivo de reduzir pessoal aplicará um programa de demissão incentivada, que, nos Estados
Unidos, oferecerá uma indenização de seis meses de trabalho e um pagamento adicional de 0,5 salários
por ano trabalhado, limitado ao máximo de 12 meses de pagamento (Gazeta Mercantil, 5/10/98, p. C-2).
46
FIGURA 4
MODELO DE SMELTZER PARA COMUNICAÇÃO
DE MUDANÇA ORGANIZACIONAL DE GRANDE IMPACTO
Natureza da Dinâmica
mudança organizacional
M
e
C n
a s
n a
a g
l e
Estratégia
m
Tempo
42
O modelo considera apenas mudanças consideradas negativas.
47
O autor sugere, também, que mudanças cuja natureza fosse controversa poderiam exigir
explicações persuasivas e se deveria oferecer diversas oportunidades para a colocação
de perguntas e respostas43. Brockner et al (1990) apud Taylor e Giannantonio (1993),
concordam, neste ponto, ao afirmar que as explicações para a necessidade de um
programa de desligamento seriam particularmente importantes, principalmente nos
casos em que os remanescentes tivessem dúvida acerca de sua real necessidade de
realização. Seriam importantes, também, nos casos em que os remanescentes achassem
que novos desligamentos pudessem ocorrer ou, ainda, nas situações em que houvesse
forte ligação entre remanescentes e desligados.
O tempo certo para a comunicação seria outro fator a ser considerado, pois, nos casos de
decisões importantes, seriam freqüentes os rumores. O cuidado com a comunicação
seria particularmente importante nos casos em que a crise atingisse a mídia. Os
empregados precisariam saber que poderia haver repercussão negativa nos meios de
comunicação. Caso contrário, a gerência poderia perder a credibilidade, correndo o risco
de ver informações incorretas serem disseminadas e de os empregados serem levados a
pensar que a gerência não confiava neles. Todo o processo poderia ser agravado se,
ainda por cima, houvesse discrepância entre as notícias divulgadas internamente e
aquelas disponibilizadas para o público em geral (Hauss, 1993; Illes 1996; McClelland
1987; Smeltzer, 1991).
Todo cuidado seria necessário, pois a imprensa seria, via de regra, rápida em obter
dados desta natureza. Illes (1996), por exemplo, relata que, minutos após a comunicação
43
Illes (1996), ao narrar sua experiência com o downsizing, indica que quando o presidente reuniu e
comunicou o fato -inesperado- de que a fábrica seria fechada, os empregados ficaram tão atônitos que não
conseguiram colocar perguntas.
44
Illes (1996) indica que o presidente tinha por hábito fazer visitas regulares à fabrica com reuniões
regulares para comunicações gerais. Quando estas visitas foram canceladas por um tempo, rumores se
iniciaram com especulações diversas ocupando as conversas e reuniões.
48
Empresas que realizam programas de downsizing sabem que estão dando más notícias a
seus empregados. As reações negativas, que naturalmente surgem, amplificar-se-iam ou
amortecer-se-iam de acordo com a forma pelo qual o processo fosse conduzido.
Remanescentes e desligados reagiriam de forma mais favorável às conseqüências
negativas, nos casos em que houvesse percepção de justiça do que nos casos nos quais
se percebesse uma condução inadequada (Brockner et al; 1994; McFarlin e Sweeney,
1992). Por exemplo, alguns estudos ( Brockner et al, 1987; DeWitt, Trevino e Mollica
(1998) indica haver uma relação positiva entre atributos de justiça distributiva e justiça
processual e o comprometimento afetivo dos funcionários.
45
Em comentário posterior, DeWitt, Trevino e Moliica (1998) argumentam que, muitas vezes, as duas
noções se superpõem, indicando que parece ser de menor importância, nos casos de redução de pessoal,
essa categorização.
46
Também denominada justiça na interação (interactional justice) (Brockner et al, 1994). Segundo
DeWitt, Trevino e Mollica (1998), tratar-se-ia de aspectos da justiça no procedimento, que receberia, no
entanto, por vezes, a denominação, à parte, de interactional justice.
49
Estes poderiam, em função da situação estressante, agir de tal forma que a situação
ficasse ainda pior, adotando, por exemplo, um distanciamento com relação aos
empregados (Folger e Skarlicki, 1998).
Cerca de 50% das empresas pesquisadas reportaram que ou houve perda ou não houve
ganho de produtividade. Além disso, cerca de 85% revelaram que o moral de seus
empregados declinou após o downsizing. Mabert e Schmenner (1997) indicaram, com
base no estudo de oito empresas, algumas categorias de benefícios e custos potenciais:
TABELA 7
IMPACTOS DO DOWNSIZING NOS LUCROS, NA PRODUTIVIDADE E NO
MORAL DOS EMPREGADOS DE EMPRESAS NORTE-AMERICANAS
51
Pesquisa de 1995
Lucro operacional 50,6% 29,1% 20,4%
Produtividade do 34,4% 35,5% 30,1%
empregado
Moral do empregado 1,9% 12,1 86,%
Fonte: MABERT e SCHMENNER (1997).
• Haveria, também, uma gama de custos ocultos que deveria ser considerada como, por
exemplo, o pagamento de horas-extra, o custo de oportunidades perdidas e mesmo o
custo de manutenção da qualidade, que exigiria um aumento no número de horas de
retrabalho.
Outro estudo, realizado pela American Management Association, com cerca de 700
empresas que passaram por um ou mais processos de downsizing, no período de 1989 a
1994, indicou que, se os lucros operacionais cresceram, o moral dos empregados
diminuiu substancialmente, como pode ser verificado na Tabela 8
52
TABELA 8
EFEITOS APÓS O DOWNSZING, SEGUNDO PESQUISA
EM EMPRESAS NORTE-AMERICANAS
Uma das críticas mais contundentes refere-se ao fato de que as pesquisas sobre
downsizing pouco se têm importado com a experiência emocional das pessoas. Elas
teriam sido tratadas de forma muito abstrata nos estudos, “consideradas mais como
passivo do que como ativo” (Kets de Vries e Balazs, 1997), “custos a serem cortados,
em vez de ativos a serem desenvolvidos” (Cascio, 1993, p. 101).
lhes-ia uma demanda para aprender novas tarefas e para assumir mais responsabilidades,
enquanto colegas, ao saírem da empresa, receberiam atrativos pacotes de indenização.
Há, portanto, ampla gama de fatores que podem auxiliar o entendimento das reações dos
remanescentes. Alguns afetam as condições expressas de trabalho, de remuneração e de
segurança do emprego; outros, mais sutis, referem-se a sentimentos que não podem e
não devem ser expressos ou verbalizados. A literatura tem, todavia, tratado, com maior
freqüência, de aspectos como horas prolongadas de trabalho, comprometimento,
contrato psicológico, estresse e percepção de justiça.
Nos casos em que a empresa não enfrenta uma declínio de suas atividades, a redução de
pessoal significa, via de regra, que os remanescentes deverão lidar com uma carga de
trabalho maior o que implica horas prolongadas de trabalho.
Uma outra razão para as horas prolongadas de trabalho estaria relacionada à insegurança
no emprego e ao medo de ser mandado embora (Fisher, 1992). Nas palavras de Fisher
(1992), o medo havia se tornado “endêmico” (p. 64) e, por isso, as pessoas ficariam
mais no trabalho.
54
As horas prolongadas de trabalho seriam, por fim, para uns, uma questão a ser resolvida
no futuro, pois estariam à procura de uma vida em que família e trabalho estivessem
mais equilibrados. Para outros, no entanto, haveria uma satisfação intrínseca com o
trabalho realizado de tal forma que as horas adicionais não se constituiriam em um
problema. (Fisher, 1992).
2.3.7.2.2 Comprometimento
Reichers apud Meyer e Allen (1997), por outro lado, sugerem que a entidade com a qual
o empregado cria vínculos deveria ser entendida como um todo constituído de vários
segmentos. O foco do comprometimento poderia, portanto, ser a equipe, o supervisor
imediato, o departamento, a alta administração e, até mesmo, a organização.
Comprometimentos com domínios fora da organização seriam também possíveis, como,
por exemplo, o sindicato ou a própria profissão. Deveria, assim, “ser visto como uma
coleção de vários comprometimentos que podem ser, inclusive, conflitantes entre si”
(Bastos, 1998)
De outro lado, a lealdade dos empregados para com a organização teria se deteriorado a
partir de uma série de eventos, dentre os quais o próprio downsizing, a quebra do
contrato psicológico e a utilização, como mão-de-obra, de trabalhadores contingentes.
As relações entre empresas e empregados teriam se tornado “menos aconchegantes,
menos leais e menos familiares” (O’Reilly, 1994, p. 29). Como exigir comprometimento
e lealdade se a empresa pode demitir a qualquer momento?
Se, há algum tempo atrás, as empresas conseguiam manter seus empregados por meio de
garantia de emprego e políticas salariais vantajosas, hoje, o medo de perder o emprego
seria a forma pela qual se manteria a cooperação e o comprometimento dos empregados
48
Meyer e Allen lembram, entretanto, o caso das organizações sem fins lucrativos. De fato, nestas a
lealdade de seus voluntários não tem como contrapartida a segurança de um emprego.
56
Meyer e Allen (1997) indicam que o assunto continua sendo relevante, pois mesmo que
boa parte do trabalho seja terceirizado, ainda assim as empresas permaneceriam com um
núcleo de empregados fixos49 que se tornaria, nesta situação, ainda mais importante
manter.
Do ponto de vista teórico, as críticas também se fazem presentes. Para Rousseau (1997),
por exemplo, os estudos sobre comprometimento enfocariam apenas a perspectiva do
empregado e deixariam de compreender a relação bilateral que, em realidade, ocorreria.
O comprometimento teria passado a ser entendido como algo desejável, tanto do ponto
de vista do empregado quanto do da organização, o que nem sempre seria verdade, haja
vista a quantidade de relacionamentos transitórios que ocorreriam hoje.
Comprometimento seria, portanto, apenas uma manifestação da ligação entre
empregados e empresas e a natureza mais complexa dessas ligações deveria ser
compreendida a partir dos estudos de contratos psicológicos.
49
O conceito de empregado fixo pode ser relacionado com o que Rousseau (1995) denomina de core
employees.
57
nível individual, as partes poderiam não ter as mesmas crenças e percepções acerca dos
termos (Robinson,1995; Sparrow, 1998)50.
Há, entretanto, na literatura um questão pouco clara que se refere à questão de quem são
as partes constituintes de um contrato psicológico. Para alguns autores (Herriot e
Pemberton, 1996; Robinson, 1995) o contrato existe de ambas as partes - empregado e
empregador - sendo que ambos monitoram a execução do mesmo. Robinson (1997),
mais recentemente, entretanto, alerta para o fato de que um contrato psicológico só pode
existir do ponto de vista do empregado. Organizações não poderiam perceber um
contrato, embora fosse plausível que estas percepções ocorressem por parte de
representantes da organização (Rousseau (1989) apud Robinson (1997)). Para a autora,
contratos psicológicos seriam, sempre, percepções do empregado acerca dos direitos e
obrigações de ambas as partes.
A classificação acima foi expandida por Rousseau (1995) que passou a categorizar os
contratos psicológicos segundo duas dimensões: tempo e requisito de desempenho. O
tempo referir-se-ia à duração - de curto ou de longo prazo - do contrato entre
empregador e empregado. Os requisitos de desempenho teriam duas características
importantes, segundo a autora: a primeira referente às condições sob as quais o contrato
poderia ser interrompido e a segunda relativa às obrigações dos empregados.
Os quatro tipos de contrato psicológico poderiam, então, ser mapeados em uma matriz
2 x 2, conforme Tabela 9.
TABELA 9
TIPOLOGIA DE CONTRATOS PSICOLÓGICOS
Termos de desempenho
50
Sparrow (1998) vai além do nível individual, indicando que contratos psicológicos estão sujeitos a
interpretações mais amplas oriundas tanto da cultura organizacional como da cultura nacional. O autor
propõe um modelo no qual as normas culturais atuam como variáveis mediadoras no julgamento
adequado de comportamento.
58
Termos de desempenho
Específicos Não específicos
Transacional Transicional
(por exemplo, empregados no varejo (por exemplo, experiências de
contratados para a época de Natal) empregados durante uma retração da
empresa, ou após um fusão ou
aquisição)
Balanceado Relacional
(por exemplo, equipes de alto- (por exemplo, membros de uma
envolvimento) empresa familiar)
Contratos transicionais, por sua vez, seriam também de curto prazo e baixo
envolvimento. Nesse tipo de contrato, a empresa não se comprometeria com o
empregado em função das incertezas ambientais. O empregado, por sua vez,
59
consideraria este tipo de contrato como uma transição para outra forma de emprego mais
estável.
Atribuições
- confiança
- accounts
Percepção de
Incongruência promessas não Percepção de quebra de
cumpridas contrato
Violação
Vigilância
Esquemas divergentes
- distância cultural
- socialização
Incerteza
- novidade
Complexidade e ambigüidade - mudança
- promessas implícitas
- promessas incompletas Natureza do relacionamento
- elapsed time - troca transacional
- confiança
Comunicação
- entrevistas de trabalho
Custos percebidos
realistas
- alternativas de emprego
- troca líder-empregado
- opções de redirecionamento
- similaridade percebida
- auto-estima
Fonte: Morrinson e Robinson (1997)
61
Assim, algumas variáveis intervenientes seriam importantes neste último estágio, entre
elas julgamento de justiça no procedimento, a confiança preexistente na relação
empregador-empregado, o tipo de contrato – transacional ou relacional – e as
implicações de uma quebra contratual (Morrinson, Robinson, 1997). Para Noer (1993),
no entanto, a percepção de violação relacionar-se-ia diretamente com o grau de
confiança pré-existente na relação entre o empregado e a empresa.
O’Neill e Lenn (1995), por exemplo, ao entrevistarem gerentes de nível médio, após
experiências de downsizing, constataram um sentimento de raiva contra a “condenação
62
Para evitar interpretações erradas teria sido prática de muitas empresas a reunião
periódica com empregados com vistas ao esclarecimento de como o novo
relacionamento deveria se desenvolver, e como isso afetaria o desenvolvimento da
carreira e a segurança do emprego. Mas mudar esse contrato não teria sido uma tarefa
fácil e, segundo alguns executivos, algumas pessoas - notadamente os empregados mais
antigos - ficaram “emocionalmente e intelectualmente bloqueadas” (O’ Reilly, 1994,
p.30).
(1) Ameaça ao contrato antigo – Neste estágio, as bases do contrato vigentes são
questionadas e sofrem uma ameaça. É preciso que as razões que afetam a mudança
do contrato sejam percebidas, por parte dos empregados, como sendo legítimas . O
entendimento da situação facilita a aceitação das modificações necessárias;
(2) Preparação para a mudança – Nesta fase, os sinais da mudança se fazem presentes,
as pessoas sentem que o antigo contrato deixa de vigorar e formam-se as bases para
um novo relacionamento. Três aspectos são importantes neste estágio: sinais e ações
simbólicas de que o velho contrato acabou, compreensão de que, neste estágio, as
perdas percebidas são maiores do que os ganhos futuros e implantação, se
necessário, de estruturas e esquemas transitórios para facilitar a mudança;
63
(3) Criação de um novo contrato – Esta é a hora em que o futuro deve orientar as
expectativas, ações e compromissos. Premissas do passado deixam de vigorar;
empregados antigos devem se comportar, no que se refere às regras da empresa,
como se fossem empregados novos;
(4) Vivência no novo contrato – Nesta etapa, o novo contrato sofre alguns testes. A
empresa deve mostrar, com ações e comunicações consistentes, não ser possível
voltar ao modo antigo de ser e pensar.
Um dos aprendizados mais importantes a serem realizados por aqueles que trabalham
em empresas que implantaram programas de redução de pessoal, seria, segundo a autor,
a compreensão de que as regras da relação mudaram. O empregado deveria, diante da
nova realidade, desenvolver “conexões mais empreendedoras51 e menos dependentes”
com a organização (p. XVIII)
52
2.3.7.2.4 Estresse
Embora a origem do conceito remonte ao século XIV, quando estresse era entendido
como adversidade e aflição, sua acepção atual deriva do conceito de esforço físico que
determinadas construções, tais como pontes, arcos, prédios, deveriam suportar. Passou a
ser entendido, portanto, como uma demanda que o ambiente colocaria sobre sistemas
biológicos, psicológicos e sociais (Lazarus e Lazarus, 1994).
51
Entepreneurial
52
Arroba e James (1988) consideram que o estresse pode ser observado em todos os níveis da
organização: o indivíduo, o grupo e a firma como um todo. Ao nível do grupo, alguns sintomas
indicadores seriam a perda de tempo com represálias ou omissão nas discussões. Usar-se-ia o erro para
punir as pessoa, e instalar-se-ia uma competição não saudável. Ao nível da organização como um todo,
sintomas reveladores seriam: as greves, a sabotagem, a ausência, o baixo nível de esforço e o baixo nível
de contato interpessoal.
64
Grande parte do interesse sobre estresse remonta às duas guerras mundiais. Na Primeira
Guerra Mundial, as desordens emocionais teriam sido atribuídas à “fadiga da batalha”,
tendo, portanto, uma explicação física. Na Segunda Guerra Mundial, o assunto teria se
tornado ainda mais importante devido ao grande número de soldados, que por conta de
problemas emocionais, ficaram impossibilitados de combater (Lazarus e Lazarus, 1994).
Para Arroba e James (1988), o estresse seria uma resposta a um nível de pressão
inadequado; se a pressão se encontrasse fora de um nível desejável - para mais ou para
menos - resultaria no estresse. Poderia ser definido como um desequilíbrio que existiria,
na percepção das pessoas, entre as demandas a ela colocadas e sua capacidade,
habilidade ou recursos para atendê-las (Cox,1978 apud Nakayama e Bitencourt 1998,
Lazarus e Lazarus, 1994). Esse desequilíbrio poderria ocorrer de forma positiva ou
negativa, e diferiria de pessoa para pessoa (Arroba e James, 1988). Quando a pessoa
tivesse excessos de recursos relativamente às demandas, instalar-se-ia um sentimento de
enfado e carência de desafio, vivenciado como estressante. Da mesma forma, se os
recursos que a pessoa percebesse dispor fossem escassos para atender à demanda, ela se
sentiria pressionada e estressada.
As fontes de estresse, por sua vez, poderiam ser físicas ou psíquicas. O estresse físico
decorreria de demandas sobre o corpo, similares as que ocorreriam em competições
esportivas. O estresse psíquico teria sua origem em pensamentos e emoções. Embora
ambas possam se superpor, em grande parte das situações, seria importante manter a
distinção entre as duas (Lazarus e Lazarus, 1994). As manifestações do estresse
poderiam, por sua vez, ser classificadas em físicas e psíquicas. As físicas incluiriam
extremidades frias, taquicardia, insônia e mesmo infartos. Os sintomas psicológicos
incluiriam, entre outros, irritação, apatia, ansiedade ou depressão53.
53
Bernardi (1997) indica, por exemplo, que o excesso de demandas, a dificuldade cultural em demonstrar
fraquezas, a solidão e a ausência de válvulas de escape têm feito com que a incidência de suicídios entre
executivos se elevasse de forma acentuada.
54
Arroba e James (1988) apontam para uma relação interessante entre estresse e cultura organizacional.
Em algumas empresas, estar estressado é um símbolo de status, pois parte-se da suposição de quanto
maior o nível na hierarquia, maior a pressão a que está submetido. Em outras empresas, manifestar
65
empregado poderiam ser classificadas em várias categorias, algumas das quais são
listadas a seguir (Arroba e James, 1988; Couto,1980 apud Nakayama e Bitencourt,
1998; Cummins, 1999; Gomes,1997; Lazarus e Lazarus, 1994):
Para Selye (1956) apud Nakayama e Bitencourt (1998) poder-se-iam identificar três
fases distintas associadas ao estresse: uma fase inicial ou de alerta, em que alguns
sintomas físicos como boca seca ou diarréia passageira e sintomas psíquicos como
aumento da motivação, entusiasmo repentino poderiam surgir55; uma fase intermediária
ou de resistência, que poderia ter como sintomas físicos adicionais: perdas de memória,
mudança de apetite, cansaço constante, problemas dermatológicos, hipertensão arterial e
úlcera, entre outros, e como sintomas psíquicos, a sensibilidade excessiva, obsessão por
um único assunto, ou irritabilidade acentuada. Na fase denominada final, ou de
exaustão, poderiam ocorrer, do ponto de vista físico, manifestações como: náuseas,
dificuldades sexuais, diarréia freqüente, e, do ponto de vista psicológico, apatia,
depressão, angústia ou perda do senso de humor.
problemas física ou emocional derivada de excesso de pressão pode ser encarado como uma fragilidade
do profissional e um sinal de fracasso pessoal.
55
Selye distingue entre estresse negativo e estresse positivo. A este último denominou de eustresse.
66
Mishra e Spreitzer (1998) vêm de certa forma resolver esta questão com uma proposta
de modelo de sintetiza boa parte das questões até aqui levantadas. Seu modelo
desenvolve-se em dois estágios: no primeiro, sugerem uma tipologia de reações dos
remanescentes e, no segundo, relacionam questões como confiança, justiça,
empowerment e redesenho do trabalho à tipologia anteriormente definida.
Os autores iniciam seu modelo teórico com uma proposta de quatro tipos de respostas
dos remanescentes que se alinham ao longo duas dimensões da reação humana: a
dimensão construtiva – destrutiva e a dimensão ativa – passiva. No que tange à
dimensão construtiva - destrutiva, indicam os autores, que remanescentes poderiam
reagir de forma construtiva se entendessem que o downsizing não lhes causaria nenhum
dano. Se, entretanto, avaliassem o programa de forma negativa estariam menos
propensos a colaborar na implementação do plano e poderiam, até, manifestar reações
mais violentas.
FIGURA 6
TIPOS DE RESPOSTAS DE REMANESCENTES
Construtiva
Resposta Resposta
servil esperançosa
Passiva Ativa
Resposta Resposta
medrosa cínica
Destrutiva
FIGURA 7
INFLUÊNCIA DA CONFIANÇA, DA JUSTIÇA, DO EMPOWERMENT E DO
REDESENHO DO TRABALHO NA RESPOSTA DOS REMANESCENTES
Obsequiosa Esperançosa
Construtiva
Confiança
Avaliação do
grau de
Temerosa Cínica
ameaça
Justiça
Destrutiva
Passiva Ativa
Recursos para
lidar com a
situação
Redesenho do
Empowerment
trabalho
Raros são os estudos acerca do impacto que os programas de redução de pessoal têm
sobre os executores. Wright e Barling (1998), por exemplo, ao entrevistarem
dezgerentes encarregados de desligar funcionários obtiveram, como resultado de sua
pesquisa, um quadro de pessoas que passaram por intensa demanda física e emocional.
O estereótipo de “executores”, que carregam uma machadinha em sua mão pouco
corresponderia à situação por eles encontrada.
FIGURA 8
ESTÁGIOS EMOCIONAIS E FÍSICOS PELOS QUAIS OS EXECUTIVOS
PASSARAM DEPOIS DE UM PROGRAMA DE REDUÇÃO DE PESSOAL
Sobrecarga Exaustão
de papeis emocional
Diminuição no
bem-estar
alterações no sono e em seu bem estar físico, havendo a necessidade de apoio medicinal.
Suas vidas familiares teriam sido, igualmente, afetadas em função da sobrecarga de
trabalho e do estado de cansaço. As horas prolongadas de trabalho impediriam uma vida
familiar mais participativa. Mesmo se presentes fisicamente em casa, os executores
estariam, indicam os autores, “exaustos demais para fazer qualquer coisa” (p.350).
Todos esses fatores, culpa, sobrecarga de trabalho, conflito familiar e mal estar físico
levariam os executores à exaustão emocional. Por sentirem-se com dificuldade de lidar
com a situação de forma adequada, começariam a isolar-se, fisica e emocionalmente, de
seu ambiente de trabalho e da vida social – família e amigos - como um todo.
Esse desenrolar das etapas poderia, entretanto, ser amenizado, indicam Wright e Barling
(1998) pelo sentimento de justiça. Se os executores percebessem terem feito tudo ao seu
alcance, se julgassem terem mantido a dignidade e o respeito no processo e terem sido
honestos com as pessoas, então esse sentimento funcionaria como um alívio e uma
possibilidade de recuperação de um processo exaustivo e doloroso.
Kets de Vries e Balazs (1997) indicam, de foram similar, que o processo de downsizing
deixaria “marcas indeléveis” – negativas - nos executivos condutores do processo.
Segundo os autores, uma das razões referir-se-ia ao fator lex talionis, ou seja, à crença
presente no inconsciente coletivo e individual de que aquilo feito a outros, reverteria,
posteriormente, ao autor original da ação. Assim, os responsáveis pelos processos de
demissão sofreriam de um medo subliminar de retaliação.
De um ponto de vista mais pragmático e operacional, Cascio (1993) aponta que, muitos
gerentes remanescentes, sofreriam, ainda, pelo fato de que as pessoas que saíram,
levaram consigo muito da memória dos procedimentos da empresa e, com isso, o acesso
a informações vitais. Além disso, ver-se-iam na situação de gerenciar maior número de
subordinados, lidar com maior carga de trabalho o que os obrigaria ao aumento das
horas de trabalho.
Há, certamente, uma carência de maior pesquisa no assunto uma vez que, comparando-
se o estudo de De Vries e Balazs (1997) com o de Wright e Barling (1998), observa-se
uma predominância do tipo depressivo. Haveria que se entender em que circunstâncias
os demais tipos emergem.
Noer (1993), por sua vez, alerta não apenas para o impacto pessoal no executor, mas
indica que gerentes têm que lidar, primordialmente, com duas questões delicadas nos
processos de redução. A primeira delas referir-se-ia ao fato do gerente, executor ou não,
56
Termo traduzido de forma livre. No original, os autores usam os termos alexithymic e anhedonic.
Alexithymic vem do grego e significa, indicam De Vries e Balazs, “sem palavras para as emoções”.
Anhedonia é, segundo o dicionário Webster (1996) “falta de prazer ou da capacidade de vivenciá-lo”
(p.58)
73
ter, muitas vezes, que lidar com a sua própria insegurança no emprego. A segunda
referir-se-ia à questão da mudança no contrato psicológico existente. Caberia ao gerente
não apenas sinalizar e fazer compreender que as regras se alteraram, mas também
conduzir a empresa por esse processo de forma tranqüila e segura.
Tendo por base a revisão de literatura realizada, pode-se chegar ao quadro conceitual
orientador da coleta, da análise e da interpretação dos dados.
FIGURA 9
74
• Planejamento do downsizing
• Implementação do downsizing
• Pós-implementação
3. METODOLOGIA
Este capítulo apresenta as principais orientações metodológicas assumidas no trabalho.
Primeiramente, reapresenta-se, de forma sucinta, o objetivo da pesquisa, seguido das
perguntas e da definição dos contornos assumidos. Na segunda parte, questões gerais
sobre paradigmas de pesquisa e posições paradigmáticas são discutidas. Na terceira
parte, apresentam-se e discutem-se as principais decisões acerca de estratégia de
pesquisa, unidades de análise, sujeitos da pesquisa, coleta, tratamento e análise dos
dados e, por fim, limitações do método.
Esta pergunta pode, por sua vez, ser desdobrada em outras questões que orientam a
consecução dos objetivos do estudo:
A categoria dos desligados não foi considerada por razões metodológicas. Não se
poderia garantir o acesso à ex-funcionários, especialmente nos casos de empresas com
sede fora do Estado de residência da pesquisadora.
Paradigmas para a pesquisa científica poderiam ser caracterizados, de acordo com Guba
(1990), por meio das seguintes dimensões básicas: a ontologia, a epistemologia e a
metodologia. A dimensão ontológica faria referência à natureza da realidade, à essência
do real. Segundo Firestone (1990), teria o pesquisador duas posições a assumir. A
primeira acreditaria na existência de uma realidade “lá fora”, mensurável e para a qual
se poderiam estabelecer relações entre os fenômenos existentes. A segunda acreditaria
ser a realidade socialmente construída, sendo papel do pesquisador apreendê-la e relatá-
la.
57
Adotou-se a proposta de Guba (1990) e Guba e Lincoln (1994) para a definição dos eixos fundamentais
de um paradigma para pesquisa científica.
77
Para o paradigma construtivista, a realidade não existiria como uma verdade única “lá
fora” a ser observada e medida. Ao contrário, seria socialmente construída, com
múltiplas formas e dependente das pessoas que as enxergassem. Decorreria daí, a
conclusão de que a realidade seria apenas apreendida, não podendo ser repetida,
controlada ou, ainda, generalizada (Lincoln, 1990).
Segundo Guba (1990, p.23), uma denominação mais adequada ao paradigma da teoria
crítica seria “pesquisa ideologicamente orientada”, já que incluiria não só a teoria crítica
da Escola de Frankfurt, mas também, o néo-Marxismo, o materialismo, o feminismo,
entre outros.
58
Brockner et al (1987), por exemplo, realizaram um experimento laboratorial e um estudo de campo
(survey) objetivando estudar a reação dos sobreviventes aos programas de redução de pessoal. Segundo os
autores, a adoção de métodos múltiplos seria importante para a pesquisa organizacional, pois problemas
metodológicos encontrados em algumas estratégias de pesquisa poderiam ser resolvidas por meio da
utilização de outras estratégias.
79
Essa não seria uma escolha fácil e evidente; não seria, necessariamente, uma escolha
definitiva e, algumas vezes, nem mesmo seria única. Greene (1990, p.229), por
exemplo, confessa que suas “lealdades paradigmáticas” encontram-se
“problematicamente divididas”. A autora relata ter rejeitado “substancialmente” o
paradigma convencional, sem ainda “ter prestado juramento de lealdade” a outro
paradigma.
De outro lado, autores como Jackson e Carter (1991) e Lincoln (1990) defendem a
escolha de um único paradigma sob a alegação de serem esses incomensuráveis. Para
Lincoln (1990, p.81) os compromissos emocionais e políticos para com um paradigma
seriam tão fortes, que a adoção de uma estratégia que considerasse os diversos
paradigmas teria grandes possibilidades de produzir uma “dissonância interna” no
processo de pesquisa e uma “incoerência discursiva” que poderia tornar a pesquisa
inútil.
A autora deste trabalho não pode, portanto, por tudo que foi apresentado, fugir à
responsabilidade de esclarecer os pressupostos orientadores desta pesquisa. Egressa de
uma formação positivista, ligada às ciências da natureza, encontrou, em seu percurso
pessoal e profissional, sérios problemas com os preceitos daquele paradigma. A vida
80
não se mostrou passível de ser entendida por falsos e verdadeiros, nem por leis que
encontram tantas variáveis que a tentativa de administrá-las, todas, seria uma tentativa,
no mínimo, ingênua. E não se pode dizer que vida pessoal, opção profissional e
paradigmas de pesquisa estejam dissociados. Um mínimo de coerência há que se ter e,
conscientemente, praticar.
Assim, quando um caminho ou uma visão de mundo não conseguem abranger, dar
conta, resolver, explicar, fazer entender ou qualquer outro termo análogo, então, por
pura necessidade, faz-se a hora de mudar. Caminhos alternativos, nesta hora, não podem
ser avaliados por relações de custo-beneficio, por recomendações alheias e, muito
menos, por modismo científico. A opção, em instâncias dessa ordem, deve ser norteada
por “vozes internas” que expressam a trajetória já passada e falam de sonhos, aquilo
que, em vida, ainda se espera realizar. Essas vozes indicaram ser a previsibilidade uma
ilusão e, talvez mesmo, um brutal empobrecimento da vida. A distância do outro, a
neutralidade, refletiu-se, por sua vez, apenas em distância de si mesmo. A partir daí,
surgiu o desejo da compreensão, da interação e da construção com o outro.
Segundo taxonomia proposta por Vergara (1997), a pesquisa pode ser definida quanto
aos fins e quanto aos meios.
No que se refere aos fins, a pesquisa poderia ser do tipo exploratória, descritiva,
explicativa, metodológica, aplicada ou intervencionista. Estudo exploratório seria o que
se realizaria nos casos em que houvesse pouco conhecimento do assunto. A pesquisa
descritiva pretenderia apenas descrever certo fenômeno ou população, podendo até
estabelecer certas correlações acerca dos fenômenos sem implicar, entretanto,
causalidade. As relações de causa e efeito seriam objeto das pesquisas explicativas
(Vergara, 1997).
Assim, tendo por base a tipologia proposta por Vergara (1997), pode-se caracterizar o
presente estudo como tendo tripla finalidade: exploratória, descritiva e de geração de
teoria. No primeiro momento, caracteriza-se como exploratória por ser o fenômeno
ainda desconhecido no âmbito brasileiro e estar parcialmente pesquisado e documentado
em outros países. Em um segundo momento, a pesquisa caracteriza-se como descritiva,
por pretender relatar o processo de downsizing em empresas recém privatizadas. No
terceiro momento, caracteriza-se como de geração de teoria, por objetivar a emergência
de conceitos que possam, em passo posterior, permitir a geração de um modelo
preliminar para a compreensão do fenômeno em estudo. Esta preocupação é consistente
com a proposta de Glaser e Strauss (1967) que criticam os pesquisadores preocupados,
apenas, em testar teorias existentes, colocando a geração de teoria em segundo plano.
No que se refere aos meios, ainda segundo Vergara (1997), as pesquisas podem ser
classificadas como de campo, de laboratório, telematizada, documental, bibliográfica,
experimental, ex-post facto, participante, pesquisa-ação e estudo de caso. Para este
estudo, duas classificações se aplicam: estudo de caso e de campo. De campo, por ter
realizado entrevistas com os principais atores do processo - decisores, planejadores,
executores e sobreviventes; e bibliográfica, por ter partido de conhecimento obtido na
em fontes como livros e periódicos especializados.
(Hamel, Dufour e Fortin, 1993). Gummesson (1991), entretanto, indica que esta
estratégia de pesquisa tem sido, cada vez mais, utilizada na Europa, a exemplo dos
estudos de marketing realizados por pesquisadores escandinavos e, mesmo nos Estados
Unidos, parece haver uma tendência de maior utilização do método.
O estudo de caso passou, de uma forma geral, no entanto, a ser visto como um método
adequado à pesquisa exploratória por permitir a identificação de variáveis e
relacionamentos ainda não realizados. Por propor-se a estudar de forma “exaustiva”
(Gil, 1987, p.78) alguns poucos fenômenos, deveria ser utilizado quando se quisesse
obter dados em profundidade e com muitos detalhes acerca de um assunto sobre o qual
houvesse pouco conhecimento. Neste sentido, o principal produto deste tipo de pesquisa
seria o de gerar idéias acerca de um assunto complexo e hipóteses a serem testadas em
estudos subseqüentes (Gil, 1987; Simon, 1969; Tull e Hawkins, 1976).
A visão do estudo de caso, como estratégia limitada aos estudos exploratórios, tem sido
questionada por outros autores (Eisenhardt,1989; Gummesson,1991; Yin,1984).
Segundo o preceito da hierarquização de pesquisas, indica Yin (1984), estudos de caso
seriam adequados às pesquisas exploratórias, surveys seriam apropriados para as
pesquisas descritivas e os experimentos indicados para os estudos explicativos. Para o
autor, todavia, o estudo de caso adequar-se-ia aos três casos: exploratório, descritivo e
explicativo.
Outros autores se alinham com a crítica de Yin (1984). Para Gummesson (1991), por
exemplo, o estudo de caso adequa-se, igualmente, aos objetivos de geração de teoria e
iniciação de mudança e para Eisenhardt (1989) estudos de caso são indicados para a
descrição de fenômenos, para o teste de teorias ou, mesmo, para a geração de teoria.
59
É preciso registrar que as estratégias consideradas pelo autor são: experimento, survey, análise
documental (archival analysis), história e estudo de caso. Não há indicação se essas mesmas perguntas
seriam adequadas a um elenco maior de estratégias que incluiria, por exemplo, a etnografia, a pesquisa-
ação e a grounded-theory.
60
Se a pergunta do tipo qual pede resposta que indicam quantidades ou padrões, então as estratégias de
survey e experimentos são melhores.
83
Assim, considerando que o objetivo desta tese foi o de se obter uma contribuição teórica
ao estudos de downsizing fundamentada (grounded) em pesquisa de campo e dado que
as perguntas eram do tipo como, adotou-se, por ser o mais adequado, o método de
estudo de caso como estratégia de pesquisa.
Para Strauss (1987), não se trata de um método específico ou de uma técnica mas, sim,
de um “estilo” (p.5) para realizar a análise qualitativa de dados. O princípio básico da
grounded theory seria o de que a teoria deveria emergir a partir de dados observados
pelo pesquisador.
A grounded theory funcionaria como um guia e não como uma regra metodológica
invariável, uma vez que o pesquisador estaria limitado às contingências dos vários
ambientes sociais que afetariam a coleta dos dados e, também, a sua análise. Assim, em
virtude da diversidade de situações sociais, das circunstâncias variadas de pesquisa e
dos diferentes objetivos e estilo dos pesquisadores, não haveria como estabelecer regras
e procedimentos fixos, tal como ocorreria com a análise de dados quantitativos (Strauss,
1987).
Outra questão refere-se ao achado de novos dados e novas situações. Em uma estratégia
cujo objetivo fosse testar hipóteses, uma exceção à regra seria, em princípio, suficiente
para que a teoria tivesse que ser revista61. Na grounded theory e no método de caso, o
raciocínio seria de outra ordem: uma exceção ou uma situação não prevista teriam o
papel de enriquecer a teoria existente (Glaser e Strauss, 1967, Gummerson, 1991). Nas
61
Este argumento tem por objetivo, apenas, mostrar a lógica inerente ao teste de hipótese. Não se
pretende contrapor qualquer argumento à pesquisa de Kuhn (1990) acerca de ciência normal e aos
experimentos e testes a ela relacionados.
84
palavras de Gummerson (1991, p.79) “novos dados nunca são desconfortáveis, nunca
‘destroem’ uma teoria existente, eles a expandem e melhoram”.
No caso deste estudo, algumas questões devem ser esclarecidas. Primeiro, não foi
encontrada, na literatura, uma teoria desenvolvida sobre downsizing, embora existam
aspectos do fenômeno que são estudados pelos diversos autores, como, por exemplo,
características de estratégias bem sucedidas de redução de pessoal (Cameron, Freeman e
Mishra, 1991; Feldman e Leana, 1989; Mishra, Spreitzer e Mishra, 1997), efeitos do
downsizing nos sobreviventes (Cascio, 1993; Feldman e Leana, 1989; Katz, 1997; Kets
de Vries e Balazs, 1997; Noer, 1993) ou ainda, efeitos do downsizing nos executores
(Kets de Vries e Balazs, 1997; Wright e Barling, 1998).
Outra questão refere-se ao papel da literatura na análise dos dados. Seria com um
movimento de vai-e-vem entre os diversos casos, entre os casos e o referencial teórico
que conceitos emergeriam e poderiam ser continuamente elaborados. Assim, a papel do
referencial teórico seria o de fornecer pontos de coincidência e pontos de discrepância
que possibilitariam o refinamento da teoria em elaboração (Eisenhardt, 1989).
85
De acordo com Yin (1994) os estudos de casos podem limitar-se a uma ou a várias
unidades de análise. Estudos de um único caso adequar-se-iam, quando representassem
uma oportunidade de se estudar uma situação extrema, única ou, ainda, crítica. Havendo
possibilidades materiais, humanas e de tempo, a lógica da replicação62 indicaria a
utilização de estudo de múltiplos casos, como é o caso desta pesquisa.
Outras questões de ordem mais práticas também se apresentaram. Uma deles referiu-se
ao tipo de organização a ser selecionada como objeto de estudo. De acordo com
Eisenhardt (1989), a pergunta da pesquisa deve ser orientadora dos critérios de seleção.
Assim, considerando que o objetivo principal do estudo foi o de se obter as percepções
dos empregados acerca do planos de downsizing, dois desafios se apresentaram:
primeiro, a empresa deveria ter passado por um processo recente63 - no máximo, há
cinco anos - de redução planejada de pessoas e, segundo, haveria que se obter permissão
de acesso a um número razoável de empregados ativos na empresa.
Para as duas primeiras empresas contactadas, marcou-se uma entrevista com o principal
executivo de Recursos Humanos ou com pessoa de alto nível gerencial que detivesse
informações acerca do processo de redução de pessoal. Os objetivos desta entrevista
inicial foram: (a) obter dados a respeito do programa implantado e (b) entregar uma
carta proposta para a realização da pesquisa na empresa. Em ambos os casos, obteve-se
autorização para a realização da pesquisa. Posteriormente, uma terceira empresa foi
contactada, não colocando empecilhos para o estudo.
62
Segundo o autor não se deve considerar a utilização de mais de uma caso dentro da lógica de
amostragem. Esta está preocupada com a generalização de uma hipótese, ou seja, procura ir do particular
para o universo. A lógica da replicação seria similar à lógica dos experimentos, na qual espera-se que
determinado resultado ocorra em todos os casos. Caso isso ocorra poder-se-ia dizer ter havido replicação
dos resultados.
