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Ensino de Física Nuclear

FÍSICA NUCLEAR
Gilberto Orengo
1◦ semestre de 2023 (junho)
g.orengo@gmail.com
http://www.orengonline.com

D ECAIMENTO R ADIOATIVO

O decaimento radioativo, de um determinado nuclídeo, pode ser descrito como segue:


N (t) ⇒ número de nuclídeos radioativos no tempo t ,
N (t + dt) ⇒ número de nuclídeos radioativos no tempo t + dt ,
de forma que obtemos a quantidade de nuclídeos radioativos, dN , que decaem neste intervalo
de tempo, ou em outras palavras, os que “sobrevivem” neste intervalo dt, como segue,

dN ∼ N (t) ,


dN = N (t + dt) − N (t) ⇒ cujas hipóteses são dN ∼ dt , (1)


dN ∼ λ ,

em que, λ é uma constante de decaimento e depende da natureza de cada decaimento. Desta


forma, a equação que modela o decaimento radioativo será
dN = −N (t) λ dt , (2)
e o sinal negativo é devido ao fato que a quantidade de nuclídeos radioativos diminui com o
tempo, isto é, N (t + dt) < N (t). A solução dessa equação diferencial é simples*
dN ′ dN ′
Z N Z t
N t


= −λ dt ⇒ ′
= −λ dt′ ⇒ ln(N ′ ) = −λ t′ ,
N N0 N 0 N0 0

   
N ln N
ln(N ) − ln(N0 ) = −λ t ⇒ ln = −λ t ⇒ e N0
= e−λ t ,
N0
e, na última passagem anterior foi aplicado o anti-logaritmo, e assim fornece a seguinte solução
N (t) = N0 e−λt , (3)
cuja amostra inicial, em t = 0, tem N0 nuclídeos, e que N (t) é o número de nuclídeos que
restaram do decaimento. A Figura 1 fornece, em ambas representações, linear (Fig. 1a) e mono-
log (Fig. 1b), o perfil do decaimento do ponto de vista do nuclídeo pai e do nuclídeo resultante
do decaimento, o nuclídeo filho, para um N0 = 100 nuclídeos.
Um parâmetro físico importante que podemos obter dessa modelagem é o tempo para que
metade da amostra tenha decaído, isto é, para N (t) = N20 , e assim teremos um t = t1/2 , que é o
tempo de meia-vida da amostra. Fazendo as contas temos
N0 0, 693
= N0 e−λt1/2 ⇒ eλt1/2 = 2 ⇒ λ t1/2 = ln(2) ⇒ t1/2 = . (4)
2 λ
as variáveis, na equação diferencial, foram renomeadas com o sobrescrito “linha” (′ ), para diferenciar
* Obs.:

dos limites da integração, que serão as próprias variáveis sem “linha”.

Decaimento Radioativo – Gilberto Orengo (2023–junho) Folha – 1


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Figura 1 – Representação do perfil de decaimento de um nuclídeo, N (t) = N0 e−λt , com a


quantidade inicial de nuclídeos N0 = 100 (unidades adequadas), em dois tipos de
escala: linear e mono-log. (Fonte: produzido pelo autor, com o software DataGraph® )
(a) Na escala linear. (b) Na escala logarítmica.

A vida média dos nuclídeos radioativos pode ser obtida por meio da expressão
Z ∞ Z ∞
t N (t) dt t N0 e−λt dt
λ−2 1
< t >= τ = Z0 ∞ = Z0 ∞ = −1 ⇒ τ = , e t1/2 = 0, 693 τ , (5)
λ λ
N (t) dt N0 e−λt dt
0 0
em que, a integral do numerador pode ser resolvida por partes. A solução completa está no
Apêndice 1, na pág. 5. Na Figura 2 estão representados os tempos de meia-vida e vida média,
com N (t)/N0 versus t/τ , a qual também evidencia a diferença operacional entre tempo de meia-
vida e vida média. Nos gráficos o eixo vertical está normalizado a um (1), porque temos a
razão N (t)/N0 , e assim, o 1 representa 100% da amostra, e no tempo de meia-vida temos 50%
de nuclídeos radioativos.
Outra importante informação que obtemos da Eq. (3) é a respeito da evolução temporal do
decaimento, ou seja, número de desintegrações nucleares que ocorrem por unidade de tempo,
que é conhecida como atividade (A(t)) da amostra. Assim, temos
dN (t)
A(t) = = λ N (t) = λN0 e−λt (6)
dt
A(t) = A0 e−λt , (7)
em que A0 = λN0 é a atividade inicial do nuclídeo. A unidade de atividade é Curie, e está
baseada e definida na atividade natural de 1 grama do 226 Ra (M = 1 g), que contém aproxi-
madamente
NA 6, 023 × 1023 átomos/mol
N0 ≈ M = 1, 0 g = 2, 6647 × 1021 átomos ≈ 2, 7 × 1021 átomos ,
A 226 g/mol
em que NA é o número de Avogadro e, A é aproximação usada com o número de massa A, que
é a aproximação da massa em unidade de massa atômica expressa em g/mol.

