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166 Edwin Arthur Burtt

110. Boyle, IV, 162.

111. Boyle, IH, 48 e sego .

112. Boyle, V, 216 e sego

113. Boyle, IH, 322.

114. Boyle, V, 163.

Capítulo VII
A MET AFÍSICA DE NEWTON

Seção 1. O Método de N euiton

Tem sido observado com freqüência que a história se faz rapidamente


quando são simultâneos o surgimento do grande homem e o de sua oportuni-
dade. No caso de Newton, precisamente, não há dúvida quanto à realidade e
importância de tal coincidência. O fato de que a história subseqüente, durante
quase cem anos de matemática, mecânica e astronomia (e, em boa parte,
também de ótica) tenha-se apresentado principalmente como um período de
maior apreciação e de mais extensa aplicação das descobertas de Newton, e de
que esse século seja repleto de estrelas de primeira grandeza em cada um
daqueles campos, só pode ser atribuído à circunstância de que o terreno
estivesse preparado para um gênio poderoso, e de que esse gênio estivesse
pronto para fazer a colheita. O próprio Newton, certa vez, assinalou que, "se
eu vi mais adiante [do que os outros homens], foi porque me ergui por sobre
os ombros de gigantes". Realmente, é verdade que seus precursores, especial-
mente homens como Galileu, Descartes e Boyle, foram gigantes - eles
prepararam o caminho para a mais estupenda realização pessoal da mente
humana -, mas o que ewton viu mais além não foi, com certeza, meramente
decorrência da oportunidade de sua posição. Para inventar o instrumento
necessário, e, com sua ajuda, reduzir os maiores fenômenos de todo o
universo da matéria a uma simples lei matemática, ele valeu-se de sua
apacidade natural para absorver em alto grau todas as qualidades essenciais à
mente científica -.: proeminentemente a da imaginação matemática -, a qual,
provavelm rue. nun foi igualada. Newton desfruta da admirável distinção
d t r-s 101 11.11101111I.1 aUI ridade equiparada somente à de Aristóteles numa
1'0, aI ai Ii 11/.111.1, do 1" illl ípio ao fim, .pela rebelião contra a autoridade.
Nao clt VC'IIIO • 1'01 111, d I I IlO (1)1'( essas eulógias. A, upr macia d N w-
1011 1101I lc 11111 111111 111 li 11111 111111110 dc IH 0, unu 1110 melhor S\K -dido q\l( a
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As Bases Metafísicas d~ Ciência Moderna 169
lüH Edwin Arthur Burtt

lucidar o significado do título escolhido - Mathematical Principies of Natural


páginas escritas por tal homem um claro enunciado do método utilizado por Philosophy - que, por sinal, expressa apropriadamente, de forma breve, a
sua mente poderosa para consumar seus desempenhos brilhan~es, talvez ~~m suposição fundamental do novo movimento. "Oferecemos este trabalho como
orientação específica e esclarecedora; ou uma exata e consistente anahs princípios matemáticos de filosofia .... Pelas proposições demonstradas mate-
lógica dos suportes fundamentais da revolução intelectual sem prec~dentes maticamente no primeiro livro, nós então inferimos dos fenômenos celestes as
que ele promoveu, a um final tão decisivo! Que desapontamento ~o vlrar~os forças de gravidade com que corpos tendem a dirigir-se ao Sol e aos vários
as páginas dos seus trabalhos! Somente um punhado de declaraçoes gerals e, planetas. Em seguida, nós deduzimos dessas forças, por outras proposições
muitas vezes, vagas, a respeito do seu método, que req~erem tra~alhos~s também matemáticas, os movimentos dos planetas, dos cometas, da Lua e do
interpretações e, como suplemento, um industrioso estudo de sua biografia mar. Quisera poder deduzir o resto dos fenômenos da natureza da mesma
científica - embora, por certo, ele não se distinga nisso se comparado com ~s forma de raciocínio a partir de princípios mecânicos; pois sou levado a
seus melhores antecessores, como Descartes e Barrow. Um dos aspectos mal uspeitar, por várias razões, que todos eles devem depender de certas forças
curiosos e exasperantes de todo esse magnífico movimento é que nenhum dos pelas quais as partículas de corpos, por causas até agora desconhecidas, são ou
seus grandes representantes parece ter sabido, c~m ~atisf~tória clareza, o qu mutuamente impelidas umas contra as outras, e se integram em figuras
estava fazendo, ou como o fazia. E, quanto a filosofia fundamental do regulares, ou repelidas e se afastam umas das outras; sendo desconhecidas
universo, compreendida pelas conquistas científicas, Newton pouco mais fez essas forças, que os filósofos têm, até hoje, tentado em vão descobrir, espero
que encampar as idéias a esse respeito que foram. formuladas ~ara ele pOl que os princípios aqui expostos permitam alguma luz àquele ou a algum outro
seus antecessores intelectuais, simplesmente atuahzando-as ocasionalmente, método de filosofia mais verdadeiro."
nos pontos em que suas descobertas pessoais, obviamente, .fizeram uma
diferença, ou remodelando-as ligeiramente em uma forma mais ao gosto d Esta passagem nos imerge imediatamente no papel principal que Newton
certos interesses seus, extracientíficos. Em descoberta científica e formulação. onfere à Matemática para atuar na filosofia natural, e sua constante
Newton foi um gênio; como filósofo, era desprovido de crítica, impreciso. sperança em que todos os fenômenos naturais possam, por fim, ser
xplicados em termos de mecânica matemática. Julgando pelas suas afirma-
inconsistente e, até mesmo, secundário.
ções já citadas, o procedimento da ciência consiste de duas partes: a dedução
Seus parágrafos sobre método, todavia, são superiores. aos seus outr~. das forças a partir de certos movimentos, e as demonstrações de outros
pronunciamentos metafísicos, fato bastante natural em vista da. sua ~al. movimentos a partir das forças assim conhecidas.
imediata estrutura científica e do valor da herança de Newton na discussão ('
prática dos seus grandes predecessores. Vejamos .co:n0 ele des:reve, s .\1 Nós poderíamos esperar encontrar uma declaração firme sobre o papel
método, até onde for necessário para uma apreClaça(\ da sua influência da matemática no método filosófico em sua Universal Arithmetic, que contém a
metafísica. ubstância das suas aulas em Cambridge nos anos 1673-83. Com isso nos
desapontamos; suas orientações para a tradução de problemas para a
Newton observa em seu prefácio a Principia que "toda a dificuldade ~.I
linguagem matemática aplicam-se somente a questões que, de maneira óbvia,
filosofia parece consistir do seguinte: investigar as forças da natureza, a partn já envolviam relações quantitativas.' Filosoficamente, o que o livro tem de
dos fenômenos de movimentos e, dessas forças, demonstrar os outros fenô mais interessante é a disposição da aritmética e da álgebra como ciências
menos". Esta afirmação é altamente interessante, porquanto revela, de ime matemáticas básicas/ em oposição à "geometria universal" de Descartes,
diato, o campo preciso a que Newton confinou o seu trabalho. O co~j~nto d( Hobbes e Barrow. Qualquer uma das duas, entretanto, poderá ser empregada
fenômenos de movimento será o objeto do nosso estudo, que prosseguira com I quando o seu método de demonstração for o mais fácil e mais simples.'
descoberta das forças (definidas, naturalmente, como a causa de todas a
Newton foi levado a essa mudança principalmente por considerações metodo-
mudanças de movimento), de onde, em seguida, serão tomadas demonstra lógicas, tendo sua invenção do cálculo fluxionallhe suprido de um instrumen-
ções referentes a outros mo.vimentos e por eles confirmadas. De fato: Newtou 10 cujas operações não podiam ser inteiramente representadas geometrica-
nunca ascendeu, na sua concepção de. método, a qualquer g~au mais alto dc'
mente. Ao mesmo tempo, algumas de suas observações sobre método, nessas
generalidade que aquele revelado pela sua própria prática. E sempre do \/'fI
aulas, são suge tivas. Uma vez que iremos lidar com a mecânica e a ótica
método que ele fala, o que talvez era de se esperar, embora filosoficam nu .ilgebricam nt . o v r mos introduzir símbolos para representar todas as
desapontante. 11, propric d,1I11 (I ClIIIO .\ dir ção do movimento e da força, e a posição,
brilho nitidl di 1111I e 11 uirns) com as quais nos ocupamos na sua
A. O Aspecto Matemático II c\UÇ.IO 111,11 111111. I 11 11111 1110 II:tO milito I, horado ,<]uanoo
e WtOIl 111 I I dll "lI (Ic 11.10 110 di, (01110 (olhe I I 11
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170 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 171

através dos fenômenos. "Tendo sido, portanto, proposto qualquer problema.


causas de efeitos perceptíveis"," e insiste, em toda apresentação do seu
compare as quantidades nele envolvidas, e não diferenciando ~s dadas da.
método, que são os fenômenos observados da natureza que nos esforçamos
procuradas, considere como elas dependem uma da outra, e aSSIm se poder I
para explicar, mas também que condução experimental e verificação devem
conhecer que quantidades, se supostas, darão o resto, através de um
acompanhar cada passo do processo explanatório." Para Newton não havia,
procedimento sintético.:" "Podem-se supor quaisquer quantidades, que, COIJI
absolutamente, certezas a priori, como Kepler, Galileu e, especialmente,
eu ja ajuda, é possível chegar a equações; somente com esse cuidadoobter-se-I (I
Descartes acreditavam, que o mundo é repetidamente matemático e, menos
delas tantas equações quantas forem as suposições de quantidade
ainda, que seus segredos podem ser completamente desvendados pelos méto-
realmente desconhecidas."? dos matemáticos até então aperfeiçoados. O mundo é o que é; enquanto leis
Porém, se passamos para Opticks, publicado inicialmente em 1704, ma matemáticas exatas puderem ser nele descobertas, ótimo; de outra forma, nós
representando, em sua maior parte, um trabalho de trinta ou quarenta ano teremos de buscar a expansão da nossa matemática ou contentarmo-nos com
antes, encontramos breves indicações de uma concepção um tanto mais geral algum outro método menos seguro. Este é, claramente, o espírito do parágra-
de método matemático, que desejaríamos fosse mais extensivamente deseu fo do prefácio de Principia já citado: "Quisera poder deduzir o resto dos
volvido por Newton. "E sendo esses teoremas admitidos na ótica [respeita 11 fenômenos da natureza da mesma forma de raciocínio a partir de princípios
do-se a refração e composição da luz], haveria propósito suficiente paI I mecânicos ... mas espero que os princípios aqui expostos permitam alguma luz
utilizar aquela ciência extensivamente de uma nova maneira; não é somenu àquele ou a algum outro método de filosofia mais verdadeiro". A tentativa de
pelo ensino daquelas coisas que se chega à perfeição de visão, mas tamb '111 empirismo está presente aqui, de forma franca, e é a partir daqui que, para
pela determinação matemática de todos os tipos de fenômenos de cores qlll Newton, em marcante contraste com Galileu e Descartes, passa a haver' uma
poderiam ser produzidas por refrações. Para se fazer isso, nada mais I clara diferença entre verdades matemáticas e verdades físicas. "Que a resis-
necessário que descobrir as separações de raios heterogêneos, suas VáIi.1 tência de corpos existe em razão da velocidade é mais uma hipótese matemáti-
combinações e proporções em cada uma. Através dessa argumentação I I ca do que física", 12 e uma passagem similar ocorre em conexão com sua
inventei quase todos os fenômenos descritos nestes livros, além de algun investigação dos fluidos." Problemas como estes, certamente, mesmo Galileu e
outros, menos necessários ao argumento; e pelos sucessos que tive 11.1 Descartes não cogitariam resolver a priori, mas, tão-somente, porque é impos-
tentativas, ouso prometer que, para aquele que realmente argumental. I sível deduzir respostas para eles dos princípios matemáticos fundamentais
então experimentar todas as coisas com boas lentes e suficiente circunspecça« aceitos como estrutura da natureza; é exatamente quando deduções de tais
o resultado esperado não será decepcionante. Mas ele é o primeiro a saber <plI princípios levam a possibilidades alternativas que os experimentos precisam
cores serão formadas de quaisquer outras combinadas em qualquer propol ser empregados para chegar-se a uma decisão. Para Newton, entretanto, a
ção desejada.!" Newton crê aqui, evidentemente, ter estendido os limites d. matemática deve moldar-se continuamente à experiência; sempre que se
ótica matemática através da aplicação do método matemático aos Fenômeno permitia longas deduções de princípios, ele zelosamente insistia no caráter
das cores, tendo-o conseguido encontrando as "separações de raios heterog- abstrato dos resultados até que se provassem fisicamente verificados.
neos e suas diversas misturas e proporções em cada mistura". Ao fim dll
Newton foi, assim, o herdeiro natural dos dois importantes e férteis
primeiro livro, ele resume suas conclusões sobre esse ponto afirmando <]11I
movimentos no desenvolvimento anterior da ciência, o empírico e o experi-
como resultado de sua precisa determinação experimental das qualidades d
mental, como também o dedutivo e o matemático. Foi o seguidor de Bacon,
refrangibilidade e reflexibilidade, "a ciência das cores torna-se uma especula
Gilbert, Harvey e Boyle, tanto quanto sucessor de Copérnico, Kepler, Galileu
ção tão verdadeiramente matemática como qualquer outra parte da ótir .1"
e Descartes; e, se fosse possível separar inteiramente os dois aspectos do seu
A determinação de Newton em reduzir outro grupo de fenômenos a fórrnul.i
matemáticas ilustra, novamente, o papel fundamental daquela ciência no I 11 método, teria de ser dito que seu critério fundamental era mais empírico que
matemático. Apesar do título do seu grande trabalho, ele tinha muito menos
trabalho, mas, no que respeita ao método pelo qual ele obteve aquela reduc.r«
suas declarações são por demais breves para servirem de ajuda. V oltemo-n« segurança no raciocínio dedutivo aplicado aos problemas físicos do que o
para o outro, e igualmente importante, aspecto do seu método, o exp-u moderno cientista médio. Empregava a verificação experimental para a
mental. solução de questões cujas respostas pareceriam envolvidas com os próprios
significados dos s us termos, como a proporcionalidade da resistência à
B. O Aspecto Empírico densidad .1' DI Iinirh 'I m •. sa m termos de densidade, e também em termos
d r i. t nci.r, 1.11 I'IIIJlIII r ionalid d pareceria estar envolvida no próprio
Para o mais apressado estudante d N( WIOII, I óhvir) qu 1':1 1 "
ignifirado d I )1111 I I f /I /111'1\(/1 ruhmetics, I at m mo ug r qu
ativam ntr ernpírico quanto mal maik a 1" Ile li" 1'11 IIslt ntu,
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Não é demais afirmar que, para Newton, a matemática era unicamente um satisfatórias, se interpretadas. apropriadamente". Mas o interesse absorvente
método para a solução de problemas apresentados pela experiência perceptí- de Newton se concentra nas propriedades e leis experimentais demonstráveis
vel. Era pouco interessado em raciocínios matemáticos que não fossem desti- imediatamente a partir dos fatos, e estas ele insistiu em distinguir, de forma
nados à aplicação em problemas físicos; essencialmente, considerava-os um absoluta.. das hipóteses. Nada o irritava mais do que ter sua doutrina da
instrumento útil na redução dos fenômenos físicos. Isso é deixado claro no refrangibilidade da luz chamada de hipótese; em resposta, ele afirmava
prefácio de Principia: "Uma vez que os antigos ... tinham grande respeito pela enfaticamente que sua teoria "parecia conter nada mais que certas proprieda-
ciência da mecânica na investigação das coisas naturais, e os modernos. des da luz, que eu descobri e não vejo dificuldade em provar; e se eu não as
deixando de lado formas substanciais e qualidades ocultas, esforçaram-se para tivesse percebido como verdadeiras, teria preferido rejeitá-Ias corno fúteis,
sujeitar os fenômenos da natureza às leis da matemática, eu cultivei a como especulação sem importância, a ter de reconhecê-Ias corno. minhas
matemática, neste tratado, enquanto filosofia. Os antigos consideravam a hipóteses". 18 Esta afirmação é seguida de outras vigorosas declarações sobre a
mecânica de duas maneiras: uma, racional, produzida acuradamente pela superioridade dos experimentos ao método de dedução a partir de suposições
demonstração; e outra, prática". Newton observa que aquilo que é perfeita a priori. "Enquanto isso, permita-me insinuar, Senhor, que eu não posso crer
mente acurado veio a ser chamado geométrico; e o que é menos que acurado, que seja eficiente para determinar a verdade, o exame aos vários modos pelos
mecânico. Mas essa distinção não nos pode fazer esquecer que as dua quais os fenômenos podem ser explicados, a menos que possa haver uma
surgiram, originariamente, como uma ciência única de prática mecânica." Por perfeita enumeração de todos aqueles modos. Como o Senhor sabe, o método
exemplo: "descrever linhas retas e círculos constituem problemas, mas não correto para inquirir a respeito das propriedades das coisas é deduzi-Ias dos
problemas geométricos. A solução deles é obtida da mecânica; e através da experimentos .... E, por isso, eu poderia desejar que fossem suspensas todas as
geometria, quando desta forma solucionados, o seu uso é mostrado. E é uma objeções, tomadas das hipóteses, ou quaisquer outras que não estas: de
glória para a geometria poder fazer, desses poucos princípios, buscados de fora. mostrar a insuficiência dos experimentos para determinar essas indagações,
tantas coisas. A geometria é, portanto, baseada na prática mecânica, e não é mais do ou provar quaisquer outras partes da minha teoria, assinalando as imperfei-
que aquela parte da mecânica universal que, com precisão, propõe e demonstra a art ções e defeitos nas minhas conclusões delas tiradas; ou de produzir outros
de medir. Mas, uma vez que as artes manuais versam particularmente sobr experimentos que me contradigam diretamente, se algo assim puder ocor-
movimentos de corpos, ocorre que a geometria é comumente referida às sua rer." 19 Newton, de forma alguma, absteve-se inteiramente de especulações
magnitudes, e a mecânica aos seus movimentos. Neste sentido, a mecânic hipotéticas sobre a natureza da luz, mas tentou manter clara a distinção entre
racional será a ciência dos movimentos resultantes de quaisquer forças, e d. tais sugestões e seus resultados experimentais exatos. Ele foi especialmente
forças requeridas para produzir qualquer movimento, proposto e demonstra provocado pelo que tomava como abuso de Hooke, com relação à sua sugestão
do com precisão". A ênfase empírica e prática, aqui, é central; a geometria de que os raios de luz são corpóreos. "Isto, ao que parece, o Senhor Hooke
parte da mecânica universal, e os outros ramos da mecânica, juntos, com toma como minha hipótese. E verdade que, em minha teoria, eu discuto a
preendern uma única ciência dos movimentos dos corpos, ciência esta origi corpuscularidade da luz, mas faço-o sem qualquer positividade absoluta,
nalmente desenvolvida em resposta a necessidades práticas. como a palavra talvez esclarece, e, quando muito, torna uma conseqüência
muito plausível da doutrina, e não uma suposição fundamental. .. Tivesse eu
pretendido tal hipótese, eu a teria explicado em algum lugar. Mas eu sabia
C. Ataque a "Hypotheses" que as propriedades da luz, que demonstrei, eram, em alguma medida,
capazes de ser explicadas não somente por aquela, mas por muitas outras
Deveríamos, então, esperar de Newton uma forte insistência na necessicla hipóteses mecânicas; e, portanto, escolhi recusá-Ias todas e falar da luz em .
de do experimento e alguma paciência com idéias sobre o mundo que nuo termos gerais, considerando-a abstratamente como alguma coisa que se pro-
fossem deduções, por experimento, de fenômenos perceptíveis, ou verificá paga por todos os lados, em linhas retas, a partir de corpos luminosos, sem
veis exatamente pela experiência. Seus trabalhos estão repletos de polêrnk \ determinar que coisa é." 20 Esta posição ele esclarece com outras observações.
constante contra "hipóteses", significando, geralmente, idéias daquele tipo "Não creio necessário explicar minha doutrina por qualquer hipótese.'?'
Na época dos seus primeiros experimentos óticos essa polêmica toma .\ "Veja-se, pois, o quanto está fora da questão discutir a respeito de hipóteses.'?"
forma suave de declarar o adiamento das hipótese até que leis experim Illai "Mas, se ainda I!O\lV('1 alguma dúvida [sobre minhas conclusões], é melhor
acuradas fossem estabelecidas por um estudo dos fatos disponíveis. li. De falo. (010 ar o (aso I 111 ( 11(1111 •• nc ias mai aprofundadas do experimento do que
d pois qu propri dad s lei. ao assim (, t, tllI 1i 1111.1 I }lI I inu ntalnu 1111 .iquic sc ('I 1)111 1IIIIIIIIdl li qll.t1cJlIt I t xplicnçào hipot tica.""
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lei experimental - Newton envolveu-se em uma disputa após outra a respeiro diminuição nunca pode ser retirado. Não deveremos abandonar com certeza
da natureza e validade das suas doutrinas - resultando, com o passar do a evidência dos experimentos pelos sonhos e ficções vãs de nossa própria
anos, que ele sentiu-se forçado à convicção de que o único método seguro 1.1 criação; nem nos afastaremos da analogia da natureza, que costuma ser
banir inteiramente as hipóteses da filosofia experimental, confinando-se simples e sempre consoante consigo." Somos, assim, trazidos de volta aos dois
rigorosamente às propriedades e leis descobertas e verificadas com exatidão primeiros princípios, da simplicidade e uniformidade da natureza e da
Essa posição é tomada decisivamente em Principia e em todos os trabalhe, identidade das causas cujos efeitos são os mesmos. São esses apriorismos
subseqüentes; em Opticks, com certeza, ele não poderia evitar algumas ext 11 suposições especulativas sobre a estrutura do universo, o que torna sempre
sas especulações, mas as excluiu do corpo principal do trabalho, propondo-a possível reduzir seus fenômenos a leis, especialmente leis matemáticas; ou
simplesmente como indagações para a condução de maiores pesquisas exp 11 foram, para Newton, simplesmente uma questão de método, para ser tentati-
mentais. O pronunciamento clássico sobre a rejeição da hipótese ocorre 110 vamente empregado como princípio de maiores pesquisas? Talvez seja impos-
fim de Principia. "Qualquer coisa não deduzida de fenômenos deve SI I sível responder a essa pergunta com absoluta confiança. Naqueles tempos, em
chamada de hipótese; e hipóteses, sejam metafísicas ou físicas, referentes I que a base teológica da ciência de Newton era sua maior preocupação, é
qualidades ocultas ou mecânicas, não têm lugar na filosofia experimental provável que ele tivesse respondido, substancialmente, como Galileu e Descar-
Nesta filosofia, proposições particulares são inferidas dos fenômenos, e torna tes. Mas, nos seus parágrafos estritamente científicos, a ênfase é dominadora-
das gerais, em seguida, por indução. Assim foi que a impenetrabilidad , .1 mente em favor do seu caráter tentativo, positivista; daí a quarta norma de
mobilidade, e a força impulsiva dos corpos, e as leis de movimento e d raciocínio em filosofia - que agora citaremos - deve ser tomada como a que
gravitação foram descobertas. "24 impõe limites definidos a todas as outras três.

