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REVISTA LITERÁRIA

REVISTA LITERÁRIA ALCATEIA


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EDIÇÃO 3 • MEIOS E REGISTROS: AS FORMAS DO TEXTO


130 PÁGINAS • AGOSTO DE 2020

REDAÇÃO
CLAUS A. CORBETT
JULIA HELENA DE OLIVEIRA
MARIANA LIO
PAULA CRUCIOL

REVISÃO
CLAUS A. CORBETT

PROJETO GRÁFICO
PAULA CRUCIOL

CAPA E ILUSTRAÇÕES
MARIANA LIO

CONTATO
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MAIS INFORMAÇÕES NO FINAL DA REVISTA
A ALCATEIA

é uma iniciativa de artistas cujo objetivo consiste em


proporcionar aprendizado coletivo, troca de informações,
opiniões, compartilhamento de experiências e diálogo
entre produtores de texto. Para nós, o texto pode ser
constituído tanto de palavras quanto de imagens, sendo
ferramenta poderosa de expressão, e a interpretação de
textos e a leitura vão além de reconhecimento e
decodificação.

Por meio dos nossos artigos, publicados a cada


dois meses na revista, abordamos assuntos relacionados
a criatividade, originalidade, estratégias narrativas,
construção textual e diversas outras reflexões sobre a
produção artística, incentivando leitores, escritores e
ilustradores a desenvolverem as próprias habilidades
textuais. Dessa maneira, a produtividade artística e a
leitura se tornam práticas mais coletivas e colaborativas,
fazendo escritores e artistas (lobos solitários)
encontrarem um grupo de suporte e incentivo (alcateia).
A Alcateia também publica originais submetidos
por e-mail em suas edições, encorajando o
compartilhamento de produções autênticas e construindo
um espaço de feedback e crescimento individual, sendo
não só revista como também coletivo. Acreditamos que
dar e receber opiniões sobre nossos textos é o que nos
faz desenvolvermos nossa produção e nos tornarmos
artistas ainda melhores. Os originais são tanto palavras
quanto imagens, poemas, prosas e ilustrações — textos
— que se encaixam nos temas de cada edição.

Esta edição é sobre meios e registros: as formas


do texto.
SOBRE AS FORMAS DO TEXTO • 08

INTERPRETANDO COM OS OLHOS • 12

APENAS PIXELS EM UMA TELA? • 21

IMAGENS ESCRITAS EM SEQUÊNCIAS • 30

QUEBRANDO O SILÊNCIO • 36

O CORPO FALA • 43

APENAS UM GIBI? • 49

ENTRE UMA E MIL PALAVRAS • 60

LITERALMENTE LITERÁRIO • 68

HISTÓRIA EM QUADRINHOS (ESPECIAL EDIÇÃO 3) • 75


SUMÁRIO

ORIGINAIS
EXPRESSAR • 85
MULHER DE PALAVRAS • 87
[ILUSTRAÇÃO SEM TÍTULO] • 89
UM ARTIGO • 91
PAR DE MEIAS • 92
ÁGUAS-PALAVRAS • 94
POEMAS PERDIDOS • 96
TEXTO SÓ SE FAZ DE CORPO E OCASIÃO • 100
COMO DIZER? • 103

TEXTANDO: SOB/SOBRE PERSPECTIVA • 109


SOBRE AS FORMAS DO TEXTO
EQUIPE ALCATEIA

Def é.textp(x):
Return tem.sentido(x)
É.texto(“Ideias verdes incolores dormem
furiosamente”)

O texto acima representa bem o que queremos


mostrar nesta edição. Se tem sentido, é texto. Se
comunica, é texto. Se passa informações, é texto. Se
pode ser interpretado, é texto.
Por isso, o texto pode se apresentar das mais
diversas formas, não apenas como uma sequência de
letras e palavras escritas em um papel. Porque
acreditamos nisso, trabalhamos com tanto carinho na
revista para vocês. Queremos trazer textos de todos os
formatos e mergulhar com vocês em suas
interpretações, naquilo que eles comunicam.
Mesmo quando não parecem fazer sentido.
E muitos vão dizer que a frase “ideias verdes
incolores dormem furiosamente” não faz sentido algum.
De fato, ela foi usada por Noam Chomsky como
exemplo de que podemos criar frases gramaticalmente
corretas, mas sem sentido semântico. No entanto, ela
também é texto, pois seu sentido enquanto ato de
comunicação é comprovar a tese do autor. Além disso...

“Ideias verdes incolores dormem furiosamente.”


“Ideias verdes incolores”

O fato das ideias serem verdes pode parecer


absurdo, mas alguns de vocês já deram a isso uma
imagem - mesmo elas sendo transparentes. Podemos
justificar essas escolhas, pensar que quem disse essa
frase pensava em “incolores” / “colorless” como algo
desbotado e que perdeu sua opacidade.

“Ideias verdes incolores dormem”

Mas… ideias podem dormir? Claro que podem!


Quantas ideias você teve em sua vida para criar um
texto (ou seja, algo que tenha sentido, um ato de
comunicação em suas mais diversas formas) e deixou
elas dormindo em algum canto de sua mente? As
reservou para serem usadas depois e não lembra mais
que estão lá?

“Ideias verdes incolores dormem furiosamente”.

Finalmente, o ato de dormir furiosamente pode


parecer inicialmente paradoxal, mas fazer total sentido
para alguém com bruxismo, por exemplo, ou para
qualquer um que dorme de cenho franzido e resmunga
durante o sono. Dormir furiosamente não é só possível,
pode ser até comum.
E queremos falar sobre isso, sobre as formas
do texto: os registros, os meios, as palavras, as
imagens, os sons, os gestos, os pensamentos e tudo
mais que pode constituir um texto. Tudo. Esperamos
com essa edição poder mostrar para vocês um pouco
de tudo isso, independente de seu formato e por meio
de diferentes formatos, e que nós da Alcateia queremos
continuar publicando.
INTERPRETANDO COM OS OLHOS
PAULA CRUCIOL

“Uma imagem vale mais que mil palavras”.


Quantas vezes você já ouviu essa frase e
quantas vezes ela lhe pareceu verdadeira?
Para escritores, acostumados com as palavras,
ela pode parecer um absurdo. Dispomos de
vocabulários enormes e recursos diversos para
transmitir nossas mensagens, podendo combinar
expressões e misturar figuras de linguagem, entre
muitas outras estratégias. Para ilustradores,
acostumados com imagens, ela pode parecer bastante
razoável. O ponto de vista de uma cena, as cores e a
iluminação, a disposição dos elementos e muitos outros
detalhes da composição da imagem podem transmitir
várias informações, fazendo o leitor entender o cenário,
o sentimento, o enredo e todos os outros aspectos de
desenvolvimento da história.
A questão, no entanto, não é colocar um contra
o outro, mas nos perguntar: em que sentido uma
imagem poderia valer mais que mil palavras? Em uma
cena descritiva, por exemplo, uma imagem poderia
poupar tempo já exibindo as representações dos
objetos e compondo o cenário. Nesse sentido, uma
imagem vale mais que mil palavras pela velocidade de
assimilação; percebemos os componentes do cenário
em uma imagem mais rápido do que lemos um
parágrafo enumerando cada detalhe. Já em uma cena
de suspense, por exemplo, as palavras prolongariam as
descrições e dariam mais tempo para que o mistério
e a tensão se consolidassem na mente do leitor.
Contudo, mesmo esses dois exemplos não são
absolutos. Cenários podem ser muito bem descritos
por palavras e cenas de suspense podem ser muito
bem construídas por imagens. A questão é ainda
anterior: por que imagens deveriam ser comparadas a
palavras?
Palavras e imagens — no contexto das
produções artísticas, principalmente aquelas
envolvendo narrativa — são instrumentos de
construção e desenvolvimento de enredo, podendo ser
usadas separadamente ou de modo complementar. No
entanto, elas parecem diferentes demais para que
possam ser usadas uma em comparação à outra e,
ainda mais, ter seus valores contrapostos.
A leitura de palavras acontece por meio da
assimilação do todo, da união entre as letras e os sons
que as interligam, além da junção dos significados de
cada grupo de palavras. Esses significados, inclusive,
podem ser mais ou menos numerosos dependendo da
organização da frase. Ou seja, dependendo da
disposição dos termos e dos sinais de pontuação, a
informação pode ser alterada. Não há decodificação de
palavras ou textos porque a decodificação subentende
apenas uma correspondência para cada elemento e a
interpretação inviabiliza vias de mão única, há sempre
possibilidade de variação interpretativa.
E como acontece a leitura de imagens?
O senso comum entende a leitura de imagens
como uma decodificação: cada imagem corresponde a
um significado. Os símbolos são grandes contribuintes
desse entendimento, pois tendem a condensar
representações específicas, de modo que os
entendemos como imagens universais, cuja
interpretação é invariável. Mas não é bem assim.
A interpretação de imagens é mais complexa
do que a mera correspondência de significados —
como tende-se a entender —, mas dificilmente
conseguimos enxergar isso, dada a pouca importância
atribuída à interpretação de imagens.
O que acontece é que “encontramo-nos
imersos num oceano de imagens, numa cultura
saturada por uma flora e uma fauna constituídas
de espécies variadas de imagens”,¹ como diz Douglas
Keller em seu estudo Lendo imagens criticamente. As
placas de trânsito nas ruas, as propagandas em
outdoors, cartazes e panfletos distribuídos pela cidade,
os comerciais de televisão, as séries e filmes nas
plataformas de streaming, os emojis das mensagens
que enviamos todos os dias. “Desde o momento em
que acordamos com rádio despertadores e ligamos
a televisão com os noticiários da manhã até nossos
últimos momentos de consciência, à noite, com os
filmes ou programas de entrevista noturnos”,²
somos bombardeados com imagens o tempo todo.
Percebemos o mundo através delas. Nossos
objetivos, nossas ambições, também são chamadas de
visão. As percepções do mundo nos impõem pressões
diversas sobre como se comportar, como se parecer, o
que dizer e o que não dizer — uma ditadura de
imagens. Kellner, baseado em Neil Postman, educador,
teórico e crítico cultural estadunidense, também explica
a razão pela qual as imagens passaram a um espaço
tão grande em nossas vidas aconteceu durante a virada
do século, quando

...a sociedade ocidental deixou a cultura


impressa — tipográfica — para trás e
entrou numa nova ‘Era do
Entretenimento’, centrada numa
cultura da imagem. [...] Postman atribui
essa ‘grande transformação’
primariamente à televisão que, de fato,
pode ser interpretada como a máquina
de imagens mais prolífica da história,
gerando entre quinze e trinta imagens
por minuto e, assim, milhões de
imagens por dia.³