Decaimento Radioativo – Gilberto Orengo (2023–junho) Folha – 2


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Figura 2 – Representação dos tempos de meia-vida (t1/2 ) e vida média (τ ), NN(t) 0


versus t/τ .
O tempo de meia-vida é o tempo na qual o número de nuclídeos sobreviventes é
exatamente a metade da quantidade inicial, e a vida média é o tempo de vida médio
de uma grande quantidade de um nuclídeo instável, e é também o tempo no qual
o número de sobreviventes é e−1 da quantidade inicial. São plotados os dois tipos
de escala: linear e mono-log. (Fonte: produzido pelo autor, com o software DataGraph® )
(a) Na escala linear. (b) Na escala logarítmica.

O tempo de meia-vida do 226 Ra , obtido do aplicativo Isotope Browser ou do site da IAEA† , é


t1/2 = 1600 anos = 5, 05 × 1010 s .
É interessante observar que 1 ano = 3, 1536 × 107 s, e que podemos aproximar como sendo
1 ano ≈ π × 107 s. Se usarmos essa aproximação, o erro será de apenas 0,4%.
0, 693 0, 693
E a constante de decaimento: λ = = ≈ 1, 4×1011 s−1 . Portanto, a atividade
t1/2 5, 05 × 1010 s
será igual a
A(t = 0) = λ N0 ∼= 1, 4 × 10−11 × 2, 7 × 1021 s−1 ,
A(t = 0) ∼
= 3, 7 × 1010 desintegrações/s . (8)
Assim, temos a definição de uma unidade de atividade radioativa:
1 curie = 1 Ci = 3, 7 × 1010 desintegrações/s ,
e mais,
1 rutherford = 1 rd = 106 desintegrações/s , (9)
1 becquerel = 1 Bq = 1 desintegração/s .
Na prática, como o Becquerel é a unidade do Sistema Internacional de unidades, o Curie é uma
unidade em desuso, por ser mais antiga, mas está relacionada com o Becquerel com
1 Bq = 2, 7 × 10−11 Ci = 27, 0 pCi .
E, como 1 Ci é um valor muito elevado de atividade, é muito comum usarmos mCi (ou 10−3 Ci),
µCi (ou 10−6 Ci) e assim sucessivamente.

Obs.: acesso aos dados nucleares da IAEA: <www-nds.iaea.org/relnsd/vcharthtml/VChartHTML.html>.

Decaimento Radioativo – Gilberto Orengo (2023–junho) Folha – 3


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Curiosidade: um corpo humano padrão típico contém Potássio-40 com, aproximadamente,


0,1 µCi (14 mg). E mais, também contém aproximadamente 16 kg de carbono, o qual tem
em torno de 24 nanogramas ou 0,1 µCi de Carbono-14.

1· A PLICAÇÃO NA M EDICINA , F ÍSICA M ÉDICA E R ADIOLOGIA

Existem três meias-vidas que são importantes quando consideramos o uso de drogas radioati-
vas para fins diagnósticos e terapêuticos (MEDICINE, 2022). As meias-vidas física ou radioa-
tiva (trad ) e biológica (tbio ) são importantes, porque relacionam diretamente o desaparecimento
da radioatividade do corpo por duas vias separadas: o decaimento radioativo e a depuração.
A meia-vida biológica é definida como o período de tempo necessário para reduzir a quanti-
dade de um medicamento em um órgão ou corpo a exatamente a metade de seu valor original,
devido exclusivamente à eliminação biológica.
Mas, há uma meia-vida muito importante para os seres humanos que é a meia-vida efetiva,
que leva em consideração não só a eliminação do corpo, mas também o decaimento radioativo.
Se houver alguma dúvida sobre a atividade residual no corpo, o cálculo usa a meia-vida efetiva
(tef ), que é realizado por:
1 1 1
= + , (10)
tef tbio trad
ou, se nenhum dos tempos for nulo ou infinito, temos
tbio × trad
tef = . (11)
tbio + trad

