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CHARLATANISMO RELIGIOSO E LAICIDADE EM THE TRIALS OF BROTHER JERO, DE WOLE

SOYINKA

Isaias Francisco de Carvalho1


Bianca Magalhães Wolff2

Introdução

Os países africanos são ainda muitas vezes vistos de forma generalizada e simplista, associados à miséria, ao
analfabetismo e ao exotismo. No entanto, essa visão deletéria, limitada e limitadora é resultado de acusações e
julgamentos sustentados durante a colonização a que esses países estiveram sujeitos. Essa desvalorização foi resultado
do processo perverso de dominação e afirmação de uma identidade desfavorável aos povos colonizados por parte dos
colonizadores (MEMMI, 2007). Aliado a isso, algumas narrativas são produzidas em nome “do povo” ou da “nação”
como se fosse possível discutir a história ou a cultura de um continente de uma forma homogênea (BHABHA, 1998, p.
199).
Em contraponto, o presente estudo consistiu em analisar, em seu estatuto de texto rico e plural, uma das
primeiras obras literárias produzidas pelo escritor nigeriano Wole Soyinka, que está entre os mais importantes autores
que representam a diversificada e efervescente produção cultural e intelectual da Nigéria e da África como um todo.
Soyinka recusa essa ideia homogeneizada da África – o que Appiah (1997, p. 22) denomina “pan-africanismo” – e
propõe o que Bhabha (1998) denomina “contranarrativa da nação”, que mina as manobras ideológicas através das quais
as “comunidades imaginadas” recebem “identidades essencialistas” (REIS, 1999, p. 18).
O projeto literário – de cunho político – de Wole Soyinka está inserido na escrita pós-colonial que propõe
“[...] interrogar o discurso europeu e descentralizar as estratégias discursivas.” (LEITE, 2003, p. 36). Segundo Bonnici
(2009, p. 267), a crítica pós-colonial não cuida apenas de reler, culpar ou vitimizar essa ou aquela cultura, mas “[...]
abrange a cultura e a literatura, ocupando-se de perscrutá-las durante e após a dominação imperial europeia, de modo a
desnudar seus efeitos sobre as literaturas contemporâneas”.
Na atual sociedade, descrita por Bauman (2005) como “líquida”, a construção identitária não se configura
uma busca estável, pois não há como alcançar uma essência (BAUMAN, 2005). A conformação de identidades
representa um processo inacabado e instável que, no mundo globalizado, causa um efeito pluralizante na identidade
nacional e a torna imprevisível, como nos ensinou Stuart Hall (2006). Portanto, é essencial “[...] o reconhecimento dos
direitos das várias culturas à existência autônoma, sem predominâncias ou assimilações que destruam suas
especificidades, e se postulam uma convivência fraterna entre as diferenças sociais, com respeito mútuo [...]”
(BORDINI, 2006, p.13). Essa mesma postura é defendida por Carvalho (2012), em seu conceito-atitude de “outrização
produtiva”, com o qual identificamos em Wole Soyinka, no lado da possível conversação entre distintos grupos
socioculturais no ethos corrente nas humanidades, com uma abordagem que lida com a problematização, e não a
eliminação pura e simples, dos paradigmas universalizadores e homogeneizadores da modernidade. A proposta explícita
de diálogo cultural é a base para a “outrização produtiva”, que também promove a não hierarquização dos diversos
textos humanos.

1
Professor Adjunto de literaturas anglófonas e de língua inglesa vinculado ao Programa de Mestrado Profissional em
Letras – PROFLETRAS (em Rede Nacional) do Departamento de Letras e Artes da Universidade Estadual de Santa
Cruz – UESC (Ilhéus, Bahia). Doutor em Teorias e Crítica da Literatura e da Cultura pela Universidade Federal da
Bahia – UFBA. E-mail: isaiasfcarvalho@gmail.com
2
Professora licenciada em Letras com habilitação em Língua Portuguesa e Língua Inglesa e suas respectivas literaturas
pela Universidade Estadual de Santa Cruz – UESC (Ilhéus, Bahia). E-mail: wolffbianca@hotmail.com
Nesse sentido, nossa proposta foi analisar o texto literário The trials of brother Jero, de Wole Soyinka
(1963), a fim de identificar as marcas identitárias do imaginário pós-colonial de reconstrução nigeriano presentes nessa
obra, considerando que o escritor em questão tem como algumas de suas características a inserção da cultura de seu
povo em suas obras e a interculturalidade dialógica contemporânea. Nosso enfoque central recaiu na questão das
práticas religiosas e sociais fraudulentas do personagem principal dessa obra – Jero – como uma forma de denúncia e de
chamamento à emancipação cultural da então recém-independente sociedade nigeriana. Qualquer semelhança com o
processo de radicalização dessas mesmas práticas evangelizadoras no Brasil contemporâneo deverá ser considerada,
mas essa comparação não faz parte do escopo do nosso estudo.
Como uma última anotação introdutória e uma informação de procedimento adotado, indicamos que todas as
citações de trechos da obra de Soyinka em língua inglesa serão imediatamente seguidas de nossa versão para o
português, por não termos disponível uma tradução “autorizada”. Mantemos as citações da obra nas duas línguas para
deixar impressas as marcas linguísticas peculiares do texto fonte e facilitar a compreensão dos leitores que não sejam
proficientes em língua inglesa.