63
A razão para a limitação do horizonte de tempo deveu-se à possibilidade de o distanciamento no tempo
afetar a acuidade dos relatos dos entrevistados, ou mesmo, provocar distorções na memória (Hoopes,
1979).
64
O projeto inicial de pesquisa previa o estudo de dois casos. O terceiro caso foi adicionado,
posteriormente, por uma questão de oportunidade. Segundo Eisenhardt (1989) tal procedimento tem
sentido nas situações em que novos dados podem fundamentar (ground) melhor a teoria existente ou em
construção.
86
Há que se registrar que a concessão de autorização, quase que imediata, causou surpresa,
uma vez que havia a expectativa, conforme já comentado, de se encontrar dificuldades
no processo. Um fator que parece ter sido importante, nestes casos, refere-se ao fato de
os executivos de mais alto nível entrevistados considerarem o programa implantado em
suas respectivas empresas uma experiência bem sucedida.
Poder-se-ia, assim, considerar que a permissão para a pesquisa foi influenciada por, pelo
menos, dois fatores: o sucesso, segundo percepção dos executivos inicialmente
entrevistados, do programa implementado e a influência de pessoas que conheciam o
Instituto patrocinador da pesquisa. Este último aspecto não deve ser considerado
estranho em um sociedade considerada relacional, como a brasileira, na qual as ligações
entre as pessoas podem assumir um importante papel na realização de negociações
empresariais e, porque não, também no desenvolvimento de pesquisas.
Segue-se a Tabela 10, com detalhamento por cargo, das entrevistas realizadas em cada
uma das empresas:
TABELA 10
NÚMERO DE ENTREVISTAS POR CARGO
Cargo ServA ServB ServC
Diretor de Recursos Humanos ou 2(*) 1 1
gerente de alto nível
Gerentes intermediários ou 11 10 8
supervisores
Funcionários sem cargo gerencial 9 10 6
Total por empresa 22 21 15
Entrevistas descartadas 2 1
(*) Foram entrevistados o diretor de Recursos Humanos da holding e o diretor de Recursos Humanos da
ServA
87
Três das 61 entrevistas realizadas não puderam ser consideradas. Em um dos casos, o
funcionário pesquisado permitiu a gravação da entrevista mas, a certa altura, solicitou
que o gravador fosse desligado e as informações e opiniões relatadas a seguir não
fossem utilizadas na pesquisa. Nos outros dois casos, houve problemas com a fita a
ponto de não ser possível a transcrição.
No caso deste estudo, não havia, portanto, um número ideal a ser escolhido a priori.
Assim, o bom senso para o que seria um tempo razoável de permanência na empresa -
uma semana com a estimativa de realização de quatro entrevistas por dia - guiou a
proposta de pesquisa.
O principal meio de coleta de dados foi a entrevista, pois esta permitiria, segundo Patton
(1980) identificar o que a outra pessoa pensa, dando acesso a “sentimentos,
pensamentos e intenções” ( p.6). Por meio do relato, poder-se-ia saber como o ator
organiza e atribui significado ao processo no qual está ou esteve envolvido65. Dar-se-ia
oportunidade ao entrevistado de explicar as razões pelas quais as ações, sentimentos e
pensamentos relatados ocorreram, relacionando sua experiência vivencial a um contexto
organizacional e social mais amplo (Lee, 1993; Patton, 1980).
Patton (1980) indica existirem três enfoques para se coletar dados com a utilização de
entrevistas: (a) a conversa informal; (b) a entrevista guiada e (c) a entrevista aberta,
65
Poder-se-ia considerar que parte do presente estudo utiliza a estratégia da história oral. História oral
podeira ser classificada como um método de pesquisa que procura entender – por meio do relato de
pessoas que participaram ou foram testemunhas dos eventos de interesse - acontecimentos ocorridos na
sociedade, em grupos sociais, grupos profissionais e instituições. Seria uma forma de recuperação do
passado da instituição com toda a multiplicidade de pontos de vista (Thompson, 1978) e conforme
“concebido por quem viveu” as situações (Alberti, 1989, p.5).
88
No que se refere, especificamente, ao estudo de caso, Yin (1994) indica que três tipos de
entrevista podem ser utilizados: (a) entrevista aberta (open-ended); (b) entrevista focada
(focused) e (c) entrevista com questões estruturadas. Na entrevista aberta, as perguntas
poderiam incluir dados e opiniões acerca de determinados eventos e poder-se-ia obter
dos respondentes insights acerca de determinadas ocorrências. O segundo tipo de
entrevista – focada – seria uma importante fonte de coleta de informações, quando
houvesse pouco tempo, por exemplo apenas uma hora, para o encontro entre
pesquisador e pesquisado. Nestas situações, seria natural a utilização de um conjunto de
questões derivadas do planejamento do estudo de caso. Por fim, o terceiro tipo –
entrevista com questões estruturadas - seria adequado se houvesse necessidade de se
realizar um estudo semelhante ao das pesquisas quantitativas, orientadas por
procedimentos de amostragem.
As empresas pesquisadas foram aquelas que deram acesso para a coleta de dados.
Houve, entretanto, uma coincidência: todas haviam sido privatizadas em passado
recente. Tal fato teve implicações não esperadas.
Pelo menos duas razões parecem justificar tal fato: (a) o edital de concessão, nos casos
da ServA e da ServB, indicavam que possíveis programas de desligamento em massa
estariam sujeitos a regras determinadas; (b) as histórias de privatizações, ocorridas no
Brasil, indicavam que programas de desligamento eram comuns no instante posterior à
privatização.
Este reflexo pôde ser sentido nas respostas às perguntas feitas. A tal ponto, os dois fatos
se entrelaçaram, que a análise dos dados revelou ser artificial dividir a reta do tempo em
planejamento do programa, implementação do programa e período pós-implantação,
conforme havia sido planejado. A coleta de dados indicou, inicialmente, e a análise
apenas ratificou ser a divisão temporal período-de-estatal, período-de-transição e
período-de-empresa-privada mais adequada à expressão das experiências individuais.
Esta etapa foi dividida em três fases. Na primeira, analisou-se cada empresa
separadamente, permitindo a emergência de temas e conceitos específicos de cada
situação. Na segunda etapa, procedeu-se à descrição de cada um dos casos tendo por
base a lógica temporal e codificação realizada na primeira fase. Na terceira etapa,
realizou-se a análise simultânea das três empresas pesquisadas a partir de duas
perspectivas: uma processual, em que os temas e conceitos comuns às dinâmicas
percorridas pelas empresas foram identificados e analisados e uma segunda, em que se
procurou representações desvinculadas no eixo temporal e das questões tratadas na
revisão de literatura.
FIGURA 10
DIAGRAMA DAS ETAPAS DE ANÁLISE
Codificação Descrição
individual dos individual dos Análise dos
casos casos resultados
Lógica do “Corte
processo de transversal”
downsizing dos dados
Diante de tão volumoso material, optou-se pela utilização de software específico para a
análise de dados qualitativos. Estes apresentam as seguintes vantagens (Creswell,
1998)66:
- organizam e arquivam o material;
- permitem rápida recuperação de partes específicas, idéias, frases ou palavras;
- eliminam as operações de “corte e cola”;
- forçam uma análise do texto que, de outra forma, poderia ser realizada
superficialmente.
Este estudo utilizou-se do software Nud*ist, criado por Thomas e Lyn Richards e
comercializado pela empresa Sage. Os dados forma organizados de forma compatível
com o estudo de casos e similar à proposição de Creswell (1998):
FIGURA 11
DIAGRAMA DE ORGANIZAÇÃO DOS DADOS NO NUD*IST
ServX
Pré- Pós-
privatização Transição privatização
Ao final, pode-se dizer que a tarefa teria sido imensamente dificultada, caso as
entrevistas tivessem que ser manipuladas apenas com papel ou com editor de textos. O
software liberou a pesquisadora de grande parte do trabalho manual, permitindo a
66
Os comentários do autor referem-se ao software Nud*ist.
92
Uma das primeiras questões a que se expõe aquele que adota método do caso trata da
impossibilidade de se generalizar os resultados da pesquisa. Este assunto tem sido palco
de debates e controvérsias e, para aqueles que partem de uma lógica estatística, o estudo
de um único caso traria em si a grave limitação de não certificar se o caso estudado é,
realmente, representativo do universo do qual ele seria uma amostra (Blalock e Blalock,
1975; Gil, 1987).
Outros autores enfocam a questão de ponto de vista diferente, assinalando que o estudo
de caso não teria a intenção de ser um exemplo típico de uma população (Glaser e
Strauss, 1967, Gummersson, 1991; Yin, 1994). O método do caso permitiria que se
generalizassem os achados para uma proposição teórica e não para uma população de
entidades ou sujeitos estudados (Gummersson, 1991; Yin, 1994). Glaser e Strauss
(1967) indicam que mesmo um único caso pode revelar uma categoria ou propriedade
conceitual, sendo que casos adicionais podem confirmar a indicação.
“Se você tem uma boa linguagem descritiva ou analítica por meio da qual você
pode, realmente, apreender a interação entre as várias partes do sistema e a suas
características importantes, as possibilidades de generalizar a partir de poucos
67
Outros softwares para análise de dados qualitativos são comercializados. A pesquisadora não teve a
oportunidade de trabalhar com nenhum deles. Esta tese de doutorado foi, também, sua primeira
experiência com o Nud*ist.
93
casos, ou mesmo a partir de um único caso, podem ser razoavelmente boas. Tal
generalização pode ter um caráter particular: pode ser possível generalizar uma
afirmativa do tipo: ‘um sistema do tipo A e um sistema do tipo B juntos
formam um mecanismo que tende a funcionar de uma determinada forma’. Por
outro lado, não se pode fazer quaisquer generalizações acerca de quão comum
são esses tipos de sistema e padrões de interação. Mas as possibilidades de
generalizar, a partir de um único caso fundamentam-se na abrangência das
medidas que tornam possível atingir uma compreensão fundamental da
estrutura, processo e força de ação em vez do estabelecimento superficial de
uma correlação ou relação de causa e efeito”.68
Mesmo que a entrevista inquira sobre dados pessoais do empregado, ainda assim, é
falha como instrumento de coleta de dados. Ao se investigar, por exemplo, o estresse em
downsizing, chega o pesquisador, quando tudo já se passou. Fica impossibilitado de
qualquer tipo de observação, sujeito, por conseqüência, às possíveis falhas de memória e
“distorções defensivas” do entrevistado (Lazarus e Lazarus, 1994, p.232).
68
Tradução livre.
94
A ServA, estatal do setor de serviços com sede na Região Sudeste, era tida, dentro de
seu âmbito de atuação, como uma empresa modelo. As demais empresas estaduais do
mesmo setor estavam longe de atingir o seu nível de desempenho, ao ponto de, quando
houve a privatização, ser considerada um benchmark nacional tanto em termos
gerenciais como em termos técnicos e operacionais.
Genericamente, essas regras diziam respeito à elegibilidade para a adesão ao plano e aos
benefícios a serem oferecidos. O plano estaria aberto, apenas, para pessoas que tivessem
mais de 20 anos de trabalho e, ainda, não tivessem atingido plenas condições de
aposentadoria.
No que se refere ao fundo de pensão, era prática da empresa participar com dois terços
da contribuição, ficando sob a responsabilidade do empregado um terço do valor. Para
aqueles empregados sem os requisitos mínimos para o direito à complementação da
aposentadoria pelo fundo de pensão da empresa e que aderissem ao plano, a empresa
continuaria a contribuir com a sua parte, durante um período máximo de 60 meses,
desde que o empregado entrasse com um terço do valor.
69
Utilizaram-se o nome Programa de Desligamento Voluntário e a sigla PDV para o plano oferecido
quando a empresa era, ainda, estatal. O nome Plano de Desligamento Incentivado e a sigla PDI foram
utilizados para o plano oferecido após a privatização. Ambos os planos foram voluntários e a diferença de
siglas e nomes dos planos foi adotada para facilitar o entendimento dos fatos.
95
Em verdade, a empresa tinha como objetivo original atingir cerca de 800 pessoas, sendo
que, apenas, 430 funcionários aderiram. Apesar disso, nenhuma outra ação foi realizada
para reduzir pessoal como, por exemplo, uma reedição do plano, ou mesmo uma atitude
unilateral da empresa no sentido de demitir os empregados.
As diretrizes passaram, portanto, a ser dadas, deste momento em diante, pela matriz.
Inclusas estavam as questões referentes aos recursos humanos e, mais especificamente,
à questão de implantação de um plano de demissão.
A holding optou, após várias análises e simulações de custo, por realizar um plano de
desligamento ainda dentro dos seis meses iniciais, plano esse que tinha por principais
características: (a) o pagamento de incentivo financeiro proporcional ao número de anos
de serviço, estimulando aqueles que tivessem maior tempo de empresa; (b) a
manutenção do plano de assistência médica por mais 90 dias, e (c) uma cesta básica,
que poderia ser convertida em dinheiro. A tabela de incentivo financeiro obedecia à
seguinte regra: até quinze anos de empresa, receber-se-ia 0,3 salários por ano; de quinze
até vinte e cinco anos, 0,5 salários por ano e acima de vinte e cinco anos, 0,6 salários
por ano trabalhado na empresa.
70
Neste contexto, o termo matriz e holding são usadas como sinônimos.
96
Uma das questões levantadas pelos novos gestores referiu-se à possibilidade de adiar o
plano de redução de pessoal pois, segundo o edital de privatização, passado o período
de 180 dias da data de privatização, a empresa adquirente poderia proceder às demissões
pagando apenas o previsto pela legislação trabalhista, sem a obrigatoriedade de
concessão de qualquer benefício adicional.
“A principal questão foi a de tornar a empresa mais ágil, dar uma mensagem
para o mercado da mudança. A gente sabia que qualquer mudança, que não
estivesse associada logo a este período, seria muito mais difícil de acontecer.
Porque as pessoas naquele momento sabiam que a mudança era inevitável”.
Mas as mudanças não foram fáceis de serem aceitas. Muitas pessoas achavam que iria
se reverter a privatização e que o programa de demissão não poderia ser realizado.
Ainda nas palavras do diretor de Recursos Humanos da holding:
“Muitas pessoas não acreditavam que isso ia ocorrer. Não aceitaram num
primeiro momento. ...’Isso não vai acontecer. Eles não vão poder fazer isso’. O
sindicato veio e falou que não iam poder demitir, que a privatização ia ser
cancelada, que nós enquanto controladores, não íamos poder contar com
recursos jurídicos”.
A comunicação do plano teve como alvo não apenas o público interno, formado por
gerentes e funcionários, mas também os públicos externos, como a imprensa, governos
estaduais e federal, órgãos reguladores, clientes, acionistas e, mesmo, a sociedade em
geral.
Para atender ao público interno, elaborou-se uma cartilha contendo: (a) uma explicação
dos objetivos do plano; (b) indicação de quais empregados não seriam abrangidos pelo
plano, (como, por exemplo, aqueles que estivessem com o contrato de trabalho suspenso
em decorrência de acidente de trabalho ou auxílio doença); (c) informações sobre as
datas para a adesão; (d) incentivos oferecidos pelo plano e (e) uma sessão com
perguntas e respostas, procurando esclarecer as dúvidas mais freqüentes.
97
A ServA por estar, dentre as demais empresas formadoras da nova holding, em estágio
tecnológico mais avançado, utilizou-se, ainda, de meios eletrônicos para a comunicação
do plano. Assim, o processo foi comunicado por terminais de computadores onde os
empregados podiam obter os dados relativos ao seu caso e, também, fazer algumas
simulações. A adesão poderia ser realizada pelo terminal. Nas palavras dos
entrevistados, “bastava um enter” para se entrar no plano.
Curiosamente, essa facilidade de comunicação fez com que as pessoas deixassem sua
decisão para – literalmente - a última hora. Segundo depoimento de gerente de área
administrativa:
“Cinco dias. A adesão maior ela ocorreu no último dia. As pessoas estudaram,
pensaram e aí na última hora, na última hora de fato, às cinco horas era a última
hora, de quatro às cinco horas foi uma adesão maciça, quer dizer, isso foi
colocado no terminal. ...Se você entrasse no terminal a cada cinco minutos para
ver como estava a adesão, veria que o número [subia a] uma velocidade bem
grande”.
A ServA optou por aceitar todos os pedidos de desligamento, não havendo nenhuma
ação para se reter pessoas consideradas estratégicas ou tidas como talentos.
Considerava-se que, ao recusar um pedido de saída, a empresa passaria a ter que dar
uma reciprocidade não prevista pelos planos de recursos humanos. Nas palavras do
diretor de Recursos Humanos da unidade:
“O plano tinha uma remuneração até bem atrativa para quem fosse sair. Então,
na medida em que você não deixasse a pessoa sair, e ela continuava a trabalhar,
continuava com o seu salário, ela iria falar: ‘E agora? Eu fico e você não quer
deixar eu sair. Mas o que eu vou ganhar?’ Vai continuar trabalhando no mesmo
71
Usar-se-á, neste texto, os termos empresa do grupo e unidade como sinônimos.
98
lugar e ganhando a mesma coisa enquanto para sair ia ganhar tantos mil reais.
Isso eu chamo de compromisso”.
“O mercado não estava, naquele momento, tão demandador como está hoje. Se
isso acontecesse...a gente acredita, eu pelo menos acredito, que hoje a decisão
fosse outra”.
Com essa decisão, algumas áreas ficaram carentes de mão de obra especializada. A
alternativa encontrada pela ServA foi a de reter alguns funcionários de setores mais
estratégicos através de contrato temporário, com um salário menor e por um período
pré determinado. Nesse ínterim, a empresa tentaria substituir os profissionais através de
processo interno ou, mesmo, com contratação de mão-de-obra terceirizada.
Essa situação permitiu, por sua vez, que novas lideranças surgissem e assumissem o
espaço vazio deixado pelos que saíram. Segundo depoimento do diretor de Recursos
Humanos da ServA, “a empresa, simplesmente, deu a volta por cima; criou novas
lideranças; talentos que saíram foram repostos... Tivemos a oportunidade de que muitas
pessoas ascendessem, inclusive gerencialmente”.
No caso da ServA, 1074 pessoas saíram no plano, tendo idade média de 47 anos e média
de 22 anos trabalhados na empresa. Na avaliação do diretor de Recursos Humanos, esta
adesão foi surpreendente, pois se esperava, em função de simulações realizadas, um
volume bem menor, em torno de 700 a 800 adesões.
99
Para que se tenha uma idéia do perfil das pessoas que optaram pelo plano, apresentam-
se, a seguir, duas tabelas. Uma indica o nível de escolaridade dos funcionários que
aderiram e a outra discrimina as adesões por departamento. A divisão por escolaridade
pode ser verificada na Tabela 11 a seguir:
TABELA 11
ADESÕES AO PDV NA SERVA POR
GRAU DE ESCOLARIDADE
TABELA 12
ADESÕES AO PDV NA SERVA POR ÁREA FUNCIONAL
4.2.1.1 Gestão
A gestão, pautada em decisões e indicação de cargos por interesses políticos, era uma
característica da ServA que incomodava alguns funcionários da empresa. Viam pessoas
externas serem indicadas para diretorias e funcionários alçados a cargos de gerência sem
que tivessem condições técnicas ou mesmo uma história de comprometimento com a
empresa.
“Então ... era muito voltado para essas orientações governamentais... uma
politicagem danada. Todo mundo aqui político mesmo, diretoria política,
muitos gerentes eram designados politicamente... Presidente da empresa do
partido tal, o diretor de Recursos Humanos era do partido tal. ... Nós tivemos
aqui dentro do próprio departamento duas pessoas recomendadas pelo
diretor...Apesar de ótimos colegas não tinham qualquer perfil gerencial ...
tinham dificuldade até no operacional ... quanto mais gerenciar pessoas.”
(gerente de área administrativa)
4.2.1.2 Demissões
A representação das demissões, no caso da ServA, não surgiu de forma nítida. Para um
dos entrevistados, a empresa sempre demitiu e manteve-se enxuta ao longo dos anos:
“acho que foi em 77, 78.....foram umas 300 demissões” (funcionário de área
101
administrativa). Ou, ainda, nas palavras de outro depoente: “Desde a época da estatal,
eu acho que sempre convivemos com isso, o fantasma do desemprego”.
Outros, porém, indicaram que a empresa quase não demitia. Segundo um dos gerentes, a
empresa tratava seus funcionários como “uma mãe” que, em caso de falha, poderia
repreender, mas nunca demitir.
“Até então era a mãe... que era o seguinte: ela vai no máximo puxar as orelhas,
mas não vai dar um pontapé, me botar na rua.” (gerente de área administrativa)
Uma das práticas que mais se destacou, no discurso dos entrevistados, refere-se ao
treinamento e desenvolvimento de pessoal oferecido pela empresa, anteriormente à
privatização. Abrangeria todos os níveis organizacionais e as várias áreas funcionais e
contemplaria não apenas o desenvolvimento tecnológico, mas também o pessoal e
comportamental.
“Eu sempre achei que havia uma preocupação da ServA, empresa estatal, muito
grande com relação ao desenvolvimento pessoal e profissional dos empregados.
... Desde o diretor até o empregado mais simples da empresa, no menor cargo,
eles todos foram envolvidos em programas de desenvolvimento pessoal e
profissional. Foi uma coisa bastante significativa, muito significativa”.
(funcionário de área administrativa)
102
Na percepção dos entrevistados, existia, na ServA, uma cultura que não apenas permitia,
como também incentivava os funcionários a realizarem cursos e a estudarem. Em alguns
casos autorizava-se o uso do horário de trabalho para esse desenvolvimento.
“Então a gente estudava, tinha tempo, o próprio gerente designava para a gente
estudar e de uma maneira assim bastante interessante. Eu achava que os
gerentes, nessa época, estimulavam todos a estudarem.” (funcionário de área
administrativa)
“Quando eu entrei para a ServA não tinha curso técnico, fui formado no antigo
curso científico. Foi todo um trabalho de formação, curso, curso, para se formar
as pessoas dentro da empresa. E empresa procurou formar seus profissionais...
No mercado lá fora não existia essa especialização.” (gerente de área
operacional)
Todo esse cuidado teria formado um quadro de pessoal altamente capacitado, motivo de
orgulho de muitos e expresso no discurso de alguns:
“Muitos cursos, bastante cursos. Eu não saberia falar quantos já fiz... perdi a
conta. ... Todos os profissionais que estão aqui, durante esses anos, ele foram
muito bem treinados.” (supervisor de área operacional)
Para um dos entrevistados, um dos grandes méritos, ainda como estatal, encontrava-se
na postura participativa que a empresa adotava, em relação a seus funcionários e à
103
comunidade em geral. Para outros, a empresa distinguia-se por sempre ter investido
muito no desenvolvimento de seus empregados construindo um centro de treinamento
“modelo para o país” e formando um corpo técnico que “nada deixava a desejar a
pessoas que chegavam de fora”
“A ServA sempre foi uma empresa que nós consideramos de vanguarda, porque
ela sempre foi uma empresa que saiu na frente. ... Ela sempre procurou estar
envolvendo seus empregados. Envolvendo a comunidade também naquilo que é
negócio dela.” (funcionário de área administrativa)
“Nós tínhamos uma empresa modelo, em nível Brasil, uma empresa que
funcionava maravilhosamente bem.” (funcionário de área administrativa)
Para outros, ainda, a ServA era uma empresa conceituada no seu setor que, embora
estatal, não “agia como estatal”, diferenciando-se, assim, das demais.
“A ServA, mesmo como empresa estatal, ela tinha algumas boas postura não só
em nível de ações, mas ao nível de seu corpo gerencial. Algumas ações que a
diferenciavam.” (funcionário de área administrativa)
Outro entrevistado considerava que, embora administrada por políticos, quem “tocava”
a empresa era uma equipe técnica de alta qualidade. Tal equipe teria conseguido manter
um padrão de competência e prestar serviço de qualidade, segundo outro relato.
Uma perspectiva diferente foi apresentada por um gerente de área administrativa. Para
ele, a empresa encontrava-se em um dilema de papéis: tanto deveria proteger os
interesses de seus acionistas – embora o governo fosse majoritário, havia acionistas
minoritários – como teria, também, a função de arrecadador de tributos. Defender estes
dois papéis “antagônicos” seria um dos problemas enfrentados.
“Então como defender esses dois interesses que são absolutamente antagônicos?
Então é complicado. ... São antagônicos os interesses do acionista minoritário e
os interesses do governo. Mas cada um tem seu papel. ... Eu acho que vi passar
104
por aqui muitas dessas, vamos chamar assim, muitas dessas contradições nesse
período todo que a gente está aqui.” (gerente de área administrativa)
Considerou-se, como transição, o período que foi de 1996, quando foi oferecido o
primeiro plano de desligamento voluntário, até os primeiros meses de 1999, quando
terminaram os primeiros seis meses da nova gestão. Esse período foi decisivo na
orientação pessoal e profissional dos empregados da estatal. Muitos puderam se
aposentar nos dois planos (1996 e 1998), outros encontraram oportunidades em outras
empresas ou atividades, mas a maioria permaneceu na ServA.
Dentro deste contexto, fez parte do programa de governo que as empresas a serem
privatizadas passassem por processos de reformulação de seus quadros de pessoal,
implementados, via de regra, na forma de planos de desligamento incentivados.
Com a ServA não foi diferente. Em 1996 – dois anos antes, portanto, da efetiva
privatização - foi oferecido, conforme já relatado, um Plano de Desligamento
Incentivado – PDI, que tinha por objetivo estimular o desligamento de funcionários com
muitos anos de serviço e próximos da aposentadoria.
“A ansiedade desse grupo que entra, que está entrando num processo desses,
mesmo que tenha as condições prévias, a ansiedade é muito grande e a
insegurança é muito grande.” (gerente de área administrativa)
“Eu entendi, na época, que já tivesse sido uma... uma preparação para esse
momento de privatização. ‘Vamos aproveitar e fazer isso aqui agora, porque na
hora da empresa privada chegar, não sei se eles vão querer fazer’. .. Então,
assim, um ‘ajeitamento de bola’ para aquelas pessoas que durante muitos anos
se dedicaram. ... Aí saiu muita gente do topo da pirâmide. Queriam sair assim
com um dinheiro maior... prêmio pelos bons serviços prestados.” (gerente de
área administrativa)
“Eu acho ... que é uma oportunidade também que se dá, àquele colaborador,
àquele empregado para que ele possa estar montando, possa estar procurando
alguma coisa fora ... daquela atividade que ele vem exercendo há mais tempo.”
(funcionário de área administrativa)
106
“Eu acho que era com vistas à privatização. Eu achei que já se falava em
privatização e acho que sempre houve uma cobrança da comunidade, de forma
geral... de empresas estatais. Então, se aproveitou as duas coisas e se tentou
conciliar isso aí. ‘Eu vou precisar reduzir esse quadro, eu tenho que vender
essas empresas, não posso vender inchadas e também para dar uma satisfação
para a sociedade ainda enquanto empresa estatal’.” (funcionário de área
administrativa)
“Então, a maioria das pessoas que saíram, pelo menos no meu conhecimento,
foram pessoas que estavam já para se aposentar ou pessoas que já tinham
alguma atividade fora da empresa. ... eu acredito que 80% das pessoas que
107
“Eu tinha o seguinte raciocínio; esse PDI deve ter sido um grande sinalizador
para pessoas de que as coisas estavam para, para mudar. Eu achei que ele seria
interpretado por várias pessoas como uma grande sinalização: ‘Olha, nós vamos
privatizar mesmo. A privatização está chegando, tanto é que estão oferecendo o
PDI’. Mas não foi isso que eu percebi de forma geral. Isso não apareceu. ... Eu
percebo o seguinte, não teve, não foi colocado assim, a coisa com essa intenção,
ou seja, ninguém explicitou este objetivo ‘Olha vai privatizar e já é o começo’.
Não teve isso... Eu tenho a impressão, de uma maneira geral, que elas só
acreditaram mesmo, para valer, na questão da privatização no momento em que
ela ocorreu.” (gerente de área administrativa)
Quatro pontos parecem predominar nas justificativas daqueles que poderiam ter entrado
no plano e optaram por não fazê-lo: (a) a falta de tempo para ter direito à aposentadoria
plena; (b) o incentivo monetário insuficiente para justificar o pedido de desligamento;
(c) a ausência de oportunidades de ocupação - um novo emprego ou um negócio próprio
– fora da empresa e (d) o sentimento de que se estava seguro e satisfeito pessoalmente
com o trabalho.
“Era um plano modesto. Nada que desse uma segurança.” (funcionário de área
administrativa)
“Não tinha o tempo para aposentar nem nada. Financeiramente eu não estou
estável, nem nada. ... Conversei com minha mulher e achamos melhor... não
108
tivemos muita opção lá fora para poder sair da empresa. O dinheiro não era
compensador. .... Aqui no Brasil você tem que se aposentar e continuar
trabalhando com outra coisa.” (funcionário de área administrativa)
“Naquela época, eu não achei interessante porque eu estava com 48 anos e não
tinha tempo para me desligar. Interessante seria se eu me aposentasse. E nós
temos o sistema de fundo de pensão, que complementa o nosso salário. E se eu
me desligasse com 53 anos de idade eu perderia muitíssimo. No mínimo, 8%
em cada ano que faltasse para completar os 57.” (funcionário de área
operacional)
“Porque o ideal é você sair com incentivo mas se aposentando. Porque você sair
sem se aposentar não é o ideal.” (supervisor de área operacional)
“O pessoal não acreditava, porque era muito dinheiro... não tinha grupo que
comprasse isso, não. Apareceu, tudo bem, difícil de acreditar...” (funcionário de
área administrativa)
“Acho que a gente tem que ter um pouco de esperança de que o povo vai ter, no
momento, uma reação contrária... a gente achava sempre que era uma coisa
nossa. Que podia até privatizar outras coisas, mas que isso aí, de alguma forma,
o povo, em algum momento ia reagir, como tentou reagir um grupo pequeno...”
(funcionário de área administrativa)
“Eu acho que o pessoal achava que não ia acontecer, porque, no Brasil, sempre
se dá um jeitinho. Na última hora, não ia privatizar, ia acontecer alguma coisa
que ia impedir isso. ...Eu não acreditava que o pessoal achasse que realmente a
coisa ia ser efetivada não. Achava sempre que ia ‘terminar em pizza’ e que, no
final, ia dar um jeitinho brasileiro e não ia privatizar.” (funcionário de área
administrativa)
“Então, com relação a esse processo de privatização, uns três anos antes ... nós
estávamos sempre presentes informando desse processo de privatização que
todo o país e todo o mundo passava, nesse processo de globalização. Então nós
sempre procurávamos estar no interior, nos parques, mesmo nos prédios mais
centralizados, informando de que esse processo era inevitável.” (funcionário de
área administrativa)
“Eu atuei na função gerencial e com o grupo conversava muito sobre essas
coisas, exatamente para as pessoas entenderem de que essa coisa de estatal e
privatização tem algo muito mais complexo por trás disso tudo, que é o sistema
capitalista.” (funcionário de área administrativa)
Se de uma forma geral, por parte dos funcionários, não se acreditava na privatização,
ainda assim alguns, preocupados com seu futuro, empreenderam ações que os tornaram
mais bem preparados para esse futuro.
Um fato curioso se deu quanto à questão dos cursos de idioma. Muitas vezes a escolha
pelo aprendizado de uma nova língua, foi orientada pelo que se imaginava pudesse ser o
idioma do acionista controlador. Assim, se houvesse uma expectativa de que espanhóis
adquirissem a empresa, esta seria a língua escolhida para ser estudada.
Muito mais do que passar o controle acionário do governo para a iniciativa privada, a
privatização veio carregada de significados simbólicos que a fizeram ser objeto de
temor, de um lado, e de esperanças ,de outro.
a ... privatizou, também ficou com a metade das pessoas. ...Então o sinalizador
mais forte das pessoas era que a privatização significaria, num primeiro
momento, perda do emprego.” (gerente de área administrativa)
“Viam a privatização como um monstro, que vai acabar com tudo, vai demitir
todo mundo.” (gerente de área operacional)
“Eu acho que ela dá muito mais oportunidade às pessoas delas mostrarem aquilo
que aprenderam, o desenvolvimento que tiveram durante o seu período de
vida.” (funcionário de área administrativa)
Como já relatado, a ServA veio a ser privatizada em meados de 1998. De acordo com o
edital de concessão, caso houvesse demissão em massa nos primeiros 180 dias, a
empresa deveria fazê-la na forma de um plano incentivado. Ciente de que este seria o
112
momento adequado para sinalizar mudanças, a direção da ServA optou por lançar um
Plano de Desligamento Incentivado – PDI logo nos primeiros meses de sua nova gestão.
Além disso, como monopolista em um mercado com elevada demanda, a empresa não
via a necessidade de vender o seu produto. Na nova configuração ambiental, teria de
concorrer com outras na conquista do cliente e na manutenção de sua rentabilidade.
“Após a demissão, quanto se vai economizar por mês? Eram as informações que
nos eram solicitadas pelos novos acionistas. Qual vai ser a economia mensal?
Então, foi muito focado em cima de custos.” (gerente de área administrativa)
“Olha, na minha opinião, foi para diminuir custos, porque a empresa privada,
ela visa muito esse lance de lucro. E quando você tem recurso humano, ele é
alto.” (supervisor de área operacional)
“Diminuir cada vez mais os custos, o custo com pessoal para que os lucros
sejam cada vez maiores.” (supervisor de área operacional)
Se a percepção de que os acionistas desejariam maiores lucros foi encarada como uma
forte razão, há que se observar o quanto os empregados entendiam haver a necessidade
de se estar apto para enfrentar a concorrência. Assim, no entender de alguns, o mercado
se teria alterado de forma substancial, obrigando a empresa a tomar medidas para
enfrentar essa situação.
mercado que ainda não está agressivo mas que vai ser agressivo.” (funcionário
de área administrativa)
“A pessoa queria sair e não tinha coragem, não tinha incentivo. Então eu acho
que o significado do plano foi esse: dar uma oportunidade às pessoas que
estavam aqui de sair.” (funcionário de área administrativa)
Por fim, havia por parte de alguns funcionários a percepção de que, além de todos os
motivos já apresentados, o quadro de pessoal seria, realmente, excessivo, havendo
oportunidade para enxugamento.
“Ela ainda tinha alguns excessos.... Ela realmente não tinha, dentro do contexto
político [de estatal] ela não tinha como fazer, chegar aqui e falar: ‘Eu vou pegar
aqui 500 pessoas e vou demitir’. Isso, politicamente, seria inviável fazer.”
(gerente de área administrativa)
Conforme já relatado, o prazo para a adesão foi de apenas cinco dias. Os funcionários
foram informados do plano através de uma carta e através da rede interna de
computadores. Puderam, através de terminais, acessar as informações pertinentes ao seu
caso e, com base em sua vida profissional e em características específicas do plano,
decidir sobre a conveniência – ou não – do pedido de desligamento,
Para outros, o plano gerou incerteza, pois, à época, uma nova lei de aposentadoria
estava sendo votada no Congresso. As pessoas tinham medo de que, com a alteração da
lei, fossem obrigadas a trabalhar anos adicionais para terem direito à aposentadoria.
“Uma coisa que ficou clara para mim, que me marcou bastante, é que saíram
pessoas sem plenitude para se aposentar. Ou seja, homens com trinta anos de
serviço, de quarenta e poucos anos de idade. Quer dizer, ele não tinha nem os
requisitos para entrar no fundo de pensão, porque de uma faixa etária para baixo
você não recebe praticamente nada do fundo, e a aposentadoria com trinta anos
de serviço, a pessoa recebe setecentos e poucos reais. Quer dizer, eu acho que
pessoas abriram mão de coisas... contentando com aquele pouco ali,... e o futuro
incerto da aposentadoria.” (gerente de área administrativa)
Outros, ainda, manifestaram uma insegurança relativa ao seu futuro na empresa privada.
Cientes de que as condições e as exigências seriam maiores, sentiam-se despreparados e
tinham medo de serem demitidos no futuro. Para esses, embora o desligamento não
fosse a situação ideal, a possibilidade de ter que sair da empresa sem incentivo, apenas
com os direitos trabalhistas, teria funcionado como estímulo à adesão.
“Teve um grupo de pessoas que estava com medo, com medo da qualificação
profissional, pessoas que já estavam sentindo para onde que estava indo a
empresa privada. A competição que estava entrando, a concorrência que estava
entrando, a qualificação que estava sendo demandada, quer dizer, o perfil do
profissional novo, do profissional de uma nova empresa privada. As pessoas
viam que podiam, de uma hora para outra, não ter mais um papel importante na
empresa e vir até a ser demitido sem nenhum incentivo. Então, uma boa
quantidade também aderiu em função desse receio.” (diretor de Recursos
Humanos)
“Ele falou que ele estava percebendo que ele estava ficando obsoleto. ... Então
ele começou a perceber que por mais que ele soubesse, a meninada que está
chegando aí, está chegando muito pronta. Então aquilo tudo que ele aprendeu a
vida inteira nessa área de ciência da computação, que ele carregou com ele,
aquela bagagem enorme, não estava valendo porcaria nenhuma.” (funcionário
de área administrativa)
exigências ou menos dispostos a acompanhar o novo ritmo - que aderissem, sob pena de
poderem, posteriormente, ser demitidos.
“Eu vou te dar um exemplo: eu tinha seis pessoas que teriam que sair. Eu
como....como macaco velho, esperei até na segunda-feira que elas aderissem. Se
elas não aderissem, eu conversaria com elas dizendo que era recomendável que
elas aderissem. Como meu santo é forte, todas as seis que eu precisava fazer
com que aderissem, todas as seis entraram. ...Uma ficou para o último dia.
Depois do almoço, ela aderiu. Se ela não tivesse aderido, eu chamaria e diria
para ela: ‘Olha, eu sugiro que você faça a adesão, porque amanhã eu já não
posso garantir a sua sustentação aqui’.” (gerente de área administrativa)
“Porque o plano não foi tão voluntário assim, não. Antes do plano já havia uma
lista de demissões. A verdade é essa. Já havia uma lista de demissões onde eles
demitiriam 890 pessoas. Esta lista estava pronta.” (gerente de área
administrativa)
Os principais fatores citados pelos entrevistados para a não adesão foram: o tempo que
faltava para se aposentar pelo INSS, tempo que faltava para se aposentar pela fundação,
percentual a ser recebido pela fundação em caso de aposentadoria proporcional, situação
do mercado de trabalho, situação familiar, valor do incentivo monetário, tempo para
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Para aqueles que desejavam permanecer na empresa, um cálculo havia de ser feito.
Quanto tempo seria necessário ficar para contrabalançar o valor do incentivo monetário
a ser recebido de uma só vez, caso aderisse ao plano? Esta era a questão crucial. Se a
pessoa se sentisse segura o suficiente para assegurar seu emprego por esse tempo, então
valeria a pena correr o “risco de ficar”.
Em outro caso, aliado ao mercado de trabalho que, na época, não absorveria o pessoal
especializado da ServA, o entrevistado afirmou ter pesado a motivação para o trabalho e
a expectativa de melhoria da empresa.
“Eu não via o mercado aí fora para trabalhar...até então era monopólio, só tinha
a ServA, essa era uma razão. Outra, em termos de motivação, eu estava e estou
extremamente motivado para trabalhar. Não penso em aposentar...eu ainda
estou longe. Eu tenho vinte e dois anos de empresa, são os meus únicos vinte e
dois anos e eu tenho quarenta e quatro anos de idade. Então eu tenho muito
tempo pela frente...eu acho que trabalhar é uma referência na vida pessoal. Para
118
mim não tem essa: ‘Eu estou louco para aposentar para ficar quieto em casa’,
igual tem uns aí que saíram, não fazem nada, dormem o dia inteiro, bebem. Isso
para mim não é vida, não. ... Porque eu acredito no meu trabalho...eu tenho a
expectativa de que a empresa vai melhorar.” (gerente de área comercial)
“Aqui dentro eles estavam pagando um pouco mais do que o mercado pagava.
Então eu achei temeroso eu aderir para me capitalizar agora e depois, em pouco
tempo, eu me descapitalizar ...Não ter onde entrar, porque eu não estou perto de
aposentar, ainda falta bastante coisa. ...Eu não aderi porque eu não senti muita
motivação, entre o valor que eu ia receber em dinheiro para as perspectivas que
eu tinha no mercado e perspectivas de crescimento que poderiam ser abertas
após a saída de algumas pessoas aqui dentro. ... Eu encaro isso como uma
oportunidade. ...Eu acho que eu posso ter uma perspectiva de crescimento maior
aqui porque começam a abrir espaços... começam a sair as pessoas de cima, o
debaixo sobre, o outro sobe e a gente vai ocupando espaços. ... Eu comecei a
pensar o seguinte: eu sou separado, mas meus dois filhos moram comigo. Então
eu tenho um volume X de gastos, X por mês. Eu calculei pelo que eu ia receber,
eu conseguiria ficar ainda... se não entrasse nada, talvez uns dois anos e meio a
três anos aí sem precisar me preocupar.... Em dois anos e meio ou três anos, eu
achei complicado. Porque qualquer coisa que eu iniciasse. ... eu achei que eu
não conseguiria fazer a coisa decolar...Então foi isso. Uma coisa foi movida
pela cautela, outra foi movida pela vontade de ver mais o que vai acontecer.
