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SÃO PAULO
2020
Theremin como interface na performance audiovisual
Julia Teles Baptista
Parte I
Theremin, história e usos
O Theremin é um instrumento musical que surge em 1920 na Rússia, criado por
Liév Serguêievitch Theremin1, físico e inventor que dá nome ao instrumento. Ele
consiste em um circuito sintetizador eletrônico, que fica dentro de uma estrutura
(geralmente de madeira) e possui duas antenas externas, que permitem o controle de
frequência (pitch) e amplitude (volume) do som via aproximação. Um dos primeiros
instrumentos eletrônicos do mundo, o theremin tem atraído muita curiosidade desde
sua invenção. Provavelmente isso se dá por ele ser o primeiro instrumento musical em
que o contato físico entre performer e instrumento não é necessário: as duas antenas
geram campos eletromagnéticos distintos, com o qual o performer interage, e essa
interação produz o som.
1
Decidi utilizar a grafia do nome de Liév Serguêievitch Theremin (1896-1993), ao invés da versão
transliterada diretamente do russo, "Termién", por ser a grafia que o próprio inventor adotou e ser a
versão mais recorrente nas bibliografias utilizadas. Na maioria dos registros sobre ele, seu nome é
adaptado para Leon Theremin, mas preferi manter seu primeiro nome em russo, Liév. Já o instrumento,
por sua vez, chamou-se termenvox e etherphone antes de ter seu nome estabelecido apenas como
theremin.
2
Representação gráfica do theremin. A área azul representa o campo magnético que modifica a
amplitude, e a área vermelha, o campo magnético que modifica a altura (pitch)
2
É possível assistir alguns vídeos de Liév Theremin executando melodias no instrumento:
https://youtu.be/w5qf9O6c20o (acesso em 01 de agosto de 2020)
3
considerada uma das principais obras do repertório de theremin, apesar de ter sido
escrita originalmente para violoncello. Além disso, Clara escreveu um método de
estudo do theremin, baseado em notação e teoria musical tradicional. A partir da
década de 1950, o principal entusiasta do instrumento foi Robert Moog, que passou a
construir, vender kits de construção de theremin e publicar sobre o assunto. Moog foi
um importante construtor de sintetizadores de diversos tipos, e fundou a Moog Music,
uma das principais empresas desenvolvedoras de instrumentos eletrônicos do mundo.
Até hoje, o theremin mais comum no mercado é um modelo da Moog, denominado
Etherwave.
Algumas obras foram (e ainda são) compostas especificamente para o theremin
no ambiente da música de concerto, como as obras para theremin e orquestra
Symphonic Mystery, de Andrei Pashchenko, composta em 19233, e Remembrance,
de Carolina Eyck (uma das principais thereministas atuais, além de criadora de um
importante método de técnica de theremin), lançada em 2019. Mas foi no cinema que o
theremin encontrou sua maior absorção. Filmes de suspense, ficção científica e terror
passaram a usar seu som para gerar tensões e estranhezas, como por exemplo no
clássico O Dia em Que a Terra Parou (dir. Robert Wise, 1951), que conta com trilha
musical original de Bernard Herrmann. Alguns glissandos no theremin, com vibrato, são
facilmente associados a esses gêneros, e ainda hoje o instrumento é bastante utilizado
para filmes com temática de viagem ao espaço, invasões alienígenas e distopias, entre
outras (um exemplo recente é a trilha musical de Justin Hurwitz para o filme de Damien
Chazelle, O Primeiro Homem, de 2018).
A partir do final dos anos 1960, vemos algumas bandas de rock e grupos de
música pop utilizando o instrumento para fins melódicos e para gerar efeitos sonoros,
como por exemplo Led Zeppelin e Os Mutantes. Jogos de videogame também
exploraram essas sonoridades de efeitos sonoros que podem ser produzidas no
theremin.
A partir de então, seus usos tem sido bem plurais, em diversos contextos
3
Segundo o artigo "Rediscovering Leon Theremin" (1991), de Stephen Montague, essa seria a primeira
obra composta especificamente para o instrumento.
