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PPGAS UFAM

Disciplina “Indígenas e Indigenismo...” 2021/1


Discente: Paula Stolerman Araujo
Resenha: Indígenas na metrópole: lutas multiétnicas e identidade coletiva na
cidade de Manaus (AM) de José Carlos Matos Pereira PPGAS/MN/UFRJ

O texto de aborda a presença indígena no contexto urbano, fazendo um


estudo de caso sobre a presença indígena em Manaus, indicando quais os
processos por que passaram e passam diversas etnias para se afirmarem e
manterem suas práticas culturais e simultaneamente conseguirem garantir a
sobrevivência num ambiente que impõe uma realidade diferenciada da que é
vivenciada em aldeias distanciadas dos centros urbanos,
O autor inicialmente expõe a invisibilização pela qual passou a presença
indígena após séculos de eventos que visaram integrar a força de trabalho do
indígenas, por meio de políticas tutelares de Estado que dissolviam a
autodeterminação dos povos, racializando-os inicialmente enquanto “caboclos” e
depois como “pardos”.
Aparece o indicador de aumento do número de indígenas, e inclusive sua
presença nas cidades é revelada por pesquisas demográficas do censo IBGE, o que
é questionado por setores da sociedade, assim como o senso comum, avaliando
que não se tratam de “índios” verdadeiros, seja lá o que isso seja. O que ocorreu é
que o marcador de uma identidade indígena nunca fora computado para fins
populacionais, já evidenciando a atitude estatal, trabalhando ativamente para a
neutralização deste segmento da população nacional.
Para expor esse trajeto político pelo qual passou a questão indígena, o autor
indica três elementos que compuseram o “processo civilizador”, tal qual descrito e
analisado por Norbet Elias nos dois volumes de sua obra. Para auxiliar sua
argumentação, traz o entendimento da formação na “nação” como uma destes
elementos que auxiliam a entender o processo de apagamento da presença
indígena.

Anderson (2008) analisa que a ideia de Nação como “comunidades


imaginadas” toma como referência três elementos constitutivos: a) a
relação de camaradagem e pertencimento entre os indivíduos que
geram um pacto de não agressão mútua; b) que esse lugar da vida
em comum tem fronteiras definidas e todos cabem em seu interior e;
por fim, c) que é uma comunidade soberana onde o anseio de
liberdade é simbolizado pela presença do Estado. Dentre as
explicações apresentadas por ele, está o papel que cumpre o Censo,
o Museu e o Mapa na homogeneização de um passado comum, de
uma ordem de poder preestabelecida e de um sentimento de
pertença. Foram instituições de poder criadas pelo Estado colonial
como instrumentos de aperfeiçoamento dos mecanismos de
dominação das colônias sob controle europeu. (PEREIRA, p. 5, ?)

A nação pressupunha uma neutralização de conflitos e desta maneira não faz


sentido pensar em uma composição de grupos pluriétnicos compartilhando uma
faixa territorial soberana, o que condiz perfeitamente com a preponderância do
discurso militarizado em que o “brasileiro” sobrepõe-se a categoria indígena,
quilombola ou outra categoria identitária que reivindique reconhecimento de sua
especificidade.
O processo de construção desse imaginário nacional, livre do indígena foi
edificado com o auxílio dos produtos cartográficos, que identificavam os territórios
como propriedade do Estado, tornando os povos que ali viviam irrelevantes nessa
reivindicação de soberania e propriedade assim como as coleções que foram
gradativamente compondo museus indicavam o indígena como um elemento do
passado nacional, algo que foi transposto pela colonização e gradativa integração
dessas populações ao “povo brasileiro” nos moldes imaginados pelo Estado.

Estes três mecanismos de poder [censo, mapa e museu] tornaram


possível “conhecer para dominar” e criar um álbum histórico onde o
colonizador europeu poderia reconhecer seus antepassados e
atualizar como história o seu poderio do presente, bem como tornar
possível a circulação em massa dessa nova forma de “representar” o
mundo por meio dos impressos e da tecnologia capitalista, que
fizeram a Nação, como representação, ganhar o imaginário social.
Essas estratégias coloniais se reproduziram até os dias atuais, como
processo de ocultamento dos indígenas da vida nacional. (PEREIRA,
p. 7, ?)

