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Junho de 2010.
Agradecimentos
2
Sumário
INTRODUÇÃO 5
I. CONSIDERAÇÕES SOBRE A OBRA 11
1.1 Escolha da obra para o trabalho de conclusão de curso 12
1.2 Com-Arte 15
1.3 Escolha da obra como projeto da Com-Arte 17
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE EDIÇÃO E PREPARAÇÃO 23
2.1 Sobre as atividades de edição de texto dentro da editoração 24
2.2 Edição de texto em três etapas: edição de texto, preparação e revisão 32
2.2.1 Edição de texto: o que é 33
2.2.1.1 Intervenção estrutural 34
2.2.1.2 Intervenção linguística 45
2.2.1.3 Sobre legibilidade e outras questões além das intervenções estrutural
e linguística 47
2.2.2 Preparação de texto: o que é 50
3. EDIÇÃO E A PREPARAÇÃO EM DO OUTRO LADO DO MURO 56
3.1 Leitura de reconhecimento – primeiro contato com a obra 58
3.2 Leituras de edição e preparação – aspectos gerais 62
3.2.1 Edição 63
3.2.1.1 Intervenção estrutural 63
3.2.1.2 Intervenção linguística (edição) 68
3.3 Utilização das ferramentas: demonstração em análise de capítulo 74
3.3.1 Ferramentas utilizadas 75
3.3.1.1 Lista de cuidados editoriais na edição e preparação 80
3.3.2 Capítulo-demonstração: apresentação visual das intervenções em Do outro lado
do muro 82
3.3.2.1 Legenda para análise de intervenção 83
3.3.2.2 Marcações no capítulo 85
FONTES DE PESQUISA 94
ANEXOS 97
3
Resumo
Palavras-chave
Edição de texto, preparação de texto, cognição, público leitor.
Abstract
This paper presents a report of an experience of editing and preparation
of a text and discusses issues concerning this field of work, such as the
boundaries between these two practices and the cognitive processes that
involve them, suggesting a guide for action inspired in the practice on
the object studied. For this analyses, the book chosen is Do outro lado do
muro, by Maria Paula Roncaglia, a book published in 2008 by laboratory-
publishing house Com-Arte and conceived as an editorial practice for
gradutation discipline Produção Editorial Gráfica (Editorial Graphic-
Prodution Laboratory), teached in Journalism and Publishing
Department at ECA/USP, under the guidance of Prof. Dr. Plinio
Martins Filho.
Keywords
Text editing, text preparation, cognition, reading public, publishing.
4
INTRODUÇÃO
5
INTRODUÇÃO
6
material pronto (fase final da execução do livro), identificando a presença
(ou ausência) de uma linha de ação. Restava escolher o objeto desta
análise, e, para isso, delimitei o campo: seria um livro infantojuvenil.
A opção por um infantojuvenil foi determinada por quatro
condições: a primeira, ser literatura, o que implica na presença de
linguagem própria e estilo pessoal de autor (sempre uma questão a ser
considerada no processo de edição); a segunda, trazer elementos do
romance de um modo mais conciso; a terceira, utilizar elementos de
oralidade (interessantes de serem analisados); e, finalmente, a quarta, por
gosto pessoal (afinal, gostar de algo é um impulso a mais em qualquer
ação). Com o gênero definido, o passo seguinte foi a seleção da obra, e a
escolha recaiu sobre o texto Do outro lado do muro, de Maria Paula
Roncaglia.
Do outro lado do muro é produto da disciplina Laboratório de
Produção Editorial Gráfica que, dentro do curso de Editoração, objetiva
fazer o aluno vivenciar a produção de uma mídia, desde sua seleção à sua
divulgação. Lançado em 2008 pela Editora laboratório Com-Arte, o livro
foi minha primeira experiência com o processo editorial e,
principalmente, com a edição, já que, no projeto, meu foco era o trabalho
com o texto em sua fase inicial.
É importante ressaltar esse foco porque editoração é uma área que
abrange muitas práticas e é comum que o aluno se direcione para aquela
que mais lhe interessa. Assim, fazer este livro foi um primeiro passo em
7
muitos sentidos: para mim, no aprendizado do trato com o texto, na
definição de minha carreira, e também para a autora, Maria Paula, já que
o livro marca sua estreia editorial.
Usar este livro como base para esta pesquisa não foi uma decisão
arbitrária. Ele foi escolhido pela minha intimidade com o material, o que
me permitiria usar a experiência pessoal para determinar as dificuldades e
soluções encontradas por um iniciante no exercício da edição e da
preparação de um texto. Passados alguns anos desde o contato com a obra,
ela me parecia o objeto ideal de pesquisa: é uma primeira edição sem
diretrizes (por ser resultado de um laboratório experimental) e sem
experiência profissional por parte do editor, passível de uma
desconstrução sobre acertos, erros e a presença (ou não) da intuição e
como essa se manifesta.
Usando como método de ação a análise e a comparação das
diferentes fases do texto durante as etapas de preparação e edição, seria
possível reconhecer processos teorizáveis (tais como leituras de edição e
padronizações, entre outros). Mas cada ponto de análise levantava dúvidas
não previstas: qual o limite entre uma edição e uma preparação? Como a
edição afeta o original? Como esta é vista pelo autor?
Em uma pequena entrevista feita com a autora Maria Paula1 sobre
o assunto, ela menciona a edição como quem descreve um trabalho de
1
Presente nos anexos deste trabalho.
8
ourives: é função deste destacar as ideias transmitidas no original e realçar
o estilo do autor, lapidando o texto para mostrá-lo em suas melhores
facetas. Como autora também iniciante, sabia que o livro deveria ser
modificado, corrigido e adaptado, definido e adequado em relação ao
público-alvo. E, de fato, durante a execução do livro, escolher um
público-alvo foi algo que ocorreu (consequência das leituras), e a
objetividade que a autora aponta foi cumprida. Nessa ação de destrinchar
etapas, contudo, esse êxito levanta ainda outra questão – em que se apoiou
essa escolha de público-alvo? Afinal, como se classifica um livro?
Obter respostas não é algo simples nem conclusivo. Nesta pesquisa
não há respostas definitivas. As dúvidas levantadas ao longo dela (algumas
já apontadas) foram resolvidas, mas deve-se ter em conta que as soluções
apresentadas são algumas dentre muitas possíveis.
A divisão estrutural do conteúdo está feita em três grandes blocos:
o primeiro capítulo direciona-se para a escolha da obra, enquanto o
segundo aponta distinções entre edição e preparação e como essas
aconteceram no livro-base. Aí também são abordadas características do
processo cognitivo e sua presença no trato do texto. O modo como esse
conhecimento recolhido se manifesta na edição do livro-base é
apresentado no último capítulo, por meio de exemplos. Há a discussão do
direcionamento e das decisões editoriais (como a definição de público-
alvo) e são descritas fases que compõem as muitas leituras do editor. Ao
ser possível identificar, descrever e listar conceitos aplicáveis em um livro
9
editado de forma intuitiva, disponibilizamos as ferramentas necessárias
para validar o estabelecimento de um roteiro teórico de ações para aqueles
que estão começando.
Este trabalho, portanto, é uma introdução à edição de texto sob
três prismas: sua área de atuação, seus problemas intrínsecos e alguns
possíveis caminhos a seguir. É uma contribuição para um primeiro contato
com a função, e um indicativo de que é possível e necessário se pensar e
discutir este campo.
10
I. CONSIDERAÇÕES SOBRE A OBRA
11
1. Considerações sobre a obra
2
Já de início é importante deixar claro que nesse trabalho adotaremos o termo “edição de texto” tanto para
todo o processo de intervenção que atinge o texto como para uma das etapas do mesmo.
3
Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação.
4
Artigo integral pode ser encontrado nos anexos.
12
Para quem está começando na área o trabalho, aprendido com o
uso, parece ser resultado de intuição e prática, mascarando alguns
processos cognitivos. A ideia é reforçada por Cristina Yamazaki em sua
dissertação de mestrado:
13
seus passos ou processos podem ser conhecidos. Assim, o profissional de
texto, que utiliza a leitura como ferramenta básica (é um leitor, portanto),
deveria ser capaz de atribuir esses processos às diversas etapas de suas
atividades. O que justifica uma interferência em um texto e de que
maneira ela acontece pode ser determinado em outras esferas além da
gramatical. Para um iniciante, obter esse tipo de informação pouparia o
trabalho de aprender unicamente com a prática, desmistificando a ideia de
automatismo que ela traz.
Assim nasceu esse projeto: para juntar esforços àqueles que buscam
diminuir a carência de materiais de pesquisa em editoração (especialmente
em edição), e para reforçar a ideia de motivação por trás de escolhas
editoriais, a autora deste trabalho se propôs a explicitar e analisar algumas
etapas da edição de um texto ao longo de um livro específico, abrindo
espaço também para a discussão das intervenções que caracterizam o
exercício do editor de texto.
Era necessário escolher o livro que servisse ao escrutínio. Como o
objetivo da pesquisa é sugerir procedimentos simples àqueles que
começam na trajetória editorial, a escolha recaiu sobre o primeiro livro
editado pela autora. O material, fruto de uma disciplina no curso de
graduação em editoração da USP, teve um resultado satisfatório, e, sendo
primeira obra, favorece a revisão de seu conteúdo e das interferências
editoriais que o permeiam. Passado algum tempo do lançamento, a autora
desse trabalho tem hoje melhores recursos para questionar suas escolhas,
14
e essas reflexões, seja confirmando ou refutando certas ações, servirão
como guia para aqueles que dão seus primeiros passos no trato do texto.
1.2 Com-Arte
<http://sistemas2.usp.br/jupiterweb/obterDisciplina?sgldis=CJE0397&codcur=27011&codha
b=302>.
15
Assim, para completar o currículo, o aluno seria levado a conceber
e executar um projeto editorial em todas as suas etapas, desde a seleção
de original6 (normalmente recomendado pelo professor da disciplina,
dado que há na editora alguns materiais inéditos) e veículo (normalmente
livros ou revistas) até seu lançamento. Quais são essas etapas, o programa
da matéria diz:
6
Em editoração, original é “texto manuscrito, datilografado ou impresso, destinado à
composição tipográfica” e também “qualquer texto ou imagem destinados à edição por
mídia impressa ou eletrônica” (HOUAISS)
16
parte futuramente). É fácil compreender, portanto, que não existam
diretrizes para a execução de qualquer dessas atividades, explicando o
caráter experimental pelo qual a editora Com-Arte é conhecida.
A edição do texto, foco desse estudo, não foge a essa falta de guias:
não há na Com- Arte manual de redação e estilo, edição ou de qualquer
tipo de padronização. Entre os livros que a disciplina sugere como
referência para edição estão as fontes mais usuais (A Construção do Livro, de
Emanuel Araújo, e Elementos de bibliologia, de Antônio Houaiss), voltadas
mais para a técnica e truques de edição gramatical e gráfica, esquecendo
da necessidade de uma orientação para a edição de conteúdo.
É importante reforçar esses pontos para esclarecer que a obra Do
outro lado do muro não segue, deste modo, outra linha editorial que não
aquela determinada durante o processo de edição pela autora deste
trabalho e outras duas alunas do curso de editoração.
17
equipe e não de indicação dos professores, a primeira decisão foi delimitar
o tipo de publicação que gostaríamos de fazer. Para testar possibilidades
gráficas e de edição, resumimos nossa busca a textos em prosa (cujas
edição e diagramação são bem diversas das de um texto poético),
preferindo (por afinidade do grupo) romances curtos e contos.
No segundo passo, levantamos a questão de onde procurar autores.
Sendo estudantes sem tempo hábil para buscas pessoais, a alternativa que
encontramos foi a da internet, em primeiro plano, e, em segundo, a de
cartazes espalhados pela própria universidade. Criamos um e-mail e um
cadastro no Orkut, site de relacionamento que tem por base comunidades
de assuntos diversos nas quais se reúnem pessoas de gostos afins. Com esse
cadastro, utilizamos os espaços de discussão literária para lançar nosso
convite. Não pedíamos a obra toda logo no primeiro contato, mas um
pequeno resumo e, se possível, os primeiros capítulos.