4
audiovisuais e musicais. Porém quase sempre, ainda, o instrumento é associado com a
sonoridade de melodias com vibrato. É um pouco difícil encontrar usos mais
experimentais do instrumento, de seus limiares (o extremo agudo, e o extremo grave,
granular), de suas propriedades microtonais (por permitir um glissando contínuo e ser
possível tocar "entre notas") e de suas possibilidades de ser usado como um sensor,
para disparar outros sistemas.
Em algumas obras da literatura musical, os thereministas (instrumentistas que
tocam o theremin) são criticados por esse uso "tradicional" de um instrumento novo,
que poderia trazer novas possibilidades nesse momento da música do século XX.
Segundo Andrey Smirnov, em Sound in Z, "Leon Theremin iniciou uma nova
tecnologia, não uma nova estética" (pp. 45). Em Silence, John Cage diz que:
"Quando o Theremin criou um instrumento com possibilidades genuinamente
novas, os thereministas fizeram o possível para fazer o instrumento soar como um
instrumento antigo, dando a ele um vibrato doentiamente doce, e tocando com isso,
com dificuldade, obras-primas do passado. Apesar do instrumento ser capaz de
uma grande variedade de qualidade sonoras, obtidas com o giro de um botão, os
thereministas agem como censores, dando ao público os sons que eles acham que
o público vai gostar. Nós estamos protegidos de novas experiências sonoras"
(CAGE, 1961: pp. 4)4.
4
Tradução livre. "When Theremin provided an instrument with genuinely new possibilities, Thereministes
did their utmost to make the instrument sound like some old instrument, giving it a sickeningly sweet
vibrato, and performing upon it, with difficulty, masterpieces from the past. Although the instrument is
capable of a wide variety of sound qualities, obtained by the turning of a dial, Thereministes act as
censors, giving the public those sounds they think the public will like. We are shielded from new sound
experiences."
5
Esse artigo se encontra na coletânea "Música, Doce Música", publicada em 1934.
5
agudos. Podemos supor que essa comparação com instrumentos de corda se dê pela
forma com que o instrumento era e é executado na maioria dos casos, utilizando
vibratos.
Andrade comenta que não acredita que o instrumento substituiria instrumentos
da orquestra no futuro, que seria impossível reproduzir os defeitos6 presentes nos
timbres dos outros instrumentos, como seus chiados, ruídos de dedilhação, percussão,
etc., e que seu valor está em ser um instrumento novo, que eventualmente teria um
repertório próprio, caso seu funcionamento fosse desenvolvido. Com isso, podemos
supor que estava em pauta nas discussões acerca do instrumento, nesse contexto do
surgimento dos primeiros instrumentos eletrônicos, se os mesmos viriam para substituir
os instrumentos acústicos.
É interessante sua reflexão acerca do timbre eletrônico. Ele afirma que "o som,
sendo obtido sem intromissão imediata de matéria nenhuma, é o mais puro possível,
ou duma vez: é inteiramente puro, é o Som"(pp. 74), e que dessa forma, trabalhar com
esse som puro transformaria enormemente o trabalho dos compositores, que teriam
que lidar com essa sonoridade abstrata, desprovido de "matéria executante". Mas ao
mesmo tempo que parece entusiasmado com essa contribuição e possibilidade de
estudo do timbre do "som puro", Andrade afirma que o instrumento "é a idealização da
gemedeira, a sublimização da lamúria, a gigantização do portamento. (...) É um
instrumento sentimental. Não me parece que venha a ter utilização artística valiosa na
fase histórica em que vivemos" (pp. 76). É curioso reparar que o autor localiza seu
comentário na época em que vive, deixando em aberto uma possível mudança de
valoração e de ressignificação dos usos do instrumento em momentos históricos
futuros.