Com essas assertivas esclarecedoras em mente, devemos engajar COIIIO . "Na filosofia experimental devemos considerar proposições formadas por
extremamente importante a quarta Norma de Raciocínio em Filosofia, que, mdução geral de fenômenos como acuradas, ou muito próximas disso, apesar
lida corretamente, absolve Newton da acusação de haver aceito em SII•• de quaisquer hipóteses em contrário que se possa imaginar, até o momento
filosofia certos princípios a priori, aparentemente presumidos nas outras lI< em que ocorram outros fenômenos que poderão torná-Ias mais precisas ou
normas, embora, com certeza, sua linguagem defensiva, especialment 11.1 passíveis de exceções. Devemos seguir essa norma para que o argumento da
terceira norma, devesse dissuadir-nos de qualquer reclamação desse tipo .. indução não se evada pelas hipóteses." Em outras palavras, não dispomos de
primeira norma é o princípio da simplicidade: "Não devemos admitir 111011 qualquer garantia metafísica contra o aparecimento de exceções a, até mesmo,
causas de coisas naturais que não as que forem tanto verdadeiras COIIIO nossos princípios adotados com a maior segurança; o empirismo é o supremo
suficientes para explicar suas aparências. A esse propósito, dizem os filósofo o teste. Isto surge numa passagem interessante de Opticks, e se aplica ao
nada, na natureza, é feito em vão, e de menos servirá quanto mais for em Vil" princípio básico da simplicidade e uniformidade da própria natureza. Muito
pois à natureza agrada a simplicidade, e não lhe afeta a pompa de cau .1 razoável que assim seja [isto é, que o teorema da proporção uniforme' dos
supérfluas"." A segunda das normas é que "devemos, tanto quanto pos ivr-l senos se aplica a todos os raios de luz], posto que a natureza conforma-se
destinar as mesmas causas aos mesmos efeitos naturais". A posterior expll' sempre consigo própria; mas uma prova experimental é desejada." Nenhuma
são mais matemática deste princípio é que eventos diferentes expressado dedução de um princípio aceito, não importa quão geral ou quão claramente
pelas mesmas equações devem ser tomados como produzidos pelas me 111.1 proveniente de fenômenos passados, pode, portanto, passar por absoluta ou
forças. A terceira norma parece ir, ainda mais definidamente que as prinu-i fisicamente certa sem verificação experimental cuidadosa e contínua.
ras, além de princípios empíricos e estritos. "As qualidades dos corpos que 11•••
admitam nem intensificação, nem remissão de graus, e que são julgad.i
pertencentes a todos os corpos ao alcance de nossos experimentos, devem M I D. A União da Matemática e do Experimento em Newton
consideradas qualidades universais de todos e quaisquer corpos." Não é l' I I
uma suposição altamente especulativa, do tipo cartesiano, em que é legíl illlC) Como, então, propôs Newton unir os métodos matemático e experimen-
generalizar, ad infinitum, as qualidades descobertas no pequeno espaço eI.1 tal? Uma compl ta d laração da sua posição a esse respeito só pode ser dada
nossa experiência; ou será, talvez, um postulado puramente metod lógu o após cuidado. o ( amt d( . \l prática, pois suas palavras são desconcertante-
Newton prossegue, explicando que ele encara e ta r gra como nada mais <]11 m nt inadc 1I1I.ld I 1111111m I a: S K m é encontrada em sua carta a Olden-
uma combinação do método experimental (0111 li p1 imc iro princ ípiu ell burg, 111 11 P" ti 111 11111111 dI I IIIOkt, cio qu: I j, fiz m s itação: "Em último
uniformidade ela nature/a." ma VI'I qlll ,I <]11.11•• 11111 dll' (111 ]lll' 1111 .10 II11(a1, t \I d, I I1 I I 1111 I I 111.. 1111 1110 di 1111I,1 ( pl s: ao I usual, qUI .IIR I(

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matemática e tão certa como de qualquer outra parte da óptica; mas quem não científica importante, 'devem ocorrer cuidadosas experimentações, porque
sabe que a óptica,. como muitas outras ciências matemáticas, depende tanto buscamos sempre compreender os fatos perceptíveis 28; mas a compreensão,
das ciências físicas como de demonstrações matemáticas? E a certeza absoluta contanto que exata, deve ser expressa em linguagem matemática. Assim,
de uma ciência não pode exceder a certeza dos seus princfpios. Ora, a através dos experimentos, devemos descobrir as características que podem ser
evidência pela qual enunciei as proposições das cores deriva de experimentos, discutidas naquela linguagem, e ter nossas conclusões verificadas. "Nosso
e é, portanto, física: por conseguinte, as próprias proposições 'não podem ser propósito é somente certificarmo-nos das quantidades e propriedades desta
avaliadas como mais que princípios físicos de uma ciência. E se aqueles . força (atração) a partir dos fenômenos e aplicar o qu~ descobrimos a alguns
princípios forem tais que com base neles um matemático possa determinar casos simples, como princípios, pelos quais, de maneira matemática, possamos
todos fenômenos de cores que podem ser causados por refrações, e tais que. estimar seus efeitos em casos mais elaborados. Seria interminável e impossível
após discutir ou demonstrar de que maneira e em que medida aquelas trazer, para direta e imediata observação, cada detalhe. Dissemos, de maneira
refrações separam ou reúnem os raios, aos quais são inerentes diversas cores. matemática, para evitar todas as questões a respeito da natureza ou qualidade
suponho que a ciência das cores será considerada matemática, e tão exata desta força (atração), que nós não poderíamos determinar por qualquer
quanto qualquer parte da óptica. Tenho boas razões para crer que isso pode hipótese.'?" Estamos agora preparados para considerar a afirmação um tanto
ser realizado, porque desde o momento em que tomei conhecimento desse. mais geral de Newton sobre seu método nas últimas páginas de Opticks, em
princípios eu os tenho utilizado, para esse propósito, com sucesso constante que as conseqüências" positivístas do seu experimentalismo e rejeição de
nos resultados"." Aqui, novamente, o lapso de Newton, em alcançar qualquer hipóteses são especialmente enfatizadas. .
grau mais alto de generalidade do que aquele característico de 'sua própria
prática, é desconcertantemente evidente; ao mesmo tempo, ele diz alguma "Esses princípios (massa, gravidade, coesão, ete.) não os considero
coisas importantes e instrutivas. Certas proposições sobre cores derivam de como qualidades ocultas, supostamente resultantes das formas
experimentos, e se transformam nos princípios da ciência; e são de tal específicas das. coisas, mas como leis gerais da natureza, pelas quais
maneira que podem ser feitas delas demonstrações matemáticas de todos () as próprias coisas são formadas; uma vez que sua verdade nos
fenômenos de refração de cor. Esta forma um tanto mais clara da própria aparece pelos fenômenos, embora suas causas não tenham sido
concepção de Newton do seu modus operandi se generalizará e se iluminara ainda descobertas; pois essas são qualidades manifestas, e somente
bastante, com detalhes, a partir de um estudo cuidadoso de sua biografia suas causas são ocultas, E os aristotélicos deram o nome de qualida-
científica. des ocultas não àquelas, mas somente às que supunham existir
escondidas em corpos, e serem as causas desconhecidas de efeitos
Todo o método experimental-matemático de Newton pareceria analisa
manifestos; essas seriam as causas da gravidade e das atrações
vel, à luz de tal estudo suplementar, em três etapas principais. Primeiro, .1
magnéticas e elétricas, como também de fermentações, se supusés-
simplificação dos fenômenos por experimentos, de modo que aquelas su.i
semos que essas forças ou ações surgissem de qualidades desconhe-
características que variam quantitativamente, juntamente com a forma de 11.1
cidas por nós e incapazes de serem descobertas e tornadas manifes-
variação, possam ser apreendidas e definidas precisamente. Esta etapa fOI tas. Tais qualidades ocultas impedem o progresso da filosofia
praticamente negligenciada por lógicos posteriores, mas é, claramente. o natural e, por conseguinte, têm sido rejeitadas nos últimos anos.
modo como Newton estabeleceu acuradamente conceitos fundamentais, C011l0 Dizer-nos que toda espécie de coisas é dotada de uma específica
refringência na óptica e massa na física, e como descobriu proposições mal qualidade oculta, pela qual atua e produz efeitos manifestos, é
simples a respeito de refração, movimento e força. Segundo, a elaboraç.ui ..dizer-nos nada: Mas inferir dos fenômenos dois ou três principies gerais
matemática de tais proposições, geralmente com o auxílio do cálculo, d t.rl de movimento, e posteriormt!nte dizer-nos como as propriedades e ações de
forma que a operação desses princípios, em quaisquer quantidades ou todas as coisas corpóreas decorrem daqueles princípios manifestos, seria um
relações em que possam ser encontrados, seja expressa matematicamente grande passo.em filosofia, embora as causas daqueles princípios não fossem
Terceiro, devem ser feitos experimentos exatos mais aprofundados (1), par ainda descobertos: e, portanto, eu não ouso propor os princípios de
verificar a aplicabilidade dessas deduções em qualquer campo e para redu" movim nto acima mencionados, por serem de extensão muito
Ias à sua forma mais geral; (2) no caso de fenômenos mais complexos, det cLII g 1.11 I pOl dI i. ,U' m as suas causas por descobrir.w"
a presença e determinar o valor de quaisquer cau a adicionais (na me àJlie.1
as forças), que possam ser submetidas a tratam nto quanrir tivo; (3) sUR '111 fundam ntal qu wton
IJlosIIOII I
nos ca os em qu a natureza d tais ausas ••di! iOIl.li p! 11J1.lIlt Ç.I obscura, 11111I lico t'
( .11 I( i.IIICI
xpansao do nosso \lI IlIt! .Ipal.lto 111li! 11\ li. ". l' \ 1111.1 111I11 (·1.1 11\11
lil. llJlf 1111 1111, I' 11 'I \ 1011, 110 1'111 I' II I l un di lod.!
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11111 Jclllo
178 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 179

os primeiros experimentos e observações, a partir dos quais o comportamento 'terminar no mais geral. Este é o método de análise, e a síntese
matemático dos fenômenos é definido, não presumiriam algo a que no consiste em supor as causas descobertas, já estabelecidas como
podemos referir apenas como hipóteses, as quais orientam tais experimento princípios, explicar os fenômenos derivados delas, e comprovar as
a uma conclusão feliz? Nos tempos dos seus trabalhos óticos iniciais, Newtou explicações. Nos primeiros dois livros desta obra, procedi dessa
não teria recusado inteiramente concordar; algumas vezes, há hipóteses qUI'. forma para descobrir e provar as diferenças originais da luz com
definitivamente, "podem servir de auxílio a experimentos"." Mas, nos seu respeito à refrangibilidade, refIexibilidade e cor, e seus moldes
escritos clássicos, mesmo tais idéias de orientação parecem ter seu lugar I alternativos de fácil reflexão e fácil transmissão, e as propriedades
função negados. Aparentemente, precisamos de uma hipótese somente ne te de corpos, tanto opacos como transparentes, de que dependem
sentido muito geral, qual seja, a expectativa de que, mesmo embora ,I suas reflexões e cores. Provadas essas descobertas, poderão elas ser
natureza tenha, até agora, se revelado, em grande extensão, como uma ordem presumidas, no método de composição, para explicar os fenôme-
matemática simples e uniforme, há leis e aspectos quantitativos exatos em nos derivados delas, tendo eu dado um exemplo do método no fim
qualquer grupo de fenômenos que experimentos simplificadores nos permiti do primeiro livro.'?"
rão detectar, e experimentos mais amplos nos permitirão reduzir à sua forma
Com essas sérias afirmações, fica bastante claro que Newton sentiu ter
mais genérica. Assim, Newton acredita que pode falar do seu método como
feito uma grande descoberta metodológica, apesar de ser incapaz de enunciar
princípios de dedução de movimento a partir dos [enõmenos", porque es ('
seu método em sua total generalidade. Galileu havia posto de lado explicações
princípios são afirmações completas e exatas dos fenômenos até onde S('II
em termos do porquê definitivo dos eventos físicos em favor da explicação em
movimento é relevante. E quando a indução é aplicada a esses princípios, \11
termos do seu imediato como, isto é, uma fórmula matemática que expressa
exatidão e perfeição como redução dos fenômenos não são, de todo, perdida.
seus processos e movimentos. Mas Galileu ainda trazia influências de muitos
Newton simplesmente quer dizer com isso que elas são expressas na sua forma
preconceitos metafísicos dos seus antepassados, enquanto que, para o resto,
mais geral como passíveis de aplicação em um campo maior. Dessa forma, nao
ele erigiu seu método matemático em uma metafísica, e foi capaz (exceto em
há lugar para a hipótese, na filosofia natural, de acordo com o ponto de vista
poucas passagens) de não fazer distinção clara, em seus trabalhos, entre o
final de Newton; analisamos os fenômenos para deduzir suas leis matem, li
estudo científico de movimentos percebidos e essas idéias mais definitivas. Em
cas, dentre as quais aquelas de maior aplicação são tornadas gerais por
Descartes, a metafísica da matemática era ainda mais central e dominante; a
indução. A palavra indução não diminuiu a certeza matemática dos resulto!
paixão por um sistema completo do universo ainda menos abandonada.
dos, e não deve ser mal interpretada quando enfatizada na afirmação final de 1
Boyle, por sua parte, tinha bastante certeza de que, em última análise, o
método de Newton em Opticks; simplesmente, enfatiza seu ernpirismo funda
mental. mundo teria de ser interpretado religiosamente, mas, no que se referia à
ciência experimental, ele estava pronto a apontar a pobreza do conhecimento
"Como na matemática, também na filosofia natural a investigo I humano e seu progresso tentativo e gradual. Muito embora não fosse mate-
ção de coisas difíceis pelo método de análise precisa sempre. I I mático, Boyle não via como obter exatidão na ciência. A ciência é composta de
precedida do método de composição. Essa análise consiste em fatl I hipóteses que, por segurança, foram testadas e verificadas, tanto quanto
experimentos e observações, e em tirar, por indução, conclusór possível, por experimentos. Mas, considerando que um experimento contrá-
que não admitam objeções, exceto as tomadas de experimento 011 rio pode ocorrer num momento qualquer, devemos dar-nos por satisfeitos
outras verdades seguras. As hipóteses não podem ser considerado! simplesmente com o probabilismo. Newton, como já vimos, dispunha-se a
em filosofia experimental. E, embora a discussão, por indução, d aceitar a possibilidade de exceções, mas não em conceder que a ciência fosse
experimentos e observações, não seja demonstração de conclu ()( composta de hipóteses. Qualquer coisa que não é imediatamente deduzida
gerais, é, contudo, a melhor maneira de discutir que a natureza d! dos fenômenos deve ser chamada de hipótese, e não deve ter lugar na ciência,
coisas admite, e também pode ser considerada como a mais Ioi t especialmente as tentativas de explicar a natureza das forças e causas revela-
pelo quanto a indução é mais geral. E, se não ocorrer exceçã do das nos fenômenos de movimento. Tais explicações, por sua própria nature-
fenômenos, a conclusão poderá ser pronunciada de modo g J.II za. não são u tíveis de verificação experimental. Sabemos, por exemplo,
Mas, se em qualquer momento posterior ocorrer alguma ex (·!,.III que temo podido 1 I duzir da lei matemática certos movimentos que ocorrem
nos experimentos, poderá, então, começar a ser pronun iada (OIJl na natun /.1 I, IClIII.llldlln, como os efeitos de um certo tipo de força,
tais exceções, à medida qu o orr r m. Por esta form d annli ch mamo qlll I1 IClII,1ele i .rvidade. "Ma. até este ponto. fui incapaz de
pod mo pro. Ruir, de (oIJJhlJl.I!,()( .1 inRJ di nt '. c d 11111 I dI scOI)!II, .1 I 1111 , .11.1\1.1 cioqu Ias propri dad s da gravida
111( 1110 a fOI!," q\ll o 111 \I 11111,e. e 111 1•.11,dI (ti ilo .1
CleI dI; 11\" " 1I.IIIIJC"I IIltilllol da 8lavid.lcll
(11 I,I ti (.11 111111111111 11 eI~ IClIlIt II I I, I .I'"i I 1111 I. I ClIIII'IC(1Ie1 I
180 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 181