Mais ou menos isso.” (gerente de área administrativa)
A maior parte dos depoimentos coletados apontou, portanto, para múltiplas razões para
a não adesão ao plano. A decisão, via de regra, parece ter decorrido de uma reflexão em
que vários aspectos foram considerados para se chegar ao resultado final.
No caso da ServA, três argumentos apareceram com mais ênfase: o tempo para se ter
direito à complementação do fundo de pensão, as perspectivas do mercado de trabalho e
a situação relativa ao trabalho atual dentro da empresa.
ano. Assim, segundo os depoimentos, alguém que optasse por se aposentar com 52 anos
receberia apenas 60% da complementação a que teria direito.
“Faltam oito anos para eu me aposentar na proporcional. Então, sair por sair, só
para pegar aquele dinheiro e depois...não valeria a pena.” (supervisor de área
operacional)
“Eu vou fazer 52 anos, eu tinha 51 anos, e a minha aposentadoria pelo fundo de
pensão, mais a do INSS, ficaria bem reduzida. Eu perco de remuneração quase
50% daquilo que eu ganho hoje, por causa da idade.” (gerente de área
administrativa)
É claro que este argumento se vinculou a outros para a decisão final. Por exemplo, a
perspectiva da dificuldade de se prosseguir com a vida profissional fora da empresa foi
vista com muito pessimismo pelos entrevistados. As possibilidades de conseguir um
novo emprego, abrir um novo negócio ou mesmo exercer uma atividade de consultoria
não ofereciam um incentivo à adesão.
Para aqueles que tinham se especializado nas atividades típicas do setor, o mercado
ainda não estava atrativo o suficiente; para os que exerciam atividades administrativas, a
percepção era de que o mercado já estava saturado. A mesma consideração – excesso de
oferta – foi feita por aqueles que pensaram em prestar serviços de consultoria. Os que
consideravam a possibilidade de ter um negócio próprio reconheciam que não estavam
preparados para tal ou que o valor do incentivo não fora suficiente para iniciar um
empreendimento próprio.
Por outro lado, os entrevistados referiram-se com muita ênfase e freqüência à satisfação
que tinham com a atividade que exerciam. Veriam sua tarefa dentro da empresa como
não estava terminada e teriam, ainda, muito a contribuir.
“Só que não era a hora. Só por causa disso. Porque eu acho que eu ainda tenho
muita coisa para fazer aqui. Eu tenho uns projetos, inclusive eu tive um projeto
que foi premiado...” (gerente de área operacional)
“Eu achei assim: primeiro eu estava bem , estou bem. Na época que me sentia
realizada com o meu trabalho e também me sentia útil, me sinto útil e com
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“Eu não via o mercado aí fora para trabalhar. Até então era monopólio, só tinha
a ServA mesmo, essa era a razão. Outro: em termos de motivação, eu estava e
estou extremamente motivado para trabalhar. Não penso em aposentar. Muitos
dos que saíram na época foi para poder se aposentar, eu ainda estou longe.”
(gerente de área comercial)
Para outros, ainda, havia a questão dos laços afetivos criados com a ServA e com os
colegas de trabalho que teriam, na percepção de um entrevistado, cegado a lógica de
pessoas que deveriam ter aderido e não o fizeram.
“Existe um certo, apego não é uma palavra boa, mas existe uma certa ligação,
amor ou vínculo. Qualquer desses nomes, que eu acho que tende a cegar um
pouco a lógica. Então, pessoas que podiam tomar a decisão mais acertada de
sair não o fazem. Não o fazem porque a vida aqui dentro, a vida da pessoa se
resume a vir para o serviço, ficar o dia inteiro, almoçar no restaurante da
empresa com os colegas, muitos até bastante amigos, voltar para casa e, no dia
seguinte, vem de novo.” (diretor de Recursos Humanos)
Por fim, outro fator apontado por um entrevistado foi o valor do incentivo financeiro,
considerado insuficiente para a adesão e justificando o “risco” de ficar na empresa.
De uma forma geral, os entrevistados relataram um clima bastante conturbado nos dias
para a adesão ao plano. Uma das razões teria sido a incerteza acerca do futuro gerado
pelas mudanças.
“Aí a empresa quase parou. Houve uma ansiedade total. Houve uma turbulência
muito grande, porque já tinha na empresa sintomas de que ela faria demissões.”
(gerente de área administrativa)
Para aqueles que ainda não tinham tempo de aposentadoria a questão tornou-se ainda
mais difícil, uma vez que tiveram de optar entre sair e receber um incentivo
imediatamente ou ficar e estar arriscado a ser mandado embora posteriormente. Outros,
curiosamente, apostaram na possibilidade de que um plano melhor viesse a se lançado,
o que justificaria a não adesão do momento.
“Outros falaram: ‘Não , espera que vai ter um melhor’. E teve gente que não
entrou nesse último, esperando, achando que ai ter outro melhor ainda. Só que
eu acho isso não aconteceu e nem vai acontecer... Aí o clima era esse ‘Será que
fulano entrou? Beltrano entrou? Você não vai entrar?’.” ( funcionário de área
administrativa)
“Um sujeito chegou aqui, o plano tinha acabado na véspera. No dia seguinte, de
manhã, chegou um funcionário... chorava de molhar a mesa.
- ‘O que é que houve?’
- ’Minha mulher vai se separar de mim’.
- ‘Porque ela vai separar de você?’
- ‘Porque eu aderi ao plano’
- ‘Mas você não conversou com ela?
- Conversei, Estou conversando com ela desde o dia em que saiu a
documentação do plano.
- E ela? , perguntei.
- Ela sempre foi contra. Falou que eu não devia sair, mas eu acho que eu
tenho que sair, eu tenho oportunidade fora, eu ganho pouco.
E aquele receio que existia da parte de muitos, quando privatizasse o que ia
acontecer? Já estava privatizado...
- E aí?
- Aí eu fiz o seguinte: entrei no plano, aderi ao plano. Assinei ontem.
E chorando, chorando.
- Mas e então? eu disse.
- Ela me botou para dormir na sala. De ontem para hoje eu passei a noite na
sala. Ela falou que eu posso pegar minhas coisas e ir embora, que eu larguei
122
a melhor empresa que eu podia trabalhar. Então estou aqui para pedir pelo
amor de Deus para cancelar a minha inscrição, que a mulher vai se separar
de mim.
- Você acha que isso aí é a solução? Eu falei.
- Eu sei que não é, ele falou... Eu sei que não é. Sei que a solução aí era eu
sair de casa mesmo, largar ela para lá e resolver minha vida. Só que tem que
ela falou tanto e falou tanto, que eu estou realmente convencido, ela me
convenceu que eu não posso sair no plano, que eu tenho que ficar, que eu
tenho que continuar trabalhando aqui, que eu vou sair dessa empresa e vou
para uma outra começar a vida de novo.
Aí que ele chorava outra vez. ‘Eu amo a minha mulher’ e por aí afora”.
Verifica-se, portanto, que foram dias de muita apreensão dentro da companhia. Decisões
que, para boa parte dos funcionários, significavam alterar o rumo de sua vida
profissional, tiveram que ser tomadas neste curto espaço de tempo.
Embora a empresa tivesse apresentado o plano em primeira mão para os gerentes, não
houve uma preparação formal dos mesmos no sentido de um comportamento gerencial
uniforme a ser adotado. Cada gerente exerceu o papel que achava ser mais adequado.
“Meu papel mais importante foi de informar as pessoas sobre o todo o processo.
Nós fizemos várias reuniões, informando as pessoas com muita lealdade, com
muita honestidade. Eu usei bem este papel com muita tranqüilidade, com muita
honestidade e lealdade aos meus colaboradores, informando a eles não só
aquelas informações referentes ao plano, como também ao cenário do futuro.”
(gerente de área administrativa)
“Eu recomendei que não saísse, se fosse por problema financeiro. Porque ele ia
pegar o dinheiro, pagar a dívida, ia ficar sem a dívida mas sem emprego
também. Eu falei: ‘É preferível você ter emprego e ter dívida. Porque com
emprego você consegue administrar isso, vai rolando essa dívida’. . .. Acho que
fui menos gerente e mais ser humano”. (gerente de área comercial)
O diretor de Recursos Humanos, por sua vez, considerava a decisão algo de cunho
pessoal a ser tomada, portanto, junto a familiares, esposa e filhos. Este diretor, no
entanto, relatou um caso – o único, segundo seu depoimento – em que, contrariando
suas convicções, aconselhara uma funcionária, com longos anos de empresa, a entrar no
plano ora oferecido.
“ ‘O dia em que você quiser me mandar embora’, isso ela dizendo para mim,
‘estou sendo sincera, não vou aderir. O dia que você quiser me mandar embora
não precisa se preocupar que eu não aderi há X meses ou anos atrás. Pode me
mandar embora que eu não vou brigar com você’. Eu falei: ‘Tá bom’. E não
mandei mesmo não, ela foi continuando... Ela fazia o trabalhinho dela lá, não
era nenhuma coisa maravilhosa não, mas ela fazia o trabalhinho que era
requerido ela fazer. Aí quando chegou nesse plano agora, ela me procurou.
...virou e falou assim: ‘Você acha que eu devo sair? Eu falei para ela: ‘Eu acho
o seguinte...o plano melhorou muito... melhorou muito. E o seu espaço diminuiu
muito, diminuiu muito. Eu vou ser franco, se você não sair nesse plano’ – foi a
única pessoa que eu falei desse jeito – ‘se você não sair nesse plano você vai ser
demitida’. Aí ela falou: ‘Eu gosto tanto daqui’ ... Aí ela pegou e saiu. Saiu e
depois veio aqui. Estava numa alegria, pegou o dinheiro dela, comprou um
carro, aprendeu a dirigir, saiu feliz da vida”.
Outros ainda, entendiam ser sua postura de fundamental importância para manter a
serenidade do grupo.
“Eu coloquei isso na minha cabeça, que eu, eu preciso ser um ponto de
referência para o grupo. Se o gerente está estressado, imagina os outros. Não
ficar todos [estressados]? Ele não vai estressar todo mundo?” (gerente de área
administrativa)
Por fim, um dos gerentes sugeriu ter sido um processo rico por ter lhe dado a
oportunidade de ouvir dúvidas e reflexões de tantos funcionários:
“Você vivencia o drama das pessoas, dúvidas que as pessoas têm. Elas te
procuram, conversam. O que você acha, o que você não acha? Quando você sai,
acho que isso acaba te enriquecendo muito.” (gerente de área administrativa)
forma geral, na percepção dos gerentes, abrir um espaço de reflexão, dar apoio e
compreensão aos funcionários seria mais importante e mais próprio do que auxiliar na
decisão final propriamente dita.
A adesão também deveria ser feita pelo terminal, o que permitiu à gerência acompanhar
em tempo real a evolução dos pedidos na empresa por área.
A área de Recursos Humanos, em função dos pedidos de informação por parte dos
interessados, realizou algumas reuniões para explicar o plano em mais detalhe e,
também, para permitir que dúvidas fossem tiradas. Alguns departamentos fizeram
reuniões com seus funcionários e alguns gerentes tomaram a iniciativa de reunir seus
subordinados para conversas mais francas.
“Teve uma reunião assim, ao nível de departamento que eu achei que essa foi
boa, foi interessante. Deixou o departamento aberto para quem quisesse fazer
alguma coisa, algum questionamento sobre a situação da empresa, como é que
seria enfim, e sobre a situação do plano. Essa reunião foi boa. Mas ao nível
setorial, assim, de sessão mesmo foram poucas.” (funcionário de área
administrativa)
“Eu percebi que o pessoal, os colegas entre si trocavam idéias o tempo todo
sobre isso. Inclusive nós tentamos, nosso grupo tentou convencer um colega a
não entrar no plano. ... Nós ficamos em volta dele, tentando fazer ele não entrar
até no último momento. Então houve uma liberdade entre a equipe trocar idéias
assim. Não havia interferência da gerência não. Não houve interferência.”
(funcionário de área administrativa)
“Eu senti que foi pessoal, senti que as pessoas procuravam os outros. O pessoal
trocou muita idéia entre si. As pessoas, acho que isso ficou aberto...o pessoal
procurou as pessoas de mais confiança, pessoas com mais experiência...Colegas,
um ou outro aconselharam: ‘Se eu fosse você eu sairia’. Isso foi muito
conversado...Mas foi uma coisa com a empresa à parte. Nem gerente não.
Gerente também caiu na mesma situação, que ele também poderia aderir. Então,
muitas vezes, gerente trocou idéia conosco.” (funcionário de área operacional)
Em verdade, algumas pessoas relataram que a empresa já tinha, com base nessa
avaliação, uma lista de demissão com cerca de 800 pessoas. Entretanto, a orientação da
holding para a implantação do plano de adesão voluntária teria tornado esta lista
desnecessária.
Uma das críticas mais comuns ao plano referiu-se ao caráter de adesão voluntária, o que
impossibilitou à empresa controlar os desligamentos. Na perspectiva da maioria dos
72
Segundo um dos entrevistados, letras foram atribuídas ao desempenho de cada funcionário. Assim, a
letra A indicaria o funcionário estratégico para a empresa. A letra B indicaria o bom empregado, a letra C
aquele que ainda não estaria bom, mas teria potencial para melhorar. A letra D seria subdividida em dois
tipos: D+ e D-. Aqueles com D+ teriam que ser dispensados e suas posições seriam repostas, os com D-
seriam dispensados sem reposição das vagas. A letra R estaria reservada àqueles passíveis de serem
remanejados.
126
“Quem quisesse entrar [no plano], saía, não segurou ninguém. Então, por isso é
que eu acho a dispensa burra. Porque quem precisava que ficasse, saiu, e quem
tinha que sair, está aqui até hoje.” (gerente de área comercial)
“Tem um paradoxo nisso aí. Tem pessoas aqui hoje que saíram incentivadas e
que hoje estão trabalhando na empresa ... estão aqui prestando serviço ... A
gente, às vezes, questionava: ‘Mas se esse cara é assim, porque você está
incentivando ele a sair?” (gerente de área administrativa)
“Justamente, por não ter esse tempo para a pessoa avaliar... as pessoas estão
decidindo a vida delas, não estão decidindo se vão comprar uma calça ou não. E
a pessoa ter cinco dias para decidir isso... então algumas pessoas ficaram doidas
mesmo. Foi uma loucura, ninguém trabalhou esses dias.” (gerente de área
comercial)
“Eu achei pouquíssimo. Como é que você vai planejar uma vida que você teve
como funcionário...A ServA só deu cinco dias para a pessoa decidir.”
(funcionário de área administrativa)
“Tem gente que nem muitas férias gostava de tirar.... Esse é um lado da
dependência, que a pessoa se liga na empresa e acha que só existe aquela
empresa ali. Então para ela decidir sair da empresa, largar aquilo, é quase igual
a decidir se separar do marido, ou separar do filho, ou qualquer coisa que o
valha.” (diretor de Recursos Humanos)
“Então teve área ... área que teve festa. Festa de despedida, café da manhã de
despedida, jantar não sei onde. Então teve de tudo. Então foi um momento que
muitas empresas... pode vir a ser traumático, pode ser complicado. Mas aqui,
128
especificamente na ServA, não foi não. Foi uma tranqüilidade.” (gerente de área
administrativa)
A diminuição do contingente de pessoas para uma carga de trabalho que aumentou foi o
relato mais freqüente. A demanda de trabalho teria crescido, de acordo com os
depoimentos colhidos, basicamente, em função da expansão das atividades da empresa e
da redução de pessoal. Para as áreas que coletavam e processavam informações
corporativas, uma parte de demanda teria se originado em pedidos da matriz.
“O nível de controle que a gente tem que exercer sobre o processo, sobre as
informações, é infinitamente maior .... o volume de serviço, principalmente para
atender à Matriz, é uma loucura. Primeiro e mesmo antes da privatização, nós
estávamos preparando para a privatização. Isso demandou um volume de
trabalho enorme.... Um ano antes da privatização já começamos trabalhando
nesse ritmo e, nesse ritmo, está até hoje. É um volume de trabalho
extremamente grande.” (gerente de área administrativa)
“Mas o que mudou mais para a gente foi, assim, o serviço, porque hoje as
pessoas aposentaram e eles não colocaram pessoas. Colocaram o contratado, ou
seja, quando o contratado.. eles terminam o contrato e eles não reformam. Você
fica desesperado, porque você está fazendo o serviço de duas pessoas, o seu e
mais um. .. Tem dias que eu saio dez horas, tem dias que eu saio nove.”
(funcionário de área administrativa)
“Eu tinha doze pessoas, essas doze saindo, teve que ser suprido por
empreiteiras... a qualificação da mão-de-obra da empreiteira ela não [é] a
melhor possível. ... E isso foi difícil para a gente, para mim principalmente,
porque treinar esse pessoal, orientar, conversar, cliente reclamando.....Então o
modo continua, mas a carga e a quantidade de serviço aumentou. Porque você
hoje, não tem mais uma equipe. Minha equipe, eu treinei, eu montei. Então você
sabia quem era o melhor, de quem você precisaria. Você canalizava a coisa
mais rápido. Hoje você tem que tentar escolher; às vezes é você que vai fazer,
então você deixa de passar para a pessoa, porque tem que executar esse
serviço.” (supervisor de área operacional)
“A nível de trabalho não mudou muito não, porque eu sempre trabalhei demais
da conta. Mas aumentou um pouquinho mais a carga de trabalho. Com certeza,
aumentou. Por quê? Porque saíram pessoas e não foram repostas estas
vagas...você tira pessoas que trabalhavam lá há vinte anos e põe pessoas
começando do zero, não precisa dizer que vai aumentar o trabalho do
supervisor.” (gerente de área operacional)
“São vários aspectos que têm que ser analisados nessa questão aí. Nas áreas de
suporte, tipo a nossa, na área assim de retaguarda, nós tivemos um momento,
principalmente nas áreas que trabalhavam mais com planejamento estratégico
na antiga estatal, nós tivemos uma diminuição na carga de trabalho. Por quê?
Todas as políticas, diretrizes, metas que a gente emanava daqui, não são mais
daqui. Foram deslocadas para a matriz. Então eu aproveitei essa oportunidade
que mudou e fizemos, também, uma redução nesse quadro de pessoas que
trabalhavam nisso aí.” (gerente de área administrativa)
Outro entrevistado relatou que o horário prolongado o impedia de fazer qualquer tipo de
atividade física. Embora não apresentasse nenhum sintoma físico, sabia que estaria
“cavando um buraco” no futuro. Outro, ainda, mostrou-se preocupado com o excesso
de carros no estacionamento à noite, por indicar pais fora do convívio familiar. Outro,
por fim, indicou que a família – mulher e filhos - cobravam sua presença, pois não
conseguia mais chegar no horário antigo.
“Cansa. Cansa. Você dorme, você descansa, mas não tem outras atividades.
Quer dizer, uma atividade de lazer, noturna . Uma aula, por exemplo, você não
tem. Um curso a mais, uma coisa diferente para você freqüentar. É impossível
uma caminhada depois do expediente, não existe. Antes do expediente muito
menos. ... eu hoje não tenho atividade física nenhuma. ...Eu já saí daqui duas
horas da manhã, três horas da manhã. Então está puxado para caramba. A gente
vai ficando um pouco cansado... eu sei que eu estou agindo errado do ponto de
vista de saúde. Hoje, se você me perguntar, eu não sinto nada, tenho uma
disposição para o trabalho enorme, mas estou cavando o buraco lá na frente.”
(gerente de área administrativa)
“Outro dia uma colega minha teve que ficar aqui até meia noite, ela saiu daqui
às dez para meia noite por causa de um trabalho que ela tinha que fazer.... Ela
falou: ‘Você tinha que ver a quantidade de carro que tinha lá no
estacionamento’. ... Isso são pais de família que não estão em casa com as
famílias e a gente sabe que aqui ...a gente tem uma grande quantidade de pais de
adolescentes, pela faixa etária que a gente percebe... Esses carros que estão aqui
embaixo, os proprietários estão deixando de cumprir outro papel lá fora, que é
estar acompanhando os filhos, estar junto com a mulher, com a família deles.”
(funcionário de área administrativa)
132
“Eu entro aqui às oito da manhã e fico até às oito horas, sete horas da noite.
Então você fica quase que doze horas aqui dentro da empresa. Eu sou uma
pessoa casada, tenho filhos.... Então, de certa forma, houve uma mudança na
minha vida. Na minha vida particular houve uma mudança. Então, há hoje uma
certa cobrança da esposa e dos filhos, todos em idade pequena, de que, no
momento em que chegava todos os dias, horário determinado... de repente
houve uma mudança significativa.” (gerente de área administrativa)
“As equipes de manutenção tiveram que se organizar de tal forma para poder
atender àquelas localidades [em que houve grande número de adesões] também.
Agora, em outras áreas, houve realmente prejuízo mesmo, houve queda mesmo
na qualidade do trabalho em função disso.... porque você enxuga de maneira
generalizada e esse corte não é homogêneo, porque um programa desse não é
homogêneo...Teve área que saiu dez porcento e teve área que saiu cinqüenta
porcento.” (gerente de área administrativa)
“Nós tivemos que fazer uma reestruturação interna, porque nós tivemos
algumas perdas bem pontuais. Algumas área nós tivemos que remanejar. Eu tive
que me reunir com todos os gerentes e falar: ‘Esquece a área que você atua.
Vamos enxergar tudo aqui’. Para redistribuir essa mão de obra...Aí tem
problemas: fulano tem que sair lá do bairro X e vir para o bairro Y. ‘Não posso,
porque meu filho estuda lá, já estou lá..’ Aquela confusão toda. Aí você tem que
administrar isso tudo.” (gerente de área comercial)
você imagina ‘Teve um transtorno incrível na empresa’. Não teve nada disso...
um processo de ajustamento rápido. ... lógico que aliado a isso nós não podemos
esquecer que a tecnologia, a informatização da empresa, contribuiu, sem dúvida,
para esse ajustamento. Não só a tecnologia com relação a processos
administrativos... [outros processos] que foram automatizados contribuíram
para que ... fosse ajustado rapidamente.” (gerente de área administrativa)
“No primeiro momento ... a minha área tinha 37 pessoas, passou a ter trinta.
Você podia dizer: ‘Tinha sete ociosos’. Que eram ociosos ou tem alguma coisa
acontecendo aí. Nos primeiros meses, talvez 60 dias, eu achei que nós tínhamos
feito uma grande vantagem, porque essas pessoas não me fizeram tanta falta.
Agora, hoje, passado aí mais meses, nós estamos trabalhando no limite. A área
está sentindo necessidade de recursos e a tendência é de não ter mais recurso.
....A gente tem consciência com os empregados que tem que trabalhar dentro
desse limite. Não há perspectiva de você crescer quadro, você tem que ajustar.”
(gerente de área administrativa)
Em algumas áreas, a mão de obra foi substituída por empreiteiras que, embora não
tivessem o padrão de qualidade da mão de obra interna, estavam sendo treinadas e
ajustadas para atender às necessidades de atividades que deixaram de ser executadas
pela ServA. Em outros casos, houve a necessidade de recontratação de pessoas,
estratégia essa que estava sendo praticada, segundo um dos gerentes, de forma
“parcimoniosa”.
“Realmente, a gente sente agora que está começando a gerenciar como sempre
deveria ter sido. Porque nunca havia sido feito, porque a gente nunca era
cobrado. Então, basicamente o que mudou, é que você é cobrado hoje.
Antigamente, você não era cobrado. A maioria dos diagnósticos que as
134
consultorias fazem conosco aqui é esse. ‘Vocês são muito bons no operacional,
mas vocês falham no controle’.” (gerente de área administrativa)
“Antes o que é que acontecia? Isso aqui tem que mandar para Brasília. Mas aí
tinha um diretor mais esquentadinho e falava: ‘Não, nós vamos fazer...’. Hoje,
isso não acontece. ‘Isso nós temos que mandar para a holding’. Qualquer coisa,
passou de quarenta mil reais, a holding é que tem que decidir. Então, essas
coisas atrapalham. Emperrou um pouquinho o processo decisório.” (funcionário
de área administrativa)
Observou-se, por sua vez, uma preocupação dos empregados com a eficiência e a
sobrevivência da empresa. A ServA procurava, segundo um entrevistado, não apenas
aumentar a sua base de negócios, como também, impedir que a concorrência avançasse
em sua fatia de mercado.
“Ela vai trabalhar com uma competição acirrada. Cada vez mais visando,
querendo o cliente, ter o cliente com todas as suas forças. Porque se ela não
fizer isso a concorrente vai pegar. As concorrentes estão cada vez mais fortes...
Então cada vez mais o corpo de funcionários da empresa, ele tem que estar
preparado para competição, como se fosse diária.” ( funcionário de área
operacional)
135
“Ela está no mercado aí, de competição. Que vença a melhor. ...Nós agora
temos que competir. Se a gente não der o máximo da gente, a empresa vai
quebrar. Ao invés de demitir, vai ter que mandar todo mundo embora. Então,
com isso, as pessoas que ficaram, elas têm que se dedicar para dar conta....Faz
bem para a gente competir. Eu tenho que correr atrás daquilo, eu tenho que
segurar, eu tenho que defender aquilo com toda a garra... Eu tenho que vender a
imagem da minha empresa. Então, tanto que nós ficamos esses dois últimos
meses realmente vendendo a imagem da empresa. Eu me senti, assim,
orgulhosa... .. mas eu faço isso com amor, porque hoje ela que me mantém.”
(funcionário de área operacional)
Para outro entrevistado, a ServA teria que fazer ajustes pois, sendo uma empresa com
mais tempo de operação, tinha, naturalmente, formado um quadro de pessoal maior do
que as concorrentes - empresas novas - que estavam se estruturando a partir do zero.
“Eu acho que custo se reduz numa série, com uma série de atitudes: você se
organiza melhor, você se planeja melhor, você faz uma otimização em termos
de informática. Porque a empresa já evoluiu nisso, mas o custo hoje vai ser
fundamental para a empresa suportar essa concorrência. As empresas que estão
entrando no mercado hoje são muito mais enxutas. Já se estruturaram mais
enxutas. E essa empresa que existe aqui, a ServA, ela foi montada ao longo de
tantos anos e acaba criando um corpo maior.” (gerente de área administrativa)
Sem dúvida, a grande mudança que se processa, durante e após um plano de redução de
pessoal, refere-se à alteração das bases sobre as quais o contrato de trabalho repousa. Na
ServA não foi diferente, e os funcionários, de uma forma geral, passaram a compreender
que o contrato em vigor à época de estatal não teria mais validade.
“[ o acordo que eu tinha com a empresa] era do tipo escrito, formal, abençoado
pelo padre, do tipo até que a morte os separe. E esse era o casamento do
empregado com a empresa e da empresa com o empregado. Aí o casamento se
desfez. Aquele sentimento de perda. Sentimento de que você perdeu alguma
coisa mesmo. E perdeu mesmo.” ( funcionário de área administrativa)
“Eu entrei para a empresa, nunca pensei no dia em que ia sair da empresa. Eu
sempre pensei que ia me aposentar aqui e essa continua sendo a minha
expectativa.” (funcionário de área administrativa)
Na nova situação, o sentimento mais geral era de que tinham um emprego vulnerável e
não havia, da parte da empresa, a mesma garantia de permanência. Se antes a
estabilidade estava razoavelmente assegurada na maioria das situações, independente do
nível de desempenho do empregado, agora a percepção era de que o requisito para se
permanecer estaria na competência, na performance e no desenvolvimento profissional.
“Acho que todo mundo que trabalha hoje em iniciativa privada, acho que
ninguém tem seu emprego garantido..... Desde que façam o seu trabalho com
competência, desde que estejam acompanhando a evolução do mundo em todos
os sentidos, eu acho que as pessoas têm todas as condições de continuar
trabalhando aqui dentro. É lógico que eu acho que ninguém tem emprego
garantido.” (gerente de área administrativa)
“Você tem que pagar um salário melhor, você tem que oferecer algum benefício
para reter....Na hora ‘H’ eles sempre estão querendo que você seja um pouco
mais leal, defenda mais a empresa. Isso eu acho que não acaba não. ... Em
alguns segmentos se tem excesso de profissionais, mas em alguns segmentos
você tem profissionais que só existem aqui dentro, você não tem no mercado.”
(gerente de área administrativa)
“A empresa precisa da gente também. Ela não é boba de investir tanto numa
pessoa durante tantos anos, depois que essa pessoa está pronta... ela vai querer
dispensar? ... A necessidade é de mão dupla.” (supervisor de área operacional)
temor da idade, uma vez que pessoas mais velhas poderiam não ter a mesmo disposição
para trabalhar.
“Hoje, mesmo que a pessoa cumpra bem as suas funções, ela tem essa sensação
de que a qualquer momento, ela pode ser demitida. Porquê? A gente acha que os
salários influenciam nisso. Pessoas que ganham muito tendem a ser substituídas
por pessoas que ganham menos. Então, o mercado é um mercado farto de
profissionais jovens que estão desesperados, querendo trabalhar.” (funcionário
de área administrativa)
Se o emprego não estava assegurado, quais seriam as formas para lidar com isso? Esta
era uma questão que se apresentava, se não de forma direta ao menos de forma indireta,
no discurso dos entrevistados.
“As pessoas que estão, vamos dizer, num nível acadêmico inferior, elas não
estão pensando muito... estão pensando para ver o que dá ainda. Mas quem tem,
assim, nível acadêmico .. acho que a gente tem consciência de que não tem mais
isso aí. Mas muitas pessoas mais velhas, com mais de quinze de empresa, ainda
não sentiram isso não. Eu acho que vai ser um choque. Quando acontecer vai
ser um choque muito grande... o cara não pode ser especialista só de Fundo de
Garantia...ele tem que saber um pouco mais de outras coisa também.”
(funcionário de área administrativa)
Dentro deste espírito, um dos gerentes relatou ter orientado seus funcionários no sentido
de tomarem ações que aumentassem a chance de permanecer na empresa.
139
“Então, eu estou vendendo essa idéia, [que é] o seguinte: você tem mais chance
de permanecer na organização, quanto mais você for competente, continuar
estudando, continuar se autodesenvolvendo, continuar se comprometendo com o
seu trabalho, fazendo o seu melhor.” (gerente de área administrativa)
“As pessoas que são comprometidas, que são competentes, estão trabalhando
numa visão da empresa, com o compromisso com a empresa, elas estão vendo
que esse temor da perda do emprego, ele na realidade ele não existe. Se você
está trabalhando direito, se você tem condições de contribuir, se o seu trabalho
agrega valor na empresa, você não tem que temer perda de emprego.” (gerente
de área administrativa)
Há que se registrar, ainda, a percepção do paradoxo que a mudança trouxe. Se, por um
lado, a segurança seria algo cômodo, uma necessidade quase que natural do ser humano,
teria propiciado, por outro lado, uma certa estagnação profissional. A mudança, apesar
de mais estressante, “movimentaria e excitaria”.
Uma nova abordagem para a situação surgiu, também, quando um dos funcionários,
apesar da insegurança percebida, indicou que o importante seria “estar bem consigo
140
mesmo... produtivo, sentindo que está dando a sua contribuição”, pois esta atitude
propiciaria segurança.
4.5 Futuro
As opções que cada um dos entrevistados percebia para si mesmo no futuro variaram
dentro de uma faixa muito ampla que ia desde a intenção de sair da empresa, na
primeira oportunidade, até a espera pela aposentadoria.
“O meu futuro, o meu futuro já está definido... Vou ficar administrando o meu
salário ali, enquanto eles trabalham. Mas minha meta é essa, que eles passem na
Universidade Federal...” (funcionário de área operacional)
“Eu acho que o meu futuro vai depender do que a empresa vê de mim, quer de
mim. ... Se ela não investir em mim eu não vou ter futuro nenhum, não adianta,
eu não acompanho.” (funcionário de área administrativa)
para o sucesso da empresa até uma avaliação de oportunidades em outras áreas dentro
da empresa.
“Então vou ser o mais competente possível. Dar o melhor resultado possível.
Estou apostando nisso, porque eu acredito que só através disso as oportunidades
vão surgir.” (gerente de área administrativa)
“Eu penso em investir, fazer a minha parte, investir no meu crescimento. Espero
ter oportunidade de dar uma contribuição maior dentro dessa organização.”
(funcionário de área administrativa)
“Eu tenho muita esperança nesse negócio. Dessa empresa ser uma grande
empresa...Eu gostaria de estar nessa empresa e ter sucesso junto com ela.”
(gerente de área administrativa)
Ressalte-se, por fim, a quase ausência de preocupação das pessoas com eventuais
futuros planos de redução de pessoal. Não foi possível perceber - talvez por conta dessa
crença na permanência dentro da empresa - a busca de outras alternativas de ocupação e
sobrevivência. Não existiu, tampouco, uma preocupação de se preparar para a
aposentadoria. Considerando-se a idade mínima para o direito à complementação pelo
fundo de pensão – 57 anos – pode-se imaginar que grande parte das pessoas estaria se
aposentando ainda com capacidade de trabalho.
142
A ServB é uma empresa prestadora de serviços com âmbito de atuação na Região Sul
do país. Seguindo o programa brasileiro de privatização, foi adquirida, em 1997, por
um consórcio de sócios majoritariamente nacionais, sendo hoje, na Região Sul, líder de
mercado em seu segmento de atuação.
No início de 1997, finalmente, a nova direção assumiu, realizando logo no primeiro dia,
um grande volume de demissões, com cerca de 2.500 pessoas dispensadas.
Assim, a empresa fechou parcerias com o Sebrae, Senac e Senai para o oferecimento de
cursos. Como a massa de empregados desligados estava dispersa em três diferentes
Estados, optou-se pelo envio de carta com lista dos cursos a serem realizados e,
também, com os formulários para a inscrição. Os cursos seriam realizados nas cidades,
segundo a disponibilidade dos vários parceiros e as despesas decorrentes de
deslocamento e hospedagem seriam pagas pela ServB.
143
A estatal tinha escritório em dois Estados, o que gerava duplicidade de funções, como,
por exemplo, as de recursos humanos, contabilidade e orçamento. Planejava-se, assim, a
fusão das duas unidades e a concentração das atividades em apenas um dos locais,
ficando o outro apenas com a parte operacional da região e um pequeno departamento
de apoio. Todas essas medidas, na opinião da nova direção, justificavam a eliminação
de um grande número de postos de trabalho.
Para que esse contingente de pessoas a ser desligado pudesse ser selecionado, coube à
nova administração preparar os gerentes, através de palestras, para a tarefa. Como a
empresa em sua época de estatal, realizava demissões, faltava-lhes, segundo o diretor de
Recursos Humanos, o “preparo” para realizar tal tarefa:
“... nós fizemos palestras em toda a empresa, preparando essas pessoas (os
líderes) para o processo de demissão. Que muitos desses nunca demitiram uma
só pessoa. Porque uma característica da empresa pública era que tinha a
estabilidade. Eles não estavam preparados para demitir. Então nós tivemos que
fazer um trabalho de preparação: que a demissão era uma coisa necessária e ela
viabilizava a empresa. Sem as demissões, a empresa era inviável. ...Então nós
preparamos os líderes para o processo de demissão”.
73
Este dado refere-se aos desligamentos realizados nos primeiros 12 meses de empresa privatizada. No
PDI, foram desligadas cerca de 2.000 pessoas. As demais foram desligadas em meses posteriores.
144
Do período de março de 1997 até maio de 1999 – mês da realização desta pesquisa – a
empresa passou de 6.300 para 2300 funcionários, fazendo, portanto, uma redução de,
aproximadamente, 63% em seu quadro de pessoal.
5.2.1 Demissões
Não havia cultura de demissão na estatal. Aquelas chefias que tentassem desligar um
funcionário enfrentavam não apenas um trâmite burocrático pesado, mas também forças
políticas internas e externas. As forças internas estavam representadas pela própria
inércia da organização e pela atuação de assistentes sociais que procuravam sempre
encontrar uma solução para manter o funcionário. Externamente, a força política do
sindicato impedia, também, que se realizassem demissões. Nas palavras de um chefe de
área operacional, o processo transformava-se um uma “via crucis” a ser seguida:
“Para mandar uma pessoa embora na estatal, dava serviço, porque você tinha
que provar, você tinha que conhecer seu chefe... Depois você tinha o RH, depois
tinha o serviço social, que queria tentar tudo antes e, depois, tinha o problema
jurídico e, depois ainda, com tudo isso envolvido, às vezes politicamente não
era interessante porque você ia pegar uma guerra com o sindicato.... então para
você conseguir mandar uma pessoa embora que estava causando problemas
aqui, era uma via crucis.” (gerente de área operacional)
“Na época de estatal, você pegava o cara no flagrante e fazia um termo, ... de
alcoolismo e essas coisas. Mas aí, você tinha que comunicar o sindicato,
assistência social, a chefia e tudo o mais. No dia seguinte estava o sindicato,
assistente social, todo mundo atrás desse cara. Pegavam essa cara, levavam para
a capital, tratavam dele dois, três meses lá, tudo por conta do governo. O cara
vinha de lá com viço, bonito, vistoso. Então eu digo, e agora? Agora ele vai,
agora ele está. Dava um mês, dois, de novo. O cara caía de bêbado, de farra, de
jogatina e isso tudo, mas existia a assistente social que tentava recuperar a
pessoa.” (supervisor de área operacional)
145
“Só poderia demitir se fosse por justa causa, então você tinha que fazer uma
série de procedimentos até que essa pessoa fosse demitida por justa causa. Mas
isso você sabe que o tempo vai passando, você às vezes consegue provar,
acontece até alguma falha no meio do processo, a pessoa já muda de área,
depois começa tudo de novo. Então era muito difícil. Eu peguei alguns casos
bem difíceis que as pessoas tinham muitos problemas e elas diziam mesmo para
nós que elas não iam ser demitidas, que elas sabiam que ia ser difícil ser
demitida e você acabava tendo que conviver com elas.” (gerente de área
operacional)
5.2.2 Comprometimento
”É que, no tempo de estatal, nós aqui nos pátios, sempre foi isso que é hoje.
Uma alta produção... ,mesmo na época de empresa estatal. Isso aqui sempre foi
um pátio modelo, sempre foi alta produção“ (supervisor de área operacional).
146
“Muitas vezes tinha o serviço mas faltavam peças, ou, então, para você fazer um
serviço mal feito justamente por não ter peças. Então, profissionalmente, a gente
se sente um pouco ruim com essa situação. Porque você sabe que cada um tem
um determinado potencial, cada um quer dar o melhor de si. E, às vezes, você
sabe que não está fazendo, porque a empresa não dá condições de fazer. Eram
peças reutilizadas, muita coisa que estava, muitas vezes na lata do lixo, tinha
que ir lá buscar, para reutilizar, porque não tinha peça. Você tinha duas opções:
ou você deixava a máquina parada ali no pátio, ou fazia uma tentativa de pegar
uma peça já sucateada e colocar na máquina. Isso aconteceu várias vezes...
Então, a qualidade da manutenção caiu uma barbaridade. E tudo isso aí fazia a
gente ficar desgostoso de trabalhar numa firma estatal. Então, até pensei em
sair, em voltar a novamente trabalhar na iniciativa privada, mas foi passando o
tempo e acabei desistindo da idéia e ficando aqui mesmo.” (funcionário de área
operacional)
“Para você ter uma idéia, faltava lápis para se escrever. Então o pessoal não
tinha como [trabalhar], não tinha copo, não tinha bulufas nenhuma.”
(funcionário de área operacional)
entregavam no dia certo. Então, não era justo, então, o pessoal se revoltava com
aquela situação.” (supervisor de área operacional)
5.2.5 Comunicação
“Era muito, muito difícil. Para você telefonar e falar com o superior, você tinha
que passar toda a hierarquia primeiro até chegar. Se não, era falta grave.”
(funcionário de área administrativa)
“Na estatal, era tudo salas reservadas, escritórios fechados. Para você conversar
com o diretor, tinha que ficar marcando na agenda com ele.” (funcionário de
área administrativa)
Você não chegava a ter um diálogo aberto, os problemas você tinha, às vezes,
que passar para outra pessoa, aquela outra pessoa ia falar.” (funcionário de área
administrativa)
“Em tempo de estatal, as coisas eram todas chaveadas, tudo no cadeado. Cada
arquivo, cada equipamento tinha um dado e era tudo chaveado. Fulano não pode
ficar sabendo disso aí, fulano não pode saber disso aqui.” (funcionário de área
operacional)
“No tempo da estatal não havia esse envolvimento. Não se conhecia muito quais
eram os objetivos, onde nós queríamos chegar.” (gerente de área operacional)
“Eu lembro que da estatal até ... que eu aprendi a escrever. Que, na estatal, a
gente tinha que escrever muito. ... Escreve, escreve. Daí passava para um,
passava por outro, até que aquele processo retornasse para você demorava uma
semana, duas, e você não tinha esse acesso que nem a gente tem aqui.” (gerente
de área administrativa)
As entrevistas realizadas apontam para um período de transição que abrange não apenas
alguns meses antecedentes à privatização propriamente dita, mas também os meses de
administração conjunta da estatal com os novos administradores, bem como os
primeiros meses de gestão como empresa privatizada.