Além desse relato e reflexão de Mário de Andrade, encontramos pouca
bibliografia sobre apresentações posteriores de theremin no Brasil nas décadas
seguintes. Porém é possível observar, nos anos 60 e 70, a banda Mutantes utilizando o
6
Embora use a palavra defeito, compreendo que o autor não tenha colocado a palavra de forma
pejorativa, e sim que esteja valorizando características sonoras dos instrumentos para além das
frequências e amplitudes, como os transientes e ruídos que também são produzidos de forma específica
em cada instrumento musical.
6
instrumento em registros de apresentações ao vivo e gravações, como mencionamos
anteriormente, de forma a criar sonoridades experimentais e efeitos sonoros. Em 1965,
o compositor Jorge Antunes compõe Pequena Peça Aleatória, para theremin, piano e
voz, e em 1995 escreve Mixolydia7, composição para Theremin e eletrônica, composta
para a thereminista Lydia Kavina.
7
Áudio disponível em: https://youtu.be/W2u4767Ertk (acessado em 08 de agosto de 2020).
8
Tradução livre. "Light effects accompanying the melody were achieved by means of light projection on
the performer's body with a colour corresponding to the pitch of the sound and the brightness changing
proportionally to the intensity of the sound. (...) A long-term projection of light dots with variable intensity
and chromaticity combined with musical soundings leads to a quasi-hypnotic influence on some
listeners."
7
Nesse cartaz de uma palestra-concerto, realizada para promover o theremin, o
inventor promete apresentar um concerto que misture música, gesto, cor e cheiro.
Podemos pressupor que já se tratava do illumovox, que havia sido desenvolvido há
cerca de três anos.
9
Tradução de Luis Felipe Labaki.
8
Rússia.
Outros instrumentos desenvolvidos por ele, para além do theremin, são o
terpsitone (instrumento sonoramente semelhante ao theremin, mas ao invés de possuir
antenas, possuía uma plataforma com a qual o performer interagia; instrumento mais
usado por dançarinos e performers) e o Rhythmicon (que Theremin desenvolveu a
pedido de Henry Cowell, e foi a primeira "máquina de ritmo" inventada, se tratava de
uma espécie de instrumento para tocar múltiplos padrões rítmicos ao mesmo tempo).
Em 1938, após mais de uma década vivendo em Nova Iorque, Theremin retorna
à Rússia, com a intenção de continuar desenvolvendo seus instrumentos eletrônicos.
Ao invés disso, tem seus equipamentos confiscados e é preso (acusado de fazer parte
de uma organização contrarrevolucionária), sendo levado ao campo de trabalho
forçado de Kolimá. Após um ano, o inventor é levado a uma prisão especial para
cientistas chamada Sharaga, em Moscou, onde começou a desenvolver equipamentos
de espionagem para o NKVD (o órgão de espionagem interna anterior à KGB), durante
a Segunda Guerra Mundial e posteriormente.
9
Theremin na contemporaneidade, outras intersecções
Pesquisando atuações de thereministas que estão ativos atualmente,
produzindo e interpretando obras, podemos ver uma pluralidade de trabalhos que aliam
o theremin a outras mídias ou que executam o instrumento de forma plural. Aqui
discutiremos alguns desses usos, principalmente em projetos desenvolvidos na
América Latina.
Podemos mencionar o trabalho da artista recifense Marie Carangi, que com sua
performance-concerto Teta Lírica10 (realizada desde 2016), ativa o instrumento de
forma a utilizar movimentações corporais (menos pautadas em uma técnica tradicional
do instrumento, de manter o corpo fixo e tocar movimentando os braços) e parte para
uma interpretação mais performática, utilizando seu corpo todo como ativador. A
performer utiliza seus seios, que estão à mostra durante a performance, para
interagirem com a antena.