como age, não o que é .. Para Newton, então, a cuncia era composta de leis qUI' sua verdade ou falsidade, mas se há nela metafísica. Bem, submetamo-Ia a
enunciam o comportamento matemático da natureza, exclusivamente -leis claramen uma análise exploratória. Não surgirão, daí, inúmeras suposições metafísicas?
te dedutíveis dos fenômenos e verificáveis exatamente nos fenômenos - tudo mais deve Em primeiro lugar, ela está cheia de frases sem definição precisa, como
ser varrido da ciência, que assim se torna um corpo de verdade absolutamente segura /I "natureza fundamental", "conhecimento correto", "natureza do todo", e
respeito dos fatos do mundo físico. Newton acreditou, por sua íntima união do suposições de momento estão sempre penetrando sorrateiras em frases que
métodos matemático e experimental, haver aliado indissoluvelmente a exati são, assim, .usadas descuidadamente. Em segundo lugar', definindo-se essas
dão ideal de um à constante referência empírica do outro. Ciência é Ii frases de qualquer modo, não revela a afirmação implicações muito interes-
formulação matemática exata dos processos do mundo natural. A especulação est.i santes e extremamente .importantes a respeito do universo? Tomando-a em
em liquidação, mas o movimento rendeu-se incondicionalmente à 'rnenu qualquer sentido geralmente aceito, não sugere ela, por exemplo, que o
conquistadora do homem. universo seja essencialmente pluralista (exceto, naturalmente, quanto ao
pensamento e à linguagem), ou seja, que certas coisas acontecem sem qual-
quer dependência genuína de outros acontecimentos, e pode ela, portanto,
Seção 2. A Doutrina do Positivismo ser descrita em termos universais sem referência a qualquer outra coisa? Os
positivistas científicos testemunham de várias maneiras essa metafísica plura-
Ora, alguém indagará, se este é um relato correto do método de Newton, lista, como quando insistem em que há sistemas isoláveis na natureza, cujo
não há uma flagrante contradição numa frase como "a metafísica de New comportamento, ao menos' em todos os aspectos importantes, pode ser
ton;'? Não foi essa rejeição da hipótese a sua mais destacada realização, nuo reduzido a .lei sem qualquer medo de que a investigação de outros aconteci-
teve ele sucesso mensurável, pelo menos no corpo principal dos seus trab.i mentos possa fazer mais que colocar aquele conhecimento em um contexto
lhos, em vetar idéias sobre a natureza do universo como um todo? N ão haver.i maior. Sem dúvida, estritamente falando, não poderíamos dizer que sabíamos
justificativa total para sua alegação de haver descoberto e utilizado um o que aconteceria ao nosso sistema solar se as estrelas fixas desaparecessem
método pelo qual o domínio de certa verdade pode ser aberto e alargado repentinamente, mas sabemos que é possível reduzir os grandes fenômenos
independentemente de soluções presumidas de problemas fundamenta i do nosso sistema solar à lei matemática com base em princípios que ·não
Somos informados de que Newton foi o primeiro grande positivista. dependem da presença das estrelas fixas, e, portanto, sem razão para supor
Seguindo Galileu e Boyle, mas com mais consistência,. ele virou as costas .1 que o seu desaparecimento perturbaria nossas formulações. Ora, esta é,
metafísica em favor de um pequeno, mas crescente, corpo de conhecimento certamente, uma suposição importante sobre a natureza do universo, sugerin-
exatos. Com seu trabalho terminou a era dos grandes sistemas especulativos, I do muitas considerações maiores. Abstenhamo-nos, porém, de pressionar
alvoreceu um novo .dia, de exatidão e promessa da conquista intelectual d,1 mais o nosso raciocínio neste ponto; a lição é que, tão logo mesmo a tentativa
natureza pelo homem. Como, então, falar dele como um metafísico? de escapar à metafísica é posta em forma de proposição, eis que envolve
postulados metafísicos altamente significativos.
As principais linhas gerais da resposta a essa crítica devem estar clara ,
tendo em vista o inteiro curso de nossa discussão. Respondê-Io com algum Por essa razão, há um perigo extremamente sutil e insidioso no positivis-
detalhe, todavia, fornecerá uma introdução útil e um sumário de nossa análi I mo. Se não se pode evitara metafísica, que tipo de metafísica provavelmente
da metafísica de Newton. cultivará a pessoa qu~ se sinta suficientemente livre da abominação? É claro
que, não. é necessário dizer, neste caso a sua metafísica será mantida acritica-
Para começar, não há como escapar da metafísica, ou seja, das implicaçm mente, porque é inconsciente; além disso, será passada adiante a outros bem
finais de qualquer proposição, ou grupo de proposições ..A única maneira dI mais rapidamente que as suas outras noções.ruma vez que será propagada por
evitar tornar-se um metafísico é não dizer nada, Isso pode ser ilustrado pt"ll insinuação, em vez do argumento. direto. Um testemunho extremamente
análiseide qualquer afirmação, ao gosto do leitor. Suponhamos a po il.,"o interessante da penetrante. influência da primeira filosofia newtoniana, ao
central elo positivismo como exemplo. Isso pode, talvez, ser assim formulado longo do curso do pensamento moderno, é a incapacidade de um estudante
é possível chegar-se a verdades sobre coisas sem pressupor-se qualquer t (lI 1,1 sério de N wton m ver que seu mestre possuía uma metafísica das mais
sobresua natureza fundamental ou, mais simplesmente, é possível ter- 11111 important ~.
conhecimento correto. de uma parte sem se sab r a natureza do todo. V jílllU'
de perto esta posição: o fato de. qu, m f(,llo \I'lil i 10, da s ja rÓI I C'l,1 lell/,I 11.1IlIc'nl(, r vela, de forma clara, que o pensador que
'pareceria estar as, g"urado p -los sue -ssos II ,li d I 111111/,1,I),I/li( ul.u nu 1111I "I 1111d.1I,I, lia V( rdadc, três tip s principais d noçõ '.
m.u euuuic»: jlOc!C'lllOS dI (ofllit tI 1,11 ..111 I 11111 1I11! 1111,1 1'0IC,OI' di 11111111 lt \111111".11:,,I~ idtias!1co sua {'I'OI,1 xoln« qllcs
111,1111/.11111I ulllal II1 Il'l.llellll I 111111
I c 111 ,I. '1"1 I IfI 11.111«111.1 IllI til /d! /1 II.IU(1I1l11,ni,11I11I (11 tllle 11 IItt
lHO' Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 183

despertarem sua critica. Ninguém surgiu ainda, na história humana, nem teoremas mecarncos ou ópticos aos quais estava ligada, tornou-se o cenário
mesmo o intelecto mais profundamente crítico, em quem não possa ser permanente para todos os desenvolvimentos adicionais importantes na ciência
detectado um importante idola theatri, mas o metafísico será, pelo meno . e filosofia. Realizações magníficas, irrefutáveis, conferiram a Newton uma
superior ao seu oponente nesse respeito, por estar constantemente em guarda autoridade sobre o mundo moderno, que, sentindo ter-se livrado da metafísi-
contra a entrada sub-reptícia e a influência não questionada de tais noções. ca através de Newton, o positivista, tornou-se acorrentado e controlado por
Em segundo lugar, se se tratar de uma pessoa engajada em qualquer investi uma metafísica muito mais definida através do Newton, o metafísico. Quais
gação importante, ela deverá ter um método, e estará sob uma forte < são os elementos essenciais daquela metafísica?
constante tentação para criar, do seu método, uma metafísica, ou seja, supor o
universo, fundamentalmente, de tal modo que seu método seja apropriado (' Seção 3. Concepção Geral de Newton sobre o Mundo,
bem-sucedido. Algumas das conseqüências de sucumbir a tal tentação têm e sobre a Relação do Homem com o Mundo
sido abundantemente evidenciadas em nossa discussão do trabalho de Kepler,
Galileu e Descartes. Finalmente, desde que a natureza humana exige a Podemos começar resumindo rapidamente os pontos que Newton adotou,
meta física para sua completa satisfação intelectual, nenhuma grande mente meramente, dos seus predecessores, indicando simplesmente a forma precisa
pode evitar inteiramente jogar com questões fundamentais, especialmentt em que ele os passou adiante ao mundo moderno, como um todo. Assim,
quando elas são poderosamente lançadas por considerações provenientes de como Boyle, que tinha aceitado, sem séria indagação, a estrutura principal do
suas investigações positivistas, ou por certos vigorosos interesses extracientífi universo conforme exposta por Galileu, Descartes e Hobbes, e embora ele
cos, como a religião. Mas, muito embora a mente positivista não logre treinar próprio não fosse um matemático competente, Newton também o fez, encam-
se em cuidadoso pensamento metafísico, suas iniciativas, em tais pontos, pando sem crítica a visão geral do mundo físico e do lugar do homem nele, o
poderão parecer dignas de pena, inadequadas, ou mesmo fantásticas. Cada que se desenvolveu nas mãos dos seus ilustres precedessores, apesar de sua
um desses três tipos é exemplificado em Newton. Seu conceito geral do matemática ter sido, fundamentalmente, um instrumento a serviço da filoso-
mundo físico, e de sua relação com o homem, inclusive a revolucionária fia experimental. Também para Newton, o mundo da matéria era possuidor,
doutrina da causalidade e o dualismo cartesiano no seu resultado final essencialmente, de características matemáticas. Era composto, em última
ambíguo (que foram as duas características centrais da nova ontologia), COIII análise, de partículas absolutamente rígidas, indestrutíveis, equipado com as
seus corolários um tanto menos centrais a respeito da natureza e processo d,l mesmas características que tinham então se tornado familiares sob o título de
sensação, qualidades primárias e secundárias, a prisão e os poderes mesqui qualidades primárias, com exceção de que a descoberta de Newton e sua
nhos da alma humana, foi encampado, sem ser examinado, como um resulta definição precisa de uma nova qualidade dos corpos, matematicamente exata
do assegurado do movimento vitorioso cujo maior campeão ele estava destina a vis inertiae, induziu-o a juntá-Ia à lista. Todas as mudanças na natureza
do a tornar-se. Suas considerações sobre espaço e tempo pertencem, em parte , devem ser vistas como separações, associações e movimentos desses átomos
à mesma categoria, mas foi dada a elas, em parte, uma reviravolta das mai perrnanerites."
interessantes, por convicções do terceiro tipo. Ao segundo pertence eu
tratamento da' massa, ou seja, ele ganha sua importância metafísica a partir d< Ao mesmo tempo, deve ser reconhecido que o forte empirismo de
uma tendência para estender as implicações do método de Newton. Do ewton tendia, continuamente, a dominar e qualificar sua interpretação
terceiro tipo são, principalmente, suas idéias sobre a natureza e função cio matemática da teoria atômica. Os átomos são predominantemente matemáti-
éter, e sobre a existência de Deus e sua relação com o mundo desve~dada P('(,I cos mas também ~ão passam de elementos menores de objetos experimenta-
ciência. Dificilmente poderemos fazer melhor do que permitir a essa anális dos perceptivelmente. Isso é evidente na sua afirmação mais sistemática em
dos três tipos nos prover de um sumário das seções seguintes. Principia.

A teologia de Newton recebeu, na geração seguinte, severos golpes na "Não conhecemos a extensão dos corpos senão pelos nossos senti-
mãos de Hume e dos radicais franceses; algum tempo depois, pela agudo' dos, que não a atingem em todos os corpos; mas, por percebermos
análise de Kant. Suas razões científicas também oferecidas para a existência d a xt nsão m todos os corpos perceptíveis, atribuímo-Ia; também,
Deus não mais pareceram convincentes após as brilhantes descoberta d a lodo o, out ros, Aprendemos, pela experiência, que a maior
investigadores subseqüentes, como Laplace. O r to da nova metafísir ,I, p,lI II cio •• 11 1'" < ti 11I a; como a dureza do todo deriva da dureza
todavia, mais desenvolvida em suas mãos, pa'iSOIl, < 011I suas xploi ilC,<)( d: I' 111 o" •• I" I 111I 111< inf rimos, portanto, a dur za da parti-
científicas, para a corr nt p; ral d opiniao illl< 11 • 111. d,l io.tllopa; foi ,lU u, I I ti II (I li I 111,,1 \ ".. 11111 11I( d n. «) I po. q \ 1< p< I « h( 111o. III a s

S 111 dis( ussao, pOlqlH insiuuavu, < 111 .11 11111 1I1.} .11 I 1\ I (I c, 10111,11111•• I \11 I. 1/1' d.1 1.\1.11 111.\ , 111\, d.\
1111'1< 111111 111111 11 111 '1" 11011,111. I 111111\ I1 IlIlul "I dll
Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna I I'! 7
186

seus experimentos com refração e sua receptividade à teoria atômica, ele


especialmente às cores.
dificilmente poderia evitar sugerir Lima explicação geral .ern Opticks. "Não
Newton acreditava que seus experimentos em refração e reflex.in emitem os diversos tipos de raios vibrações de vários tamanhos que, conforme
houvessem derrubado definitivamente a teoria de que as cores são qualidade esses tamanhos, estimulam sensações de diversas cores, muito à feição das
dos objetos. "Sendo assim, não se pode mais discutir se existem cores 110 vibrações do ar que, conforme seus diversos tamanhos, estimulam sensações
escuro, ou se elas são qualidades dos objetos que vemos, nem talvez se a luz de vários sons? E, particularmente, osraios mais refrangíveis não estimulam
um corpo. Porque, uma vez que as cores são as qualidades da luz, cujos raio as vibrações mais curtas para criar uma sensação de violeta profundo; os
são seu objeto inteiro e imediato, como podemos pensar nesses raios também menos refrangíveis, as vibrações' mais longas pata criar uma sensação de
como qualidades, a menos que uma qualidade possa ser o sujeito de outra, 'vermelho escuro; e -os vários tipos intermediários não 'estimulam diversos
sustentá-Ia? O que significa, de fato, chamá-Ia de substância ... Além disso, tipos de vibrações intermediárias para criar sensações de várias cores
quem jamais imaginou ser qualquer qualidade um agregado heterogêneo, intermediárias? A harmonia e discórdia das cores não surgiria das proporções
como foi descoberto ser a luz? Mas não é tão fácil determinar mai das vibrações propagadas ao cérebro através das fibras dos nervos óticos,
absolutamente o que é a luz, de que maneira é refratada, e de que modos, 011 como não surgiria a harmonia e discórdia dos sons das proporções das
ações, produziu em nossas mentes os fantasmas das cores, e eu não mistura) I vibrações do ar? Pois algumas cores, se vistas juntas, são compatíveis, como as
conjecturas com certezas.':" Aparentemente, a primeira alternativa de New do ouro e índigo, e outras são incompatíveis.':" Esta teoria matemática da
ton à teoria rejeitada das cores como qualidades dos objetos é que elas .10 harmonia das cores é uma lembrança interessante da tentativa de Kepler de
qualidades da luz, tendo seus raios como seu sujeito. Descobrimos, porém, ao reduzir a música das esferas à nossa forma de notação musical. Newton
fim da citação, que isto deve ter sido um descuido de linguagem: nela, Newton prossegue COm a hipótese de que as imagens de um objeto, vistas com ambos
se exime de qualquer intenção de combinar conjecturas com certezas. Est os olhos, unem-se onde os nervos óticos se encontram, antes de chegarem ao
observação implica que a suposição anterior não é conjectura, ou seja, as cor cérebro, "de tal- maneira que suas fibras criam não mais que uma espécie
não existem nem na luz, mas são fantasmas produzidos em nossas me nt inteira, ou quadro, metade da qual no hemisfério direito dei cérebro vem do
pelos modos ou ações da luz; a única con jectura é o proc~sso pel~ qual is~() lado direito de ambos os olhos, através do lado direito de ambos os nervos
acontece. Em Opticks, esta posição é afirmada um tanto mais extensivament ó ao lugar onde os nervos se encontram, e dali ao lado direito da cabeça
"Se eu falo, em qualquer momento, de luz e raios como coloridos, ou provido e do cérebro; e a outra metade do lado esquerdo do cérebro de forma igual,
de cores, não seria compreendido como se estivesse falando filosoficamenu dos lados esquerdos de ambos· osolhos'LEsta admirável noção foi imposta a
apropriadamente, mas sim, indiscriminadamente, e conforme concepções tal Newton e seus contemporâneos, na sua tentativa de explicar por que é que
como as que pessoas vulgares formariam, ao ver todos esses experime~to vemos um só objeto, em vez de dois. Acreditando, como eles', que não vemos,
Porque, falando corretamente, os raios não são coloridos. Neles nada mais h.1 propriamente, os objetos, mas suas imagens nas duas retinas, que são levadas
que um certo poder e disposição para estimular uma sensação desta 011 ao cérebro, esta era uma dificuldade real que tinha, de alguma forma, de ser
daquela cor. Pois, como o som de um sino ou de uma corda musical, ou ti resolvida. .
outro corpo sonante, não é mais que um movimento tremulante, um
Newton nunca afirma sua convicção na questão, fundamental entre More
movimento propagado pelo ar a partir de um objeto, e no sensorium é UIlI
e Descartes, da extensão do espírito, mas o mero fato de ele não haver
sentido daquele movimento sob a forma de som; assim, as cores, no obj to,
endossado a tentativa de Descartes de destinar uma categorização fundamen-
não são mais que uma disposição para refletir este ou aquele tipo de raios mal
talmente diferente ao espírito foi suficiente para colocar sua influência sobre
copiosamente que o resto; os raios não são mais que suas disposições pai"
seus contemporâneos e seguidores, ao lado da interpretação popular do
propagar este ou aquele movimento até o cérebro, e ali eles são sensaçor
grande pensador francês. Largamente justificada, como vimos, pelas próprias
daqueles movimentos, sob a forma de cores." 47
ambigüidades do último, -vigorosamente aprofundada pelos escritos de
Aqui, a doutrina corrente de qualidades secundárias é claramcut Hobbes e Boyle, difundia-se a convicção, entre os entusiastas da nova era, de
proclamada. Essas qualidades -não têm vida própria fo~a dos cér .1>1" que a mente humana é uma substância especial, mas pequena, aprisionada no
humanos, exceto como uma disposição dos corpos ou dos raios de refi til III1 érebro. Ora, também (;!S passagens significativas de Newton com que
pronagar certos movimentos. Externamente, nada mais são que as partícula stivemos ocupados pareciam a eles, naturalmente, implicar exatamente essa
da matéria, providas com as qualidades que se tornaram mat mau anu-uu ategorização. MOI I n: o nsscgurou seguidores, entre pessoas inteligentes,
tratáveis, movendo-se de determinadas 11I.III('ilol (:01110 I'SS('S moviuu 1110 para sua Icntat iV;1di .111ilulÍl .1 alma uma possív I xt nsão algo superior aos
estimulam as divt'lSas St'ltsal,l)('s d(' 101 1"111111110,Nr-wuin (I I. :1<1111.1) limi« s do 10/ 1'111111111 111" I O! 1.111; tanll irrc ou ili: v 1com o ('sl Irito da
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188 Edwin Arthur Burtt
As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 189
fundamentais, epistemológicos ou outras -; daí, é seguro dizer que: à época
de Newton, para praticamente todas as pessoas educadas, espeClalme?tt· Seção 4. Espaço, Tempo e Massa
aquelas para as quais as idéias significavam imagens, a alma era concebida
como ocupante de um lugar, ou uma pequena porção de extensão do cérebro, Mas Newton fez mais do que aceitar e apoiar o quadro predominante do
o qual veio a ser conhecido como sensorium . Nada ~avia em Newt.on pal.1 homem e seu mundo que se desenvolvera entre seus predecessores. Ele
contrariar esta noção, mas tudo para apoiá-Ia. Ademais, se Newton tivesse SI próprio fez as mais admiráveis descobertas, sobre aquele mundo, que se
expressado exatamente sobre esse ponto, é altamente provável que ek acrescentam -ao crédito da ciência moderna; e é natural que, com relação a tais
houvesse aprovado precisamente esta visão corrente. Ele concordava COI1l descobertas, ele tenha tido oportunidade para afirmar, de forma mais
More quanto à extensão de Deus, como veremos mais adiante, e certa~enlt explícita e propagável, como o mundo da natureza, externo ao homem, deve
acreditava em espíritos etéreos dotados de extensão. Por que não teria ek-. ser imaginado. Desde Newton, a natureza passou a ser pensada pela mente
então, acreditado na espacialidade da alma humana, embora seja óbvio, pela moderna essencialmente como o domínio de massas, movendo-se de acordo
citações acima, que o espiritualismo especulativo de More não está presente com leis matemáticas no espaço e no tempo, sob a influência de forças
o lugar da alma é inteiramente delimitado pelo cérebro? definidas e confiáveis. Como Newton descreveu, com detalhes, essas entida-
des, especialmente espaço e tempo; e como chegou ele a reunir as característi-
Conseqüentemente, apesar da séria tentativa de Newton d~ ser inteira
cas irredutíveis dos corpos sob o termo "massa"? Observe-se que, neste
mente empírico, e apesar de sua preocupação em nu.nca deixar que S('II
aspecto do seu trabalho, Newton revela, até certo ponto, cada um dos tipos de
método matemático o dominasse, o quadro geral do umverso e do lugar do
crenças metafísicas anotados na Seção 2; ele adota, em parte, visões funda-
homem nele, quS se tornaram conhecidossob o seu nome, era, essencialmente,
mentais que estavam ao seu alcance; em parte, ele estende as implicações do
aquele que já tinha sido construído e sobejamente elaborado p.elos g~and(
seu método matemático; em parte, ele se apóia na validade de certas
metafísicos matemáticos que o antecederam, na sua forma mais ambígua I
convicções bastante extracientíficas. O importante a ser observado é que aqui,
menos interpretável. N ewton não tinha, pelos tremendos problemas coloc .•
também, seu experimentalismo o deserta consideravelmente; ele sugere
dos por tal quadro, apreço maior que o dos demais, pois adotav~, ~ubstan~i,d
concepções que estavam bastante além do alcance de verificação experimental
mente, a mesma visão deles, especialmente a de More, que consistia em evu.u
e perceptível, tudo isso no corpo principal do seu trabalho clássico.
aqueles problemas pelo recurso a Deus. Mas foi da ~aior importância palél 1I
pensamento posterior o fato de que, então,. a autoridade do grande Newiou A. Massa
legitimava aquela visão do cosmo que considerava o homem um espectador
inferior e irrelevante (até onde estar aprisionado num quarto escuro pode ~I I
. Este apriorismo, todavia, não é tão pronunciado no caso da massa. A
assim descrito) do vasto sistema matemático eu jos movimentos regulares, di
definição de corpos físicos como massas foi a realização eminente de que
acordo com princípios mecânicos, constituía o mundo da natureza. A ver .. 11'
precisava a mecânica moderna após ter a natureza do espaço sido descoberta
gloriosamente romântica do universo de Dante e .Milton, que não estabel tI.l
por Galileu e Descartes, e a do tempo formulada por Barrow. Para Galileu,
limites para a imaginação do homem, enquanto brincava com espaço e te~pll
como para Huygens, grande contemporâneo de Newton, massa era 'equiva-
tinha agora sido abandonada. O espaço identificava-se com o domímo d,l
lente a peso; e para Descartes, sendo o movimento visto como um conceito
geometria, o tempo com a continuidade do n~mero. O mundo ~m que I
matemático em geral, a possibilidade de redução de todas as variedades de
pessoas imaginavam-se vivendo - um mundo nco de cores e som, Impregll.1
movimento a fórmulas exatas não foi considerada seriamente. O fato
do de fragrâncias, cheio de prazer, amor e beleza, mostrand.o f:>0rtoda pai II
fundamental da natureza física que tornou a mecânica cartesiana inadequada
harmonia de objetivos e ideais criativos - era agora compnm~do em canto
foi o de que dois corpos equivalentes geometricamente podem mover-se
diminutos dos cérebros de seres orgânicos. O mundo exterior realmenu
diferentemente quando colocados em relações idênticas com outros mesmos
importante era um mundo duro, frio, sem cor, quieto. e morto; um,m~nd() de
corpos. Descartes com efeito tinha consciência deste fato, mas, em vez de
quantidade, um mundo de movimentos. matemáticos .co~puta~els, (0111
tentar reduzi-Ia matematicamente, ele escolheu escondê-lo sob a atração
regularidade mecânica. O mundo de quahdades, percebld~ u~edl~ta~)~'"11 especulativa da teoria dos vórtices.
pelo homem, tornou-se só um efeito curioso ~ menor da maqu~na infiuit.i I
superior. Em Newton, a metafísica cartesiana, mte.rpr ~~da am.blgu.am 1111',e is o, ,no caso das diferenças mais proeminentes no
destituída de sua clara pretensão a con id raçõe s filosóficas s nas, finalnnnn 11 111111111(nos d gravidad ,obt v uce O ao r alizar
derrubou o aristot li. mo c tornou S( a VI .10 dll 11111111111 pr edominant« 1111 de 111" , e Ii "1>1iu as cI finiço (I< todos os cone eitos
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190 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 191

