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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


FACULDADE DE HISTÓRIA
DISCIPLINA: HISTÓRIA E POPULAÇÃO
DISCENTE: STEFFANY DOS SANTOS FLORES

FERREIRA, André Luís Bezerra. Liberdades mestiças: a (co)existência da escravidão


indígena, africana e mestiça no Maranhão (século XVIII). In: MAIA, Lívia L. Silva Forte;
SOUZA JÚNIOR, José Alves (orgs.). O mundo do trabalho na Amazônia colonial. São Paulo,
Livraria da Física, 2021, p. 136-149.

Esta resenha irá trabalhar de forma descritiva com o artigo de André Luis Bezerra
Ferreira intitulado “Liberdades mestiças: a (co)existência da escravidão indígena, africana e
mestiça no Maranhão (século XVIII), destacando seu objetivo, suas ideias principais, e seu
conceito.
O artigo de André Luís tem por objetivo analisar a coexistência da escravidão africana
e indígena na Amazônia portuguesa, mais especificamente no Maranhão, ao longo do século
XVIII, buscando compreender “como as agências dos referidos sujeitos estavam inseridas nas
dinâmicas de mestiçagens naquela sociedade, destacando seus acessos à justiça colonial para
pleitearem suas liberdades” (FERREIRA, 2021, p. 135). O autor pretende esclarecer as
diversas questões que envolviam as disputas pelas posses dos litigantes, destacando o
“fundamental protagonismo destes no desenvolvimento de construção daquela sociedade, as
leis que regulamentavam suas práticas de arregimentação e, consequentemente, definiam seu
status jurídico, principalmente as dinâmicas de mestiçagens em que os escravizados estavam
inseridos” (FERREIRA, 2021, p. 136).
Para isso o autor utiliza o conceito de “dinâmicas de mestiçagens”, elaborado por
Eduardo França Paiva, que tem por objetivo “entender as práticas históricas que conforma as
relações sociais nos espaços ibero-americanos, resultando em sociedades indelevelmente
mestiçadas, principalmente, nos espaços urbanos” (FERREIRA, 2021, p. 137). André Luís
justifica o uso desse conceito por analisar os processos de liberdades dos escravizados,
especialmente indígenas e mestiços que estavam inseridos nas vilas da Capitania do
Maranhão no decorrer do século XVIII. É nesse mesmo século que se inicia a conexão entre
indígenas, africanos e mestiços na Amazônia, que para além de “trabalhadores”, foram
importantes agentes dos processos históricos e da formação das identidades sociais marcadas
pelas dinâmicas de mestiçagens.
Dividindo seu texto em três subtópicos, o primeiro deles, intitulado A qualificação dos
escravos, o autor destaca que o termo “qualidade” é um dos principais pontos para se entender
as inserções de índios africanos e mestiços nas sociedades modernas. Ademais, explica que o
termo era utilizado no antigo regime na Europa para diferenciar as pessoas de boa linhagem
das que eram despossuídas dela. Com o processo de mundialização ibérica, o termo sofreu um
ampliamento, sendo utilizado para designar o exterior dos indivíduos que não faziam parte da
nobreza. “A partir de então, passou-se a utilizar tal categoria para qualificar os sujeitos
oriundos dos cruzamentos de diversos elementos entre diferentes grupos sociais – índios,
negros, crioulos, mestiços e etc”(FERREIRA, 2021, p. 139). Com tudo, o autor salienta que,
qualquer que fosse suas qualidades, indígenas e africanos, por meio de suas redes de
sociabilidades, "foram produtores de mestiçagem biológicas que resultaram no surgimento de
outras qualidades" (FERREIRA, 2021, p. 141).
Em O acesso à justiça e às liberdades mestiças, o autor discorre sobre as
sistematizações das leis e das instâncias administrativas que possibilitaram uma maior
proximidade dos escravizados com a justiça colonial, para pleitearem suas liberdades. Os
destaques da esfera administrativa foram: o Tribunal da Junta das Missões e o Juíz Privativo
das Liberdades (Ouvidoria Geral), além disso, também houve a instituição do cargo de
Procurador dos Índios. Após apresentar quais eram essas instâncias administrativas, o autor
explica qual a funcionalidade de cada uma delas. Entretanto, cabe aqui ressaltar que as
atividades realizadas por essas esferas "estavam direcionadas para os indígenas e seus
descendentes, não contemplando os escravos africanos" (FERREIRA, 2021, p. 143). André
Luís encerra o tópico argumentando que esses processos de liberdade estavam interligados
com significativos aspectos que permeavam a sociedade colonial.
Os cafuzos, último tópico argumentativo do artigo, serve para discorrer sobre essa
categoria específica de qualificação dos escravos que é corriqueiramente utilizada para
designar os indivíduos mestiços de indígenas e africanos. O autor argumenta que os cafuzos
"estiveram concentrados nas regiões em que o mundo do trabalho foi marcado pela
coexistência da mão de obra afro-indígena, como era o caso da América portuguesa"
(FERREIRA, 2021, p. 145). No caso da capitania maranhense, a qualidade de cafuzos serviu
para designar os mestiços de indígenas e pretas, ou vice-versa, entretanto o autor salienta que
"naquela localidade, os manejos dessa qualidade não se restringiram a essas misturas, sendo
também relacionados com as dinâmicas e práticas socioculturais da escravidão urbana e
domésticas" (FERREIRA, 2021, p. 145). Em dado momento do texto, o autor argumenta que
a situação dos "índios cafuzos" no Maranhão é semelhante à dos "cabras" no Estado do Brasil,
pois "cabra" "nessa região poderia designar as populações nativas que estavam na condição de
índios administrados" (FERREIRA, 2022, p. 146). Em outras palavras, eram indígenas que
não eram livres mas também não eram escravos. O último ponto abordado neste tópico por
André Luís trata sobre a (re)inserção dos índios cafuzos forros nas dinâmicas do mundo do
trabalho, que resultou em controversos debates entre a administração local e a metropolitana,
inclusive sobre a forma com que esses sujeitos seriam (re)qualificados (FERREIRA, 2021, p.
147).
Concluindo sua abordagem, o autor enfatiza como a escravidão esteve imbricada na
formação de diversas sociedades globais, ganhando legitimação por meio de tratados, sendo
regulamentada por meio de disposições jurídicas e ganhando novas roupagens de acordo com
as especificidades de cada região. A escravidão na América portuguesa ocorreu de duas
formas, sendo uma direcionada aos indígenas e a outra aos africanos. Contudo, como
argumenta o autor, embora houvesse essa distinção, esses grupos se conectavam em diversos
aspectos, “fossem nas dinâmicas dos mundos do trabalho ou na constituição de famílias
mestiças que resultaram na formação de novas identidades sociais” (FERREIRA, 2021, p.
149).

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