Discente: Paula Stolerman Araujo Resenha: Indígenas na metrópole: lutas multiétnicas e identidade coletiva na cidade de Manaus (AM) de José Carlos Matos Pereira PPGAS/MN/UFRJ
O texto de aborda a presença indígena no contexto urbano, fazendo um
estudo de caso sobre a presença indígena em Manaus, indicando quais os processos por que passaram e passam diversas etnias para se afirmarem e manterem suas práticas culturais e simultaneamente conseguirem garantir a sobrevivência num ambiente que impõe uma realidade diferenciada da que é vivenciada em aldeias distanciadas dos centros urbanos, O autor inicialmente expõe a invisibilização pela qual passou a presença indígena após séculos de eventos que visaram integrar a força de trabalho do indígenas, por meio de políticas tutelares de Estado que dissolviam a autodeterminação dos povos, racializando-os inicialmente enquanto “caboclos” e depois como “pardos”. Aparece o indicador de aumento do número de indígenas, e inclusive sua presença nas cidades é revelada por pesquisas demográficas do censo IBGE, o que é questionado por setores da sociedade, assim como o senso comum, avaliando que não se tratam de “índios” verdadeiros, seja lá o que isso seja. O que ocorreu é que o marcador de uma identidade indígena nunca fora computado para fins populacionais, já evidenciando a atitude estatal, trabalhando ativamente para a neutralização deste segmento da população nacional. Para expor esse trajeto político pelo qual passou a questão indígena, o autor indica três elementos que compuseram o “processo civilizador”, tal qual descrito e analisado por Norbet Elias nos dois volumes de sua obra. Para auxiliar sua argumentação, traz o entendimento da formação na “nação” como uma destes elementos que auxiliam a entender o processo de apagamento da presença indígena.
Anderson (2008) analisa que a ideia de Nação como “comunidades
imaginadas” toma como referência três elementos constitutivos: a) a relação de camaradagem e pertencimento entre os indivíduos que geram um pacto de não agressão mútua; b) que esse lugar da vida em comum tem fronteiras definidas e todos cabem em seu interior e; por fim, c) que é uma comunidade soberana onde o anseio de liberdade é simbolizado pela presença do Estado. Dentre as explicações apresentadas por ele, está o papel que cumpre o Censo, o Museu e o Mapa na homogeneização de um passado comum, de uma ordem de poder preestabelecida e de um sentimento de pertença. Foram instituições de poder criadas pelo Estado colonial como instrumentos de aperfeiçoamento dos mecanismos de dominação das colônias sob controle europeu. (PEREIRA, p. 5, ?)
A nação pressupunha uma neutralização de conflitos e desta maneira não faz
sentido pensar em uma composição de grupos pluriétnicos compartilhando uma faixa territorial soberana, o que condiz perfeitamente com a preponderância do discurso militarizado em que o “brasileiro” sobrepõe-se a categoria indígena, quilombola ou outra categoria identitária que reivindique reconhecimento de sua especificidade. O processo de construção desse imaginário nacional, livre do indígena foi edificado com o auxílio dos produtos cartográficos, que identificavam os territórios como propriedade do Estado, tornando os povos que ali viviam irrelevantes nessa reivindicação de soberania e propriedade assim como as coleções que foram gradativamente compondo museus indicavam o indígena como um elemento do passado nacional, algo que foi transposto pela colonização e gradativa integração dessas populações ao “povo brasileiro” nos moldes imaginados pelo Estado.
Estes três mecanismos de poder [censo, mapa e museu] tornaram
possível “conhecer para dominar” e criar um álbum histórico onde o colonizador europeu poderia reconhecer seus antepassados e atualizar como história o seu poderio do presente, bem como tornar possível a circulação em massa dessa nova forma de “representar” o mundo por meio dos impressos e da tecnologia capitalista, que fizeram a Nação, como representação, ganhar o imaginário social. Essas estratégias coloniais se reproduziram até os dias atuais, como processo de ocultamento dos indígenas da vida nacional. (PEREIRA, p. 7, ?)