A escrita de Wole Soyinka

Ao lado de outro renomado escritor nigeriano, Chinua Achebe, para representar o leste do Atlântico Negro
(GILROY, 2001), no caso da literatura africana de língua inglesa, o autor que nos guia é Wole Soyinka, laureado pelo
Nobel de Literatura de 1986 e um dos expoentes da produção cultural e intelectual da Nigéria, país na região ocidental
da África, no Golfo da Guiné. Soyinka nasceu em 1934, em Abeokuta, no seio do grupo étnico Yorubá, e cresceu em
Aké, uma colônia dominada pela missão anglicana cuja libertação do jugo colonial se deu em 1945, mesmo antes da
independência da Nigéria dos colonizadores britânicos, na década de 1950. Segundo Mcpheron (1998), Soyinka
manifestou sua precocidade nos estudos e nas artes desde criança. Seu grande desejo mostrou ser a carreira de teatro, o
que o levou a viajar, em 1954, para a Inglaterra, onde concluiu seus estudos. Logo depois, Soyinka foi para Europa,
onde trabalhou como revisor, ator e diretor do Royal Court Theatre em Londres.
O contato com a cultura europeia também influenciou a sua escrita, o que o transformou em um “híbrido
cultural” (REIS, 1990, p. 38). Suas diversas experiências no seu país e na Europa resultaram numa posição em que o
autor prefere “[...] em lugar de descrever o conflito entre África e Europa, a perspectiva escolhida acaba sendo observar
de que modo a África se transforma ao encontrar a Europa.” (REIS, 1990, p. 69). Nas palavras do próprio Soyinka, no
discurso de recepção do prêmio Nobel:

É o mundo europeu que tem procurado, com o máximo de zelo, redefinir-se através desses
encontros, mesmo quando parece que está se esforçando para dar sentido a uma experiência
do mundo africano. (SOYNKA, 1986, on-line; tradução nossa).

Nessa perspectiva, Soyinka assume a atitude de “outrização produtiva”, defendida por Carvalho (2012), uma
vez que “[...] oferece a proposta de uma abordagem ressignificada da memória recalcada nas relações de trocas
simbólicas do colonialismo e dos neocolonialismos de hoje entre culturas de diversos territórios geográficos e
imaginados.” (CARVALHO, 2012, p. 15). Tal ressignificação implica escapar do eterno apego ao ressentimento e à
vingança contra os ex-colonizadores em suas expressões culturais de hoje e nas pessoas de seus filhos e descendentes
até a décima geração, como o próprio Soyinka aponta em seu discurso na Academia Sueca, ao ser laureado pelo prêmio
Nobel, em 1986.
De fato, quanto ao tema central de nossa análise – a questão do charlatanismo religioso e a ameaça à laicidade
democrática –, cabe ressaltar que Soyinka foi criado num lar cujos pais eram cristãos e onde a crença em espíritos,
magias, ritos, mitos e tradições era firmemente arraigada. Essa aproximação e experiência influenciaram diretamente o
seu trabalho, que tem proposto, ao longo das últimas cinco décadas, essa reescrita de volta ao velho centro, em nome da
constituição identitária nigeriana sem amarras radicais às limitações nacionais, políticas, religiosas e linguísticas. Além
disso, Wole Soyinka abordou outros elementos, tais como a dança e a música, que compunham a cultura de seu povo.
Em meados da década de 1960, quando a Nigéria sofria com as guerras civis, Wole Soyinka se envolveu na
luta pela libertação e foi acusado de conspiração em 1967, sendo libertado dois anos depois. Essa experiência afetou
também seu trabalho literário, que assumiu um caráter satírico para tratar de temas morais, religiosos, sociais e
políticos:

Suas peças fazem uso frequente e habilidoso de muitos elementos pertencentes às artes
cênicas, o que também tem raízes genuínas na cultura africana – danças e rituais, máscaras
e mímicas, ritmos e músicas, declamação, teatro dentro do teatro etc. Seus primeiros
trabalhos dramáticos são mais leves e mais alegres do que os posteriores - brincadeiras,
cenas irônicas e satíricas, imagens da vida cotidiana com narração e diálogos espirituosos,
muitas vezes com um senso tragicômico ou grotesco da vida como fio condutor.
(GYLLENSTEN, 1986, online; tradução nossa).