149
“Começou falando bem pouquinho e tal. Vagarosamente, a gente até não ligava
muito ou não dava muita importância na época, porque parecia uma coisa que
era falada, mas que, na verdade, não ia acontecer... Eu, pelo menos não dava
muita importância para o assunto e tanto que não me inteirei muito do assunto.
E na verdade, eu só comecei a me dedicar mais, a ler mais sobre as
privatizações e foi quando realmente eu vi que ia acontecer. ... Mas, de início,
eu não me incomodei muito com isso não.” (funcionário de área operacional)
“Toda vez que a gente acordava de manhã, tinha uma notícia no jornal. Vai ser
privatizada, não vai ser privatizada. As coisas pararam durante esse tempo, pelo
menos uns dois anos não se fazia muita coisa. Qualquer plano que a gente tinha
aqui não ia muito para a frente, porque daí o pessoal já pensava, mas aí vem a
privatização e a gente não sabe o que vai acontecer. Então as coisas pararam
muito aqui nos dois anos que antecederam à privatização... A gente só fazia,
praticamente, a rotina, não houve investimento nem nas pessoas e nem nos
ativo”. (gerente de área administrativa)
Além dos rumores da privatização havia uma carência de informação por parte da
direção da empresa. Os funcionários ressentiam-se de falta de informação oficial e
mesmo a atuação do sindicato era percebida como precária.
150
“Porque eles não davam informação para a gente, eles não transmitiam o que ia
acontecer na empresa e à família, diretamente... a mulher se preocupava
mesmo....perder o emprego. ... Então 96, foi o pior ano da minha vida na estatal.
Nunca vou esquecer disso, porque ninguém te dava a informação correta,
ninguém te dizia nada”. (supervisor de área operacional)
“Daí eles já falaram que ia rolar cabeça. Que ia ter demissões, iam renovar os
funcionários... Mas isso era papo que rolava entre a gente, não tinha nada oficial
não. Ninguém sabia nada direito. Sindicato, a gente nunca teve sindicato.
Sindicato nunca ajudou nem a informar a gente sobre isso”. (funcionário de área
operacional)
Como, para a maior parte dos respondentes, a estatal havia sido seu único ou principal
emprego, havia, por parte dos mesmos, uma falta de experiência com empresas
privadas. Em seu imaginário, a empresa privada iria demitir a todos e trabalharia,
primordialmente, com empresas terceirizadas.
“Aí, depois, veio aquela história de privatização: ia ser privatizado. Aí você fica
naquela, não sabe o que vai ser. ... sempre todo mundo comentava: vai um
monte de gente para a rua, isso aí com certeza. Isso aí a gente tinha certeza que
muita gente iria...” (funcionário administrativo)
“Sou oriundo da estatal e hoje tenho quase 16 anos entre estatal e privada e,
quando houve a mudança da concessão, eu já estava com 14 anos de estatal.
Então, a gente já vinha de uma certa experiência, de um certo regime, regime
estatal. Então, para a gente, à primeira vista, parecia um desafio intransponível
151
“Na época, o chefe aqui era uma pessoa que pediu para a gente ficar porque ele
tinha algum contato, alguma coisa com o pessoal aqui da privatização. Ele falou
que ia melhorar... que a gente ia se dar bem ... então ele apoiou a gente nesse
sentido e pedindo para ficar, que pelo menos déssemos um tempo para ver que a
transição ia ser legal. Então, para mim pelo menos, particularmente, claro que
eu fiquei preocupado... mas achava que ia melhorar, ainda mais tendo a
informação desse ex-chefe aqui. ” (funcionário de área operacional)
“A única coisa que eu acho importante, eu acho até que a parte que eu me
conformei mais... é que eu acho que a privatização ela foi necessária...
lamentavelmente foi necessária. ... na situação em que nós estávamos, incentivo
nenhum, todo o pessoal desmotivado. Eu acreditava que mais uns seis meses,
ali, uns dez meses ninguém ia receber mais... eu entendo que foi uma das
maneiras de salvar a ServB foi essa.” (funcionário de área administrativa)
“A gente não sabia direito o que ia acontecer. Sabia-se que a empresa, num
primeiro momento, ia enxugar o quadro, isso era uma coisa já que estava na
cabeça de todo mundo. Mas ninguém sabia onde seria, como seria. Não sabia,
por exemplo, nem se a sede ia ser aqui.” (funcionário de área administrativa)
74
Plano de Desligamento Voluntário
153
Como esperado, o número de adesões superou a verba disponível e muitos não puderam
participar do plano. O grande número de inscrições deveu-se, segundo os entrevistados,
principalmente ao benefício financeiro oferecido, ao medo do futuro, às percepções de
outras oportunidades de sobrevivência fora da empresa e, também, à proximidade da
aposentadoria.
Aqueles que se desligaram, neste plano, receberam, além de todas as verbas rescisórias,
um incentivo financeiro proporcional ao número de anos na empresa, que poderia
chegar a seis salários. Este valor monetário constituiu, na opinião de alguns
entrevistados, um atrativo irrecusável para a adesão ao plano, principalmente para
aqueles que estavam em dificuldades financeiras.
Havia, também, uma incerteza muito grande acerca do futuro e assim, para alguns, a
adesão seria a única forma de garantir o incentivo financeiro no presente, pois não se
sabia se haveria outra oportunidade igual. Aliado a isso, algumas pessoas teriam
encarado o plano como uma oportunidade para realizar outras atividades, abrindo um
negócio próprio, ou mesmo dando continuidade a uma atividade já iniciada
paralelamente.
“Muita gente saiu para trabalhar por conta [própria], se empolgou com o valor
financeiro que ia receber. E outros, já com receio do processo, como é que seria,
como é que agiria a empresa que ia assumir.” (funcionário de área
administrativa)
Teria contado também, como fator incentivador para algumas pessoas a proximidade da
aposentadoria ou mesmo o direito a ela. Nesses casos, além do dinheiro assegurado
pela aposentadoria, existia um benefício financeiro maior do que para os demais, por ser
calculado proporcionalmente ao número de anos de empresa.
“Eu dizia: ‘pessoal, pense bem se vai aderir ao PDV, pense bem’. Eu entendo
o seguinte, sempre entendi e passava isso: em qualquer empresa e não só aqui,
se você estiver agregando valor, você tem o seu espaço. Basta você saber
conquistar e saber se aquilo que está fazendo está agregando valor ou não.”
(gerente)
“Então, eles tinham esse temor [de serem demitidos] e o que a gente sempre
disse, para poder manter o pessoal, é que, se houvesse espaço para alguém
trabalhar, sempre iria ser para os melhores. Que procurassem sempre se manter
os melhores para poder um dia encontrar o seu espaço. E o que aconteceria?
Isso a gente não sabia. Isso era uma coisa que a gente não tinha conhecimento,
podia até imaginar.” (gerente)
“Começamos a incentivar eles para não entrar, porque eles eram bons demais no
serviço. Foi uma perda, assim, irreparável. Os caras [eram] bons mesmo de
serviço, porque eles tinham um conhecimento geral sobre tudo. E eles
acabaram, ‘não, não, vamos tentar a vida aí fora’.” (supervisor de área
operacional)
155
“Agora, o que muita gente quebrou a cara é que achava que com o dinheiro no
bolso ele resolvia a situação. Então, tinha vários colegas que compraram
caminhões.... para fazer transporte, para ser o dono da própria firma. Alguns se
saíram bem, outros quebraram a cara.” (gerente de área operacional)
“Muitas pessoas se deixaram levar por esse capital que ela teria. Ela achou que
seria muito fácil, simplesmente sair daqui e ali abrir uma portinha, um
comérciozinho qualquer e, nessa, seus problemas iam se resolver. Quando a
gente soube de outros casos que não foi assim. Não tiveram um preparo. Tem
que estar preparado para isso. Fica difícil, muito difícil se aventurar”.
(funcionário de área administrativa)
“Muitos voltaram para o interior, para tentar uma outra coisa lá, porque o
dinheiro acabou e (ele) acabou não fazendo nada. Porque era uma ilusão: ‘Você
vai ganhar R$30.000,00’. O cara ganhava R$ 300,00 por mês, olhava R$
30.000,00 era muito dinheiro... se largava naquilo ali. O que aconteceu? Acabou
156
Por outro lado, há registros de pessoas que tiveram sucesso após o desligamento. As
experiências bem sucedidas, no relato dos entrevistados, estão associadas àquelas
pessoas que já tinham um negócio paralelo em andamento ou às pessoas que investiram
em sua própria formação.
“Teve um que saiu daqui... era auxiliar de serviços gerais. Ele trabalhava lá no
laboratório. E lá no laboratório o chefe sempre incentivava a estudar. Daí ele fez
o curso de Técnico de Química... entrou para a Empresa X... hoje em dia já está
fazendo Faculdade de Engenharia Química. Então esse tá legal.” (funcionário de
área operacional)
Uma vez realizado o leilão, a ServB passou por cerca de três meses de uma
administração de transição, em que conviveram gerentes da estatal e da nova empresa.
Essa fase foi descrita como sendo de muito trabalho e com muitas incertezas.
“Por exemplo, na época da transição, nós tivemos que fazer conversação sobre
como se comportar dentro do banheiro. Como se comportar dentro de uma
157
cozinha. Muitas vezes um mecânico acha que, só porque está sujo e engraxado,
ele acha que pode fumar em qualquer lugar, ele pode se comportar...pode
vulgarizar um pouco.” (supervisor de área operacional)
“Houve basicamente duas fases. Teve uma fase que foi a fase inicial da
privatização, eu diria que foi um mês ou dois meses antes de ser [privatizada].
Janeiro e fevereiro e os primeiros meses de 97. Porque foram meses de
acomodação. Você tinha que reestruturar tudo novamente, tinha que repensar
seu quadro de pessoas, a sua maneira de fazer e priorizar o serviço
novamente...Elas têm que aprender a priorizar, isso foi difícil no começo,
porque as pessoas não estavam acostumadas com aquela redução. A redução [de
pessoal] foi bastante grande assim no começo.” (gerente de área operacional)
“Não conseguiram enxergar que estavam numa outra empresa. Ainda ficaram
guardando bloquinho e rascunho da época de estatal. ... E a gente dizia “Isso é
primitivo, joga esse bloco fora. Vive numa nova empresa. Sai desse marasmo’.
Tem pessoas que não conseguiram ver mesmo. Não entraram no pique da
ServB, porque a ServB tem um pique totalmente diferente.” (funcionário de
área administrativa)
Com o decorrer do tempo, porém, algumas pessoas teriam começado a perceber que
seria possível acompanhar as mudanças, passando a ter confiança em si mesmas e
perdendo, aos poucos, o medo. As metas e a orientação da empresa teriam passado,
158
“À medida que o tempo vai passando... você já vai conhecendo mais ou menos
o processo, vai conhecendo as pessoas que estão entrando, você começa a ....
condicionar a tua cabeça junto com o que a empresa está definindo como meta.
Você começa a conhecer as metas da empresa, sabendo o que você pode e o que
você não pode fazer. Então isso começa a te dar um pouco mais de
tranqüilidade para você saber se está afinado ou não está afinado.” (gerente de
área operacional)
“A ‘rádio peão’ que funcionava dentro da empresa. A gente sabia que ia haver
demissões grandes. Iam ser de uma hora para outra, ao assumir. Como foi,
assumiram no sábado, na segunda-feira quem tinha de ser demitido foi
demitido. Você chegou na segunda-feira e já não viu muita gente que você
conhecia.” (funcionário de área administrativa)
“As pessoas já vinham sendo preparadas que alguma coisa podia acontecer e
essa coisa podia ser uma demissão. A gente procurava conversar bastante com
eles durante as inspeções que a gente fazia, conversava com as pessoas, já ia
preparando. ‘Olha, ninguém sabe exatamente o que vai acontecer, mas tem que
estar preparado para uma mudança na tua vida daqui para a frente. Então já se
preparem, ninguém sabe qual é a filosofia dos novos donos, mas fiquem
preparados’. Eu acho que isso ajudou muito.” (gerente de área operacional)
“Na verdade todo mundo sabia que ia ter um grande corte. Todo mundo sabia,
eu sempre deixei isso bem claro para as pessoas. Inclusive eu deixava bem claro
que eu podia ser um deles, perfeitamente. Poderia ter acontecido.” (gerente de
área operacional)
que eram iguais. Então, não tinha como manter.” (funcionário de área
administrativa)
“Sempre tecnologia. Telefone celular hoje, você fala onde você estiver.
Antigamente, tinha que prender a pessoa num lugar que tinha um fio de
telefone. Então hoje eu não preciso só dentro dessa sala. Pego o celular e saio
por aí e converso com você onde estiver. Antes não, você tinha que ter um cara
para fazer o serviço externo e um cara para ficar para responder ...” (gerente de
área operacional)
“Primeiro lugar, acho que era assim um número muito grande de pessoas ainda,
um quadro além da capacidade da ServB. Acho que isso foi o grande motivo.
Eu não vejo razão para uma empresa chegar e demitir um número desse de
pessoas, simplesmente por demitir.” (funcionário de área administrativa)
“A gente via que aquilo ali era a tendência normal. Porque era muita gente
realmente que tinha. Era muita gente mesmo. Só naquele prédio...você entrava
naquelas salas tinha vinte, trinta pessoas numa sala. Tinha uma ou duas ou três
pessoas trabalhando, só. Uma velharada fazendo tricô, crochê, lendo jornal. As
pessoas não queriam se aposentar nunca.” (supervisor de área operacional)
“Se tentou fazer o critério o mais justo possível. Mas devido ao pouco tempo
que você tem para conhecer, e você tem às vezes mil e trezentas, mil e
quinhentas pessoas aqui, você não consegue conhecer todas elas rapidamente.
Então cada um, cada engenheiro desses, junto com seus supervisores, iam
determinando as pessoas abaixo. Por exemplo, eu determinei os cinco
engenheiros que ficavam comigo. Eles, com seus supervisores, escolhiam as
demais pessoas que iriam ficar. Eles determinavam os supervisores e junto com
esses supervisores eles determinavam as pessoas que ficavam. É claro que como
eu conhecia boa parte da região, eu também opinava. Mas não dá para você
pegar todas, digamos mil e poucos empregados e você determinar.” (gerente de
área operacional)
161
“Dia 28 (de fevereiro de 1997), veio a ordem de fazer a lista de pessoal. Daí
veio a ordem, o gerente... que estava aí com nós pegou e me chamou, assim: ‘Eu
não conheço o pessoal aí. Não sei quem é bom, quem é ruim, quem são os
profissionais. É contigo a bronca, é contigo aí. E nós temos que entregar essa
lista até dez para o meio-dia lá no edifício’. ” (supervisor de área operacional)
Dois enfoques foram relatados: o enfoque dos que iriam ficar e o enfoque dos que
deveriam sair. No primeiro caso, selecionavam-se aqueles que haviam demonstrado
mais vontade e mais interesse no trabalho. No segundo caso, o processo de eliminação,
indicava-se para desligamento do pior para o melhor, até atingir a cota necessária.
“Eu tentei escolher aquelas pessoas que tentaram demonstrar, o tempo que
fiquei com elas, vontade de fazer algo mais do que aquilo que elas faziam. Não
apenas aquelas pessoas que cumpriam apenas a sua função, bem ou mal, mas
aquelas que tinham, que demonstravam interesse em fazer algo mais. Que
demonstravam interesse de crescer, de produzir algo mais, que não se atinham
apenas às suas funções.” (gerente de área operacional)
“Numa primeira fase você tem aquelas pessoas que você gostaria de demitir,
que eu acho que é a parte mais fácil. Pessoa que você tem motivos... Mais fácil
eram aquelas pessoas que não valia brigar [por elas]. Então essas pessoas foram
as primeiras a encabeçar [a lista]. Depois disso aí, foram pessoas médias. Até
aqueles que colaboraram menos e dessa forma que foi. E puramente, vamos
dizer, escolher as pessoas em que a gente pudesse acreditar.” (gerente de área
operacional)
“Era pelo cargo A, ou cargo B. Tinha que haver equilíbrio, não podia mandar
todos do cargo A embora e ficar com os do cargo B. ... Você vê que aqui eu
cortei pouco, em relação aos outros, porque já era um lugar enxuto. Mas foi por
uma ficha de avaliação pessoal, por sentimento, eu mais um outro supervisor.
Temos que cortar tanto, então é esse aqui. Mas a gente podia parar aqui,... e
para alguns (outros cargos) a gente dizia, podia pegar mais três aqui. Não havia
um equilíbrio.” (gerente de área operacional)
A questão da justiça, na seleção daqueles que seriam desligados, parece ter sido uma
preocupação recorrente para parte dos entrevistados. Um depoente, por exemplo,
afirmou poder ter havido uma seleção injusta ou equivocada de pessoas e um dos
supervisores relatou uma certa ansiedade na escolha. Tinha medo de ter escolhido as
pessoas erradas e procurou, posteriormente, ouvir a opinião de outros para confirmar ou
desconfirmar seus receios.
“No meio dessas pessoas que trabalhavam na estatal tinha muita gente boa. ...
Mas tinha muita gente ruim. ..tinha gente que não queria realmente nada, mas
nada. ... Como as pessoas que ficaram foram, naturalmente, devem ser as
162
melhores. É claro que alguns erros aconteceram, sem dúvida ... eu não imagino
que eu tenha escolhido as trinta e três melhores pessoas. Seria um absurdo se eu
pensasse dessa forma. Mas devo ter escolhido pelo menos uma grande parte das
melhores.” (gerente de área operacional)
“Eu fui um cara bem consciente. Não protegi ninguém, não protegi ninguém e,
em certos momentos, até falei depois com mais gente. ... Chegou uma época
que eu precisei falar com outras pessoas, assim, de Recursos Humanos, para
eles me orientarem. Fiquei muito... será que eu não fiz a coisa errada? Não fiz
com dor de consciência? Daí comecei a conversar com esse pessoal que já tinha
passado por aqui, os chefes que passaram por aqui, e conversar: ‘O que você
acha do fulano? Qual era a tua opinião deles?’ Porque é muita
responsabilidade... para mim, eu que indiquei eles.” (supervisor de área
operacional)
Para aqueles que não tiveram a incumbência de selecionar ninguém, a percepção foi de
que algumas pessoas teriam sido demitidas injustamente. As referências se fazem a
pessoas consideradas competentes e a pessoas que teriam se dedicado à empresa.
“Problema que eu acho nisso tudo, são as pessoas que saíram nesse período.
Muitas saíram arrasadas, menosprezadas. ...Que a princípio as pessoas.. que
eram competentes saíram arrasadas. A auto-estima lá embaixo. Então isso é que
a gente ficava até chateado. Conhecer uma pessoa dez anos, .... trabalhando
junto e tal. Está vendo que a pessoa era competente.” (funcionário de área
administrativa)
“Então a pessoa estava trabalhando lá... Daí uma pessoa aqui do escritório
chegava lá na pessoa: ‘Ó, é para você ir lá para falar com o fulano’. .. Foi fogo
aquele dia... Volta e meia entrava uma pessoa aqui do escritório, chamava o
fulano lá.” (funcionário de área operacional)
afinal das contas eu estava numa situação de carrasco, mas não tinha nada
pessoalmente contra eles, e até por bom relacionamento eu não tive nenhum
tipo de problema. ... Expliquei para eles que o que estava sendo feito era uma
alguma coisa que todo mundo estava esperando, que havia uma relação de
pessoal que ia sair e a gente ia comunicar na seqüência, que eu pedia que eles
usassem o bom senso e que sabia que eles sabiam o que iam receber e
aproveitassem a oportunidade e a experiência deles para procurar um emprego.
... Uma relação, e aí fui lendo. Pessoal, eu vou ler o nome de quem vai ficar. De
quem vai ficar. Depois, qualquer dúvida, vai ficar o nome dos estão ali. Então:
fulano, fulano, fulano.” (gerente de área operacional)
A tarefa de demitir não foi fácil para alguns. Um dos relatos conta a história de um
gerente que se comoveu muito após a demissão. Outro discursou sobre a importância de
se preservar a dignidade da pessoa que estava sendo desligada. Para um dos
supervisores, o difícil seria chamar a pessoa de dentro de seu ambiente de trabalho para
o escritório onde se faria a comunicação da demissão.
“Eu soube de uma coisa que aconteceu... Foi quando esse engenheiro que teve
que desligar esse volume de mais ou menos trinta, quarenta pessoas num só
dia... Ele explicou o quê estava acontecendo, toda aquela situação, que
infelizmente ele teve que optar por alguns nomes, eles é que tinham sido os
escolhidos e ele teria que demitir. Depois quando ele terminou de falar com
todo o pessoal que estava, parece que no refeitório, entregou as cartas, o
pessoal assinou e algumas pessoas vieram agradecer: ‘Olha doutor, muito
obrigado. O senhor sempre foi muito bom conosco’. Ele disse que quase morreu
de tanto chorar depois.” (funcionário de área administrativa)
“Eu acho que a pior situação é da pessoa que vai ser demitida. Acho que não
existe uma situação pior do que uma pessoa estar sendo demitida. Mesmo
aquela pessoa que você possa ter algum motivo para demitir, nessa hora você
tem que ter a hombridade e a dignidade de não expor mais a pessoa. ... A
pessoa já está completamente arrasada, então eu acho que [deve] ser o mais
digno possível com a pessoa.” (gerente de área operacional)
164
Passados mais que dois anos do primeiro programa de demissão, uma certa distância
emocional se faz presente. Embora se reconheça a dificuldade da situação, dois relatos,
pelo menos, indicam que o trabalho já realizado ou, ainda, por ser realizado na empresa,
funcionou como foco de atenção e mesmo de satisfação, deixando o episódio das
demissões no passado.
“Só quem passou assim... é complicado. Eu estou falando aqui, parece que é
uma coisa distante. Realmente é uma coisa complicada de passar porque são
colegas de trabalho.. um monte de tempo com a gente. ... É tipo uma
convivência de dezoito anos não vai ser jogado fora assim. Mas ao mesmo
tempo... aconteceu e vamos tocar para a frente.” (funcionário de área
administrativa)
“Então a gente sentiu, acho que foi um misto assim de sentimento de traição, de
tristeza, porque perdemos os nossos chefes... Então foi uma semana assim muito
difícil. ... Então esse sentimento foi muito ruim na primeira, segunda e terceira
semana. Depois as coisas já foram, já começaram a se organizar e a gente foi
ficando... Quando a gente olha para trás e viu tudo que a gente já fez. ... Eu
tenho muita crença, porque eu acho que a gente tem muita coisa para fazer.”
(gerente de área operacional)
“Quem ficou, se eu dissesse que era para lavar o chão, lavava. Se eu dissesse
que era para lamber, lambia. Porque estava aquele pandemônio. Eu tentei incluir
todo mundo que eu sabia que queria sair por algum motivo, eu tentei incluir na
lista. Agora, havia um temor muito grande. Se eu dissesse: ‘Ó você tem que
espanar o teto, atender o telefone, correr lá fora e voltar aqui’, o cara fazia. Ele
já tinha perdido a chance de pedir a conta, de ser mandado com coisa75. Daqui
75
Coisa = benefício monetário e outros adicionais que faziam parte do pacote de indenização, além das
verbas trabalhistas no PDV ao final da gestão da estatal.
165
para a frente a pessoa estava aqui e realmente estava querendo ficar.” (gerente
de área operacional)
Um dos supervisores relatou que, em sua área, os operários se reuniam em grupos para
comentar as demissões, ratificando as escolhas.
“Naquela época eu não tive problemas, porque todo mundo estava esperando. O
ambiente era de mandar embora.” (gerente de área operacional)
“É triste ver as pessoas. Algumas pessoas até, na sua frente, seguram a barra e,
vamos dizer, de uma certa forma aceitam passivamente, aparentemente. Outros
reagem um pouco mais. Eu não tive nenhum caso de reação, injustiça, não sei o
quê. Nessa fase eu não tive. Tive noutras depois. Mas nessa eu não tive não. As
pessoas, realmente, algumas choravam, que botaram toda a sua vida ali,
realmente, é verdade. Mas de uma certa forma, não sei se pela clareza e
objetividade com que isso foi colocado, dizer que não era ali um problema
pessoal, e não era mesmo. Nesse caso não era. Era uma atividade que ia
encerrar, as pessoas acabaram recebendo com uma relativa e aparente
serenidade. Não tive nenhum problema de não aceitar assinar a carta de
desligamento.” (gerente de área operacional)
166
Em pelo menos um dos casos, ocorreu uma reação de rancor. Um dos supervisores,
responsável pela seleção de pessoas a serem desligadas, comentou ter ouvido de alguns
frases rancorosas desejando que o próximo a ser desligado fosse ele. Teria sido acusado,
também, de que os remanescentes seriam, em verdade, seus apadrinhados, ou seja, de
que o critério de decisão de desligamento ter-se-ia baseado mais em motivos pessoais.
Pessoas que não podiam perder seu emprego teriam tentado conseguir transferência para
outro local. Desesperadas, ligavam para a sede administrativa da empresa, na esperança
de conseguir realocação.
“A gente já sabia que aquelas pessoas sairiam mesmo. E uma menina ...
trabalhou comigo... ela soube naquele dia que ela seria desligada. Daí ela me
ligou: ‘Pelo amor de Deus, me arruma um lugar aí, que eu não posso ficar sem
emprego, me arruma uma colocação, me arruma outra área’. Então isso
aconteceu direto. As pessoas vinham chorando: 'Não me deixe, não me deixe
ser mandado embora’. ‘Mas eu não posso fazer nada’. E a gente não podia
mesmo. Eram as gerências que faziam isso.” (funcionário de área
administrativa)
Uma das questões com que os funcionários que permaneceram na empresa tiveram que
lidar foi com a imagem que os novos dirigentes tinham do funcionário público. Egressos
de uma empresa reconhecidamente ineficiente, os entrevistados ressentiam-se de que
esse estereótipo tivesse sido estendido para todo e qualquer funcionário da estatal. Os
empregados entrevistados vinham, entretanto, de uma área geográfica da estatal que, se
comparada com as demais, era a que obtinha os maiores índices de produtividade e
lucratividade. Assim, a pecha de funcionário ineficiente e preguiçoso parece ter sido
motivo de mágoa para alguns.
São todos ineficientes, generalizado. Tinha de tudo? Claro que eu concordo que
tinha de tudo. ... Mas não era generalizado. Porque aquilo que te falei, aquele
funcionário de estatal no Brasil inteiro tem uma fama muito pior do que nós
tínhamos aqui. E vieram nivelar por baixo. E vieram achando que quem estava
aqui tinha que mandar embora e coisa.” (gerente de área operacional)
“Até onde que nós vamos ter que carregar o estigma de ter trabalhado numa
estatal? Quando é que nós vamos conseguir provar que nós somos bons
profissionais?” (funcionário de área administrativa)
”Você veio de uma empresa estatal, então já existe aquele rótulo de funcionário
público, apesar que eu não me julgava funcionário público. Acho que mesmo
antes eu trabalhava também bastante. Então o pessoal de fora, nesse meio tempo
já contratando algumas pessoas e tal... então você tinha que se desdobrar ao
máximo e provar que você... tirar aquele rótulo que existia. Então, você tinha
que trabalhar bem mais do que as pessoas que estavam entrando. Para
comprovar que você também tinha competência. ... trabalhar, provar para a
gerência, para todos os dirigentes na época, que você também tinha
competência. Mesmo vindo de uma empresa estatal, você também tinha
competência. Não era, simplesmente, você pegar uma pessoa no mercado e
achar ‘esse é bom; esse aqui é de uma empresa estatal, vamos deixar de lado’. ..
Essa foi a dificuldade maior que eu senti, ou seja, você tinha que trabalhar o
dobro para você provar sua competência. ... Isso perdurou um bom tempo.”
(funcionário de área administrativa)
168
Na percepção dos entrevistados, toda uma nova forma de trabalhar foi se instalando na
empresa privatizada. Os depoimentos dos empregados apontam para questões como
maior quantidade de trabalho acompanhado de maior responsabilidade e autonomia
sobre a tarefa, além de forte cobrança dos resultados. Percebiam iniciar-se, assim, a
cultura da multifuncionalidade, a valorização do desempenho pessoal e a abertura na
comunicação vertical. Todas essas práticas contrastam com aquelas da época de estatal,
que operava com grande divisão de tarefas, responsabilidade e autonomia limitadas,
pouca preocupação com a cobrança de resultados, além de adotar uma comunicação
restrita pela hierarquia.
“Era a minha folga sábado passado ou retrasado. Eu fui chamado, passei o dia
lá.... Eu trabalhei de manhã das sete até às 11 aqui, peguei o carro aqui, fui para
Curitiba, trabalhei até às três da tarde. Fui almoçar, me chamaram de volta
porque tinha uns problemas e cheguei às seis da tarde aqui. No meu dia de
folga. Agora trabalhei sábado e domingo. ...Só que você fica naquela, quem eu
vou mandar? Eu tenho que assumir.” (gerente de área operacional)
“Juro para você, teve dia em que eu saía de casa seis e meia da manhã e voltava
para casa três e meia, quatro horas da manhã. No dia seguinte às sete da manhã
você estar aqui de volta, no final de semana você está igual a um zumbi. ....
aquela redução de pessoal, o pessoal bom tinha saído, a maioria deles, nós
ficamos com pouco pessoal aí para manter...” (funcionário de área operacional)
169
“Hoje tem correio eletrônico,. Recebo 1400 mensagens a cada três meses, tenho
um contador. Me deixa louco, aquele troço. Se eu sentar lá para responder tudo
que preciso, dentro do expediente eu não faço nada. Então eu trabalho de noite,
final de semana. Eu trabalho aqui em sistema de plantão. Então eu trabalho
Segunda, Terça, Quarta, Quinta, Sexta, Sábado, Domingo, Segunda, Terça,
Quarta, Quinta e Sexta. Daí eu tento folgar Sábado e Domingo. Eu não ganho
nada por isso. Nada além. Só que, para eu folgar, um outro tem que fazer o
plantão. Eu tinha um cara que me ajudava, ele é um nível mais baixo, eu queria
pagar esse plantão. Só que para eu pagar para ele, o salário dele em termos de
dinheiro, é curso ou eu vou ter que dar folga. Só que dar folga no meio da
semana para ele, nós já temos pouca gente, não dá.” (gerente de área
operacional)
“Eu acho que não tem mais como demitir ninguém. Está apertado mesmo, está
faltando gente. Porque esse pessoal que está aqui dentro nos meus setores, eles
não consertam só máquinas. No papel, no gráfico da ServB esta lá: turma do
André e do José é para consertar máquina. Mas não existe um quadro lá extra,
que diz que carrega caminhão e descarrega caminhão. Não existe um quadro lá
que diz que tu desmancha parede e levanta parede. Não existe esse quadro. Mas
tudo isso aí nós fizemos. Não existe um quadro lá de lavar máquinas... mas
existe o quadro de meta de máquinas, consertar máquinas. Mas construir parede
de alvenaria, fazer reforma, tudo isso não existe, mas esse número [de pessoas]
que restou faz tudo isso.” (supervisor de área operacional)
170
“Eu acho que já passei por uma melhoria de salário substancial em relação ao
que era. A única coisa que a gente se ressente é a forma de trabalhar. Você
trabalha com muito menos pessoas hoje. Por um lado a privatização ela é muito,
ela é muito prática, ela te valoriza, mas por outro lado ela te cobra e essas
medidas eu acho que nem sempre são iguais ... ” (gerente de área operacional)
“O que nós fazíamos na estatal nós fazemos hoje com menos gente. Porque
hoje, o pessoal que trabalhar hoje, eles vêm aqui para consertar máquinas. ...
Eles vêm aqui com uma finalidade: de pegar às sete da manhã, não é às sete e
meia, não é as quinze para às oito e não é às oito horas. É pegar às sete da
manhã e largar às quinze horas. Com uma hora de intervalo, das onze ao meio
dia. Esse é o regulamento da coisa. Às sete da manhã eles têm que botar o
capacete na cabeça, têm que estar de botina, fardadinho.” (supervisor de área
operacional)
“Mas já falei para ele: ‘Vocês estão esticando o elástico. Daqui a pouco alguém
vai errar por cansaço, fadiga ou vai ficar doente. Ou vai ter um enfarte. Depois
de enfartado não adianta’. ... Vou aprender que não vou poder mais ficar todo
sábado e domingo aqui. Fora o horário que eu chego. Hoje eu pego às sete, sete
e quinze, conforme o dia e não tenho hora para chegar em casa. É sete e trinta, é
oito é nove (horas). Horário de almoço não sei mais o que é ir meio-dia para
casa. Tem que voltar uma e trinta, é claro tem uma certa elasticidade. Só que eu
aproveito a hora de almoço para ir no banco para a empresa, para pegar dinheiro
para pagar as contas. Eu não tenho aquele rigor de ter que estar à uma e trinta,
171
bater cartão aqui. Se eu chegar às duas horas ninguém vai me puxar a orelha.
Mas eu não me sinto bem chegando fora de horário e eu estou de celular, porque
a pessoa pode me ligar. Sete e pouco ontem... tinha um telefonema para falar
com meu chefe. Eu fui para casa e conversamos à noite, eles me ligam à noite.”
(gerente de área operacional)
“Você se entrega tanto para a coisa que faz, que você chega em casa cansado. ...
eu dou um exemplo, domingo agora eu trabalhei. Semana passada eu trabalhei
das sete às sete, todo dia das sete às sete, até sábado. Porque um colega entrou
de férias. Então cheguei em casa às oito horas da noite. Cansado, mas daí a
mulher queria sair. Queria ir no Parque, ela queria sair. ‘Ah, não Hoje de casa
eu não saio, de casa não saio’. Dormi domingo até meio-dia, comprei comida,
comprei comida e ‘de casa hoje não saio’. Porque segunda-feira tinha que pegar
cedo de novo.” (supervisor de área operacional)
“O número de horas aumentou, com certeza. Hoje a gente trabalha das sete às
20 horas sem se aperceber. Antes a gente, na verdade na época de estatal, quem
levava a sério também tinha, na época de estatal, nem todo dia, mas eu entrava
às oito, às vezes às sete e meia, saía às 18 horas, às vezes às 19 horas. Mas
quando eu saía às 19 horas eu achava que estava saindo bem tarde. Hoje a gente
acaba saindo às 20 horas e acha que daria para ficar um pouco mais, ou precisa
ficar um pouco mais. Então isso exige um pouco mais de compreensão da
família, dos filhos. Final de semana também não dá sempre para a gente estar
curtindo a família.” (gerente de área administrativa)
“Sábado e domingo não existe mais. Também feriado. ‘Ah, no feriado vou me
programar, vou sair com a minha esposa e meus filhos para passear’. Não, não
existe nada disso.” (funcionário de área operacional)
172
Lidar com um grande aumento na carga de trabalho parece ser uma necessidade na
ServB, uma vez que a empresa não apenas diminuiu o seu quadro de pessoal em cerca
de 40 porcento, como também dinamizou muito a sua atividade.
Alguns gerentes afirmaram terem “saído a campo” para conscientizar seus empregados
de que uma carga maior de trabalho deveria ser realizada com menos gente. Ao mesmo
tempo, teriam buscado ensinar a seus funcionários a necessidade de reconhecer os
serviços mais importantes daqueles menos importantes, dando aos primeiros a
prioridade de execução. Essa orientação teria sido passada aos funcionários e praticada
pelos próprios gerentes.
“Nos adaptamos, então tivemos que nos adaptar rapidamente, porque no dia 1o
de março as coisas já tinham que estar acontecendo. E foi isso que foi feito. No
dia 1o de março, nós saímos a campo, fizemos as demissões e conversamos com
as pessoas explicando para ela como que seria o processo dali para a frente,
como é que elas teriam que trabalhar. Mas você tem que ver o que eles vão
fazer e começar a priorizar o serviço. Estão acostumados a fazer uma série de
serviços e agora você diz: ‘Olha, com esse número de pessoas você não vai
conseguir fazer tudo isso. Então aprende a priorizar o que você tem’.” (gerente
de área operacional)
“A minha parte pessoal eu vejo que depende da minha energia e essa eu vou
continuar dando. Vou otimizar, vou priorizar cada vez mais, isso é o que eu vou
fazer. Como já tenho feito. Eu, no meu dia a dia, eu priorizo muito as coisas,
muitas coisas infelizmente vou deixar de responder. Quanto estiver pronto eu
vou mandar. Por quê? Porque é uma questão de prioridade e isso vai ser cada
vez mais importante.” (gerente de área operacional)
“Mas eu acho que eu sou uma pessoa que eu tenho muita garra, eu me sinto
assim, eu me sinto com gás, com dinamismo. Mas talvez eu não soubesse
trabalhar isso muito bem, esse dinamismo, essa garra. Ou talvez ... a ansiedade
fosse muito grande. Hoje eu sei trabalhar melhor com a ansiedade e isso ajuda a
controlar... Mesma coisa que se, por exemplo, tiver que trabalhar muitas horas.
Não é tão correto assim você trabalhar muitas horas, então acho que isso educa
173
você a trabalhar melhor em menos tempo. Então eu acho que a garra, a vontade,
a garra e o dinamismo, esse tipo de coisa, talvez ele tivesse aliado com muita
ansiedade. Hoje eu sei trabalhar melhor essa ansiedade, o que me dá mais
equilíbrio nas decisões. Eu acho que isso foi uma grande lição.” (gerente de área
operacional)
“Para quem fica realmente, fica assoberbado. Então ele tem que trabalhar no
sentido de vislumbrar meios de tornar esse trabalho mais fácil. De otimizar esse
trabalho de forma que você possa desenvolver atividades que a outra pessoa
vinha desenvolvendo e que consiga dar conta das duas coisas, não só das
atividades que ele já tinha, mas também das atividades que foram repassadas em
função da saída do outro empregado. Então ele tem que arranjar uma forma, um
artifício que facilite o trabalho dele.” (funcionário de área administrativa)
“Eu continuo fazendo o meu serviço que eu fazia, continuo fazendo mais outras
coisas e tudo se encaixa direitinho. Eu acho que é também a maneira de a
pessoa se organizar. Porque se você se organizar com um determinado trabalho,
vai conseguir fazer aquele trabalho”. (funcionário de área administrativa)
5.4.1.4 Multifuncionalidade
“Porque antigamente você não estava nem aí ... você fazia o seu serviço, se
alguém chegasse você ouvia, porque eu fiz a minha parte, eu fiz e tal. Hoje não,
hoje você já tem que ser mais útil, funcional, você tem que estar sempre fazendo
alguma coisa ... Porque na época de estatal você já tinha pré-estabelecido as
suas atribuições e como tinha bastante gente e sempre tinha pessoas que se
encostavam, você acabava fazendo uma atribuição ou se negava a fazer. Hoje
não existe mais essa definição do que você faz. Você tem que estar ali para
fazer, independente...” (funcionário de área administrativa)
174
“Até que, aos pouquinhos, a gente foi se ajustando. ... Por exemplo, eu
trabalhava com mais duas pessoas, meu grupo de trabalho. Nós fazíamos
rescisão de contrato, averbação de tempo de serviço e fazíamos anotação em
carteira e mais controle das rescisões, alguns relatórios gerenciais também. ....
Quando houve a privatização, as duas pessoas que trabalhavam comigo, uma se
aposentou e a outra acabou saindo no plano. E assumi o serviço deles, comecei
a fazer admissão, comecei a fazer controle de férias, comecei a fazer um serviço
digamos assim, considerando a época de estatal, de pelo menos três ou quatro
pessoas.” (funcionário de área administrativa)
“A gente sabe que a empresa hoje é outra. A gente tem que questionar tudo.
Tem sempre que ver se não tem uma alternativa, uma forma melhor de operar.
Estas são coisas que surpreendem realmente.” (gerente de área administrativa)
175
“Então a gente acertou... primeiro é o seguinte: nós vamos ter que fazer, dar
treinamento 5S para todo o pessoal aqui. Foi o que a gente fez, um treinamento
geral para todo mundo. Vamos mudar a cabeça do pessoal, vamos fazer com
que eles mesmos tenham a iniciativa de fazer e aprender que o mais importante
não é limpar, o mais importante é não sujar. E a partir daí a gente está
conseguindo uma evolução. Olha, eu fico até emocionado de ver a evolução que
a gente tem no dia a dia, o pessoal limpando... A mudança que dá realmente é
fantástica, na cabeça das pessoas.” (gerente de área administrativa)
“Então diz: ‘Tem que fazer uma seleção no outro Estado’. Então tem que ver
prova, tem que ver sala, tem que ter convocação, tem que corrigir, tem que fazer
entrevista, então...se não sair, não sai. Eu tenho uma estrutura... Mas assim, tem
coisas que dependem de mim, de eu tomar a iniciativa, vai ter que convocar, vai
ter que ver sala, vai ter que fazer divulgação, vai ter que chamar candidato, vai
ter que ver, senão a coisa pára, não sai.” (funcionário de área administrativa)
Um outro aspecto que surgiu nas entrevistas refere-se ao fato de as pessoas estarem
sempre “ligadas na ServB”, mesmo fora de seu horário de trabalho. De acordo com os
depoimentos, muitas vezes esse elevado nível de atenção e preocupação teria sido
levado para dentro de casa.
“Não, não consegue se desligar. Depois que inventaram o celular então, aí...