Em algumas semanas já tínhamos algumas respostas para começar
a triagem. Resolvemos que o material seria dividido entre nós três para a
leitura, e que cada uma de nós teria poder suficiente para excluir ou
aprovar a obra para uma segunda avaliação, que, então, seria feita pela
submissão da escolha aos outros componentes do grupo. O único critério
pré-eliminatório era o formato. Todo o restante seria derivado do crivo
pessoal e, na segunda fase, da discussão em grupo. Essa etapa de escolha
foi a mais longa do processo, tomando-nos cerca de um semestre e meio
da disciplina. Por fim, optamos pelo livro de literatura infantojuvenil
18
escrito por Maria Paula Roncaglia, então aluna dos últimos anos de letras
da faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas na própria USP.
Do outro lado do muro foi escolhido pela faixa etária em que o livro
se inclui editorialmente7 e pelo seu bom acabamento. Já na primeira
leitura percebíamos que a história estava completa (com começo, meio e
fim), trazia um assunto conhecido mas trabalhado de maneira pouco
visitada no mercado, tinha uma linguagem adequada ao público e um bom
tamanho (em volume de páginas). Além disso, trabalhar com um
infantojuvenil permitia alguns aspectos gráficos pouco comuns a livros
voltados para um público adulto, como a presença de ilustrações em
grande quantidade e a opção por cores poucos usuais, entre outros.
Definida a obra, passamos aos passos seguintes. Trabalhando
paralelamente à edição e à arte, enquanto se fazia as leituras e as alterações
que determinariam o texto final (aquele a ser lançado), fazíamos também
o projeto visual. Como as intervenções textuais são o conteúdo desse
trabalho e serão abordadas mais adiante, tratemos brevemente do aspecto
visual da obra. Não é possível pensar em um texto sem considerar seu
7
Editorialmente, o livro é considerado infantojuvenil, isto é, destinado a crianças e jovens.
A classificação editorial de um livro visa a objetivação da venda - o público possível.
Quando nos referirmos a “infantojuvenil” neste trabalho estaremos usando esse critério,
o de um livro com sintaxe e semântica próximas do universo infantil e juvenil, uma leitura
acessível a partir de certo grau de educação esperado de uma determinada faixa etária.
Esse, contudo, é um uso prático, não refletindo a séria restrição que um livro sofre ao ser
classificado (seja qual for a medida para essa classificação). Para um leitor não há limites de
idade para uma obra, mas para as editoras, de modo geral, há, e como este é um projeto
editorial, usaremos as definições impostas por essas, ainda que não reflitam crenças
pessoais. No capítulo 3 voltaremos a esse tópico.
19
suporte físico. Como diz o pesquisador inglês D. F. McKenzie, citado por
Cerello (2007, p.9):
8
Alguns desses elementos são descritos por Yamazaki em citação à pesquisa de Moreira
(M. Moreira, 2001)
20
para a continuidade da história. O formato da obra é reduzido, de
13 x 20,5 cm, facilitando o manuseamento (além do transporte). O papel
escolhido para o miolo foi o pólen, que, por ser amarelado, não cansa a
vista do leitor. Sua gramatura foi alta (80 g/m2) para aguentar as
ilustrações, não deixando que a penetração da tinta no papel atrapalhasse
a leitura do texto no verso da folha. A fonte é serifada e grande (gentium),
auxiliando o percurso da leitura. Por fim, a cor da capa é um alaranjado
forte, casando com a imagem de vibração e força que se associa ao público
jovem, e também com a história (a cor tem um tom neutro, propício para
a capa de um livro que trata, em segundo plano, da disputa dos sexos
durante a infância e pré-adolescência). Analisados mais profundamente,
esses tópicos todos dão material suficiente para outra pesquisa. Nesta,
porém, como mencionado, abordaremos apenas a edição. Ainda assim,
ressalta-se aqui, novamente, a importância do suporte físico de um
original, visto o quanto ele influencia a leitura.
21
Na frase de Chartier, incluímo-nos entre os leitores, nossas leituras
sofrendo todas as influências do suporte que as sustenta. Há uma grande
diferença entre aquele original, lido em meados de 2007 em um arquivo
de texto, desse que hoje está impresso, e não há dúvidas que o aspecto
visual colabora com o texto, colocando em evidência acertos e encobrindo
erros. Para tratar dessas diversas leituras e intervenções, tratemos da
edição de texto e como ela foi vista na execução desse livro.
22
2. CONSIDERAÇÕES SOBRE EDIÇÃO
E PREPARAÇÃO
23
2. Considerações sobre edição e preparação
24
outros ramos da bibliologia, a saber, a bibliotecnia e a
ecdótica. Assim compreendida, a editoração, pode-se
afirmar, confunde-se com a própria atividade editorial, ou,
para sermos mais precisos, com a atividade a que se dedica uma
empresa editora, desde que, é óbvio, estruturada a sério. Em
sentido restrito, editoração significa, ou o termo tem sido
usado para significar, o conjunto de técnicas (de produção
em si ou rigorosamente editoriais) usadas na produção de
livros9. Entre as técnicas de produção, citem-se a tipologia,
a revisão, a paginação, a diagramação etc., enquanto as
técnicas editoriais podem ser exemplificadas, entre outras,
pela técnica da linguagem de ficção, a da linguagem técnico-
científica, a promoção e a distribuição.10 (SILVA apud
ARAÚJO, 2000, p.51)
25
o contato com esse seja superficial. Em texto, essa indistinção é ainda
maior, e embora se crie subdivisões para as etapas da edição de texto,
todas têm pontos comuns e, na prática, muitas vezes se mesclam.
Em seu artigo já mencionado, Ana Elisa Ribeiro retrata bem essa
situação ao falar do editor de jornal:
11
Artigo integral pode ser encontrado nos anexos.
26
Intercom, a autora menciona que
12
Professoras na Potchefstroom University for Christian Higher Education (África do Sul).
13
Althéa Kotze e Marlene Verhoef. The text editor as a ghost-writer: crutinizing the
theory and the profession. Antwerp Papers in Linguistics: Text Editing - From a Talent to a
Scientific Discipline. Antuérpia (Bélgica) / Potchefstroom (África do Sul): University of
Antwerp / Potchefstroom University, 2003. p.38.
27
Sem convenção de parâmetros para o trabalho com o texto, cada
autor acaba formando sua própria distinção, que pode se aproximar ou
não de outras. Para Emanuel Araújo, por exemplo, o editor de texto é
principalmente o encarregado do preparo e da revisão literária do original,
aquele que aplica normas. Não é de estranhar, portanto, que em seu livro
o editor de texto se confunda com o preparador14, agindo, esse
profissional híbrido, sob a bandeira da preparação:
14
Neste trabalho, a preparação será considerada algo distinto da edição de texto, em
oposição ao que ocorre em A construção do livro. As distinções entre edição de texto
como etapa e preparação serão abordadas no próximo tópico.
15
“Falta” não está sendo vista como o errar em relação à norma (por exemplo,
contradizer a gramática padrão), mas sim
28
assumiria a tarefa de identificar e corrigir esse mesmo tipo de problema
no original. Com exceção de alguns casos16, a função das interferências
(sendo as correções mencionadas acima um tipo destas) é deixar o texto o
mais claro e pertinente possível, tomando pertinência como adequação do
texto ao seu objetivo (público-alvo, linguagem, mercado etc.). Araújo
leva esses aspectos em consideração ao definir seu editor de
texto/preparador. Sobre a questão da pertinência, diz que
29
exuberância léxica, o fraseado bonito, em suma, todos os
requintes estilísticos hedonistas e sibaríticos com mais
frequência falseiam a expressão das ideias do que
contribuem para a sua fidedignidade. É principalmente por
isso que neste livro insistimos em considerar como virtudes
primordiais da frase a clareza e a precisão das ideias (e não se
pode ser claro sem se ser medianamente correto), a coerência
(sem coerência não há legitimamente clareza) e a ênfase
(uma das condições da clareza, que envolve ainda a
elegância sem afetação, o vigor, a expressividade e outros
atributos secundários do estilo)18. (GARCIA apud
ARAÚJO, 2000, p.61)
18
Orthon Garcia. Comunicação em prosa moderna. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio
Vargas, 1977. p.viii. 6.ed.rev.
30
de normalização19 ou de escolhas próprias do editor20).21 Ainda assim, é
sobretudo um normalizador, e nesse ponto diferimos.
19
“A instituição que agrupa a maioria dos órgãos nacionais de normalização é a
International Standard Organization (I.S.O.), da UNESCO, fundada em 1946 e que tem
sede em Genebra. O Brasil é país-membro da I.S.O. através da Associação Brasileira de
Normas Técnicas (A.B.N.T.). ” (ARAÚJO, 2000, p.56)
20
Esses critérios foram retirados do livro em questão:
Não existe, na verdade, qualquer padrão normativo absoluto para nada. O preparador de
originais, de fato, sempre oscilará entre as dificuldades - e inevitáveis adaptações caso por
caso - de padronização para traduções, organização bibliográfica ou de índicas etc., até a
aceitação, pura e simples, de certos critérios impostos pela criação literária (em particular
a poesia), em que a única tarefa normalizadora, aliás muito difícil em alguns autores,
consiste basicamente em infundir coerência gráfica ao texto impresso. (ARAÚJO, 2000,
p.56)
31
serão vistas posteriormente). Unir atividades relativamente distintas no
trabalho de edição de texto sob os critérios da preparação faz com que
algumas possibilidades de prática do editor fiquem fora de classificação,
algumas práticas que foram mesmo utilizadas no preparo do livro que
serve de base a esse trabalho.
Em função dessa divergência, para sistematização do processo de
intervenção no texto usaremos como base os critérios que Yamazaki
estabelece em sua dissertação. Deste modo, para esse trabalho adotaremos
três eixos centrais na edição de um texto: a edição de texto, a preparação
e a revisão, todos na visão proposta pela autora mencionada.
32
texto (enquanto etapa), a preparação e a revisão, sendo que “em todas elas
um profissional lê um texto redigido por outra pessoa e faz algumas
intervenções”. (Ibidem, p.92). Resumidamente, poderíamos dizer que a
Edição de texto tem por objetivo deixar claro ao leitor como é a
construção estrutural e temática do livro, orientando a leitura e, conforme
o critério da publicação, facilitando-a; a Preparação uniformiza
(ortotipograficamente, editorialmente, gramaticalmente e
estilisticamente) o texto editado, deixando-o pronto para a edição gráfica,
e a Revisão, cujo nome vem de “Revisão de prova”, faz o mesmo tipo de
busca que as outras duas etapas, mas numa cópia impressa do material já
diagramado (a “prova”).
Para a análise que propomos, utilizaremos apenas os conceitos de
edição e de preparação, que detalharemos um pouco mais.
33
Usando o trabalho de Cloutier23 como fonte, Yamazaki separa a
intervenção do editor em dois tipos, estrutural e linguística.
23
Francine Cloutier. Des modifications guidées par la recherche de La pertinence dans
toutes les dimensions textuelles. In: Jocelyne Bisaillon (org.). La révision professionnelle:
processus, stratégies et pratiques. Quebec: Éditions Nota Bene, 2007.
24
“Além da dimensão verbal abordada pela psicolinguística nas pesquisas sobre os processos
cognitivos da leitura, há uma dimensão não verbal envolvida na intervenção estrutural de um
original. Gráficos, tabelas, boxes, quadros, ilustrações, fotos - esses elementos gráficos também
ajudam a compor a macroestrutura de um texto e devem ser considerados na edição. Muitas vezes,
eles constituem instrumentos tão fundamentais quanto os textos indicadores para a construção de
um percurso de leitura e para o desenvolvimento coerente do tema. ” (YAMAZAKI, 2009, p.106)
34
e preocupa-se com títulos de capítulos, intertítulos, legendas etc., todos
aqueles que podem orientar a leitura e resgatar ideias que já tenham sido
apresentadas ao leitor previamente ou que ele traga consigo. Ingedore
Villaça Koch, em seu livro sobre construção de sentidos no texto,
comenta que
35
relacionar diferentes partes do texto num todo coerente. As
inferências são fundamentais para que se compreenda um
texto, pois ajudam o leitor a estabelecer ligações entre as
diversas partes do que está lendo e permitem a constituição
de um significado. (YAMAZAKI, 2009, p.102-103)
36
diretamente relacionado aos capítulos dez e doze, sobre os jogos de
futebol — um deles mencionados no grifo. O original, sem essa marca,
não estava tão claro, de modo que os capítulos vinculados perdiam o elo,
deixando o leitor confuso quanto à ligação entre eles.