Até a ascensão da cultura do entretenimento,


o texto tradicional, isto é, o texto escrito com palavras,
era o grande foco. Assim, o processo de entendimento
do conteúdo expresso por palavras sempre foi
amplamente discutido e inclusive ensinado nas escolas
em disciplinas de interpretação de texto, sendo alvo
de debate na comunidade literária, jornalística,
acadêmica — em diversas áreas — e em muitos outros
ambientes, chegando até mesmo a desenvolver-se como
uma ciência: a hermenêutica.
Mas a interpretação de imagens não teve a
mesma atenção nem o mesmo destaque por ter sido
taxada durante muito tempo como óbvia. O senso
comum dita que imagens transmitem ideias objetivas;
todos enxergam a mesma coisa quando olham para as
figuras e, portanto, os significados devem ser os
mesmos para quaisquer observadores. Contudo, a
interpretação de imagens pode ser tão flexível quanto
a de palavras e a necessidade de aprender a ler essas
imagens que estão em toda parte, impactando nossas
vidas em níveis variados, é enorme.
Textos visuais, imagéticos, são compostos por
diversos elementos, como o enquadramento, as figuras
representadas (mais ou menos abstratas), as cores, as
proporções, a disposição dos elementos, a sobreposição
e diversos outros, incluindo o título, que interferem no
conteúdo transmitido e no propósito de produção da
própria imagem. E não estamos acostumados a lidar
com cada um desses elementos como uma escolha
estratégica de desenvolvimento ou como uma parte
essencial de sua formação.
É claro que a interpretação de palavras
também demanda a análise de diversos elementos,
como o vocabulário, a fonte utiliza da, a ordem dos
termos, a disposição dos trechos pela página, etc.; no
entanto, os aspectos visuais das palavras tendem a ser
mais limitados e menos flexíveis do que os das
imagens, além do fato de que a interpretação de
palavras é ensinada e discutida, enquanto a
interpretação de figuras, não.
A maior parte da interpretação de imagens
acontece inconscientemente, no modo automático do
cérebro — e nem sempre isso é bom. Reconhecer
figuras e representações nos é mais natural, de modo
que fazemos associações visuais com muito mais
facilidade do que o fazemos com vocábulos. Essa
facilidade faz que as imagens nos transmitam
mensagens sem que percebamos e permitem que
façamos inferências livremente, tendo um coletivo
muito amplo onde apoiar nossas conclusões.
Assim, Kellner explica como o aprendizado da
leitura e interpretação de imagens implica não somente
em entendê-las e apreciá-las, mas analisar “tanto a
forma como elas são construídas e operam em
nossas vidas, quanto o conteúdo que elas
comunicam em situações concretas”.⁴ Esse processo
consiste em desconstruir aquilo que entendemos como
óbvio, tornando-o estranho, prestando atenção “à
forma como nossa linguagem, experiência e
comportamento são socialmente construídos”.⁵
Finalmente, voltamos ao início: uma imagem
não vale mil palavras da mesma maneira que mil
palavras não valem uma imagem. São coisas diferentes.
São interpretadas de maneiras diferentes. Mas
precisamos falar sobre elas e elas devem ser
igualmente discutidas. Vivemos em um mundo de
imagens, precisamos saber interpretá-las, precisamos
saber enxergar as informações que estão fora das
palavras e precisamos entender o impacto que a
produção de novas imagens gera. Imagens também são
textos e precisamos estar preparados para suas
leituras.

¹ KELLNER, Douglas. Lendo imagens criticamente: em direção


a uma pedagogia pós-moderna. In: Alienígenas na sala de aula.
Tomaz Tadeu da Silva (org.). Petrópolis, RJ, 1995, p. 104-131.
p. 108.
² Idem, p. 108.
³ Ibidem.
⁴ Idem, p. 109. Grifos do autor.
⁵ Ibidem.
APENAS PIXELS EM UMA TELA?
CLAUS A. CORBETT

Uma história não é um produto fechado, pronto para


consumo e sempre com as mesmas qualidades, com o
mesmo aproveitamento.
Se leio um conto no momento exato em que a
temática se sobrepõe às minhas experiências atuais,
ele me parecerá melhor, mais profundo do que se eu
o tivesse lido anos antes, por exemplo. A música certa
pode tornar uma cena em um filme ainda mais
poderosa ou mesmo substituir totalmente o diálogo -
mesmo uma música sem letra alguma.
E, assim como qualquer outro texto, um jogo
pode ser interpretado de diversas formas. Para
exemplificar, o trecho abaixo representa minha
interpretação dos primeiros minutos de uma
playthrough de Dark Souls. As escolhas que fiz na
criação do personagem e minhas expectativas antes de
começar a jogar refletem parte do que experienciei,
assim como estar aberto ao que o cenário e tantas
outras coisas tentam me dizer. Ao jogar, eu crio um
texto através da minha interpretação do jogo - e posso,
então, torná-lo uma rica narrativa.

Acordo em uma cela de pedra fria. Minhas


roupas me dizem algo sobre meu passado, mas não me
lembro realmente de quem sou. O som de uma grade
se abrindo me faz erguer meu rosto cadavérico e vejo
um cavaleiro em armadura brilhante cercado pela luz
do sol. Ele joga algo próximo aos meus pés: a chave da
minha cela.
Ainda tenho sanidade suficiente para entender o
que isso significa e começo minha tentativa de escapar.
Saio para um corredor estreito com outras pessoas com
corpos tão maltratados quanto o meu e, à minha direita,
grades grossas me permitem ver um grande demônio
andando em um ambiente fechado, seus pesados passos
soando ainda mais alto nesse ambiente silencioso.
Tento interagir com os outros, mas eles parecem
ter perdido aquilo que os fazia humanos, que os tornava
conscientes. Será que o mesmo ocorrerá comigo?
Finalmente, chego a uma escada de metal
enferrujado e subo para encontrar um pequeno pátio
com uma fogueira no centro e alguns degraus que levam
para uma porta grande o suficiente para alguém muito
maior do que eu passar. Sento-me à beira da fogueira
e uma névoa alaranjada me envolve e conforta, o calor
do fogo aquecendo meus ossos cansados.
Me sinto mais consciente do que um momento
atrás.
Decido que preciso seguir e com dificuldade abro
as pesadas portas de pedra. Entro em um espaço com
paredes altas e chão de pedra fria. Dou alguns passos
e um monstro enorme pula do telhado.
O chão racha sob seus pés quando ele cai. Sinto
o peso de sua força. Preciso fugir. A porta atrás de mim
se fecha. Tento atacá-lo. Ele é forte demais. Tento fugir
de sua fúria. Seu grande martelo desce sobre mim. Tento
me esquiv-
Uma névoa alaranjada me envolve e conforta, o
calor do fogo aquecendo meus ossos cansados. Me sinto
preparado mais uma vez. Com dificuldade, abro as
pesadas portas de pedra e logo um demônio cai à minha
frente com um grande estrondo. Corro ao redor dele e
vejo uma pequena porta. Ela é grande o suficiente para
mim. Mas não para a monstruosidade que me persegue.
Escapo por ela. Grades metálicas descem atrás de mim
com um raspar estridente.
Sigo encontrando partes do meu passado pelos
corredores dessa estranha prisão. Um escudo, uma
adaga… chego finalmente ao segundo andar e, através
das grades retorcidas de uma cela, vejo o cavaleiro que
me salvou caído sobre uma pilha de pedras. A luz do
sol ainda repousa de sua forma, mas agora vinda de
um buraco no teto de pedra. Um buraco no telhado
onde ele e o grande demônio estavam. Ao tentar me
salvar, ele arriscou mais do que deveria.

Tudo que cria um ambiente para o


aproveitamento de uma obra, de uma história, afeta
não apenas a intensidade de seu impacto, mas também
as possibilidades de interpretação. Isso é verdade para
qualquer tipo de história, mas se torna ainda mais
interessante em produtos multimeios, como é o caso
de filmes e, em especial, de jogos eletrônicos. Dentro
da indústria dos jogos, esse processo de contar uma
história através do ambiente é conhecido como
environmental storytelling e assume diversas formas.
No caso do exemplo acima, o jogo não tem
música alguma nos momentos iniciais da minha
jornada, mas assim que encontro o primeiro chefe do
jogo uma música frenética começa a tocar. O jogo de
luz e sombra, de tons quentes e frios, cria uma
atmosfera. A presença de outros “como eu” nos
corredores conta uma história. E isso é apenas uma
parte do tutorial do jogo.
A cor e a forma dos menus, a cinemática de
abertura, o diálogo e os acontecimentos da história, o
peso do movimento do personagem, as animações
individuais, a forma como os demais seres do mundo
reagem à minha presença, os sistemas que controlam
o mundo… tudo isso compõe o texto que estou
interpretando através de uma experiência participativa.
Tudo isso conta uma história - tudo traz indicações de
como gostariam que interpretássemos esse texto.
Infelizmente, ainda pensamos muito em jogos
como uma experiência de ganhar ou perder, mas seu
potencial narrativo e artístico é imenso. Muitos jogos
se apresentam como textos muito mais complexos e
ricos do que seríamos capazes de criar apenas com
letras no papel, mas nosso primeiro instinto é encará-
los como um desafio técnico ou tático. E, sim, essa é
uma interpretação totalmente válida para quem assim
preferir, mas é apenas uma parte da obra e
poderíamos aproveitá-los de forma muito mais
catártica e profunda.
Alguns meses atrás, fui apresentado por um
amigo a Kingdom: Two Crowns, um jogo com gráficos
extremamente simples, com sons que indicam apenas
o que ocorre na tela. O jogo tem um sistema bem
direto: você, o monarca, coleta moedas de ouro e as
gasta para construir um reino cada vez mais forte;
todas as noites, seu reino é atacado por criaturas feitas
de pura sombra e você precisa defendê-lo. Ele me disse
que precisava usar uma montaria específica, que tinha
a mecânica de atrair cervídeos para a vila para serem
mortos por meus caçadores, gerando mais moedas.
Entramos em uma pequena discussão nesse
ponto. A montaria em questão era um Grande Cervo,
um espírito da floresta e guardião de seus mistérios.
Então, de forma alguma faria sentido para mim que
ele fosse atrair outros cervos para serem mortos por
humanos. Pelo sistema do jogo, isso seria exatamente
o que ele deveria fazer, mas para a minha narrativa,
não fazia o menor sentido. Nesse caso, para mim, a
mecânica e a narrativa por detrás não se encaixavam
e isso causou certa dissonância. O que ele me disse
em seguida me causou grande desconforto também:
“São apenas pixels em uma tela!”
Será?
Não escrevo isso apenas para criticar o jogo.
Esse mesmo jogo me permitiu um momento narrativo
maravilhoso tempos mais tarde, quando jogava
sozinho. As criaturas das sombras sequestraram um
cachorro que resgatei da floresta e, mesmo sendo a
decisão errada estrategicamente, o apego que criei com
o cachorro me levou a resgatá-lo a qualquer custo. O
que permitiu que isso fosse uma experiência catártica
e rica para mim foi justamente entrar na narrativa do
jogo e me envolver com algo além da estratégia
otimizada. Afinal, a vida não pode ser otimizada dessa
forma racionalista, então por que permitir que meu
texto fosse?
No ato de criação de qualquer texto - inclusive
dos textos complexos e artísticos que podem ser os
jogos eletrônicos - é necessário pensar na coesão de
nossas escolhas e dos elementos que ele inclui.
Mecânicas, narrativa, visual, arranjo musical, fonte,
textura do papel… tudo isso conta algo sobre como
gostaríamos que nossos textos fossem interpretados,
além de dar possibilidades de interpretação e
envolvimento.
E, no ato de interpretação, podemos também
escolher trazer mais arte e complexidade para nossa
experiência com o texto, seja na criação de headcanons
ou nas escolhas que fazemos. Para isso, os jogos se
apresentam como obras maleáveis e cheias de
possibilidades.
Minha sugestão é se deixar envolver com os
jogos e vê-los não como um conjunto de regras e um
objetivo, mas como uma história que se pode viver e
experienciar como um filme ou livro. Permita-se ver
sentidos nas nuances e nas possibilidades, encare jogar
como uma experiência artística para além de cutscenes
e gráficos de última geração. Sorva a ambientação,
mergulhe no mundo que lhe é apresentado, olhe para
os personagens e para a história como faria ao ler um
livro. Assim, é possível aproveitar todo o potencial
dessa mídia que encanta a tantos.
IMAGENS ESCRITAS EM SEQUÊNCIA
MARIANA LIO