Você fica com celular direto, direto ligado. Então as pessoas ficam, a gente até
passa uma certa preocupação até no aspecto familiar a gente para eles assim,
176
uma preocupação que alguma coisa pode acontecer errado, você pode ser
chamado de uma hora para outra.” (gerente de área operacional)
“Na estatal eu tinha uma pessoa responsável, depois eu tinha outra e tinha outra.
Hoje não. Hoje coisas importantes aqui param em mim e depois tem minha
chefe e depois, pronto: é a diretoria.” (funcionário de área administrativa)
“As pessoas respeitam e eu acho que ela sabem até onde que elas têm que
resolver as coisas que são responsabilidade delas, que não adianta jogar o
macaquinho para as costas dos outros. Elas têm que resolver o problema, não
adianta trazer para cá achando que o diretor vai dar. Não é. Hoje cada um de nós
tem responsabilidade sobre uma boa parte daquilo que nós decidimos.” (gerente
de área administrativa)
As reações foram variadas. Uma das pessoas sentiu-se confortável com a ampliação de
responsabilidades, pois pôde, assim, pôr suas próprias idéias em práticas. Outra relatou
o sentimento de realização que a tarefa lhe trouxe. Outra, ainda, indicou que o aumento
nas responsabilidades representou, em verdade, um aumento de estresse.
“Eu acho que também as minhas responsabilidades, hoje, são maiores do que
eram na época. As minhas responsabilidades hoje são maiores. ...Eu acho que [a
autonomia] é muito boa. Eu pude fazer... Eu vim para cá em outubro, de lá para
177
“No tempo de estatal você trabalhava, trabalhava, trabalhava, mas nunca tinha
oportunidade de estar fazendo um trabalho, de ser o responsável por aquele
trabalho. Esteja certo ou não, mas aquilo ali satisfaz. Esse trabalho aí compete a
mim e eu quero que esse trabalho saia assim..... É muito gratificante.”
(funcionário de área administrativa)
5.4.1.8 Comprometimento
“As pessoas que ficaram, elas sentiram que houve uma grande mudança, não há
dúvida que sentiram que foram escolhidas para ficar. ... Eu acredito que elas
sentiram-se valorizadas, prestigiadas por isso e houve um comprometimento
muito grande.” (gerente de área operacional)
“Hoje não, hoje você ganha oito para trabalhar, trabalha oito e você fica mais
uma ou duas de graça para a empresa aqui dentro. Porque você se compromete
muito com a situação. Se compromete muito com a situação. E hoje a empresa
não admite hora extra. Não pode ter hora extra, tem que cumprir seus deveres.”
(supervisor de área operacional)
“Eu não digo que todo mundo, mas eu digo que a grande maioria está dentro
desse processo. A grande maioria da empresa, hoje, com certeza, está dentro
desse processo de comprometimento, a grande maioria. Se tem um ou outro, são
poucos. Acho que a grande maioria hoje está muito comprometida com a
empresa, com o resultado, com a geração de lucro, com a imagem. Isso eu vejo
como uma coisa positiva. Mesmo que isso cause, digamos assim, um certo
transtorno na vida pessoal.” (gerente de área operacional)
178
“De rever todos os processos e todas as atividades que a gente fazia. A gente
sempre foi muito questionado, porque se faz, como se faz. Porque não fazer
diferente, fase de questionamento, de adaptação. Aí o patrão tinha mudado, não
adiantava dizer: ‘Porque eu fazia assim’. Não que alguma coisa fosse imposta,
não foi, nada foi, tem que ser feito assim. Mas você tem que justificar a maneira
como você faz e para que você faz as coisas.” (funcionário de área
administrativa)
“Antes tinha... o pessoal parava para tomar café. Tipo, tinha a reunião dos
líderes de manhã das sete às sete e meia, era um horário que quase o pessoal não
trabalhava, ficavam tomando cafezinho, depois paravam para tomar café e
voavam para caramba. Hoje em dia não, o cara, você tem que entregar o seu
serviço, você tem que entregar no final do expediente ou se passam um serviço
grande, até o final de semana, até lá você tem que entregar mesmo.”
(funcionário de área operacional)
179
O maior instrumento de cobrança, entretanto, parece ter sido as metas. Estas foram
estabelecidas para todos os níveis da empresa, da presidência até a seção de mais baixo
nível na hierarquia. Em cada local de trabalho, a empresa expunha um quadro com a
lista de metas do setor e uma avaliação do atingimento das mesmas. Um sinal verde
indicava que as metas teriam sido atingidas com sucesso, amarelo, que a meta requeria
atenção e vermelho acusava insucesso em seu atendimento. Passou a haver, portanto,
uma divulgação pública do desempenho de cada setor. Mesmo a diretoria e a
presidência exibiam seus quadros. Essa preocupação refletiu-se no discurso dos
empregados.
“Existem metas a serem cumpridas. Coloca isso como o item número um. Tem
prazo, você negocia o prazo. Agora, depois de negociado o prazo, aí é sua
responsabilidade cumprir o prazo.” (funcionário de área administrativa)
“As pessoas são cobradas pelas metas individuais. Eu tenho uma meta
individual que eu tenho que alcançar um valor X de vendas. Se eu não alcançar
esse valor X, eu tenho uma nota mais baixa, digamos eu não ganho
[participação nos lucros].” (funcionário de área administrativa)
“Mudou a forma de trabalhar, a forma de cobrança. Hoje aqui todos têm metas
de produção, todas as gerências têm metas. Então hoje todos os funcionários
estão envolvidos com metas. Qualquer mecânico que você chegar lá dentro e
vai perguntar quais são as metas aqui da oficina, eles vão saber dizer. Talvez
não todas, mas sabem dizer algumas.” (gerente de área operacional)
“É uma empresa privatizada, com uma visão diferente. Eles tiveram essa idéia
de valorizar as pessoas da base. Como eles sempre falam: nosso maior
patrimônio são as pessoas. E a gente sente, através desse projeto meu e das
conversas que a gente tem, que vão tentar trazer mais pessoas. Eles estão
valorizando muito o pessoal. ... Então a gente nota isso, uma valorização de
pessoas, a diretoria valoriza muito quem faz o serviço.” (funcionário de área
operacional promovido a gerente)
“Eu domino hoje muito bem a informática também. E é a sua satisfação pessoal
mesmo. Eu acho que hoje eu sou muito mais valorizado, do que eu era antes,
isso com certeza. Sou muito mais ouvido.” (funcionário de área administrativa)
“Quer ver uma satisfação que eu fico, é quando a Márcia ou o próprio André
pedem para elaborar, fazer, e aquilo sai assim como eu imaginei e como eles
imaginaram. Então você se sente assim, que você é útil para a empresa e isso dá
uma satisfação muito grande.” (funcionário de área administrativa)
5.4.2.3 Meritocracia
“Hoje a empresa tem uma política de meritocracia. Você propõe as coisas, elas
são analisadas e, se elas forem boas, com certeza serão implantadas. E você é
medido por isso, por esse retorno que você dá. E isso não acontecia na estatal.
Não é que não existissem, mas não eram nesse nível. Existiam outras
influências... Hoje não, hoje é pelo que você pode dar de retorno para a
empresa. Mesmo o nosso diretor de R.H. diz que a gente é medido não pelo que
já fez, e sim pelo que pode fazer ainda. Com isso, o que você fez serve de
referência para o que você ainda pode fazer. Mas o que você fez, está feito.
Muito bom, muito legal, mas interessa o que a gente pode fazer daqui para a
frente.” (funcionário de área administrativa)
“Hoje as coisas vão mais rápido. Por quê? Se eu preciso resolver algum assunto,
eu ligo para a secretária do diretor de R.H., digo: ‘eu preciso marcar uma hora
que eu preciso resolver um assunto com ele’. E ele dá valor àquilo que eu tenho
que falar com ele. Ele me atende. Na estatal já era mais difícil, porque você
tinha que respeitar muito, a hierarquia era muito rígida. Então mandava você
para aquele, ele tinha que dar o parecer dele, daí mandava para outro, que
também tinha que dar o parecer, e até que chegasse no superintendente
demorava uma semana.” (funcionário de área administrativa)
“A única coisa que mudou muito, a gente nota bastante diferença, é o acesso.
Por exemplo, na estatal para você falar com o Superintendente, era muito difícil.
Você tinha que passar, quase que marcar uma audiência para falar com ele. Só
182
“Diminuíram os níveis hierárquicos ...as conversas são mais francas, nos dois
sentidos. Há uma quebra de divisão, de barreira, enorme, enorme. Há uma
busca, realmente, de se dar a oportunidade para todas as pessoas de poderem
enfrentar o problema e vir conversar com o chefe.” (gerente de área
operacional)
“Eles sempre passam o resultado do mês. A gente tem correio eletrônico, então
se informa como foi o desempenho da empresa, qual vai ser a meta do próximo
mês ... E, sempre, se colocando à disposição para quem quiser [tirar] dúvidas.”
(funcionário de área administrativa)
“Hoje em dia, a gente recebe ... sempre quando vem o holerite, vem um boletim
sobre a empresa, o que está acontecendo. São pessoas inovando a empresa,
algum acontecimento assim. Através disso a gente fica sabendo, a gente discute,
ali, conversa com os chefes, para saber se os chefes sabem de alguma coisa.”
(funcionário de área operacional)
“Hoje você vê que nós temos uma meta visível para todo mundo ...Então, isso é
um ponto forte. No tempo de estatal, o que é que nós tínhamos de meta? Não
sei. Não tinha: produzir tanto. Esse ano, nós sabemos: nós temos que produzir ...
nós sabemos quanto que nós temos que gerar de receita, nós sabemos. Então
isso te dá um horizonte para você tentar.” (funcionário de área administrativa)
“Hoje, a gente trabalha com um orçamento bem rígido. Se você precisa comprar
um computador, tem que fazer a programação para isso, tem que ter uma
justificativa”. (funcionário de área administrativa)
Esses aspectos teriam sido, segundo um dos depoimentos colhidos, negligenciados pela
administração da empresa estatal o que teria, por sua vez, causado a falta de atenção dos
próprios funcionários para essas questões.
“Hoje eu acho que o cliente espera que nós tenhamos uma [produção] mais
eficiente .... Então hoje uma palavra que se fala muito na empresa é lucro,
porque em isso, não puxa as outras coisas. A gente sabe que não puxa. Mas no
tempo da estatal não se cobrava. ... Tem que ser eficiente, mas tem que dar lucro
também. Então, nós temos que ter essa visão. Então, essa mudança foi uma
mudança muito grande que a gente teve. Nós não estávamos acostumados, por
exemplo, na área de manutenção, em pensar em custo. Quanto custava? Não
importava quanto custava, nós só falávamos em quanto precisava. ‘Eu preciso
disto’. Não me importava se custava 10, 20 ou 100, eu precisava. Hoje, não,
custa 10, mas eu tenho um que é mais barato, vende por cinco, talvez atenda à
mesma coisa, ou, talvez, em comprando por 15 me dê uma vida útil maior do
que o de dez. Então, nós temos que fazer essa comparação para poder definir os
custos, e a palavra custo é muito grande.” (funcionário de área administrativa)
“No início nós achávamos assim um pouco, como começaram a vir pessoas que
não eram da estatal, nós de uma forma geral sentíamos um pouco
desprestigiados. Porque parecia que nós não tínhamos condições de assumir
determinadas funções e tudo o mais e com o transcorrer dos meses e do ano que
já passou, muitas pessoas da estatal tiveram muitas oportunidades e as pessoas
185
cresceram. Eu, particularmente, sinto que eu cresci muito em contato com essas
pessoas que já eram de outro mundo.” (gerente de área operacional)
“A gente teme por outro lado, a gente teme que amanhã ou depois eles metam
um guri novo, que não entenda bulufas do serviço como já está acontecendo em
alguns setores... Eu já tive a impressão,... que a ServB mais cedo ou mais tarde,
ela não vai ficar com um sequer remanescente da estatal.” (funcionário de área
operacional)
“Teve colega meu que, quando foi feito o primeiro programa de trainee, achou
que o trainee era uma ameaça mortal, que era o trainee ser contratado que ele ia
ser mandado embora.” (gerente de área operacional)
“O que realmente houve é que a primeira leva de trainees, eles foram vistos
como salvadores da ServB. Todos que vieram da estatal tinham um carimbo,
não serviriam.” (gerente de área operacional)
A experiência mostrou que não houve a troca de pessoas antigas por mais novas na
forma como havia sido temerosamente imaginada. Para alguns, passaram a ser vistos
menos como uma ameaça ao emprego e mais como jovens sem experiência, que muito
precisariam aprender para entender os meandros da organização e do trabalho correto.
Para outros, a contratação de trainees indicaria uma valorização da educação formal em
detrimento da experiência na organização.
“Olhando assim, esse pessoal, esses trainees novos que estão entrando e estão
virando engenheiros, esse pessoal, eles são muito inexperientes na área da
ServB. Na área da ServB eles são muito inexperientes de trabalho, mas eles são
muito avançados no outro lado, na cultura, comportamento pessoal...”
(supervisor de área operacional)
186
“O que a gente fica chateado é que estão contratando gente de fora, que não
conhece nada e todos esses contratados por eles, o salário são duas vezes o
nosso. E isso a gente vê. Há uma supervalorização de pessoas sem
conhecimento, mas com cursos... E você é obrigado a treinar essas pessoas e
dizer para o cara: é assim, assim, assim.” (gerente de área operacional)
Para um dos entrevistados ainda, os trainees seriam as pessoas que a empresa teria
escolhido para serem os novos gerentes. Atingir os melhores cargos não seria, porém,
tarefa fácil: teriam que “concorrer” com aqueles que vieram da estatal. Na percepção de
um entrevistado, a questão decidir-se-ia com base no mérito e não com base na origem
de contratação.
“Eu estou enxergando que eles vão ser as pessoas que vão ser preparadas para
serem os próximos gerentes, os chefes. Mas eles vão ter que realmente
concorrer com as pessoas que estão aí. E já não são aqueles pré-escolhidos. Eles
vão ter realmente a oportunidade se estiverem indo bem, se tiverem mérito. Mas
o que existe hoje é que já não estão pré-escolhidos como estavam os outros. O
primeiro grupo foi chocante.” (gerente de área administrativa)
“Eu não tinha nenhuma preocupação com eles. Eu acho que eles iam
desenvolver um trabalho ótimo, que iam somar, que iam oxigenar a cabeça das
pessoas que estão aí, que iam empurrar todo mundo para um caminho melhor.
Mas não que eu em algum momento pensasse que ele estava entrando para ficar
no meu lugar. Isso não me passava pela cabeça.” (gerente de área operacional)
Para um dos depoentes, seria como se tivesse passado, em termos profissionais, de uma
fase de adolescência para uma fase adulta. Para outro, o aprendizado seria proveniente
da necessidade de organizar o seu trabalho. Outro, ainda, aponta o crescimento
profissional como uma compensação para o excesso de horas trabalhadas.
“Eu cresci muito. Cresci muito. É como se eu tivesse da fase, não vou dizer da
fase de infância, da fase de adolescência para a fase adulta. ... Se fosse fazer um
187
“Que a gente está trabalhando mais, com certeza. Eram 6.000, hoje está com
3.000, alguém está fazendo o serviço. A gente está trabalhando muito mais, está
se desgastando mais. O estresse é muito grande, mas profissionalmente eu
cresci muito. Isso vale muito também.” (funcionário de área administrativa)
Alguns indicam que o importante teria sido a oportunidade de entrar em contato com o
ambiente externo, de ser responsável por um processo inteiro e de fazer a ligação entre
organizações externas e a ServB.
“Me agrega mais conhecimento. ... Porque, em reuniões, eu vou nas faculdades
quando tem programa de estagiário, ... eu aplico prova, faço entrevista, eu vou
para o Senai, eu vou para participar das reuniões no Senai, eu vou no interior,
aplico prova... entro em contato com outras empresas, com pontos de
treinamento...Estou com mais conhecimento, mais maduro como pessoa e como
profissional, melhor.” (funcionário de área administrativa)
“Porque a gente está mais atualizado no mercado do que estava há quase dois
anos e meio atrás. Hoje, por exemplo, a gente tem contatos com n empresas...
Hoje nós temos muitas empresas que prestam serviços, muitas atividades que
eram, são da ServB, mas que são terceirizadas. Então você tem contatos, troca
idéias com outras empresas.” (funcionário de área administrativa)
“Eu cresci muito. Eu acho que cresci bastante. O João de 96, além de ele estar
muito preocupado com o que seria o futuro dele, ele também tinha muitas
limitações. Hoje ele cresceu bastante, ele conheceu mais gente, entrou muito
mais no mercado...” (funcionário de área administrativa)
Outros, ainda, fizeram referência a esse desenvolvimento como uma vantagem em caso
de saírem da ServB e procurarem outro emprego. Sentiam que o esforço empreendido
lhes teria acrescentado uma experiência que poderia ser valiosa em outros locais.
“Mas eu acho, e tudo isso que eu passei nesses dois anos assim, eu digo
profissionalmente, se eu tivesse que sair hoje da companhia, eu diria que estou
muito mais completo do que estava há dois anos atrás. Pelo menos eu estou
mais, vamos dizer, com os pés no chão do que é o mundo profissional. ... Eu
entendo que meu crescimento agora, de onde eu vim, para onde eu estou hoje,
eu considero um crescimento fantástico.” (gerente de área administrativa)
188
“Mas hoje eu estou muito mais seguro. Talvez eu esteja mais estabilizado neste
emprego, uma outra cabeça, uma cabeça que diz, amanhã pode acontecer
alguma coisa e eu sair daqui. Eu já tenho uma experiência muito maior do que
eu tinha antes com dezoito anos de estatal. Em dois anos eu adquiri muito mais
experiência do que eu tinha antes.” (funcionário de área administrativa)
Dentre todos os temas que emergiram dos depoimentos dos entrevistados, aquele que se
revelou mais constante foi o da alteração na estabilidade do emprego. Enquanto que na
época de estatal havia, conforme já relatado anteriormente, quase que uma
impossibilidade de alguém ser demitido, na nova organização os funcionários
percebiam uma ausência de estabilidade do emprego.
“Porque hoje não tem mais estabilidade. Na estatal se tinha estabilidade, hoje
em dia você não tem mais. Aqui está todo mundo sujeito, está sujeito a ser
mandado embora, a hora que eles quiserem. Se chegar no final do mês e cortar
mais cabeças, eu posso estar junto.” (funcionário de área administrativa)
“O dia em que eu parar de trabalhar, o dia em que parar de ser dedicado, o dia
em que eu resolver trabalhar só as minhas oito horas, eles vão me mandar
embora. Enquanto eu estiver trabalhando mas minhas 12 horas, 13 horas, duas
ou três de graça, estou legal. Mas o dia em que [alguém disser]: - ‘a partir de
hoje só vou trabalhar das 7 às 11 e do meio dia às 15, ganho para isso, a minha
carteira está assinada assim, não quero conversa’ – o camarada não vai servir
mais para eles. A verdade é essa.” (funcionário de área operacional)
“Eu trabalhei muito pouco tempo na iniciativa privada, mas quero acreditar que,
todas as empresas, elas têm a sua própria filosofia e gostam daqueles que ali
estão trabalhando, acreditando nisso. Então esse é um dos valores mais fortes
189
que nós pregamos, nós temos que acreditar muito, que se a gente não acreditar,
como é que a gente vai investir numa coisa em que a gente não acredita? Como
é que você vai levantar de manhã, fazer o seu trabalho aqui se você não está
acreditando? É complicado. Então a crença é um dos primeiros requisitos para a
gente permanecer aqui.” (gerente de área administrativa)
“Nesse aspecto, se eu for bom, eu não saio, mas com todo mundo [é assim], se
não for bom, sai. Se repente não adianta você querer ficar com quem realmente
não incorporou o espírito. Se tem alguém ainda que não incorporou o espírito da
privatização, não tem jeito, não.” (funcionário de área operacional promovido a
gerente)
“Eu acho que motiva, porque você trabalha mais. Não, não trabalha mais,
trabalha melhor, trabalha o mesmo tanto. Tenta desenvolver cada vez melhor,
aprender mais aqui dentro para segurar o emprego. Daí, acho que incentiva mais
você trabalhar. É aquele negócio, é a mesma coisa que deixar você solto. Você
já está contratado, você tem estabilidade no emprego, daí você faz o teu serviço,
vai dar uma volta ali para bater um papo. Agora assim, você tem emprego, se
não trabalhar você é mandado embora. Incentiva mais o povo a trabalhar. Eu
acho que é assim, por isso que te falei que o pessoal ficou mais unido...tá todo
mundo trabalhando bem, um ajuda o outro. Nessas partes, ficou bom.”
(funcionário de área operacional)
“Nós temos exemplos de pessoas que estavam trabalhando muito pela empresa,
deixando totalmente o seu lado particular em prol da empresa, de repente, ela é
desligada da empresa. Então você não sabe mais se somente você se doar para a
empresa é suficiente. Você começa a ter dúvidas. Houve muita demissão, muita
gente que foi demitida dessa maneira.” (funcionário de área administrativa)
“Eu estou aqui hoje. De repente, minha área ou meu trabalho deixa de existir.
Digamos que a empresa, pelo planejamento da empresa deixou-se de executar
aquela atividade e eu sobrei.” (funcionário de área administrativa)
190
Algumas estratégias pareciam ser utilizadas para lidar com a sensação permanente de
insegurança, com o medo de poder ser desligado a qualquer hora. Para um dos
entrevistados, não haveria nada a se fazer, seria como a morte, que não se sabe quando
vem, sabe-se apenas que vem. Outro considerava o medo como algo que deveria ser
enfrentado. Outro, ainda, considerava a preocupação permanente uma “neura”. Para
outro, por fim, o fato de saber que teria condições de encontrar um outro emprego, tirar-
lhe-ia o medo.
“Na época de estatal ... era difícil ser mandado embora. Depois que privatizou a
gente já viu aqueles amigos sendo mandados embora, outras pessoas, e você já
perde o medo. Começa a enfrentar. É mais fácil enfrentar do que ficar tenso,
ficar com medo de ser mandado embora.” (funcionário de área administrativa)
“Mas eu nunca tive essa neura ‘Será que eu vou estar aqui amanhã? Será que eu
não vou ficar?’ E eu conheço bem as minhas limitações, eu tenho assim muita
consciência até do que o mercado está oferecendo e eu conheço bastante do que
eu posso estar oferecendo para a companhia. Mas talvez eu tenha conseguido
melhorar bem o meu trabalho, em função de que eu não fico, assim, tentando
pensar que eu vou ser descartada daqui a um tempo.” (gerente de área
administrativa)
“Eu acho que não nasci aqui, não é meu único potencial, eu acho que eu tenho
condições de fazer outras coisas em outras companhias. Eu acredito nisso, tenho
certeza disso. Então, porque eu vou ter medo da demissão? De forma nenhuma.
Eu não tenho receio, apesar de saber que ela pode acontecer.” (gerente de área
operacional)
As práticas da estatal estavam na memória das pessoas, mas não pareciam fazer mais
parte do seu elenco de expectativas. Assim, por exemplo, segundo um dos funcionários
entrevistados, a questão da vulnerabilidade do emprego estaria incorporada à sua vida
profissional.
“Eu acho que depende da cabeça de cada um. Acho que nessa parte da
insegurança, pelo que eu vejo, vou ter que conviver com ela enquanto estiver
aqui dentro, vou ter que conviver com ela. Não existe segurança na vida. Em
que existe segurança hoje em dia? Iniciativa privada não dá segurança nenhuma.
191
O país não dá segurança nenhuma. Então vou ter que trabalhar neste sentido.
Acho que segurança, eu não tenho a segurança que eu tinha na época em que eu
trabalhava numa empresa estatal, eu não tenho aquela segurança mais.”
(funcionário de área administrativa)
Do ponto de vista da seleção das pessoas a serem desligadas, um dos gerentes indicou
que as pessoas a permanecer seriam aquelas com mais vontade de trabalhar e de crescer,
mesmo que em detrimento de pessoas com grande conhecimento, mas sem vontade de
trabalhar.
“Você tem que realmente selecionar aquele pessoal que tem conhecimento e
tem vontade. Principalmente vontade. Muitas vezes não adianta a pessoa ter o
conhecimento e não ter a vontade. Eu acho que é importante daí, fazer uma
seleção daqueles que têm vontade de continuar e querem continuar. Muitas
vezes podem até ter certa dificuldade de conhecimento, de atividade técnica,
mas a partir daí você pode, com um treinamento realmente forte, acabar
aproveitando a experiência desse profissional.” (gerente de área operacional)
Do ponto de vista dos critérios e dos procedimentos para o desligamento, outro gerente
considerou que os critérios para a seleção deveriam ser extremamente claros e
equânimes, para que não houvesse injustiças e favorecimentos. Um cuidado, também
192
“Eu acho que tem que usar critérios muito claros. Mesmo que você vá pedir
para a [outra] pessoa fazer dimensionamento, deixar critérios muito claros...
Quando você for escolher as pessoas, acho que o mais importante é realmente
escolher tendo justiça, ser o mais justo possível. Você realmente ficar com
aquelas pessoas porque são pessoas importantes para o seu trabalho. Nunca
escolher pela cor dos olhos, pela aparência que a pessoa tem, escolher realmente
pelo valor das pessoas... E cuidar das pessoas que ficam. Depois de todo o
processo, reunir as pessoas que ficam, esclarecer o que aconteceu, dar os
motivos principais... Fazer esse processo com dignidade, correção, clareza,
simplicidade, sem arrogância, mas depois disso cuidar dos outros...” (gerente de
área operacional)
Quanto ao tempo para a execução do plano, um dos gerentes apontou que deveria ser
feito o mais rápido possível e em curto espaço de tempo. O prolongamento do processo
causaria ansiedades e expectativas que poderiam interferir no rendimento do trabalho.
“Se tiver que fazer uma adequação no seu quadro, não demore para fazer: faça
rápido e de uma vez só, se possível. É menos doloroso. Porque a expectativa
que se cria quando você não faz o processo de uma vez só é muito grande.
Porque as pessoas ficam sempre imaginando.... as pessoas não têm a segurança
de ficarem trabalhando.” (gerente de área administrativa)
5.5 Futuro
De forma geral as pessoas se viam como tendo atrelado o seu futuro ao da companhia.
Para algumas, havia expectativa de crescimento tanto em termos de cargos quanto em
termos de conhecimento. Esperavam que a empresa crescesse e, junto com ela,
esperavam crescer também.
“Hoje não, hoje, com a privatização, com a oportunidade que a companhia está
dando para as pessoas da base... minha oportunidade de crescer, dentro da
193
“Em termos pessoais eu gostaria de ter um pouquinho mais de lazer. Talvez nos
finais de semana, pelo menos. Espero montar uma estrutura para isso. Em
termos profissionais claro que todo mundo quer alguma outra coisa. Eu quero
uma outra coisa. Não quero ser sempre o gerente dessa área em que eu estou. Eu
gosto dela, quero transformá-la, sei que vou ter um tempo útil ali dentro... mas
vai chegar a um nível que eu vou querer uma outra área, uma outra coisa, igual
ou mais diferente ou maior, claro.” (gerente de área operacional)
“O que a gente sente é que trabalho não me assusta, só que não posso ficar
trabalhando o resto da vida, não no ritmo em que estou trabalhando, nem eu,
nem os outros que estou vendo por aí. Eu queria, pelo menos, ter, quando for a
folga, eu poder sair. Poder compensar a minha família de uma forma ou de
outra...” (gerente de área operacional)
“Aqui na ServB? Não tem muita perspectiva. Que nem eu te falei, vai se
seguindo assim, esperar, se der para você conseguir aposentar, beleza, mas se
não conseguir e eles mandarem embora, você tem que conseguir outra coisa
para fazer.” (funcionário de área operacional)
194
“Eu entrei como técnico e acho que vou sair como técnico. No meu caso
particular eu acho que não. Porque digamos, não tem uma seção técnica que
houvesse uma pessoa acima de mim que eu pudesse almejar o cargo com o
passar do tempo ... Então, para mim, não houve como evoluir profissionalmente
na empresa. Nem antes, nem depois.” (funcionário de área operacional)
195
Suas práticas antes da privatização pouco diferiam das práticas de tantas outras
empresas estatais: gestão baseada na conveniência de políticos, acentuada divisão de
trabalho, dificuldade para demitir, processo decisório lento e burocrático, ausência de
investimentos e defasagem tecnológica, entre outros.
Outro problema encontrado pela nova direção referia-se à idade do quadro de pessoal.
Com a dificuldade de contratação própria das empresas estatais, a idade média das
pessoas e seu tempo de serviço na empresa tornaram-se muito elevados, formando um
quadro dito “envelhecido”.
Cerca de uma semana mais tarde, a empresa lançou seu primeiro Plano de Desligamento
Incentivado – PDI, oferecido, sem exceção, a todos os empregados da empresa. Há que
se observar que, na opinião de algumas pessoas, a demissão sumária de 340 pessoas em
prazo anterior ao lançamento do PDI teve como efeito um aumento no volume de
adesões. O fato teria sinalizado a possibilidade de outras demissões, rompendo, assim, a
196
“Causou um impacto e quem ficou, ficou com medo. Ou eu aceito isso, que de
repente eu estou levando algum dinheiro, ou quando acabar o programa... eles
vão fazer o que fizeram com os outros lá: vão botar na rua. Então as pessoas
aderiram em massa. Deu esses 4500 aí.”
Assim, neste primeiro plano, todos os funcionários receberam uma carta comunicando o
plano e informando os valores do incentivo monetário a ser recebido em caso de adesão,
além de um formulário próprio para o requerimento de desligamento. Àqueles que
assim desejassem, bastaria assinar o formulário e entregá-lo à chefia. A empresa
reservava-se, entretanto, o direito de aceitar, ou não, o requerimento de adesão com
“ponderação, a seu exclusivo critério, das necessidades e conveniências da Empresa.”76
Outro benefício referia-se ao fundo de pensão. Pelas regras vigentes, o empregado teria
direito à complementação da aposentadoria aos 55 anos de idade. A partir dos 50 anos,
porém, teria direito à complementação proporcional. Para os funcionários com mais de
50 anos, aos quais faltassem menos do que 60 meses para a aquisição do direito integral,
a empresa pagaria a contribuição relativa às parcelas do empregador e do empregado ao
fundo de pensão. Entre a adesão ao plano e os 55 anos, o empregado teria que viver de
seus próprios recursos, sem direito a qualquer tipo de aporte ou auxílio do fundo de
pensão.
Para aqueles que tinham tempo suficiente para requerer aposentadoria junto ao INSS, a
empresa colocou à disposição a sua estrutura administrativa e jurídica, de forma que
bastava ao empregado entregar a sua documentação e a ServC cuidava dos trâmites
burocráticos.
A adesão a este primeiro plano foi da ordem de 4.000 pessoas o que obrigou a empresa
a processar um alto volume de desligamentos em curto espaço de tempo, de forma que
os prazos impostos pela legislação trabalhista não fossem ultrapassados.
76
Fonte: Comunicado interno da empresa
197
“Houve também uma preocupação quanto àquelas pessoas que tinham interesse
em sair da empresa e montar seu próprio negócio... Tiveram alguns
treinamentos junto ao Sebrae... Foi centrado nas pessoas com potencial de
aposentadoria, já próximos da aposentadoria, ou aquelas que, por iniciativa
própria, queriam sair da empresa e montar seu próprio negócio.” (funcionário de
área administrativa)
Ocorreu, no entanto, que o oferecimento de cursos não teve o sucesso desejado. Foi
baixo o número de inscrições para os cursos oferecidos e mais baixo ainda o número
real de participantes. Um gerente atribuiu esse fato à cultura existente anteriormente,
que pouco estimulava o empreendedorismo dos funcionários.
Encerrado este primeiro plano, outros foram oferecidos aos empregados, agora mais
voltados àqueles com tempo ou idade para a aposentadoria. Assim, por exemplo, em
1997 ofereceu-se um programa possibilitando aos empregados que tivessem completado
os requisitos para a aposentadoria junto à Previdência Oficial se desligarem em
condições especiais. Este plano foi elaborado para um ajuste do quadro de pessoal
tendo em vista atender pedidos de funcionários preocupados com a mudança a ser
realizada pelo governo federal nas regras para a aposentadoria
Nos anos de 1998 e de 1999, mais dois planos de incentivo à aposentadoria foram
oferecidos. Ambos incluíam benefícios adicionais aos previstos pela leis trabalhistas. Se
comparados, porém, com o primeiro plano de 1996, os programas seguintes ofereciam
benefícios progressivamente menores.
A ServC desligou entre 1996 e 1990 cerca de 45% do seu quadro de pessoal, passando
de aproximadamente 11.000 empregados para 6.000 empregados. Admissões, todavia,
foram realizadas e, em um único departamento, quase 1000 pessoas foram contratadas
neste período.
Na percepção dos empregados a ServC, como empresa estatal, enfrentava uma série de
dificuldades que impediam seu funcionamento efetivo. Do ponto de vista técnico e
operacional, a empresa necessitava de aportes substanciais de capital para melhorar e
expandir seus serviços. Do ponto de vista de recursos humanos, estava limitada na
contratação de novos funcionários. Por outro lado, por ser empresa estatal, governada
em parte por interesses políticos e, ainda, por conta da atuação de um forte sindicato, a
empresa tinha dificuldades para dispensar os maus funcionários:
“Ela não tinha uma cultura de desligamento. Para você desligar uma pessoa
aqui, era melhor dar um tiro na cabeça, porque você não conseguia desligar
ninguém, por força do sindicato, força política. Uma empresa estatal tem toda
essa história.” (gerente de área administrativa)
“Estatal para você ser mandado embora tem que fazer uma besteira muito
grande, xingar o presidente, coisas desse tipo. Todo mundo tem sempre isso em
mente. Você trabalhar normal, não precisa ser nenhum gênio, mas se você fizer
o teu feijãozinho com arroz, você vai fazer. Ninguém, a princípio, ninguém era
demitido. Nesse sentido, a menos que a besteira fosse muito grande.” (gerente
de área operacional)
“A empresa estatal tem uma série de regras e de coisas. Primeiro, você não
consegue demitir....não tinha admissão, mas também não tinha demissão.”
(gerente de área administrativa)
199
Além disso, segundo depoimentos, muitas pessoas eram indicadas para os cargos por
uma questão política.
Esse caráter político de recursos humanos teria criado uma empresa “inchada”. Alguns
setores estavam, em verdade, com excesso de pessoal, o que provocou, por sua vez, a
ociosidade de muitos:
“A gente conversando: ‘Está inchado. Passa por aí tem gente lendo jornal a torto
e a direito. A gente está um pouquinho inchado’.” (gerente de área
administrativa)
“Eu não sei, eu não tenho condição de dizer qual é o número adequado de
empregados que tem que ter na ServC. Mas tem um número e [este número] não
é aquele do passado: 12.000. Não é aquilo, aquilo era um absurdo.” (gerente de
área administrativa)
“O valor que se dava era igual para todos. Se o cara trabalhasse ou não
trabalhasse. O que não trabalhava era promovido. Isso é uma coisa louca. Isso
acaba com o ser humano. Isso destrói o ser humano completamente. Aí nisso
você destrói aqueles que, às vezes, se não estivessem passando por isso, teriam
forças. Porque tem gente que não tem força para trabalhar mais, porque é tanta
injustiça, que ele perde aquele negócio...” (gerente de área administrativa)
“Então, eu acho que a distribuição de tarefas ao longo do tempo era mal feita.
Tinha pouca gente trabalhando de verdade e muita gente fazendo nada,
trabalhando nas costas dos outros.” (gerente de área administrativa)
200
“Aqui nesse andar, cada gerente tinha uma secretária. Para quê? Para atender o
telefone, passar a ligação, agendar uma reunião e datilografar uma carta. ... Para
mandar [uma correspondência] você precisava do contínuo... o contínuo pegava
o carro aqui e rodava toda a nossa região para pegar papel...” (gerente de área
operacional)
A organização hierárquica da empresa foi, também, objeto de crítica. Com vários níveis
e com alta formalização da estrutura, as comunicações eram menos diretas, tornando o
processo decisório menos ágil:
“Eu não tinha o acesso que eu tenho hoje aos meus superiores hierárquicos... em
vinte anos eu fui talvez a uma reunião com o diretor. Depois da privatização, eu
já fui a várias. Com o superintendente é quase todo dia. Não era uma coisa
normal. As coisas eram mais estanques. ...” (gerente de área operacional)
“É igual a Aids, só se acredita que ela existe quando vem em alguém pertinho
de mim. ... Acontece na casa dos outros, mas na minha não vai acontecer
nunca.” (funcionária de área administrativa)
“Foi uma época muito complicada. Você tinha algumas [pessoas] que
absolutamente não acreditavam que era possível a ServC ser privatizada. Não
acreditavam. Só passaram a acreditar quando ela foi vendida e, assim mesmo,
ainda tinham expectativa de que aquilo pudesse ser revertido.” (gerente de área
administrativa)
“... [o sindicato] adotou uma postura radical. ‘Não, não vai acontecer.’ E não se
estruturou, não divulgou informação. ... Teve um dia em que rompeu o dique e a
água entrou... Poderia ter havido um preparo maior. O clube que foi montado
pelos empregados para comprar o seu quinhão de ação, foi montado pela
presidência da ServC. Ao invés de ser um movimento do sindicato. ... O
sindicato que podia ter feito, não fez. Ficou naquele negócio que o câncer só dá
no vizinho, não dá aqui em casa. Eles poderiam ter preparado melhor o povo.”
(gerente de área operacional)
A privatização era fator ameaçador para grande parte dos funcionários, uma vez que, a
exemplo da experiência de outras empresas anteriormente privatizadas, havia grande
possibilidade de demissão em massa de funcionários. O grande temor, agravado ainda
por boatos internos e mesmo reportagens na mídia, dizia respeito à possibilidade
imediata de perda do emprego:
“As pessoas [estavam] com medo, muito medo de desemprego. E do que viria aí
pela frente.” (gerente de área administrativa).
“O que havia muito era pedido de curso de línguas. Porque se fosse comprado
por americanos ou franceses, as pessoas queriam cursos de idiomas.” (gerente
de área administrativa)
“Tem que se preparar. Sempre digo isso para meus colegas: vocês têm que se
preparar. Porque não faz o curso assim? Vamos fazer o tal curso? ” (funcionário
de área administrativa)
Para alguns, a perspectiva parece ter sido de otimismo. Cansados das políticas de
empresa estatal, vislumbraram na empresa privatizada reconhecimento, valorização e
melhor remuneração de pessoal:
“Um plano de carreira definido... na época a expectativa era essa. Vamos ter um
plano de avaliação profissional... uma avaliação de desempenho formalizado...
uma política de recursos humanos mais transparente”. (gerente de área
operacional).
“...a imagem que as pessoas fazem da firma particular... como é que fica a firma
particular? Quem produz tem lugar, quem não produz não tem. Então eu tenho
que mostrar que eu produzo mais do que os outros. Isso é elementar na cabeças
das pessoas. É uma coisa natural. Tem que produzir.” (gerente de área
operacional)
De acordo com as expectativas, a empresa, logo após ser privatizada, implementou uma
série de programas de redução de pessoal. Sem o caráter de um ato de demissão
unilateral, optou por realizar sucessivos planos de desligamento voluntário com
concessão de uma série de benefícios financeiros e sociais. Realizou demissões
sumárias apenas nos casos mais graves e, mesmo assim, em quantidade
substancialmente menor, se comparado com o número de adesões aos planos de
desligamento incentivado.
Logo após a privatização e cerca de uma semana antes de ser comunicado o primeiro
Plano de Desligamento Incentivado – PDI, a ServC demitiu sumariamente cerca de 340
empregados. Tratava-se de pessoas que já tinham um histórico de problemas e
dificuldades com a empresa e, na opinião dos entrevistados, foi um processo justo e
204
merecido. Formou-se quase que um consenso de que estas pessoas mereciam ser
desligadas.
“Uma semana antes da ServC implantar esse programa, ela pegou 340 casos e
desligou sem direito a nenhum benefício. Fez a demissão sumária, mandou
superintendente para a rua, mandou diretor para a rua, mandou funcionário,
mandou embora. Pegou a carta entregou numa sexta-feira, ‘toma está demitido’.
Acabou. E uma semana depois ela solta o programa de incentivo.” (gerente de
área administrativa)
“Mas sempre aquele pessoal que realmente é improdutivo. Que você vê que não
tem como. Como diz o pessoal: ‘nem com ferrão’.” (funcionário de área
administrativa)
O PDI foi o primeiro de uma série de planos implantados pela ServC. O presente estudo
aprofundou-se, no entanto, apenas no primeiro deles, implantado cerca de dois meses
após a privatização. Os demais foram considerados apenas naqueles aspectos relevantes
para o entendimento do objetivo da pesquisa.
Uma das razões mais mencionadas para o programa de redução de pessoal referiu-se ao
quadro de pessoal envelhecido. Havia, então, segundo os entrevistados um contingente
grande de pessoas com muitos anos de empresa que deveria ser desligado e havia,
também, a necessidade de se oxigenar as idéias através da contratação de novas pessoas:
“Tem muitas pessoas já com muito tempo de empresa, já com idade... um dos
fatores que foi colocado é porque ela está com quadro envelhecido.”