E XERCÍCIOS
1. Um composto de Tc-99m tem uma meia-vida efetiva de 1 hora. Qual é o tempo de meia-vida
biológico (tbio )?
2. Um radiofármaco tem uma meia-vida biológica de 4,0 h e uma meia-vida efetiva de 3,075
h. Que radioisótopo foi usado? (Dica: use o aplicativo para smartphone para acesso aos dados
nucleares da IAEA.)
3. O Xe-133 é utilizado para estudos de ventilação pulmonar, em que trad = 5, 3 dias e
tbio = 15 s, numa análise que dura poucos minutos. Qual é o tempo de meia-vida efe-
tivo?
4. Para imagens scan do fígado com Tc-SC, trad = 6 h, e com o tbio infinitamente longo. Como
Tc-SC não é eliminado do fígado, então somente o tempo de meia-vida radioativo tem im-
portância. Qual o tempo de meia-vida efetivo?
5. O sódio iodado I-131 tem um tbio = 24 dias. Qual é o tef ?

R EFERÊNCIAS

DAS, A.; FERBEL, T. Introduction to nuclear and particle physics. New York: John Wiley & Sons,
Inc., 1994.
MARTIN, B. R. Nuclear and Particle Physics: An Introduction. 2. ed. New York, USA: John Wiley
& Sons, Inc., 2009. 454 p. ISBN 978-0-470-74275-4.
MEDICINE, C. in N. (Ed.). Half Lives. Chicago, USA: Consultants in Nuclear Medicine, 2022.
Disponível em: <https://nucmedtutorials.files.wordpress.com/2016/12/half-lives1.pdf>.

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APÊNDICE 1
 
Solução das integrais da Eq. (5)

A solução para cada uma das integrais abaixo será apresentada na sequência.
Z ∞ Z ∞ Z ∞
−λt
t N (t) dt t N0 e dt t e−λt dt
λ−2 1
< t >= τ = Z0 ∞ = Z0 ∞ = Z0 ∞ = −1 ⇒ τ = , (12)
λ λ
N (t) dt N0 e−λt dt e−λt dt
0 0 0
Iniciaremos com a integral mais simples, porque o resultado também será necessário na solução
da outra integral.
Z ∞
A) e−λt dt =?
0
∞ ∞
e−λ t
Z
e−λt dt = ,
0 −λ 0

1  −λ × ∞ 
=− e − e−λ × 0 ,
λ
 
1 1 0
=− − e ,
λ e∞

1
= − (0 − 1) ,
λ
1
= . (13)
λ
Z ∞
B) t e−λt dt =?
0
Z ∞
t e−λt dt , (14)
0
esta integral será resolvida por partes, isto é,
Z Z
u dv = u v − v du , (15)

em que, no caso da integral acima, na Eq. (14), temos


u=t ⇒ du = dt ,

e−λ t
dv = e−λ t dt ⇒ v=− .
λ
E assim, teremos:
Z ∞ ∞ Z ∞  −λt 
−λt e−λ t e
t e dt = −t − − dt ,
0 λ 0 0 λ

1 ∞ −λt
 −λ ×∞  
e−λ ×0
 Z
e
= −∞ × − −0 × + e dt ,
λ λ λ 0
| {z }
1
λ

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 ∞  1 1 1∞ 1 1
=− λ ×∞
+ 0 + × = − ∞
+ 0 + 2 = −0 + 0 + 2 , (16)
λe λ λ λ | e{z } λ λ
≈0

1
. = (17)
λ2
Uma maneira de verificar se o infinito (∞) no numerador do primeiro termo da Eq. (16)
vence a “concorrência” com e∞ no denominador, é usar valores que aumentam sucessiva-
mente, ou seja,
2 2
⇒ = 0, 270670566
e2 7, 389056099
10 10
⇒ = 0, 000453999
e10 22026, 46579
100 100
⇒ = 3, 720075976 × 10−41 ≈ 0
e100 2, 688117142 × 1043
200 200
⇒ = 2, 767793053 × 10−87 ≈ 0
e200 7, 225973768 × 1086
..
.
..
. ⇒ para e300 , a calculadora já refuta o cálculo, logo, temos que:

= 0.
e∞
Outra forma é usar um software de geração de gráficos e plotar no mesmo ambiente um
produto de funções, do tipo, x e e1x , com x → ∞. Um exemplo pode ser visualizado na
Figura 3.

Figura 3 – Representação gráfica mostrando a “concorrência” entre f1 (x) = x e f2 (x) = 1/ex ,


com x → ∞, e na qual percebe-se pelo produto das funções f (x) = f1 · f2 = x/ex
que vai “rapidamente” a zero. (Fonte: produzido pelo autor, com o DataGraph® )

Decaimento Radioativo – Gilberto Orengo (2023–junho) Folha – 6

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