Para reforçar o elo, no capítulo onze foi sugerida outra inserção:
37
a maiúscula foi sugerida na edição, depois de se conversar com a autora
sobre a existência ou não de uma insinuação nesse sentido.
Como elemento de humor, algumas das intertextualidades nem são
explicadas, seu sucesso dependendo exclusivamente do conhecimento
prévio do leitor, que só assim identificaria a inocência dos personagens em
certas passagens, como esta do cortiço:
38
entre segmentos textuais e conhecimentos e /ou práticas
socioculturalmente partilhados. (KOCH, 2001, p.24).
A partir dos estudos de Heinemann & Viehwegger25, ela menciona
três grandes sistemas de conhecimento, o linguístico, o enciclopédico e o
interacional, sendo os dois primeiros mencionados por Yamazaki.
Segundo essa classificação,
39
Sobre os tipos de conhecimento que o conhecimento sócio-
interacional abrange, a autora continua:
26
No Gramática da Língua Portuguesa (Lisboa: Caminho, 2003), de Mira Mateus, temos que
“cada tipo de ato ilocutório tem implicado um objetivo ilocutório que, de certo modo,
regula e integra a força da ilocução”. Assim, o estudo (e decorrente classificação) de atos
ilocutórios e, aí, o conhecimento da ilocução, surgem para distinguir a intenção do
enunciado em cada ato linguístico realizado pelo falante/locutor.
40
também, conhecimentos sobre as macrocategorias ou
unidades globais que distinguem os vários tipos de textos,
sobre sua ordenação ou sequenciação, bem como sobre a
conexão entre objetivos, bases proposicionais e estruturas
textuais globais. (KOCH, 2001, p.27-28)
41
Por isso me abaixei e deixei o mínimo possível do meu rosto
à mostra.
Eram sofás, caixas e outras mobílias sendo trazidas por
homens enormes. Um dia eu também seria capaz de
carregar um sofá sozinho, pensei. Depois de muito leva-e-
traz, o caminhão foi embora e seu Joaquim, que
acompanhara a operação de perto, voltou a trancar a casa.
— Oi, Duda! Eu já vi você. Você está espiando? — Seu
Joaquim falava com um ar muito divertido.
— Não, eu não estava espiando. Eu sei que espiar é feio! Eu
estava admirando o trabalho dos transportadores.
(ARQUIVO EDITADO, c.2)
42
personagem e, de modo geral, ao de um menino da faixa etária dele.
Assim, foi suprimido na versão final.
Na segunda marcação em itálico, o caso é de falta de clareza
(conhecimento metacomunicativo) e, portanto, foi adaptado:
43
outras coisas.
Nós conseguimos aproveitar uma mesa oval com seis
lugares. Arrumamos cinco cadeiras que pintamos com um
resto de tinta azul de uma lata velha. Por cima da bagunça
da avó do Juca, nós jogamos a antiga piscina de plástico do
Juca com desenhos de peixinhos. (ARQUIVO ORIGINAL,
c.7.)
44
globais” visando o texto, a métrica proposta serve também para o não-
textual, como projeto gráfico e hierarquia da informação (conteúdo e
visual). Novamente, trata-se de campos da intervenção estrutural.
Os outros tipos de conhecimento também servem como orientação
para uma edição baseada em outras fontes que não a intuição. Eles,
contudo, fazem parte da próxima etapa de intervenção, a linguística.
45
Já para a ortografia, pontuação, morfologia e sintaxe, é costume se
guiar pelo que é canônico, salvo exceções explícitas (por exemplo, caso
do Guimarães Rosa, que além do vocabulário, inovava também na
acentuação das palavras). Para a sintaxe, especificamente, a sugestão de
seguir a norma (que dita uma ordem natural aos elementos formais do
texto) é ainda maior, já que “estruturas que não sigam essa ordem
tradicional, ou que apresentam intercalações longas interrompendo a
oração principal, provavelmente exigirão grande esforço cognitivo do
leitor” (YAMAZAKI, 2009, p.111).
Também nessa etapa são necessários conhecimentos
comunicacional e metacomunicativo, mencionados no tópico anterior. A
ideia de adequar uma informação e prever e/ou corrigir um possível
empecilho comunicacional, proposta por Koch, parece rondar o trabalho
do editor, que acaba tomando contato e confirmando esses preceitos pela
prática. Isso explicaria, ao menos em parte, a noção que vigora de um
trabalho intuitivo. Retirar, mesmo que parcialmente, essa noção da
intuição e transferi-la para um conhecimento (mesmo superficial) do
processo cognitivo pode ser proveitoso, na medida em que, segundo
Koch, as estratégias cognitivas constituem-se também em “estratégias de
uso do conhecimento”, levando sempre em consideração que
46
e atitudes, o que torna possível, no momento da
compreensão, reconstruir não somente o sentido
intencionado pelo produtor do texto, mas também outros
sentidos, não previstos ou mesmo não desejados pelo
produtor. [...]
As estratégias de ordem cognitiva têm, assim, a função de
permitir ou facilitar o processamento textual, quer em
termos de produção, quer em termos de compreensão.
(KOCH, 2001, p.30-31)
47
o estabelecimento de uma estrutura referencial, de modo
que o material inserido não é supérfluo, isto é, não é
eliminável sem prejuízo para a compreensão. Através da
inserção, introduzem-se explicações ou justificativas,
apresentam-se ilustrações ou exemplificações, fazem-se
comentários metaformulativos que têm, muitas vezes, a
função de melhor organizar o mundo textual. (KOCH,
2001, p.32)
48
conceito variável. Há estudos, como os de Richaudeau27, que pensam os
processos cognitivos tanto da produção e recepção de um discurso quanto
da compreensão e memorização do leitor, abordando tanto a legibilidade
linguística quanto a tipográfica (YAMAZAKI, 2009, p.112-113), mas
mesmo esses não chegaram a uma definição plena sobre o que é um texto
legível.
Ainda assim,
49
leitura para nós mesmos, certamente cada um chegará a
uma resposta diferenciada. Isso porque se trata, antes de
mais nada, de uma experiência individual, cujos limites não
estão demarcados pelo tempo em que nos detemos nos
sinais ou pelo espaço ocupado por eles. Acentue-se que, por
sinais, entende-se aqui qualquer tipo de expressão formal
ou simbólica, configurada pelas mais diversas linguagens.
(MARTINS, 1997, p.32)
28
Yamazaki escreve a partir das ideias de Ângela Kleiman sobre cognição na leitura, que
podem ser encontradas em Texto e leitor: aspectos cognitivos da leitura (Campinas: Pontes,
2004).
50
Entretanto, citando Yamazaki,
51
separa em quatro vertentes: normatizações ortotipográfica29, gramatical,
editorial e estilística.
52
editor, devendo corrigi-la.
53
corretas); a coerência de tabelas, gráficos e imagens; dados numéricos e
eventuais cálculos apresentados etc. (YAMAZAKI, 2009, p.124)
Normalização estilística: O preparador deve notar
impropriedades, como a inadequação da linguagem em relação ao público-
alvo ou ao contexto narrativo.
54
Saber antecipadamente alguns dos pontos a serem focados durante
a preparação e edição assegura uma maior eficácia nessas etapas. Pensando
em um primeiro trabalho de editor, analisemos como essas práticas
ocorreram no livro que nos serve de base para esse trabalho.
55
3. EDIÇÃO E A PREPARAÇÃO EM
DO OUTRO LADO DO MURO
56
3. A edição e a preparação em Do outro lado do muro
31
No tópico 3.3 deste trabalho, sobre ferramentas utilizadas, apresentaremos as leituras e
seus processos em forma de lista.
57
3.1 Leitura de reconhecimento – primeiro contato
com a obra
32
Artigo integral pode ser encontrado nos anexos.
58
Ora, como assegurar-se de tal leitor, simplesmente
diagnosticando sua idade cronológica, sem referir-se aos
aspectos psico-afetivos e ao contexto histórico e
sociocultural, dos quais tampouco se desprende o próprio
conceito de infância e de adolescência? Ao estabelecerem-
se fronteiras quanto à recepção de uma obra literária, acaba-
se por impor limites à própria linguagem que a constitui e
ao acesso livre à literatura como um todo. Tal imposição,
de ordem cultural ou econômica, pode ser a causa de
inúmeros equívocos, tanto na escritura dos gêneros que se
costuma designar como infantil e juvenil, quanto aos
métodos de intro/condução à leitura. (MASTROBERTI,
2008)
59
etapa de sua existência.
Posso pensar, contudo, em uma definição, é claro, mas ela
não será ingênua: a literatura infantil, como disse acima,
nasceu do casamento da invenção da infância com um
interesse pedagógico e econômico manifesto num mercado
que produz e vende livros e, por consequência, literatura.
Ela é gerada por vontade de um sistema que inclui a criança
como consumidora. Logo, tudo o que disserem para você,
numa livraria ou numa resenha, ou num catálogo editorial,
acabará valendo como definição do gênero. Porque
literatura infantojuvenil é isso: um rótulo. Possui uma
embalagem classificatória que determina seu destino. Seus
objetos — os livros que a materializam — são pensados
para preencher certo espaço nas prateleiras que exibem os
mais diversos produtos literários, entre eles, o livro
infantojuvenil. (Ibidem)
60
Na história, Duda é um menino que faz parte de um grupo bastante
unido de amigos. Ameaçados de perder o campeonato de futebol do
bairro, rezam por um milagre — que é atendido na figura de Dani, o
melhor jogador que os meninos já viram. O problema é que Dani é uma
menina, e todos os personagens estão naquela idade em que meninos e
meninas são inimigos. Passando pelas etapas de aceitação e colaboração (a
necessidade de Dani como jogador que faz aceitar Dani como
companheira), o cerne do livro na realidade é a amizade e o
amadurecimento, quando não são mais as diferenças físicas que
determinam a afinidade com alguém.
Ter um foco editorial é importante para saber como interferir no
texto (linguagem, referências etc.) e ter conhecimento da trama é
fundamental para a edição, pois só com ele se tem noção do limite dessas
intervenções. A presença de um personagem de caráter dúbio no centro
da narrativa, por exemplo, exige atenção no que se corrige, já que Dani
não se revela como menina até o capítulo 9 (de 13), e a surpresa do leitor
é simultânea à surpresa (em presente histórico) de Duda.
Desta maneira, cuidar para que nenhuma pista seja dada, por
exemplo, é um fator que se percebe necessário já na primeira leitura, e
servirá como orientador para todas as outras leituras de intervenção.
Do outro lado do muro é uma reminiscência de Duda, que escreve de
um momento futuro a que não temos acesso (não sabemos que idade tem
no momento atual, quanto tempo se passou desde os eventos acontecidos
61
no livro, como evoluiu sua relação com os outros personagens daquela
época até o “hoje” etc.).
Dentro da história, temos dois grandes flashbacks, que servem
também como exemplo para ilustrar o que se pode recolher logo do
contato com a obra (na primeira leitura).
O primeiro flashback começa no segundo capítulo e interrompe a
ação do primeiro capítulo, que só será retomada no capítulo onze, quando
a trama retoma a linearidade temporal. Nesse primeiro flashback, Duda
explica como conheceram Dani e como se deram os laços de amizade entre
eles. Dentro desse parêntese temporal, uma nova interrupção: o segundo
flashback, que vai do capítulo quatro ao seis, e explica os laços de amizade,
anteriores a Dani, entre Duda e os outros meninos da turma.
Para que nenhuma das passagens se misture com as outras, há
necessidade do uso de conectivos para retomada de um contexto prévio,
outro cuidado editorial a ser tomado durante as leituras de edição e
preparação.
62
do livro-base, e nos anexos, onde está reproduzida a obra e todas as
intervenções feitas nessa.
3.2.1 Edição
63
Sendo feito principalmente de textos curtos, cada um desses
capítulos já estava bem dividido quando chegou às nossas mãos. As
exceções são os capítulos 7, 10, 11 e 12, cujos conteúdos são
relativamente expandidos e mudam ocasionalmente de cena ou de
momento narrativo (os outros capítulos estão, de maneira geral,
centrados em um único acontecimento, um único momento de ação).
Nesses, optamos por deixar a configuração enviada pela autora,
que emprega *** para dividir as passagens, como no exemplo abaixo:
64
Essa escolha foi feita principalmente por dois fatores: primeiro, a
unidade das passagens, que fazem parte de uma mesma temática de
capítulo; e, segundo, a inexperiência, que não nos fez arriscar em
sugestões sobre novos agrupamentos.