Após a necessária contextualização o autor passa a descrever que população


indígena está resistindo não apenas nos aldeamentos demarcados ou não assim
como passaram a ocupar áreas periféricas das cidades, no seu estudo abordando
especificamente a cidade de Manaus, Amazonas.
Pacheco de Oliveira traz a reflexão sobre categorizar os indígenas como
“desterritorializados” ou “urbanos” não contribui para a elucidação dos processos
que contribuem para o deslocamento dessas pessoas para a cidade porém sim
contribui como mais uma forma de estigmatização por parte dos não indígenas, o
que repercute para a própria percepção sobre o que é ser indígena vivendo na
cidade.
Então desdobra-se no texto as descrições de alguns grupos que se
encontram vivendo em bairros de Manaus, alguns que inclusive já recebem
nomenclatura relacionada com o fato de abrigarem esses grupos. O autor informa
que inicialmente os indígenas chegaram para trabalharem em uma granja e
sofreram com as irregularidades da contratação justamente por não terem
conhecimento de seus direitos enquanto trabalhadores assalariados.
Eventualmente a granja foi desativada e os indígenas buscaram outras
ocupações. Outras problemáticas são elencadas com essa vinda para cidade assim
como outros fatores implicam na migração. Os indígenas são pressionados mais e
mais pelo garimpo ilegal, extração de madeiras, grilagem, expansão de
monoculturas, criação de gado, ficando os seus recurso de sobrevivência mais e
mais escasseados. Buscam então nas cidades a sobrevivência para si e suas
famílias.
O autor também apresenta no texto o dilema étnico pelo qual passam os
indígenas vivendo no contexto urbano, alguns tendo dúvidas sobre sua identidade a
partir do momento em que se distanciam das aldeias. Desta forma, alguns buscam
fazer visitas às aldeias nos momento de férias escolares do filhos assim como
buscar os mais velhos que residem na aldeia para conviver um tempo na cidade e
assim “garantir” a conexão com sua cultura.
Outra questão apresentada relacionada à etnicidade é que por motivo de
discriminação e racismo muitas vezes os indígenas não assumem sua identidade
assim como alguns jovens não tem mais interesse em reconhecer-se como
indígenas, sendo frutos de relacionamento de indígena com não indígena. Apesar de
obterem a declaração de nascimento indígena vão se identificar como a cultura do
branco. O autor também ouviu uma narrativa de alguém cuja avó foi violentada e
espancada enquanto trabalhava como empregada doméstica e sua identidade
indígena era conhecida então em muitos casos é ainda motivo de medo se assumir
enquanto indígena.
Os Bairros onde estão estas comunidades indígenas são compostos de
diversas etnias e eles falam suas línguas mas também o português pois em alguns
casos é a língua que compartilham. As condições de moradia são precárias e não há
assistência do poder público e as ocupações não tem atendimento de distribuição de
água, recolhimento de lixo e tratamento dos dejetos.
Os empregos aos quais os indígenas se submeteram foram os possíveis mas
com a organização de associações iniciaram um trabalho de transformação de sua
identidade étnica em politização afirmativa. Dessa forma mais indígenas passaram a
dedicar-se a escola e garantir espaços nas esferas de formação tipicamente de
brancos como médicos e advogados.
As múltiplas associações passaram a configuram ferramentas de
reivindicação desses indígenas no contexto urbano visto que não há reconhecimento
nenhum de sua presença por parte do estado ou Município como revelou a
proposição para o Plano Diretor da Cidade de Munaus que foi mencionado no texto.
Não foi convocada nenhuma das associações indígenas em atuação e nenhum
bairro recebeu alguma menção por compor-se de população indígena.
As associações e grupos organizados pelos indígenas são resultado de sua
própria experiência no contexto diferenciado e que por sua vez não recebeu
qualquer atenção por parte do Estado pois como é discutido no início do artigo, as
políticas estatais estão muito mais preocupadas em garantir o apagamento das
identidades indígenas do que facilitar e confortar de alguma forma a chegadas
dessas pessoas na cidade.
Os indígenas se preocuparam em organizar formas de manter suas relações
mesmo em contexto urbano e o autor descreve associações que organizaram
espaços de práticas culturais coletivas para encontros e festividades assim como
escolas voltados para o ensino da língua indígena, assim mantendo esse vínculo
linguístico. As crianças tem acesso à escola regularmente e em horário diverso
atendem à escola tradicional indígena.
Eu particularmente considero essa iniciativa organizativa dos indígenas muito
apropriada pois reconhece a necessidade das crianças e jovens de se apropriarem
dos conhecimentos do branco para pleitearem o reconhecimento de suas
especificidades e cultura. Porém, não há como não pensar que este deve ser
pensado como uma tática de sobrevivência imediata mas que deve ser suplantada
pelo reconhecimento de um estado plurinacional, dentro de uma perspectiva de
Estado diferenciado do que existe baseado nos ideais eurocêntricos de liberalismo.
O autor descreve também a importância de diversas associações femininas
que organizam as mulheres na produção de artesanatos que são uma importante
fonte de renda para as famílias e permitem que as mulheres trabalhem em casa,
podendo cuidar de filhos pequenos se for o caso. Como todas as atividades
relacionadas aos indígenas a venda de artesanato também é muito prejudicada pela
ausência de um espaço voltado para o comercio dos produtos além do que a maioria
das pessoas não tem conhecimento sobre a dimensão simbólica presenta em cada
um dos objetos confeccionados sejam cestos, colares ou outro tipo de objeto.
Ao confeccionarem um trabalho os indígenas impõem àquele objeto uma
parte de si, como relatou um dos entrevistados pelo José. E diante disso os
produtos, cada um deles, contém um valor inestimável, normalmente não
reconhecido por quem compra. Esta dimensão em muito se afasta da produção
capitalista que cria necessidades de objetos que são reiteradamente descartados.
O texto trata de fazer uma revisão dos processos que levaram diversas etnias
a instalarem-se nas periferias de Manaus e que gradativamente, por meio de
vontade organizativa própria vem constituindo-se em vozes ativas para o
reconhecimento de suas comunidades e de sua condição enquanto indígenas,
tornando a etnicidade um componente da dimensão política de luta por
reconhecimento e respeito do indígena enquanto povo originário.
Um elemento importante que é trazido pelo autor é a questão de que a
definição sobre como se deve classificar o indígena vivendo numa cidade é questão
que cabe ao próprio indígena e a questão é muito atual na medida em que em plena
epidemia de COVID 19 foi negado aos indígenas vivendo na cidade a possibilidade
de vacinação como grupo prioritário. No momento em que a FUNAI é totalmente
cooptada pela faceta mais obscura da política Nacional, a luta e reafirmação
identitária dos indígenas na cidade é uma das frentes de resistência dos povos
originários.

BIBLIOGRAFIA:

PEREIRA, José Carlos Matos. Indígenas na metrópole: lutas multiétnicas e


identidade coletiva na cidade de Manaus (AM).

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