Estudo literatura e o que mais me fascina é sua


capacidade de se aprofundar em si mesma. Temas
diversos dentro do campo da teoria literária podem
ser úteis para analisar um assunto que, de primeira
vista, não tem nenhuma ligação com o inicial.
Há um tempo, tive que fazer um fichamento
sobre Laocoonte ou sobre as fronteiras da pintura e da
poesia, de G. E. Lessing,¹ para a faculdade. Na época,
tinha sido um texto útil para a matéria que eu cursava,
ponto. Passados alguns bons meses, sem nenhuma
pretensão específica, me interessei por histórias em
quadrinho e me aprofundei no tema. Recentemente, li
sobre construção de personagem em A personagem de
ficção,² um livro que reproduziu um Boletim da FFLCH-
SP de 1964.
Onde quero chegar? Ao ler o boletim de 64, é
possível lembrar de Lessing por ambos distinguirem
romance escrito (ou poesia, no caso do Laocoonte) de
outras artes que utilizam imagem ou pessoas (peça de
teatro, pintura e filme). Com essa distinção,
poderíamos pensar que o romance escrito entra numa
caixinha e o que utiliza de pinturas ou imagens, em
outra. Mas… uma história em quadrinhos não é uma
mistura dessas duas caixinhas?
Basicamente, o texto de Lessing defende que a
pintura e a poesia (no texto, usada num sentido
abrangente) possuem maneiras diferentes de abordar
a história que querem contar. A poesia consegue
expandir a ação no tempo e dedicar páginas e mais
páginas para descrevê-la, falando do ambiente, do
pensamento das personagens, quando fulano fez isso
ou aquilo. Agora, na pintura, esse tempo está limitado
à imagem reproduzida. Para que a história seja contada
direito, as características dos personagens precisam
estar representadas alí ao mesmo tempo que a ação e
o motivo. Lessing chama esse momento específico na
pintura de “momento fecundo”, o frame crucial onde
há a iminência da ação ao ponto do espectador
entender o antes, o durante e o depois do que está
pintado.
Agora, no boletim de 64, a personagem de
romance é diferenciada daquelas que podem ser
visualmente representadas por causa dessa
característica visual. As descrições num romance se
tornam mais profundas e carregam um significado a
mais no detalhamento da personagem, enquanto
aquelas do teatro, da pintura e do cinema buscam
outras maneiras de criar essas camadas.
O que é visual tem a vantagem de mostrar
literalmente ao público o que está sendo dito e o que
é escrito, de acrescentar significados a essas
características através da maneira de narrá-las.
Quando, então, digo que uma HQ é a mistura
dessas características, digo que ela tanto é capaz de
utilizar da linguagem escrita nas narrações e diálogos
(afinal, ela é um livro), quanto de apresentar
visualmente os personagens e ambientes e utilizar o
momento fecundo de Lessing para envolver e captar a
atenção do leitor.

Em sua expressão mais simples, os


quadrinhos empregam uma série de
imagens repetidas e símbolos
reconhecíveis. Quando são usados
vezes e mais vezes para expressar
ideias semelhantes, tornam-se uma
linguagem [...] e é essa aplicação
disciplinada que cria a “gramática” da
arte sequencial.³

A disciplina a que Eisner se refere está na


forma como os símbolos, quadrinhos e palavras são
desenhados para que a história passe as sensações
certas. A fonte das letras, se serão desenhadas junto à
imagem ou não; o tamanho e a disposição dos
quadrinhos, a existência deles ou não; a organização
da imagem e da ação dentro de cada quadrinho ou da
página toda… Tudo colabora para que o leitor se
envolva com os desenhos e acompanhe as imagens da
maneira certa, olhando para o quadrinho que o autor
deseja que ele olhe.
Essa capacidade é permitida através das
escolhas do desenhista e do roteirista, que precisam
selecionar os frames certos para que a história seja
realmente captada. O momento fecundo de Lessing é
aquele que nos faz completar a ação representada e
nos permite isso demonstrando a ação em andamento
e não seu início ou fim. E, numa HQ, acontece a mesma
coisa. Por mais que tenha o benefício do tempo, de se
prolongar em páginas e páginas, os quadrinhos devem
ser pensados para manter a coerência e o ritmo
interno da leitura, além de respeitarem os prazos e
tamanhos dos livros.
Lutas, por exemplo, geralmente são
representadas em quadrinhos mais estreitos, que
permitem uma sequência de vários dentro de uma
mesma página. Isso adquire rapidez a leitura e ritmiza
os golpes.
A estrutura dentro de uma história em
quadrinho é muito interessante e existem diversas
outras características de ritmo, ambientação e narração
que são permitidas justamente pela mistura de imagem
e texto escrito. Estudar essas características me fizeram
lembrar dos dois textos, que analisam a escrita e
reafirmam que, em literatura, existem pontes que
levam a lugares completamente distintos dentro dela
mesma e que sempre há alguma coisa para aprender
dentro de um livro.
¹ Lessing, G. E. Laocoonte. Ou sobre as fronteiras da poesia e
da pintura. Introdução, tradução e notas M. Seligmann-Silva.
São Paulo: Iluminuras/Secretaria de Estado da Cultura, 1998.
² Candido, Antonio; Rosenfeld, Anatol; Prado, Décio de
Almeida; Gomes, Paulo Emílio Salles. A personagem de ficção.
São Paulo: Perspectiva, 2014.
³ Eisner, Will. Quadrinhos e Arte Sequencial: princípios e
práticas do lendário cartunista. São Paulo: Editora WMF
Martins Fontes, 2010. p. 02.
QUEBRANDO O SILÊNCIO
PAULA CRUCIOL
CLAUS A. CORBETT

Sinônimos são diferentes palavras com os significados


semelhantes. Recursos para dizer a mesma coisa sem
que o discurso fique repetitivo. Maneiras distintas de
chegar ao mesmo entendimento evitando o eco no
texto. Elementos da linguagem que a ampliam,
repetindo-a sem repetir. Sinônimos: palavras diferentes
com significados semelhantes.
Mas sinônimos não são a única estratégia para
variar a maneira de se dizer algo. Outros recursos,
além das palavras, também funcionam com o mesmo
efeito.
Às vezes, a melhor forma de se dizer algo, por
exemplo, é não dizendo nada. Em silêncio.
Olhares, gestos, imagens. A ausência de som
não equivale à ausência de significado. A ausência de
palavras não equivale à ausência de texto.
A linguista Eni Orlandi, em seu livro As formas
do silêncio,¹ explica que o silêncio não só pode
transmitir mensagens como também não é apenas uma
ausência de sons ou palavras. Isso acontece porque, no
vocabulário convencional, as mensagens são
construídas a partir de um jogo binário no qual as
palavras são uma coisa ou outra, com significados pré-
determinados e combinações limitadas para transmitir
emoções, informações, manifestar resistência, violência
e tantas outras possibilidades dentro dos contextos.
Isso quer dizer que, basicamente, as palavras afirmam
através de tudo que elas não afirmam e assim o
entendimento é construído num jogo dual de exclusão.
Contudo, o silêncio está fora desse jogo. Não
há uma coisa ou outra no silêncio. O silêncio vai além
disso, ele “significa em si mesmo [...] [e] faz parte
da constituição do sujeito e do sentido”.² Assim, o
silêncio, por si só, se sustenta. A linguista explica que
para a linguagem transmitir algo é necessário um
outro, um espaço para onde o significado vá e se
construa e esse espaço, por sua vez, exterior à
linguagem, seria o silêncio.
Sempre que algo é falado, algo também é
silenciado.
Falar e calar são duas faces da mesma moeda.
Para entender melhor como funcionava o
silêncio na comunicação e nos textos, Orlandi o
categorizou em seu livro, dividindo-o entre silêncio
fundador e política do silêncio. O silêncio fundador, ela
explica, é “aquele que existe nas palavras, que
significa o não dito”.³ Aqui, o próprio dizer resulta
no não dizer, a fala revela o que não pode ser dito
em voz alta e a mensagem do silêncio é passada pelas
entrelinhas. O silêncio fundador é mascarado pela
presença das palavras. Já a política do silêncio é
dividida em duas, o silêncio constitutivo e o silêncio
local.
O silêncio constitutivo é “o que nos indica
que para dizer é preciso não dizer (uma palavra
apaga necessariamente as outras palavras)”,⁴ sendo
assim inevitável, intrínseco ao se expressar. Nesse
sentido, o silêncio se aproxima do jogo binário do
vocabulário que exclui tudo aquilo que não é ao dizer
o que é. O silêncio local, por outro lado, é a proibição
do falar, a censura, “aquilo que é proibido dizer em
uma certa conjuntura”.⁵
Se dizemos com mais do que palavras, também
silenciamos mais do que as palavras.
Pensemos no silêncio fundador, por exemplo.
Aquilo que é dito cala outras possibilidades. Ao
escolhermos desenhar nossa princesa como uma
mulher loira, branca, magra, delicada e vestida para
festas, silenciamos as princesas com outros cabelos, de
outras etnias, com outros corpos e outras
representações sociais. Isso se torna especialmente
danoso quando esse silenciar se torna um discurso
social.
As representações midiáticas viram espaços de
silenciamento tanto ao representarem idealizações
inatingíveis quanto ao representarem estereótipos. Se
a mulher negra é a empregada doméstica que traz o
café, ela não é a cientista que vai salvar o mundo. Se
o amigo gay é aquele que auxilia a vida amorosa dos
protagonistas, ele não é o protagonista da sua própria
história de amor.
Quando escolhemos usar o “padrão” social,
silenciamos tudo que há fora dele e lançamos uma
profecia que se concretiza apenas por existir.
Mostramos o que achamos que há e não vemos o que
há de diferente, silenciamos a possibilidade dessas
existências e seguimos reproduzindo um mesmo
discurso por já termos silenciado outras possibilidades.
Tornamos sinônimos, por exemplo, “princesa” e
“loira”.
Neste momento, podemos pensar sobre como,
pensando no silêncio constitutivo, se mantém as
possibilidades ao não dizer - mas como se aplicar isso
a mídias visuais, por exemplo? Posso escrever um livro
inteiro sem descrever o cabelo de um personagem,
mas na primeira cena já mostrarei como é. Manter as
possibilidades de interpretação se torna um exercício
muito mais complexo e é preciso escolher, afinal, qual
interpretação se manter. Teremos a Hermione loira e
classicamente britânica dos filmes ou a Hermione
negra de Harry Potter e a Criança Amaldiçoada?
A interpretação mais comum daquilo que não
é dito tende a ser o padrão de outras histórias e
ocasiões em que algo é dito — e, portanto, as
interpretações que se alinham ao que é silenciado
nesses discursos usuais geram críticas. Como ocorreu
com Hermione.
Por outro lado, em momentos em que o dito
já silenciou um discurso representativo dominante, não
se está livre das forças hegemônicas que gostariam de
dizer outra coisa. Alguns exemplos seriam as
representações hollywoodianas de personagens
canonicamente asiáticos por atores caucasianos (como
no caso de Ghost in the Shell e O Último Mestre do Ar).
Os personagens Katara e Sokka são ditos como tendo
pele escura na animação original, Avatar, mas são
representados por dois atores de pele extremamente
clara na adaptação live action, O Último Mestre do Ar.
Algo similar ocorre com Katniss Everdeen em Jogos
Vorazes: a jovem de cabelos negros e “pele de oliva”
do livro é representada por Jennifer Lawrence, com
sua pele clara e cabelos castanhos-não-tão-escuros.
Nesse ponto, o que vemos é um silenciamento.
Na conjuntura das grandes telas dos cinemas, é
proibido contar as histórias de pessoas não
caucasianas. O que sempre foi dito sobre heróis e
protagonistas é que eles se encontram dentre aqueles
que são entendidos e se entendem como padrão social,
portanto também sempre foi dito nos silêncios da falta
de representatividade que eles não podem ser negros,
asiáticos, queer… e o silêncio local, a censura, é uma
política e se reforça nas práticas sociais.
E aquilo que pode quebrar o silêncio é
exatamente o dizer. Portanto, quanto mais dizemos que
uma mulher negra pode ser uma heroína, que um
menino asiático pode ser o Avatar, mestre dos quatro
elementos, que uma pessoa homossexual pode ser
protagonista de sua própria história de amor, mais
silenciamos o discurso de que apenas pessoas padrão
são de importância.
Por isso, continuemos a dizer.