incapaz de incluir dentro do objetivo dos seus p.rincípios, o progresso .foi fei_to massas, em proporção inversa ao quadrado da distância entre os seus centros.
mais tarde pela maior. aplicação dos seus concertos, como no caso da mclusao De fato, com os conceitos de massa, força e aceleração como Newton os
do magnetismo dentro da mecânica newtoniana por Gauss. No ~ue ~onc~rne deixou, especialmente com o seu cáJculo como instrumento para lidar rápida
a Newton, a descoberta estava intimamente ligada à famosa pnm~Ira lei do e eficazmente com problemas de movimento, é difícil conceber quaisquer
movimento, já conseguida por Galileu, e expressa de maneira bem satisfatória mudanças no movimento que não sejam redutíveis matematicamente nos'
por Descartes e Hobbes. Todo corpo tende a permanecer em sep estado de termos de Newton, embora, é claro, somente as acelerações, causadas por
repouso, ou de movimento retilíneo e uniforme, mas sua tendência para fazer forças bastante regulares e constantes, valem o tempo e a energia do investiga-
isso varia em grau. Contudo, viu Newton, essa variação era suscetível d~ dor em tentar reduzi-Ias. O problema permanece geralmente sem solução
formulação quantitativa exata. Sçb a aplicação da mesma força. (e aqUI quando as mudanças de movimento são irregulares ou peculiares; não porque
transparecem a segunda e terceira reis do movimento) ~orpos dIf~rentes os instrumentos não estejam à mão para sua utilização completa, mas porque
partem diferentemente do estado de repouso ou de movlI~ento umfo~me, a tentativa de obter a redução não vale o esforço de ninguém.
isto é, são acelerados diferentemente. Por mais que aquelas diferenças sejam,
E quanto às implicações meta físicas do conceito newtoniano de massa?
e podem ser, exclusivamente diferenças de aceleração, elas podem ser compa-
Newton concebeu os corpos físicos simplesmente como massas, ou seja, como
radas exatamente em termos matemáticos. Assim, podemos tomar todos o
possuidores de somente qualidades geométricas e vis inertiae? Provavelmente
corpos como possuidores de vis inertiae, ou inércia, que é uma caracterís~ica não. E, ainda assim, o efeito do seu trabalho .foi, decididamente, o de
matematicamente exata tanto quanto seja mensurável pela aceleração aplica-
encorajar outros a concebê-los dessa forma. Aqui há um paradoxo que exige
da a eles por uma dada força externa. Quando falamos de corpos como
explicação.
massas, queremos dizer que, além das caract,erísticas geom~tricas, el~s pos-
suem esta qualidade mecânica de vis inertiae. E óbvi~ pelo acima menclO~ado Nos trabalhos de Newton, especialmente Principia e Opticks, está claro que
que força e massa são termos inteiramente correlativos, mas uma vez feaa_ a a maior tendência do seu próprio pensamento era, decididamente, contra o
descoberta da massa, tornou-se fácil definir a força em termos de massa, e nao despojamento de todas as qualidades dos corpos, menos daquelas que sua
vice-versa, uma vez que a força é invisível, enquanto uma massa padrã? é um própria metodologia matemática requeresse. Isso era, em grande parte, um
objeto físico que pode ser percebido e us~do '. O mesmo pode ser .dI~O.do corolário do seu vigoroso empirismo. Lembremo-nos, do capítulo anterior,
conceitos de densidade e pressão, aos quaIs fOI dado um lu~ar m~Is útil na que aquelas características que Newton enumerou como qualidades primárias
mecânica quando definidos em termos de massa e volume. E provavel que a de partículas elementares dos corpos eram justificadas, em última análise,
descoberta da massa por ·ewton tenha sido influenciada, até cert? ponto. empiricamente. Com certeza, Newton não as supre de todas as qualidades
pelos experimentos de Boyle em compressão de gases. Boyle descobnra que () perceptíveis devido a sua aceitação das características principais da metafísica
produto da pressão pelo volume, no caso de qualquer gás, .era s~mpr.e u~a matemática de sua linhagem científica, especialmente a doutrina de qualida-
constante, e {;essa constante que, agora, em relação proporcional a V1S inertiar des primárias e secundárias; entretanto, ele se opunha inteiramente a qual-
de outras substâncias, transforma-se na massa do gás. Essa relação com Boyk quer tentativa de reduzi-Ias rigidamente ao mínimo requerido para o seu
é sugerida pelo fato de que a definição de Newto~ sobre massa, no primeiro método científico. Tivesse seu pensamento trilhado tais caminhos, ele certa-
parágrafo de Principia, é feita em termos de ?ensI~~de e volume; r~almentt . mente teria deduzido a mobilidade da vis inertiae, e a impenetrabilidade da
tendo escolhido defini-Ia em termos então mais familiares a apresenta-Ia como extensão. Mesmo isso não teria reduzido a dureza às duas qualidades que
uma qualidade fundamental dos corpos, ele dificilmente poderia ter feito constituem um corpo, uma massa; sem dúvida, Newton incluiu-a em parte
melhor. por causa de sua necessidade na sua teoria atômica de fluidos e gases," mas,
no principal, não há razão para duvidar de que ela se apóia na base experi-
A descoberta de que a mesma massa tem diferente peso a distância mental com a 'qual foi defendida. Não temos experiência perceptível de
diferentes do centro da Terra, junto com a elaboração matemática das lei li quaisquer corpos sem algum grau de dureza (solidez era o termo mais popular
movimento de Kepler, conduziu, gradualmente, através do trabalho de B r I na época); daí, por generalização, nós a atribuímos a todos os corpos.
li, Huygens, Wren, H.alley e Hook~, à magní!ic~ formulaçãode ~ewton dai 1
da gravitação, que umu a astronomia e a mecamca em uma CIenCIa mat~m( til Em vistn di 1.1 f ot It nfa e empírica que penetrava no seu próprio
de matéria em movimento. O afastamento das ma... I tes do movime 1110 I W1011 v io, hi toricamente, a posar como defensor
retilíneo uniforme pode ser expresso p I. me slIla I q\11 ao r f r nt ,qUI di ,I 101. dll domínio Iísi o? As prin ip i. linhas g rai da
d corpo t rr Ir s, Tod orpo no !I0, 11 j Ir 111.1 1I1111Ulo te nd: a move I 'li I li IltI" 011111rim Ma fOI 11111)C11I0 a qll .1: o
III dilc '11.1 1)1I a lque 1011110 IOIJIII III 11111111 1 ".11111.1 111 1'"1111110 di hu 111 1'1 1.11111 1IlIII)ll 111 I I '1"1 I 111 111111.1
192 Edwin Arthur Burtt
As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 193

dos seus seguidores científicos, não simpatizando 'com o extremo empirismo


terizações fundamentais de espaço, tempo e movimento, "devemos abstrair-
de Newton, e não partilhando muito de sua reserva teológica, estivesse
n_osdos nossos s~ntidos e considerar as coisas por si próprias, distintas do que
sempre pronta para fazer por ele o que Galileu e Descartes fizeram por si
sao apenas med idas perceptíveis delas"." Isto é, certamente, uma observação
próprios, isto é~ transformar um método em metafísica. Mas, como puderam
peculiar de um filósofo da experiência perceptível; será nossa tarefa, no curso
ignorar, cegamente, as próprias palavras do mestre? Todavia, o fato foi que
deste capítulo, compreender a posição de Newton, e dar conta desse desvio
Newton deu-lhes mais do que precisavam. Assim como Descartes formulara dos seus princípios experimentais.
uma teoria elaborada de um meio etéreo para explicar tudo sobre os movi-
mentos dos corpos que não pareciam dedutíveis a partir da extensão, Newton Newton introduz seus comentários sobre esses assuntos com a observação
jogou com uma hipótese etérea que poderia servir para mecanizar todos o de que seu propósito principal é remover certos preconceitos empíricos
movimentos que não podiam ser deduzidos da noção de massa. Considerare- vulgares. "Até agora, expus as definições de palavras menos conhecidas, e
mos esta hipótese no próximo capítulo. Ademais, em sua magnum opus há uma expliquei o sentido em que eu as queria compreendidas no discurso seguinte.
subordinação definida das causas hipotéticas desses fenômenos refratários à Não defino tempo, espaço, lugar e movimento como coisas por todos conheci-
vis inertiae dos corpos. 50 A gravidade, por exemplo, não deve ser atribuída ao das. Devo somente observar que os vulgares concebem tais quantidades sob
corpos, universalmente, porque permite remissão por graus (cf. terceira outras noções que não sua relação com objetos perceptíveis. E daí surgem
norma), e não temos segurança de sua existência além do nosso sistema solar. certos preconceitos que, para remover, será conveniente distinguir entre
Todavia, é uma qualidade essencial de qualquer corpo, como tal, que ele absolutos e relativos, verdadeiros e aparentes, matemáticos e comuns.'?" Após
tenha massa, e os princípios do movimento resultantes, ou explicativos da esta polêmica introdução contra os relativistas do seu tempo, Newton passa a
fioção de massa, devem ser vistos como axiomas da filosofia natural, universal definir suas distinções.
e necessariamente verdadeiros. 51 Apoiados pelas especulações etéreas e pOI
essas sugestões de Newton de que a extensão e a vis inertiae são' mais I - O tempo absoluto, verdadeiro e matemático. por si, e pela sua
fundamentais que outras características dos corpos, foi fácil para seus segui própria natureza,flui uniformemente, sem observar qualquer coisa
dores esquecerem seu vasto empirismo, com sua esplêndida e abaladora externa, e é chamado, também, de duração: o tempo relativo,
redução dos movimentos da' matéria a fórmulas matemáticas exatas em aparente e comum, é uma medida perceptível e externa (seja
termos de massa para estimular seu constante deslumbramento; também COIII precisa ou variável) de duração por meio do movimento, que é
a descoberta prístina de que todas as unidades básicas da mecânica podiam sei comumente utilizada em vez do tempo verdadeiro, como uma
definidas em unidades de massa, espaço e tempo, foi um progresso meta físico hora, um dia, um mês, um ano.
bastante simples, do tipo com o qual estamos agora suficientemente familiari
zados, passar da afirmação de que os corpos são massas à suposição de que 0.\ 11 - O espaço absoluto, por sua própria natureza, indiferente a
qualquer coisa externa, permanece sempre similar e imóvel. O
corpos nada mais são que massas e de que todos os fenômenos residuais pod 111
espaço relativo é uma dimensão móvel ou medida dos espaços
ser explicados por fatores externos aos próprios corpos. Assim, Newton, em
absolutos; o que nossos sentidos determinam por sua posição
flagrante oposição a certas presunções fundamentais de seu próprio pensa
relativa aos corpos, e que é vulgarmente tido como espaço imóvel;
mento, apareceu às gerações seguintes como vigoroso defensor do conceito
integralmente mecânico da natureza física. A idéia de massa fora incorporada esta é a dimensão de um espaço subterrâneo, aéreo ou celeste,
à máquina geométrica cartesiana; e seu emprego em lugar dos imaginativo determinada por sua posição com relação à Terra. O espaço
absoluto e o relativo são iguais em figura e magnitude; mas não
vórtices fez apenas o sistema-mundo parecer mais rigidamente mecânico.
permanecem sempre numericamente iguais. Porque, se a Terra se
move, por exemplo, um espaço do nosso ar que, com relação à
B. Espaço e Tempo Terra, sempre permanece o mesmo, será em determinado momen-
to parte do espaço absoluto no qual passa o ar: em outro momento,
Quando chegamos às observações de Newton sobre espaço e tempo, corr sponderá a outra parte do mesmo, e assim, absolutamente
todavia, ele abandona seu empirismo, e apresenta uma posição parcialm nt oltlpn endido, erá perpetuamente mutável.
adotada a partir de outros, parcialmente requerida por seu método rnat m(jl i 111 () 111.11I 1111I,1part do espaço que um corpo toma. e é. de
co, e parcialmente baseada em fundam nro: II oló~ic(). • is o n (,Ol}lll 11111do 10111" I' II li, 1111uhsolutn, ou relativo ...
principal do s u rrab. lho mais imporr.uur I' Ii JlIIIPI io a~s( ~\lra isso, 1111
"c1isIIIIII [ilo r'lfilo ",OC(11I ,1}l,II('IIII'1I11111111111111'(11I, loofllllll 1,11,11 11.0111111
I 111,111.1,1!,.11I
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1110I III1 '0, 11111111 ,/I ell
194 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 195

um lugar relativo para outro. Assim, num navio em movimento, o ordem de situação. É da essência delas, ou de sua natureza, que elas
lugar relativo de um corpo é a parte do navio que tal corpo possui; sejam lugares; e que os lugares primários das coisas possam ser
ou parte de sua cavidade que tal corpo ocupa. A que se move, movidos é absurdo. Estes são, portanto, os lugares absolutos, e os
portanto, junto com o navio; e O repouso relativo é a continuidade deslocamentos a partir desses lugares são os únicos movimentos
do corpo na mesma parte do navio, ou sua cavidade. Mas o repouso absolutos.
real e absoluto é a continuidade do corpo na mesma parte do
espaço imóvel em que o próprio navio, sua cavidade e tudo o que Mas, como as partes do espaço não podem ser vistas, ou
contém, se moveu. Donde, se a Terra está realmente em repouso, o distinguidas 'uma das outras pelos nossos sentidos, usamos, portan-
corpo que repousa relativamente no navio mover-se-á real e abso- to, em seu. lugar medidas perceptíveis delas. Pois, a partir das
lutamente com a mesma velocidade que o navio tem na Terra. Mas, posições e distâncias das coisas com relação a qualquer corpo
se a Terra também se move, o movimento verdadeiro e absoluto do considerado imóvel, definimos todos os lugares: e então, com
corpo surgirá parcialmente do movimento verdadeiro da Terra respeito a tais lugares, estimamos todos os movimentos, conside-
no espaço imóvel, parcialmente do movimento relativo do navio, na rando os corpos como transferidos de alguns daqueles lugares para
Terra, e, se o corpo também .se move relativamente no navio seu outros. E assim, em vez de lugares e movimentos absolutos, usamos
movimento verdadeiro surgirá parcialmente do movimento verda- lugares e movimentos relativos, e isso sem qualquer inconveniência
deiro da Terra, no espaço imóvel, e parcialmente dos movimentos para assuntos comuns. Mas em discursos filosóficos, precisamos
relativos tanto do navio na Terra quanto do corpo no navio; e, abstrair-nos dos nossos sentidos e considerar as coisas por si 'pró-
destes movimentos relativos surgirá o movimento relativo do corpo prias, distintas do que são somente medidas perceptíveis delas. Pois
na Terra .... pode ser que não haja nenhum corpo realmente em repouso, ao
qual os lugares e movimentos de outros possam ser referidos.
O tempo absoluto, em astronomia, distingue-se do tempo
relativo pela equação ou correção do tempo vulgar, pois os dia Antes de adentrarmos no argumento de 1'\ ewton, pausemos para uma
naturais são verdadeiramente desiguais, embora sejam comumente breve análise da posição expressada até agora. Espaço e tempo são vistos'
considerados iguais, e usados como uma medida de tempo. Os vulgarmente como inteiramente relativos, ou seja, como distâncias entre
astrônomos corrigem essa desigualdade pela sua dedução mai objetos ou eventos perceptíveis. Na realidade, além de tais espaços e tempos
acurada dos movimentos celestes. Pode ser que não haja coisa tal relativos, há espaços e tempos absolutos, reais e matemáticos. Estes são
como movimento uniforme, pelo que o tempo possa ser medido de infinitos, homogêneos, entidades contínuas, inteiramente independentes de
forma acurada. Todos os movimentos podem ser acelerados qualquer objeto perceptível ou movimento pelo qual tentamos medi-Ias, e o
retardados, mas o progresso real, ou uniforme, do tempo absoluto. tempo flui uniformemente da eternidade para a eternidade, e o espaço existe
não é passível de mudança. todo, ao mesmo tempo, em imobilidade infinita. O movimento absoluto é a
transferência de um corpo de uma parte do espaço absoluto para outra; o
A duração ou perseverança da existência das coisas permanec movimento relativo é uma mudança na sua distância relativa a qualquer outro
a mesma, sejam os movimentos rápidos ou lentos, ou nenhum, de corpo perceptível; o repouso absoluto, a continuidade de um corpo na mesma
todo. Ela precisa, portanto, ser distinguida do que são somente sua parte do espaço absoluto; o repouso relativo, a sua continuidade à mesma
medidas perceptíveis e a partir das quais a coletamos, através da distância de algum outro corpo. O movimento absoluto deve ser computado,
equação astronômica. A necessidade dessa equação para determi no caso de qualquer corpo, pela combinação matemática dos seus movimentos
nar os tempos de um fenômeno é revelada também a partir do. relativos na Terra com o movimento da Terra no espaço absoluto. Assim, no
experimentos do relógio de pêndulo, assim como pelos eclipses do caso de um corpo que se move num navio, o seu movimento absoluto será
satélites de J úpiter. determinado por uma combinação matemática do seu movimento no navio,
Como a ordem das partes do tempo é imutável, assim tamb 111 do movimento do navio na Terra e da Terra no espaço absoluto. Do tempo
o é a ordem das partes do espaço. Suponhamos sejam aqu Ia absoluto pod mos aproximar-nos através da equação ou correção do nosso
partes deslocadas dos. seus lugares, e elas se deslocarão ( a tempo vulg.n pCll m io de um estudo mais acurado dos movimentos celestes.
expressão for permitida) com r Ia ao a .i mesma, pai t mpos ( Pod S( I. loel 1 1 «]\11 nno ncontremos em parte alguma um movimento
I