Essa é a descrição de uma literatura que lida com heranças exógenas, mas que as utiliza de modo paródico e
ressignificado, ao dar ênfase às representações culturais endógenas ao imaginário local. Nessa perspectiva, o texto
literário abordado neste trabalho, The trials of brother Jero (1963), está entre as primeiras produções de Wole Soyinka.
A sequência a essa obra foi Jero’s metamorphosis, publicada em 1973. Seus outros trabalhos iniciais, também em 1963,
foram The swamp dwellers, Dance of the forests e The lion and the jewel e, em 1967, Kongi’s harvest
(NOBELPRIZE.ORG, 1986). Dentre algumas das características da peça, se encontra o tom satírico contra a hipocrisia
de líderes religiosos, nosso foco, sendo possível perceber também, por meio das cenas e dos personagens, alguns
costumes e hábitos característicos da Nigéria.

The trials of brother Jero e a corrupção religiosa

A peça The trials of brother Jero (1963) narra o dia-a-dia de Jeroboam, um homem que se autodenomina
“Profeta” nato. No entanto, Jeroboam mostra-se decepcionado, pois muitos têm se autodeclarado “Profetas” por
profissão, transformando essa posição em um trabalho lucrativo. Ele descreve que a corrupção chega ao ponto de alguns
“profetas” ganharem praias, para servirem de espaço para suas conversões, em troca de algo inimaginável: “[...] by
getting women penitents to shake their bosoms in spiritual ecstasy.” (SOYINKA, 1963, p. 2) / “[...] fazer com que
mulheres penitentes balancem seus seios em êxtase espiritual.” (SOYINKA, 1963, p. 2; tradução nossa). Além disso,
Jeroboam descreve algumas mudanças que tem observado sobre aqueles para quem prega:

Mind, you, the beach is hardly worth having these days. The worshippers have dwindled to
a mere trickle and we really have to fight for every new convert. They all prefer high Life
to the rhythm of celestial hymns. And television too is keeping our wealthier patrons at
borne […]. Now they stay at home and watch television. (SOYINKA, 1963, p. 2)

Preste atenção, dificilmente vale a pena ter a praia esses dias. Os devotos têm diminuído à
míngua e nós realmente temos que lutar por cada novo convertido. Todos preferem a
música high life ao ritmo dos hinos celestiais. E a televisão também tem afastado nossos
clientes mais abastados [...]. Agora eles ficam em casa e assistem televisão. (SOYINKA,
1963, p. 2; tradução nossa).

Embora Jeroboam descreva que está preocupado com o “rebanho”, seu interesse, na verdade, é no lucro que
seus fiéis podem trazer. Do mesmo modo, embora relate sua decepção com a corrupção entre aqueles que dizem ser
“profetas”, sua preocupação é que outros “ditos profetas” estejam recebendo um lucro que poderia ser seu, se não fosse
a “concorrência”. Aliás, sua conduta não é contrária à que ele critica. Ao contar suas desilusões para o seu mentor, um
profeta mais velho que o treinou, Jeroboam confessa: “[...] I had one weakness - women.” (SOYINKA, 1963, p. 3) /
“[...] I tive uma fraqueza – as mulheres.” (SOYINKA, 1963, p. 3; tradução nossa). Além disso, Jeroboam não tem uma
boa reputação, principalmente para Amope, a quem deve dinheiro. Segundo ele, sua posição o isenta de pagar, e sua
aparência deve se destacar dos demais:

JERO: I don’t know how she found out my house. When I bought the goods off her, she did
not even ask any questions. My calling was enough to guarantee payment. It is not as if this
was a well-paid job. And it is not what I would call a luxury, this velvet cape which I
bought from her. It would not have been necessary if one were not forced to distinguish
himself more and more from these scum who degrade the calling of the Prophet. It becomes
important to stand out, to be distinctive. I have set my heart after a particular name. […]
Yes, one must move with modern times. Lack of colour gets one nowhere even in the
Prophet’s business. (SOYINKA, 1963, p. 6).

JERO: Não sei como ela descobriu minha casa. Quando eu comprei os produtos, ela nem
fez qualquer pergunta. Minha vocação foi o suficiente para garantir o pagamento. Não é
como se eu tivesse um emprego bem remunerado. E não é o que eu chamaria um luxo, esta
capa de veludo que eu comprei dela. Não teria sido necessário se a pessoa não fosse
obrigada a distinguir-se mais e mais dessa escória que degrada o chamado do Profeta.
Torna-se importante se destacar, ser distinto. [...] Sim, é preciso seguir os tempos
modernos. Falta de estilo não leva a lugar algum, mesmo no ramo de Profeta. (SOYINKA,
1963, p. 6; tradução nossa).

