Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
UFRRJ
"Definir as artes plásticas afro-brasileiras não é uma questão meramente semântica, pois envolve
uma complexidade de outras questões remetendo ora à história do escravizado africano no Brasil,
ora à sua condição social, política e econômica, ora à sua cosmovisão e religião na nova terra". (p.1)
Munanga procura discorrer sobre as definições da arte, indo da definição aristotélica "Na metafísica
de Aristóteles, o termo "arte" designa uma atividade humana submissa a regras e tendo por objetivo
um resultado determinado. O que permite distinguir a arte da natureza, da ciência e do jogo. Desse
sentido geral decorre o termo artesão.". Então o autor passa depois pela concepção medieval: "Na
Idade Média, as sete artes liberais ensinadas nas faculdades eram a gramática, a dialética, a retórica,
denominação atual que toma a arte, em suas múltiplas formas, como uma atividade cultural livre,
criativa e desinteressada.
O belo (p.1-2) também é um ponto importante, pois constitui um universal em todas as sociedades.
Munanga relaciona a concepção grega com os conceitos do verdadeiro e do bem, e atrela o belo ao
bom, ao verdadeiro e ao útil na maioria das sociedades africanas. Dentre a pesquisa sobre o belo em
si, o autor traz Kant "(...) entre todos os homens as condições subjetivas da faculdade de julgar são
as mesmas, e que é belo o que agrada universalmente, sem conceito; o que sem conceito é
Sobre a arte contemporânea "(...) parece evoluir numa direção muito diferente daquela do
racionalismo kantiano. Seu objetivo não é mais apenas o belo, pois pode visar também à simples
arte brasileira de modo generalizado. "Descobrir a africanidade presente ou escondida nessa arte
"Mas que africanidade é essa, quando sabemos que os criadores dessa arte são descendentes de
africanos escravizados (...)" Munanga aponta a ruptura social na diáspora como fator que
consequentemente operou muita despersonalização dos elementos culturais africanos, e como gnose
de novas recriações da arte pelos africanos trazidos. Assim, Munanga ressalta a importância da
consciência histórica de formação das condições que levaram a formação da arte Afro-brasileira,
inclusive da forma que procuraram de resistir à colonização cultural, ora selecionando artigos com
valores mais profundos, ora agregando novos valores ou adaptando outros ao contexto geral do
Novo Mundo.
Outro ponto importante que o autor ressalta é a relação espiritual e artística reservada a algumas
famílias que agregavam tais qualidades "Ora, no contexto tradicional africano, as artes eram
aprendido o ofício dos espíritos, e não dos mortais. Por essa razão a prática da arte era reservada à
Neste contexto de vinda dos objetos de arte africanos, Mukana ressalta a importância da presença
destes objetos para preservação da memória no núcleo da existência no Novo Mundo, garantindo a
Partindo do fato de que suas estruturas sociais não foram transportadas para o Novo Mundo, tão
pouco os elementos geográficos que se relacionavam, Munanga afirma que a arte africana não teve
suporte para uma continuidade integral. Assim, a arte foi recriada e fragmentada historicamente à
"(...) as cortes reais africanas das regiões de onde foram trazidos homens e mulheres que foram
escravizados no Brasil (reinos do Congo, Cuba, Luba, Lunda, Cokwe etc., na África Central, e os
reinos Yoruba, Fon, Ashanti etc., na África Ocidental), assim como todas as instituições a elas
ligadas, foram motivo de grandes obras de arte. Insígnias do poder, esses objetos tinham funções e
Congo, Luba, Songye e outros povos da Savana ao sul da floresta equatorial, há de admirar bastões,
machadinhas, enxós etc., refinados e ricamente esculpidos. São objetos de aparato, destinados a
prestigiar o poder numa sociedade onde a potência do chefe é magnificada, pois mostra de maneira
incontestável que seu possuidor é superior aos outros homens de seu povo (MAQUET, 1981, p.
117).".