Já o trabalho mais recente para theremin do já mencionado compositor Jorge
Antunes, a peça Rituel Rouge (2018), para theremin e luzes, propõe uma escrita
contemporânea, mesclando notação musical tradicional contemporânea (expandida) e
indicações gráficas gestuais. Nessa obra, segundo consta no site da editora de
partituras11, "o intérprete usa uma lanterna pisca-pisca de bicicleta em cada uma das
mãos. A performance se enriquece com os efeitos visuais das luzes vermelhas que
produzem desenhos no espaço, em função dos movimentos das mãos do
thereminista". Essa obra também é dedicada à thereminista Lydia Kavina, e chama a
atenção pela ideia de ter a própria intérprete musical ativando também essa
iluminação, seus gestos gerando desenhos de luz no espaço, durante a performance.
A thereminista Agnes Paz, de Santiago, Chile, alia sons do theremin a paisagens
sonoras na obra Espacios en Tránsito12 (2020). Reconstruindo a sonoridade dos
metrôs de Moscou, a artista mescla essas sonoridades concretas, pré-gravadas e
mixadas ao vivo, a intervenções do theremin.
10
Mais informações no site do projeto: http://tetalirica.com.br/ (acesso em 08 de agosto de 2020)
11
Essa partitura pode ser encontrada no site da Sistrum Edições Musicais:
https://sistrum.com.br/produto/rituel-rouge-para-theremin-e-luzes/
12
Vídeo disponível em: https://www.agnespaz.cl/espaciosentransito (acesso em 08 de agosto de 2020)
10
Saindo um pouco do recorte latino-americano, a suíça Coralie Ehinger (que
assina como Therminal C) apresenta, em Du Bout des Doigts13 (2017), um projeto
híbrido que envolve música e teatro de sombras. Enquanto as mãos da thereminista
geram os sons, as mãos do performer de sombras (Philippe Beau) geram as
visualidades. Outra performance interessante de Ehinger é The Unborn14 (2019),
performance em vídeo para batimentos cardíacos intra-uterinos, theremin e
sintetizadores. A artista estava grávida e decidiu performar usando os batimentos
cardíacos de seu filho como base.
Lydia Kavina, na performance Inner ear and naked eye15, apresentada
originalmente em Berlim em 1997 e em Bruxelas em 2005, improvisa em seu theremin,
que serve como uma espécie de interface visual. O programador Joachim Schaefer
criou um programa que dispara imagens quando Lydia executa sons. Em um primeiro
momento, essas imagens são fotos das mãos da própria thereminista, em diferentes
posições, como se cada ativação sonora gerasse um gesto. As imagens não parecem
associadas a cada frequência, e sim a cada entrada de som. Em um segundo
momento, a performance musical controla e remonta imagens da clássica cena da
escadaria de O Encouraçado Potemkin (1926), de Sergei Eisenstein. Nesse caso
parece haver uma correspondência entre imagens e frequências, que tocam diferentes
imagens do filme com variações de velocidade, de trás pra frente, etc.
Alguns modelos de theremin disponíveis no mercado atualmente possuem, além
da saída de áudio, outros outputs, ou seja, outros tipos de saídas de sinal. O formato
mais comum de saída é o CV Out, ou seja, controle de voltagem. Esse sinal nada mais
é do que uma saída em Volts correspondente à frequência (nota) que está sendo
produzida. Nos instrumentos da marca Moog, é padronizado que a cada oitava,
aumenta-se 1 volt na informação elétrica de saída. Com esse recurso, é possível usar o
theremin para controlar outros tipos de sintetizador ou equipamentos eletrônicos que
tenham entrada CV In, e controlar quais frequências ou notas musicais irão soar. Outro
13
Vídeo disponível em: https://youtu.be/CMFhuHIRtQM (acesso em 08 de agosto de 2020)
14
Vídeo disponível em: https://youtu.be/kgVi36vPF9A (acesso em 08 de agosto de 2020)
15
Não é possível encontrar esse vídeo online, ele me foi disponibilizado pela autora para fins desta
pesquisa.