Alguns trechos ou capítulos inteiros teriam ganhado uma dinâmica
melhor com uma divisão.
É o caso do capítulo 10. Sob o título de “A decisão e a final” ele
apresenta cinco passagens:
A – Do conselho dos membros do clubinho para decidir a
volta de Dani (após o sexo desta ter sido descoberto) ao
arrependimento de Duda.
65
B – O pedido de desculpas de Duda para Dani e o
reatamento da amizade de ambos.
C – O relato da situação, que Duda faz para a sua mãe.
D – O jogo.
E – O pós-jogo e consequências (com anunciação do
clímax).
66
orientação do leitor em seu percurso de leitura.
Nossa única inclusão na macroestrutura foram alguns espaços, criados
para aumentar o distanciamento das ações ou a distinção entre as cenas:
[...]
Dani entendia muito bem o que eu e os caras sentíamos em
relação às meninas. Ele era um dos nossos, naturalmente.
Eu sabia que não podia levar um estranho para as nossas
reuniões sem consultar o resto da turma antes, mas eu
achava que o Dani não era um estranho. Ele tinha sido
enviado por Deus até nós. Nós havíamos pedido por ele e o
nosso pedido havia sido atendido. Ele não era um estranho,
era o salvador do nosso time.
Meia hora depois, eu e Dani fomos encontrar os caras no
clubinho.
Eu entrei primeiro e pedi para o Dani ficar esperando do
lado de fora.
Já estavam todos lá. O antigo galinheiro não era muito
grande. [...]. (ARQUIVO ORIGINAL, c.7)
[...]
67
Sobre intervenção microestrutural, há inversões de termos para
clareza ou retomada de cenas, na história, para guiar o leitor pelos
flashbacks que aparecem. Esses casos, contudo, fazem parte também da
intervenção linguística e serão abordados nessa.
Essa congruência entre as intervenções só vem mostrar como todas
as formas do texto se entrelaçam, podendo ser vistas de mais de uma
maneira.
68
momentos em que escapam ao autor.
No primeiro capítulo, por exemplo, temos a seguinte passagem:
69
O segundo ponto também imediatamente perceptível eram os dois
flashbacks que permeavam a narrativa, fazendo-a confusa em
determinadas partes. Separadas por grandes espaços de texto, alguns
trechos de início e fim de algumas cenas precisariam ser resgatados para
que as indas e vindas do roteiro ficassem claras, como mencionamos e
exemplificamos anteriormente.
Algumas passagens, então, sofreram acréscimos de informação. No
exemplo acima, o segundo grifo se refere à substituição de “daquele” por
“deste”, assinalando a passagem temporal mais claramente.
Além dos flashbacks, há pequenas retomadas: o dia da cólica de
Dani é o dia da brincadeira dela e Duda na árvore de seriguela; o dia que
Duda descobre a mudança iminente é o dia em que ajuda Marcão e vai
com ele para o jogo de futebol; o dia seguinte a esse é o dia em que Duda
fala da mudança aos outros colegas, e também o mesmo em que o menino
conhece o novo vizinho. A mudança próxima de datas exige uma descrição
detalhada do momento da cena (incluindo precisão nos tempos verbais),
para que não se crie um limbo temporal.
No primeiro caso, a questão é definir a especificidade dos
acontecimentos deste dia:
70
— Duda, tô com dor de barriga! Acho que comi seriguela
verde.
[...]
E choveu. O que estava longe de ser um milagre. Era
janeiro, chuvas eram frequentes. Eu estava com o telefone
na mão para avisar Dani de que o jogo seria remarcado,
dando tempo para sua recuperação, quando a campainha tocou.
Como mamãe estava passando roupas, eu fui atender. Era o
tio Sérgio e ele estava com cara de preocupado.
— Oi, Duda! A sua mãe está aí? (ARQUIVO EDITADO,
c.1. Grifos indicam trechos inseridos na edição; sentiu
substituiu a locução verbal estava sentindo, presente no
arquivo original.)
4. A Turma
71
separada por dois capítulos:
6. Preces Ouvidas
72
narrativa pudesse ser mais desenvolvida ou melhor adequada. No último
capítulo há um bom exemplo:
73
O tio Sérgio assentiu com a cabeça e saiu. Mamãe suspirou:
— Coitado! É difícil criar dois filhos sozinho! Falei que
vocês iriam se entender sozinhos, que ele não precisava
deixar Dani de castigo. (ARQUIVO EDITADO, c.10.
Grifos indicam alteração.)
74
o uso padrão.
A normatização editorial, a menos frequente, ficou responsável por
padronizar o masculino antes de “Dani” e a escolha da grafia de algumas
palavras, como “seriguela” (no original, tínhamos “siriguela”. Como ambas
as formas estão corretas, a decisão por uma palavra em detrimento da
outra foi puramente editorial).
Por fim, a normatização de estilo, que envolveu a homogeneização,
entre as passagens, da linguagem dos personagens (substituição de
palavras, mudança na estrutura frasal etc.) e a inclusão de ganchos para a
retomada narrativa. Essa fase da preparação está bastante mesclada à
edição de estilo, não sendo possível dissociar claramente uma da outra
durante o processo geral de edição deste livro.
Sendo o foco deste trabalho a análise da utilização de ferramentas
durante a edição e a preparação de um texto, abaixo fazemos uma
descrição das ferramentas utilizadas e, usando a íntegra de um capítulo
para avaliação, demonstramos como elas foram aplicadas.
75
Primeiro, como mencionamos, fizemos a leitura de contato e
levantamos a sequência do roteiro e os aspectos não totalmente resolvidos
nesse (a questão Dani e os flashbacks). A partir daí, definimos as questões
editoriais sobre as referências a Dani que aparecem no livro e marcamos
os pontos de recapitulação de conteúdo.
É importante, portanto, criar uma sinopse dos capítulos, para saber
como eles se articulam e se essas articulações estão funcionando bem. Esse
resumo deixa claro que pontos precisarão de atenção e intervenção. No
nosso livro-base, complementamos essa etapa destacando as passagens que
precisariam de mudanças. Essa marcação facilitou o trabalho, já que
deixava evidente, durante as outras análises, aspectos não concluídos no
texto — e que poderiam ser adaptados ou mesmo excluídos nas outras
intervenções.
Nas leituras seguintes, seguindo os preceitos já vistos de
legibilidade e construção de sentido, grifamos as sentenças que não
estivessem: 1) suficientemente claras (quanto a legibilidade); 2) adequadas
ao modo de expressão e ação de cada personagem; 3) adequadas ao
público-alvo, e/ou 4) coerentes quanto a narrativa, enredo ou passagens
específicas do livro. Nesse momento, apontamos também frases ou
palavras desnecessárias, controversas ou de duplo-sentido, bem como
mudanças estruturais de parágrafos (criação de alguns, unificação de
outros). Como decisão editorial, e seguindo o estilo da autora, optamos
pelo discurso direto (majoritariamente) e, também na maior parte das
76
vezes, por frases de sentido único, que facilitariam a compreensão por
parte do leitor. Deste modo, no livro, mesmo as ironias são apontadas
como tais.
Como é possível perceber, as indicações acima correspondem à
fase da edição, não da preparação, de acordo com os conceitos levantados
anteriormente. Como pode ser também apontado, a fase da edição se
firma principalmente na leitura constante de um texto, buscando a melhor
maneira de o expor, verificando o que, nele, pode ser melhorado para
uma melhor compreensão do conteúdo, mas sempre de modo a não
ultrapassar a barreira do estilo próprio da autoria.
O próximo passo era sugerir as alterações dos trechos destacados.
Usa-se a palavra "sugestão" porque todas as alterações passavam pelo crivo
da autora, sendo as maiores feitas mesmo por ela, não pela editora. Nesse
último caso, podemos citar as alterações de dinâmica ou roteiro: junção
ou criação de parágrafos; alterações na história (o final do livro, por
exemplo, foi ligeiramente modificado devido à sugestão editorial.
Pedimos que a autora excluísse os dois parágrafos do original e incluísse
um novo diálogo. Com isso mantinha-se a intenção original, mas
trabalhada de outra maneira). Essa etapa é a de maior contato com o autor.
Por fim, começamos a etapa de preparação. Novamente, grifamos
os trechos de dúvida e definimos as padronizações.
Essas padronizações foram poucas, já que nosso intuito era mexer
o menos possível no original. Padronizamos palavras de grafia dupla,
77
escolhendo só uma opção (caso de seriguela); padronizamos o uso do
travessão, que no original era hífen. Depois, definimos que as frases que
anunciavam o falante, no diálogo, iniciariam com caixa-baixa após o
travessão, enquanto que seriam iniciadas em caixa-alta as frases após o
travessão que trouxessem informações novas. Houve padronização quanto
a frases que anunciam o discurso: na maioria das vezes, foram separadas
deles por dois-pontos. Na construção gráfica do texto, demos preferência
ao uso de parênteses e travessão na separação de algumas frases
intercaladas, no lugar das usuais vírgulas. Desse modo, colocávamos em
evidência a quebra de alguns períodos, facilitando a interpretação e
contribuindo para a fluência narrativa.
Nos verbos, para casar com a oralidade, substituímos os pretéritos
mais-que-perfeito pelos tempos compostos. Quanto aos pronomes,
aqueles de uso íntimo (como tio/tia) ficaram em caixa-baixa, enquanto os
de tratamento (Dono/Dona e, no livro — por correlação de função —,
Seu/Sua) ganharam caixa-alta.
Devido ao caráter oral do livro, alguns cuidados passaram
despercebidos, como a padronização quanto ao uso de “para” / “pra”. É
um erro de decisão editorial, embora não incorra realmente em um erro
gramatical, já que, neste caso, ambas as formas são permitidas, devido à
coloquialidade do texto. A opção por uma só forma dá uma ideia de
unidade ao texto e é importante. Nesse caso, sugerimos aqui o uso do
“para”, seguindo o critério estabelecido (e já mencionado) de optar pela
78
norma padrão quando esta não implicava em perda da linguagem da obra.
Aliás, sobre os erros, é preciso destacar que eles ocorrem. Segundo
Araújo,
79
3.3.1.1 Lista de cuidados editoriais na edição e preparação
Edição
1a leitura
- Fazer (mentalmente, em tópicos escritos etc.) um resumo da
trama, verificando as passagens que ligam os principais eventos
que ocorrem nesta e as características dos personagens — seu
modo de falar, de agir etc.
- Verificar pontos do enredo (p.ex., construção de
personagens) que precisem de definição editorial.
- Perceber aspectos marcantes do estilo, como uso de oralidade
de discurso indireto ou direto, uso de frases de mensagem
assertiva ou indireta etc.
- Marcar pontos que, dentro da narrativa, não estejam
totalmente claros para o leitor (cenas que precisam estar bem
demarcadas e não estão etc.).
2ª leitura
- Marcar frases truncadas, sentenças confusas ou incoerentes etc.
80
- Definir alterações em parágrafos e agrupamentos narrativos
(como potencializar as passagens do texto, p.ex.).
- Marcar passagens cuja linguagem não esteja de acordo com a
proposta na maior parte (ou na concepção) do livro.
- Verificar excessos/escassez de informação nas
frases/passagens.
3ª leitura
- Apontar soluções para os problemas levantados.
- Discutir essas soluções com o autor.
- Efetuar as intervenções estabelecidas.
Preparação
4ª leitura
- Adequar sinais gráficos e pontuação, de acordo com os
critérios editoriais estabelecidos.
- Definir como serão apresentados os pronomes, verbos (se for
necessária simplificação, por exemplo) etc.
- Definir uso de maiúsculas e minúsculas para palavras que
sejam aceitas em formas variadas.
- Padronizar grafia de palavras e sentenças específicas.
- Verificar adequação, gramatical e semântica, das frases que
81
tenham sofrido mudança.
- Verificar e padronizar uso de itálicos e/ou negritos para:
- títulos
- marcações de falas
- palavras de um determinado grupo (gírias,
estrangeirismos etc.)
- ênfase narrativa
- Padronizar o uso da gramática normativa.
- Padronizar uso de numerais (por extenso/na forma algébrica)
- Verificar coerência de datas, tipos de linguagem etc. dentro
da narrativa.
5ª e 6ª leitura
- Checar a execução das intervenções mencionadas.