Após a necessária contextualização o autor passa a descrever que população
indígena está resistindo não apenas nos aldeamentos demarcados ou não assim como passaram a ocupar áreas periféricas das cidades, no seu estudo abordando especificamente a cidade de Manaus, Amazonas. Pacheco de Oliveira traz a reflexão sobre categorizar os indígenas como “desterritorializados” ou “urbanos” não contribui para a elucidação dos processos que contribuem para o deslocamento dessas pessoas para a cidade porém sim contribui como mais uma forma de estigmatização por parte dos não indígenas, o que repercute para a própria percepção sobre o que é ser indígena vivendo na cidade. Então desdobra-se no texto as descrições de alguns grupos que se encontram vivendo em bairros de Manaus, alguns que inclusive já recebem nomenclatura relacionada com o fato de abrigarem esses grupos. O autor informa que inicialmente os indígenas chegaram para trabalharem em uma granja e sofreram com as irregularidades da contratação justamente por não terem conhecimento de seus direitos enquanto trabalhadores assalariados. Eventualmente a granja foi desativada e os indígenas buscaram outras ocupações. Outras problemáticas são elencadas com essa vinda para cidade assim como outros fatores implicam na migração. Os indígenas são pressionados mais e mais pelo garimpo ilegal, extração de madeiras, grilagem, expansão de monoculturas, criação de gado, ficando os seus recurso de sobrevivência mais e mais escasseados. Buscam então nas cidades a sobrevivência para si e suas famílias. O autor também apresenta no texto o dilema étnico pelo qual passam os indígenas vivendo no contexto urbano, alguns tendo dúvidas sobre sua identidade a partir do momento em que se distanciam das aldeias. Desta forma, alguns buscam fazer visitas às aldeias nos momento de férias escolares do filhos assim como buscar os mais velhos que residem na aldeia para conviver um tempo na cidade e assim “garantir” a conexão com sua cultura. Outra questão apresentada relacionada à etnicidade é que por motivo de discriminação e racismo muitas vezes os indígenas não assumem sua identidade assim como alguns jovens não tem mais interesse em reconhecer-se como indígenas, sendo frutos de relacionamento de indígena com não indígena. Apesar de obterem a declaração de nascimento indígena vão se identificar como a cultura do branco. O autor também ouviu uma narrativa de alguém cuja avó foi violentada e espancada enquanto trabalhava como empregada doméstica e sua identidade indígena era conhecida então em muitos casos é ainda motivo de medo se assumir enquanto indígena. Os Bairros onde estão estas comunidades indígenas são compostos de diversas etnias e eles falam suas línguas mas também o português pois em alguns casos é a língua que compartilham. As condições de moradia são precárias e não há assistência do poder público e as ocupações não tem atendimento de distribuição de água, recolhimento de lixo e tratamento dos dejetos. Os empregos aos quais os indígenas se submeteram foram os possíveis mas com a organização de associações iniciaram um trabalho de transformação de sua identidade étnica em politização afirmativa. Dessa forma mais indígenas passaram a dedicar-se a escola e garantir espaços nas esferas de formação tipicamente de brancos como médicos e advogados. As múltiplas associações passaram a configuram ferramentas de reivindicação desses indígenas no contexto urbano visto que não há reconhecimento nenhum de sua presença por parte do estado ou Município como revelou a proposição para o Plano Diretor da Cidade de Munaus que foi mencionado no texto. Não foi convocada nenhuma das associações indígenas em atuação e nenhum bairro recebeu alguma menção por compor-se de população indígena. As associações e grupos organizados pelos indígenas são resultado de sua própria experiência no contexto diferenciado e que por sua vez não recebeu qualquer atenção por parte do Estado pois como é discutido no início do artigo, as políticas estatais estão muito mais preocupadas em garantir o apagamento das identidades indígenas do que facilitar e confortar de alguma forma a chegadas dessas pessoas na cidade. Os indígenas se preocuparam em organizar formas de manter suas relações mesmo em contexto urbano e o autor descreve associações que organizaram espaços de práticas culturais coletivas para encontros e festividades assim como escolas voltados para o ensino da língua indígena, assim mantendo esse vínculo linguístico. As crianças tem acesso à escola regularmente e em horário diverso atendem à escola tradicional indígena. Eu particularmente considero essa iniciativa organizativa dos indígenas muito apropriada pois reconhece a necessidade das crianças e jovens de se apropriarem dos conhecimentos do branco para pleitearem o reconhecimento de suas especificidades e cultura. Porém, não há como não pensar que este deve ser pensado como uma tática de sobrevivência imediata mas que deve ser suplantada pelo reconhecimento de um estado plurinacional, dentro de uma perspectiva de Estado diferenciado do que existe baseado nos ideais eurocêntricos de liberalismo. O autor descreve também a importância de diversas associações femininas que organizam as mulheres na produção de artesanatos que são uma importante fonte de renda para as famílias e permitem que as mulheres trabalhem em casa, podendo cuidar de filhos pequenos se for o caso. Como todas as atividades relacionadas aos indígenas a venda de artesanato também é muito prejudicada pela ausência de um espaço voltado para o comercio dos produtos além do que a maioria das pessoas não tem conhecimento sobre a dimensão simbólica presenta em cada um dos objetos confeccionados sejam cestos, colares ou outro tipo de objeto. Ao confeccionarem um trabalho os indígenas impõem àquele objeto uma parte de si, como relatou um dos entrevistados pelo José. E diante disso os produtos, cada um deles, contém um valor inestimável, normalmente não reconhecido por quem compra. Esta dimensão em muito se afasta da produção capitalista que cria necessidades de objetos que são reiteradamente descartados. O texto trata de fazer uma revisão dos processos que levaram diversas etnias a instalarem-se nas periferias de Manaus e que gradativamente, por meio de vontade organizativa própria vem constituindo-se em vozes ativas para o reconhecimento de suas comunidades e de sua condição enquanto indígenas, tornando a etnicidade um componente da dimensão política de luta por reconhecimento e respeito do indígena enquanto povo originário. Um elemento importante que é trazido pelo autor é a questão de que a definição sobre como se deve classificar o indígena vivendo numa cidade é questão que cabe ao próprio indígena e a questão é muito atual na medida em que em plena epidemia de COVID 19 foi negado aos indígenas vivendo na cidade a possibilidade de vacinação como grupo prioritário. No momento em que a FUNAI é totalmente cooptada pela faceta mais obscura da política Nacional, a luta e reafirmação identitária dos indígenas na cidade é uma das frentes de resistência dos povos originários.
BIBLIOGRAFIA:
PEREIRA, José Carlos Matos. Indígenas na metrópole: lutas multiétnicas e