11
tipo de saída disponível em alguns modelos, mas mais difícil de ser encontrada, é a
CV/Gate. Essa saída identifica a informação de quando há ou não uma ativação sonora
(de volume), e liga e desliga o envio do sinal, como uma espécie de interruptor, e
acaba sendo mais útil para disparar samples (sons pré-gravados) ou ativar recursos ou
efeitos. Também é possível encontrar theremins que possuam saída Midi. Essa saída
usa a informação de frequência que está sendo produzida e quantiza (ou seja, adapta,
arredondando) para o padrão Midi de frequências, que possui um valor numérico
específico para cada nota musical. Ou seja, o instrumento soaria como se estivesse
"temperado", perdendo suas características de ser um glissando contínuo, mas poderia
ganhar timbres novos de outros instrumentos reais ou virtuais que tenham entrada Midi
(ou até ser usado como um controlador para outros tipos de parâmetro, inclusive
visuais).
Além do theremin propriamente dito, existem outras formas, hoje em dia, de criar
instrumentos ou controladores similares ao instrumento. Há uma série de sensores e
circuitos, na eletrônica, que podem ser usados para os mais diversos tipos de interação
por aproximação corporal. Para mencionar alguns, os sensores de luminosidade e os
sensores de distância (como o sensor ultrassônico, por exemplo) possuem grande
versatilidade e potencial para esse tipo de relação de aproximação. Há também outras
espécies de interface e dispositivos que captam a movimentação e distância do corpo,
como por exemplo o kinect16. Muitos desses recursos podem e são utilizados na
criação de instrumentos com comportamento e gestualidade semelhantes ao theremin.
Parte 2
Processo de criação
Com a finalidade de criar um instrumento expandido ou utilizar o theremin como
uma espécie de interface para controle de imagens, comecei a pesquisar quais
programas (softwares) poderiam possibilitar essa integração entre áudio e imagem de
16
Kinect é um sensor de movimento desenvolvido para o videogame Xbox 360 e o Xbox One, em
parceria com a empresa Prime Sense. É uma tecnologia que, aliando sensor infravermelho, câmera,
microfone, um processador e um software próprio, permite aos jogadores interagirem com os jogos
eletrônicos sem a necessidade de um joystick.
12
forma orgânica. Sabemos que nos meios digitais qualquer informação pode ser
ressignificada, uma vez que na digitalização, abstrai-se do objeto (som, imagem, texto
ou qualquer que seja o input) suas informações numéricas. Nesse caso específico, eu
buscava algum programa que analisasse o som do theremin, em suas características
acústicas, e enviasse esses dados para os parâmetros da imagem, para que estes
fossem controlados em tempo real. Havia, ainda, uma dúvida entre usar um único
programa ou associar mais de um. A princípio a ideia era usar o Isadora, software de
criação e manipulação de vídeo ao vivo, porém o programa – muito rico em
possibilidades visuais, acessível e intuitivo – não possui muitos recursos nativos para
lidar com som. Então, pensei em usar o Max/Msp/Jitter, que possui ferramentas tanto
de análise de som (e decupagem em parâmetros), quanto de criação visual.
Enquanto pensava nos conceitos e ideias artísticas iniciais, disparadoras do
processo, percebi que duas possibilidades se apresentavam: a da criação de um
programa, ou seja, uma espécie de sistema ou instrumento, com uma lógica própria,
com o qual eu ou outro performer poderíamos improvisar livremente, ou a criação
desse sistema e também de composições mais determinadas. Basicamente tratava-se
de criar o sistema ou criar ambos, sistema e composição. A princípio, decidi por criar
ambas as coisas, mas ainda sem ter definido quantos vídeos ou peças audiovisuais
seriam.
Construí dois protótipos de interação som-vídeo no Isadora17. São dois vídeos
bem simples, que exploram algumas possibilidades geométricas e de cores sólidas. Me
interessava utilizar imagens sintetizadas, e não fotografadas ou filmadas. Achei que
poderia ser interessante entender como programar algo básico antes de partir para
algo mais complexo, para analisar qual seria o grau de dificuldade da programação em
si e poder visualizar uma interação som-imagem funcionando antes de complexificar
(principalmente porque eu estava tendo alguns problemas para avançar nos estudos de
Max/Msp/Jitter). Decidi consultar um orientador técnico, o programador em arte e
17
Arquivos de vídeo Theremin e vídeo 1_no isadora.mov e Theremin e vídeo 2_no isadora.mov.