¹ Orlandi, Eni Puccinelli. As Formas do Silêncio: nos


movimentos dos sentidos. 6. ed. Campinas: Editora Unicamp,
2010.
² Idem, p. 61.
³ Idem, p. 24.
⁴ Ibidem.
⁵ Ibidem.
O CORPO FALA
CLAUS A. CORBETT

Para dirimir expectativas, já aviso: este texto não é um


guia para leitura de linguagem corporal. Sinto
desapontar, mas não é minha intenção ensinar como
perceber se alguém está mentindo para você ou
respondendo aos seus avanços românticos. Mas o fato
de que essa é uma expectativa válida para um texto
com o título O corpo fala me parece um sinal de que
há, aí, algo de interesse.
Honestamente, tenho um certo pé atrás com
guias e dicas de leitura da linguagem corporal porque,
como toda linguagem, ela é social, viva, mutável,
subjetiva... e, não sendo nosso meio oficial de
comunicação, não sendo uma linguagem que usamos
através de escolhas (semi)conscientes, pode trazer
nesses traços de subjetividade sentidos outros que não
sejam compartilhados por quem nos interpreta, por
quem interpreta nossos textos corporais.
“Textos corporais”? Mesmo entendendo a
possibilidade de textos multimeios, das imagens e falas
e sons outros como textos, pode parecer um pouco de
exagero afirmar que o corpo também produz textos,
mas não é. O corpo fala, é órgão de linguagem e,
portanto, cria textos. Existem diversas formas de se
definir o que é um texto, porém gostaria de acalmar
os corações dos descrentes trazendo uma compreensão
da área de linguística textual, que “trata o texto como
um ato de comunicação unificado num complexo
universo de ações humanas”.¹
E de que atos de comunicação nossos corpos
são capazes? De cabeça, já posso falar de linguagens
de sinais, mas isso é apenas um exemplo. Podemos
falar de gestos e sinais de mão. São comuns,
corriqueiros, constantes e cheios de sentido. Em alguns
casos, mais universais e, em outros, mais regionais —
é só pensar em como um ‘ok’ de um estadunidense
pode ser algo completamente diferente para um
brasileiro. Podemos falar de expressões faciais, muitas
vezes tão involuntárias. Podemos falar de postura
corporal. De tatuagens, adereços e outras modificações.
Podemos falar de tantos outros sentidos que o visual
que temos e o que escolhemos para nós mesmos
transmitem à primeira vista.
O corpo significa. Como órgão de linguagem,
fala e também interpreta significados. Se encolher
quando levamos uma bronca é não só uma reação do
corpo ao interpretar a possibilidade de agressão, mas
é também uma forma do corpo comunicar que
entendeu a mensagem. Um arrepio pode trazer
diversos significados e ser a forma do corpo
interpretar diversos inputs sensoriais ligados a um
contexto e, de certa forma, de informar à mente de
sua interpretação desses estímulos.
O corpo fala. Socialmente, psicologicamente,
fisiologicamente. Fala com os outros e fala com nós
mesmos.
Pode parecer uma ideia sem pé nem cabeça,
mas gostaria de sugerir que há, sim, uma relação
textual entre nós e nossos corpos. O interpretamos
com base em pequenos textos, pequenos atos de
comunicação. Diversas imagens, se preferir — imagens
visuais, auditivas, táteis… Montamos a partir disso o
que é chamado de nossa imagem corporal, a
interpretação mental que temos de nossos corpos.² Não
quero meter os pés pelas mãos, mas sugiro aqui que
podemos entendê-la como um ato de interpretação
desses diversos textos corporais e sociais.
A imagem corporal é dinâmica e influenciada
por diversos outros atos de comunicação, como o
movimento,³ por exemplo, que também é um momento
em que novas informações são passadas por nosso
corpo - mais um pequeno ato de comunicação. O corpo
fala pelos cotovelos. Está sempre nos informando de
questões fisiológicas, posturais, alimentares. Esses
textos são somados a uma coletânea de informações
que temos sobre quem somos nesse mundo físico
através de nosso corpo físico.
Se somam também a eles expectativas externas
que aceitamos como nossas e que se formam através
de diversos atos de comunicação unificados. Todas as
informações que nosso convívio social traz, todo filme,
outdoor, comentário de terceiros são contextos que
usamos em nossa interpretação; se os olhos veem, o
coração sente.

“A Imagem Corporal é influenciada pelo


meio social, de forma que o olhar do
outro e a cultura em que o sujeito se
insere influenciam na formação de sua
identidade corporal”.⁴

Ou seja, os atos de comunicação social são


usados em nossa interpretação do texto que nos é
apresentado por nosso corpo, criando sentidos,
ressignificando, reinterpretando quem somos a todo
momento. E, afinal, quem somos então? Somos uma
sucessão de atos de comunicação em um universo
complexo de interações e negociações de sentidos.
Fazemos interpretações desses textos, leituras em
relação a outras leituras que já fizemos do mundo e
dos outros. Nos interpretamos de uma forma e somos
interpretados por outros de formas que podem ser
similares ou drasticamente diferentes.
Somos, enfim, todos os textos que criamos
reunidos em uma coletânea aberta à interpretação.
¹ Koch, Ingedore Grunfeld Villaça. O texto e a construção dos
sentidos. São Paulo: Contexto, 2002. p. 27.
² Schilder, Paul. A Imagem do Corpo: as energias construtivas
da psique. São Paulo: Martins Fontes, 1994.
³ Idem.
⁴ Corbett, Claus Augustus; Campaña, Angela Nogueira Neves
Betanho; Tavares, Maria da Consolação Gomes Cunha
Fernandes. Atividade física, gênero e imagem corporal.
Salusvita, v. 33, n. 3, p. 307-20, 2013.
APENAS UM GIBI?
MARIANA LIO

Desenhos são uma forma de texto. E o texto, uma


forma de desenho. As letras são imagens e podem

representar diferentes sentimentos ou até reforçar


alguma mensagem dependendo de como são

escritas. Ao mesmo tempo, a gramática presente dentro


de um texto pode ser transferida para uma imagem e
tanto um sujeito quanto um predicado e um objeto
direto podem ser desenhados e ocupar a mesma
posição dentro de uma narrativa imagética. Os
desenhos precisam ser escolhidos com cuidado e
devem estar bem organizados na página a ponto de o
leitor entender quem fez a ação, quem recebeu e o
que aconteceu.
Quando levanto a bola dessas narrativas,
gostaria de chamar atenção para uma forma de texto
que não é tão analisada nem dentro dos estudos
literários (como uma prosa ou uma poesia são) e nem
do cinema, mas que é, no final das contas, uma mistura
de texto e filme: as histórias em quadrinhos. Elas
possuem uma organização interna complexa e
carregam características tanto de um texto escrito
quanto de um filme ou uma ilustração. Claro, todos
contam histórias, mas existe muito mais coisa dentro
dos gibis que compramos numa banquinha de jornal.
Em Desvendando Quadrinhos, Scott McCloud,
quadrinista e teórico de quadrinhos mais conhecido
pela sua sequência de livros sobre o tema,
Desvendando Quadrinhos (1993) e Reinventando
Quadrinhos (2000), aponta o que chamou de “5
escolhas”, que é um levantamento básico tanto da
estrutura quanto do que será desenhado e do que será
escrito dentro de uma história em quadrinhos: o
momento, o enquadramento, as imagens, as palavras e
o fluxo.
Cada ponto precisa ser previamente pensado
pelo desenhista e pelo roteirista das HQs, pois permite
a leitura, determina o ritmo da narrativa, o sentimento
do leitor e o nível de envolvimento na história e no
cenário. Eles também guiam o olho do leitor para os
lugares certos, seja no sentido de leitura ou não. Por
que nós lemos as imagens das HQs em sequência e
não a página toda de uma vez como uma ilustração?
Aqui está uma pequena narrativa que criei em
que podemos analisar cada escolha:
Uma pequena narrativa sobre um cachorro
encrencado (ou não).
A primeira escolha de McCloud que vou
comentar é o momento. Se pensarmos nos frames de
um filme, por exemplo, um mesmo movimento tem
vários quadros seguidos. Para uma HQ, nós precisamos
escolher o frame que melhor representa a ação como
um todo, sem precisar de muitos quadros para dizer
que o cachorro está jantando:

No quadro 4, percebemos o que está


acontecendo e temos a vista total da situação. Por
conta disso, seu tamanho e unidade são necessários: o
olhar do leitor demora no desenho enquanto ele, assim
como o cachorro principal, absorve a informação.
Quando nós retiramos algum quadro dessa seleção
final, a história muda, fica sem sentido ou perde o
ritmo de leitura desejado. O ritmo de leitura deve
seguir a narrativa e demorar o necessário.
Esse ritmo varia conforme a mensagem que se
quer passar. Para uma sensação mais contemplativa,
por exemplo, ao invés dos personagens, eu poderia ter
desenhado quadros apenas com a ambientação e
mostrar os talheres, a toalha da mesa, o quadro da
família na parede... cada um em um quadrinho
diferente.
Essas “cenas” vão formar a narrativa e, com
os momentos certos selecionados, a segunda escolha
que precisamos fazer é a do enquadramento. Já
conhecemos essa do cinema e temos noção de como o
posicionamento da câmera influencia a visão geral da
situação. Aqui, os primeiros quadrinhos nos colocam
em uma posição superior ao cachorro inicial e isso
gera um sentimento de inferioridade dele. Já quando
passamos para a primeira pessoa (quadro 4), a posição
de inferioridade passa a ser a nossa visão e os
cachorros em volta se caracterizam como ameaçadores
e no domínio da situação.
De acordo com McCLoud, nós estaríamos
mostrando para o leitor qual é a posição dele dentro
da história. Se está só observando:

Se ele está jantando:


Ou se ele é a janta:

E os últimos quadros foram retratados com a


primeira pessoa, a “câmera subjetiva” do cinema.
Existem diversos recursos de enquadramento e
posicionamento de objetos dentro do quadrinho para
que eles fiquem mais pesados e maiores, mais fluidos,
mais detalhados (close-ups), etc. Basta testar as opções
e analisá-las em cada contexto.
A nossa terceira escolha está totalmente
relacionada ao enquadramento. A escolha da imagem.
O enquadramento não é nada se não houver o que
enquadrar. E a mensagem não será passada
corretamente se os elementos da imagem não forem
bem pensados. Tudo na imagem deve significar algo.
Existe o princípio de economia dentro da literatura, de
expor apenas o necessário, e nos quadrinhos é a
mesma coisa. O que está na imagem deve estar lá
cumprindo uma função, seja de explicar o personagem,
mostrar o temperamento da família, contar algum
detalhe da narrativa… enfim, deve ter um porquê.
Agora, além dos desenhos, parte dos
acontecimentos só é totalmente compreendida por
conta das palavras, dos balões de fala. Essas precisam
ser bem mais enxutas que as imagens, pois não
estamos trabalhando com um texto em prosa, mas com
a mistura de imagens e texto.
As palavras podem estar na fonte normal
dentro dos balões de fala ou desenhadas como o “sua”
usado para enquadrar o quadro 4. Um bom lembrete
que McCLoud nos faz é de deixar tudo o que for
traduzível em imagens como imagens. E esse
“traduzível” deve levar em conta não só a mensagem,
mas até o tamanho da HQ, as limitações de espaço da
página e do quadrinho.
Por último, a escolha que nos falta pensar é o
fluxo. Mas você deve ter notado que nós estamos
falando de ritmo de narrativa e condução do olho do
leitor desde os primeiros parágrafos. O fluxo
basicamente é a união de todas as escolhas anteriores
e pode ser comparado à cadência e à fluidez de uma
leitura de prosa. Ele determina o tamanho dos
quadrinhos, o cenário por trás da ação, a posição dos
personagens e a direção para onde a ação parte, tudo
para preservar a naturalidade da leitura das imagens.
Mudanças repentinas nos enquadramentos, por
exemplo, podem atrapalhar a leitura. A localização dos
personagens dentro do quadrinho e a direção do seu
movimento servem como dicas invisíveis para nossos
olhos. O cachorro do quadro 2 está virado de frente
para o próximo quadrinho. A cabeça do lobo no quadro
3 também, já que está virada para a próxima “linha”
de leitura, ou seja, o “s” de “sua” no quadro 4.
A partir dessas cinco escolhas de McCLoud, nós
podemos enxergar que não, um gibi não é uma série
de desenhos aleatórios sequenciados, mas que dentro
de uma página existem linhas guias invisíveis, palavras
essenciais que complementam imagens, imagens que
caracterizam e detalham a história, enquadramentos
que nos colocam - ou não - dentro da narrativa e
frames exatos que sintetizam todo um movimento.
As HQs são um storyboard enxuto? Ou um texto
com o benefício da caracterização por imagens?
Teorias do cinema e da literatura se adequam a essa
arte e talvez seja por isso que a arte sequencial é um
lugar separado, que possui os benefícios do uso do
texto escrito, da interpretação e imaginação do leitor,
ao mesmo tempo que tem o poder de caracterizar
visualmente personagens e mundos, proporcionar
sentimentos desencadeados por enquadramentos
diferentes e trazer o leitor para dentro da narrativa
(enquadramento da “câmera subjetiva”).
Com o levantamento de toda essa estrutura, já
dá para ter uma ideia de quanto se pode enxergar em
uma história em quadrinhos e o quanto nossa leitura
perde ao apenas subestimá-las. Uma história em
quadrinhos nunca será apenas um gibi, mas uma
mistura complexa de escrita e imagens, ordenadas
numa narrativa meticulosamente construída.
ENTRE UMA E MIL PALAVRAS
PAULA CRUCIOL
CLAUS A. CORBETT