82
intervenções em Do outro lado do muro
83
Intervenção em edição:
• Estrutural33
• Linguística
Intervenção em preparação34:
Comentários
33
Inversões de trechos, inversões frasais, inserções de palavras / sentenças e alterações na
paragrafação estão indicados com as marcas de edição do Word (processador de texto
desenvolvido pela Microsoft).
34
Conforme mencionamos, as duas formas de intervenção assinaladas foram efetuadas
simultaneamente e não podem ser separadas. Assim sendo, levam a mesma legenda de
cor.
84
No documento do Word, abaixo, foram acrescentados também
alguns comentários para elucidação, nesta etapa do trabalho, de algumas
das decisões editoriais tomadas.
85
86
87
88
89
90
91
92
93
FONTES DE PESQUISA
94
Fontes de pesquisa
95
Roger Chartier. O mundo como representação. Estudos avançados, v.11, n.5, 1991,
p.178.
Sistema Júpiter (USP), com informações da disciplina Laboratório de Produção Editorial
Gráfica I (grade disciplinar). Disponível em:
<http://sistemas2.usp.br/jupiterweb/obterDisciplina?sgldis=CJ
E0397&codcur=27011&codhab=302>. Acesso em: 10 nov. 2009.
96
ANEXOS
97
Entrevista com a autora
Pequena entrevista sobre a edição
e como esta foi recebida pela autora.
39
Sobre o reconhecimento e o sentimento de infância, sugiro a leitura de História social da
criança e da família, do historiador Philippe Áries. Também Guillermo e Silvia Obiols, em
Adolescência, posmodernidad y escuela secundaria, propõem uma reflexão sobre as
delimitações da criança, do adolescente e do adulto.
fronteiras quanto à recepção de uma obra literária, acaba-se por impor
limites à própria linguagem que a constitui e ao acesso livre à literatura
como um todo. Tal imposição, de ordem cultural ou econômica, pode ser
a causa de inúmeros equívocos, tanto na escritura dos gêneros que se
costuma designar como infantil e juvenil, quanto aos métodos de
intro/condução à leitura.
É fato que o interesse pelo estabelecimento do gênero nasceu
juntamente com a revisão do papel da criança na sociedade, considerada,
a partir do século XVII, dependente do afeto e proteção familiar,
demandando formação proporcionada pela escola. Esse reconhecimento
da infância como uma etapa merecedora de uma atenção especial seria o
catalisador de toda uma produção específica voltada para o consumo de
artefatos culturais, incluindo o livro infantil, originariamente material
pedagógico40. Como, porém, caracterizá-lo?
Falo, pois, do livro infantil: trata-se de um objeto feito, em grande
parte das vezes, de papel41; nisso ele não se diferencia dos outros livros.
40
A preocupação crescente com a qualidade e características da produção cultural voltada
para o público adolescente e infantil pode ser exemplificada com duas publicações: A
produção cultural para a criança e A criança e produção cultural, organizadas,
respectivamente, pelas professoras Regina Zilberman e Sissa Jacoby. A evolução do papel
da criança na sociedade e na família, a institucionalização da educação infantil, são assuntos
tratados por Ariès em obra citada; no Brasil, temos em A literatura infantil na escola, de
Zilberman, uma síntese da relação entre literatura infantil, escola e a criança em
sociedade.
41
Sem esquecer os livros-brinquedos feitos de plástico e outros materiais, que
mereceriam por si mesmos uma reflexão à parte.
Normalmente, agregam-se ao texto impresso42 belas figuras,
preferencialmente coloridas, às quais chamamos ilustrações, dentro de um
projeto gráfico mais informal e lúdico. Seria então essa a diferença mais
marcante? É claro que não. Sabemos que há inúmeros textos adultos
ilustrados — belissimamente ilustrados, aliás — por artistas famosos,
como Salvador Dali (que ilustrou Dom Quixote); Gustave Doré (que além
da obra de Cervantes, ilustrou, entre outras, a Divina comédia e As mil e
uma noites); Delacroix (que ilustrou Flores do mal de Baudelaire e também
a obra de Goethe mais conhecida, Fausto). Eu poderia ainda citar, dentro
do fetiche indubitável dos leitores adultos pelo objeto literário ilustrado
ou híbrido, as edições recentes da Cosac Naify em prosa e poesia, tão
lúdicas quanto as infantis, sem contar graphic novels como Sin City (Frank
Miller) ou os contos gráficos de Lourenço Mutarelli, que não se destinam
de modo algum ao leitor-criança. Resta ainda falar sobre o dualismo
receptivo previsto por certos autores-ilustradores, que se esmeram em
transformar edições consideradas infantis em verdadeiras obras de arte,
como Lampião e Lancelote, de Fernando Vilela (Cosac Naify, 2006) que, no
último ano, recebeu dez diferentes distinções43, além da inclusão na Lista
42
Quando ele existe, pois temos que considerar as narrativas de imagem, o que por sua
vez mereceria outro momento de reflexão.
43
Fernando Vilela recebeu, por Lampião e Lancelote, Menção Honrosa, na categoria New
Horizons, do Bologna Ragazzi Award 2007 (Feira de Bolonha, Itália); prêmios de Melhor
Livro de Poesia, Melhor Projeto Editorial, Melhor Ilustração e Escritor Revelação,
concedidos pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil que também conferiu o selo
“Altamente Recomendável”; primeiro lugar em duas categorias do 49° Prêmio Jabuti,
Melhor Ilustração e Melhor Livro Infantil, além de segundo lugar para Melhor Capa,
de Honra do IBBY.
Mas, então, o que diferenciaria o livro infantojuvenil seria,
certamente, o estilo.
Portanto, quando lemos o seguinte poema
ou este
realizada por Luciana Facchini. A obra integra ainda o catálogo White Ravens 2007,
fazendo parte do acervo da Biblioteca de Munique, juntamente com outras produções
brasileiras que conquistaram reconhecimento internacional.
noite e dia. (PERRAULT, 2005: 201)
44
Conforme aponta Zilberman em A literatura infantil na escola.
literários, infantis ou não, não fossem assimétricos, então seus leitores não
depreenderiam nada de novo, mas enxergariam, ali, cristalizado, apenas
um reflexo deles mesmos. E então toda obra de arte literária não passaria
de pura autoajuda, confirmando apenas aquilo que o leitor já sabe.
O conceito de assimetria, no caso da literatura infantojuvenil,
parece associar-se geralmente à palavra subestimação, ou seja, a uma
superioridade do autor em relação à capacidade cognitiva ou estética do
leitor. Se for este o caso, então conclamo as crianças que se amotinem e
voltem imediatamente ao computador ou a televisão, o que será no
mínimo bem mais divertido. Porque o prazer da leitura — aquilo que
queremos despertar no jovem principiante nos usos da palavra — é
perceber-se tão inteligente quanto quem escreveu a história, apesar do
jogo de detetive onde o autor procura despistar os significados até o
desfecho. Trata-se de um jogo onde ambos saem ganhando: o autor
porque, se for bom de verdade, vai se esforçar para surpreender o leitor
até o final, mesmo sabendo de antemão que a vitória sobre o que escreve
não lhe pertence exclusivamente45; o leitor, porque sempre descobrirá um
sentido particular e inesperado — e, justamente por encontrar algo que
desconhecia, espelha a sua eficiência na do autor.
Somos, além disso, todos assimétricos em relação ao outro, em
alguma coisa, em alguma habilidade, ou experiência. E, sendo eu uma
45
Conforme Calvino: “espero que o leitor descubra em meus livros algo que eu não
sabia”. (CALVINO, 1999: 189)
adulta que escreve também para crianças, serei tanto mais criança quanto
mais dominar, de forma madura, a linguagem da qual disponho ao me
dirigir a elas. Como qualquer autora, sou eu quem determina caminhos
por onde a minha escritura deve prosseguir; isso me tornará sempre
assimétrica em relação ao leitor, qualquer que seja a sua idade ou
circunstância.
Estamos, portanto, em meio a uma grande confusão aqui
radicalizada propositadamente. Assim como é impossível e desnecessário
muitas vezes determinar o gênero de uma dada obra, também, da mesma
forma, é impossível e desnecessário o estabelecimento de fronteiras entre
os gêneros, sobretudo se levarmos em consideração apenas o seu
destinatário. Podemos prever onde a literatura como um todo começa: no
domínio básico da leitura e da escrita. Porém, a temática e a estrutura do
texto não devem limitar-se a meros adjuvantes na busca desse domínio,
porque, à medida que crescemos, conservamos em nós uma infância
sentimental e memorial que persevera, em sincronia com nossa
maturidade, e que exige, tanto quanto a criança cronológica, um texto
que lhe sirva de referência para o resto das experiências de leitura ao longo
da vida. Ou seja, é preciso, tanto quanto uma formação intelectual e
cognitiva, uma formação sensível, dedicadas ao ser humano pensado como
integral, e não apenas reduzido a uma certa etapa de sua existência.
Posso pensar, contudo, em uma definição, é claro, mas ela não será
ingênua: a literatura infantil, como disse acima, nasceu do casamento da
invenção da infância com um interesse pedagógico e econômico manifesto
num mercado que produz e vende livros e, por consequência, literatura.
Ela é gerada por vontade de um sistema que inclui a criança como
consumidora. Logo, tudo o que disserem para você, numa livraria ou
numa resenha, ou num catálogo editorial, acabará valendo como definição
do gênero. Porque literatura infantojuvenil é isso: um rótulo. Possui uma
embalagem classificatória que determina seu destino. Seus objetos — os
livros que a materializam — são pensados para preencher certo espaço nas
prateleiras que exibem os mais diversos produtos literários, entre eles, o
livro infantojuvenil.
Há que se perguntar, então, se ao invés de nos precipitarmos em
definir tal produção como um gênero, não seria mais prudente avaliar se
ela não se realiza dentro de um sentido discriminatório cultural, buscando
o apartamento entre o ser jovem e ser adulto, como se fossem espécies
diferentes. Fica a pergunta: não haverá um ponto de encontro entre nós,
onde nos comuniquemos na mesma língua? Por que tanto esforço em
evitar uma integração entre adultos e jovens? Seria o autor dito
infantojuvenil o único privilegiado, capaz de participar e integrar em si e
através da linguagem dois tempos — o da infância e o da maturidade —,
simultaneamente?
Embora eu me sinta feliz por esse privilégio, penso que, nas
livrarias e bibliotecas, adultos, jovens e crianças deveriam é misturar-se
mais entre as prateleiras, trocando ideias, orientando ou sugerindo
leituras entre si. Para além da capa, para além do mero consumo ou
indicação pedagógica, o livro deveria oferecer-se, como a borboleta
branca esvoaçante de Mallarmé: livre e misteriosa, pronta a ser capturada
por qualquer tipo de leitor.
* Paula Mastroberti
www.mastroberti.art.br
Escritora e artista plástica, escreveu estas provocações em agosto de 2007, para
a Jornada de Literatura de Passo Fundo.
Resumo
Palavras-chave
1 Introdução
O terceiro capítulo da Lei n. 10.753, de 30 de outubro de 2003, define o editor
como “pessoa física ou jurídica que adquire o direito de reprodução de livros, dando a
eles tratamento adequado à leitura”. Trata-se do inciso II da chamada Lei do Livro ou
aquela que “Institui a política nacional do livro”. Desde 2003, portanto, o Brasil reforça
e estimula a produção editorial, muito embora a referida lei pareça focalizar o impresso,
especialmente o livro, mais do que outras formas de produção editorial.
O inciso I do mesmo parágrafo dessa lei define o autor como “a pessoa física
criadora de livros”. Na contramão de vários pesquisadores, entre eles os eminentes
Michel de Certeau e Roger Chartier, o autor, como descrito pela lei, tem já em sua
intenção a produção do livro, objeto de leitura considerado por alguns, inclusive
Marshall McLuhan, a primeira mídia de massas da história ocidental.
Dois aspectos desses incisos parecem particularmente dignos de nota: são as
expressões “criadora de livros” aplicada ao autor e “dando a eles [os livros] tratamento
1
Trabalho apresentado ao GT de Produção Editorial, do XII Congresso de Ciências da Comunicação na Região
Sudeste.
2
Professora do CEFET MG, doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos da Faculdade de
Letras da UFMG. Atua como assessora pedagógica do curso de especialização em Revisão de Textos da PUC Minas.
Foi editora assistente de várias editoras de livros em Belo Horizonte. Em 2007, ministra a disciplina Oficina de
Textos: Edição, na graduação em Letras da UFMG. Ministrou várias disciplinas relacionadas à formação para o
mercado editorial em cursos da PUC, da UFMG e cursos livres. É colunista do Digestivo Cultural
(www.digestivocultural.com). Contato: anadigital@gmail.com.