espaços ão, por a im diz r. t.uuo o IlIg.1I S d I s pró! rios ('011111 g nuinum 1\1 111111111111 pc 10 qu 10 r mpo po sa : r m dido a ur dam nt .
I

eI( toela a. OU"'I roi a loell 101 I .10 (ol()( aela 110 I( mpo li loclo 11 1111 I 111 111 11111 .1«]11( I qu paI< « 111•• \ IlH lhor da 110 a
Huldo 111111 1 clleI 111 cl! 11I p,1 11.11 11 111 elo 10111 1 011 I I I I 11 • pilei 111 I, I .1111\ 111 ,1111\ 1.1111".11 (I I 111•••
196 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 197

ou retardados, enquanto que o progresso verdadeiro ou uniforme do tempo que mantêm dadas posições com relação aos seus todos, partilham
absoluto não é passível de mudança. Similarmente, o espaço é imóvel por sua dos movimentos desses todos. Pois todas as partes dos corpos
própria essência, ou natureza, ou seja, a ordem de suas partes não pode ser giratórios tendem a afastar-se do eixo de movimento, e o ímpeto
mudada. Se pudessem ser mudadas, seriam mudadas com relação a si pró- dos corpos que se movem para a frente advém do ímpeto conjunto
prias; assim, considerar os lugares primários das coisas, ou as partes do espaço de todas as partes. Assim, se corpos circundantes estão em movi-
absoluto, como móveis, é absurdo. Todavia, as partes do espaço absoluto não mento, aqueles que estão relativamente em repouso em seu interior
são visíveis ou distinguíveis perceptivelmente; daí, para medir ou definir partilharão do seu movimento. O movimento real e absoluto de um
distâncias, temos de considerar algum corpo como imóvel, e então estimar os corpo, desta forma, não pode ser determinado pela sua translação
movimentos e medir as distâncias de outros corpos em relação a ele. Assim, a partir daqueles que somente parecem estar em repouso, pois os
em vez de espaço e movimento absolutos, usamos espaço e movimento corpos externos precisam não somente parecer que estão em
relativos, o que é bastante adequado na prática mas, considerando o assunto repouso, mas, realmente, estar em repouso ...
filosoficamente, devemos admitir que pode não haver um corpo realmente
em repouso no espaço absoluto, estando possivelmente o nosso próprio centro Uma propriedade semelhante ao que precede é a seguinte: se
de referência adotado em movimento. Assim, por observação e experimento, um lugar se move, qualquer coisa nele colocada move-se com ele ...
não podemos fazer mais que aproximar-nos de qualquer dessas duas entida- Donde, movimentos absolutos e inteiros não podem ser determina-
des absolutas, verdadeiras e matemáticas; elas são, fundamentalmente inaces- dos de outra forma senão por lugares imóveis; e poressa razão eu
síveis a nós. "É possível que, nas regiões remotas das estrelas fixas, ou talvez referi, anteriormente, aqueles movimentos absolutos a lugares
muito além delas, haja algum corpo absolutamente em repouso; mas é impossí- imóveis, mas os relativos a lugares móveis. Ora, nenhum outro
vel saber, a partir da posição relativa dos corpos em nossas regiões, se lugar é imóvel, além daqueles que, de infinito para infinito, man-
qualquer um deles guarda a mesma posição em relação àquele corpo remoto; têm as mesmas dadas posições em relação aos outros; e, dessa
por conseguinte, o repouso absoluto não pode ser determinado a partir da forma, devem sempre permanecer imóveis constituindo, assim', o
posição dos corpos em nossas regiões."> que denomino espaço imóvel.">'

Uma pergunta surge em nossas mentes, forçosamente, neste ponto: Esta seção começa prometendo muito; mas, até aí, nossas dificuldades não
como, então, sabemos que há coisas tais como espaço, tempo e movimento encontram explicações. Temos de distinguir repouso e movimento absoluto
absolutos? Em vista de sua admitida inacessibilidade à observação e ao de repouso e movimento relativo, por suas propriedades, causas e efeitos. É
experimento, em vista da completa relatividade de todas as nossas medições e uma propriedade do movimento que as partes, retendo dadas posições num
fórmulas com referência a corpos perceptíveis, que posição e uso teriam elas sistema, partilham de qualquer movimento ou repouso real do sistema;
na mecânica, e como Newton, o experimentalista e refutador de hipóteses, conseqüentemente, o movimento absoluto, tanto da parte quanto do resto do
ousa introduzi-Ias com suas definições de massa e força, e com seus axiomas sistema, não pode ser determinado pelas suas relações recíprocas, mas somen-
de movimento? Como ainda, podemos acrescentar, seria ele até mesmo capaz te com referência ao espaço imóvel. Mas este é bastante inacessível à observa-
de dizer se certo corpo celeste hipotético estaria mesmo em repouso no espaço ção ou ao experimento: nossa dificuldade persiste. Como podemos dizer se
absoluto, mesmo embora sob nossa observação, uma vez que o espaço, por sua determinado corpo está em repouso ou se move nele? Todavia, Newton
própria natureza, é infinito e homogêneo, e suas partes indistintas umas das prossegue discutindo as causas e efeitos do movimento. Aqui talvez encontra-
outras? remos uma pista que nos ajude mais.

A resposta de Newton é, com efeito; que podemos conhecer o movimento "As causas pelas quais os movimentos verdadeiros e os relativos
absoluto por certas propriedades suas, e movimento absoluto implica espaço são distinguidos um do outro são as forças imprimidas aos cQrpos
tempo absolutos. para gerar o movimento. O movimento verdadeiro não é gerado,
nem alterado, mas imprimido ao corpo por alguma força; mas o
"Mas podemos distinguir repouso e movimento, absoluto e relati-
movimc nio r lativo pode ser gerado ou alterado sem que qualquer
vo, um do outro, por suas propriedades, causas e efeitos. É uma
reli ~.I I i,1 illlpl lmirl, ao corpo, pois basta imprimir alguma força a
propriedade .do repouso o fato de que os corpos realm nt Il1
0111111 tllll"1 Itllllll quais o ant rior omparadoparaqu ,com
repouso [isto é, no espaço absoluto 1 são státi o un fi r Ia .\0 I
11,1 I III1HlallllIl1 I :1 f( I.I~é o d( qlu ronsisria () r pouso ou
aos outros.
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198 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 199

quer força imprimida ao corpo que se move; mas o movimento distinguir adequadamente, os movimentos reais de certos corpos
relativo não passa, necessariamente, por qualquer mudança, por dos movimentos aparentes, porque as partes do espaço imóvel nas
causa de tais forças. Porque, se as mesmas forças são, igualmente, quais os movimentos ocorrem não chegam, de forma alguma, à
imprimidas nos outros corpos com os quais é feita a comparação, observação dos nossos sentidos. Ainda assim, o caso não é, de todo,
de modo a preservar a posição relativa, então aquela condição de desesperador, pois dispomos de alguns argumentos para nos guiar,
que consiste o movimento relativo será preservada. E, portanto, em parte a partir dos movimentos aparentes, que são as diferenças
qualquer movimento relativo pode ser modificado quando o movi- dos movimentos verdadeiros; em parte a partir das forças, que são
mento verdadeiro permanecer inalterado, e o relativo pode ser as causas e efeitos dos movimentos verdadeiros. Por exemplo, se
preservado quando o verdadeiro sofrer modificação. Com base dois globos, mantidos um do outro a uma dada distância por uma
nisso, o movimento verdadeiro não consiste, de forma alguma, de corda que os conecta, fossem girados em torno do seu centro de
tais relações." gravidade comum, poderíamos descobrir, pela tensão da corda, a
Os efeitos que distinguem o movimento absoluto do relativo tendênciadqs globos a afastarem-se do seu eixo de movimento, e a
são as forças de rejeição do eixo do movimento circular, pois não partir daí poderíamos computar a quantidade dos seus movimen-
há tais forças num movimento circular permanente relativo, ma tos circulares .... E assim, poderíamos encontrar tanto a quantidade
num verdadeiro e absoluto movimento circular elas são maiores ou come a determinação deste movimento circular, mesmo num imen-
não, de acordo com a quantidade de movimento. Se um vaso, so vácuo, onde não haveria qualquer coisa externa ou perceptível
pendurado numa corda comprida, é girado tanto que a corda fiqu com que os globos pudessem ser comparados." Mas, ora, se fossem
fortemente torcida, e então enchido com água e com ela mantido colocados naquele espaço alguns corpos remotos que se mantives-
em repouso, e depois, pela rápida ação de uma outra força, sem sempre numa dada posição, uns em relação aos outros, como
girado na direção contrária, enquanto a corda estiver distorcendo- as estrelas fixas no nosso âmbito, não poderíamos, realmente,
se o vaso continuará, por algum tempo, naquele movimento; a determinar, a partir da translação relativa dos globos entre aqueles
superfície da água será, primeiramente, plana, como antes de o corpos, se o movimento pertenceria aos globos ou aos corpos. Mas,
vaso começar a se mover; mas o vaso, ao comunicar gradualment se observássemos a corda, e achássemos que sua tensão era aquela
seu movimento à água, fará com que ela comece a revolver sensivel mesma que os movimentos dos globos requeriam, poderíamos
mente, e, aos poucos, afastar-se do meio, e subir às bordas do vaso, concluir estarem os globos em movimento, e os corpos em repouso;
formando uma figura côncava (como já experimentei) e, quanto e então, por último, a partir da translação dos globos entre os
. corpos, encontraríamos a determinação dos seus movimentos.?"
mais rápido o movimento, mais alto a água subirá, até que, por fim,
fazendo suas revoluções ao mesmo tempo que o vaso, ficará relati Submetamos esse argumento, novamente, a uma cuidadosa análise. Como
vamente em repouso dentro dele. Esta subida da água mostra sua o próprio Newton apresenta o caso, há duas maneiras pelas quais podem ser
tendência a afastar-se do eixo do seu movimento; e o movimento demonstrados e medidos os movimentos absolutos (e daí, espaço e tempo
circular verdadeiro e absoluto da água, que aqui é diretamente absolutos): "Em parte pelos movimentos aparentes, que são as diferenças dos
contrário ao relativo, revela-se, e 'pode ser medido através desta movimentos reais, em parte pelas' forças, que são as causas e efeitos dos
tendência. Primeiramente, quando o movimento relativo da água movimentos reais". Examinemos esta última.
no vaso era maior, não produzia tendência ao afastamento do eixo:
a água não mostrava tendência à circunferência, nem qualqu J O movimento relativo pode ocorrer, no caso 'de qualquer corpo, sem a
subida em direção às bordas do vaso, mas permanecia como uma aplicação de qualquer força, sendo os outros corpos com os quais é compara-
superfície .plana e, portanto, seu movimento circular verdadeiro do impelidos a mudar suas relações com ele. O movimento real não pode
não tinha ainda começado. Mas depois, quando o movimento ocorrer, todavia, sem a aplicação de força, e, vice-versa, sempre que a força
relativo da água diminuiu, a sua subida em direção às bordas do seja aplicada, o movimento absoluto tem de ocorrer. Daí, \Sempre que a força
vaso provou sua tendência a afastar-se do eixo; e essa tendên ia seja operativs , d vemos concluir que lá existe movimento absoluto.
mostrouo movimento circular real da água, em aumento p rp tuo A IUI cio .1 ',111 li ( i( ntífi o desde Newton, é difícil ver qualquer poder de
até que adquiriu sua maior quantidad ,quatldo a água r pousou onvi ç. (I 11 I I' 1111 li di (11 c ,poi podemo de obrir a pres nça de
relativam nte no va o ... força 11111 I1I 1'" 1111101 11 110 movim nto r alm ntr-, para a maiori: cio.
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As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 201
200 Edwin Arthur Burtt

da de acelerações de massa - assim, enquanto que as acelerações sempre tente das informações principais da física de tal maneira - nossas generaliza-
implicam forças, não é permissível tomar a direção oposta e assegurar que a ções mais fundamentais e confiáveis teriam ido por água abaixo. Em outras
aplicação da força sempre significa movimento absoluto. Podemos discutir de palavras, nós não podemos deixar de presumir estarem as estrelas fixas em
efeito para causa, mas não de causa para efeito; a causa é inteiramente repouso e atribuir movimento à água. A liberdade de escolha implicada pélo
desconhecida e hipotética até que o efeito aparece. É notável a maneira muito relativista provou-se inteiramente ilusória; a bem do pensamento lúcido sobre
gradual pela qual a ciência moderna logrou despojar sua concepção do poder os fatos mais óbvios do mundo físico, temos, simplesmente, de fazer o que
ou da força de armadilhas animistas; realmente, só se pode dizer que a fazemos. Sempre que, em qualquer modificação de relações espaciais, são
purificação começou, e'fetivamente, quando foi descoberto que nossa sensação geradas forças mensuráveis por outros fenômenos em um dos corpos e não
imediata de esforço, a qual, sem dúvida, era a base do animismo anterior na em outro, atribuímos o movimento ao primeiro - na linguagem inicial da
noção científica de força, pode estar presente, devido a alguma condição mecânica, dizemos que seu movimento é absoluto, e o movimento do outro é
patológica, sem a ocorrência dos movimentos dos membros apropriado. relativo. De outra forma, nosso mundo pareceria um caos, ao invés de um
Quando tal fato ocorre a um homem, ele dispõe apenas de um nome para sistema ordenado. Somente quando consideramos um dado movimento intei-
referir-se às causas desconhecidas das mudanças de movimento. Mas Newton, ramente por si logramos uma real liberdade de escolha. De fato, é evidente
naturalmente, viveu antes desse expurgo ter ido muito longe; como ele que, em algum sentido fundamental, os fenômenos de revolução em torno de
compartilhava da psicologia rude da época, ele acreditava ser possível conhe um eixo são independentes da Terra e das estrelas fixas, a partir do fato
cer a existência da força independentemente dos movimentos que produz, t observado por Newton, de que, se não houvesse nenhum outro corpo no
anteriormente a eles. Assim, sempre que houver uma força operando, deve universo, a distinção entre as superfícies plana e côncava da água seria
haver aceleração da massa afetada, isto é, movimento absoluto. Mas, para nó , igualmente real e determinada, embora, naquele caso, os termos repouso e
a discussão é ilegítima, nesse sentido, e a dificuldade ainda permanece. movimento não tivessem nenhum significado.

Newton pisa em terreno mais sólido, porém, quando passa da força como Ademais, Newton atesta, embora este seu pensamento não seja tão
a causa do movimento à força como seu efeito. Os exemplos do vaso com águ •• inteiramente desenvolvido como o outro, que, sempre que haja movimentos
e dos dois globos provam, realmente, alguma coisa importante. Ao expressa I relativos ou aparentes, deve haver, pelo menos, tanto movimento absoluto
a situação em linguagem comum, o vaso que gira comunica gradualmente s li quanto for a diferença dos movimentos relativos. Assim, no caso do vaso, da
movimento à água nele contida, movimento o qual resulta numa fere •• água e do universo circundante, quando os dois últimos, como na primeira
centrífuga, mensurável pelo grau de concavidade tomado pela água, ou, 1111 parte do experimento, estão em repouso, um em relação ao outro, deve haver
caso dos globos, pela tensão da corda. Aqui temos certos movimentos como movimento circular absoluto de uma certa velocidade angular, quer esteja o
causas de certas forças, as últimas expressando-se em fenômenos adicionai vaso em movimento quer a água e o ambiente circundante. Similarmente, no
mensuráveis. Esses fenômenos não estão presentes quando os movimento caso das duas massas iguais que modificam a posição relativamente à outra a
antecedentes são relativos (isto é, quando a água estava em repouso dentro do uma certa velocidade. Qualquer que seja o ponto de referência tomado, há
vaso que girava, cada um movendo-se muito rapidamente em relação CIO movimento presente àquela velocidade, e, se ambos estiverem afastando-se,
outro); assim, quando eles estão presentes, devemos estar lidando não COIII ao mesmo tempo, de um terceiro corpo, a quantidade de movimento absoluto
movimentos relativos, mas com movimentos que podem ser apropriadam ntr é aumentada. Isto se aplica a qualquer sistema de corpos; é impossível tomar
chamados de absolutos. A razão é simples: consideremos novamente a ágll.1 qualquer ponto de referência sem ao menos descobrir tanto movimento no
revolvendo rapidamente com referência à Terra circundante e às estr Ia sistema quantas sejam as diferenças de seus movimentos relativos. Donde,
fixas, com as forças centrífugas revelando-se no grau de concavidade da SII.I deve haver ao menos essa quantidade de movimento absoluto. Observe-se
superfície. Podemos, se quisermos, supor a água em repouso e atribuir que, nessas afirmações de Newton, a doutrina do movimento absoluto não é
movimento às estrelas fixas? Verifiquemos rapidamente o vaso, e giremo 10 oposta à concepção do movimento como relativo; ela simplesmente afirma
na direção oposta. A água logo diminuirá seu movimento em rela ao .1 que os corpos realmente mudam suas relações espaciais de determinadas maneiras
estrelas fixas, adquirirá uma superfície. plana e então, gradualmenr ,mOVI I preci as, e qu« I/(/\\() sistrm« de referência não é arbitrário.
se-á na direção atual do vaso, voltando a surgir a concavidad, urra V('/, ()
que seria das nossas leis de movim nto ( cios IlOS os on it s d força, m.1
causalid de, a r dito SS( mos Cillr. pOl 11111 unph ~ Ril011ela mao, pilei!
C. vitic« /1 ,/, '1/1/11/1 mim' o 1'.., paço e o Tempo
1ll0SPIO\,()! 11 mua r.ipid.r revolu .11) 111111,.11 111111111 1111i\'I I 0.1 (IOIIOIjII
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202 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna

qualquer direção e com qualquer velocidade implica a existência de um A resposta a esta pergunta é encontrada na teologia de Newton. Para ele,
ambiente infinito no qual podem mover-se, e a mensurabilidade exata daquel como para More e Barrow, espaço e tempo não eram simplesmente entidades
movimento sugere que esse ambiente é um sistema geométrico perfeito e um tempo sugeridas pelo método matemático-experimental e pelos fenômenos com que
matemático puro - em outras palavras, movimento absoluto sugere duração absoluta (' lida; fundamentalmente, tinham um significado religioso que, para ele, era
espaço absoluto. Até este ponto, o método matemático de Newton, conforme igualmente muito importante; significavam a onipresença e existência contí-
aplicado em Principia, adota e aperfeiçoa as noções de espaço e tempo qU( nua, de eternidade a eternidade, de Deus Todo-Poderoso. As funções preci-
tinham começado a ser submetidas a tratamento filosófico, e por considera sas de Deus na metafísica de Newton serão objeto de um capítulo mais
ções um tanto análogas, no trabalho de More e Barrow. Se o espaço e o tempo adiante; neste simplesmente observaremos como o conceito da Divindade
absolutos, como Newton os proclamou, significassem pura e simplesmente fornece a chave para a presente inconsistência de Newton.
isso, as concepções seriam logicamente irrefutáveis e mereceriam inclusão
entre as definições e axiomas que provêm a -base da sua mecânica, apesar de Algumas pessoas religiosas ficaram enormemente perturbadas pelo fato
serem experimentalmente inacessíveis. O fato de que o movimento é experi de que, na primeira edição de Principia, de acordo com o positivismo de
mentalmente passível de descoberta e mensuração as pressupõe. Newton Newton e com sua orientação deliberada de banir do corpo principal dos seus
possui, até esse grau, justificativas para esses conceitos, e o fato observado tão trabalhos científicos todas as hipóteses e explicações fundamentais, o espaço e
freqüenternente por ele próprio, de que espaço e tempo "não chegam :t o tempo, infinitos e absolutos, eram descritos como entidades vastas, indepen-
observação dos nossos sentidos", não teve porque aborrecê-Io, como Um dentes, nas quais as massas moviam-se mecanicamente. O mundo exterior ao
empírico inteligente. homem parecia nada mais que uma enorme máquina - Deus parecia ter sido
varrido da existência e nada havia para tomar seu lugar exceto esses seres
Mas somente até aí podemos seguir com Newton; observemos, pois
matemáticos ilimitados. Os medos religiosos estimulados são expressados num
espaço e tempo absolutos, assim compreendidos, negam, por sua própri.i
trabalho como Principles of Human Knowledge (1710), de Berkeley, no qual o
natureza,a possibilidade de que os corpos perceptíveis possam mover-se com
espaço absoluto era atacado como uma concepção ateísta. E evidente que,
referência a eles - tais corpos só podem mover-se neles, com referência a outrol
pelas primeiras cartas de Newton, especialmente para o Dr. Bentley" em
corpos. Por que é assim? Simplesmente, porque eles são entidades infinita ,
1692, não era essa, de modo algum, a sua intenção. Já observamos sua ligação
homogêneas; uma parte deles é indistinguível de qualquer outra parte igual.
íntima e sua simpatia pelas visões de Barrow, e devemos supor que ele se
qualquer posição neles é idêntica a qualquer posição; pois, onde quer q1l«
manteve em contato com a filosofia do seu colega More desde que, nos seus
aquela parte ou posição esteja, ela é circundada por uma quantidade infinit.i
dias de infância na escola de Granthan, vivera sob o mesmo teto com um dos
de espaço similar em todas as direções. Tomando qualquer corpo, ou sistem.i
fervorosos admiradores do grande platônico. 59 As similaridades entre os dois
de corpos, por si só, portanto, é impossível dizer inteligivelmente que este J.I
homens são por demais flagrantes para serem acidentais.
em movimento ou em repouso no espaço absoluto ou no tempo absoluto; 1.11
afirmação só se torna significativa quando é acrescentada outra fase - (0/11 Assim, quando a segunda edição de Principia surgiu, em 1713, Newton
referência a outro corpo determinado. As coisas movem-se no espaço e tempo acrescentou seu famoso General Scholium, em que se expressa sem reservas.
absolutos, mas com referência a outras coisas. Um centro perceptível di
referência deve sempre ser sugerido explícitaou tacitamente. "Da sua real soberania, sucede que o Deus verdadeiro é um Ser
vivo, inteligente e poderoso; e de suas outras perfeições, que ele é
Está claro que Newton não sentiu essa implicação do significado de espac« supremo, ou absolutamente perfeito. Ele é eterno e infinito, onipo-
e tempo, nem observou a distinção, pois ele fala sobre a possibilidad d, tente e onisciente, ou seja, sua duração alcança da eternidade para
combinar o movimento de um objeto num. navio e o do navio na Terra CM" " a eternidade; sua presença, do infinito para o infinito; ele governa
movimento da- Terra no espaço absoluto; além disso, em muitas' passagens, tanto todas as coisas, e sabe tudo que é ou pode ser feito. Ele não é
em Principia como na obra menor System of the World, ele discute se.o centro d, eternidade ou infinidade, mas eterno e infinito; ele não é duração
gravidade do sistema solar está em repouso ou em movimento uniform 11" ou espaço, mas dura e está presente. Ele dura para sempre, e está
espaço absoluto.57 Uma vez que na sua época não havia meio de obter- 11111 pr. nt m toda parte; e, existindo sempre e em toda parte, ele constitui
ponto de referência exato entre as estrelas fixas, tal questão é, obviam '111', dlll(/(/I/I /. espaço ... Ele é onipresente, não só virtualmente, mas tam-
incompreensível- a própria natureza do e pa absoluto nega a ua p s. ilnh 111111 1/1/1111111I /11 lmrn 11', poi a virtude não pode subsistir sem a
dade de ter qualquer ignifi ação esp dei('" (,011I0.( utuo, N wt n p rrniriu , "I, I 1111 I II 10d.1 .• roi: as s cont m mov m; enrr tanto.
incorrer no CITO, c incluir tai afillll.II,Ot· "" I "11''' I'IIII( ipal cio. 11\J.lh.dh" ,,"11' l h-u 11.1(1..nfl( (011I () moviuu-uto dos
(1.1 11 o~ 1\ I 1111111111111I I 111111
I 11. "1"1" ( 111. d
li Edwin Arthur Burtt
As Bases Metafísicas da Ciência Mode I" I

Deus. É admitido por todos que o Supremo Deus existe, necessaria


inteligente, onipresente, que, no espaço infinito, como se }O\\/' 11I \ I1
mente; e pela mesma necessidade ele existe sempre e em toda parte.
aparelho sensorial, vê as coisas como são, intimamente, e as p I ( 111
Donde ele também é todo similar, todo olho, todo ouvido, todo
inteiramente, e as compreende completamente por sua presença
cérebro, todo braço, todo poder de percepção, para compreender
imediata perante ele próprio; coisas com relação às quais somente
para agir; mas de maneira não-humana, não-corpórea; de maneira
as imagens [isto é, na retina 1 conduzidas através dos órgãos de
absolutamente desconhecida por nós.''"
sentido aos nossos pequenos sensores são lá vistas e contempladas
Em outra parte, Newton diz que Deus "contém em si mesmo todas as por aquilo que em nós percebe e pensa. E, embora todo passo real
coisas, como princípio e lugar delas";" lemos, em um credo entre os seu. dado nesta filosofia não nos traga imediatamente o conhecimento
manuscritos, que "o Pai é imóvel, não sendo nenhum lugar capaz de se torna! da primeira causa, ainda assim nos aproxima dela; e, por isso. deve
mais vazio ou mais cheio dele do que o é pela eterna necessidade da natureza. ser-lhe conferido alto valor.'?"
Todos os outros seres podem mover-se de um lugar para outro"." Na segunda passagem Newton insiste especificamente no controle divino
À luz desses pronunciamentos, é claramente evidente que, quando ativo do mundo. que se soma ao gozo do conhecimento perfeito. Deus,"estan-
Newton falava que os corpos, ou o centro de gravidade do sistema solai do em toda parte, é mais capaz, por sua vontade, de mover os corpos dentro do seu
moviam-se no espaço absoluto, sua mente não estava confinada às implicaçõe ilimitado sensorium uniforme, e portanto, de formar e reformar as partes do
matemáticas e mecânicas que aparecem à superfície - ele também quis dizer universo do que nós, por nossa vontade de mover as partes dos nossos
que eles se moviam em Deus - na presença eterna e onisciente do Criador dc próprios corpos. E, ainda assim, não devemos considerar o mundo como o
todas as coisas. Vamos relacionar especificamente este pensamento com () corpo de Deus, ou as suas diversas partes como partes de Deus. Ele é um ser
problema conforme o enunciamos finalmente, o da incapacidade de Newton uniforme, desprovido de órgãos, membros ou partes, e elas são suas' criaturas
em ver que o espaço e o tempo absolutos, como descritos no corpo principal a ele subordinadas, e subservientes à sua vontade; e ele é não mais a alma
de Principia; negam a possibilidade de se dizer inteligivelmente que as coisa delas do que a alma de um homem é a da espécie de coisas conduzidas através
se movem com referência a eles, mas somente neles, com referência a OUtJ.1 dos órgãos de percepção ao lugar de sua sensação, onde as percebe por meio
coisas. Lembremo-nos das discussões de More sobre o espaço, e da curio .1 de sua presença imediata, sem a intervenção de qualquer terceira coisa. Os
passagem de Boyle, em que ele diz que Deus impele, por sua vontade, todo I. órgãos dos sentidos não se destinam a permitir que a alma perceba as espécies
universo material em alguma direção, o que resulta em movimento, mas n.11I de coisas no seu sensorium, mas somente a conduzi-Ias até lá; e Deus não tem
necessidade de tais órgãos, estando ele presente em toda parte, perante as
mudança de lugar. Naturalmente, Newton concebeu Deus em boa parte COIII"
próprias coisas". &I
More o fez, combinando entre seus atributos aqueles que faziam referência .1
ordem matemática e à harmonia do mundo com os tradicionais, sobre ~".I :\'ão ternos aqui a explicação exata do que estarnos buscando? O espaço
autoridade absoluta e controle volitivo dos eventos. Tudo isso enriquece n •• absoluto é o sensorium divino. Tudo o que acontece nele, estando presente o
cenário para duas outras afirmações ainda mais específicas em Queries, palie conhecimento divino, deve ser percebido imediatamente e compreendido
de Opticks, em que o espaço é descrito como o divine sensorium - aquilo ('111 intimamente. Deus, certamente, deve saber ao menos se qualquer dado
que o intelecto e a vontade de Deus compreendem e guiam as ações do rnundu movimento é absoluto ou relativo. A consciência divina provê o centro de
físico. Espaço absoluto, para Newton, não é somente a onipresença de Deus. referência fundamental para o movimento absoluto. Além disso, o animismo, na
também o cenário infinito do conhecimento e controle divinos. concepção de força de Newton, talvez tenha um papel nas premissas de tal
posição. Deus é não somente conhecimento infinito, mas também vontade
"Conquanto a ocupação principal da filosofia seja discutir , I
Toda-Poderosa. Ele é o Criador fundamental do movimento, e é capaz de
partir dos fenômenos, sem pretender hipóteses, e deduzir cau .1
acrescentar, a qualquer momento, movimento aos corpos. dentro do seu
de efeitos até chegarmos à causa primeira, que, certamente, n.lI.
ilimitado sensorium. Assim, todo movimento real ou absoluto, em última
mecânica; e não somente desvendar o mecanismo do mundo, "I I
análise, é o resultante de um gasto de energia divina, e sérnpre que a
principalmente, resolver esta e outras questões semelhantes ... N.III
inteligên i divina é consciente de tal gasto, o movimento acrescentado dessa
é o aparelho sensorial dos animais aquele lugar no qual a sub 1.11111
forma ao i'lc "1:1 do mundo deve ser absoluto. Logicamente, por certo, é
perceptiva está presente, e no qual as esp i s sensoriai de ('01 .1
difícil .1111.1Ir ( I.H iortni onvincente. A referên ia à energia criativa de
são conduzidas através dos nervo. ( cio ( 1(1)1'0, para <lu 1.1( 1.1
D li I I1 111 1111111I ".1 .I~( rn d força a movirn lHO. qu p: r ria S 111
possam ser p r bidas, por sua 1'1e 1111 i"ICdi.II.I, p( 1.\1111.HI'" I
IIllId.IIII 111. I 1I1'1.111dr II 1.ll'íllllo. I- IIlt ,rllo .1 anibu i .to dI co n lu (i
substân ia? 1\. SIlido (S.;I (111 I 1111111111111,(0111 t.1I1I("I( 111.
I1 I I 1111 ,",,111 ,r ( ,dI IIIle 11111IIr.leI.1(11111 111"r
paI er, I'"ril d" 111111"11111 1111111 11111111"11111.I •
Ic 111111
lei I 1'111,II"le 111 1111111111111 1"lIle 1II Ile 11
206 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 207

saber a diferença entre eles? Conquanto suponha-se que ele esteja igualmente toda a sua extensão está, de alguma forma, presente de imediato; e é,
presente em toda parte, não há foco de atenção divina em qualquer dado necessariamente, integrado e sujeito ao conhecimento. As leis de movimento,
ponto ao qual os movimentos pudessem ser referidos. Estando presente em juntamente com a doutrina da constância da energia, resultam, inevitavel-
cada movimento, tudo estaria em repouso; confinado a nenhum, todo movi- mente, nesse quadro de toda a extensão do tempo como um domínio
mento seria absoluto. Mas, naturalmente, explicações em termos de referên- matematicamente determinado, em termos de um conhecimento presente
cia religiosa não são examinadas criticamente. A onisciência de Deus, e sua adequado. Mas, se se levar essa concepção ao limite, não desapare<;erá o
transcendência com relação ao conhecimento humano foram aceitas tradicio- tempo como algo fundamentalmente diferente do espaço? Uma vez descober-
nalmente, por Newton, como postulados não-testados." Nurn universo to o ano platônico, tudo o que pode acontecer é um evento presente. Da mesma
concebido como existente no sensorium de Deus, não seria mais fácil forma, há um outro elemento na concepção do tempo que se harmoniza mais
presumir, sem examinar cuidadosamente, a possibilidade de falar de forma agradavelmente com as predileções nominalísticas de alguns dos últimos
inteligível de corpos que se movem com referência ao espaço e ao tempo abso- medievalistas e a maior parte dos primeiros cientistas britânicos. O tempo é
lutos? Insinuou- se na ciência matemática de I\' ewton, nesse ponto, urna impor- uma sucessão de partes não-contínuas, ou momentos, nunca estando dois
tante noção.que foi, ern última análise, o produto de suas convicções teológicas. desses momentos presentes simultaneamente; e daí nada existe, ou está
presente, exceto o momento agora. Mas o momento agora está constantemen-
De toda maneira, no século XVIII, quando a concepção do mundo de
te se transformando em passado, e um momento futuro está-se transforman-
Newton era gradualmente despida de suas relações religiosas, a justificativa
do em agora. Assim, a partir desse ponto de vista, o tempo se contrai até
fundamental para o espaço e o tempo absolutos, corno ele os havia descrito, atingir um limite matemático entre o passado e o futuro. Este limite pode,
desapareceu, e as entidades tornaram-se vazias, embora ainda absolutas, de
obviamente, ser descrito como um fluxo uniforme no tempo, mas dificilmente
acordo com sua única descrição apenas parcialmente justificada. Quanto ao
é o próprio tempo. O movimento é inexplicável em termos de tal concepção;
resto, desprovidos tanto de desculpa lógica quanto teológica, mas ainda,
qualquer dado movimento ocupará mais tempo que um simples limite entre o
indubitavelmente, tomados como teatro infinito no qual a máquina-mundo
que passou e o que está por vir. Como combinar esses dois elementos em uma
continuava seus movimentos de relógio. A partir dos acidentes de Deus elas
idéia matemática simples e utilizável, que encontre, além disso, alguma
se tornaram medidas simples, fixas e geométricas, para os movimentos das justificativa na experiência real? Newton o faz através da engenhosa aplicação
massas. E essa perda de sua divindade completou a desespiritualização da
ao tempo, como contínuo infinito de uma linguagem que se aplica apropria-
natureza. Com Deus expandido através de todo o espaço e tempo, restava
damente só a esse limite móvel; daí o "fluxo uniforme", em eu ja descrição ele
ainda algo espiritual no mundo exterior ao homem - almas devotas que, de
dificilmente faz mais do que seguir seu predecessor, Barrow. A dificuldade
outra forma, teriam visto com alarme a forma final do dualismo cartesiano, e básica aqui, conforme apontada no capítulo sobre Galileu, é a de que a noção
a doutrina corrente das qualidades primárias e secundárias reconciliaram-SI científica do tempo praticamente perdeu contato com a duração, experimen-
todavia com Deus excluído da existência, toda a espiritualidade restante no
tada imediatamente. Até que uma relação mais íntima seja recuperada, é
mundo foi trancada nos senso ria de seres humanos. O vasto domínio exterior provável que a ciência nunca alcance uma descrição satisfatória do tempo.
era simplesmente uma máquina matemática, um sistema de massas movendo Newton, o empírico, talvez nos tivesse dado essa descrição se o seu treinamen-
se no espaço e no tempo absolutos. Não era necessário postular nada mai to matemático e premissas matafísicas não o tivessem levado a satisfazer-se
além. Em termos dessas três entidades, todas as suas múltiplas modificaçõe: com uma fórmula ambígua. As tentativas de filósofos científicos conternporâ-'
pareciam capazes de formulação exata e final.
neos de resolver esse problema provar-se-iam mais férteis se eles se dedicas-
Com relação ao espaço, as dificuldades metafísicas envolvidas ne sa sem a um estudo mais cuidadoso da história do conceito.
conclusão foram abordadas no capítulo sobre Descartes. Na apresentação dI
Newton, porém, as anomalias na concepção de tempo na ciência moderna ao
Seçã-o 5. O Conceito de Newton sobre o Éter
encobertas por um uso engenhoso de linguagem. Newton fala do tem po
absoluto como um "fluxo uniforme sem consideração a qualquer oi~.1
externa". Mas em que sentido podemos falar do tempo como fLuxo? As ois« A presença de premissas teológicas na doutrina do tempo e do espaço de
fluem, mais apropriadamente, no tempo. Por que, então, Newton d rcvc li Newton SIlJ.{< 1'<' que' havia um aspecto fortemente conservador em sua
tempo com tal frase? O fato é que a idéia do t mpo lançada sob r O mundo filosofia, N, lI' (,lpIlI110, no subseqüente, apresentaremos aqueles aspectos
pela ciência moderna é uma mistura de dua I OIlU PÇ( es p culiare s. DI 11111 III qlll I 1111111I I' .11101ismo afetou sua posição m ta física d forma ainda
lado, o tempo (. concc bido C01ll0 111111111111111111 111,111
Illi'ti!"o h()1I10~ 111"11, mui dI t IIl1dl I IIdl 1111.1,10 r ndirulismn lia (Oslllo)ogia, lao ohsl'l'v;',vl') ('111
I 11 IIdl 11110 I do 1'.1 .1110 1111ill110.111111111111
IltlllIlllI . I lido 111111 I 11111111', (:,1)111II II I II I I' '1.111I1f'1I11,11011111,11.10 I' I lU ClIlII.u I,1 Ilfll" 11.1111111
'OH Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 209