Apontando a qualidade funcional da arte africana, Munanga afirma: "Sendo objetos de arte
utilitários, eles perderam seu significado dentro do sistema colonial e do regime servil. "
Munanga reúne um ocorrido onde foi institucionalizado pelo clero as cerimônias coroação pelos
escravizados aos reis do Congo, singularidade ocorrida somente nas confrarias religiosas que
A religiosidade (p.5) foi uma área bastante resistente no contexto, afirma Munanga, mesmo que a
conversão tenha sido uma justificativa da colonização, a qual fez instalações religiosas também nos
navios negreiros. Neste contexto, considerava-se a religião católica como verdadeira e relegavam as
religiosidades africanas na posição de cultos. Sua motivação de resistência estava ligada ao medo da
morte total de suas raízes, levando a uma série de manifestações que eram entendidas de várias
Munanga aponta a descoberta, com o tempo, da religião católica pelos escravizados junto as
similitudes cultuais, estruturais e sociológicas entre ela e a religião yorubá. Tais similitudes serão
usadas para um disfarce cultual que reduza as infrações violentas dos mestres.
"Com efeito, a relação de intercessão dos santos junto à Santa Virgem e desta junto a Jesus na
teologia católica era semelhante à da cosmologia africana yorubá, na qual os orixás são
considerados como os intercessores dos homens junto a Olorum. Na religião católica, os santos
presidem cada um uma atividade humana ou são encarregados, por exemplo, de curar certas
doenças. Do mesmo modo, nas religiões negro- africanas os voduns e os orixás dirigem setores da
natureza e do cosmos e são protetores de algumas profissões -como, por exemplo, as de caçadores,
guerreiros, ferreiros, etc. (BASTIDE, 1971, p.361). " Munanga aponta as similitudes funcionais
entre Santos e suas histórias, mas discorre também sobre o modo como Exu foi se confundindo com
a imagem católica do Diabo, supondo a aversão dos moralistas religiosos no catolicismo e seu
caráter fálico. Porém, Exu entende-se pela ortodoxia do candomblé como uma divindade bem
Dadas estas situações, Munanga sintetiza as linguagens plásticas Afro-brasileiras como religiosa
O autor também ressalta as semelhanças ecológicas entre sua terra atual e suas antigas terras como
fatores que levaram a continuidade de sua religião, e nisto uma utilidade aos objetos trazidos para o
Novo Mundo. Dada a fecundidade que estes elementos culturais encontraram para sua continuidade
e inovação artística religiosa, Munanga sintetiza: "É assim que nasce a primeira manifestação das
artes plásticas afro-brasileiras. Uma arte sem dúvida religiosa, funcional e utilitária.". (p.7)
A partir da pesquisa de Marianno Carneiro da Cunha sobre algumas obras Afro-brasileiras levando
em conta a forma e o conteúdo, partindo da análise de alguns Oxê Xangô e estatuetas de Ibeji, Exu
e Yemanjá, Munanga aponta que por um lado mostrando a continuidade de elementos nas peças
Oxê Xangô, as estatuetas mostraram mudanças, como adição de traços brancos as estatuetas, e a
troca da cabeleira simbólica para aos africanos por coroas. Munanga aponta a condensação dessa
Munanga aponta Ibeji como relacionado as noções africanas de gemealidade transferidas a imagem
de Cosme e Damião. O Exu, subversor da ordem de todos os âmbitos sociais e infrator dos tabus.
"(...) acumula as funções de Hermes e de Prometeu, como demonstrado por Frobenius, que o
"(...) Exu reúne em si todos os elementos de uma metáfora expressiva que simboliza a
cultura negra em situação hostil. Para sobreviver e afirmar-se, ele se serve de símbolos
antagônicos por excelência da religião dominante e veicula uma visão de mundo própria, na
Trindade. Um "Deus fanfarrão" que se tornou cruel para a proteção dos negros contra os brancos.
Assim, conclui Munanga: "Aos novos significados e às novas funções de Exu corresponde uma
nova iconografia afro-brasileira reunindo os símbolos das religiões negro- africanas e da religião
Assim, mesmo insistido esta manifestação primeira da arte Afro-brasileira, Munanga ressalta a
dificuldade em referenciar os artistas dado caráter clandestino e coletivo da criação dessa arte em
seu contexto colonial. Além disso, o autor ressalta a falta de atenção pelo público e pelos
pesquisadores em arte que essa arte teve nesses três séculos desta sua fase em seu contexto. "Foi
graças ao trabalho pioneiro de Nina Rodrigues que os primeiros exemplares da arte afro- brasileira
obras Afro-brasileiras no museu da polícia, cujo parte dessas obras encontradas viriam a ser
A partir das décadas de 30 e 40, a arte Afro-brasileira sai da clandestinidade e ganha espaço
"A partir dessa época, a arte Afro-brasileira, então conhecida apenas como arte religiosa,
ritual, comunitária e utilitária, começa a ampliar seu campo de atuação. Seus artistas, saindo
do anonimato, começam a produzir uma arte não-étnica, com projeção na linguagem plástica
indígena, a europeia ou outras que possam polarizar sua criatividade pessoal e alimentar seu
universo mitopoético." e usam seus elementos plásticos em seus processos e os que tem um berço
cultural Afro-brasileiro onde se inspiraram. e, o autor ressalta: "Tanto os artistas do primeiro grupo
como os do segundo nominalmente referidos são por coincidência de origem étnica europeia."