Sem palavras, não há textos escritos. Palavras são


elementos essenciais que constituem a literatura, e por
mais que as ideias por trás das palavras tenham
importância inestimável, sem um meio para transportá-
las elas não iriam para o papel. Isso parece óbvio, no
entanto é fácil relegar esse fator a uma posição inferior
na escala de preocupações de escritores. Tendemos a
nos preocupar com a mensagem que o texto vai passar,
o sentimento que ele vai despertar, a originalidade das
ideias e deixamos a preocupação com as palavras para
emergir nos momentos em que precisamos de um
sinônimo para substituir aquele termo que já apareceu
demais ou daquela que tem significado específico e se
encaixaria bem no parágrafo.
Apesar de não haver textos escritos sem
palavras, é fácil esquecê-las quando pensamos no todo
da obra. Alguns gêneros, como a poesia, encontram
maior facilidade na escolha e combinação de termos,
pois nela a importância de cada fator é mais fácil de
ser notada. No entanto, em gêneros de prosa, como
narrativas e ensaios, a ideia geral sempre parece
superior às suas partes constituintes. No entanto, são
as palavras as responsáveis por nos tirar do mundo
real e nos fazer mergulhar na literatura e é por meio
de suas combinações, ritmos e significados que
atribuímos valor aos textos.
Para que essa transcendência ao mundo
ficcional aconteça, contudo, é necessário que o texto
não somente esteja bem escrito, mas que as situações
nele presentes estejam descritas de maneira
interessante. Escrever muitas vezes é sinônimo de
descrever; usar palavras para explicar a posição de
objetos em um ambiente, suas cores e texturas, as
lembranças que eles evocam, assim como para ilustrar
diálogos entre personagens, suas emoções e reações,
da mesma forma que seus atos, ideais e características.
Mas dificilmente um texto sobrevive só de descrições,
especialmente porque elas tendem a ser vistas como
as partes mais desinteressantes das obras.
Isso se dá porque frequentemente descrições
são concebidas como uma espécie de dicionário do
mundo real, onde cada coisa tem a própria lista
objetiva e sem graça de características que não vão
muito além da aparência. A desvalorização das
descrições também é consequência de uma das dicas
mais famosas dadas aos escritores: show, don’t tell, ou
seja, não diga, mostre, que incentiva escritores a
colocar mais ações no texto, deixando-o mais dinâmico
e intrigante. Entretanto, dificilmente um texto
sobrevive só de ações, assim como não sobrevive só
de descrições. É essencial que haja um equilíbrio, mas,
acima de tudo, um entendimento do próprio texto.
O autor Frank Baker, por exemplo, em seu livro
Os pássaros faz várias descrições de elementos do
cotidiano, coisas que geralmente não nos daríamos o
trabalho de descrever, pois são comuns a todos os
leitores, como ônibus, telefones, prédios; no entanto,
Baker as descreve como se o leitor não as conhecesse
e o faz de maneira que esses elementos tão ordinários
pareçam estranhos, de outra realidade. Isso é possível
porque o personagem-narrador conta a história a
partir de suas lembranças para sua filha, que vive num
mundo já muito diferente do dele. A filha, então, não
conheceu o que para nós seriam elementos banais do
dia a dia. Nesse trecho, por exemplo, o autor descreve
escadas rolantes e cabines telefônicas:

Havia escadas controladas


mecanicamente que conduziam os
passageiros ao seu trem sem que eles
tivessem que exercitar os músculos das
pernas; e fileiras de cabines telefônicas
conde um homem poderia falar com
seus amigos a quilômetros de distância.
Recordo-me dessas cabines pequenas e
fechadas com uma abominação
peculiar. Muitas vezes me vi confinado
dentro delas, passando mal com o calor
e o cheiro rançoso de suor e fumaça
de cigarro deixado pelo ocupante
anterior. Sim, são muito vívidas em
minha mente, aquelas pequenas
cabines com seus tubos pretos
falantes.¹

O que é interessante observar na descrição


feita por Baker é que ela não nos dá somente a
dimensão do objeto descrito como também do contexto
e da cultura na qual ele está inserido. Assim, as
escadas rolantes não são apenas estruturas mecânicas
como também um comentário a uma espécie de
sedentarismo ou preguiça dos passageiros na época do
narrador-personagem, que não gastavam energia para
se mover. Os telefones e suas cabines também dão
ideias da mudança que ocorreu no universo ficcional.
Não parece mais haver telefones, “tubos pretos
falantes”, no momento da narração e as cabines
parecem especialmente estranhas.
Em outro momento, Baker aproveita a
descrição de propagandas para dar um panorama das
mudanças na sociedade. Aqui, o que chama atenção é
a maneira como a descrição foi feita, nos levando a
enxergar algo familiar por outra perspectiva, como se
o autor nos abrisse os olhos e dissesse “veja como
isso é estranho; você não presta atenção e ignora
porque está acostumado, mas veja como isso é
estranho”:

Uma propaganda era um elogio irreal


e com frequência altamente artístico —
com palavras ou fotografias — de
vários produtos de consumo cujos
fabricantes desejavam vender ao
público. Os artigos eram enunciados
com tanta perspicácia que geralmente
as pessoas eram induzidas a comprar
coisas de que não necessitavam de
verdade.²

Aproveitando a atenção do leitor, que até o


momento não recebeu nenhuma informação nova ou
se surpreendeu com a descrição, Baker insere uma
crítica sutil, ainda em meio à descrição, de modo que
uma fagulha se acende em nossas mentes e de repente
ganhamos um novo olhar, um novo entendimento do
que antes parecia carregar significado já esgotado:

Nada escapava à propaganda — não,


estou enganado. Dois artigos de
interesse universal, armamentos e
contraceptivos, nunca, até onde me
lembro, receberam anúncios de
propaganda.

Assim, um livro muito descritivo, ao ter suas


descrições feitas de maneira original e criativa, ganha
novas camadas, nuances e profundidades.
Por outro lado, a descrição excessiva traz
outros significados e reações. É o caso no clássico O
Senhor dos Anéis, especialmente no segundo volume,
As Duas Torres. A descrição dos alimentos que Sam e
Frodo consomem e da paisagem por onde passam
ocupam grande parte da obra e podem, em partes, se
tornar cansativas, repetitivas. A ação dessa parte da
história também é mais lenta e menos dramática, por
exemplo, do que durante a fuga e perseguição que leva
os hobbits do condado até Valfenda, ou durante as
batalhas ou a viagem cheia de acontecimentos da
Sociedade do Anel enquanto estão todos juntos. Não
só há menos coisas acontecendo, como as descrições
parecem se tornar mais detalhadas. Se assemelham a
pintar um quadro em grande detalhe, mas com pouco
movimento.
As descrições, por esse lado, são como
pinceladas no texto: quanto mais você faz, mais
detalhes terá o resultado final, mas mais tempo levará
para concluí-lo e mais informações estará transmitindo
e quanto menos você faz, mais foco dá às informações
principais, mas menos aspectos orbitam o centro da
pintura e mais rápido será para construir sua obra.
Descrições tendem a ser a parte mais parada
do texto, mas apenas quando não há propósito nas
descrições além de ambientação. O que aconteceria
com o seu texto se algumas descrições fossem
omitidas? Ou se cada personagem descrevesse algum
objeto de uma forma diferente, mostrando pontos de
vista e esforços interpretativos diferentes? Ou ainda se
a descrição fosse usada como um fator enfático e não
um simples descrever? Fazer perguntas a si mesmo e
às palavras escritas pode ser uma estratégia
interessante para abordar essa parte da obra de forma
original e envolvente. Descrições podem ser feitas em
poucas ou muitas palavras, em mais ou menos
situações, mas dificilmente elas escaparão da narrativa,
então por que não fazê-las brilhar um pouco? Por que
não se dedicar um pouco mais a elas?

¹ Baker, Frank. Os pássaros. Tradução Bruno Dorigatti. Rio de


Janeiro: Darkside Books, 2016. p. 53.
² Idem, p. 61
LITERALMENTE LITERÁRIO
PAULA CRUCIOL

Ok, isto não é uma novidade: poesia e prosa são


diferentes, mas você sabe por quê?
Poderíamos começar essa conversa dizendo
que a diferença mais marcante entre prosa e poesia é
a forma: prosa tende a ser constituída de parágrafos
de tamanhos variados enquanto a poesia tende a ser
constituída de versos um embaixo do outro agrupados
em estrofes. Além disso, a prosa geralmente não segue
muitos padrões, de maneira que as categorias e
gêneros desse formato dificilmente levam esses
aspectos em consideração, enquanto a poesia, por
outro lado, é mais familiarizada com regras de
composição ditando números de versos, estrofes e até
mesmo sílabas.
Mas sabemos que essas características são
muito superficiais para definir os dois tipos de texto,
considerando que alguns gêneros em prosa ditam
regras específicas de composição e a poesia não
precisa ser escrita em versos. Isso é visível, por
exemplo, nas extensões específicas e estruturas
determinadas de certas categorias da prosa, como
minicontos, novelas, peças teatrais e cartas, nas
imagens compostas pela poesia visual e na
reformulação do entendimento de verso na poesia
concreta, que dispõe as palavras sem necessariamente
considerar as linhas como referência.
O fato é que não há como definir características
gerais da prosa ou da poesia, pois há inúmeras
maneiras de lidar com uma e com a outra e as
“regras” nem sempre se aplicarão a todas as
composições. Contudo, não há como igualar as duas
formas: prosa é prosa e poesia é poesia e ainda que
não possamos identificar exatamente o essencial de
uma ou outra, podemos afirmar que são diferentes.
O que aconteceria, no entanto, se o que separa
a poesia da prosa fosse também o que elas têm em
comum?
No mundo das produções artísticas, todos os
textos literários possuem literariedade, por vezes
também chamada de poética, que é um conjunto de
características, como estilo, linguagem, estratégias de
composição, que permitem a classificação dos textos
como literários. Se essa definição pareceu um looping,
você está entendendo: literariedade e poética são as
características que determinam um texto literário, um
texto literário é definido por sua literariedade e
poética. Esses aspectos existem e, no entanto, não são
facilmente identificáveis e não se manifestam da
mesma maneira em todos os textos, o que nos leva à
mesma pergunta: o que é literariedade? O que é
poética?
Para Jean-Luc Nancy, filósofo francês, é o
acesso ao sentido. Chamando o aspecto literário de
poesia, no seu texto Fazer, a poesia, o autor diz
“poesia é fazer tudo falar — e, em troca, depor
todo o falar nas coisas”,¹ acrescentando que

...poesia é, por essência, mais e outra


coisa que a própria poesia. Ou ainda: a
própria poesia pode muito bem ser
encontrada ali onde sequer há poesia.²