to de Newton. Em vez disso, em todo ponto importante com respeito a que extramecãnicos, como a eletricidade, o magnetismo e a coesão. Newton
eles foram desafiados por beatos devotos, como More e Boyle, Newton tomou começou do ponto em que Boyle terminou. Também para ele, pelo menos nos
o partido dos primeiros; de tal forma, porém, como veremos, que esses seus trabalhos iniciais, não era concebível uma ação à distância. Seus estudos
elementos perderam rapidamente sua influência na sua metafísica e não sobre óptica, especialmente, levaram-no a pensar na necessidade de tal meio
bastaram para salvar a maior parte daqueles cujo pensamento foi afetado para explicar a propagação da luz. Em todas as suas controvérsias com Hooke,
pelas suas explorações dos embaraços envolvidos nas doutrinas mais revolu- Pardies e outros sobre a natureza da luz e a validade das suas conclusões
cionárias. experimentais relativas a algumas das suas propriedades, acompanhadas de
Observou-se, no último capítulo, que Newton tentou dar uma explicação suas violentas denúncias às hipóteses e de tentativas de livrar seus próprios
para todas as qualidades dos corpos afetos à experiência que não poderiam pronunciamentos de qualquer sabor imaginativo, nunca ocorreu a ele duvidar
ser integradas na concepção delas como massas ao seguir o exem pIo de da existência de um meio que ao menos desempenhasse a função de transmi-
Descartes e postular um meio etéreo que perrneia todo o espaço e, por sua tir a luz. Em meio a todas as discórdias, Newton concordava com Hooke nesse
pressão, ou por outras operações sobre os corpos, causa tais fenômenos ponto, que existia um éter, o qual era um meio suscetível a vibrações. 66 Tendo
residuais, mas foi mais consistente que Descartes em reconhecer certas adotado a noção corrente na época, e sentindo-a bem fundamentada, foi fácil
distinções claras entre o éter e os corpos perceptíveis. Fica logo aparente que, para Newton estender seu uso a outros fenômenos que envolviam ação à
para a mente de Newton, o mundo não estava explicado inteiramente pelas distância, e que outros explicavam da mesma maneira, tais como a gravidade,
categorias fundamentais já invocadas. Ares cogitans encontrada nos cérebros o magnetismo, a atração elétrica e outros. Uma passagem interessante, que
humanos fornecia um refúgio para muitas coisas de outra forma inexplicá- combina essa convicção de que a ação à distância é impossível com outros
veis. As noções de espaço, tempo e massa traduziam o mundo externo até remanescentes da filosofia de More, ocorre na terceira carta de Newton a
onde eram redutíveis matematicamente. Mas haviam características adicionais Bentley: "É inconcebível que a matéria bruta, inanimada, opere sem a
ainda não explicadas metafisicamente; duas categorias, o éter e Deus, são mediação de alguma outra coisa, não-material, sobre outra matéria e a afete
necessárias para explicá-Ias adequadamente. sem contato mútuo, como deve ocorrer se a gravitação, no sentido de Epicuro,
for essencial e inerente a ela. E é por essa razão que desejei que não me fosse
Quanto à idéia do éter, já foram observados alguns fatos salientes sobre atribuída a gravidade inata. Para mim, é absurdo que a gravidade devesse ser
sua história, e como Gilbert, More, Boyle e outros a adotaram quando, em inata, inerente e essencial à matéria, de modo que um corpo pudesse atuar
dificuldades metafísicas devidas à persistência de certas suposições, presentes sobre outro à distância, através de um vácuo, sem a mediação de qualquer
em suas mentes, provenientes do pensamento anterior, ou ao reconhecimento outra coisa, por cujo intermédio sua ação e força pudesse ser transmitida de
de fatos refratários à visão mecânica extrema. Era realmente difícil para os um corpo a outro. Absurdo tão grande que eu creio que nenhum homem
pensadores levar adiante a ousada sugestão de Descartes de que tudo que não dotado de uma faculdade de pensamento competente em questões filosóficas
é matemático no mundo tem de ser levado às mentes humanas como uma pode jamais cair nele. A gravidade deve ser causada por um agente que atua
forma de pensamento, em virtude da existência de muitos problemas que constantemente de acordo com certas leis; mas, se esse agente é material ou
dificilmente poderiam ser tratados apenas de tal forma. De fato, o próprio imaterial é uma consideração que deixo para os meus leitores"."
Descartes apelou, em circunstâncias similares, para uma matéria etérea,
embora sustentando que ela não possui, assim como os corpos visíveis. Em segundo lugar, Newton viveu antes do tempo em que os cientistas
qualidades não dedutíveis a partir da extensão. Newton aqui seguiu a corrente acreditavam ser possível postular a conservação da energia sem recorrer a
geral; tentativas de novas soluções especulativas para o universo com o auxílio nada além dos princípios mecânicos aceitos para manter sua constância.
do éter aparecem em quase todos os seus trabalhos iniciais, e nas questões Quando dois corpos colidem no espaço, e por causa da elasticidade imperfei-
anexas a Opticks suas cogitações finais a respeito são oferecidas de maneira ta, fricção, ete., não logram distanciar-se um do outro com a mesma
extensa. Que fatos podem pedir tal explicação? velocidade com que se aproximam, o cientista contemporâneo consegue
localizar a energia aparentemente perdida de outras formas, como o
movimento molecular crescente dentro dos corpos, expresso pelo calor. Na
A. A Função do Éter época de N wton, tal doutrina já estava sendo defendida por Leibniz, mas não
teve inflll('II( i,l sobre Newton, que pode até mesmo tê-Ia desconhecido. Assim,
Aqui encontramos em Newton um desenvolvimento maior e mais explf i O mu udo d.1 111.1\('1
ia. para ele, assemelhava-s a lima máquina muito
to da posição já tomada por Boyle. Como vimos .. 1 1111(,010 d{' um m io ct T('O illlJH'11111.1"111" 11111 I!lu ('~laVíl {'1I1 d{,{,ílcI('Il('ia. pOl loda pai 1(',
veio suprir. no tempo de Boyk-, duas rllll<, I( di 11111.1plopaJ.{ava () movi
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210 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 211

simples, desernperihando todos O'Sgrandes movimentos dO's cO'rpO's celestes ativO's. Se não fosse pO'r esses princípios, O'ScO'rpO'sda Terra, dos
pela atração da gravidade que afeta aqueles cO'rpO's, e quase todas as suas planetas, dos cornetas, do SO'I,e tO'das as coisas que neles existem,
menores partículas pO'r alguns outros poderes de atração e repulsão que tornar-se-iam frios e congelar-se-iam, e se transformariam em
afetam as partículas. A vis inertiae é um princípio passivo pelo qual O'ScorpO's massas inativas; e toda putrefação, geração, vegetação e vida cessa-
persistem no seu movimento ou repO'usO', recebem movimento em proporção riam, e O'Splanetas e cornetas não permaneceriam em suas órbitas."
à força que O' ocasiona e resistem na mesma medida em que encontram
resistência. Somente pO'r este princípio nunca poderia ter havido qualquer Newton propõe suprir essas duas necessidades pela adoção e formulação
movimento no mundo. Seria necessário um outro princípio para pôr O'S mais explícita da dupla concepção de Boyle sobre O'éter, em conexão com a
cO'rpO's em movimento; e agO'ra que estão em movimento, outro princípio é qual ele adianta diversas especulações sugestivas, oti rnesrno fantásticas. Seu
necessário para conservá-los assim, pois, pela composição variada de dois próprio pensamento sO'bre O'assunto parece ter sido estimulado intimamente
movimentos, é muito certo que não haja sempre a mesma quantidade de pO'r Boyle, com quem ele tinha estreita comunicação a respeito de tais
movimento no mundo. Se dois globos, urridos pO'r uma vareta, revolvem em questões, como prO'va sua carta, datada de 1678, ao famoso químico. 69
torno de um centro de gravidade comum, com movirne nto uniforme, enquan- Nenhuma das apresentações da sua consideração é, todavia, satisfatoriamente
to que aquele centro se move uniformemente numa linha reta traçada no clara ou final; suas opiniões sobre O' éter flutuavam, e ele própria as
plano do movimertto circular dos globos, a sorna dos movimentos dos dois reconhecia simplesmente corno uma hipótese metafísica, sem O'valor de uma
lei experimental. Quando começavam a tornar forma importante em sua
globos, sempre que estiverem na linha reta descrita pelo seu centro de
gravidade comum, será maior do que a sorna dos seus movimentos quando mente, ele já tinha sido envolvido pO'r controvérsias desencorajadoras sobre as
implicações de suas descobertas ópticas, e tinha feito clara distinção entre
estiverem numa linha perpendicular àquela linha reta. PO'r esse exemplo
parece que O' movimento pode ser obtido O'U perdido. Mas em razão da hipótese e lei experimental, banindo aquela dos pronunciamentos positivos da
ciência.
tenacidade dos fluidos, do atrito de suas partes e da fraqueza de elasticidade
nos sólidos, O'movimento é muito mais passível de ser perdido que obtido,
está sempre em decadência. Ora, cO'rpO'sque são O'Uabsolutamente duros, O'U B. Especulações Iniciais de Newton
tão macios que são desprovidos de elasticidade, não ricochetearão. A impene-
trabilidade somente O'Sfaz parar. Se dois cO'rpO'siguais se encontram direta É importante observar que, desde O'princípio, Newton parece ter rejeita-
mente no vácuO', pelas leis de movimento eles irão parar onde se encontrarem, do totalmente a concepção cartesiana do meio etéreo corno um fluido denso,
e perderão todo O'seu movimento e permanecerão em repO'usO', a rrienos qut' cO'mpactO', que poderia, sozinho, equilibrar O'Splanetas em suas órbitas pelo
sejam elásticos e recebam novo movimento de sua mola propulsora. S seu movimento de vórtice - conceito prevalecente em sua época, tanto entre
pO'ssuem tanta elasticidade, suficiente para fazê-los ricochetear com um O'Scientistas ingleses cO'mO'entre O'Sdo continente eurO'peu - e desenvolveu, a
quarto, O'Umetade, O'Utrês quartO's da força com que se juntam, eles perderão partir das premissas de Boyle, uma especulação mais original." Em sua
três quartos, metade, O'Uum quarto do seu movimento." argumentação contra tal concepção do éter, Newton pressupõe sua refutação
de toda a teoria do vórtice do movimento planetário em Principia. Obviamen-
Após ilustrar com alguns exemplos adiciO'nais, Newton continua:
te, se O'denso fluido etéreo estiver em repO'usO', em vez de estar executando
"Vendo, pois, que a variedade de movimento que encontramos uma série de movimentos giratórios, sua resistência tornará O'Smovimentos
no mundo está sempre decrescendo, há necessidade de conservá-lu celestes regulares e continuos impossíveis, O que Newton propôs, então, para
e revigorá-Io pO'r princípios ativos, corno O'Sque causa a gravidade, substituir esse fluido, na esperança de realizar, cO'm tal substituição, as duas
pela qual O'Splanetas e cornetas mantêm seus movimentos em sua funções requeridas? Sua primeira e um tanto elaborada apresentação do éter
respectivas órbitas, e O'ScO'rpO's adquirem grande movimento ao ocorre numa carta para Oldenburg, em 1675, antecedida de uma afirmação
caírem; e a causa da fermentação, pela qual O'coração e O'sangut . esclarecedora de sua concepção, naquele momento, sobre O'lugar e função da
dos animais são mantidos em movimento perpétuo e provido d, hipótese." Observe-se que a convicção da existência e da natureza geral do
calor: as partes internas da Terra são constantemente aque id ., " éter nã parte do que é apresentado aqui corno hipótese. Isso é presumido
em alguns lugares atingem altas temp ratura ; corpos e qu im.un pO'r Nc wton , tlt forma não-qualificada. "Se tivesse de presumir uma hipótese,
e brilham, montanhas p gam f()~().. I (.Ivt ruas da rrt ) lu s ria ( 1.1. I (lI upo 1.1 d forma mais geral, de modo a não d t rminar O'qu
d rn, o I ontinua inu 11 .11111"1111'111I1111 I hl ilhaute, (1(1''' 11 a 11,,: ) 111cI I1 .t1loÇo ca paz d . tirnular vibraçõ s no I r; pOÍ. a sim Ia
toda ." (oi,.I 10111 11.1 !l11. 11.1'" 111111111 10111 IIlllilo )11111111 11111111 dll.III~' 1.1 O"U.I hipotc, '. d, IIlodo .1 di I aI pOlllO
11I0 ilm 11111 1111 1111111110, d, 111 )( I' 1110 I 'I" illllpio I I 1111 I hipoll , : 1'01 11111 ( 1I111\(, r 111 'I I, c1r h I
~12 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna '1\

observado que as mentes de certos grandes virtuosos operam muito em etéreos", que fornecem a explicação para fenômenos que envolvem outro
função de hipóteses, como se meu discurso necessitasse de uma hipótese pela princípios além da propagação do movimento, 72· inclusive a eletricidade.: o
qual lhes fosse explicada alguma coisa, e em vista de haver descoberto, magnetismo e a gravidade; com a fantasia adicional de que a estrutura inteira
quando não conseguia fazê-los compreender-me quando falava de forma da natureza material pode ser composta de tais espíritos, de uma forma muito
abstrata a respeito da natureza da luz e das cores, que sua compreensão era condensada. Newton prossegue explicando, com detalhes, como vários tipos
imediata se eu ilustrasse meu discurso com uma hipótese; por essa razão, de fenômenos podem ser explicados com a ajuda dessa hipótese; a eletricida-
achei apropriado enviar uma descrição das circunstâncias desta hipótese, em de, a gravidade, a coesão, a sensação animal e o movimento, a refração, a
que mantenho, tanto quanto possível, a ilustração dos papéis que envio em reflexão e as cores da luz fornecem os assuntos mais importantes para
anexo." Newton acrescenta que não toma como verdadeira essa hipótese, nem discussão. Como ilustração da tendência do seu pensamento naquele momen-
qualquer outra, embora, por conveniência, escreva como se o tivesse feito; to, selecionaremos para apresentação compacta suas explicações etéreas sobre
portanto, as pessoas não devem avaliar a precisão dos seus outros escritos por a gravidade.
esse aspecto, ou obrigá-Io a responder a objeções a tal aspecto; "pois desejo
Após sugerir que a atração e a repulsão elétrica podem ser explicadas em
recusar ser envolvido em tais disputas inconvenientes e insignificantes". É
termos de condensação e refração de um dos hipotéticos espíritos etéreos,
evidente, porém, que Newton acreditara, naquela época, serem as suposições
Newton prossegue:
seguintes, sobre o éter, muito prováveis.
"Assim, a atração gravitacional da Terra pode ser causada pela
Examinemos a hipótese: - L Deve-se supor a existência de um
contínua condensação de um outro espírito etéreo similar, que não
meio etéreo, de constituição bastante semelhante à do ar, mas
o corpo fleumático principal do éter, mas algo muito tênue e
muito mais rarefeito, mais tênue e mais fortemente elástico. O
difundido sutilmente através dele, de natureza talvez oleosa, pega-
movimento de um pêndulo dentro de um vidro sem ar, tão rápido
josa, tenaz e elástica, e desempenhando uma relação com o éter
quanto o ar livre, é um argumento considerável sobre a existência
muito semelhante à que o espírito aéreo vital requer para a conser-
desse meio. Mas não se deve supor que esse meio seja matéria
vação da chama e que os movimentos vitais fazem ao ar. Pois, se tal
uniforme, mas sim composta, em parte, do corpo fleumático prin-
espírito etéreo pode ser condensado em corpos que se fermentam
cipal do éter, em parte de outros espíritos etéreos diversos, muito à
ou se queimam, ou, de outra forma, coagulado nos poros da terra e
maneira em que o ar é composto do seu corpo fleumático, combi-
da água em forma de matéria úmida ativa para os usos contínuos
nado com diversos vapores e exalações. Pois as exalações elétricas e
da natureza (aderindo aos lados daqueles poros à maneira que os
magnéticas, e o princípio da gravitação, parecem arrazoar tal
vapores condensam-se nos lados do vaso), o vasto corpo da Terra,
variedade. Talvez toda a estrutura da natureza não seja mais que
que pode estar em toda parte, até o seu centro, em trabalho
várias composições de certos espíritos etéreos ou vapores, conden-
perpétuo, pode continuamente condensar tal quantidade desse
sados por precipitação, muito à maneira em que os vapores se
espírito de modo a causar sua precipitação com grande celeridade,
condensam em água, ou as exalações em substâncias mais densas,
para seu suprimento; nessa descida, ele pode levar consigo os
embora não tão facilmente condensáveis; e após ser a condensação
corpos que permeia com força proporcional às superfícies de todas
transformada em várias formas, primeiramente pela imediata ação
as partes deles sobre as quais atua, produzindo a natureza uma
do Criador, e, daí por diante, pelo poder da natureza, a qual, em
circulação pela lenta ascensão de igual quantidade de matéria de
função do mandamento cresce e se multiplica, tornando-se imita-
dentro das entranhas da Terra, de forma aérea, a qual por um
dora completa do padrão estabelecido pelo modelo original. Assim,
tempo, constitui a atmosfera, mas, sendo continuamente suspensa
talvez, todas as coisas podem ter-se originado do éter.
pelo novo ar, exalações e vapores que ascendem, em toda a exten-
Em conexão com essa interessante especulação, levanta-se a questão sobre são (exceto uma parte dos vapores, que retorna sob a forma de
se, pelo "corpo fleumático principal do éter", Newton não está pensando no chuva), desaparece novamente nos espaços etéreos, e lá, talvez, se
fluido cartesiano, rejeitando-o somente mais tarde. A possibilidade é negada, abrande com o tempo e se atenue no seu princípio primeiro. Pois a
todavia, pela similaridade entre a linguagem descritiva aqui empregada e a d nruur za é um sistema circulatório perpétuo, gerando fluidos de
seu ataque posterior aos cartesianos - seu meio é descrito m ambo orno olido , I' sólidos de fluidos, coisas fixas de voláteis, e voláteis de
muito rarefeito, tênue, elástico, etc. Ora, além do "r 01po III lunático prin ipal 11 ,I . II 11111dt, d nsas e d n as d tênu s, asc nd ndo algumas
do éter", qu é, s m dúvida, tido me rnnu-nu 10111"11111 111110dI 11ali. nlis. ao, ,'li I I1 I" hllll\()1't S It rrest res sujx riorvs, os rios t a allllosft ra,
[lI 10 111loelo ela dill I( 1\(,
a , h ,'I, dillllHlido II1 I ,h I,. "divI I o « 1'11110 I 'flllIlIl,l. dI I I lido 01111.11'.11.11111 IIl1dl ,I .11111111111 .
214 Edwin Arthur Burtt
As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 215