(funcionário de área administrativa)
“Eu acho até que a ServC não era uma empresa tão inchada quanto muitas
outras. Mas de qualquer forma tinha de haver. Muitas coisas podiam ser
terceirizadas, muitas coisas podiam ser aprimoradas. Eles iam ter que colocar
gente nova aqui, para trazer sangue novo para a empresa.” (gerente de área
administrativa)
“Renovar o quadro, otimizar. Acho que ela tinha muita dificuldade, uma
estrutura muito grande, com muitos níveis hierárquicos. Então era um negócio
muito complicado para atuar.” (funcionário de área administrativa)
A redução de pessoal foi esperada por conta dos exemplos de outras privatizações já
realizadas no país e dos motivos anteriormente citados, pela percepção de que o quadro
de funcionários poderia e deveria diminuir.
“Nós esperávamos. Todos nós sabíamos que a empresa era muito grande, era
um número excessivo de funcionários e nós sabíamos que isso ia ocorrer.”
(funcionário de área operacional)
77
O cálculo do incentivo financeiro embutia um multiplicador que aumentava conforme o número de
anos trabalhados.
206
“Ele ia receber acho que uns trezentos ou quatrocentos mil reais....para ele era
um negócio da China! Um negócio da China! ... tinha mais tempo de ServC ...
tinha um salário altíssimo, estava com cinqüenta e dois anos ou cinqüenta e três
... bastante próximo de fazer os cinqüenta e cinco, que era o que permitiria a
aposentadoria...” (gerente de área administrativa)
Em alguns casos, esta aposentadoria ocorria ainda com a pessoa muito jovem, uma vez
que uma legislação específica sobre insalubridade garantia uma aposentadoria especial
com apenas 25 anos de trabalho. Assim, alguns puderam se aposentar ainda bem jovens,
a partir dos quarenta anos:
A insegurança acerca do futuro parece ter sido, também, um forte motivador. Aderir ao
plano garantiria, naquele momento, além dos benefícios previstos em lei, um incentivo
financeiro e social adicional. Como havia uma expectativa de reestruturação da
empresa, com muitas atividades a serem terceirizadas, aqueles que se encontravam em
funções mais ameaçadas sentiram-se compelidos a desligar-se.
“Ao medo. Ao medo em boa parte e um pouco, evidentemente, a ver com algum
dinheiro na mão e achar que aquele dinheiro tinha algum peso, porque estava
sendo visto de uma vez só. Pessoas que nunca receberam aquela quantia de uma
vez só, de repente, terem aquilo e acharem que era alguma coisa.” (gerente de
área administrativa)
“Muitas pessoas acharam que podiam ser ‘patrão de mim mesmo’. Essa foi uma
coisa muito forte para os que saíram”. (funcionária de área administrativa)
Em outros casos, pessoas que já tinham algum tipo de atividade paralela aproveitaram a
situação para se desligar e continuar com sua atividade fora da empresa:
“Você tinha a faixa do grupo que sabia que não ia dar para eles na empresa.
Porque até eram pessoas que tinham atividades fora. Elas perceberam que o
melhor era pegar o que tinha, que era uma oportunidade e foram.” (gerente de
área administrativa)
207
“No nosso caso, teve pessoas que eu mandei recado. Outras eu dei
pessoalmente, do tipo, ‘aproveite a chance e vai embora porque você não vai
espaço na nova empresa privada’, por causa de desempenho, por causa de garra,
por causa de perfil... Uma boa parte foi porque achava que queira ir mesmo,
devia ir. Pega um dinheiro, sempre se acena com algum dinheiro e algumas
pessoas estão sempre precisando de dinheiro.” (gerente de área operacional)
Outro gerente, ainda, relatou que o medo da demissão era tamanho que mesmo pessoas
competentes desligaram-se da empresa:
Outro ainda, mais veemente, indicou ter a adesão involuntária criado um clima de terror
dentro da empresa. Cada gerente havia recebido a ordem de diminuir seu quadro em dez
porcento, o que teria forçado a recomendação de adesão aos piores funcionários.
“Porque o clima era esse mesmo. Era: ou você aceita o PDI agora, ou você vai
ser demitido depois sem nada. Era uma opção, entre aspas, mas era entendido
mais como uma coação. ... Bom, você pega o PDI agora, se você não [pegar]
agora você vai ser demitido depois sem ganhar nada. Era assim que a coisa
funcionava. Era esse o terror.” (funcionário de área operacional)
Parte dos entrevistados indicou, ainda, o prazer pelo trabalho realizado como um dos
fatores essenciais para a permanência na empresa:
208
“Não estava dentro das minhas expectativas. Eu não tinha condições de sair da
ServC, não queria sair. Quando eu vim para cá, houve um investimento muito
grande em cima, não só de mim mas, também, do grupo em que a gente
trabalhava... A gente fazia aquilo com muito prazer, com muito gosto. ... Então
em nenhum momento eu pensei em aderir. Eu falei, ‘O que eu vou fazer com
todo esse conhecimento que eu adquiri?’ ”(funcionário de área administrativa)
“Eu [aderir]? Nunca! Agora que eu achava que ia ficar bom. Eu, nunca. Nunca
passou isso pela minha cabeça. Eu achava que ia melhorar. ... Porque eu achava
que eu era bom. Continuo achando. Eu nasci para trabalhar em empresa privada,
num ritmo forte. Se tiver que tomar decisão rápida, pressionado o tempo todo,
eu tinha o perfil.... Porque o meu perfil é de empresa privada. Nada me magoou
neste processo, eu fiquei completamente à margem do processo.” (gerente de
área administrativa)
Por ser a ServC uma empresa com tradição de serviços essenciais prestados à
população, empregados e gerentes tinham consciência da importância de sua atividade.
O orgulho e a certeza da importância de seu trabalho transformaram-se em motivadores
para a permanência na empresa:
“Não, não pensei em aderir ao plano. Eu estava bem colocada, permanecia com
o interesse em continuar na empresa. ... Eu não tinha tempo para a
aposentadoria, nem na proporcional. Talvez se eu tivesse tempo para me
aposentar proporcionalmente, eu teria saído. Mas como eu não tinha, me
interessou permanecer na empresa. Não fiquei preocupada.” (funcionária de
área administrativa)
“Olha, na época em que foi colocado, não vou dizer para você que eu não
pensei. Mas foi um pensamento muito rápido. Eu pensei com uma preocupação,
porque no meu caso particular, o meu marido também é da SerC. ... Trabalha
numa área que provavelmente será terceirizada a médio prazo.... Então, eu
fiquei muito preocupada, mas eu logo desisti porque eu pensei o seguinte: ele
tinha mais chances, exatamente pelo tipo de atividade que ele fazia, de ser
dispensado. E eu acho que pelo histórico de trabalho que eu tenho na ServC, eu
com certeza não seria a pessoa a encabeçar qualquer lista de demissão. Um dia
vai chegar a minha vez, com certeza, mas eu acho que antes que eu vá, ainda
tem um bom número de pessoas para irem antes de mim. ” (gerente de área
operacional)
Um dos entrevistados relatou que uma discussão com a chefia quase o levou a aderir ao
plano. Julgando, porém, que no futuro as coisas iriam se modificar, optou por ficar.
“No PDI eu pensei uma única vez. Eu discuti com o meu chefe de
departamento. ... O meu chefe de departamento fez algumas coisas que me
irritaram profundamente. Então teve uma hora que eu disse ‘Mas o que é que
estou fazendo aqui? Vou sair agora. Saio, acabou, vou procurar outra coisa’.
Então pensei até em sair. ..Quer saber de uma coisa? Não vou assinar não,
porque ele vai sair. Ele vai sair, ele vai sair. ... Demorou oito meses, depois do
PDI, mas ele foi mandado embora. Eu disse ‘Ainda bem que eu não saí’. Foi a
única vez.” (gerente de área administrativa).
78
Segundo as regras vigentes para se ter direito à complementação integral pelo fundo de pensão, um dos
requisitos era que a pessoa tivesse pelo menos 55 anos de idade. A complementação proporcional seria
concedida apenas a partir dos 50 anos de idade.
210
O clima durante o plano foi de apreensão. Embora a adesão tivesse sido voluntária,
muitos boatos circularam pela empresa e muita insegurança se fez presente. De forma
geral, a dúvida referiu-se a duas alternativas que se apresentavam: (a) manter o emprego
e correr o risco de ser demitido posteriormente, sem nenhum incentivo financeiro ou (b)
aderir ao plano, recebendo incentivos financeiros e sociais, mas ficar sem o emprego:
“Era voluntário, não era obrigatório. Por outro lado, ele achava que se ele
saísse, aquilo ali não ia dar certo. Apesar de toda aquela conversa que foi
passada, ele não estava a fim de se aposentar. Então ele ia ficar, mas ele também
tinha medo de continuar e já estar na reta final e sair depois, perder aquela
oportunidade. Foi criado todo um clima que deixou as pessoas meio
complicadas. Foi meio difícil.” ( funcionário de área administrativa)
“Na ocasião, o pessoal ficou muito preocupado, teve gente muito desolada,
porque houve, assim, um boato de que a empresa mandaria pessoas embora.
Quem não tinha, assim, um bom desempenho no trabalho, eles iriam aproveitar
a oportunidade, mas foi tudo boato.” (funcionário de área administrativa)
O clima de apreensão foi agravado, não apenas por rumores internos como também por
notícias veiculadas pela mídia:
“Essa fase de transição, porque o clima... não importava muito o que rolasse
dentro da empresa, também vinha o que estava por fora. A mídia, toda a mídia
escrita, falada... as projeções que eram feitas, a informação que chegava para
todo mundo e os boatos sempre foram, nessa época, piores do que estava.
...Então pessoal estava muito aflito. ... O índice de apavoramento foi um
negócio assim incrível.” (gerente de área operacional)
Em pesquisa realizada pela empresa, cerca de dois meses após o encerramento do plano,
e divulgada por informativo interno, conforme Tabela 13, as opiniões dos
remanescentes acerca das demissões podem indicar como ficou o clima durante o plano
e apontar a percepção que dele ficou.
TABELA 13
RESULTADOS DA PESQUISA DE OPINIÃO SOBRE O PROGRAMA DE
DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO
“Eu procurei ser bastante honesto das coisas que estavam acontecendo. Essa
pessoas que eu achava que tinham o perfil, dentro da empresa, na nova empresa,
vamos dizer assim, de chance grande de continuar e até de crescer, na minha
maneira de ver, eu colocava isso para eles. Eu só não colocava o seguinte: que
eu não podia efetivamente garantir que eles permaneceriam. Mas, pelo que eu
conhecia deles, pelo que eu estava sentindo que era a postura da nova empresa,
na minha ótica, eles tinham tudo para continuar. De qualquer jeito, essa decisão
tinha que ser deles. Para os demais, para os que eu sabia que não teriam
realmente nenhuma chance em qualquer redução que se tivesse que fazer, por
menor que já fosse o quadro, eles com certeza não teriam chance de continuar,
eu não falei isso para eles. Eu não sei se foi errado ou não. ... quando eles
vinham comentar isso comigo, eu simplesmente colocava que a nova filosofia
da empresa era isso, isso e isso e você tinha que fazer desse jeito e que cada um
de nós tinha que decidir o que era melhor para nós. Quer dizer, eu demonstrava
qual era a filosofia, tentando fazer com que eles próprios enxergassem que, de
repente, naquele momento, para eles era melhor sair. Mas eu não falei isso em
momento algum. Eu tentei demonstrar sem falar e no momento em que eles
pediam ‘mas você me garante?’ Não, não posso garantir. Não sei nem se eu
estou garantido.” (gerente de área operacional)
212
“Onde eu gerenciava a colocação que nós tivemos, eu e meus gerentes, foi essa:
‘Vamos ser sinceros com as pessoas’. Porque existe a possibilidade de ir e não
ir. E não indo com isso [incentivos financeiros e sociais], pode ir sem isso
amanhã. Então vamos passar isso para a pessoa, sobre o posicionamento dela.
Pelo menos dentro da nossa expectativa. ‘Eu acho que você pode optar, entre ir
ou ficar, você tem chance aqui, tá nos planos.’ Para outros você diz: ‘Olha no
novo modelo, eu acho que talvez, se eu fosse você, optaria por sair agora ’.”
(gerente de área operacional)
Outro, por sua vez, entendeu o seu papel apenas como o de ouvinte, evitando qualquer
tipo de sinalização quanto à probabilidade de permanecer ou não na empresa:
“Eu não vejo nenhum motivo para bloquear [a saída] se a pessoa estava se
sentindo ameaçada, ou achando que era um bom negócio. Até porque eu não
podia garantir para nenhuma delas nada. ... Eu não podia passar essa decisão,
tomar essa decisão pelos outros. O máximo que eu podia fazer era conversar
com as pessoas.” (gerente de área administrativa)
O plano foi amplamente comunicado, tanto por informativo interno, quanto por carta
pessoal, recebida por todos, com os valores e benefícios a que teriam direito caso
aderissem. Tinham, portanto, os funcionários, todas as informações necessárias para a
decisão. A empresa colocou telefones internos à disposição para o esclarecimento de
dúvidas:
O prazo para a adesão de uma semana foi considerado por alguns um tempo muito
pequeno, uma vez que envolvia decisões que modificavam radicalmente suas vidas.
As ações empresariais podem ter os mais diversos julgamentos e, no caso dos planos de
redução de pessoal, as interpretações foram, também, diversas. As percepções sobre o
plano diferiram conforme a abordagem de análise da situação.
Uma das críticas relatadas referiu-se ao pouco tempo que a nova direção tivera para
elaborar o plano. Segundo um dos depoimentos, passados apenas dois ou três meses da
privatização, a nova direção não teria tido tempo suficiente para conhecer a empresa e
seus empregados. A prova desse erro seria o fato de que pessoas aderiram ao plano e
tiveram que ser recontratadas depois:
Talvez a crítica mais contundente, no entanto, tenha se referido aos critérios para a
seleção das pessoas a serem incluídas nas listagens de computador. Para um dos
gerentes, a listagem, ao invés de gerar cartas aos funcionários, deveria ter servido como
instrumento de decisão do superintendente. Na mesma linha, outro gerente indicou que
gostaria de ter escolhido as pessoas com base em desempenho e garra, por serem estes
os valores da organização:
“Eu diria que estamos sendo tratados como números... Tudo bem, tira uma
listagem, manda para o superintendente, o superintendente analisa, chama as
pessoas e analisa. Chega no chão de fábrica, analisa e vê: fulano vai, fulano não
vai, fulano vai, fulano não vai. Ia demorar o quê? Três ou quatro dias a mais? O
que se perdeu? Nada. Mas agora a gente perdeu um funcionário que era
importante no processo, porque mandou duas vezes a mesma carta para ele.”
(gerente de área operacional)
“O ideal era a empresa chegar para mim: ‘tem que ser feito um plano’. Aí eu
pergunto: ‘o que você quer reduzir? O que a empresa pretende?’ ‘Eu pretendo
quinze porcento’. ‘Então deixa, eu vou botar a lupa aqui nos meus gerentes e
vou tirar pessoas independentemente do tempo de casa’....Interessa
214
“A gente não é uma padaria, a gente não é um botequim que você tira qualquer
pessoa que trabalha lá, bota uma plaqueta na porta e amanhã tem fila. Qualquer
um que você pegar ali vai fazer, pode não fazer na mesma qualidade, mas vai
fazer. O nosso não, tem área que a gente treina um técnico quatro ou cinco anos.
Tem área nossa, que para o engenheiro pegar, para começar a fazer aquilo, ele
passa por uma experiência de cinco anos. ...Então, se você faz um programa
com vendas nos olhos, sem conhecer o campo e causando uma certa
insegurança, vai aderir ao programa quem não devia aderir, quando o programa
é voluntário.” (gerente de área administrativa)
“Eu acho o seguinte: a vida está difícil, o mercado está cheio de gente nova
querendo trabalhar. Tem uma legislação dizendo que a pessoa se aposenta com
aquele tempo... o ser humano não pode pensar só nele não. Então tem que se
aposentar. ... E as pessoas que estão lá fora, que não conseguem emprego com
22, 23 anos? Algum jeito tem que dar nisso aí.” (gerente de área administrativa)
215
“Bem o que estou valendo? Eu estou com 28 anos de empresa praticamente, não
sou sócio fundador da Fundação, então por isso eu pago menos. Em
contrapartida, vou receber menos, lógico. Eu estava valendo na época, nessa
época, aí em junho, mil reais de INSS, não saía com mil e duzentos. Mais mil e
pouquinho da Fundação. Então eu estava valendo dois mil reais. Guardei, está lá
em casa guardadinho. ....É lógico que isso não diminui em nada o meu ritmo.
Até pelo tempo que eu estou nisso, pelo tanto que eu trabalho, eu não vou
gostar, meu ritmo, eu não diminuo. ... Você olha assim para a empresa com uma
certa... Caramba! Está faltando respeito aí pela coisa.” (gerente de área
operacional)
“Olha, eu achei um plano bom. Eu não sei se foi um dos melhores, mas foi um
plano bom. Para quem estava próximo da aposentadoria, eu acho que foi um
prêmio, eu diria que foi um prêmio.... Então eu acho que, em termos de plano,
foi bom.” (funcionário de área administrativa)
Os relatos sobre a situação das pessoas que se desligaram versaram, via de regra, sobre
o insucesso na abertura de novos negócios. A experiência de colegas que saíram da
empresa, iniciaram seu próprios negócios e, depois, fracassaram, assustou aqueles que
ficaram:
“O dinheiro foi bom. O dinheiro do PDI foi bom. ... Ele saiu, comprou uma van.
Acabou, torrou a van, perdeu. Está trabalhando em enterro. O que a gente
percebe, também, é isso, a gente fica impressionado de ver, se metem em coisas
que muitas vezes não dão certo.” (funcionário de área operacional)
“Outro dia eu encontrei o Marcos. Ele abriu uma casa lotérica ... Está bem, está
satisfeito. O que ele está ganhando está dando para ele viver, manter as crianças
na escola, está se dando bem. Mas, de modo geral, isso não acontecia. De um
modo geral, as pessoas se deram mal por falta deste preparo.” (funcionário de
área operacional)
“Daqui a pouco sou eu, eu não tenho dúvidas. Daqui a pouco sou eu. Tem várias
pessoas aí assim: ‘Quando é que é o próximo plano? Quando chega a minha
carta? Ou não vai ter carta? ....Eu diria que estamos sendo tratados como
números. O computador lê lá, emite cartas para quem tem 55 anos.” (gerente de
área operacional)
No caso do último plano lançado pela empresa e acompanhado por este trabalho, uma
característica diferente se apresentou: a adesão ao plano foi compulsória. Se antes a
aposentadoria era opcional e o programa tinha o caráter de um incentivo, neste caso, não
havia escolha: o desligamento era obrigatório, o que muito assustou funcionários e
gerentes. Os primeiros, obviamente, pela obrigatoriedade de terminar um longo período
de relacionamento com a empresa; os últimos, por perderem, em alguns casos, uma mão
de obra considerada importante. Essa questão, aliás, foi de certa forma contornada por
um mecanismo de troca. Os gerentes podiam reter 20% dessas pessoas listadas desde
que oferecessem outras em troca. Este procedimento parece ter grande desconforto não
apenas à gerência mas, também, àqueles escolhidos para ficar, pois sabiam que outros
estava indo em seu lugar: “Como é que você se vê sendo trocado por outro? Mal, mal.”
(gerente de área operacional)
Uma privatização, seguida de redução de cerca de 35% da força de trabalho, não se faz
sem conseqüências para a empresa e para todos que nela permaneceram. As principais
efeitos de toda essa mudança puderam ser sentidos através das novas práticas
empresariais, da nova forma de trabalhar, da alteração do contrato psicológico, e da
expectativa que as pessoas tinham do futuro.
“Aqui eu recebo em média 20 a 30 e-mails por dia. Quando eu dou conta, tem
mais de 100, tem 160 para eu poder abrir. É uma loucura você colocar aquilo
em dia. Aí o que acontece? Tenho que vir sábado para ficar abrindo e dando
prosseguimento aos assuntos.” (funcionário de área operacional)
“Na parte de escritório você tem muita, mas muita gente trabalhando aqui até às
nove horas da noite, dez horas da noite. Dias afim, sem qualquer tipo de coisa.
Se te ligam e não te encontram, acham que é estranho. ‘Como não está? Oito
horas da noite e já foi embora?’ Então tem esse tipo de coisa, que é uma
mudança muito grande.” (gerente de área administrativa)
“A gente trabalha o normal nosso para conseguir dar conta de muitas coisas e
trabalha muito além do horário e isso prejudica o outro lado. Profissionalmente
a gente se dá bastante, mas se você for olhar, está todo mundo deixando de lado
uma série de coisas pessoais. Então, hoje pelo menos, por enquanto, as pessoas
219
ainda estão colocando o trabalho como uma coisa importante. Então, estão se
dedicando a isso, mas deixando outras coisas de lado.” (gerente de área
operacional)
“Então hoje uma ferramenta tipo Notes substitui uma secretária. Só o Notes. Eu
nunca mais fiz uma carta interna. Então você vê quanta coisa foi racionalizada
por conta da tecnologia.... Tinha um trabalho muito grande aqui. Precisava de
todas as pessoas mesmo. Só que, agora, você tem tudo ali, não precisa de muita
gente mesmo. Você migra um arquivo do grande porte, trabalha numa planilha.
Antes você tinha que trazer em papel, digitar. É um negócio complicado. Eu
acho que a tecnologia foi realmente... Tecnologia, uma gerência, uma
redefinição das tarefas, eu acho que foi fundamental para esses 4.000 ficarem
quase que imperceptíveis.” (funcionário de área administrativa)
“Ele tem que entender que o tempo dele vai mais ocupado com o trabalho e
menos, talvez, no telefone, menos no almoço. Mas o gerente é que tem que
provocar isso no empregado. Ele tem que ter essa capacidade de provocar isso,
sem ameaça. Tem que ser sem ameaça, porque aí não há confiança.” (gerente de
área administrativa)
Do ponto de vista individual, uma das estratégias mais freqüentemente citadas para lidar
com o aumento de tarefas foi rever o próprio processo de trabalho. Assim, funcionários
220
“A gente vive assim meio que sufocado de tanto trabalho. Mas por outro lado,
isso não é tão ruim porque fez com que algumas pessoas começassem a pensar
em determinadas coisas que eram feitas. Numa empresa grande com n
funcionários alocados a um órgão, você tinha um funcionário só para arquivar,
outro só para desarquivar, um para fazer o documento, outro para conferir o
documento. Então, você imagina quantas pessoas não tinha. Então, é lógico,
aquilo era fácil. Hoje, o que aconteceu? Saíram essas pessoas, reduzimos o
quadro e aí as pessoas começaram a repensar aquelas atividades que eram feitas,
o que gerou uma série de transformações dentro dos órgãos”. (funcionário de
área administrativa)
6.4.1.2 Multifuncionalidade
“Por exemplo, aqui neste andar cada gerente tinha uma secretária. Para quê?
Para atender o telefone, passar a ligação, agendar a reunião, datilografar uma
carta. Hoje, a gente está com a Maria para quatro gerentes. Por quê? Porque
você agenda a sua reunião no Notes, não existe mais correspondência interna. O
próprio gerente vai no Notes e manda para lá, manda para cá e tal e resolve a
situação toda ali. Não tem carta, carbono. Naquele tempo tinha. Quando eu
entrei lá ainda tinha papel de seda e tinha um salão de secretárias para fazer
carta. Um pool de secretárias. Hoje não tem mais isso.” (gerente de área
operacional)
6.4.1.3 Comprometimento
“Eles estão trabalhando mais, se comprometendo mais. ... Porque acho que a
partir do momento que você trabalhar menos e produzir menos, a empresa não
vai querer contar mais com você no quadro. Ela precisa de um quadro de
pessoas que estejam aptas, que estejam produzindo. Não de pessoas que não
estejam produzindo. Se você não quer produzir, você fica em casa.”
(funcionário de área administrativa)
A nova situação teria imposto aos empregados uma necessidade de adaptação que nem
todos estavam preparados para acompanhar. Em algumas situações, o novo ritmo da
empresa, a cobrança por maior produtividade, a necessidade de resultados rápidos não
teriam encontrado respostas naqueles funcionários com hábitos formados ao longo de
anos de trabalho na estatal:
“A gente está com o SAP em RH. Quem vai fazer Recursos Humanos é o
pessoal daqui. ... O Recursos Humanos enxugou e aí jogou a responsabilidade
para cá e a gente teve que pegar pessoal aqui e treinar. Por exemplo, o Sr. Almir
está com cinqüenta e poucos anos e não tem condições de eu treinar o Sr. Almir
para fazer este tipo de serviço. Então a gente bota ele para fazer outro tipo de
serviço. E aí a gente tem que substituir o que era e não se adaptou por um garoto
novo que já nasce com esse processo. É duro. A privatização pegou aí o pessoal
realmente...” (gerente de área operacional)
“Hoje, quando você diz para um engenheiro que ele tem que arquivar a carta
que ele recebeu do cliente, ele fala assim: ‘Mas eu arquivar! Eu sou
engenheiro!’ Como se dissesse assim: “Que absurdo, eu, engenheiro,
arquivando papel...’ Então isso não é uma coisa ainda... À medida em que ele
vai vendo que não tem ninguém para fazer, ele acaba fazendo.” (funcionário de
área administrativa)
“As pessoas ainda não têm aquela cultura de eliminação de papel. A gente tem n
recursos, nós temos modem, temos intranet, mas as pessoas continuam enviando
papéis por via de remessa.... Isso aí vai levar um tempo ainda para corrigir.
Também não vamos querer em tão pouco tempo resolver todas essas coisas...”
(funcionário de área administrativa)
223
“Mudei de área, vim trabalhar na área comercial. Hoje estou aqui fazendo o
mesmo trabalho que um dia eu esperei poder fazer, com muito mais facilidade.
Hoje, na empresa privada, a gente consegue com muito mais facilidade, até
porque, hoje, a cultura é essa... a cultura de qualidade tem que estar embutida
em você.” (funcionário de área administrativa)
Durante o período de empresa estatal, boa parte dos funcionários administrativos tinha
apenas o segundo grau e não se interessava em continuar a estudar. Com uma certa
estabilidade assegurada e sem pressão por parte da empresa para a atualização, não
havia estímulo para o investimento no desenvolvimento próprio:
“Então, com essa informatização, com esses novos programas que a empresa
vem comprando e vem colocando em prática, quer dizer, o trabalho que se fazia,
não se pode fazer ... está tudo voltado para a informática. Então as pessoas se
preocupam: ‘Se eu sair daqui, se a empresa não precisar mais dos meus
serviços, o que eu vou fazer no mercado de trabalho aí fora’? Essa é a grande
preocupação.” (funcionário de área administrativa)
Paralelamente, a empresa estava estudando um novo plano de cargos e salários, que era,
à época da pesquisa, ainda desconhecido das pessoas. Havia uma preocupação quanto
ao enquadramento da própria qualificação nesse plano. A qualificação e o preparo
individual eram também fatores de preocupação no caso de eventual desligamento da
empresa. Havia consciência de que, no mercado altamente ofertante de mão de obra, a
absorção de pessoas com apenas primeiro grau e segundo grau seria mais difícil:
“Hoje o empregado corre atrás. Está mais atento também a quem está entrando.
Aqueles que entram são parâmetro de comparação e de estímulo. Pode ser
ameaçador também e mobiliza a pessoa a buscar um espaço, acorda a pessoa
para o momento que está vivendo.” (funcionário de área administrativa)
“Esses que estão mais conscientes, e sentem essa mudança, você sente também
que eles estão mais ávidos por aprender e crescer e se instruir. Fazer cursos e tal
para desenvolver mais o seu potencial, ter um currículo melhor. Isso eu sinto.
As pessoas vêm conversar nesse sentido: ‘será que eu vou ter chance de fazer
225
um curso assim e assim? Eu quero fazer desse jeito, mas não consigo, por
exemplo, fazer um gráfico maravilhoso, porque eu não tenho muito
conhecimento de Excel, o que eu sei, eu aprendi sozinho’. E não é só buscando
curso no sentido de diploma só, não. No sentido, também, de procurar o colega
que tem aquele conhecimento para tentar trocar e isso eu sinto muito aqui
também.” (gerente de área operacional)
“Atualmente até, eu tinha formado uma turma para a gente colocar o nosso
inglês em prática. ... Arrumamos uma professora e contratamos com ela. No
primeiro dia, a turma estava toda presente.... No segundo dia de aula, cada um
tinha um problema: um com problema financeiro,... outro falou, ‘eu também
estou com probleminha, fulano vai entrar de férias’... Aí finalizou que eu fiquei
sozinha no curso.” (funcionário de área administrativa)
Para aquelas funções técnicas de segundo grau mais genéricas, havia uma grande
demanda por mão de obra qualificada em função das várias privatizações no setor e
mesmo da expansão de outros setores de serviço:
“Então já é uma categoria com mercado bastante dinâmico. A gente tem tomar
cuidado com as investidas dos concorrentes que desejam tirar pessoas daqui.
Então, engenheiros, da mesma forma. Evidentemente que o engenheiro
especializado tem um mercado mais restrito. Na medida em que as empresas
vão sendo privatizadas, fica muito mais dinâmico esse mercado.”
Para um dos entrevistados, não haveria mais lugar para justificativas e desculpas para
trabalhos não realizados. Não completá-los seria uma ameaça ao emprego. Para outro, o
ritmo mais intenso estaria sendo exigido mesmo daqueles que não tinham o trabalho,
segundo palavras de um gerente, na “massa do sangue”. Para outro, ainda, a cobrança
viria acompanhada de maior autonomia e responsabilidade:
“E você tem que dar solução para as coisas e não tem muita maneira de correr
com desculpas, justificativas... O que se tinha muito eram justificativas. A gente
ia para uma reunião na estatal, as pessoas não percebiam que estavam
justificando o tempo todo e hoje você não consegue começar. Se você começar
a justificar alguém vai cortar você numa reunião.” (gerente de área
administrativa)
“Então eu vejo muito maior autonomia tanto no lado técnico quanto no lado
gerencial. Eles querem ver resultado. Então eu contrato isso, contrato aquilo,
227
executo isso, executo aquilo, o problema é meu. Tem que ter resultado nisso aí.”
(gerente de área operacional)
“Rede interna não existia. Então hoje uma ferramenta tipo Notes substitui uma
secretária. Carta interna eu não recebo. Nunca mais eu recebi uma carta interna
... só o Notes. Eu nunca mais fiz uma carta interna. Então você vê quanta coisa
foi racionalizada por conta da tecnologia.” (funcionário de área administrativa)
“Há quatro anos atrás... quem tinha um micro era uma beleza. E, de repente, ...
estou falando isso também para mostrar quais são as conseqüências da
modernização da ferramenta ... A ServC investe ... vinte milhões de dólares, que
faz toda a parte financeira, controladoria, materiais, recursos humanos, o SAP.
228
Uma das dificuldades encontradas por algumas áreas referiu-se à adesão ao plano de
desligamento daquelas pessoas mais bem preparadas. Como não havia uma previsão de
229
“Eu tenho uma cultura de estatal... eu vim para a estatal por causa da
estabilidade, eu não tenho dúvida disso. Eu trabalhava na.... me desfiz do outro
lado e vim para cá. Por causa da estabilidade, não foi por outra coisa não. E tive
ofertas de emprego, durante os anos dourado, para sair daqui e ganhar mais lá
fora. Mas a estabilidade sempre foi um peso muito grande. Hoje eu estou
pagando a conta de perder a estabilidade.” (funcionário de área operacional)
Até há alguns anos atrás, empregados que já tinham mais do que o direito adquirido
para requerer aposentadoria continuavam a trabalhar normalmente. Chegou-se a
extremos de se ter funcionários que, com mais de 60 anos de empresa, ainda
compareciam diariamente.
“Para você ter uma idéia, nessa última relação... o computador pega todo mundo
e eu já começo a fazer parte da lista do computador. É uma coisa gozada porque
há alguns anos atrás eu não me importava muito com essas coisas, relatórios de
aposentáveis. Agora, quando aparece, eu digo: ‘Ih, já estou chegando perto!’”
(gerente de área operacional)
Gerou-se, também, uma grande preocupação com a idade e o tempo de serviço. Por
medo de revelar esses dados, o assunto teria virado, ao mesmo tempo, tabu e alvo de
brincadeiras dentro da empresa. Segundo depoimento de um dos entrevistados, as
piadas seriam uma forma de relaxar a tensão existente em torno do tema:
“As pessoas têm pavor quando falam em idade. Pavor. Tem gente que fica
escondendo a idade, escondendo tempo de serviço. ... É muito complicado.”
(gerente de área administrativa)
“O que a gente está tentando é fazer ver aos funcionários que continuam
trabalhando na ServC que eles tenham essa visão de que o emprego não é para
231
toda a vida. Ele é uma etapa da vida e se encerra e você ou tem que arranjar
outro emprego, ou você realmente se aposenta.” (gerente de área operacional)
“Eu vejo as pessoas muito inseguras... Sempre pensou que a ServC não ia
mudar nunca. ‘Vou entrar na ServC e me aposentar’. Então era assim,
antigamente entrava para a empresa e aquilo era ad eternum. Então isso acabou
e agora a pessoa se preocupa. Não está tão certo, já fica duvidoso. ‘Por quanto
tempo será que vou permanecer aqui? Será que a empresa vai trazer novos
empregados, substituir os antigos?’ Então as pessoas ficam assim.” (funcionário
de área administrativa)
Além disso, a relação passava a ter um cunho mais profissional e menos sentimental,
principalmente para os novos admitidos. Se, para grande parte dos antigos funcionários,
a ligação com a ServC ainda seria muito afetiva, para alguns, notadamente para os
recém-admitidos, a ligação teria passado a ser mais profissional e persistiria enquanto
fosse do interesse de ambas as partes.
“A relação deste novo funcionário não é mais afetiva como nos antigos. Ela é
mais profissional com uma clareza maior para ambas as partes: empregado e
empresa. Não tem mais aquela mistura.” (funcionário de área administrativa)
Pessoas com o segundo grau incompleto procuraram terminá-lo, outros buscaram cursos
de idiomas e outros, embora já com o terceiro grau completo, procuraram
aperfeiçoamento em cursos de pós-graduação:
232
“Eu tive até algumas surpresas. Há três meses eu tive umas três ou quatro
surpresas. Gente que está fazendo supletivo de segundo grau e eu não sabia.
Pessoa que tinha o primário, entrou na ServC e ficou, ficou. De repente a pessoa
[diz]: ‘Estou precisando dar uma fugidinha para estudar para a prova’. ‘Que
prova?’ ‘Estou fazendo o supletivo, o meu segundo grau’. ‘Maravilha. ...’ Então
eu tive essas surpresas, as pessoas estão se preparando e foram pessoas que eu
não esperava. ... Tem gente que está fazendo curso de inglês. Por quê? A gente
não tem mais emprego garantido. Embora a ServC seja bem soft, bem soft, as
pessoas internamente estão dizendo: ‘eu não estou mais garantido’. Então, se eu
não estou mais garantido, deixa eu correr atrás enquanto eu tenho dinheiro para
pagar os cursos.” (gerente de área administrativa)
Para algumas pessoas trabalhar até mais tarde e comprometer-se mais com os resultados
seriam formas de garantir o desempenho, a produtividade e, por conseqüência, o
emprego. Parte do medo de ficar desempregado originar-se-ia da dificuldade de se
recolocar no mercado de trabalho:
“Eu tenho certeza que as pessoas estão num novo contrato de trabalho. O
contrato de trabalho formal, é o que você trabalha de 8h30min às 17h, que é o
mesmo de antes. Mas o que acontecia antes é que as pessoas chegavam às
8h30min e saíam às 17h, hoje não. Tem alguma coisa pelo próprio trabalho e
outra coisa pelo medo, as pessoas vão ficando.” (gerente de área administrativa)
“Já vi muitos comentários: ‘O fulano não queria nada com a hora do Brasil,
agora está ralando’. São os comentários que a gente escuta. ‘Quem te viu e
quem te vê. Já viu fulano? Como está trabalhando? O que a gente não faz para
manter o emprego?’ A pessoa sabe que está difícil arrumar, conseguir alguma
coisa, uma colocação no mercado. Você vê tantas pessoas formadas procurando
emprego e sem ter uma colocação. O pessoal começou a se preocupar. ... A
visão atual é essa. As pessoas têm que trabalhar muito para continuar no seu
emprego.” (funcionário de área administrativa)
“A ServC sempre teve uma longevidade muito grande no seu quadro. A gente
chegou a ter empregados aqui com 60 anos de ServC. Sessenta anos de ServC,
não queria ir embora, não queria ir embora. Essa pessoa até se aposentou ... e
não saía da ServC. Entrou para uma associação aqui e ficava aí, vinha todo dia,
de terno, direitinho. Então, a ServC tem muito isso. É uma empresa que prende
muito.” (gerente de área administrativa)
“Hoje nós temos aqui o Sr. José que tem 52 anos de ServC, temos o Sr. Mário,
que é um outro gerente nosso que deve ter uns quarenta e poucos anos de
ServC. Se ele quiser fazer uma negociação com a ServC, porque ele ainda tem
aquele tempo antes de Fundo [FGTS], ele sai com uma grana legal e, se morrer,
ele perde e a família não ganha. Mas, para ele, isso não o abala. Ele quer
continuar trabalhando.... É a mesma coisa com o Sr. José aqui, inabalado.
‘Sr.José, vai para casa, pega o seu dinheiro’. ‘Não, meu filho, eu acordo, quero
vir para cá’. ” (gerente de área operacional)
“O Sr. Adilson, por exemplo, ele morava aqui no Lins, acordava às cinco horas,
chegava lá as sete, sete e meia, lia o jornal dele e começava a trabalhar. Saía,
tomava uma cervejinha e chegava em casa oito horas. Ele se aposentou, eu acho
que a mulher só veio a saber que ele tinha se aposentado, três meses depois.
Porque ele continuou fazendo exatamente as mesmas coisas durante três meses.
Só que ele não entrava na ServC, ele ficava andando pela cidade. O pessoal,
quando saía para almoçar ele ia e aí comia. Depois o pessoal achou ele no bar,
bebendo de tarde e aí foram lá [e disseram]: ‘Vai para casa. Você já almoçou
aqui com a gente’. ‘Mas eu estou esperando para tomar uma cervejinha no final
da tarde’. ‘Não, vai para casa, depois você volta’... Eram vários. Nós estamos
com um caso aí agora, que o Sebastião se aposentou agora.... Fomos aqui para a
despedida. Ele está todo dia lá, senta na mesa dele e continua trabalhando. Eu
disse: ‘ Não pode. Dá um jeito de tirar a mesa dele de lá’.... ‘Mas é porque eu
deixei um trabalho aqui para fazer’. ... Porque senão ele não se desliga. Está
aposentado.” (gerente de área operacional)
234
“Para você ter uma idéia, quando a ServC foi comprada, foi privatizada, ela
tinha em torno de 20 anos de idade média [tempo de serviço na empresa]. Então
é um negócio alto. Hoje está em torno de 16, 15, que ainda é uma coisa alta,
mas é mais aceitável.” (funcionário de área administrativa)
“A empresa atual, ela busca muito estar com a mão de obra mais nova, não com
pessoas já de idade. Então, nós tínhamos antes da privatização, a nossa média de
idade eu acho que ela variava em torno de 47 anos. Atualmente parece que está
em torno de 39 anos.” (funcionária de área administrativa)
Na busca por uma renovação do quadro, a empresa contratou novas pessoas. Entre os
benefícios citados encontravam-se a renovação de idéias e a aquisição de novos
conhecimentos. Teria havido, por outro lado, um temor de que essas novas pessoas
viessem a tomar o lugar daqueles que já estavam na companhia há mais tempo. Teriam
exercido, portanto, uma pressão psicológica, pois vinham muitas vezes com melhor
formação e mais preparados para novas tecnologias:
“Porque a ServC, assim como ela está reduzindo o quadro, ela também tem feito
várias admissões. E essas admissões é de um pessoal novo no mercado, um
pessoal recém-formado. Então, quer dizer, ela está oxigenando, está trazendo
novos conhecimentos, pessoas novas. E a gente, o pessoal que está com um
certo tempo de empresa, vai se sentindo pressionado.” (funcionário de área
administrativa)
“O corpo está envelhecendo, mas não quer dizer que ele não esteja se
atualizando. Eu hoje, para botar gente aqui, para trabalhar no ritmo que está se
trabalhando aqui, eu acho que, com a qualidade técnica desse pessoal, eu acho
que a gente leva uns cinco a seis anos para pegar um engenheiro recém formado
[e preparar] ...” (gerente de área operacional)
235
“Quem está no cargo, permanece. Mas não é bem assim, porque você recebe
algumas sinalizações que é melhor você sair da linha e pegar uma assessoria e
tal e ir pensando na aposentadoria. A idéia é essa. Acima dos 50 anos, você
deve ir pensando na aposentadoria ... Não é explícito, não. É pelo que a gente
vê, ou seja, as pessoas que estão em cargo gerencial acima de 50 anos, elas já
estavam antes e estão num processo de substituição. E não são muitos, não.”