1
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adequado à leitura”, referindo-se à tarefa do editor (embora não se especifique que essa
“transformação” seja feita pelas mãos dele mesmo).
Neste trabalho, propomos uma reflexão sobre as tarefas dos profissionais que
tornam os textos publicáveis “adequados à leitura”, tratam, cuidam de e normalizam
obras escritas. A criação de produtos editoriais, seja em que plataforma for, é atividade
antiga e tem hoje importância fundamental no mundo. As profissões relacionadas à
produção de objetos de ler, embora tenham se desconfigurado e reconfigurado ao longo
dos séculos, a depender de inovações tecnológicas e transformações de processos,
sempre foram essenciais para a produção de artefatos culturais importantes. A formação
de profissionais competentes para lidar com textos é da alçada de cursos de Letras e
Comunicação Social, muito embora essas formações apresentem aspectos e currículos
bastante diferenciados; já a formação do profissional que lida com livros demanda
equipes multidisciplinares que contam com, além dos já mencionados egressos de
Letras e Comunicação, designers, arquitetos especializados e outros.
No que podem se tocar, os profissionais (especialmente os de Letras e os de
Comunicação Social) deveriam ter formação generalista no que tange as habilidades
para ler e redigir textos. As especializações de cada um deles costumam ser dadas por
habilitações diferenciadas ou em pós-graduações lato sensu. Ainda assim, formam-se
sem compreender exatamente as funções e as tarefas delegadas pelas casas editoras de
livros aos profissionais que atuam em diferentes etapas do processo de produção de
obras.
2
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3
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3
Do inglês copy desk. Trata-se de profissional que reescreve, edita o texto original, sempre em negociação com editor
e autor. No jornalismo, a profissão está próxima da extinção, já que os jornalistas de hoje fundem várias funções. Na
produção de livros, ainda é bastante comum que o texto original passe pelas mãos de um copidesque antes de ser
visualmente programado, diagramado e revisto.
4
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4
Como discutidos, há décadas, por Michel Foucault, Roland Barthes e uma série de autores contemporâneos também.
5
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3 Profissionais do texto
Para PINTO (1993), o profissional que desempenha as “atividades relativas à
adequação do texto que dizem respeito à organização, normalização e revisão dos
originais são chamadas de preparação”. Mais adiante, o autor adverte que chamará
“genericamente” de preparador esse profissional.
Cabe ao preparador conhecer, segundo PINTO (1993), além das condições da
obra inteira, a ortografia da língua, a pontuação, aspectos do vocabulário e dos vícios de
linguagem mais comuns. Também cabe a ele dominar questões discursivas e de gênero,
além de fatos sintáticos e ao menos os rudimentos da produção editorial com que possa
contribuir nas etapas de seu trabalho.
O revisor, na obra de PINTO (1993), parece algo diferente do preparador. Esse
profissional trata da verificação do texto, da revisão de provas, etapa adiantada do
processo de edição, em que a obra já sofreu tratamento gráfico ou programação visual.
A incumbência do profissional da revisão é “o cotejo da prova com o original sem
compromisso com o conteúdo do texto e limitado apenas aos erros tipográficos”.
Citando Jannet, PINTO (1993) esclarece ainda as tarefas do revisor, entre elas
“descobrir quaisquer erros que tenham sido cometidos na composição e dar instruções
para sua correção”. Mais adiante, afirma Jannet que “De preferência, qualquer livro
deverá ser lido antes em sua inteireza pelo revisor” e assim descreve a tarefa (ressalve-
se a obsolescência das tecnologias citadas na obra) :
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Há, aí, algum comentário a fazer sobre as considerações de Jannet. É notável que
a tarefa descrita para o preparador seja tanto mais ampla do que a do revisor, que se
limita a comparar a prova e o original, como que a conferir se não há infidelidades. Para
isso, recorre-se a metáforas como a da vigilância, que torna o revisor um inspetor que
trabalha a favor do autor e até mesmo da salvaguarda da “reputação da casa”, a editora
ou o jornal. As letras “estranhas” se infiltram no texto, como se andassem sozinhas e
quisessem escapar dos olhos perscrutadores do profissional “caça erros”. E se estes
forem encontrados, quaisquer que sejam, devem ser marcados com “signos especiais”, a
notação de revisão, para que se destaquem e possam ser corrigidos.
Tarefa normativista, controladora, a descrição do revisor por Jannet, citado por
PINTO (1993), parece desenhar um profissional bem menos flexível do que ele, de fato,
precisa ser. Assuma-se que, para comparar provas, de fato, não seria necessária qualquer
formação mais especializada. Na fusão de tarefas dos dias atuais, até em razão de os
suportes e de a divisão do trabalho editorial não serem mais os mesmos, o preparador,
de modo genérico, tem muito mais pertinência do que o revisor de provas descrito nesta
seção.
Para PINTO (1993), há duas categorias de “erros”: os de composição e os do
próprio revisor. Aqueles são os saltos, os piolhos, os pastéis, os gatos e as gralhas. Estes
são o desconhecimento da língua, as imprecisões de correção e a falta de padronização.
Na composição, saltos são omissões de letras, palavras ou frases, por exemplo;
piolhos são sinais ou letras duplicados, ou ainda qualquer pequeno erro tipográfico;
pastéis são inversões indevidas; gatos são trocas indevidas; e gralhas são caracteres que
sobram no texto.
Os erros do revisor são todos relacionados às falhas que ele impõe ao texto. O
desconhecimento da língua parece o mais grave deles e é descrito como “quando
precisar recorrer ao dicionário”. Neste ponto, é de suma importância mencionar o
conceito normativista e padronizador de língua e o descarte de qualquer possibilidade
7
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fora da gramática tradicional. Apenas um dialeto (o padrão) pode aqui ser considerado
língua, além de ser difícil considerar a revisão de um texto literário uma questão de
norma pura.
Com relação à procura do dicionário, preferimos considerar que seja positivo
que um revisor os tenha e os consulte, a despeito do que PINTO (1993) propõe. O
“erro” do revisor é tratado como “cochilo”, o que torna a tarefa de revisar algo para se
fazer atenta e detalhadamente.
As imprecisões de correção são intervenções do revisor feitas sem que ele
consulte fontes adequadas, especialmente em relação a conteúdos que ele não domina.
Já os desvios de padronização são a falta de um olhar preciso sobre a obra como um
todo para torná-la harmônica e coerente, inclusive em relação a formatações e alterações
de detalhes.
Para PINTO (1993), as tarefas do revisor são claramente mais detalhistas e
discretas do que as do preparador, este, sim, o profissional a quem se permite a
intervenção no texto sem tratamento gráfico, quase em contato com as mãos do autor.
Também para SAATKAMP (1996), preparador e revisor são profissionais que
trabalham em fases distintas da edição. Ao preparador cabe tratar o texto antes que ele
traga problemas aos processos de planejamento visual e à diagramação. O revisor, agora
chamado de revisor de provas, tem uma “tarefa árdua, que exige dos profissionais dupla
atenção: para o sentido do texto e para sua correção ortográfica”.
Agora, ao menos, distingue-se o trabalho de leitura de um revisor do de um robô.
Para SAATKAMP (1996), o revisor precisa ler, entender, compreender o conteúdo e,
assim, corrigir problemas. A correção ortográfica, no entanto, continua sendo uma das
esferas mais amplas de sua atuação.
Para o autor, a editora deve solicitar a um leitor habilitado a leitura prévia do
original. É este profissional que deve fazer a “correção dos enganos mais evidentes –
erros de concordância e digitação, de pontuação, texto truncado”. Sobra para o revisor
de provas a tarefa, mais uma vez, de comparar original e prova, passar uma espécie de
leitura de “pente fino”, cuidar para que o texto seja perfeito quando da publicação.
ANTUNES (1997) chama de “anomalias” os eventuais erros no texto, ainda
antes do tratamento gráfico. Para o autor, trata-se de um “trabalho de máxima
importância”, já que “sua feitura destina-se a uma boa compreensão e ganho de tempo
dos compositores”. Aqui, sim, a boa compreensão mencionada parece se referir ao
leitor, e a tarefa do revisor se assemelha à de um cuidador. Mais uma vez, faz-se a
8
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distinção entre este profissional de intervenções mais amplas e o revisor de provas, cujo
trabalho é o de “verificar, depois de composto o texto, se o mesmo se encontra em
conformidade com o original. A sua utilidade pode sintetizar-se na harmonização de
textos em termos lingüísticos e de técnica tipográfica, sendo a sua melhoria por vezes
feita pelo revisor”. Adiante, as dicas de gramática normativa que se apresentam em
todos os manuais deste tipo.
Entre os autores consultados, MALTA (2000) é o único que oferece um manual
quase todo para tratar apenas do ofício de revisor, cujas tarefas ele define como sendo as
de
• Revisar os originais aprovados para edição pelas editoras;
• Revisar (se tiver conhecimento de outros idiomas) as traduções,
cotejando-as com os livros originais);
• Revisar as segundas provas, tomando como base as primeiras e,
quando necessário, reportando-se aos originais (inclusive, ainda se preciso, ao
livro);
• Revisar (menos comum, mas ocorre) terceiras provas, tendo como
base as segundas;
• Examinar (a palavra “revisar” não caberia bem aqui) as
heliográficas (não é muito comum, mas se o revisor for funcionário de uma
editora, acabará fazendo esse trabalho);
• Revisar (incomum, mas acontece) filmes que deram ou darão
origem a heliográficas; e , finalmente,
• Reler livros já publicados, em função de modificações que o autor
quer fazer para uma nova edição, ou quando se desconfia que a edição
publicada contém erros. (MALTA, 2000, p. 16).
9
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4 Pesquisa/ação
Na experiência de sala de aula com alunos de graduação e pós-graduação, é fácil
entrever as confusões entre conceitos e funções de profissionais do texto. Embora haja
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forte demanda por esse tipo de formação continuada, os alunos se mostram pouco
esclarecidos a respeito de tarefas e atividades ligadas ao mundo editorial.
Aplicamos um breve questionário5 com perguntas sobre tarefas de revisor, editor
e copidesque, aos alunos do curso de Letras da UFMG e aos da pós-graduação do IEC
PUC Minas, em março de 2007. Em uma turma de 21 alunos de Letras da Universidade
Federal de Minas Gerais, todos entre o 4o e o último períodos, a análise das respostas
mostrou que os aspirantes a vagas no mercado editorial desconhecem as operações e a
existência do editor de textos, confundem as atuações deste e as do editor (publisher) e
relacionam o revisor a uma espécie de “inspetor da língua”. Também fica evidente o
desconhecimento da produção editorial (de livros, jornais, revistas ou objetos digitais)
como um processo em que os profissionais se articulam, muitas vezes em seqüências
preestabelecidas, para evitar retrabalho. Para grande parte dos alunos da UFMG, o
revisor seria um dos primeiros profissionais do processo de edição. O editor, quando
entendido como coordenador de etapas e tarefas, viria por último, além de ser citado
como o responsável pela programação visual, pela diagramação e por outras etapas da
edição que, de fato, não lhe dizem respeito, exceto porque são coordenadas por ele.
O mesmo questionário, aplicado a uma turma de pós-graduação (37 alunos),
ofereceu resultado muito semelhante. A diferença revelou-se no fato de os egressos de
cursos de Comunicação Social terem mais noção dos processos de produção de jornais,
embora os aplicassem também, equivocadamente, à produção de livros. Para jornalistas
e publicitários, a função do editor de livros teria as mesmas características das do editor
de jornais: reescrever textos, modificar estrutura de obras, pesquisar temas, fazer
programação visual, cortar textos em função de espaços. Na maioria dos casos, os
alunos de Comunicação desconhecem a função gerencial do editor de livros, assim
como atribuem a ele uma série de funções que seriam, na realidade, de uma equipe
multidisciplinar por ele orquestrada.
Dado o cenário mineiro de poucas editoras, poucas vagas fixas de trabalho no
setor, certa atuação de profissionais autônomos sem formação específica, reserva de
mercado de algumas profissões, maior oferta de empregos em jornais e existência mais
perene desses veículos, é fácil observar as razões pelas quais o processo de produção de
periódicos seja melhor apreendido e compreendido pelos estudantes. Ainda assim, a
5
O questionário compunha-se de apenas 3 perguntas: 1. Qual é a tarefa do revisor?; 2. Qual é a tarefa do editor?; 3.