É possível observar, nas entrelinhas e na carnalidade do texto, que o objetivo de Jeroboam é usar sua posição
de “Profeta” para manipular as pessoas que, por sua vez, buscam certa medida de segurança por meio de um grupo
religioso que diz trazer prosperidade, sorte e aproximção de Deus. No entanto, Jeroboam, chamado também por Brother
Jero, demonstra características como hipocrisia, presunção e materialismo. Sua intenção é impressionar os ouvintes
com suas orações, aparência de pureza e abnegação a fim de manipulá-los para que lhe sejam sujeitos. No entanto, Jero
tem consciência de que, embora seu papel seja de ajudar espiritualmente os fiéis, eles não são ajudados, pois o que
Brother Jero faz é apenas pró-forma, em nome do sucesso de seus negócios divinos, como explicitado reiteradamente
ao longo da peça:

JERO: […] I am glad I got here before any customers - I mean worshippers - well,
customers if you like. I always get that feeling every morning that I am a shopkeeper
waiting for customers. The regular ones come at definite times. Strange, dissatisfied people.
I know they are dissatisfied because I keep them dissatisfied. Once they are full, they won’t
come again. Like my good apprentice, Brother Chume […] (SOYINKA, 1963, p. 7).

JERO: [...] Eu estou feliz por ter chegado aqui antes dos clientes - quer dizer, adoradores -
bem, os clientes, se preferir. Eu sempre tenho essa sensação todas as manhãs de que eu sou
um lojista à espera de clientes. Os regulares vêm em horários definidos. Estranhos, pessoas
insatisfeitas. Eu sei que eles são insatisfeitos porque eu os mantenho insatisfeitos. Se eles se
sentirem plenos, não vão voltar. Tal como o meu bom aprendiz, o irmão Chume [...]
(SOYINKA, 1963, p. 7; tradução nossa).
Notamos que esses homens e mulheres, espiritualmente e politicamente subjugados, buscam de alguma
forma encontrar certa estabilidade diante das dificuldades que seu povo enfrentou e enfrenta, como o próprio Jeroboam
passa a narrar:

Yes, brother, we have met. I saw this country plunged into strife. I saw the mustering of
men, gathered in the name of peace through strength. And at a desk, in a large gilt room,
great men of the land awaited your decision. Emissaries of foreign nations hung on your
word, and on the door leading into your office, I read the words. Minister for war…
(SOYINKA, 1963, p. 16).

Sim, irmão, nós nos conhecemos. Eu vi esse país mergulhado em conflito. Eu vi o


agrupamento de homens, unidos em nome da paz através da força. E em uma mesa, em
uma grande sala dourada, grandes homens da terra aguardavam sua decisão. Emissários de
nações estrangeiras dependentes de sua palavra e, na porta que dava para o seu escritório, li
as palavras. Ministro da guerra... (SOYINKA, 1963, p. 16; tradução nossa).

Segundo Bauman, a busca em pertencer a grupos implica uma “[...] tentativa de buscar novos grupos para
facilitar a construção identitária.” (BAUMAN, 2005, p. 30). No entanto, Brother Jero considera os sujeitos, conforme
descrição de Bauman (2005, p. 101), como “[...] reciclados em produtos de consumo”. O modo como Brother Jero
encara as pessoas que o procuram, em busca de orientação e apoio, é com descartabilidade, indiferença e um interesse
falso, com o objetivo de alcançar sua própria satisfação material. Essa visão pode se estender a outras entidades e
domínios, como a política e o comércio, que fragilizam ainda mais os sujeitos e desafiam sua busca identitária:

[...] a ‘humanidade’ parece até agora prejudicada e mais fraca, e não privilegiada e mais
forte. Diferentemente de muitas outras identidades concorrentes, ela carece de instrumentos
coercivos - instituições políticas, códigos jurídicos, tribunais de justiça, polícia - [...] Não
importa o quanto tentemos estender a nossa imaginação, a luta da humanidade por
autoafirmação não parece fácil muito menos uma conclusão inevitável. (BAUMAM, 2005,
p. 86).

Na verdade, Brother Jero age todo momento com falsidade, até mesmo com o seu assistente, Chume, para
quem mente dizendo ser um abnegado “Profeta” que abre mão de qualquer conforto sendo “something of an ascetic”
(SOYINKA, 1963, p. 8) / “um tipo de asceta” (SOYINKA, 1963, p. 8; tradução nossa), dormindo na praia ao ar livre e
passando privações por vontade própria. O assistente de Jero nem desconfia que seu “profeta” possui uma casa
escondida. No entanto, o que Brother Jero não sabe é que a esposa de Chume é Amope, a mulher a quem ele deve, e a
única que sabe onde fica sua casa, pois já foi fazer cobrança.
O relacionamento entre Amope e Chume não é nada amoroso, o que é visto pela atitude de Chume que chega
a dizer para Jero: “Women are a plague, brother.” (SOYINKA, 1963, p. 12) / “As mulheres são uma praga, irmão.”
(SOYINKA, 1963, p. 12; tradução nossa). O relacionamento é tão tenso que Chume, a todo o momento, confessa sua ira
pela esposa e pede ao “Profeta”: “Brother Jero, you must let me beat her!” (SOYINKA, 1963, p. 8) / “Irmão Jero, você
tem de me deixar bater nela!” (SOYINKA, 1963, p. 8; tradução nossa). Depois de fazer uma série de orações para
“afastar Chume da tentação”, Jero manda que ele faça uma oração e Chume deixa exposto o que mais deseja, ascender
socialmente:

Yes, Father, make you forgive us all. Make you save us from palaver. Save us from trouble
at home. Tell our wives not to give us trouble [...]. And give us money to have a happy
home [...]. Those who be clerk today, make them Chief Clerck tomorrow. […]. Those who
are petty trader today, make them big contractor tomorrow. Those who dey sweep street
today, give them their own big office tomorrow. […]. Those who have bicycle today, they
will ride their own car tomorrow […] (SOYINKA, 1963, p. 11).