Fazer tudo falar seria a própria capacidade de


encontrar poesia fora do texto literário, de encontrar
aquilo que nos fazer divagar, viajar para fora da
realidade, de sentir no corpo os efeitos das palavras
no papel — ou na tela — enquanto o depor do falar
nas coisas seria a nossa própria atitude contemplativa,
silenciosa, quando todo o barulho está em nossas
mentes ou até mesmo quando não há barulho nenhum
e até isso ganha significado.
Isso tudo para dizer que a determinação do
aspecto literário é praticamente indeterminável,
intrinsecamente paradoxal: da mesma maneira que se
pode afirmar sua existência, é impossível determinar
seus limites. A literariedade está e não está no texto,
ela fala e silencia, está nos versos e está fora deles,
sem que seja possível tocá-la, mas sempre conseguindo
senti-la.
Ora, isso é inegável: a presença de sentimento
nas produções artísticas certamente é um fator que as
caracteriza como tal. Mas onde exatamente está o
sentimento? Em que momento o escritor o descreve e
em que momento o leitor o percebe?
Como dito anteriormente, Jean-Luc Nancy,
tecendo antíteses e divagando sobre a produção e a
leitura de textos literários, conclui que é no acesso ao
sentido que se identifica a literariedade de uma obra.
Esse acesso é o processo de entendimento pelo qual
passamos para construir significado e, para o filósofo,
esse movimento é o que confirma a literariedade. A
leitura nunca é simples, só ler e entender, ela exige
um esforço do leitor, um trabalho similar ao de quem
escreve, uma busca pelo que há atrás das palavras ou
entre as linhas, e é esse esforço, esse acesso, que
diferencia textos comuns de textos poéticos, de textos
literários. “O acesso é difícil”, diz Nancy, “não é uma
qualidade acidental, o que quer dizer que a
dificuldade faz o acesso”.³ Dessa forma, quanto mais
difícil, mais presente está a literariedade.
Assim, a literatura está muito mais no fazer do
que no feito, e aí o título do texto do filósofo: Fazer,
a poesia. O fazer do texto literário é o próprio aspecto
literário. O acesso ao sentido durante a produção do
texto e durante sua leitura varia a cada consulta à
obra, muda com o tempo, é flexível, indeterminável,
novo e único a cada vez, jamais se repetindo, porque
o aspecto literário “não tem exatamente um sentido,
mas, antes, o sentido do acesso a um sentido cada
vez ausente e adiado”, ou seja, “um sentido sempre
por fazer”; ⁴ não é um elemento no texto, mas uma
ação sobre o texto.
É porque achamos novos significados para as
palavras a cada leitura que o texto é literário. Por mais
que o significado se mantenha conosco depois de
fechar o livro ou abandonar a tela e por mais que
tenhamos em mente onde chegamos com nossas
interpretações, é somente no limite entre o vazio e o
entendimento que se faz a poética. A primeira vez em
que o texto se constrói em nossas mentes, e como
essa construção se dá de maneira diferente a cada
nova tentativa é a própria poética, é o que caracteriza
a literatura.
E assim voltamos ao início: o que diferencia
poesia de prosa? E a resposta seria esta: o aspecto
literário e, dessa forma, o acesso ao sentido. A
interpretação. A construção de significado. Esse
processo, esse movimento, que faz palavras tão
estáticas ganharem tanto dinamismo, tanta agitação.
A leitura de poesia difere da leitura de prosa
não somente pela estrutura distinta de um e outro,
mas também pela própria maneira que os dois tipos
de texto se configuram. O acesso ao sentido da prosa
se dá por extenso, com as sentenças encadeadas e os
parágrafos em sequência; quanto mais você lê, mais
tem acesso ao sentido do texto e mais desencadeia
sentimentos e conclusões a partir da leitura. Na poesia,
é o contrário: não há extensão, o encadeamento de
ideias não é feito como na prosa, os versos não
precisam se ligar um ao outro e nem as palavras.
O esforço de leitura - quer dizer, as estratégias
de interpretação, de entendimento e, finalmente, de
acesso ao sentido, à mensagem transmitida pelas obras
- em prosa e em poesia é distinto e assim os dois
tipos de texto se separam não necessariamente na
forma ou na quantidade de palavras, mas no ato de
composição e leitura, no fazer de ambas. Poesia e
prosa são diferentes porque as escrevemos diferentes.
Poesia e prosa são diferentes porque as entendemos
diferentes. E poderia ser de outra forma?

¹ Nancy, Jean-Luc. Fazer, a poesia. ALEA: Estudos Neolatinos,


v. 15, n. 2, p. 414-22, 2013. p. 421.
² Idem, p. 413.
³ Idem, p. 417.
⁴ Idem, p. 416.
ESTA É UMA HISTÓRIA EM
QUADRINHOS QUE ILUSTRA O
PROCESSO DE PRODUÇÃO DA REVISTA
ALCATEIA.

OS LOBINHOS PERSONIFICADOS
REPRESENTAM MEMBROS DA EQUIPE
NA ÉPOCA DA PRODUÇÃO DA EDIÇÃO.
VERDE: MARIANA LIO
LARANJA: PAULA CRUCIOL
AMARELO: JULIA HELENA DE
OLIVEIRA
VERMELHO: CLAUS A. CORBETT

EM SUA PRIMEIRA PUBLICAÇÃO, OS


QUADRINHOS SE ESPALHAVAM POR
ENTRE OS ARTIGOS, MAS ESTA
EDIÇÃO OS REORGANIZOU PARA
FACILITAR A LEITURA.
ORIGINAIS

SOBRE MEIOS, REGISTROS E FORMAS DO TEXTO


EXPRESSAR
GIULIA HASHIMOTO
ESTUDANTE DE LETRAS, POETA, CRONISTA, QUADRINISTA E
RETRATISTA.

O QUADRINHO EXPRESSAR É SOBRE TER DIFERENTE


FORMAS DE SE EXPRESSAR, EXPLORAR AS POSSIBILIDADES
DE CADA UMA DELAS E O MEDO QUE FREQUENTEMENTE
OCORRE DE SE DEDICAR A MAIS DE UMA, MAS NÃO SER
REALMENTE BOM EM NENHUMA. O EFEITO GLITCH E A
SOBREPOSIÇÃO, APESAR DE DIFICULTAREM UM POUCO A
LEITURA, DIALOGAM COM ESSA DIFICULDADE DE ACHAR A
MELHOR FORMA DE EXPRESSAR O QUE SE DESEJA, QUE É
TAMBÉM UMA LEITURA DIFÍCIL.
MULHER DE PALAVRAS
GIULIA HASHIMOTO
ESTUDANTE DE LETRAS, POETA, CRONISTA, QUADRINISTA E
RETRATISTA.

MULHER DE PALAVRAS É SOBRE O ESPAÇO QUE A POESIA


OCUPA NA VIDA E IDENTIDADE DO POETA. TAL QUAL AS
PALAVRAS MARCAM A PELE DO ESCRITOR, O FUNDO DA
IMAGEM É MANCHADO. A COR ROXO FOI ESCOLHIDA PARA
REPRESENTAR UMA CERTA INTROVERSÃO, QUE
REPRESENTOU A REALIZAÇÃO DO DESENHO.
TINA ZANI
ARTISTA.

MEU TRABALHO VISUAL É COM O DESENHO-POESIA. NÃO


SE TRATA DE UMA ILUSTRAÇÃO, MAS DE UM CONVITE AO
TRAÇO PARA QUE EXALE NA IMAGEM O HÁLITO POÉTICO
QUE DISPENSA A PALAVRA E FAZ DO DESENHO O PRÓPRIO
POEMA. O DESENHO-POESIA É DESAMARRADO E SE
EXPERIENCIA NO CORPO, NOS LÍQUIDOS DO CORPO, NO
CALOR QUE CORRE DENTRO DAS VEIAS. NÃO ESTÁ
COMPROMETIDO COM A DESCRIÇÃO, NÃO SE DISPÕE A SER
LEGENDADO OU NOMEADO - PRECISA DO VAZIO CHEIO DE
AR PARA SE REALIZAR. É ESSE SILÊNCIO PREENCHIDO DE
TINTA QUE ME ABANDONA, QUE É LIBERTO. NÃO PODE
VOAR SE ESTIVER PESADO E IMPREGNADO COM PALAVRAS.
ALGUNS DELES TÊM TÍTULO PORQUE NASCEM ASSIM. NÃO
É O CASO DESTE. ESTE APENAS É. ESTE NÃO LIMITA O
VOO, NÃO SUFOCA A EXPRESSÃO NOS CONTORNOS DE UMA
IDENTIDADE ESTÁTICA.
UM ARTIGO
LÚCIA TERESA DA ROSA
ESCRITORA DE REFLEXÕES FAZENDO EXPERIMENTAÇÕES
LITERÁRIAS.

O.
PAR DE MEIAS
FERNÃO GALVÃO
PARTE DA UNIÃO DA JUVENTUDE COMUNISTA (UJC) E
MOVIMENTO POR UMA UNIVERSIDADE POPULAR (MUP).

Nas margens da tela eu


Pinto um poema ambíguo
No limite entre a representação
E aquilo que realmente é
Paisagem com certo sentido
Embriagada pelo coração
A chave e a cela brigam pela minha fé

Na margem de cá, eu, Deus, com o pincel


— Vulgo pena, ou dedos que digitam —
Do lado de lá, o mero homem vislumbra o céu:
Traços que formam figuras que são
Voluptuosamente preenchidas com cor
(Também chamados de letras em pixels)
Homem e Deus brigam como for
Confundem os meus e os seus
Numa eterna busca por identidade

E nesse eterno pintar e compor


Nessa escrita interminável de um tricô
Faz-se um par de meias
Sem que se saiba pra quem
Mas que seja pra aquecer o sangue nas veias
De quem chora e chora aquém.
ÁGUAS-PALAVRAS
TINA ZANI
ARTISTA.

submersa ouço o som


do silêncio sou
o som o eco surdo e
grave
o pulso
o peito

seus textos me bebem


vão entrando em meus meios (vou entrando no mar)

o corpo se mistura
ocupa os espaços
do mar penetra os ocos do corpo
água e corpo amalgamados/reunidos/entrelaçados
[seguem]
corpo e mar
seus meios me
bebem como o mar
como quem entra
no mar

água e corpo
poros

sem dissolver
diluo
derreto

águas-palavras penetram
e embebida em cristais de sal
sou mar e estrelas ou uma árvore

sou o meio
substância
corpo-poema
POEMAS PERDIDOS
LÚCIA TERESA DA ROSA
ESCRITORA DE REFLEXÕES FAZENDO EXPERIMENTAÇÕES
LITERÁRIAS.

Meu computador está com defeito


Não salva os arquivos
de texto
Não salva meus pensamentos
as palavras que escrevo
As palavras

Então quando os arquivos


se perdem
e com eles se perdem
as palavras
Todas as palavras
Sinto raiva
mas abro outro
Um novo arquivo
e coloco novas palavras
que tentam resgatar as anteriores

Não são as mesmas palavras


São seus reflexos
no espelho
A mesma coisa
mas não a mesma coisa
meio ao contrário
um espelho perfeito
que reflete mas não reproduz
o que eu queria
uma vez

E o arquivo se perde
Novamente
e com eles novas palavras
Não tão novas
quanto as que escrevo
em um novo documento
tentando lembrar as anteriores
como uma memória
que não é bem o que aconteceu
A mesma coisa
Mas não a mesma coisa
Meio diferente

Mas meu computador está com defeito


E não quer guardar minhas palavras

Quantos poemas já escritos


quantos textos
Reflexos e memórias
de outros textos
Quantos textos escrevi
Quantas foram as minhas palavras

Meu computador está com defeito


Mas eu continuo escrevendo
tentando agarrar meus textos
Sempre os mesmos
mas não são os mesmos textos
e eu continuo escrevendo
como uma máquina quebrada
Que repete
os mesmos movimentos
e repete
começa de novo
sem terminar o
TEXTO SÓ SE FAZ DE CORPO E OCASIÃO
GABRIELA ARAÚJO
POETA.