Qual é a tarefa do copidesque?. Apenas 2 alunos de Letras se arriscaram a apontar o que faz o copidesque. Também
foram eles que diferenciaram o editor do editor de textos. Nenhum aluno especificou a atuação do revisor de provas
em relação ao preparador de textos.
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5 Considerações finais
Conforme pôde ser apresentado, as tarefas do profissional do texto podem variar
em relação à profundidade da intervenção que é solicitado a fazer nos textos indicados
para publicação ou produção. O original não existe apenas pelas mãos do autor, mas
deve ser tratado pelo preparador, nome genérico dado àquele que se especializa no
tratamento da linguagem de uma futura obra.
Embora os manuais consultados, os poucos que circulam em língua portuguesa
atualmente, entendam a profissão tal como um policiamento lingüístico, é possível
adotar posturas mais flexíveis (sem prejuízo do cumprimento das tarefas de copidesque
e revisão). BRITTO (2003), exemplo, admite a importância da profissão para o
funcionamento da produção editorial, embora trabalhe na perspectiva da
sociolingüística, que considera, fortemente, a existência de aspectos muito mais
complexos e variados na língua do que a existência pura e simples de uma gramática
normativa ou de um dialeto ideal.
A diferenciação entre o copidesque e o revisor de provas pode ser difícil de
praticar, mas parece ser parte de uma prática antiga na coordenação das tarefas dos
produtores de livros e outros objetos de ler. É importante que o especialista em
tratamento de textos saiba intervir adequadamente, de acordo com a demanda, e possa
se enquadrar em tipos distintos de prestação de serviços, a despeito de certas fusões
atuais das tarefas, causadas principalmente por mudanças tecnológicas.
Hoje é possível se editar sozinho uma obra, desde a contratação do texto, ao
tratamento do original e à produção gráfica. É o que têm feito artistas novatos e poetas,
de maneira competente, sem vínculo com empresas e selos editoriais.
A importância do revisor e do copidesque se aloja na necessidade de conferir
legibilidade (ou inteligibilidade) aos textos, uma leitura perspicaz e especializada em
obra que não deveria circular sem certos ajustamentos. Embora se saiba que nem todas
as casas editoriais contratam esses serviços, é plenamente reconhecível um produto
bem-tratado e um outro que tenha negligenciado as fases de produção de obras desde as
equipes editoriais de antes de Gutenberg. Basta percorrer uma livraria e fazer
observações empíricas.
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O graduado que deseja se formar para trabalhar nestas etapas da produção pode e
deve se inteirar dos processos qualificados e dos conhecimentos que precisa construir,
tanto conceituais quanto procedimentais, para que se torne indispensável na cadeia da
produção de objetos de ler. Dado nosso cenário atual em relação às tecnologias para
escrita e publicação, talvez a formação generalista, a partir da qual o profissional possa
atuar em todas as etapas e saiba, quando necessário, atuar em apenas uma delas, seja o
mais importante a promover e a fazer, tanto nos cursos de Letras quanto nos de
Comunicação Social, áreas cujas fronteiras deveriam ser menos importantes do que suas
atuações colaborativas.
6 Referências bibliográficas
14
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Resumo
Há muitos nomes para denominar os profissionais do livro que “mexem” no texto
alheio, e nem sempre se chega a um consenso. Com base nas principais obras da
bibliografia brasileira sobre editoração, foi apresentada a concepção corrente de editor
de texto e as tarefas envolvidas no seu trabalho, expondo a dificuldade de definir quem
é esse profissional e o que ele faz. Por fim, buscou-se a proposta de uma abordagem
conciliadora, que considerou também os elementos envolvidos na prática profissional.
Palavras-chave
Editoração; editor; editor de texto; preparação de originais; revisão de texto.
Introdução
Entre o texto digitado no computador e a brochura com capa, na estante ou na gôndola
da livraria, há um longo percurso invisível aos leitores e muitas vezes até aos autores.
Além do processo industrial óbvio de transformar bits em matéria — uma matéria
atraente e vendável —, existe um processo sutil, que se insinua nos detalhes de cada
letra e palavra do texto.
Como explicou Antônio Houaiss em um simpósio sobre editoração promovido
pela Fundação Getulio Vargas (FGV) em 1970, esse processo é necessário porque
em 90% dos casos, os autores não apresentam os originais nas condições
desejadas para a editoração. [...] Mesmo quando lingüisticamente o texto
esteja em situação ideal, um preparo prévio, rápido que seja, tem de ser feito:
a normalização da editora. Entretanto, em 90% dos casos, o texto entregue
pelo autor não corresponde àqueles requisitos mínimos exigidos para que
possa ser submetido imediatamente à fase compositora e impressora, porque
apresenta uma série de defeitos orgânicos. (HOUAISS, 1981, p. 51)
Embora Houaiss tenha exposto essas idéias há mais de três décadas e a produção
editorial tenha se modificado bastante ao longo desse período, sua afirmação permanece
válida. Os originais entregues pelos autores continuam exigindo um trabalho prévio
antes de serem publicados como livros. E não apresentam apenas defeitos orgânicos,
mas também problemas lingüísticos — nem repetiríamos a porcentagem citada, que já é
alta, mas ousaria dizer que em 100% dos casos.
Por isso, numa editora de livros, todos os originais passam obrigatoriamente pela edição
de texto, que em geral (e idealmente) é composta das seguintes etapas3 :
1
Trabalho apresentado no VII Encontro dos Núcleos de Pesquisa em Comunicação — NP Produção Editorial.
2
Mestranda do Programa de Ciências da Comunicação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo (ECA-USP). Trabalha como editora de texto freelancer.
1
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• Preparação de texto
• Revisões de texto ou de provas, dividida em:
Primeira prova: uma prova impressa é lida por um revisor
Segunda prova: outra prova impressa é lida por outro revisor
Terceira prova: não há leitura. Um terceiro revisor checa se as emendas pedidas pelo
revisor da segunda prova foram incorporadas ao texto.
Emendas feitas num original. (De Pensar com tipos, de Ellen Lupton)
sem contar as etapas habituais:
preparação e revisões. E se o
texto for de autor nacional, também pode envolver revisão técnica, copidesque, pesquisa
de dados e checagem de dados, entre outras.
Não é fácil explicar o que cada etapa implica, porque mais uma vez há muitas
variáveis. Ao encomendar uma preparação de texto, cada editora tem a sua concepção
do que o trabalho envolve. É comum que em cada empresa o editor exerça uma função e
que cada uma espere do preparador de originais um tipo de trabalho. Para algumas, a
preparação pode exigir o cotejo do texto traduzido com o original, por exemplo. Para
outras, isso não é necessário, ao preparador cabe checar (ou “bater”) o início e o fim dos
parágrafos para ver se houve algum salto de tradução, mas não comparar os textos
3
As etapas podem variar conforme a editora, o livro, o autor, o prazo de publicação, o orçamento ou outros fatores
prementes.
4
Nas editoras de livros, chama-se original o texto que o autor entrega para publicação e que será o texto-base a ser
editado. Até meados da década de 90, o autor levava à empresa o maço de folhas manuscrito ou datilografado, hoje
há raríssimos casos em que a editora recebe o material dessa forma. Depois de mais de vinte anos de presença do
computador doméstico nas residências brasileiras, tornam-se casos curiosos os que ainda escrevem seus textos à mão
ou traduzem livros à mão. A escritora de livros infantis Tatiana Belinky continua criando suas obras no papel e
entrega à editora os originais manuscritos, conforme entrevista ao suplemente Estadinho (O Estado de S. Paulo, 21
abr. 2007, p. 5). O escritor e tradutor Modesto Carone traduziu e continua traduzindo as obras de Franz Kafka no
papel pautado.
O mais comum, porém, é o autor enviar o arquivo do texto (redigido em um editor, geralmente o Microsoft
Word) por e-mail. Quando entrega algum produto material, trata-se apenas do dispositivo que guarda o arquivo e que
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Método
Como o propósito deste artigo foi buscar definir quem é o editor de texto brasileiro e o
que ele faz, foi imprescindível usar como referência os estudos publicados no país. No
entanto, a bibliografia sobre editoração não é vasta, em especial se considerarmos
muda conforme as inovações tecnológicas de armazenamento de dados: do começo ao fim da década de 90, usamos o
disquete flexível, depois o disquete rígido e agora o CD e o pen-drive e outros dispositivos portáteis.
5
Ambas são professoras da Potchefstroom University for Christian Higher Education, na África do Sul.
3
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6
A autora trabalhou cinco anos como editora-assistente na Companhia das Letras. Atualmente é editora freelancer e
presta serviços para Companhia das Letras, Cosac Naify e Ática, entre outras empresas.
4
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Araújo usa o termo editor para denominar o profissional que gera um obra segundo
padrões literários e estético-gráficos, para divulgação comercial. Seu conceito de editor
restringe-se à concepção da palavra editor em língua inglesa, que tem o sentido de
“pessoa encarregada de organizar, i.e., selecionar, normalizar, revisar e supervisar, para
publicação, os originais de uma obra e, às vezes, prefaciar e anotar os textos de um ou
mais autores” (2006, p. 35). Em inglês, existe uma distinção entre editor e publisher,
que não há em português, pelo menos no aspecto semântico. Dar à luz uma obra, parir
uma publicação, apresentando um texto claro e coerente, normatizado conforme os
critérios estabelecidos pela editora, é responsabilidade do editor. Já o publisher fica
encarregado de tornar a obra acessível, divulgar o livro, cabendo a ele lançar, distribuir
e eventualmente vender o produto. A um cabe editar, ao outro, publicar. Em português,
ambas as atividades são realizadas pelo que corriqueiramente se chama editor.
Emanuel Araújo adota a concepção de editor que deriva do latim (editor, editoris)
e que foi mantida pelo inglês. Além disso, vincula ao editor o preparador de originais,
ao expor um histórico da edição de livros:
O editor, naquela acepção, entendido como preparador de originais,
caracteriza-se historicamente, no Ocidente, desde o século III a. C., como
responsável pela edição de um texto a ser divulgado (transcrito) pelos
copistas. (2006, p. 36)
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Houaiss mantém a distinção entre editor e publisher, mas para se referir a eles usa, em
português, os termos “editor de texto” e “editor”, respectivamente. A confusão é tanta
nas nomenclaturas e definições que talvez não seja demais retomar e ressaltar: “editor”
para um é o publisher (Houaiss) e para outro é o editor (Araújo). Ou seja, para o
primeiro o editor é o editor de texto e para o segundo, é o editor...
Para complicar um pouco mais nossa tentativa de explicação, Houaiss inclui a
noção de editor de texto no conceito de autor:
O conceito de autor [...] deve ser tomado em sentido amplo, abarcando
também o de diretor-do-texto ou editor-de-texto. Com estas duas expressões,
designar-se-ão neste livro os conceitos expressos em inglês por chief editor e
editor, opostos a publisher. (HOUAISS, 1967, p. 3)
7
Em Elementos de bibliologia, Houaiss usa hífens na palavra composta “editor-de-text o”. Porem no Dicionário
Houaiss da língua portuguesa a expressão não aparece com hífens. Ver as locuções no verbete “editor”.
8
Essa concepção é reafirmada na locução “editor de texto” apresentada no dicionário dirigido por Antônio Houaiss:
“indivíduo responsável pela preparação, organização e revisão dos originais de uma obra para publicação; revisor,
copy editor”.
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gráfica, pela composição das páginas. O revisor abarcava, portanto, o conceito de editor
no sentido primitivo da palavra, segundo Houaiss.
9
Os quais Antônio Houaiss imputa à correlação do original com a obra impressa (1967, p. 3).
10
O impressor, que surgiu com a invenção dos tipos móveis por Gutenberg, em meados do século XV, era mais do
que simples tipógrafo ou impressor, afirma Emanuel Araújo. Aqueles pioneiros da tipografia “eram também editores,
responsáveis pela normalização do texto e pelo conjunto da obra que imprimiam” (2006, p. 46). O autor cita os
eruditos renascentistas como exemplos de editores ou preparadores de originais: Erasmo de Roterdam (1466-1536),
que preparou uma edição bilíngüe (grego e latim) do Novo Testamento em 1516; o cretense Marcus Musurus (c.