Disponíveis no seguinte link: https://bit.ly/3gMmNM0 (acessado em 08 de agosto de 2020)
13
tecnologia Ricardo Palmieri, para que me ajudasse a materializar minhas ideias no
software.
Na nossa primeira reunião, Ricardo me disse que haviam muitas possibilidades
para um projeto desse tipo. Poderia-se utilizar Max/Msp/Jitter, como eu estava
pretendendo, mas também seria possível usar o Pure Data, o Processing e o
Resolume. Ele me sugeriu que eu experimentasse o Resolume, pois o programa já
possui uma ferramenta de controle de parâmetros via análise FFT já acoplada, que
permite que qualquer parâmetro de vídeo seja controlada por qualquer som (seja
pré-gravado ou ao vivo). Depois dessa reunião, estudei alguns tutoriais de Resolume e
comecei a tentar programar a partir das minhas ideias visuais e interativas anteriores.
Assim, produzi o vídeo Theremin Imagem 1 Azul Vermelho e Theremin Imagem 2
Linhas18 no programa, e vi que os recursos do mesmo já me traziam algumas
interessantes possibilidades para a interação som-imagem.
Imagens relativas aos vídeos Theremin Imagem 1 Azul Vermelho e Theremin Imagem
2 Linhas, respectivamente.
18
Os vídeos realizados no Resolume podem ser acessados no seguinte link: h
ttps://bit.ly/31CX0j4
(disponível em 08 de agosto de 2020)
14
tonalidades de azul e vermelho, para outras tonalidades de cores, criando o vídeo
Theremin Imagem 3 cores. Esse vídeo retoma a ideia de Liév Theremin em suas
demonstrações com o Illumovox (pois faz o mesmo tipo de associações; associa
frequências sonoras às cores, e a amplitude do som à luminosidade). Experimentei um
terceiro tipo de material visual, e gerei Theremin Imagem 4 estática em que uso a
imagem do ruído de estática. Após esses experimentos iniciais, dei início à concepção
da obra audiovisual em si, pensando em que tipos de sons ativariam quais imagens e
tentando criar uma espécie de roteiro da performance.
15
via som. Pensei em transições e transformações (como por exemplo quando surge um
quadrado vermelho na imagem, mais ou menos na metade da peça). Em seguida, Criei
uma forma de sistematizar os gestos executados no theremin em uma partitura19.
Tentei, como intérprete do instrumento, criar uma notação que demonstrasse os tipos
de gestos, mas que deixasse certa liberdade para o instrumentista, pois considero
importante ter uma abertura para o improviso dentro da estrutura das obras. Assim,
deixo claro nas instruções iniciais e gerais das obras que cada símbolo gráfico
corresponde somente à indicação de que certo tipo de som deve ser tocado a cada
momento; não determina quantas vezes, ou com qual duração, intensidade, etc.
Realizei uma filmagem20 dessa primeira obra com projeção e algumas definições mais
ajustadas.
Na segunda peça, que se assemelha à primeira em alguns aspectos (como
começar usando o recurso loop, e terminar no registro extremo grave do instrumento),
tentei usar imagens mais minimalistas e ter como elemento central a imagem das
linhas pulsantes, que reagem à amplitude dos sons que estão sendo gerados e dos
que estão em loop. Também utilizo o efeito estroboscópico e uma luz sólida vermelha,
que acaba se afetando pelo efeito estroboscópico também nos momentos finais.
Realizei, no mesmo dia da filmagem do Estudo 1, a filmagem do Estudo 221.