Sim, Pai, perdoai-nos. Salvai-nos da adulação. Salvai-nos de problemas em casa. Dizei a


nossas esposas que não nos causem problemas [...]. E dai-nos dinheiro para ter um lar feliz
[...]. Aqueles que são auxiliares hoje, tornai-os chefes amanhã. [...]. Aqueles que são
pequenos comerciantes hoje, tornai-os grandes empreiteiros amanhã. Aqueles que varrem a
rua hoje, dai-lhes seu próprio escritório amanhã. [...]. Aqueles que têm bicicleta hoje vão
dirigir seu próprio carro amanhã [...] (SOYINKA, 1963, p. 11; tradução nossa).

Depois de dispensar a congregação, Jeroboam passa a contar que foi importunado por uma mulher logo pela
manhã, e Chume se queixa que sua mulher o importuna todos os dias e que, naquela manhã, ela o fez levá-la, de
bicicleta, até uma casa distante para cobrar o dinheiro de um homem. Assim, depois da conversa com seu assistente,
Brother Jero conclui, surpreso, que a mulher a quem ele deve e que o cobrou aquela manhã e a esposa de Chume são a
mesma pessoa: Amope. Jeroboam, então, trama um plano contra Amope, uma vez que ela, por seu turno, desconhece o
fato de que seu marido, Chume, é assistente de Brother Jero. Assim, a sujeição de Chume é tanta que ele aceita os
conselhos tramados de Jero como sendo de inspiração divina:

JERO: In that case, since, Brother Chume, your wife seems such a wicked, wilful siner, I
think…
CHUME: Yes…
JERO: And beat her.
CHUME: [Kneeling, claps Jero’s hand in his]: Prophet!
JERO: Remember, it must be done in your own house. Never show the discord within your
family to the world. Take her home and beat her. [Chume leaps up and gets his bike.]
JERO: And Brother Chume…
CHUME: Yes, Prophet…
JERO: The Son of God appeared to me again this morning, robed just as he was when he
named you my successor. […] but you must tell it to no one – yet.
CHUME: I swear, Brother Jero.
[…]
CHUME: God keep you, Brother Jero- the Immaculate.
JERO: God keep you, brother. [He sadly fingers the velvet cape]. (SOYINKA, 1963, p. 12-
13).

JERO: Nesse caso, já que, irmão Chume, sua mulher é uma pecadora tão perversa e
teimosa...
CHUME: Sim...
JERO: Então dê uma surra nela.
CHUME: [De joelhos, bate palmas com as mãos de Jero e as suas]: Profeta!
JERO: Lembre-se, deve acontecer dentro de sua casa. Nunca demonstre a discórdia em sua
família para o mundo. Leve-a para casa e dê uma surra nela. [Chume dá um salto e pega a
bicicleta.]
JERO: E irmão Chume...
CHUME: Sim, Profeta...
JERO: O Filho de Deus apareceu diante de mim outra vez esta manhã, vestido como só ele
quando nomeou você meu sucessor. [...] mas você não pode dizer isso a ninguém – ainda.
CHUME: Eu juro, irmão Jero.
[...]
CHUME: Deus esteja convosco, irmão Jero – o Imaculado.
JERO: Deus esteja convosco, irmão. [Com certa tristeza, ele apalpa sua capa de veludo].
(SOYINKA, 1963, p. 12-13; tradução nossa).