1470-1517), principal editor da casa comercial de Aldo Manuzio, em Veneza; o belga Josse Bade (1462-1535),
preparador de originais na tipografia de Johann Trechsel; o francês Etienne Dolet (1509-1546), que foi editor de texto
do alemão Sebastian Greyff e depois se firmou como impressor.
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propor uma concepção de edição de texto, pois muda o foco, que deixa de ser a
obsessão pelo erro para se assumir como obsessão pela legibilidade.
11
Há alguns apontamentos sobre essas estratégias em “Estratégias cognitivas e metacognitivas na edição de texto:
Uma proposta de diálogo entre estudos sobre leitura e legibilidade e a experiência dos editores”, texto apresentado
pela autora desta comunicação no II Congresso Virtual de Edição de Textos, Lisboa, 2007. Disponível em
<http://www.fl.ul.pt/dep_romanicas/auditorio/II_Congresso_Virtual.htm>.
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Como afirma Emanuel Araújo, discutir se uma composição ou um texto são bons
implica adentrar no debate espinhoso sobre o estilo. Espinhoso porque não se define um
estilo bom e um estilo mau, tampouco um correto e outro errado. Trata-se de uma
expressão individual, que deve ser respeitada, embora não reverenciada nem acatada
indiscriminadamente. Araújo chega a afirmar que “o trabalho sobre o original não pode
alterar muito esse comportamento básico do autor a que se chama estilo”. Chama a
atenção o advérbio muito, porque ele abre um espaço — que pode ser grande — para o
editor alterar o estilo do autor com liberdade. Embora o limite de ação seja exíguo,
afirma, “essa liberdade existe e deve ser usada”. Antes, porém, é preciso avaliar os
elementos intrínsecos da forma como o texto se apresenta, ou seja, a estrutura das
orações, a concatenação, o ritmo, a fluência, o efeito, a correção. E deve-se considerar a
finalidade do texto, pois a “margem de atuação do editor, no sentido mais amplo, é
proporcional à finalidade intrínseca do texto, de qualquer texto: a comunicação escrita,
a mensagem visual de cada frase, de cada linha, de cada página”. É com base nesse
reconhecimento do estilo e da finalidade do texto que o editor de texto parte para a
tarefa de “veicular esse tipo de comunicação da maneira mais clara possível para o
leitor” (ARAÚJO, 2006, p. 61).
Como a atuação do editor de texto não se restringe a alterações gramaticais, ele
deve ter em mente um espectro mais amplo de interferência, que pode até atingir o estilo
do autor, conforme apontou Emanuel Araújo. “O preparador de originais [...] não pode
prender o texto numa camisa-de-força dos critérios gramaticais excessivamente rígidos,
sob pena de desautorizar grande parte dele, dando-o como ‘impublicável’” (ARAÚJO,
2006, p. 70).
O material-base do editor de texto é composto basicamente de obras de referência
como dicionários de vários tipos (monolíngües e bilíngües, técnicos, de regência, de
expressões idiomáticas, de dificuldades da língua, de citações etc.), algumas gramáticas,
o Vocabulário ortográfico da língua portuguesa (Volp), os manuais de estilo das
empresas jornalísticas (Estado de S. Paulo, Folha de S.Paulo e Abril) e também alguns
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sites da internet, hoje fonte essencial de pesquisa. Porém esses materiais se restringem a
recomendações e regras do que é gramaticalmente certo e errado. Além de regras
ultrapassadas e não usuais no dia-a-dia, há tantos pontos de discórdia e tantas lacunas
entre os gramáticos e os comandos paragramaticais 12 , que é comum o editor de texto
ficar desorientado. Ele não tem onde procurar fundamentação para questões ignoradas
pelas gramáticas, tampouco encontra explicações para compreender as razões por trás
das recomendações. Todo o seu aprendizado é prático.
Como tomar a decisão mais sábia? Na prática, os profissionais acabam por seguir
a intuição e o tão famoso “bom senso”, muitas vezes adotando uma escolha com base
em critérios pessoais, baseados na experiência pessoal. Se os gramáticos e filólogos não
oferece respostas, onde os editores devem buscar respostas? Como fundamentar suas
decisões?
Além de reconhecer as variedades lingüísticas, os profissionais de texto precisam
desconstruir o preconceito que envolve o idioma. É importante que os editores tenham
conheçam o espectro de usos lingüísticos possíveis, assim como o espectro dos estigmas
que acompanham esses usos, para que decida, de modo consciente, o que adotar. É
essencial compreender a pluralidade lingüística, para então eleger suas próprias normas
e aplicar suas opções.
“De posse do conhecimento dos muitos usos possíveis das estruturas da língua, é
que o indivíduo poderá se posicionar diante da norma padrão, criticá-la, aceitá-la ou
recusá-la e lutar por sua transformação”, afirma Marcos Bagno (2001, p. 293). O
lingüista propõe uma mudança de atitude dos professores de língua portuguesa em
relação ao seu próprio objeto de trabalho: a norma-padrão. Consideramos importante
sugerir a mesma mudança entre os profissionais que trabalham com edição de textos.
Não se trata de uma proposta reducionista de negar as normas gramaticais. É
fundamental conhecer profundamente as regras gramaticais da variedade-padrão para
questioná-las e decidir o que usar, de forma consciente. Apenas assim quem edita textos
se despirá de ingenuidade em relação a seu instrumento de trabalho, a língua
portuguesa, e contribuirá para, talvez, acabar com os mitos que compõem o preconceito
lingüístico.
12
Expressão usada pelo sociolingüista Marcos Bagno para designar a pluralidade de exp ressões que envolvem a
mídia, um dos quatro elementos que alimentam o ciclo vicioso do preconceito lingüístico. O autor inspirou-se numa
tira do cartunista Quino, na qual a personagem Mafalda se sente reprimida pelos “comandos paramaternais”.
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A decisão foi tomada durante a edição de texto dos primeiros volumes, tendo em vista que os livros são destinados
a um público amplo, que inclui leitores adolescentes, e que não se trata de uma edição crítica.
14
O primeiro volume de crônicas a ser publicado pela Cosac Naify estava em produção quando este texto foi redigido
e o título não havia sido definido. A previsão de lançamento é junho de 2007.
15
O trabalho do editor de texto exige um diálogo constante com o autor, porque toda alteração feita no original pelo
primeiro passa a ser incorporada à autoria do segundo. E, para evitar desentendimentos futuros com o autor, é comum
a editora se prevenir enviando ao autor uma prova com as alterações feitas pelo preparador de texto, pelos revisores
de provas, pelo editor e editor-assistente. Enfim, uma prova que contenha as intervenções — às vezes as mais
substanciais, às vezes todas — dos profissionais envolvidos na edição de texto.
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Não há assinatura e não foi possível identificá-lo.
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ortógrafo. Mas, de repente, arrepiava-se com uma palavra que, pela norma,
não devia ter acento nenhum, mas a ele parecia que sim. Achava que aquele
acento estava com uma função não apenas indicativa do timbre que a vogal
devia ter. Achava até que o circunflexo, o acento agudo ou o acento grave
entravam no ritmo visual da linha do próprio texto. Para ele foi uma grande
revelação o dia em que lhe disse: você está com muitas preocupações
grafemáticas. Gostou da palavra, sentiu que era exatamente isso: tinha uma
vivência grafêmica das palavras.
É obvio, então, que preparar um texto de Guimarães Rosa seria um
trabalho tão infernalmente difícil que a única solução era ele mesmo ser o
árbitro final na medida em que o preparador tinha que perguntar-lhe, a cada
vez, se aquela ateração podia ou não ser feita. Estou falando, entretanto, de
um escritor que tinha tal consciência do plano da sintaxe superficial, visível,
que, evidentemente, essas ocorrências eram relativamente pequenas.
(HOUAISS, 1981, pp. 53-54)
Além do texto
O trabalho do editor de texto também envolve o suporte material do texto, que é
fundamental para a sua intervenção no texto e não constitui objeto do filólogo, por
exemplo. É por isso que Araújo considera que a editoração, como disciplina autônoma,
dilatou o horizonte da filologia, “numa inversão de papéis acentuada sobretudo no
século XX” (2006, p. 53). A forma material como o texto é publicado influencia a
clareza, a legibilidade do texto, e por isso também é objeto de trabalho do editor.
Por isso, o editor de texto tem que considerar o produto final em suas formas
materiais e também levar em conta fatores que não se restringem ao texto, como a
iconografia, as necessidades do leitor ou as limitações e possibilidades gráficas da obra.
Faz parte da tarefa do editor de texto avaliar se o original precisa de um índice
remissivo no fim, se a inclusão de ilustrações pode ajudar a esclarecer algum trecho, se
17
Para Erasmo de Roterdam, o editor de texto devia conhecer várias disciplinas: história, numismática, botânica,
geografia, astronomia etc., “de modo a julgar, em questões duvidosas, sobre a propriedade da escolha de termos e
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Considerações finais
Editor, preparador, editor de texto e revisor — há séculos os conceitos se interpenetram
e se complementam, o que dificulta a definição de quem é o editor de texto e do que ele faz.
Tomando como base as abordagens apresentadas sobretudo por Antônio Houaiss e
Emanuel Araújo e a experiência empírica dos editores de texto, consideramos que se
pode dizer que o editor de texto se aproxima do editor (no sentido latino original,
mantido no inglês) e também pode ser o preparador de originais e o revisor de texto e
provas. O que não invalida, de forma alguma, a necessidade desses outros profissionais
na edição e produção de um livro18 .
Ele é o mediador dos dois esquemas comunicativos envolvidos na edição de um
livro e é o profissional responsável pelo texto a ser publicado. Ou seja, é aquele que
trabalha e burila o original no início do processo editorial e estabelece o texto que será
produzido em forma de livro. Mesmo que o original passe por outra pessoa antes, um
preparador freelancer, por exemplo, o editor de texto continua responsável pelo
material, na medida em que deve avaliar as intervenções realizadas pelo profissional
contratado e decidir se as alterações serão mantidas e o que eventualmente pode
melhorar o original. Também é ele quem estabelece o diálogo com o autor, caso este
seja nacional e vivo.
Ao mesmo tempo, o editor de texto pode ser também revisor e preparador (e
eventualmente também outros profissionais que mexem no texto alheio), porque, em
alguns casos, assume a responsabilidade pela coordenação das etapas pelas quais um
original passa até ser impresso. Consideramos aqui as fases estritamente relacionadas ao
texto (preparação e revisões), sem incluir a coordenação da produção gráfica
(diagramação e arte).
idéias que não desvirtuassem a harmonia da forma e do conteúdo”. As dúvidas que afligem os preparadores de
originais vêm, portanto, desde o Renascimento, diz Emanuel Araújo em A construção do livro, p. 48.
18
Ainda que pudesse ser desejável (para os editores, do ponto de vista econômico) não haver provas de revisão, elas
são imprescindíveis para garantir a qualidade textual da obra. Nenhum livro tem condições de sair com menos de três
revisões e é quase um milagre que seja apresentável com duas revisões, chega a afirmar Houaiss (1981, p. 54). E,
mesmo com todas a preparação de texto e as revisões, é inevitável haver erros na obra final, os quais podem ser
notados só quando o livro já foi para a estante de muitos leitores. São os sacis que zombam do editor de texto,
escondendo-se durante a feitura do livro e pulando com a língua para fora depois de se imortalizarem na página
impressa — como descrevia Monteiro Lobato.
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Referências bibliográficas
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social. 2. ed. São Paulo: Edições Loyola, 2001.
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a leitores pouco proficientes. Tese de doutorado apresentada na Escola de Comunicações e
Artes/Universidade de São Paulo.
BRAGANÇA, Aníbal. (2005). Sobre o editor: Notas para a sua história. Em Questão, Porto
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SILVA, Benedicto et al. Editoração hoje. 2. ed. Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getulio
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KOTZE, Althéa & VERHOEF, Marlene. (2003). The text editor as a ghost-writer: Scrutinizing
the theory and the profession. Antwerp Papers in Linguistics: Text Editing — From a Talent to a
Scientific Discipline, Antuérpia (Bélgica)/ Potchefstroom (África do Sul), University of
Antwerp/Potchefstroom University, p. 38.
LUTON, Ellen. Pensar com tipos. São Paulo: Cosac Naify, 2006.
ROSA, Guimarães. Estas histórias. 5. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
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Informações da disciplina Laboratório de Produção
Editorial Gráfica I
Página retirada do site da Universidade de São Paulo.