19
A partitura dos dois estudos na íntegra está disponível em anexo ao fim do presente arquivo, e
também no link: https://bit.ly/33NFLhK (acessado em 08 de agosto de 2020)
20
Estudo 1 para theremin e vídeo pode ser assistido no link de youtube: https://youtu.be/NjRdfQHfGbg
(acesso em 10 de agosto de 2020) ou no link: http://tiny.cc/ag1nsz
21
Estudo 2 para theremin e imagem pode ser assistido no link: https://youtu.be/MwFzGh1miPM (acesso
em 10 de agosto de 2020) ou no link: http://tiny.cc/8k1nsz
16
Uma das dificuldades técnicas, nesse processo, foi calibrar no Resolume o
ganho de entrada do theremin. O instrumento que possuo apresenta grandes variações
em termos de pressão sonora dependendo do registro de frequências que está sendo
ativado. Quanto mais graves os sons emitidos, maior a pressão sonora (amplitudes
maiores), e quando mais agudos, menor a pressão sonora. Felizmente, além de
configurar o ganho (volume de entrada) geral do instrumento, foi possível calibrar os
ganhos de som relativos a cada comportamento da programação. Assim, foi possível
deixar a sensibilidade de resposta relativa aos sons agudos maior e mais presente,
ativando melhor os parâmetros do Resolume e se equiparando melhor à variação
dinâmica dos sons graves.
Na filmagem da performance, foi interessante observar que, ao mesmo tempo
que executava as peças, eu precisei ter um retorno também visual do que estava
acontecendo, para checar se a programação estava reagindo conforme o programado.
Além do Resolume ter sido pré-configurado e calibrado, é importante no contexto da
performance ao vivo perceber como as imagens estão de fato sendo produzidas, com
qual intensidade, luminosidade. Se o meu foco como intérprete estivesse totalmente na
parte musical, talvez o vídeo não acontecesse da melhor forma possível. E caso eu
tentasse me apegar somente à parte visual, talvez a parte sonora da performance
ficasse burocrática e desconexa. Performar uma peça audiovisual requer essa
percepção constante do todo que está sendo gerado partindo de um só gesto.
Analisando as imagens filmadas da performance com algum distanciamento,
creio que poderia ter expandido a visualidade para uma maior gama de imagens, e
talvez com o mesmo tipo de som, na mesma peça, ter momentos imagéticos diferentes
e até contrastantes. Também por esse motivo considero esses estudos ainda em
processo; sinto que um amadurecimento maior e uma maior apropriação das imagens
ainda se faz necessário.
É importante ressaltar também que a escolha do programa que eu utilizei para a
criação das imagens dos dois estudos determinou completamente como a obra seria e
como ela se comportaria em relação ao som. Como escreve Patricia Oakim em Arte
17
Feita em Código, "diferentes linguagens de programação possibilitam diferentes
resultados estéticos" (pp.56). Utilizei um programa que possui muitos recursos
pré-configurados, e os adaptei à minha maneira. Caso eu utilizasse um programa com
mais liberdade de programação, como o Max/Msp/Jitter (que considerei usar), as
mesmas ideias visuais gerariam comportamentos e resultados diferentes.
Possivelmente esse programa apresentaria possibilidades mais amplas sobre os tipos
de imagem que seriam geradas em síntese, porém eu teria que dominar melhor a
linguagem para chegar em tais resultados. Como sou uma artista que programa
eventualmente e que transita por diversas tecnologias mas não sou programadora de
formação, meus conhecimentos são de nível básico em diversas linguagens. Acabei
optando neste momento pelo programa que me daria mais recursos dentro do tipo de
tecnologia que já domino, que fosse mais intuitivo, e no qual eu poderia partir direto
para a criação da obra ao invés de despender tempo aprendendo uma nova linguagem.