Assim, Chume, decidido a acatar as ordens de Brother Jero, toma sua bicicleta e parte para buscar Amope,
que está acampada em frente à casa do seu devedor, Jeroboam, desde a manhã, decidida a não sair dali até pegar seu
dinheiro. Quando seu marido chega para levá-la para casa, ela insiste que não sairá dali e o provoca por falar mal de sua
profissão como mensageiro que não tem como oferecer uma condição de vida melhor para sua família. As provocaçãoes
de Amope irritam Chume, que começa a ameaçá-la e mandá-la que suba na bicicleta. Mas sua esposa começa a fazer
um escândalo “Kill me! Kill me!” / “Me mate! Me mate!”. Desesperada, Amope corre em direção à casa do Profeta
Jeroboam e, ao suplicar ajuda: “Brother Jeroboam, curse this man for me, you may keep the velvet cape if you curse this
foolish man. I forgive you your debt [...]” (SOYINKA, 1963, p. 15) / “Irmão Jeroboam, amaldiçoai este homem, você
pode manter a capa de veludo se você amaldiçoar este home tolo. Eu perdoo sua dívida [...]” (SOYINKA, 1963, p. 15;
tradução nossa). Chume, então, descobre que está sendo enganado por Brother Jero: “[...] Shut up and listen. Did I hear
you say Prophet Jeroboam? [..] Woman, did you say it was the Prophet who owed you Money? […] So... so... Suddely
he decides I may beat my wife, eh? For his own convenience.” (SOYINKA, 1963, p. 15) / “[...] Cale a boca e escute.
Você disse Profeta Jeroboam? [..] Mulher, você disse que é o Profeta que lhe deve dinheiro? […] Então... então... De
uma hora pra outra ele decide que eu posso dar uma surra em minha mulher, né? Para sua própria conveniência.”
(SOYINKA, 1963, p. 15; tradução nossa).
Ao descobrir que tem sido enganado por alguém em quem mais confiava e que dizia ser “Profeta de Deus”,
Chume sente total revolta e decide desmascarar Brother Jero ou, até pior, matá-lo. No entanto, Jeroboam manipula os
acontecimentos de uma forma que acaba reforçando sua falsa divindade. O que acontece é que no momento em que
Chume chega até Jero, este está fazendo uma oração fervorosa a um dos membros para o qual ele diz: “I think I see
Satan in your eyes. I see him entrenched in your eyes […]” (SOYINKA, 1963, p. 17) / “Creio ver Satã em seus olhos. I
see him entrenched in your eyes […]” (SOYINKA, 1963, p. 17; tradução nossa). Então, com os olhos bem fechados, o
membro não vê a chegada de Chume e o momento em que Jero foge. Quando o fiel abre os olhos e não vê o “Profeta”,
pensa que algo sobrenatural aconteceu: “Prophet! Don’t leave me, Prophet, don’t leave me! [He looks up slowly, with
awe.] Vanished. Transported. Utterly transmuted. I knew it. I knew I stood in the presence of God…” (SOYINKA,
1963, p. 18) / “Profeta! Não me abandone, Profeta! Não me abandone! [Ele inclina a cabeça com espanto] Desapareceu.
Transportado. Totalmente transmutado. Eu sabia. Sabia que estava diante de Deus…” (SOYINKA, 1963, p. 18;
tradução nossa). Decidindo esperar, até Brother Jero reaparecer, o membro da irmandade adormece, quando Jero
planeja seu esquema:

Good … He is falling asleep. When I appear again to him he’ll think I have just fallen from
the sky. Then I’ll tell him that Satan sent one of this emissaries into the world under the
name of Chume, and that he had better put him in a strait-jacket at once…And so the day is
saved. The police will call on me here as soon as they catch Chume. [...] 'Master!'
(SOYINKA, 1963, p. 18).

Bom... Ele está caindo no sono. Quando eu aparecer de novo, ele vai pensar que eu tenha
acabado de cair do céu. Então eu vou dizer-lhe que Satanás enviou um de seus emissários
para o mundo sob o nome de Chume e que será melhor colocá-lo numa camisa de força de
uma vez por todas... E assim o dia será salvo. A polícia vai me procurar aqui assim que
pegar Chume. [...] 'Mestre!' (SOYINKA, 1963, p. 18; tradução nossa).

Portanto, o texto The trials of brother Jero expõe a falsa estabilidade que a entidade religiosa projeta e a
fragilidade envolta no imaginário religioso, mas que exerce grande influência na vida cotidiana dos povos. A aparente
solidez que a entidade religiosa demonstra é desvelada, e assim exposta o que Bauman (2005, p.57) denomina
“‘liquefação’ das estruturas e instituições sociais” para caracterizar o caráter imprevisível, frágil, evasivo e fugaz de
grupos religiosos que manipulam indivíduos ao que lhes são covenientes.
Nesse sentido, Wole Soyinka desestabiliza a ideia de divinização usada por muitos para controlar os
indivíduos. A esse propósito, Stuart Hall defende que “As transformações associadas à modernidade libertaram o
indivíduo de seus apoios estáveis nas tradições e nas estruturas. Antes se acreditava que essas eram divinamente
estabelecidas; não estavam sujeitas, portanto, a mudanças fundamentais.” (HALL, 2006, p. 25). Trata-se precisamente
da denúncia desses mecanismos divinatórios para a dominação dos povos que Soyinka empreende nessa obra, em nome
da formação de uma sociedade nigeriana laica e democrática.