Texto só se faz de corpo e ocasião. Não se desprendem


nunca da caneta as ideias emborcadas sobre a
superfície do mundo
Mas ele, é claro, toma jeitos – escorrido de si, pisa
firme ou cambaleia, forja os sentidos da existência
(dos outros; sua própria; de Deus) ou se embala
nos meneios rabeados e servis de uma dança
incauta. Prova a História
Faisão Filósofo é um árcade esfarrapado num bolso
roto, colorida justaposição de rimas quando se
abre a porta do celeiro; quando se corre a campo
aberto feito as emas que gemem e assustam
Sem pretensão a sonetos, eu chamo: as letras de
matemática quando a secura lufa em meu rosto
e não consigo discorrer, só fazer contas
semióticas burras tentando achar o apótema de
Odradek
E rio-sem-vazante o engasgo das palavras emagrecidas
depois que se precisa – se precisa – escrever;
cabeça d’água ou enchente de caldas: Aulete
A gramática é mandatória (ria-se); da injunção, poderia
eu alguma vez injungir fora da grafia em seus
estágios mais rarefeitos?
O poeta é assaz cínico, cisma na assonância (há mesmo
coisa que dita parece expirada de uma boca de
arame). E assim tudo se constrói nos versos pelo
veio da lascívia fonética
Entretanto conhecemos, com e sem dilemas em
escansão, gente como um homem de palavra: fera
autóctone de suas veredas, faz respirar fundo no
balanço das linhas ao modo de bois conduzidos
Bem. Não se varrem fora-margens de uma página, não
se engolem os haikais amuados com farinha; a
tecitura textual é como o costurar e descosturar
de outro tempo que não é o nosso,
Mas que é múltiplo nas frisas do dito, flácido diante
do óbvio, retesado na nunca totalidade de alguém
que olha para o que leu uma segunda vez – nesta,
sem ler; um bico de quem toma sopa, na garganta
travado o grande imbróglio de tudo.
COMO DIZER?
GABRIEL MARTINS
ESTUDANTE DE LETRAS, ESCRITOR DE CONTOS DE FICÇÃO
EM GERAL COM FOCO EM REPRESENTATIVIDADE LGBTQ+.

Não sei como começar. Não sei como terminar.


Preciso escrever para ele, mas não sei como dizer o
que quero. Não é justo, as palavras sempre foram
minhas aliadas, era só escolher algumas centenas delas,
escrevê-las e tudo o que eu sentia estava lá. Mas, agora
que eu mais preciso delas, decidiram sumir. Nenhuma
palavra parece boa o suficiente para expressar o que
sinto por ele, nenhuma sentença consegue transmitir a
verdade. Eu só queria poder dizer tudo, escrever algo
para concretizar o meu amor por ele. Se as palavras
são o problema, talvez a forma do texto esteja errada.
Se eu conseguisse encontrar a forma certa de escrever
para ele, talvez ficasse mais fácil. Talvez.
E se eu mandasse um recado? Que explicasse
tudo o que senti nas últimas semanas para que ele
possa entender que não o vejo apenas como um amigo.
Terminaria simplesmente escrevendo: “Estou
apaixonado por você.” Porém essa forma é muito
direta, e o que eu sinto não é algo que possa ser
descrito dessa maneira. Não queria parecer não
sentimental, pois não sou assim, minha alma está cheia
de floreios e elucubrações sobre ele; queria transmitir
isso também. Queria ser verdadeiro.
E se eu escrevesse um poema? Poderia encher
de metáforas e divagações, ir além de dizer o que eu
sinto, mas como eu sinto. Cada detalhe que eu
conseguisse lembrar, um sorriso discreto, um aperto
de mãos, uma conversa boba, uma piada suja, um
elogio sincero. Terminaria escrevendo: “Me importo
demais para nunca, jamais, deixar de querer a sua
companhia.” Porém, um poema pode ser muito aberto
a interpretações, e se ele não entender? Ou se tiver
uma conclusão diferente da qual eu quero que ele
tenha? Queria transmitir apenas uma verdade. Queria
ser claro.
E se eu mandasse um tweet? É uma mídia
rápida, acabaria de vez com a minha angústia. Ao
começar a escrever, já estaria terminando de escrever,
mencionaria o “@” dele e daí o que viria depois? E
este seria o porém de agora, como escrever tudo em
280 caracteres? Voltaria ao meu problema inicial, da
escolha de palavras, e teria um número ainda mais
limitado delas para transmitir a minha mensagem.
Queria não ser indeciso.
E se eu escrevesse um conto? Relembrando
tudo o que passamos, o primeiro dia de aula, o
primeiro trabalho em dupla, a primeira visita dele na
minha casa, a primeira maratona de filmes que
fizemos, a primeira pizza que rachamos, a primeira
noite em claro que passei pensando nele, a primeira
vez que percebi ficar nervoso na presença dele.
Terminaria escrevendo: “E, por último, passei dias
procurando a forma certa de escrever isso para que
você entendesse tudo e finalmente respondesse se o
que eu sinto por você é recíproco.” Porém, é muita
coisa para contar, e se ele ficar entediado na metade
e nunca ler o último parágrafo? E nunca descobrir
minhas intenções? Queria transmitir a quantidade certa
de informações. Queria ser sucinto sem ser simplista.
E se eu mandasse um e-mail? Permitiria um
tamanho razoável de texto, e essa mídia tem todo um
ar mais sério. Quem hoje em dia para escrever um e-
mail? Requer uma dedicação, mostra um compromisso.
Terminaria escrevendo: “Com todo respeito, assinado:
seu colega de classe da turma de ‘Introdução aos
fundamentos teóricos da Linguística’.” Porém ficaria
muito formal, o formato de texto de um e-mail traz
uma seriedade, mas com um peso formal grande, estou
só me declarando, não pedindo um contrato
matrimonial. Queria transmitir uma seriedade
comedida. Queria mostrar sentimentos equilibrados.
E se eu mandasse uma mensagem de texto?
Mais dinâmica e atual, um meio mais comum de
escrever e, portanto, confortável. Terminaria
escrevendo: “Gosto muito de vc e queria saber se tbm
sente isso por mim.” Porém é ordinário demais, um
tipo de formato corriqueiro, que todos recebem
dezenas de vezes por dia, que chega ser banal. Queria
transmitir uma mensagem especial, algo único, que ele
se lembre e se sinta tocado, pois o que ele me faz
sentir é assim. Queria ser memorável.
E se eu mandasse tudo? Ou ao menos este
resumo de tudo? Se nenhuma forma de texto consegue
me satisfazer, porque não mandar um pouco de várias?
Para poder ser direto e abstrato, sucinto e completo,
formal e banal. Ser algo diferente e, portanto,
inesquecível. Um pouco de tudo talvez seja o suficiente,
talvez assim ele entenda. Talvez.
SOB/SOBRE PERSPECTIVA
UMA PROPOSTA CRIATIVA DE JULIA HELENA
DE OLIVEIRA

A perspectiva é um meio curioso de fazer a arte


rotacionar. As diferentes formas de vermos o mundo,
nossas distintas maneiras de escrever, desenhar e
representar o que desejamos. Um mesmo objeto pode
variar imensamente quando colocado na perspectiva
de dois indivíduos diferentes.
Dois autores veem uma rosa nascendo no
asfalto: um poderá construir uma dramatização em
volta da beleza que nasce na cidade terrível, o outro
pode muito bem dizer “é só uma flor, ué, praguinhas
dessas nascem em todo lugar”.
A perspectiva informa o sentido — e não
apenas para produzir. Duas pessoas observam uma
obra de arte, a primeira tece diversas interpretações
— “Seria isso uma metáfora para a vida?” — a outra
verá apenas borrões. E não é que ela não goste de
arte, ela só gosta de borrões.
Ilusões de ótica são o exemplo mais óbvio de
como cada pessoa percebe o mundo de sua própria
forma. Você vê um corvo, seu amigo vê um gato. Você
vê azul e preto, seu parceiro vê dourado e branco.
A perspectiva informa o sentido. O texto é uma
questão de perspectiva. A arte, aliás, é uma questão
de perspectiva.
O próprio fato de identificar algo como arte
parte de uma perspectiva que leva em conta, sim,
questões teóricas e acadêmicas, mas também (ou,
talvez, principalmente) questões de gosto e estética,
que são apenas discursos pessoais e sociais em sua
expressão máxima.
A perspectiva informa o sentido. Por isso, nossa
proposta de hoje é trazer uma nova perspectiva para
um texto de outra pessoa. Você pode conversar com
um amigo, um conhecido, ou mesmo se juntar ao nosso
Discord (link no ícone lá em cima no site!) para
encontrar alguém para fazer este exercício com você.
Aprecie o texto que lhe for enviado como você
faria normalmente. Tire suas conclusões. Tome suas
decisões. E, a partir disso, crie um novo texto. Pode
ser no mesmo formato ou não, pode ter apenas os
sentidos que você viu no texto ou ser algo que o
complementa, algo novo.
Por fim, converse com a outra pessoa e
explique o que você viu e o que você criou a partir
disso. Observe quanto as perspectivas de vocês
condizem uma com a outra e onde elas divergem.
Vocês podem até mesmo criar algo novo em conjunto,
se quiserem.
Neste exemplo, traremos dois textos: o
primeiro é a provocação e o segundo, a nova
perspectiva.
UM “TEXTE” DE EXEMPLO
POR CLAUS A. CORBETT E MARIANA LIO:

Receita de um autorretrato
(provocação por Claus A. Corbett)

Fascinado por aquele estranho que parecia que


já conhecia há anos, perguntei:
— Afinal de contas, quem é você?
Ele vestiu o chapéu de cozinheiro e me encarou
com seriedade.
– Pega uma lata de leite condensado e bate
com três ovos e um pouco de pimenta. Cozinha em
fogo baixo – mas lembra de aumentar o fogo em
intervalos irregulares – e adiciona aos poucos uma ou
duas ou sete pitadas de açafrão. O importante é deixar
a cor certa: aquele vermelho queimado que vimos
aquele dia, sabe? Não, pera, já saiu diferente…
Tacou a panela na pia sem nem prestar
atenção.
– Ok, vamos tentar de novo. Vamos usar de
base o suco de melancia. Agora adiciona aí um pouco
de rúcula e um pouco de agrião. Orgânicos pra ter
aquela ardência. Farinha pra consistência. Ovo pra dar
liga. Vamos assar numa forma bem legal e... droga, não
ficou igual.
Afetou irritação maior do que sentia e
gesticulou para que eu me livrasse da maçaroca.
– Third time’s a charm. Teremos sorte dessa
vez. Vamos começar com o verde. Vai direto pro
agrião. Isso. Agora... carne moída. De vários cortes. Não
esquece o pimentão. Vermelho, claro. Tomate? Que tal...
beterraba? Scheiße! Deu tudo errado.
Mais uma receita desprezada.
– BISCOITO DE GENGIBRE! Vamos moer, picar,
bater no liquidificador. Agora... um pouco de sorvete
de macadâmia. Leite. E alho-poró. Tem sal do
Himalaia?
Fez aquele silêncio breve e moveu a panela
para o lado. Suspirou.
– Última vez que tento fazer isso. Vamos lá...
Pensa numa pizza de pepperoni. Isso. Vamos tirar um
pouco da massa. Aliás, pega só o recheio. Maravilha.
Direto no liquidificador. Não, nem lava, usa assim
mesmo... Onde tá o cacau?
Saiu para buscar e parou no meio do caminho
com a expressão de quem tinha tido uma ideia
brilhante. Voltou correndo, pegou o caldeirão e jogou
todas as receitas descartadas lá dentro, misturando
sobre o fogo.
– E é tipo isso... só que meio diferente.
Decidi dar minha opinião:
– Eu tenho medo disso.

(continuação do texto anterior)


(nova perspectiva por Mariana Lio)

– Eu tenho medo disso.