Conclusão
Como vimos, o theremin é um instrumento com uma longa história (já são cem
anos desde sua invenção), mas que continua proporcionando muitas possibilidades
artísticas. O próprio inventor do instrumento, Liév Theremin, se interessava em
desenvolver outros tipos de instrumentos interativos para performances, tendo
desenvolvido o illumovox, o terpsitone, entre outros. O inventor também trabalhou ao
lado de Mary Ellen Bute, pioneira do cinema abstrato, em pesquisas para desenvolver
um instrumento para controle de formas e luz em movimento.
Além de seus usos tradicionais para tocar melodias em concertos, vimos que o
theremin é utilizado em outros contextos, em trilhas sonoras de filmes, performances,
peças contemporâneas, como controlador de outros parâmetros acoplado a
sintetizadores, como gerador de efeitos, entre outros usos. Nesse projeto, busquei me
aproximar e conhecer o repertório do theremin e em paralelo criar uma performance de
som e imagem, juntando o som do theremin à imagens abstratas que eu considerava
interessantes. Foi interessante ter essa pesquisa de repertório ao mesmo tempo que
18
desenvolvia o meu próprio projeto. Nesse percurso, não encontrei muitos usos do
theremin para controlar vídeo, mas encontrei uma grande variedade de usos artísticos.
A ideia é continuar a pesquisa, desenvolvendo as possibilidades audiovisuais do
instrumento.
19
Referências Bibliográficas:
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Editor, 1934.
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OAKIM, Patricia. Arte feita em código. São Paulo: Intermeios, 2019
ROCKMORE, Clara. Method for Theremin. Revisão por David S. Miller e Jeffrey
McFarland-Johnson. Shreveport, Louisiana: [s.n.], 1998.
SMIRNOV, Andrey. Sounds in Z: Experiments in sound and electronic music in early
20th century Russia. London: Koenig Books, 2013.
Sites:
20
Teta Lírica (projeto artístico de Marie Carangi). <http://tetalirica.com.br/> (acesso em 08
de agosto de 2020)
Vídeos:
Áudio
Jorge Antunes - Mixolydia for Theremin and Electronic Tape. 11'33".
<https://youtu.be/W2u4767Ertk>. Acesso em agosto de 2020.
21
Dois Estudos para Theremin e Imagem
Essas peças para theremin e vídeo são baseadas em um roteiro visual que não pretende indicar exatamente
cada som emitido. A ideia é oferecer um mapa de acontecimentos, e isso se desdobrar em cada performance
de maneira diferente. Não há necessidade de tocar a mesma quantidade de eventos sonoros propostos na
representação gráfica, apenas de, em cada momento, tocar o tipo de som indicado e seguir a indicação de
transições. A única indicação mais precisa é a de que no início do primeiro estudo, toque-se três notas longas
em três regiões de frequências diferentes (sugere-se uma frequencia média, uma aguda e uma médio-grave)
(1) Esse número indica qual cena deve ser ativada no resolume.
Esse símbolo representa a tessitura do theremin, como uma espécie de pauta. A linha superior
indica a frequência mais aguda possível, e a inferior, a mais grave. O símbolo F ilustra a informa-
F
ção de frequência.
As linhas azuis escuras indicam sons a serem emitidos pelo theremin. As linhas azuis claras repre-
sentam sons que permanecerão soando por causa do pedal de loop.
A linha pontilhada vermelha indica sons que devem ser gravados pelo pedal de loop. No caso
dessa peça, são as três primeiras frequências emitidas pelo theremin.
A linha pontilhada cinza indica que o pedal de loop ainda está ativado, tocando o que foi grava-
do.
Glissando ascendente a partir da frequência mais grave possível (em direção às frequências
agudas)
Esse tipo de desenho indica que o theremin deve ser tocado livremente
A linha amarela indica que deve-se buscar trabalhar no limite entre um efeito de imagem e outro.
Nesse caso, a transição entre imagem colorida e preta e branca.
Glissandos (livres)
Estudo para Theremin e Imagem 1
(1)
loop
loop
loop
(2)
loop
(3)
F
Estudo para Theremin e Imagem 2
(4)
loop
loop
loop
(5)
loop
(6)