A literatura como afirmação identitária e emancipação político-cultural

Bonnici (2009) descreve como o discurso etnocêntrico difundiu sua legitimação e hegemonia durante o
processo de colonização e em seus efeitos duradouros sobre as sociedades alheias. Nessa visão, os textos estão ligados
pelo período histórico em que são produzidos e são expressões de lutas pelo poder e pelo domínio da “verdade”, o que é
determinado pelo grau de persuasão, ao fazerem com que os indivíduos acreditem ou aceitem esse discurso como sendo
o único e autêntico. No entanto, reconhece-se que o discurso, ao mesmo tempo em que reforça o poder constituído,
também o subverte (BONNICI, 2009, p. 259).
Durante o processo de colonização, foram produzidos discursos que perpetuaram a superioridade e a
legitimidade da cultura europeia e formularam “um constructo negativo” (BONNICI, 2009, p.259) sobre o Oriente e
outros territórios e povos dominados. Segundo Memmi (2007), esse processo é chamado de “usurpação” e o
colonizador é chamado de “usurpador”:

Como? Como é que a usurpação pode tentar passar por legitimidade? Dois procedimentos
parecem possíveis: demonstrar os méritos eminentes do usurpador, tão eminentes que
pedem uma recompensa como essa; ou insistir nos deméritos do usurpado, tão profundos
que só podem suscitar uma desgraça como essa. E esses dois esforços são de fato
inseparáveis. A inquietação do usurpador, sua sede de justificação exigem dele, ao mesmo
tempo, que se autoeleve às nuvens, e que afunde o usurpado para baixo da terra. (MEMMI,
2007, p. 90).

Assim, foi construída uma identidade negativa dos povos colonizados pela Europa, dentre eles, a Nigéria. No
entanto, para combater e discutir essa visão distorcida e usurpadora, na década de setenta, surgiu a crítica pós-colonial,
que inclui “[...] estratégias discursivas e performativas (criativas, críticas e teóricas) que frustram a visão colonial [...]”
(LEITE, 2003, p.11). Além disso, a crítica pós-colonial evita tratar as novas literaturas “[...] como extensões da
literatura europeia e avaliar a originalidade destas obras de acordo com uma norma ocidental, despreocupada ou
desconhecendo o seu enraizamento”. (LEITE, 2003, p. 13). Surgiu também, com certa afinidade com o pós-
colonialismo, os estudos culturais que propõem o posicionamento da

[...] pesquisa literária para longe de metodologias e disciplinas, aproximando-a da


experiência viva da literatura no seu contexto inegável, a cultura, tanto erudita quanto
popular. [... Essa postura] tem sido denominado no mundo de língua inglesa de Cultural
Studies, [...] advogando a construção de uma cultura em que todos teriam participação ativa
e igualitária. (BORDINI, 2006, p. 13).

Nesse sentido, o texto The trials of brother Jero é exemplar de uma produção artística cujo escritor tem sua
originalidade reconhecida não à base de padrões europeus, visto que esses não podem mais ser tomados como modelos
para toda e qualquer literatura. As peculiaridades de uma sociedade em processo de consolidação de sua independência
da metrópole britânica, com ênfase na denúncia e reflexão sobre as experiências e atividades religiosas deletérias são
representadas nessa obra com traços primordialmente africanos/nigerianos. De fato, no cenário contemporâneo,
compreende-se o artista tem suas características próprias e tem autonomia para inserir em seu texto memórias, costumes
e hábitos de seu povo. A propósito de Soyinka e um de seus textos, por exemplo:

Se lermos Aké de Soyinka, uma autobiografia de sua infância na Nigéria colonial do pré-
guerra [...], seremos vigorosamente informados das maneiras como até as crianças,
arrancadas da cultura tradicional de seus pais e avós e colocadas nas escolas coloniais,
estavam ainda assim, plenamente imersas numa experiência primária de suas próprias
tradições. (APPIAH, 1997, p. 25).

De acordo com Bauman, “Pôde- se ver a faca da identidade brandida nas duas direções e cortando os dois
lados nos períodos de ‘construção nacional’: em defesa de línguas, memórias, costumes e hábitos locais menores, contra
‘os da capital’, que promoviam a homogeneidade e exigiam uniformidade [...]” (BAUMAN, 2005, p. 83). No entanto, o
objetivo da literatura pós- colonial, em que Wole Soyinka se insere, não é idealizar a cultura da Nigéria como se fosse
homogênea. Quanto a esse tema, Bhabha (1998, p. 203) questiona “[...] a metáfora progressista da coesão social
moderna - muitos como um -[...]”, que considera que experiências e relatos de um determinado sujeito podem ser
tomados como universais e “[...] tornam os sujeitos imanentes e objetos de uma série de narrativas sociais e literárias.”
(BHABHA, 1998, p.199).
Portanto, trata-se de reconhecer que “[...] as identidades individuais se conformam no encontro com suas
alteridades, mesmo sob o risco da fratura da integridade do eu.” (BORDINI, 2006, p.21). Esta oposição à sobreposição
de uma cultura sobre outra pode ser chamada também do que Carvalho (2012, p. 13) descreve como “outrização
produtiva” que consiste em “[...] uma proposta de uma abordagem ressignificada da memória recalcada nas relações de
trocas simbólicas do colonialismo e dos neocolonialismos de hoje entre culturas de diversos territórios geográficos e
imaginados.” Nessa postura, as representações das sabotagens e charlatanismos religiosos descritos em The trials of
brother Jero podem ser pensadas por dois ângulos. Primeiro, a obra em si, na escritura mesma de Soyinka, representa
essa outrização produtiva no encontro do imaginário nigeriano com os leitores de outras culturas, como é o nosso caso
aqui, na produção de reflexões e denúncias em nome da emancipação cultural e política dos povos. Em segundo lugar,
as práticas religiosas fraudulentas descritas nessa obra não são outrização produtiva, mas um alerta para outras culturas,
tanto na África quanto em outras regiões, quanto ao perigo da perda da arduamente conquistada laicidade na maioria
dos Estados e Nações contemporâneas.