autor questiona como onde remanejar os artistas Afro-brasileiros negros e mestiços dada a falta de
Dado esse questionamento, Munanga reúne os poucos documentos ligados a esses artistas:
Escultor Agnaldo Manoel dos Santos e suas inspirações em elementos banto, e do universo nagô-
escultor Emanuel Araújo em sua "(...) arquitetura de planos desenvolvidos com ritmos, tensões e
cores." dadas suas raízes Afro-brasileiras; Clarival do Prado Valladares "(...) um artista do universo
contemporâneo no amplo sentido do humanismo."; Ronaldo Rego e sua arte sincrética inspirada nas
suas vivências nos terreiros localizados na zona oeste do Rio de Janeiro, que influenciaram
plasticamente suas obras. A pesquisadora Maria Cecília Felix ressalta a falta da qualidade utilitarista
da arte de Ronaldo Rego intencionalmente, mas aponta que algumas obras podem sim ter uma
utilidade religiosa; Por último, Munanga traz Mestre Didi, parafraseando um dos pesquisadores de
sua obra "o ícone africano tem resistido a todas as transformações aculturativas no Brasil, e pode
comunicar- se ainda com a força do idioma original (...) que extrapola o indivíduo e fala dos valores
constantes de uma cultura, falando, nesta medida, também por todos (CUNHA, 1983, p.1026).".
Munanga volta a questão da pesquisa sobre a obra de artistas negros Afro-brasileiros e aponta a
pesquisa "A Mão Afro-brasileira" como algo que só está começando. A busca pela definição para a
dar corpo e existência a uma obra de arte autêntica. Outros elementos, como a
monumentalidade, a repetição, a desproporção entre partes do corpo e a conceituação das
ideias (...)"
Assim, Munanga ressalta que qualificar uma arte como Afro-brasileira não necessita a reunião de
todos os postulados, mas sim o que está ali e sobressalta sobre a obra com regularidade trazendo
autenticidade.
Munanga também problematiza o vínculo máximo da arte Afro-brasileira como "arte negra"
artísticos Afro-brasileiros, relevando o caráter não biologizado, não etnicizado e não politizada na
"Sabemos que qualquer artista, pouco importa a sua cultura, domina uma certa técnica e um
certo estilo, usa com familiaridade alguns materiais e não outros, projeta na sua obra uma
linguagem simbólica que reflete a identidade de sua sociedade e /ou reflete e critica a
estrutura social desta. Essa linguagem simbólica e a emoção estética provocada por sua obra
Munanga ressalta também a raridade de se encontrar um artista que utilize formalmente em sua arte
os elementos africanos tão somente, sem fugir do sincretismo cultural no âmbito artístico brasileiro.
O autor conclui que a arte Afro-brasileira é um sistema fluido e aberto, com um centro, uma zona
mediana e uma periferia. O centro sendo as origens africanas dessa arte, a zona mediana se
periferia englobando a arte recém discorrida onde Munanga ressaltou artistas que se inspiraram nas
suas raízes Afro-brasileiras, sendo a parte mais fluida e confusa deste sistema.
Munanga conclui:
"Nesta concepção bastante dinâmica, não biologizada, não etnicizada e não politizada da arte afro-
classificação sistemática das obras. Não há também como escapar das críticas construtivas ou
vazias, e sobretudo das críticas de caráter político - ideológico. É o preço que devemos pagar ao
suscitar críticas construtivas capazes de enriquecer o debate das idéias sobre o conteúdo e a
nacional brasileira. A rememoração dos 500 anos do descobrimento do Brasil oferece um momento
histórico propício não apenas para as manifestações de natureza simbólica, mas também para
sistema educativo e nos demais setores da vida nacional deixam a desejar e deveriam entrar também