(gerente de área operacional)
6.5 Futuro
“Eu sou gerente...ou você decola, ou você ... sai da empresa... Eu acho que eu
tenho uma sobrevida de três anos. Ou eu faço acontecer nos próximos três anos
e, como mérito, eu subo, ou eu vou ser demitido.” (gerente de área operacional)
Outros se preocupavam com obrigações familiares ainda pela frente e faziam cálculos
de idade e probabilidades de continuar na empresa. Trabalhavam, mentalmente, com o
conceito de vida útil dentro da empresa. Sabiam que a época de desligamento se
aproximava:
“Eu acho preocupante. Porque a nossa geração é uma geração onde as pessoas
todas, vamos [dizer] assim, constituíram família com mais idade do que na
época dos nossos pais....Então, hoje eu tenho 44 anos e meu filho mais velho
tem 15. Quer dizer, daqui a três anos, quando eu for aposentável, ele vai estar
entrando para a universidade, provavelmente. Quer dizer, é uma coisa
preocupante.” (gerente de área operacional)
236
“E espero continuar pelo menos mais quatro anos. Minha filha se forma esse
ano em medicina; medicina está ruim pra caramba. Vai fazer 24 anos. ...Meu
filho está em engenharia, primeiro ano. Só tem mais quatro anos.... Agora, mais
quatro anos eu vou estar com quanto? Cinqüenta e sete. Mas esse cara tem garra
ainda, não tem dúvida não. Mas eu não acredito que vá muito além disso.”
(gerente de área operacional)
A vida depois da ServC também foi foco de reflexão. Alguns tinham já em mente
atividades que poderiam exercer; para outros esse futuro era mais nebuloso.
Preocupavam-se, portanto, com o destino que dariam às suas vidas depois de sair da
empresa:
“Eu gosto do que eu faço. Eu gosto muito do que eu faço... eu não consigo me
ver sem estar fazendo este trabalho que eu faço. Não sei, é muito, muito
complicado para mim. Eu sei que vai chegar o momento em que eu vou ter que
pensar nisso. Já está chegando, mas eu não sei como é que eu vou resolver isso
não. Por isso, nem passou pela minha cabeça aceitar o PDI. Não passou, não.”
(funcionário de área administrativa)
“Eu sou muito tranqüilo, quero dizer, com relação a isso. Eu gosto de dar aula,
já dei 11 anos de aula em faculdade. Quer dizer, já estou até fazendo alguns
contatos. Tem colegas meus que... nós temos oportunidade de abrir uma firma
de consultoria...”(gerente de área operacional)
Uma das considerações feitas por alguns dos entrevistados referiu-se à falta de preparo
para o mercado de trabalho, ou mesmo para a aposentadoria. Este deveria ser um
processo mais trabalhado, pois envolveria um redirecionamento da vida profissional e,
mesmo, da vida particular:
Alguns tinham ainda uma visão mais profissional da relação com a empresa. Não
esperavam a aposentadoria, pois o desligamento poderia acontecer a qualquer hora,
como um fato normal da vida:
“Eu não vou sair para me aposentar. ... Se em dois anos eles quiserem que eu
saia.... porque se eu recebo uma proposta, eu vou avaliar essa proposta e, se for
interessante, eu saio e vou fazer outra coisa aí fora.” (funcionário de área
administrativa).
237
7 ANÁLISE DE RESULTADOS
Este item consolida e discute dados e percepções acerca do processo de downsizing nas
três empresas pesquisadas. Os dados factuais referem-se, basicamente, às estratégias
utilizadas pelas empresas para realizar a redução de pessoal, à comunicação do plano e
às principais características dos programas do downsizing. As percepções referem-se às
razões para o plano, às razões para a adesão ao plano, ao clima durante o plano, à forma
de trabalhar, às práticas organizacionais, ao contrato psicológico e à construção do
futuro.
As empresas ServB e ServC, por sua vez, de acordo com os relatos, pouco se
preocuparam em preparar seus funcionários para o processo. As únicas ações relatadas
foram de gerências que, individual e isoladamente, procuraram informar e alertar seus
subordinados sobre as mudanças vindouras.
Um ponto em comum, entretanto, pôde ser encontrado nas três empresas, conforme
Tabela 14. Aqueles funcionários cientes das mudanças vindouras começaram a procurar
cursos de idiomas, outros cursos externos e mesmo aprendizados diferentes dentro da
própria empresa. Criou-se, portanto, segundo os depoimentos, um movimento de auto-
desenvolvimento com o objetivo de assegurar seu lugar no futuro.
238
TABELA 14
PREPARAÇÃO PARA A PRIVATIZAÇÃO
SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS
O clima organizacional antes da privatização, por sua vez, ficou bastante conturbado nas
três empresas pesquisadas (Tabela 15). Embora a ServA houvesse preparado seus
empregados para esta realidade, as entrevistas indicam que, ainda assim, a insegurança
permaneceu no dia-a-dia dos funcionários.
Na ServB e na ServC, o clima não foi melhor. Na ServB, por exemplo, uma queixa
freqüente referiu-se à falta de informação sobre o processo da privatização, estando os
funcionários limitados àquelas notícias veiculadas pela mídia. Esta situação tem sido
motivo de constante alerta por parte dos estudiosos (Feldman e Leana, 1989; Hauss,
1993; Illes, 1996; Smeltzer, 1992). Indicam alguns autores que a comunicação oficial de
mudanças por parte da gerência seria fonte valiosa de auxílio no preparo dos
funcionários para situações futuras, evitando, ainda, que perdessem a confiança na
administração.
TABELA 15
CLIMA ORGANIZACIONAL ANTES DA PRIVATIZAÇÃO
SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS
Houve, ainda, na ServB e na ServC, relatos de início de disputa pelo poder. Sabedores
que as vagas futuras seriam poucas, alguns funcionários teriam começado uma
competição interna. É de se perguntar até que ponto a passagem de empresa estatal para
empresa privatizada, sujeita a novas regras e à concorrência, como, por exemplo, a
sobrevivência do mais forte, do mais competente e do mais preparado, não teria sido
internalizada pelos empregados, transformando-se em uma corrida individual. Nessa
situação, cada empregado estaria competindo com o colega ao lado e com todos os
profissionais do mercado de trabalho. Em reforço a essa conjetura, há que se observar,
ainda, a ausência de menções a posturas de solidariedade e de preocupação com os
demais. Assim, a mesma preocupação que a empresa passara a ter no nível
organizacional poderia ter passado para o nível individual.
Foram considerados nesta subitem as principais questões, nas três empresas estudadas,
associadas à transição de empresa estatal para empresa privada.
Uma das primeiras questões que se apresentam na análise das estratégias escolhidas
pelas empresas pesquisadas refere-se à limitação que lhes foi imposta, pelo edital de
concessão. Possivelmente, para permitir que a força de trabalho desligada dispusesse
um tempo para se readaptar e se recolocar no mercado, o governo incluiu nos editais,
conforme indicado na Tabela 16, algumas condições específicas para a realização de
redução de pessoal. Assim, por exemplo, no caso da ServA, qualquer desligamento em
massa nos primeiros seis meses como privatizada deveria ser realizado na forma
incentivada, com critérios a serem estabelecidos pela própria empresa. Após esse prazo,
a empresa poderia proceder a demissões, pagando apenas os direitos previstos em lei. A
ServB, por sua vez, deveria oferecer um programa de formação profissional para todos
os demitidos sem justa causa no primeiro ano. No caso da ServC, não houve registro de
limitações às ações de redução de pessoal.
241
TABELA 16
ESTRATÉGIAS PARA A REDUÇÃO DE PESSOAL
TABELA 17
ESTRATÉGIAS UTILIZADAS PELA EMPRESAS SEGUNDO
TAXONOMIA DE CAMERON, FREEMAN E MISHRA (1991)
TABELA 18
ESTRATÉGIAS UTILIZADAS PELA EMPRESAS
SEGUNDO TAXONOMIA DE FLEURY (1997)
Poder-se-ia considerar ter havido - dado que as empresas adotaram estratégias de todo o
tipo - uma falta de foco nas escolhas das ações tomadas. Dois aspectos devem, todavia,
ser considerados. Em primeiro lugar, segundo Cameron, Freeman e Mishra (1991), as
empresas mais bem sucedidas nas implementações de programas de downsizing seriam
aquelas que empreendessem ações consideradas duais e mesmo paradoxais. Também
Fleury (1997) aponta casos de empresas que adotaram mais de uma estratégia de ajuste
simultaneamente. Assim, tudo indica que a adoção de estratégias mistas pelas empresas
estudadas não deve ser vista como falta de direção, mas como tentativa de lidar, ao
mesmo tempo, com as questões mais fundamentais à sobrevivência de curto e de longo
prazo e ao alcance da eficiência da empresa.
243
Em segundo lugar, não se pode esquecer que as empresas estudadas vieram, segundo os
relatos obtidos, da condição de estatais, sendo limitadas: (a) na contratação e demissão
de pessoal; (b) na realização de investimentos e (c) na execução de práticas voltadas
para atender aos interesses do governo. Pode-se inferir que as empresas adquirentes,
libertas das restrições anteriores e procurando tornar suas empresas mais eficientes no
menor espaço de tempo possível, adotaram ações que pudessem alcançar os vários
horizontes temporais – curto, médio e longo – e atacar, simultaneamente, problemas
relativos a pessoas, trabalho, processos, despesas, eficiência e capacitação.
Comparadas as ações das empresas (Tabela 19), nota-se, nos casos da ServA e da
ServC, mais semelhanças do que dessemelhanças. A ServB diferencia-se totalmente por
ter sido um plano de demissão realizado logo ao primeiro dia da nova gestão. Neste
caso, por ter sido um plano de desligamento involuntário, planejado de forma a que as
chefias diretas comunicassem a seus empregados, é provável que ações para a
divulgação do plano e para o esclarecimento de dúvidas fossem menos necessárias,
comparativamente aos casos da ServA e da ServC.
Tendo em vista que as duas empresas ofereceram programas que incentivavam a adesão
dos funcionários, é razoável supor que a comunicação procurasse: (a) utilizar meios de
comunicação com ampla cobertura; (b) deixar claro os direitos de cada funcionário,
tanto em termos legais quanto no que se referisse ao pacote de incentivos (c) abrisse
canais para dúvidas.
79
Veja-se o seguinte comentário de um funcionário de área administrativa da ServA: “a gente não sabia
se vinha assim ou assado, mas que vinha, a gente sabia”.
244
TABELA 19
CARACTERÍSTICAS DA COMUNICAÇÃO DO PLANO
Nos dois casos de programas com caráter voluntário – ServA e ServC – o tempo para a
adesão ao programa foi de cinco dias. Não há sentido falar-se deste tempo para a ServB,
uma vez que se tratou de processo de demissão.
A questão do tempo para a adesão não foi uma questão que tivesse surgido com ênfase
nas entrevistas. Ainda assim, as opiniões foram divergentes. Olhando para a situação do
empregado, alguns acharam pouco o tempo para decidir, uma vez que estaria se lidando
com opções com implicações não apenas na vida profissional do empregado, mas
também em sua vida pessoal e familiar. Outros, por sua vez, acharam que mais tempo
tornaria o processo menos traumático, mas, ao mesmo tempo, mais estressante, pois a
pessoa teria que conviver com a dúvida por um período mais longo. Na opinião de um
entrevistado, isto tornaria a vida do empregado “um inferno”. Do ponto de vista da
empresa, por sua vez, o tempo se justificaria, pois senão o empregado poderia desistir
de aderir.
Observa-se, portanto, que em casos de planos voluntários, nos quais a empresa não tem
controle sobre o número de adesões, parece haver a necessidade de se estabelecer
medidas adicionais a serem tomadas no caso de não atingimento das metas. De fato,
alguns autores (Tomasko,1990; Balkin, 1991) indicam serem estas medidas adotadas em
algumas das empresas norte-americanas por eles pesquisadas.
246
No que se refere às percepções dos empregados com relação aos critérios ( Tabela 21),
as maiores incidências de comentários ocorreram nos casos dos planos voluntários. No
caso da ServB as maiores incidências de comentários ocorreram por parte dos gerentes
encarregados de selecionar as pessoas a serem desligadas. Funcionários não
responsáveis pelo processo de seleção pouco se manifestaram a respeito.
247
TABELA 20
CRITÉRIOS PARA O DESLIGAMENTO
Uma possível razão para este fato poderia ser atribuída aos sentimentos negativos que
rondam este tipo de redução de pessoal. Segundo Kets de Vries e Balazs (1997), seriam
comum remanescentes terem que lidar com culpa, angústia, ansiedade e, mesmo, alívio.
Assim, a escassez de depoimentos acerca dos critérios do plano, comparativamente à
ServA e à ServC, podem indicar uma tentativa de evitar essas questões81.
Outro aspecto também pode ser considerado. Como na ServB a lista de demitidos foi
imposta aos empregados, os remanescentes talvez considerassem o evento uma
fatalidade da vida, um fato sobre o qual não tinham nenhuma possibilidade de ação ou
81
A título de ilustração, um dos funcionários indicou sentir-se privilegiado por ter ficado, uma vez que
colegas tão ou mais competentes do que ele teriam sido demitidos. “Eu sou até um privilegiado. Com
todas essa mudança toda eu estou aqui com meu emprego, com atividades mais importantes, com um
reconhecimento profissional melhor. Mas eu sinto também pelos colegas [que saíram]”.
248
As principais críticas referem-se à falta de controle sobre as pessoas que saíram nos
planos. De acordo com Kuzmits e Sussman (1988) e Tomasko (1991), esse seria um
ponto negativo neste tipo de estratégia, o que se confirmou no depoimento de alguns
dos entrevistados (Tabela 21). Para Balkin (1991), esta questão poderia ser contornada
com um desenho correto dos incentivos, o que foi feito nos casos da ServA e da ServC,
ao embutirem no desenho do plano um benefício financeiro proporcionalmente maior
para aqueles com mais tempo de casa.
No caso da ServA, por sua vez, a opção por aceitar todos os pedidos de desligamento,
parece ter causado um “paradoxo” na cabeça de alguns gerentes, pois foram obrigados a
recontratar pessoas que se haviam desligado no plano84.
82
Observe-se que esta estratégia recomendada por um dos gerentes da ServC foi exatamente a estratégia
adotada pela ServB. Não se pode esquecer, porém, que a ServB passou por um período de transição em
que, durante dois a três meses, gerentes da empresa adquirente e gerentes da estatal realizaram uma
gestão conjunta. Este tempo deve ter possibilitado aos administradores da empresa adquirente conhecer os
gerente da ServB.
83
A esse respeito, parece ter surgido na ServC uma questão acerca da confiança nas eventuais escolhas
dos gerentes. Um deles, por exemplo, comentou, que o plano voluntário incentivando o desligamento dos
mais senior seria a única forma possível de os novos gestores realizarem a redução de pessoal, pois não
tinham como conhecer todos os gerentes em tão pouco tempo.
84
Segundo um dos gerentes entrevistados, essa questão não seria assim tão fácil de ser resolvida, pois se
a empresa optasse por bloquear a saída de alguns, estes poderiam se sentir “injustiçados” e poderiam
“mudar de atitude” com relação à empresa. Seria natural, prossegue o gerente em seu raciocínio, que a
pessoa que tivesse o desligamento bloqueado exigisse uma compensação. Este raciocínio tem mais
similaridade com as representações mais comuns de uma cultura de estatal, que procura “compensar” seus
funcionários por eventuais prejuízos, do que com as representações da empresa privada, mais afeita ao
simples cumprimento das leis trabalhistas.
249
TABELA 21
CRÍTICAS, ELOGIOS, ANSIEDADES E COMENTÁRIOS AOS
CRITÉRIOS PARA O DESLIGAMENTO
ServA ServB ServC
Críticas Saíram tanto os “bons” Saíram tanto os “bons”
quanto os “ruins” quanto os “ruins”
Saída de algumas pessoas Não deixar aderir era
boas prejudicou o complicado
andamento do serviço
Perdeu-se gente excelente O programa não devia ser
que depois não se voluntário – o gerente
conseguiu repor
tinha que fazer a seleção;
se não se confiava no
gerente, que fosse
demitido
Algumas pessoas que
aderiram foram
recontratadas – isso seria
um “paradoxo”.
Em algumas áreas a
adesão foi grande,
havendo sobrecarga para
os que ficaram.
Elogios Era uma forma de a Era certo os mais velhos
pessoa sair com um saírem para dar espaço
dinheiro a mais.
aos mais novos – era
preciso renovar e oxigenar
o quadro de pessoal
Ansiedades Consciência de que,
dentre tantos
selecionados, algumas
“injustiças” poderiam ter
ocorrido.
Avaliação foi muito por
“sentimento”.
Supervisor conversava
com outras pessoas para
se certificar das correção
das decisões tomadas.
Comentários Algumas pessoas foram Algumas pessoas foram
incentivadas a aderir. incentivadas a aderir.
Fácil indicar os
funcionários “ruins”; mais
difícil cortar os “bons”.
preservar a sua imagem. Do ponto de vista do funcionário seria, também, positivo pois
dar-lhe-ia espaço de escolha (Howard, 1988, Tomasko, 1990). Os depoimentos colhidos
no presente estudo, no entanto, indicam que, para os gerentes, esta opção pode trazer
problemas, pois seriam responsáveis por continuar seu trabalho, com uma equipe cuja
composição, em grande parte, lhes teria fugido ao controle. Segundo Kuzmits e
Sussman (1988), perder-se-ia, neste tipo de plano, de 10% a 20% de empregados que,
de acordo com a preferência da gerência, deveriam ter ficado.
De acordo com DeWill, Trevino e Mollica (1998), os benefícios e apoio concedidos aos
empregados desligados relacionam-se com a justiça distributiva do downsizing. Essa
questão seria igualmente importante para os empregados remanescentes, pois, a partir
das ações presentes da empresa, julgariam suas ações futuras.
251
TABELA 22
INCENTIVOS E APOIO OFERECIDOS NOS PLANOS DE DESLIGAMENTO
A ServC distingue-se das demais por ter oferecido uma seqüência de planos de
desligamento incentivados. Se o primeiro plano foi aberto a todos os funcionários, os
demais foram focados naqueles com mais tempo de empresa. O último plano oferecido,
porém, considerada a data desta pesquisa, foi, em verdade, um programa de
desligamento forçado. Houve, portanto, uma mudança importante neste aspecto: de
voluntário passou a involuntário. Pode-se conjeturar que tal decisão tivesse sido tomada
como medida para acelerar o desligamento daqueles funcionários mais seniores.
A preocupação com o meio-ambiente foi expressa, como fator motivador para a redução
de pessoal, por funcionários da ServA e da ServC. No caso da ServA, há que se lembrar
que a empresa estava prestes a enfrentar concorrência acirrada em seu mercado,
perdendo a sua condição de monopolista. A percepção de um ambiente de concorrência
mais agressivo fez-se presente em vários momentos das entrevistas e seria razoável,
portanto, que reduções de pessoal com vistas a tornar a empresa mais enxuta e mais
competitiva estivessem no elenco de justificativas de seus empregados.
253
Questões como aumento dos lucros e diminuição dos custos estiveram presentes nas
interpretações dos funcionários das três empresas. Em verdade, para eles, a lógica da
empresa privada era gerida pela procura do lucro o que, por si só, justificaria as medidas
para a redução de pessoal.
Tabela 23
RAZÕES PARA A ADOÇÃO DOS PROGRAMA DE REDUÇÃO
DE PESSOAL SEGUNDO PERCEPÇÃO DE SEUS FUNCIONÁRIOS
Aspectos diferentes relativos ao quadro de pessoal estiveram presentes nos relatos dos
funcionários das três empresas. O problema de redução da idade média dos
funcionários, embora presente nas três empresas, surgiu apenas na ServC. Uma
explicação pode ser encontrada na seqüência de planos de desligamentos
implementados pela empresa. Como o PDI foi apenas o primeiro de uma série de planos
para incentivar a aposentadoria, é natural que, em uma visão retrospectiva, os
255
Por fim, a existência de um quadro “inchado” foi relatada como item motivador dos
desligamentos nos três casos. Considerando-se que todas as empresas relataram a gestão
de recursos humanos voltada para interesses políticos e a dificuldade para se demitir,
como práticas comuns na estatal, pode-se inferir uma percepção coerente com o relato
da história das empresas.
Duas vertentes puderam ser observadas: uma de funcionários que, totalmente engajados
na nova lógica, consideravam as ações empresariais mais do que justificadas e outra, de
funcionários que relataram as razões com relativa neutralidade, aparentando ser um fato
normal da vida.
Por outro lado, ao mesmo tempo em que são semelhantes, são também diferentes. A
forma como os entrevistados apreendem, analisam e expressam os fatos está embebida
de uma lógica que se ampara na história específica de cada empresa e no contexto
particular de cada uma. Exemplificando, a preocupação com o fator meio ambiente,
mais especificamente, com a variável concorrência, só teria sentido para a ServA, pois
dentre as três, era a única que se deparava, no curto prazo, com forte entrada de outras
empresas em seu mercado.
256
Esta questão fazia sentido apenas para aquelas empresas que implementaram programas
de desligamento voluntário (Tabela 24), pois, neste tipo de programa, a decisão de
desligamento partia do empregado e não da empresa.
TABELA 24
RAZÕES PARA A ADESÃO AO PROGRAMA DE DESLIGAMENTO
VOLUNTÁRIO SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS
ServA ServC
Incerteza sobre a nova lei de
aposentadoria
Exigências de qualificação
Existência de atividade paralela Existência de atividade paralela
Proximidade da aposentadoria Proximidade da aposentadoria
com direito `a complementação com direito à complementação –
– parcial ou integral – pelo fundo parcial ou integral – pelo fundo
de seguridade social de seguridade social
Recebimento de incentivo Recebimento de incentivo
monetário monetário
Insegurança sobre o futuro Insegurança sobre o futuro
Recomendação da chefia Recomendação da chefia
deviam ter aderido. Medo do futuro e receio de poder vir a ser demitido depois e ficar
sem o incentivo foram as interpretações relatadas para esse fato.
No que se refere à ServA, outra insegurança se somou à situação. O prazo final para a
adesão ao plano foi fixado em data anterior ao da decisão de mudança nas regras para a
aposentadoria pelo INSS. Assim, na opinião de alguns, a adesão ao plano ocorreu por
medo de que se fosse obrigado a trabalhar anos adicionais para se ter direito à
aposentadoria do sistema oficial.
Há que se observar, ainda, que, no caso da ServC, houve a demissão de cerca de 340
pessoas uma semana antes de o plano ser oferecido. Segundo percepção de um gerente
ligado à área de Recursos Humanos, este evento teria implicado um volume superior de
adesões - cerca de 4.000 – se comparado com a meta inicial de aproximadamente 2.500
pessoas. Situação similar ocorreu em uma empresa norte americana, na qual o volume
de adesões foi, também, superior ao pretendido inicialmente. Tal fato teria ocorrido,
segundo Tomasko (1990), por ter-se demitido algumas pessoas em data imediatamente
anterior ao lançamento do plano de desligamento voluntário, gerando assim insegurança
nos funcionários.
No entanto, outro gerente entrevistado considerou que tal fato não teria afetado a
decisão de seus subordinados, uma vez que as demissões teriam incluído apenas pessoas
com graves problemas em sua história profissional, caso que não ocorria em sua área,
pois todos seriam funcionários extremamente competentes.
Por fim, dois pontos devem ser comentados. De um lado, essas são interpretações dos
remanescentes acerca das decisões das pessoas que saíram. Como não se realizou uma
pesquisa direta com as vítimas, não se pode, portanto, afirmar que as razões e
interpretações das pessoas desligadas coincidam com aquelas relatadas por seus chefes,
colegas ou subordinados. Como permaneceram na empresa, pode ter havido associação
com sentimento de culpa face aos que saíram, levando à adoção de motivos racionais
para explicar suas ações. Por outro lado, mesmo que sujeitos a racionalizações a
posteriori, não se pode esquecer que remanescentes são observadores privilegiados do
processo, sendo seus depoimentos, portanto, importantes para este trabalho.
Analisando-se a Tabela 25, pode-se observar que há, novamente, uma grande
similaridade nas razões apresentadas para a não adesão ao plano. Dado que a ServA e a
ServC tinham planos para complementação de aposentadoria, é natural que os
funcionários se preocupassem com o tempo para a aquisição dos requisitos mínimos
para essa suplementação. Questões de ordem pessoal e familiar também estiveram
presentes nos depoimentos dos funcionários das duas empresas.
258
TABELA 25
RAZÕES PARA A NÃO ADESÃO
AO PLANO DE DESLIGAMENTO VOLUNTÁRIO
ServA ServC
Falta de tempo para o direito à Falta de tempo para o direito à
aposentadoria aposentadoria
Crença na melhora da empresa Expectativa de maiores
oportunidades na empresa
Motivação para o trabalho Compromisso e gosto pelo
trabalho
Despesas correntes (por exemplo: Questões de ordem pessoal e
dívidas com aquisição de casa familiar (por exemplo: filhos
própria, despesas com filhos) ainda não encaminhados)
Acreditar no próprio valor; ter Acreditar no próprio valor, ter
contribuição a dar contribuição a dar.
Valor do incentivo financeiro era
baixo
Escassas oportunidades fora da
empresa
Sem preparo para sair da empresa
Acreditar na organização.
Orgulho da empresa
Motivação para o trabalho e acreditar no próprio valor foram, igualmente, fatores que
pesaram na decisão dos dois grupos pesquisados. Uma consideração a ser feita e que
tem por base o próprio depoimento de algumas pessoas refere-se à essencialidade do
serviço prestado. Assim, nota-se no discurso dos empregados um orgulho pela atividade
exercida e confiança no valor de seu trabalho.
Os depoimentos colhidos, nas duas empresas, apontam para raciocínios que incluem
mais do que um dos fatores indicados. Embora não se possa inferir um padrão de
raciocínio realizado pelas pessoas, depreende-se a consideração simultânea de múltiplos
fatores intervenientes e de análises de prós e contras, como no exemplo a seguir:
“Aqui dentro eles estavam pagando um pouco mais do que o mercado pagava.
Então, eu achei temeroso eu aderir para me capitalizar agora e depois, em pouco
tempo, eu me descapitalizar ...Não ter onde entrar, porque eu não estou perto de
aposentar, ainda falta bastante coisa. ...Eu não aderi porque eu não senti muita
motivação, entre o valor que eu ia receber em dinheiro para as perspectivas que
eu tinha no mercado e perspectivas de crescimento que poderiam ser abertas
após a saída de algumas pessoas aqui dentro. ... Eu encaro isso como uma
oportunidade. ...Eu acho que eu posso ter uma perspectiva de crescimento maior
259
Fazia parte do pensamento de muitos a idéia de que só valeria a pena sair da empresa
em caso de aposentadoria. Alternativas como obter outro emprego, abrir novos
negócios, ou mesmo tomar novos rumos para a vida pessoal, antes da aposentadoria,
quase não surgiram nas entrevistas. Dentro desta perspectiva pode-se conjeturar que a
melhor alternativa possível era o desligamento seguido de imediata aposentadoria. Esta
visão pode indicar a existência de um contrato psicológico fortemente enraizado, no
qual o funcionário, de sua livre vontade, só sairia se fosse para se aposentar.
Além disso, pode-se considerar que pessoas que trabalharam grande parte de sua vida
profissional dentro da mesma empresa e nela esperavam se aposentar não tivessem se
preparado suficientemente para uma vida “fora”. Paralelamente, outra questão deve,
também, ser considerada. Segundo Schirato (1999), funcionários que tivessem uma
grande ligação com a empresa teriam perdido a noção de quanto valeriam no mercado,
não sabendo o que “poderiam oferecer” (p.12). Esta ótica é merecedora de atenção, pois
algumas pessoas, ao receberem o valor da benefício a que tinham direito em caso de
adesão, consideraram aquele o valor de referência, não considerando a possibilidade de
que o mercado talvez tivesse uma avaliação diferente. Poder-se-ia conjeturar que a
instituição abrangia de tal forma a vida do funcionário que este desconsiderava a
possibilidade de vida fora dela.
Outros fatores podem também ser considerados. De acordo com DeWitt, Trevino e
Mollica (1998), alguns fatores também podem influenciar a adesão a programas
voluntários. Segundo os autores, há uma tendência para que as pessoas mais velhas e
com mais tempo de empresa sintam maior ligação com a organização por possuírem
habilidades e conhecimentos específicos à empresa. Além disso, pessoas mais velhas
têm, via de regra, menor mobilidade para trocar de emprego. o que justificaria a menor
intenção de sair.
260
Por fim, há que se considerar a questão das ligações afetivas que se formam ao longo de
tantos anos de trabalho. Muitos consideraram a empresa uma “família” da qual seria
difícil se separar. Outros encontram na empresa sua identidade, e deixar a empresa
significa, entre outras questões, perder parte desta identidade. Para outros, a rotina diária
confere à vida uma dignidade que se perde na ausência de emprego estável. Segundo
Sennett (1999, p. 14), a estabilidade social, aí incluída a estabilidade no emprego,
permite às pessoas narrarem de forma “linear” sua própria história de vida, conferindo-
lhes “um senso de respeito próprio”. Para o autor, a forma de sobreviver na economia
moderna colocaria a vida emocional das pessoas “à deriva”(p.19), pois não se poderia
desenvolver uma identidade e história de vida a partir de “episódios e fragmentos”
(p.27).
O papel do gerente diferiu no caso dos planos voluntários e do plano involuntário. Nos
planos voluntários, por não ser a decisão de desligamento escolha do gerente, via-se este
em papel acessório, com a função maior de apoio e auxílio aos funcionários. Em
algumas situações, perguntado por seus empregados sobre a possibilidade de
permanecer no emprego, via-se obrigado a dizer que esta garantia não poderia ser
oferecida uma vez que ele, gerente, também não estava assegurado na nova empresa87.
Em outros casos, servia apenas como alguém disposto a ouvir e refletir acerca da
decisão a ser tomada. De forma geral, os gerentes indicavam ser a decisão de caráter
pessoal podendo ser tomada apenas pelo funcionário.
86
Dois casos podem ilustrar essa questão: ( a) a do funcionário que, mesmo tendo se aposentado, levou
cerca de três meses para comunicar à esposa sua aposentadoria, tendo continuado a sair e chegar em casa
no mesmo horário, como se nada tivesse acontecido e (b) a do funcionário que, após a festa de despedida,
continuou a trabalhar normalmente, a ponto de o chefe ter que retirar sua mesa de trabalho.
87
Há que se refletir, nesses casos, acerca da incapacidade de compreensão da situação por parte dos
funcionários: seria um mecanismo defensivo, uma alienação ou mesmo falta de preparo por parte da
empresa e gerência?
261
Nestes casos, as estratégias variaram: alguns enviaram recados pela rede informal aos
seus subordinados, indicando não haver “espaço” para eles dali em diante; outros
conversaram diretamente com os funcionários; outros, ainda, utilizaram-se de um
discurso indireto88 para esta sinalização.
No caso da ServB, cujo plano foi involuntário, o papel do gerente ateve-se mais às
questões da escolha dos funcionários e ao ato da demissão propriamente dito. Questões
como critérios para a seleção, explicação das razões para o desligamento, comunicação
da demissão propriamente dita, foram as principais preocupações dos gerentes. Viram-
se posteriormente, também, envolvidos com a necessidade de tranqüilizar ou
“remobilizar” os empregados remanescentes89.
Essas questões estão bem de acordo com Noer (1993) para quem as questões da própria
insegurança no emprego e a tarefa de transmitir tranqüilidade, ao mesmo tempo em que
devem fazer com que todos compreendam as novas regras, impõem aos gerentes grande
sobrecarga psíquica e emocional.
88
Como, por exemplo, indicar as exigências e habilidades profissionais exigidas no futuro, procurando,
assim, sinalizar ao funcionário a baixa probabilidade de permanecer na empresa.
89
Um dos gerentes indicou que tinha que fazer ver aos empregados que, embora menores em número,
eram capazes de dar conta das tarefas. Outro, por sua vez, relatou que, após o programa, os funcionários
remanescentes ficaram tão aflitos com a própria segurança que se “dissesse para lavar o chão, lavava; se
eu dissesse para lamber, lambia. ....Se eu dissesse ‘tem que espanar o teto, atender o telefone, correr lá
fora e voltar aqui’, o cara fazia.... Daí para a frente, a pessoa estava aqui e realmente estava querendo
ficar”.
262
TABELA 26
PAPEL DO GERENTE NO PDI
TABELA 27
DESTINO DOS EMPREGADOS DESLIGADOS
SEGUNDO RELATO DOS EMPREGADOS
As mudanças mais relatadas, acerca da nova forma de trabalhar e acerca das exigências
que a empresa privada impôs ao corpo de trabalhadores, dizem respeito a: alteração na
carga de trabalho, horas prolongadas de trabalho, exigência de multifuncionalidade,
maior responsabilidade e autonomia para a execução das tarefas, maior atenção para as
questões de lucro e custos, maior atenção para o negócio e meio ambiente da empresa,
além de maior consciência do mercado de trabalho.
O relato mais freqüente (Tabela 28) e, também, mais contundente dos entrevistados
refere-se à alteração na carga de trabalho. Com exceção de algumas áreas da ServA que
viram sua carga de trabalho diminuir em função da centralização de tarefas na holding,
a grande maioria relatou aumento na quantidade de trabalho.
264
A drástica90 redução no efetivo das empresas aliada a maior cobrança por parte da
diretoria implicou para os funcionários um aumento substancial na carga de trabalho.
Em geral, a categoria dos gerentes foi a que mais se sentiu afetada, mas mesmo o nível
operacional indicou em seus depoimentos, grande alteração na quantidade e no ritmo de
trabalho91.
Kanter (1997) relata situação similar. Segundo a autora, organizações de alta atividade
que valorizam o acesso à informação, geram e circulam essas informações em ritmo
rápido, obrigando os funcionários a lidar com carga muito maior de correspondência,
notadamente a enviada por correio eletrônico.
A terceirização de atividades, por sua vez, deveria reduzir a quantidade de trabalho nas
mãos de funcionários da empresa. No entanto, nos casos da ServA e da ServC, houve
indicação que a contratação destes serviços teria aumentado a carga das pessoas
responsáveis pela supervisão dos serviços executados. Uma das razões alegadas estaria
no despreparo de parte das empresas terceirizadas em executar o serviço contratado, não
atendendo às exigências de qualidade da empresa contratante.
90
A literatura considera severas reduções que atingem mais do que 15 a 20% do pessoal. Nos três casos
estudados, como já relatado, a menor redução atingiu cerca de 20% do efetivo (ServA) e a mais severa
atingiu, aproximadamente, 40% do quadro de pessoal (ServC).
91
Na ServB, alguns relatos indicaram a existência de uma estrutura tão enxuta que não haveria nenhuma
folga para as eventualidades, exigindo, nestes casos, esforço adicional ao já realizado.
92
É de se pensar em que medida o correio eletrônico passou a servir de meio para a comunicação de
mensagens ou perguntas relevantes. Pode ser, também, que boa parte da correspondência recebida, em
verdade, não agregasse valor algum ao trabalho das partes.
265
TABELA 28
FATORES PARA O AUMENTO NA CARGA DE TRABALHO
foram particularmente enfáticos em relatar que esta seria uma atitude cobrada pela
própria empresa, que estaria permanentemente estimulando seus empregados a
buscarem formas mais produtivas de trabalhar.
Atitudes internas foram citadas como estratégias para lidar com a questão. Um
empregado da ServB, por exemplo, indicou que controlar sua ansiedade seria sua forma
de obter tranqüilidade para tomar melhores decisões. Outro empregado da ServC, por
sua vez, apontou que teria que aprender a trabalhar sob pressão, uma vez que esta seria
uma realidade dali para diante.
TABELA 29
ESTRATÉGIAS PARA LIDAR COM
O AUMENTO NA CARGA DE TRABALHO
TABELA 30
FATORES PARA O AUMENTO DAS HORAS DE TRABALHO,
SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS
Os relatos mais comum, conforme Tabela 31, fazem referência ao cansaço físico e ao
estresse. Alguns funcionários, notadamente na ServB, indicaram estarem tão cansados
nos finais de semana e nas folgas que lhes faltaria forças para o lazer com a família.
Esta situação teria exigido da família maior compreensão, pois, muitas vezes, o passeio
programada não poderia ser realizado. Lidar com a pressão, com a decepção familiar
por causa da ausência e ainda com a própria culpa seriam questões enfrentadas por
aqueles com jornadas mais longas. Alguns registraram, também, preocupações com a
saúde no presente e no futuro.
268
Alterações, na rotina diária e familiar teriam sido necessárias como forma de permitir as
horas adicionais no trabalho. Funcionários com filhos pequenos teriam abdicado de
algumas tarefas, como apanhar os filhos na escola, tendo sido obrigados a repassá-las a
outras pessoas. Alguns registraram, ainda, que atividades paralelas, como um curso ou
um hobby, tiveram que reduzir ou cancelar o tempo a elas dedicado.
As questões relativas à tensão entre família e trabalho foram abordadas por vários
autores (Barling e Sorensen, 1995; Hage, 1995; Kanter, 1997, Osterman, 1997). Para
Kanter (1997), teria havido uma “invasão” (p.292) na vida pessoal que poderia ameaçar
os relacionamentos familiares. A questão não se referiria apenas à quantidade de horas,
mas também à energia emocional dedicada ao trabalho, correndo o risco de o mesmo
tornar-se o “centro da vida emocional” (p.287). A multifuncionalidade, a ênfase no
trabalho em equipe, o encorajamento à inovação e ao comprometimento com as metas
empresariais teriam contribuído para essa dedicação emocional.
A questão da vida emocional dedicada à empresa pode ter uma análise diferente no caso
brasileiro. Os registros de funcionários resistentes à aposentadoria indicam, entre outras
coisas, que parte da vida social do funcionário se construía dentro da empresa com seus
colegas. A postura paternalista da empresa estatal incentivou o simbolismo de uma
“grande família” sendo natural, então, que, neste ambiente, grande parte da vida social e
emocional do funcionário aí se tivesse desenrolado. Acresce-se, ainda, a natureza
relacional de nossa sociedade, que pode ter contribuído para que as relações pessoais
desenvolvidas na empresa adquirissem caráter de maior importância. Não se pode
esquecer, ainda, nos casos da ServB e da ServC, os registros de famílias inteiras – pais,
irmãos e tios - trabalhando para a mesma empresa. Por conseqüência, vida familiar e
vida empresarial, possivelmente, se confundiram.
93
A necessidade de provar que o trabalho agrega valor é também levantada por Kanter (1997) em relação
ao que denomina de o “local de trabalho pós-empresarial” (p.273).
269
TABELA 31
CONSEQÜÊNCIAS DAS HORAS PROLONGADAS
DE TRABALHO NA VIDA PESSOAL E FAMILIAR
O aumento das horas de trabalho foi apenas uma das mudanças enfrentadas pelos
funcionários remanescentes. Um estudo da Tabela 32 indica que outras modificações
ocorreram na forma de os empregados trabalharem. Sem uma regra seguida igualmente
por todas as empresas, observa-se, no entanto, que escopo e conteúdo do trabalho
aumentaram, significativamente, para grande parte dos funcionários.
Na ServC, por sua vez, duas mudanças foram relatadas nas entrevistas realizadas: a
descentralização das atividades da área de Recursos Humanos, e a dispensa de
mensageiros e secretárias. Assim, cada área passou a realizar as tarefas típicas de
seleção, contratação etc. Engenheiros e gerentes tiveram, também, que passar a se
responsabilizar por seus arquivos, correspondência e telefonemas.
Na ServA, por sua vez, não houve registro deste tipo de mudança. Uma semana de
entrevistas e visitas, aos várias locais de trabalho da empresa, revelou uma estrutura
mais tradicional de operação, com secretárias atendendo as gerências e contínuos
realizando serviços de entrega.
Outra questão pode, ainda, ser levantada. Se, de um lado, a ampliação do escopo e
conteúdo do trabalho se alteraram como conseqüência de uma ação empresarial – a
redução de pessoal – houve, por outro lado, um movimento de aceitação deste novo
estado de coisas pelo próprio funcionário. Pode-se conjeturar que a insegurança e o
medo da dispensa tivessem contribuído para que os empregados aceitassem novas
funções, procurando, desta forma, tornar-se mais indispensáveis aos olhos da empresa94.
94
Um depoimento de um gerente da ServB pode ilustrar essa questão: “A gente percebe que as pessoas
começaram a querer fazer cada vez mais. Então, quem era dono de um processo quis virar dono de dois
ou três processos. Por quê? Aí o tempo ficava preenchido. A pessoa, de certa forma, era uma forma de se
segurar dentro da companhia”.
271
Receita, custos e lucros passaram, da mesma forma, a ser foco de atenção dos
empregados das três empresas, com maior destaque, porém para a ServA e a ServB. O
cuidado com o custo apresentou-se nos relatos de funcionários da ServA, sendo que
algumas despesas passaram a ter que ser autorizadas pela matriz. No caso da ServB, os
relatos indicam preocupação com a geração de receita, uma das principais finalidades da
empresa privada, segundo os funcionários.