Considerações finais

Por muito tempo se sustentou o discurso etnocêntrico que legitimava a Europa e tudo o que provinha dela,
inclusive a literatura, a política e a cultura, produzindo, assim, uma imagem de que só essa parte do mundo compunha a
“alta cultura” e a humanidade verdadeira. Como se não bastasse, durante a colonização, o dominador europeu utilizou
estratégias para inferiorizar os povos colonizados e construir uma imagem de que esses são simples primitivos, sem
produção artística e cultural, além de desprovidos de cultura política e de produção econômica digna de nota.
No entanto, esse discurso se tornou insuficientes à medida que escritores e estudiosos passaram a analisar
criticamente tais discursos com outra visão, além da tradicional, uma visão mais aberta e dialógica, ao modo da
outrização produtiva. Os estudos pós-coloniais desempenharam esse papel de reagir contra tais estratégias discursivas
do colonizador moderno e dos neo-colonialismos contemporâneos. Além disso, esses estudos se tornaram ainda mais
significativos na atualidade, em que discussões em torno de questões de identidade e de empoderamento discursivo têm
sido alvo de reflexões revisionistas e de intervenção na realidade dos povos das ex-colônias europeias. Na atual
sociedade globalizada, a identidade, antes considerada estável e determinada pelo nascimento, pela língua ou por
pertença a um grupo, não se configura uma construção com um desfecho e não é determinada apenas pelos aspectos
citados anteriormente. Nos encontros culturais de hoje, na maioria dos países em que a democracia foi
institucionalizada e consolidada, as identidades são construídas e desconstruídas de forma mais dinâmica e mais
negociada e relacional.
Durante o processo de dominação colonial foi construída uma “identidade” africana simplista como se um
continente composto por cinquenta e três países (esse número também uma construção artificial do processo de
colonização) e com mais de mil línguas faladas, pudesse ser representado por uma identidade comum e homogênea.
Ainda mais, em um atual sistema globalizante, caracterizado pela imprevisibilidade, em que os indivíduos não têm
estabilidade e certeza pré-determinadas, sua construção identitária torna-se, assim, uma busca constante e interminável
sem que haja uma pureza e muito menos uma essência, seja no continente africano ou em outros continentes.
Nesse sentido, países como a Nigéria, que foi subjugada pela colonização inglesa, buscam sua autoafirmação
a fim de expor sua cultura como complexa, assim como as demais culturas, e com suas particularidades e
potencialidades. Essa afirmação identitária acontece, dentre outros modos, por meio da literatura, por sua possibilidade
de expressão de memórias, relatos, hábitos, críticas etc. Este trabalho, portanto, fez um recorte dessa riqueza literária
nigeriana/africana trazendo como emblemático o texto The trials of brother Jero, do escritor nigeriano Wole Soyinka,
cujos trabalhos são conhecidos pela inserção da cultura do seu povo, em abordagens políticas e culturais que favorecem
a consolidação política e identitária de sua nação. No caso do texto aqui em destaque, pudemos observar que o autor faz
uma dura crítica aos líderes religiosos e expõe sua corrupção. É parte da atitude de outrização produtiva, no seio da
estética e da ética pós-colonial, o constante processo de auto-reflexão na complexa tarefa de (re)construir nações
afetadas pela violência colonial. Nesse sentido, Soyinka também aborda a atitude totalmente subordinada dos sujeitos,
pois esperam que, por pertencer a um grupo, isso lhes garantirá apoio para alcançarem ascensão social por meio da
religião. No entanto, o que acontece é que essas identidades em construção são manipuladas e tratadas como objetos de
lucro e de manipulação política, em uma relação mimética das práticas colonialistas.
Portanto, é nesse cenário que a Nigéria e os demais povos africanos, buscam sua afirmação como culturas
legítimas e estados democráticos. A efervescente obra de Wole Soyinka, aqui representada em um modesto recorte, é
um sinal de maturidade nesse processo de emancipação possível, sem a pretensão de se manterem as amarras das
ideologias eurocêntricas nas expressões culturais desses povos. Aí estão incluídas as amarras de práticas religiosas sem
escrúpulos que devem ser combatidas, em nome de práticas políticas laicas e democráticas.

Referências

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