– Eu tenho medo disso?
O estranho com aquele bendito chapéu de
cozinheiro parou em frente a panela, pensativo.
– A cor avermelhada até que está legal, mas…
não é igual à daquele dia...
– Nunca iria ficar, trouxa, os tomates estão
mais maduros hoje! Isso não me parece bom… Mas se
bem que aquela rúcula foi uma ideia boa, o apimentado
traz uma graça sensual para essa maçaroca esquisita.
Ele inflou o peito, orgulhoso.
– Eu disse, orgânicos são ótimos.
– Podem ser, mas o sabor não ornou com a
melancia nem com o sorvete de macadâmia. Os sabores
devem seguir uma linha de racioc-
– Nem pense em terminar essa frase!
Ele bateu na mesa com as duas mãos e
impulsionou seu corpo em um giro 360º até próximo
a pia.
– Se estivéssemos buscando sentido - apontou
para a minha cara - eu pediria um delivery!
Respirou fundo como quem busca paciência,
deixou cair os ombros e fez aquela cara de piedade
que me deixa sem jeito.
– Vamos... pelo menos está diferente da última
vez.
– Mas a intenção não era ficar igual?
Simplesmente não me ouviu. Ele se distraiu
com alguma coisa na gaveta de panelas.
– Vamos encontrar um recipiente digno dessa
iguaria.
– Comprei uma tigela de vidro na semana
passada, deve estar no armário de cima.
– Nesse? Ah, você está maluco! Nunca que uma
tigela dessa daria conta! Aqui, vários potes de sorvete.
É isso mesmo!
Ele me deu os potes e uma concha,
gesticulando para que eu os enchesse.
Num pulo, como se tivesse tido outra ideia
brilhante, ele sumiu para a lavanderia.
– Isso!
Escutei ele gritando empolgado seguido de
barulhos de coisas caindo no chão.
– Isso é perfeito!
Ele estava com uma caixa gigante nas mãos,
balançando-a de um lado para o outro em cima da
cabeça.
– Quando você terminar, vamos colocar os
potinhos menores aqui dentro.
– Para quê?! - coloquei a última concha de
massa num pote.
– Para ficar mais organizado. Me ajude com
isso, venha.
– Voilá!
O desconhecido no chapéu de cozinheiro
pareceu satisfeito. Com um sorriso cansado e uma gota
de suor escorrendo da testa, ele olhou para mim e me
agradeceu.
– Não foi do jeito que eu esperava, mas a gente
criou algo único.
É… criamos. Acho que meu medo disso tudo
era por não entender o que estava acontecendo. Ainda
não entendo, mas acho que posso melhorar a receita.
Amanhã pego um pote de sorvete daqui. Talvez se eu
colocar uma colher pequena de essência de baunilha...
COMENTÁRIOS SOBRE EXERCÍCIO:

Claus A. Corbett

A ideia original do texto era ser um


autorretrato pintado com palavras, por isso foi
interessante ver uma continuação feita por outra
pessoa. Em alguns momentos, eu decidia se algo podia
se tornar cânon, como quando via algo que eu mesmo
poderia ter escrito (se eu estivesse buscando sentido,
certamente pediria um delivery, mas ‘eus’ super
achamos que rúcula orgânica combina com sorvete de
macadâmia - ou com um molho à base de macadâmias)
ou em que pontos aquilo divergia do que eu tinha
planejado originalmente (uma interação entre dois de
mim que se entendem além das palavras). A última
fala do texto, essa achei ótima. Realmente, não é mais
o autorretrato que eu esperava, mas criamos juntos
algo único - que eu bem guardaria em potinhos de
vidro com tampa de silicone. Um pequeno post script:
“maçaroca esquisita com uma graça sensual” é um
elogio muito fofo.

Mariana Lio

O exemplo do autorretrato me surpreendeu.


Enquanto lia o exercício, eu pensava em possibilidades
de textos e pontos de vista, mas como no exemplo,
todos os meus planos caíram por terra. Eu tive
necessariamente que me colocar na posição do Claus
e entender o caminho que ele estava tomando alí. Só
assim eu compreenderia o suficiente para ter a minha
própria visão e tentar escrever uma continuação.
O exercício não me colocou só na posição de
criar com e sobre o outro, mas também de tentar
interpretá-lo. O que isso tudo gritou para mim?
Entenda de verdade antes de julgar qualquer coisa.
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equivalentes em qualquer lugar do mundo.
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patrocinado ou endossado pelo, ou tem status
oficial concedido pelo, Licenciante ou terceiros
designados para receber atribuição como previsto
na Cláusula 3(a)(1)(A)(i).
2. Outros direitos.

1. Direitos morais, como o direito à integridade, não


são licenciados por esta Licença Pública, nem o são
os direitos de imagem, privacidade, e/ou outros
direitos de personalidade similares; contudo, na
medida do possível, o Licenciante renuncia e/ou
concorda não exercer quaisquer desses direitos
detidos pelo Licenciante, na medida necessária
para permitir que Você exerça os Direitos
Licenciados, mas não de outra forma.
2. Direitos de patente e marcas não se encontram
licenciados sob esta Licença Pública.
3. Na medida do possível, o Licenciante renuncia a
qualquer direito de cobrar-Lhe royalties pelo
exercício dos Direitos Licenciados, quer
diretamente quer por meio de uma entidade de
gestão coletiva, sob qualquer regime de
licenciamento voluntário ou legal, disponível ou
compulsório. Em todos os outros casos, o
Licenciante reserva expressamente o direito de
arrecadar tais royalties.

Cláusula 3 – Condições da Licença.

O Seu exercício dos Direitos Licenciados fica expressamente sujeito


às condições seguintes.
1. Atribuição.

1. Se Você Compartilhar o Material Licenciado, Você


deve:

1. manter o seguinte, se for fornecido pelo


Licenciante com o Material Licenciado:
1. identificação do(s) criador(es) do
Material Licenciado e quaisquer
outros designados para receber
atribuição, de qualquer forma
razoável solicitada pelo Licenciante
(incluindo por pseudónimo, se
designado);
2. um aviso de direito de autor e
direitos conexos;
3. um aviso que se refere a esta
Licença Pública;
4. um aviso que se refere à exclusão
de garantias;
5. um URI ou um hyperlink para o
Material Licenciado na medida
razoavelmente exequível;
2. indicar se Você modificou o Material
Licenciado e manter uma indicação de
quaisquer modificações prévias; e
3. indicar que o Material Licenciado é
licenciado com esta Licença Pública, e
incluir o texto de, ou o URI ou o hyperlink
para, esta Licença Pública.
2. Para evitar dúvidas, Você não tem permissão sob
esta Licença Pública para Compartilhar Material
Adaptado.
3. Você pode satisfazer as condições da Cláusula
3(a)(1) de qualquer forma razoável, tendo em
conta o suporte, os meios e o contexto no qual
Você Compartilhar o Material Licenciado. Por
exemplo, pode ser razoável satisfazer as condições
por via do fornecimento de um URI ou de um
hyperlink para um recurso que inclui a informação
exigida.
4. Se solicitado pelo Licenciante, Você deve remover
qualquer parte da informação exigida pela Cláusula
3(a)(1)(A) na medida razoavelmente exequível.

Cláusula 4 – Direitos Sui Generis sobre Bases de Dados.

Quando os Direitos Licenciados incluam Direitos Sui Generis sobre


Bases de Dados que se apliquem à Sua utilização do Material
Licenciado:

1. para evitar dúvidas, a Cláusula 2(a)(1) concede-Lhe o


direito de extrair, reutilizar, reproduzir e Compartilhar a
totalidade ou uma parte substancial dos conteúdos da base
de dados, desde que Você não Compartilhe Material
Adaptado;
2. se Você incluir a totalidade ou uma parte substancial dos
conteúdos da base de dados numa base de dados em
relação à qual Você tenha Direitos Sui Generis sobre Bases
de Dados, então a base de dados em relação à qual Você
tenha Direitos Sui Generis sobre Bases de Dados (mas não
os seus conteúdos individuais) é Material Adaptado; e
3. Você deve cumprir com as condições da Cláusula 3(a) se
Você Compartilhar a totalidade ou uma parte substancial
dos conteúdos da base de dados.

Para evitar dúvidas, esta Cláusula 4 suplementa e não substitui


as Suas obrigações sob esta Licença Pública, quando os Direitos
Licenciados incluam outro Direito de Autor e Direitos Similares.

Cláusula 5 – Exclusão de Garantias e Limitação de


Responsabilidade.

1. Salvo se o Licenciante fizer separadamente uma


assunção em sentido contrário, na medida do possível,
o Licenciante disponibiliza o Material Licenciado “no
estado em que se encontra” (“as-is”) e “como
disponível” (“as-available”), e não faz representações
ou presta garantias de qualquer tipo relativamente ao
Material Licenciado, quer sejam expressas, implícitas,
legais ou outras. Isto inclui, mas não se limita a,
garantias quanto à titularidade de direitos, potencial
de comercialização, adequação a um fim específico, não
violação de direitos, ausência de defeitos latentes ou
outros defeitos, exatidão, ou existência ou ausência de
erros, quer sejam ou não conhecidos ou detetáveis.
Quando as exclusões de garantias não sejam
permitidas, na íntegra ou em parte, esta exclusão
poderá não aplicar-se a Você.
2. Na medida do possível, em nenhum caso será o
Licenciante responsável para com Você, com base em
nenhum argumento jurídico (incluindo, mas não se
limitando a, negligência) ou a outro título, por
quaisquer perdas, custos, despesas ou danos, diretos,
especiais, indiretos, incidentais, consequenciais,
punitivos, exemplares ou outros, resultantes desta
Licença Pública ou da utilização do Material
Licenciado, ainda que o Licenciante tenha sido
advertido da possibilidade dessas perdas, custos,
despesas ou danos. Quando a limitação de
responsabilidade não seja permitida, na íntegra ou em
parte, esta limitação poderá não aplicar-se a Você.
3. A exclusão de garantias e a limitação de responsabilidade
acima previstas devem ser interpretadas de uma forma que, na
medida do possível, mais se aproxime de uma absoluta exclusão
de, e renúncia a, toda e qualquer responsabilidade.

Cláusula 6 – Termo e Cessação.

1. Esta Licença Pública aplica-se durante o termo do Direito


de Autor e Direitos Similares aqui licenciados. No entanto,
se Você não cumprir com esta Licença Pública, então os
Seus direitos sob esta Licença Pública cessarão
automaticamente.
2. Quando o Seu direito de utilizar o Material Licenciado
tenha cessado nos termos da Cláusula 6(a), será
restabelecido:

1. automaticamente a partir da data em que a


violação seja sanada, desde que seja sanada dentro
de 30 dias a contar da Sua descoberta da violação;
ou
2. com o expresso restabelecimento pelo Licenciante.
3. Para evitar dúvidas, esta Cláusula 6(b) não afeta qualquer
direito que o Licenciante possa ter de obter reparação e
medidas legais cabíveis pelas Suas violações desta Licença
Pública.
4. Para evitar dúvidas, o Licenciante também poderá
disponibilizar o Material Licenciado sob termos ou
condições separados ou parar a distribuição do Material
Licenciado a qualquer momento; no entanto, tal não
cessará esta Licença Pública.
5. As Cláusulas 1, 5, 6, 7, e 8 continuarão em vigor após a
cessação desta Licença Pública.

Cláusula 7 – Outros Termos e Condições.

1. O Licenciante não estará vinculado a quaisquer termos ou


condições, adicionais ou diferentes, comunicados por Você,
salvo se expressamente acordado.
2. Quaisquer pactos, entendimentos ou acordos relativamente
ao Material Licenciado não indicados aqui são separados e
independentes dos termos e condições desta Licença
Pública.

Cláusula 8 – Interpretação.

1. Para evitar dúvidas, esta Licença Pública não reduz, limita,


restringe ou impõe condições sobre qualquer utilização do
Material Licenciado que possa ser legalmente feita sem a
permissão concedida por esta Licença Pública, e não deve
ser interpretada nesse sentido.
2. Na medida do possível, se alguma disposição desta Licença
Pública for considerada inexequível, será automaticamente
reformada na medida estritamente necessária para que se
torne exequível. Se a disposição não puder ser alterada,
deverá ser removida desta Licença Pública sem afetar a
exequibilidade dos restantes termos e condições.
3. Nenhum termo ou condição desta Licença Pública será
renunciado e nenhuma falha no seu cumprimento
consentida, salvo se tal for expressamente acordado pelo
Licenciante.
4. Nada nesta Licença Pública constitui ou pode ser
interpretado como uma limitação de, ou renúncia a,
quaisquer privilégios e imunidades aplicáveis ao
Licenciante ou a Você, incluindo os resultantes dos
processos legais de qualquer jurisdição ou autoridade.

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