TABELA 32
OUTRAS ALTERAÇÕES NA FORMA DE TRABALHAR,
CONFORME PERCEPÇÃO DOS EMPREGADOS
lucros
Não se podia mais fazer estoque, O Para dar lucro tinha que ter cliente e
fornecedor trazia na medida em que se gastar pouco
pedisse
era preciso cuidar da receita Falava-se muito de lucro na empresa
Gastos eram medidos e calculados Custo era analisado sempre
Devia-se respeitar o orçamento Trabalhava-se com orçamento rígido Trabalhava-se com orçamento
A parte social era importante, mas não se
podia ter prejuízo
Maior atenção o Empregado tinha que entender do
negócio da empresa negócio da empresa
Todo empregado era responsável pela
imagem da empresa
Empregado tinha que saber dar
informação
Maior atenção para Tinha-se que estar preparado para a
a concorrência competição como se fosse diária
Concorrente novo no mercado não tinha
custo de pessoal
De forma geral, pode-se dizer que as modificações que foram introduzidas na forma de
trabalhar nas três empresas estudadas apontam para a mesma direção que as indicadas
em pesquisas realizadas nos Estados Unidos (Kanter, 1997; Mohrman e Cohen, 1995)
Kanter (1997), por exemplo, indica que, em organizações pós-empresariais, as
mudanças mais comuns foram: a criação de estruturas horizontais enxutas, funcionários
com múltiplas habilidades, aumento das responsabilidades individuais e configurações
de equipes. Nesta pesquisa, a questão do trabalho em equipe foi o única que não surgiu
nas entrevistas.
O registro mais enfático por parte dos entrevistados, referiu-se à forte cobrança de
resultados que passou a haver depois da privatização (Tabela 33). Percebiam essa
cobrança através da necessidade de prolongamento do horário, da necessidade de
execução de atividades paralelas, na forma como o atingimento de metas passou a ser
cobrado, na necessidade de cumprimento do prazos, na demanda por maior quantidade
de tarefas, nos questionamentos dos trabalhos realizados, na menor tolerância com erro
e no sentimento de estar sendo permanentemente avaliado.
TABELA 33
CONCEITO DE COBRANÇA SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS FUNCIONÁRIOS
95
Com a exceção, conforme já relatado, de área novas como telemarketing, que exigiu a admissão de um
grande volume de novos funcionários.
96
Como por exemplo: redução da gratificação de férias de 70% para 30% e retirada do anuênio.
277
Por fim, a questão de novas tecnologias foi, também, objeto de comentários por parte
dos entrevistados. Com exceção da ServA, as empresas ServB e ServC vieram de
administrações com pouco investimento em tecnologia. Assim que foram privatizadas,
receberam grande aporte de capital para investimento tanto em equipamentos e software
de informática quanto para equipamentos de automação do processo de produção de
seus serviços. Esse investimento teria causado grande procura por cursos de informática
e treinamento nos software específicos da empresa.
278
TABELA 34
OUTRAS NOVAS PRÁTICAS ORGANIZACIONAIS
Pessoas passariam a ser avaliadas por seu Política de meritocracia: era-se avaliado
resultado pelo retorno que se dava
Valorização na empresa privada não
dependia de amizade ou parentesco
Comunicação e Processo menos ágil; algumas decisões Processo decisório ágil Processo decisório ficou mais ágil
processo decisório tinham que passar pela holding
Em caso de necessidade de alguma
decisão, bastava ligar para o superior
Acesso à diretoria era imediato Acesso mais fácil à diretoria
Mais agilidade nas questões
administrativas
Presidente da empresa circula e conversa Maior interação com os gerentes
com funcionários
Diálogo era estimulado
As pessoas ficavam mais conhecidas
dentro da empresa
Reuniões periódicas na sede com Reuniões com as chefias eram constantes
empregados de toda a empresa
Reuniões de 5 a 10 min no nível
operacional
Cada setor tinha seu desempenho
divulgado em painéis de fácil visibilidade
Novas tecnologias Houve um grande investimento em Houve um grande investimento em
tecnologia tecnologia
Implantação de correio eletrônico Implantação de correio eletrônico
Implantação do SAP em várias áreas da Implantação do SAP em várias áreas da
empresa empresa
Modernização de equipamentos Modernização de equipamentos
280
Sem dúvida, uma importante questão enfrentada pelos remanescentes foi a alteração do
contrato psicológico. Na estatal, dois fatores geravam tranqüilidade aos empregados: a
quase certeza da estabilidade no emprego e a expectativa de complementação de
aposentaria pela fundação de seguridade associada à estatal. Assim, empregados de
empresas estatais trabalhavam com a perspectiva de continuidade dentro da empresa até,
pelo menos, a data da aposentadoria.
O segundo aspecto faz referência aos salários recebidos. Alguns entrevistados relataram
preocupação com seus salários pois a empresa poderia contratar outros profissionais no
mercado com remuneração bem menor. Esta preocupação procede. Pesquisas realizadas
nos Estados Unidos (Downsizing of America, 1996) indicam que a proporção de
pessoas desligadas, com salários mais altos, aumentou muito desde a década de oitenta.
para a holding. Além disso, muitos funcionários da empresa foram transferidos para
outras regiões, o que pode ter aguçado o sentimento de vulnerabilidade.
Quais os requisitos, então, para a permanência no emprego? Como se poderia lidar com
questão da precariedade do contrato de trabalho? De forma geral, os entrevistados
relataram que os novos requisitos incluiam a aceitação de novos trabalhos, de novas
habilidades relativas à empresa, de jornadas mais longas, de agregação de valor.
Acresce-se, ainda, a necessidade de comprometimento no sentido de estar envolvido
com as metas da empresa, alinhado com seus objetivos, contribuindo constantemente
para o seu sucesso (Tabela 36).
Pode-se perguntar, por exemplo, o quanto as pessoas, em seu passado recente, tinham a
percepção da necessidade destas mudanças. É motivo para reflexão o seguinte
depoimento de um dos entrevistados: “Porque o ser humano, a pessoa que está aqui há
24 anos, 25 anos, ela não tem culpa de hoje eles descobrirem que ele é um mau
profissional. Foram descobrir depois de 25, 26 anos?”
282
TABELA 35
SENTIMENTO DE VULNERABILIDADE DO EMPREGO
SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS REMANESCENTES
TABELA 36
REQUISITOS PARA PERMANECER NO EMPREGO,
SEGUNDO PERCEPÇÃO DOS REMANESCENTES
Várias formas de se lidar com o aspecto cognitivo da situação foram apresentadas. Uma
delas referiu-se à estratégia de não ficar pensando no assunto a toda hora ou, então,
procurar esquecer o problema, reunindo-se e brincando com colegas na mesma situação.
Desconsiderar a possibilidade de a demissão acontecer seria, também uma estratégia
similar. Assim, mecanismos de negação e fuga podiam servir ao intento de lidar com o
sentimento de insegurança.
Lidar com sua própria emoção seria, segundo relato de um entrevistado, outra forma de
enfrentar a situação. Segundo vários depoimentos, grande parte dos funcionários da
estatal tinha com ela forte ligação afetiva. Na nova ordem, seria necessário, então,
“deixar o coração de lado” e usar mais a razão. Dentro desta perspectiva, não haveria
espaço na empresa privatizada, para sentimentos e emoções.
Racionalizações, também, foram utilizadas. Assim, uma das lógicas seguidas dizia
respeito ao fato de que, se o empregado precisava da empresa, esta por sua vez,
precisava dele. Não haveria, portanto, em sendo um bom funcionário, porque temer a
demissão. Pensar em situações familiares confortáveis, como ser solteiro ou não ter
filhos, também traria mais tranqüilidade.
Ações práticas seriam, também, uma forma de enfrentar a insegurança. Estas poderiam
ser direcionadas a atender necessidades da empresa como, por exemplo, trabalhar mais e
ter a certeza de agregar valor. As pesquisas indicam que esta tem sido uma estratégia
comum adotada pelos trabalhadores nos Estados Unidos, que estariam dispostos a
trabalhar mais horas, tirar menos férias e mesmo aceitar menos benefícios com o
objetivo de manter seus empregos (Downsizing of America, 1996).
Pensar em alternativas fora da empresa seria, do mesmo modo, uma forma de buscar
segurança. Assim, opções de emprego ou ocupações alternativas foram cogitadas pelos
entrevistados. Observe-se que as opções, fora da empresa, foram tratadas ou com pouca
ênfase ou antecipando muitas dificuldades. Por exemplo, viver de atividades de
consultoria ou abrir seu próprio negócio foram vistos como alternativas arriscadas, uma
vez que alguns colegas já as haviam tentado, sem grande êxito.
Por fim, para algumas pessoas, não haveria muito o que fazer a não ser continuar
trabalhando, pois o desligamento viria em pouco tempo. Na visão de um dos
entrevistados, seria como a morte, que viria não se sabe quando.
No caso das três empresas pesquisadas, entretanto, os depoimentos pouco apontam para
esse envolvimento de sedução. Maior coerência parece haver com a pesquisa de
Brockner (1992), para quem, em empresas que passaram por enxugamentos, o esforço
associado ao trabalho se relacionaria com a percepção de insegurança no trabalho,
especialmente nos casos em que o funcionário fosse o principal provedor de sua família.
Esse relacionamento teria a forma de uma curva em U invertido. Nos casos de baixa
insegurança percebida, não haveria razões para grande esforço no trabalho por razões
óbvias. Nos casos de alta insegurança, o empregado interpretaria que qualquer esforço
seu seria insuficiente para evitar uma futura demissão. Quando houvesse percepção de
moderada insegurança, o empregado empreenderia maior esforço por achar que essa
ação poderia alterar sua probabilidade de ser demitido.
Uma das pessoas entrevistadas, na ServA, porém, indicou não estar disposta a assumir
compromissos adicionais no trabalho por medo de sacrificar o tempo dedicado à
família. Como essa pessoa relatou claramente não ser o principal provedor familiar, este
fato estaria, também, em conformidade com a teoria de Brockner (1998), que indicou
não haver relações significativas entre insegurança do emprego em empresas que
passaram por downsizing e esforço para o trabalho para remanescentes que não fossem
o principal provedor familiar.
287
TABELA 37
ESTRATÉGIAS PARA SE LIDAR COM A INSEGURANÇA
TABELA 38
CONSTRUÇÃO DO FUTURO
97
Estratégias ativas são aquelas em que as pessoas procuram se antecipar aos eventos futuros, por meio
de ações que as coloque em melhores condições. Neste caso, a pessoas tenta, ativamente, influenciar e
moldar seu futuro. Estratégias passivas são aquelas em que apenas se aguarda a chegada do futuro,
adotando uma postura reativa, se necessário, ao desenrolar dos acontecimentos. Nesse caso, as pessoas
não acreditam que podem – ou não têm vontade – de alterar o curso dos eventos em seu próprio benefício.
289
Este subitem apresenta duas análises decorrentes de “cortes transversais” nos dados. A
primeira diz respeito ao simbolismo dos eventos no processo de privatização e
downsizing e a segunda relaciona-se com as emoções e sentimentos que se associam ao
fenômeno.
Ao longo das entrevistas realizadas para esta pesquisa, as imagens e metáforas foram
naturalmente surgindo. Emergiram como um atalho comunicativo, uma tentativa de
ilustrar uma situação ou um sentimento. Coletadas e analisadas verificou-se que
contavam a história da privatização e do downsizing pela ótica subjetiva dos atores. A
história por metáforas difere, assim, pelo denso conteúdo simbólico, capaz de expressar
sentimentos e emoções que a racionalidade empresarial provavelmente embota e,
mesmo, obstrui (Figura 7.1).
98
Grifo do autor
290
FIGURA 12
A HISTÓRIA DA PRIVATIZAÇÃO E DO DOWNSIZING CONTADA POR METÁFORAS
(sobre o relacionamento)
“mãe” “câncer”
(sobre a 1a demissão) Mundo real
“família” “AIDS”
vs
“casa” “monstro”
“terremoto que passou” “ilha da fantasia”
“Éden” “fantasma”
“guilhotina” “outro mundo”
“Ilha da
Fantasia”
“não é família”
(sobre as demais ondas de demissão)
“não é uma ilha”
“guerra, com morto depois de morto”
“é que nem a morte:
sabe que vem, mas não
(sobre o relacionamento) sabe a hora”
“divórcio”
291
Imagens sobre mãe e família são, geralmente, poderosas para o ser humano. Mãe é
aquela que, nos primeiros meses de vida, assegura a sobrevivência do bebê e durante
parte da vida do ser humano, via de regra, cuida da alimentação, da higiene, do
vestuário e da medicação em caso de doença.
A família, por sua vez, é o espaço mais amplo, além da mãe, na qual a criança cresce,
encontra seu ponto de referência e forma seus primeiros valores. Mãe e família são,
portanto, metáforas de uma estatal zelosa que, em casos de apertos financeiros, dava um
jeitinho e adiantava alguma coisa, providenciava treinamento e, se necessário, pagava
psicólogas para os filhos. Mesmo o poder punitivo era suavizado e advertências
tornavam-se meras admoestações.
“Eu acho que a gente não acostumou com isso até hoje. ... Você está apertado,
está sem dinheiro, vai ter um jeitinho. ... Porque a ServA sempre dava um
jeitinho.”
“Eu acho que a empresa foi muito paternalista, muito mãezona nisso aí. Então,
ela pegava o empregado, punha na sala de aula e pagava psicólogos e
profissionais dessas área.”
“E ficava por isso mesmo. Aí falavam: ‘Da próxima vez você faz melhor’.
Coisas de mãe.”
Mas o conceito de família não pode ser analisado isoladamente, fora do contexto
cultural em que se insere. Cabe, portanto, falar um pouco da família brasileira. Esta tem
a peculiaridade das sociedades coletivistas, com extensões que incluem não apenas pai,
mãe e filhos, mas também avós, tios, primos, compadres, serviçais e agregados.
292
Da Matta (1991) indica que a família brasileira, com seu poder formador da história da
sociedade brasileira, só pode ser plenamente compreendida segundo os conceitos de
“casa” e “rua”. Casa seria o espaço do parentesco e dos relacionamentos pessoais, da
calma, da tranqüilidade, do amor, do carinho e do consolo. A família estaria dentro da
“casa”, mas a “casa” poderia, dependendo do ponto de referência, compreender mais do
que a família. Poderia ser uma rua, uma organização, uma cidade e, até mesmo, um
país. Estes limites móveis só seriam passíveis de serem compreendidos se comparados e
contrastados com o conceito de “rua”.
“Rua” seria, portanto, o espaço fora de “casa”, onde cada um estaria por si,
individualizado, um “local perigoso” (p.63), onde o código seria da “letra dura da lei, da
emoção disciplinada” (p.22). Neste espaço, as pessoas transformar-se-iam em
indivíduos, onde tudo lhes poderia acontecer, fruto da falta de identidade e do vínculo
que a “casa” oferece. (DaMatta, 1991)
Com esses conceitos em mente, podemos voltar à análise das empresas estatais. Uma
referência, freqüentemente encontrada nas entrevistas e indicadora da inserção da
empresa no espaço da “casa”, refere-se à expressão “tempo de casa”, indicando o tempo
de trabalho do funcionário na empresa. Neste mesmo sentido, surgiu, também, a
expressão “pessoa da casa”, indicando a pertinência daquele funcionário à empresa, no
sentido, de ser conhecido e fazer parte da “família”, e não uma pessoa vinda da “rua”,
um desconhecido.
quisessem se aposentar e tivessem grande ligação afetiva com a empresa. Sair da “casa”
ou dela ser convidada a sair, seria como perder um conjunto de referências que
constituem a identidade da pessoa. Pessoas que fazem da empresa sua família e sua casa
sentem, ao sair, dentro desta perspectiva, uma perda e uma dor legítima.
“Veja o exemplo das pessoas que se aposentaram. Elas sabiam que iam se
aposentar e diziam: ‘Quando eu for embora vai ser tão bom’. Na hora agá, de
assinar, elas choravam copiosamente, pois a ServC foi a vida delas. Era um
relacionamento mais afetivo do tipo: ‘A ServC é a minha casa’.”
Por outro lado, pertencer à “casa” de uma empresa estatal prestigiosa em sua região,
transfere ao empregado a respeitabilidade, ao ponto de o crachá da empresa dispensar o
funcionário da apresentação de qualquer outro documento.
“Então elas tinham um problema muito sério de não querer, de alguma forma, fazer uma
integração com as outras empresas, porque ela vai estar deteriorando o nome dela. ‘Eu
só uso meu crachá aqui ... Eu não preciso de carteira de identidade, não preciso de nada,
sou ServA’.”
Schirato (1999) relata situação semelhante em sua pesquisa. ao indicar que o crachá
teria se tornado um instrumento de identificação, um sobrenome. Segundo a autora, este
seria um grave problema, pois os limites entre empresa e funcionário se fundiriam,
perdendo o empregado, com isso, a “cidadania civil” para tornar-se um “cidadão da
empresa”99.
A imagem do Éden, por sua vez, traz outras conotações. Éden pode ser entendido como
o paraíso ou, ainda, como um “lugar de delícias” segundo o dicionário Michaelis. Aí
reinaria a “tranqüilidade”, não haveria pressa nem desgaste, pois sabia-se poder ficar ali
para sempre.
“... andaram por aí, por vários empregos, até que descobriram o Éden, a
tranqüilidade...”
Ocorre, no entanto, que Adão e Eva foram expulsos do paraíso por terem comido da
maçã. Seu pecado colocou-os no mundo real, cheio de incertezas e sofrimentos. E este
99
Há que se observar, no entanto, que a autora usa o termo cidadania em seu sentido sociológico mais
comum, indicando que o cidadão está em pé de igualdade com os demais cidadãos, sem privilégios aos
quais possa recorrer em detrimento de outrem. Seu comportamento é regido pelas leis da sociedade em
que vive. Assim, segundo Schirato (1999), tornar-se cidadão da empresa é dela fazer seu ponto de
referência para comportamentos e cobrança de direitos e deveres. Por outro lado, o termo cidadão no
sentido antropológico proposto por DaMatta, aplica-se apenas àquele indivíduo que está na rua,
despersonalizado por estar despojado de suas relações sociais.
294
sentimento de expulsão parece estar presente na metáfora do Éden, com a diferença que
o convite para sair da empresa não se deu por nenhum pecado cometido. Se a empresa
estatal foi obrigada a abandonar seu local no paraíso, assim ocorreu por uma situação
fora do controle dela e de seus funcionários. Causas externas, como a globalização e a
concorrência, obrigaram os funcionários a abandonar seu território paradisíaco para
entrar no mundo dos mortais comuns.
A imagem da ilha da fantasia, também, surgiu no discurso dos funcionários. Este seria
um local mágico onde cada um poderia realizar seus desejos mais secretos, onde se
estaria protegido das intempéries e desgraças que podem destruir o ser humano.
A chegada da privatização
A privatização foi fortemente associada com imagens negativas como doenças que
corroem e destroem a imunidade do ser humano e prenunciam a morte (câncer, AIDS),
com entidades desconhecidas, sem um rosto definido, mas com potência para assustar,
matar e destruir (fantasma, monstro) e, por fim, com a morte propriamente dita.
“Viam a privatização como um monstro. Que vai acabar com tudo, vai
demitir todo mundo.”
Essas imagens além de indicarem ser a privatização um prenúncio de algo ruim por
acontecer, apontavam também para a demissão (morte), o que, em verdade, reforça a
suposição de que privatização e downsizing formam um conjunto, um “pacote único” na
imaginação dos funcionários de empresas estatais. Privatização viria, desta forma,
sempre acompanhado de demissão.
TABELA 39
IMAGENS NEGATIVAS DA MUDANÇA FUTURA
EM EMPRESA EM FASE DE PRÉ-PRIVATIZAÇÃO
Como pode ser observado, a imagem da mãe é bastante consistente nas duas pesquisas,
sendo a empresa a grande mãe e os funcionários seus filhos de quem terá que se separar.
Note-se ainda, a imagem dos filhos ainda bebês, o que pode indicar a falta de preparo
dos funcionários em seguirem suas vidas de forma autônoma. Schirato (1999) faz
observação semelhante. Em pesquisa em empresa brasileira de aviação, constatou que a
empresa ao agir como grande mãe, gerava “filhos dependentes” (p.11) que seriam
devotos à empresa, porém “imaturos para o mercado” (p.11).
Há, ainda, uma peculiaridade a ser comentada. As imagens de doença, como câncer e
AIDS, foram referenciadas em contexto de reprovação às pessoas que não acreditavam
na privatização. Para esses, a privatização aconteceria apenas em outras empresas e não
naquelas em que estavam trabalhando, indicando um comportamento de negação da
realidade.
“É igual a AIDS, só [se] acredita que ela existe, quando vem em alguém
pertinho de mim. Até então [era]: ‘Isso é coisa da televisão. Isso não
acontece aqui, perto de mim, não’. Então, com a privatização da ServC, era a
mesma coisa”.
Um dos gerentes da ServB relatou que a demissão, que se seguiu à privatização era mais
do que esperada, mas ainda assim, teria causado surpresa, assim como a morte, que seria
um fato racionalmente esperado por todos, mas emocionalmente evitado.
“Desde o início da privatização, ficou claro para todos nós que, com certeza,
iríamos ter pessoas desligadas. ... Estavam conscientes, não foram pegas...
Quando eu digo, no início, que eles tiveram uma reação de surpresa, [é]
porque é natural: as pessoas morrem, mas elas não acreditam que vão morrer
um dia”.
296
“Vamos dizer assim: você namorou, casou e vai separar da mulher. ... O que
assusta mais é esse quebra de relacionamento. ... só aquelas pessoas que não
têm sangue nas veias que não sentiram. Porque eu tenho 26 anos de empresa.
É a namorada que eu tenho há 26 anos”.
Por outro lado, terremotos, quando terminados têm como conseqüência, uma
acomodação de camadas, em que aquele que estava em cima pode, ao final, estar
embaixo e vice-versa. Além disso, terremotos são pouco previsíveis e podem ocorrer
novamente a qualquer hora.
As ondas seguintes de demissão foram retratadas como uma guerra, em que há “morto
atrás de morto”. Nestas situações, seria normal perder-se a sensibilidade e a visão de
tantos mortos já não causaria tanto dor e sentimento de perda.
“Fazendo um comparativo, assim, bem forte. Quando você está numa guerra
e começa a ver morto atrás de morto, você deixa de ter aquela sensação de
perda. ... Engraçado, mas isso acontece. Então, quando aconteciam as
demissões, eu ficava, assim: ‘Mais 100, mais 200, mais 50’ ... Certo que é
um número extremamente significativo, mas você viu que já foram
demitidos 2.000 e, agora, demitindo 500, 100 ou 50 você não vai...”
Essa mudança foi penosa para muitos, sendo que alguns ainda não teriam compreendido
a nova realidade.
“Ainda tem gente que não se conscientizou da mudança que a empresa está
passando. O mundo está passando e [a pessoa] continuou ainda, assim, meio
no mundo da fantasia. Você às vezes chama essas pessoas, conversa, tenta
mostrar, olha, sacudir e mostrar: ‘Tenta ser diferente, porque daqui a pouco o
trator vai estar passando em cima de você.’ Mas algumas pessoas ainda
continuam meio perdidas.”
298
Passar para este novo mundo significa que se tem que acordar e descobrir ter estado
sonhando, pois o mundo da fantasia não existe. Pode até ser necessário que se tenha que
“sacudir” a pessoa, para que ela acorde deste estado de sono e viva em mundo mais
“elétrico” .
“Nós estamos nos adaptando a este momento, estamos nos adaptando a esta
nova realidade. Então, esta questão de estar eletrizado faz com que haja
maior desgaste pessoal. Mas, ao mesmo tempo, naquele mundo que a gente
vivia, eu diria que era um mundo também irreal.”
Para outros, a empresa deixara de ser a “família”, que tomava conta de seus filhos.
Outro, ainda, declarou que nunca havia considerado a empresa uma família, pois os
sentimentos dedicados a cada um tinham que ser de ordem diferente:
Em consonância com esta imagem, um dos entrevistados indicou que teria que passar a
“caçar o rumo” dentro da empresa. Aparentemente, estas duas imagens se completam,
pois na ausência de família, há que se ir caçar, em busca do próprio alimento.
Por fim, para um dos entrevistados, o destino dos remanescentes seria o da morte.
Sentia que, mais cedo ou mais tarde, todos os funcionários oriundos da estatal seriam
substituídos por funcionários mais novos. Sem muito o que fazer, continuaria a trabalhar
esperando a sua hora:
Percorrer a história das três empresas privatizadas significou deparar-se com discursos
entrelaçados de fatos objetivos e vivências subjetivas. Vivências que se revelaram de
forma entrecortada, fragmentada, presente as vezes apenas nas entrelinhas, em mãos
crispadas e até em lágrimas. Por vezes revelou-se, também, na altura do tom de voz, nos
pequenos gritos de entusiasmo, na fala firme da determinação e em olhares
esperançosos de um futuro melhor.
Estas experiências subjetivas não devem, porém, alerta Déjours (1998), ser confundidas
com “fantasioso ou arbitrário” (p.50). Para o autor, relatos objetivos dos fatos e
descrição subjetiva são formas diferentes de descrever a mesma organização do
trabalho. Além disso, sentimentos como sofrimento, dor ou prazer não seriam visíveis e
os estados afetivos não seriam mensuráveis. Nada disso, porém, legitimaria, que se lhe
“negue a realidade nem que se despreze os que dela ousam falar de modo obscurantista”
(Déjours, 1998, p.29).
Ocorre, porém, que a descrição objetiva tende a ter preponderância nos estudos
administrativos, tendo sido a vivência subjetiva relegada a disciplinas específicas como,
por exemplo, a psicologia do trabalho, sem que houvesse verdadeira integração com o
corpo teórico principal da Administração. Não é por outro motivo que as dimensões
psíquicas e afetivas tenham sido incluídas por Chanlat (1992) como parte daquelas
dimensões humanas “esquecidas” pela teoria administrativa, que tem “preferido as
visões que lhe são menos incômodas” (p. 23).
Segundo Flam (1994), quando emoções são estudadas, elas normalmente têm como
foco de atenção, a satisfação, o entusiasmo para o trabalho e o sentido de atualização.
Emoções negativas, como medo e culpa, não teriam recebido a atenção merecida.
Assim, um dos objetivos deste “corte transversal” nos dados é, justamente, o de revelar
uma faixa mais larga de sentimentos, incluindo, por exemplo, o medo e o amor.
Leitmotiv: o medo
Seu primeiro sinal surgiu com a notícia da privatização, vista tanto como uma ameaça à
estabilidade do emprego quanto à forma “tranqüila” com que se desenrolava o trabalho
300
“Então quando começou isso ... tinha gente que simplesmente tinha
medo como o diabo da cruz.”
No caso brasileiro, todavia, a empresa estatal exercia seu papel de mãe de forma
incondicional, sem exigência de contrapartida. Assim, não havia nenhuma vinculação
de dependência pelo medo. É razoável, portanto, por esta perspectiva, que esse
sentimento estivesse ausente nas referências ao tempo de estatal e estivesse fortemente
associado ao evento da privatização, por implicar a perda desta mãe magnânima.
“Eu cheguei a aderir ao plano, mas desisti depois. ... A empresa estava
passando por uma fase tensa. Todos os empregados estavam numa
situação que teriam que optar se sairiam, ou não, da empresa naquela
ocasião.”
301
“A gente achava que era uma mudança assustadora, até para ser bem
franco, assustadora para a gente. ... Então a gente foi vendo que não
era bem aquilo; era uma coisa complicada, mas não era esse bicho de
sete cabeças que todos faziam. Essa era uma coisa mais ou menos
geral: todo mundo tinha muito medo.”
Veja-se a similaridade destes relatos com a pesquisa de Déjours (1998, p.28), para quem
haveria um “sofrimento por trás das vitrinas” dos que temiam não satisfazer e estar à
altura das imposições da organização, como por exemplo,
“Eu achava que era um risco também. Eu, amanhã, podia não querer
sair no PDI, mas a empresa podia me mandar embora ... Mas é um
risco que a gente corre. A gente não sabe o que está passando pela
cabeça das pessoas.”
“Você leva toda essa ansiedade para dentro da sua casa. Você não
consegue se desligar, então acaba, muitas vezes, discutindo em casa
ou você acaba não dando a atenção devida em casa. Porque muitas
vezes, você tem que ficar ligado aqui na empresa. A ansiedade, será
que eu tinha que ficar até as 7 horas, até às 8, até às 10?”
“Então não existe mais tranqüilidade para nós, hoje, aqui. Existiria
tranqüilidade se algum deles viesse lá de recursos humanos ... e
dissesse: ‘Se você é bom, está fazendo por merecer, se você está
dando produção para a nossa empresa, se você está ... não tem porque
te mandar embora. Temos que segurar você, porque você é bom!’ Mas
por mais que o cara seja bom ...”
“Acho que todo mundo hoje em iniciativa privada, acho que ninguém
tem seu emprego garantido. Eu diria que ... desde que façam o seu
trabalho com competência, desde que estejam acompanhando a
evolução do mundo em todos os sentidos, eu acho que as pessoas têm
condições de continuar trabalhando aqui dentro. ... É lógico que eu
acho que ninguém tem emprego garantido. Ninguém tem ... em termos
da iniciativa privada, em lugar nenhum."
Outros medos se somaram ao medo de poder ser mandado embora a qualquer hora. De
uma forma geral, a idade tornou-se uma grande ameaça, algumas vezes diretamente
sinalizada como no caso da ServC, com seus freqüentes planos de incentivo à
aposentadoria, ou indiretamente sinalizada, como no caso da ServB, com prestígio
concedidos aos novos em seus programas de trainees.
“Dá medo ... essa coisa da idade é um negócio que dá medo. Até
porque eu tenho 48 anos de idade, então, é óbvio, que para mim ... a
coisa parece bastante próxima.”
“Acho que agora eu tenho mais medo de ser mandado embora do que
eu tinha na época. Não pode ser mandado embora por incompetência
ou qualquer coisa assim. Porque eu acho que o momento atual da
empresa está complicado, está meio difícil. ... Acho que eles vão
acabar buscando muita gente lá fora para conseguir pegar de novo.”
A ligação afetiva também esteve presente nos discursos. É razoável que remanescentes
com tantos anos de trabalho na empresa tenham algum tipo de ligação emocional com a
organização, sentindo-se parte da mesma. Um dos entrevistados, por exemplo,
manifestou sentir-se responsável, junto com sua equipe, pelo sucesso da empresa.
“Eu tenho um amor muito grande por essa empresa. Eu tenho certeza
que muito do que ela é, é fruto do meu trabalho com a minha equipe.”
Além de amor pela empresa, havia também aqueles funcionários que mostravam um
grande apreço pelo trabalho realizado e um amor pela profissão que passaria de pai para
filho. A ligação entre o funcionário e a profissão e a empresa seria tão vital, ao ponto de
ser hereditária e as pessoas terem a atividade no “sangue”. Faria, assim, parte da própria
natureza do funcionário, ao invés de ser o resultado de uma escolha profissionalmente
orientada.
“Nós temos ... [a atividade] no sangue, ... ele realmente tem amor pelo
que faz. ... Meu pai faleceu, eu nem cheguei a conhecer ele. Eu tinha
três anos, ele era ... isso é hereditário, isso passa de pai para filho.”
304
“Eu faço isso, mas eu faço isso com aquele amor, porque hoje é ela
que me mantém.”
Esta ligação afetiva pode, por outro lado, ser considerada uma patologia, um
comportamento não recomendado, em um mundo onde as pessoas são avaliadas
positivamente por terem posturas racionais e “profissionais’.
Poderia ser de tal forma absorvente, ao ponto de a pessoa deixar de tomar decisões
adequadas para si mesmo, pois a lógica estaria cega. Invertendo-se o objeto da cegueira
e recorrendo-se ao dito popular “cego de amor”, poder-se-ia inferir que o amor pela
empresa teria como efeito impedir o raciocínio correto. Seria, portanto, um sentimento
condenável por seu caráter irracional.
“Existe uma certa ligação, amor ou vínculo, qualquer nome desse, que
eu acho tende a cegar um pouco a lógica. Então, pessoas que podiam
tomar uma decisão mais acertada em sair, não o fazem. ... Tem gente
que nem muitas férias gostava de tirar.”
Orgulho e satisfação
Orgulho pela empresa e satisfação com o trabalho realizado estão, também, presentes
nas entrevistas. De uma forma geral, o orgulho pela empresa deriva da importância do
serviço prestado à população, da consciência da importância de seu trabalho na vida
diária das pessoas.
“Nós ficamos esse período aí, esses dois últimos meses realmente
vendendo a imagem da empresa. Eu senti, assim, orgulhosa. ... Estou
vendendo a imagem da empresa em que eu trabalho com orgulho.”
“Aí você chega, e você tem autonomia de dizer: ‘Não, isso não é
assim. A gente quer que isso seja assim, assim e assim’. E as pessoas
fazem, isso aí dá uma satisfação. Você não chega como um chefe
‘Não, eu quero isso, eu quero aquilo’. Mas você sabe uma maneira
boa de falar com as pessoas. E até porque você tem autoridade de
falar, as pessoas entendem. É gratificante.”
Assim, medo, amor, orgulho gratidão e satisfação são alguns dos sentimentos
subjacentes ao desenrolar da privatização e do downsizing. Se associados às metáforas
podem em muito esclarecer sobre o mundo subjetivo dos atores. É da multiplicidade
dos enfoques, das leituras do simbólico, do acesso às emoções, dos “cortes transversais”
enfim, que a análise dos fenômenos organizacionais pode ganhar maior densidade e
riqueza.
306
8.1 Sumário
A ServA, empresa do setor de serviços com sede na Região Sudeste, era tida, dentro de
seu âmbito de atuação, como uma empresa modelo. Em 1996, já se preparando para a
iminente privatização, ofereceu um primeiro plano de desligamento voluntário. Em
307
1998, foi vendida, e junto com outras empresas estaduais, igualmente privatizadas,
passou a fazer parte de um grupo maior, cuja holding se localizava na Região Sudeste.
A matriz optou por oferecer, então, ainda dentro dos primeiros seis meses, um plano de
desligamento voluntário aberto a todos os funcionários. Na unidade pesquisada, ServA,
o plano contou com a adesão de 1074 pessoas com idade média de 47 anos e média de
22 anos de trabalho na empresa. Na avaliação do diretor de Recursos Humanos, este
volume de adesões foi surpreendente, pois se esperava, em função de simulações
realizadas, um volume bem menor, da ordem de 700 a 800 adesões.
No início de 1997, a nova diretoria assumiu, realizando, logo no primeiro dia, cerca de
2.000 demissões, sendo que, ao longo de 1997 e de 1998, outras reduções substanciais
foram realizadas.
8.2 Conclusões
De uma forma geral, a literatura específica pressupõe que planos de redução planejada
de pessoal se realizem em empresas fora do contexto da privatização. O fato de o
downsizing ocorrer neste contexto específico, tem implicações que ampliam e, em
alguns casos, diferenciam as características e conseqüências dos programas
comparativamente àqueles normalmente relatados pela literatura.
Por outro lado, normalmente as estatais realizaram em seus últimos anos, por conta da
redução de gastos do governo federal, poucos investimentos na modernização de
equipamentos e na tecnologia típica da empresa. Com a privatização, foi normal o
aporte de novo capital e sua aplicação na modernização tecnológica, com vistas a
recuperar este atraso do passado. Assim, nas empresas estudadas, particularmente na
SerB e na ServC, foram grandes os investimentos na modernização dos processos
administrativos e produtivos.
Acresce-se, ainda, que, o fato de o governo brasileiro ter, nos últimos anos, em função
de contenção de gastos, limitado o número de concursos públicos, implicou um
contingente de pessoal com alta idade média e próximo da aposentadoria. Assim, outro
objetivo do downsizing foi o de reduzir o tempo médio de trabalho do corpo de
funcionários.
Do ponto de vista dos atores, privatização implica demissão em massa, sendo que esses
processos se entrelaçam e quase não se distinguem na percepção dos envolvidos. Em
sendo aceita a hipótese de privatização, os funcionários concebem-na como sinônimo de
demissão.
311
Há que se conjeturar como foi possível a adesão a uma realidade tão diferente. A
hipótese assumida neste trabalho é que a transformação do contrato psicológico foi a
base fundamental para a mudança de atitude do funcionário e para sua adesão à nova
lógica.
Esta transformação, por sua vez, pôde ser realizada basicamente por força de três
fatores: a privatização seguida do downsizing, pressões da diretoria e da nova cultura
organizacional e pressões do meio ambiente específico da empresa.
novo contrato psicológico foi sendo, então, construído e sedimentado por meio das
novas regras de trabalho e pelas práticas e pressões da organização privada e de seu
ambiente externo.
Assim, à medida em que o contrato psicológico foi sendo transformado, passou a haver
uma adesão às novas regras de relacionamento entre empresa e empregado.
A empresa privada, por sua vez, passou a exigir de seus funcionários maiores
habilidades e conhecimentos que assustaram muitos dos funcionários remanescentes.
Muitos voltaram a estudar, procurando completar sua formação básica ou mesmo
aprimorar os conhecimentos já obtidos. Outros manifestaram a intenção de voltar a
estudar por compreenderem que a constante atualização passara a ser uma exigência da
empresa privada.
Naquelas empresas onde as contratações foram mais freqüentes, criou-se uma clivagem
na percepção de origem do empregado. Aqueles oriundos das estatais formaram o grupo
de dentro e os recém-admitidos formaram o grupo de fora, os “novos”. Em alguns
casos, o grupo de dentro, de certa forma, rejeitou o grupo de fora e sentiu-se, também,
por ele rejeitado.
Esta percepção pode ter se intensificado pelo sentimento de ter havido, por parte da
nova administração, nos primeiros momentos da privatização, uma certa desconfiança
do funcionário da estatal, estigmatizado como menos competente e menos disposto ao
trabalho.
É razoável que a pressão por resultados, a demanda por funcionários com maior
autonomia e habilidade de decisão, o investimento em sistemas de informação e na
formação de pessoal tenham resultado em um conjunto de funcionários mais
qualificados.
Uma gama de sentimentos pôde ser observada nos depoimentos coletados. Da paz e
tranqüilidade da empresa estatal passou-se ao ritmo de constante mudança que
caracteriza a empresa privada.
A empresa privada, ao mesmo tempo que traz satisfação por apresentar novos desafios
de trabalho, exige do empregado uma longa jornada a ponto de interferir em sua vida
pessoal e familiar. Ao mesmo tempo que promete reconhecimento e valorização com
base nos resultados, amedronta pela possibilidade de poder demitir a qualquer hora. Ao
mesmo tempo que propicia desenvolvimento profissional, assusta pela demanda de
novos conhecimentos e novas habilidades. Ao mesmo tempo que produz orgulho pelo
sucesso e metas alcançadas, estressa pelo esforço exigido. Ao mesmo tempo que seduz,
também angustia e amedronta.
Há que se esclarecer, ainda, que não se encontraram diferenças entre o discurso dos
gerentes intermediários e o discurso dos demais funcionários. Seus relatos revelaram as
mesmas satisfações, motivações, dúvidas e contradições. Em alguns casos, no entanto,
pode-se dizer que os gerentes estavam submetidos a pressões maiores, pois, além de
terem que lidar com a sua própria situação, sentiam-se responsáveis por seus
subordinados.
A condução desta pesquisa, em empresa privatizada que não tivesse realizado, em seus
primeiros anos, processo de downsizing, permitira melhor compreender as questões de
da privatização e da transformação do contrato psicológico. É possível que, nestes
casos, a dinâmica da transformação apresente diferenças elucidativas do processo de
adesão à lógica da empresa privada.
Ainda dentro do âmbito dos estudos comportamentais, seria útil o aprofundamento das
questões que impedem a adaptação de alguns funcionários à forma de trabalho na
empresa privada. Este estudo poderia esclarecer e, talvez, desfazer o estigma que
perpassa os funcionários egressos de empresa estatal. Além disso, poderia auxiliar no
planejamento de futuras privatizações e mesmo na concepção de planos de redução de
pessoal, se fosse o caso.
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10 ANEXOS
ANEXO 1
Roteiro de entrevista para remanescentes sem cargo gerencial
COMUNICAÇÃO DO PLANO
• Como o plano foi comunicado?
• Você sabia, antes da comunicação oficial, que o plano iria acontecer?
CLIMA
• Como, na sua percepção, ficou o clima nessa época (antes/durante?)
FUTURO
• Como você vê a empresa no futuro?
• Como você vê o seu futuro dentro da empresa?
• Existe alguma coisa importante que eu não tenha perguntado e que você gostaria de
comentar?
344
ANEXO2
Roteiro de entrevista para remanescentes com cargo gerencial
RAZÕES PARA O PLANO E CARACTERÍSTICAS DO PLANO
COMUNICAÇÃO DO PLANO
• Como o plano foi comunicado?
• Como foi mantida a comunicação durante o processo?
CLIMA
• Como, na sua percepção, ficou o clima nessa época (antes/durante?)
FUTURO
• Como você vê a empresa no futuro?
• Como você vê o seu futuro dentro da empresa?
• Existe alguma coisa importante que eu não tenha perguntado e que você gostaria de
comentar?