E, como a Terra, assim talvez o Sol absorva esse espírito copiosa-


dilatação, fortemente elástica e, em uma palavra, muito parecida
mente, para conservar o seu brilho e impedir os planetas de se
com o ar em todos os aspectos, mas muito mais tênue.
afastarem mais dele: e quem assim quiser pode também supor que
esse espírito permite, ou conduz consigo para algum lugar, o 2. Suponho que esse éter permeia todos os corpos volumosos,
combustível solar e princípio material da luz, e que os vastos mas de modo a permanecer, entretanto, mais rarefeito em seus
espaços etéreos entre nós e as estrelas são repositório suficiente poros do que em espaços' livres, e tanto mais rarefeito quanto
para o alimento do Sol e dos planetas."73 menos poros haja; e suponho (juntamente com outros) ser essa a
causa pela qual a luz incidente naqueles corpos é refratada em
Esta explicação da gravidade em termos de uma circulação contínua do
direção à perpendicular, como também pela qual dois metais bem
espírito etéreo sob condensação da Terra, do Sol e outros corpos que se
polidos se integram num receptor exaurido de ar, e pela qual ~
atraem chamou a atenção de N ewton, em parte porque suas condições
fica às vezes no topo de um tubo de vidro, embora muito mais-alto
matemáticas estavam de acordo com suas deduções a partir das leis planetá-
que trinta polegadas; e urna das principais causas da coesão das
rias de Kepler. Ele observou essa concordância na sua correspondência com
partes de todos os corpos; também é a causa da filtragem, e da
Halley pouco antes da publicação de Principia, quando ainda parecia favore-
subida da água, em pequenos tubos de vidro, acima da superfície
cer consideravelmente a noção. 74
da água parada em que são mergulhados, pois suspeito que o éter
Pouco mais de três anos depois, Newton escreveu uma carta a Boyle, em pode permanecer mais rarefeito não somente nos poros impercep-
que muitos dos mesmos assuntos foram abordados. É bastante evidente, tíveis dos corpos, mas até mesmo nas próprias cavidades claramen-
porém, que, nessa carta, a extravagância de suas especulações anteriores foi te perceptíveis daqueles tubos; e o mesmo princípio pode levar os
diminuída consideravelmente, e no fim da carta ele apresenta uma nova solventes a eliminar, com violência, os poros dos corpos que
explicação da gravidade que, embora ainda em termos etéreos, é, de pronto, dissolvem, o éter à sua volta, como também a atmosfera, amalga-
uma explicação mecânica mais simples e menos fantasiosa dos fatos. A mando-os.
distinção entre o corpo fleumático principal do éter e os diversos espírito
3. Suponho estar o éter mais rarefeito dentro dos corpos, e
etéreos difundidos através dele, e desempenhando funções individuais, pare-
mais denso fora deles, não para se acabarem numa superfície
ce ter quase desaparecido, em favor de um meio uniforme, exceto quanto a
matemática, mas para se integrarem gradualmente um com o
graus de densidade e volume. É óbvio que o pensamento de Newton esforça-
outro, passando o éter externo. a ficar mais rarefeito, e o interno
se para livrar-se de todos os elementos mágicos e. fantásticos possíveis. A
mais denso, a pouca distância da superfície do corpo, e passando
introdução à carta é incluída, como uma indicação da amizade de Newton
por todos os graus intermediários de densidade nos espaços inter-
com Boyle, naquele tempo.
mediários."?'
"Honrado Senhor: - Adiei tanto o envio dos meus pensamen-
Newton então propõe, em termos da sua concepção do éter, uma explica-
tos sobre as qualidades físicas de que falamos que, se não me
ção elaborada da refração da luz, da coesão e da ação dos ácidos sobre diversas
sentisse obrigado por promessa, creio que me envergonharia de
substâncias. Ao aproximar-se do fim da carta, a noção do éter como algo
fazê-Ia. A verdade é que minhas noções sobre coisas dessa natureza
graduado em densidade de acordo com a sua distância dos poros centrais dos
são tão indigestas que eu próprio não estou satisfeito com elas; e o
corpos sólidos sugeriu, evidentemente, à sua mente, a simples explicação da
que não me satisfaz eu praticamente não vejo apropriado para gravidade referida.
comunicar a outrem; especialmente em filosofia natural, onde não
há fim para as fantasias. Mas, como estou em dívida com o Senhor, "Estabelecerei mais uma conjectura, que me veio à mente
e como encontrei ontem um amigo, o Senhor Maulyverer, que m agora, enquanto escrevia esta carta; trata-se da causa da gravidade.
disse estar indo a Londres, e pretendia dar-lhe o trabalho de uma Para esse fim, suporei consistir o éter de partes diferentes umas das
visita sua, não pude deixar de aproveitar a oportunidade d outras em tenuidade, por graus indefinidos; nos poros dos corpos
transmitir isto ao Senhor, através dele. h, rnen s do éter mais denso, em proporção ao menos denso, que
lia 1I J.lil li do ar; c ainda, o éter mais denso no ar afeta as regiões
Sendo apenas uma explicação das qualidades que o nhor
Iqlll"lI • .111'111.1,( o '\ rm n s d nsonaT rraaf ta as r giõ
deseja de mim, apre ntarci minluu ''1" «'IIS0(S, adiante, sob a
IId.IIIII ,t •• li, dI I ti 111.11\( ira qlH', elo topo do ar. ,11»( I'ff<it ela
forma ele suposições. Priuu-iraun 1111, III'<lllho qu(' 11;'1, difulldida
I 111 1111 111 .dl IIJIIIIIIII d.I'('lll.1.IO Il1lllll10.oclll
IICIJ 10el,I póllll', UIIl,I III! I 1111I I I. 1I • "P,II di 101111.1 .111 I
lI! I I I d. 11 IIl.ull 1.111.1 'I I 111111111 11111 111
:lI!> Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 217

agora qualquer corpo suspenso no ar, ou pousado sobre a Terra, e externos de sensação ao cérebro, e do cérebro aos músculos. Mas
o éter sendo, por hipótese, mais denso nos poros que estão na essas são coisas que não podem ser explicadas em poucas palavras,
partes superiores do corpo que naqueles que estão em suas partes nem estamos providos de experimentos suficientes, necessários
inferiores, e que o éter mais denso, sendo menos propenso a s para uma determinação e uma demonstração acuradas das leis
alojar naqueles poros do que o outro, abaixo, tenderá a sair e dar pelas quais esse espírito elétrico e elástico opera. "78
lugar ao éter menos denso abaixo, pode acontecer sem que os
Em outras palavras, a existência desse espírito e sua relação causal com
corpos desçam para abrir um lugar acima, para onde tal éter possa
tais fenômenos é tomada como indubitável; a única incerteza, e daí a única
Ir.
razão pela qual esses casos não podem ser abordados apropriadamente em
A partir dessa suposta tenuidade gradual das partes do éter, Principia, é que, até agora, fomos incapazes de obter leis experimentais
algumas coisas acima podem ser melhor ilustradas e tornadas mais acuradas que expressem as operações desse meio penetrante. Vale notar que
inteligíveis; mas, pelo que já foi dito, o Senhor saberá discernii aqui também não há indício das distinções múltiplas sobre o éter feitas em sua
facilmente se houver, nessas conjecturas, qualquer grau de proba carta de 1675; agora o éter parece ser tomado como um meio único.
bilidade, que é tudo que almejo. De minha parte, tenho tão pOUCiI
atração por coisas dessa natureza que, se o seu encorajamento não G.Desenvolvimento de uma Teoria Melhor Fundada
me tivesse guiado a elas, creio que nunca as teria posto no papel.'?"
É em Opticks, especialmente em uma das indagações que foram acrescen-
Essa hipótese um tanto crua da gravidade foi bastante meditada pOI
tadas por último à obra, que as afirmações finais de Newton sobre a natureza e
Newton, e tomou forma mais madura na indagação vinte e um de Opticks, de
as funções do éter são proferidas. Na referida obra, suas suposições iniciais
que citaremos a seguir. Essas citações da correspondência inicial de Newton
são esclarecidas e desenvolvidas com maiores detalhes; também a explicação
indicam claramente que suas opiniões oscilavam com relação ao método e11
da gravidade, descoberta no curso da sua carta a Boyle, é apresentada de
aplicação da teoria do éter a tais fenômenos, e, por causa do seu reconhecido
forma mais esmerada e simplificada.
experimentalismo, elas sempre foram apresentadas tentativamente, e COI1I
alguma timidez; entretanto, quanto à existência de tal meio, e quanto .1 A passagem inicia-se com a afirmação de um fato interessante para
legitimidade do recurso a ele para solução de certas dificuldades, ele não tinh.i explicação: 79 um termômetro colocado no vácuo e levado de um lugar frio
qualquer dúvida. Para More, o mundo voaria em pedaços sem o espírii« para um lugar quente "esquentará tanto, e quase tão rapidamente quanto o
etéreo; para Newton, o mundo se deterioraria e se tornaria imóvel se na" termômetro que não estiver no vácuo ... Não é o calor do ambiente quente
fosse pelo recrutamento contínuo do movimento dessas várias maneiras pOI transmitido através do vácuo pelas vibrações de um meio muito mais tênue que
princípios ativos alojados no éter. E ele nunca abandonou a esperança de qrn o ar, que permaneceu no vácuo, após ter sido o ar expelido? .. E não é este
eventualmente pudesse ser assegurada evidência experimental, que estab Ii meio extremamente mais rarefeito e tênue que o ar, e extremamente mais
ceria ou derrubaria definitivamente algumas dessas conjecturas específicas elástico e ativo? E não permeia ele todos os corpos? E não é ele (por sua força
Foi com esse espírito e com esse propósito que ele propôs muitas das trinta e elástica) expandido por todo o espaço?
uma indagações anexadas a Opticks.
"Não é esse meio muito mais rarefeito dentro dos corpos densos do Sol,
Este julgamento da hipótese etérea de Newton é confirmado de man 'il.1 das estrelas, dos planetas e dos cometas do que no vazio espaço celeste entre
interessante pelo último parágrafo de Principia. eles? E, ao afastar-se deles, não se torna ele cada vez mais denso, perpetua-
"Agora acrescentaremos algo concernente a um certo espírh» mente, a distâncias maiores, e por isso gera a gravidade recíproca dos grandes
corpos e de suas partes em direção aos corpos, procurando cada corpo ir das
muito tênue, que permeia e permanece escondido em todos li
corpos densos, por euja força e ação as partículas dos corpo partes mais densas do meio para as mais rarefeitas? Posto que, se esse meio for
atraem-se mutuamente a distâncias próximas e se integram, e mais rarefeito dentro do corpo do Sol que na sua superfície, e mais rarefeito
contíguas; e os corpos elétricos operam, a maiores distâncias, talllcI ali do que na centésima parte de uma polegada do seu corpo, e ainda mais
repelindo como atraindo os corpúsculos vizinhos; e a luz é rnitirl.r, raref ito ali do que na qüinquagésima parte de uma polegada do seu corpo, e
refletida, refratada, desviada aqui n os corpos; e toda sens:u...u I t mais r:\lt'f( illl "li cio que na órbita de Saturno, não vejo razão para o aumento
estimulada, os m mbro: dos 101 po .llIilIIÚ~St 1ll0V( III ao (0111.111 de cll 11id.lde )1.11.11 ('111qualquer parte, não ontinuar através de todas as
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218 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna

impelir os corpos das partes mais densas do meio em direção às mais rarefeitas mente reduzido se comparado com as tentativas inICIaIS. De fato, em uma
com todo aquele poder que denominamos gravidade. E o fato de que a força seção instrutiva de Opticks ele repete, sob a forma de uma grande hipótese
elástica desse meio é extremamente grande pode ser compreendido a partir cósmica, sua sugestão, contida no prefácio de Principia, de que todos os
da rapidez das suas vibrações." Newton cita, nessa passagem, a velocidade do fenômenos da natureza devem ser solucionáveis em termos de atomismo e de
som e da luz como ilustração, passa a uma discussão em que repete algumas determinadas forças de atração e de repulsão, Para isso, sua especulação
das suas especulações iniciais sobre a possibilidade de explicar a refração, a inicial sobre a possibilidade de os corpos sólidos originarem-se, fundamental-
sensação, o movimento animal, o magnetismo e outras coisas tais; pelo auxílio mente, de substâncias etéreas, e sua fé constantemente expressada em todas as
do éter. Parte, em seguida, para uma melhor descrição do meio. "E se todos espécies de transformações na natureza, firmaram o caminho. A hipótese,
supusessem que o éter (como o nosso ar) pode conter partículas que tendem a enfim, é que todo o mundo físico pode consistir de partículas que se atraem
afastar-se umas 'das outras (pois não sei o que é esse éter) , e que suas partículas em proporção ao seu tamanho, passando a atração através de um ponto zero
são extremamente menores que as do ar, ou mesmo que as da luz: a extrema para a repulsão ao chegarmos às menores partículas que compõe o que
pequenez de suas partículas pode contribuir para a grandeza da força pela denominamos éter." Assim, de um só golpe, tornam-se plausíveis a formação
qual aquelas partículas podem afastar-se umas das outras, e, desse modo, dos corpos sólidos pelas atrações das partículas maiores e o meio etéreo
tornar aquele meio extremamente mais rarefeito e elástico que o ar, e, por penetrante, com suas tendências de repulsão e suas variações de densidade. É
conseqüência, extremamente menos capaz de resistir aos movimentos de lamentável que Newton não tenha permitido à sua imaginação disciplinada
projéteis e extremamente mais capaz de fazer pressão sobre os corpos seguir tais sugestões até que evoluísse para a teoria exata mais simples do
volumosos, na sua tendência à expansão. universo físico como um todo.

"Não podem os planetas e os cometas, e todos os corpos Acreditava Newton ser o éter uma substância material ou imaterial? Foi
volumosos, executar seus movimentos mais livremente, e com suficiente a influência de More, já observada em tantos pontos, para fazê-lo
menos resistência, nesse meio etéreo, do que em qualquer fluido seguir o grande platonista e seu predecessor, Gilbert, para conceber o meio
que preencha todo o espaço adequadamente, sem deixar quaisquer etéreo como algo espiritual, ao invés de material? O leitor percebeu que, nas
poros, e por conseqüência seja muito mais denso que o mercúrio e citações até agora feitas, Newton utilizava o termo "espírito" quase tão
o ouro? E não pode a sua resistência ser tão pequena a ponto de freqüentemente quanto o termo "meio", exceto quando se referia ao "corpo
nem ser considerada? Por exemplo: se esse éter (pois assim deno- fleumático principal do éter", e na sua terceira carta a Bentley. Da mesma
miná-lo-ei) fosse 700.000 vezes mais elástico que o nosso ar, e acima forma, a questão a respeito de o meio interplanetário ser corpóreo ou não-
de 700.000 vezes mais rarefeito, sua resistência seria acima de corpóreo é levantada em Principia 81 e deixada ostensivamente aberta. Usava
600.000.000 de vezes menor que a da água. E uma resistência tão Newton esses termos com o mesmo sentido que os seus predecessores ingleses
pequena quase não faria qualquer alteração sensível nos movimen- lhes atribuíam?
tos dos planetas em dez mil anos." Assim posta, a questão é impossível de ser respondida. Com efeito, se
O éter de Newton, conforme finalmente descrito, é um meio essencial- focalizássemos nossa atenção na teoria cósmica recém-considerada, teríamos
mente da mesma natureza do ar, só que muito mais rarefeito. Suas partícula de negar qualquer diferença em substância entre o éter e os corpos sólidos, o
são muito pequenas e estão presentes em maior quantidade de acordo com a que faria com que o éter fosse, necessariamente, corpóreo; entretanto, em sua
sua distância dos poros interiores dos corpos sólidos. São elásticas, isto é, carta inicial, foi sugerido que os corpos sólidos surgem por solidificações de
possuem poderes mutuamente repulsivos, e tendem constantemente a afas- diversos espíritos etéreos, o que pareceria tornar os corpos, fundamentalmen-
tar-se umas das outras, e essa tendência é a causa dos fenômenos de gravita te, espirituais. O fato é que o positivismo de Newton era poderoso bastante
ção. Outros fenômenos dos tipos acima observados são atribuídos a poderes para impedi-Io de levar suas especulações muito adiante, nessa direção. Ele
ativos adicionais do éter, ou mencionados ocasionalmente como igualment negava, de forma um tanto consistente, o conhecimento da natureza funda-
resultantes da operação dessas forças de repulsão. Mas os poderes ativos nã mental de qualquer coisa, e nossa curiosidade sobre esse ponto permanecerá,
podem, aparentemente, .ser prescindidos, uma vez que a máquina univer ,1 portanto, insatisfeita. Os corpos existiam, exibiam certas qualidades, e agiam
está em declínio e o éter carrega a responsabilidade de reconstituir constant de certa man iras matemáticas; o éter - e Newton estava convencido disso
mente o vigor e o movimento do cosmo p lu (' crc íci desse prin ípios - xistia dói nu m: forma, e supria a propagação e o aumento do movimento
ativos. É interessante obs rvar biografi anu IIle que. 110 c. crito: po: I( rime' d neleIIIc 1111 1111111I10,
qu ndo neces ário; chamava-o d pírito, a r ditava
d N( WIOtl. () núm ro ele e I( IlH ntos iru 1'11I.e 1.1111de qll.lliclólC!t qll< .111 inu ilollllllllr 11 1"' IllIlicl.leI d rran: mutaçoes u niversai: na natureza: m •.
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111 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Mod 111.1 'I

rava tão além do objetivo da ciência proveitosa que não mereciam atenção interessante de ser explorado cuidadosamente. Ele foi acusado I" I.. ,dll I
cuidadosa. Ademais, a espiritualidade do cosmo, para ele, era garantida ortodoxos de ser ariano; aparentemente com amplos fundanu IItll I 111 I 1
amplamente pelo fato de que todas as coisas e as suas forças tiveram sua outras sugestões heréticas, ele escreveu um breve ensaio sob r 1)//,/\ /1"111,,\

existência e direção dadas originalmente por um Criador espiritual. Assim, tal Corrupções da Escruura." sendo o efeito de sua tese, em cada caso, () d!' 1"11 1111
questão, como foi proposta, era também sem importância, do ponto de vista dúvida a suposição tradicional de que a doutrina da Trindade foi enxiu.ul.t 1111
religioso. Voltamo-nos agora para o teísmo de Newton e sua relação com a sua Novo Testamento. Um forte sabor ariano permeia a maioria dos s u 'slm o
ciência. teológicos, de onde tiraremos uma ou duas citações para outro propósito. 1111
Seção 6. Deus - Criador e Preservador da Ordem do Mundo seja, para mostrar que a religião era algo muito básico para ele, e, em n nhum
sentido, um mero acessório da sua ciência, ou uma adição acidental SU,)
Até aqui, as idéias meta físicas de Newton já investigadas exemplificam, metafísica. Newton acreditava que o fato científico envolvia o teísmo, mas I
principalmente, o primeiro e o segundo dos três tipos destacados na Seção 2 teria sido um teísta se seus poderes científicos tivessem permanecido adorm -
do presente capítulo. Elas são ou tomadas acriticamente da maré científica do cidos. Evidentemente, Newton cultivava uma espécie de experiência religiosa,
momento, ou se apóiam em algum aspecto do método de ewton para sua largamente alimentada, é claro, pela tradição que era, em geral, desligável do
justificativa final. Seu tratamento do espaço e do tempo, todavia, conduziu, teísmo postulado como corolário da ciência. Este fato relaciona-se com sua
por antecipação, à importância da sua interpretação fundamentalmente teísta convicção clara e continuada de que o mundo da ciência não é, de modo
do universo, e agora, quando essa última é abordada mais diretamente, será algum, o mundo inteiro.
útil notar; em primeiro lugar, que suas visões teológicas representavam,
predominantemente, um elemento metafísico do terceiro tipo. Para Newton, "Reconhecemos, portanto, um Deus infinito, eterno, onipre-
a religião era objeto de interesse fundamental, e lidava com um domínio sente, onisciente, onipotente, o Criador de todas as coisas, o mais
diferente, em grande parte, do objeto da ciência; seu método era bastante sábio, o mais justo, o mais bondoso, o mais sagrado. Devemos amá-
10, temê-lo, honrá-lo, confiar nele, orar a ele, agradecer-lhe, glorifi-
dissimilar, pois suas conclusões, em geral, não eram suscetíveis de comprova-
ção ou de refutação por padrões científicos. Por certo, Newton estava seguro, cá-Io, consagrar o seu nome, obedecer seus mandamentos e dedicar
como veremos, de que certos fatos empíricos, abertos à observação geral, tempo para seu serviço, como nos ordenam o terceiro e o quarto
implicavam, de forma não-qualificada, a existência de um Deus de uma certa Mandamentos; pois este é o amor a Deus; que cumpramos seus
natureza e função definidas. Deus não era afastado do mundo que a ciência Mandamentos, e eles não são severos. I João v. 3. E essas coisas não
buscava conhecer; com efeito, cada passo verdadeiro na filosofia natural devemos fazer a quaisquer mediadores entre ele e nós, mas sim a
traz-nos mais próximos de um conhecimento da causa primeira, 82e deve ser, ele próprio, pois ele pode confiar a nossa guarda a seus anjos, os
quais,. sendo servidores tanto quanto nós, comprazem-se com a
por esta razão, altamente valorizado - expandirá também os limites da
filosofia moral, uma vez que, "até onde podemos saber, pela filosofia natural, adoração que fazemos a seu Deus. E esta é a primeira e principal
o que é a causa primeira, que poder ele tem sobre nós, e que benefício parte da religião. Sempre foi, e sempre será, a religião do povo de
Deus, do princípio ao fim do mundo."85
recebemos dele; até aí nosso dever para com ele, como também para com os
outros, nos surgirá pela luz da natureza"." Então, embora a religião e a ciência Os tratados teológicos mais extensos de Newton, como Observações sobre as
sejam interpretações fundamentalmente diferentes do universo, cada uma Profecias, HIi somente confirmam essas indicações de que ele era um piedoso e
válida a seu modo, para -ewton, em última análise, o domínio da ciência era crente cristão, com toda a extensão que o termo possuía então, como também
dependente do Deus da religião, o que levava a mente reverente a uma mai I um magistral cientista H7. Seu arianismo era radical para a época, mas não o
segurança da sua realidade e a uma obediência mais imediata aos seu, impediu de aproximar-se do mundo da ciência pela necessidade de vê-Io
comandos. Assim, apesar do caráter incomensurável destes, e do consideráv I disfarçado por urnaglória divina e pleno do significado religioso derivado da
sucesso de Newton em banir preconceitos religiosos dos seus teoremas cient! convicção de que tinha sido criado e ordenado pelas mãos do Deus que tinha
ficos positivos, o fato de que a existência" de Deus e seu controle nunca foram sido reverenciado a partir da sua juventude, como Pai do Cristão Salvador e
questionados pelo homem que escreveu quase tantas dissertações teológi a infalível Autor das Escrituras Cristãs.
quanto clássicos científicos teve suas fortes e significantes reações a respeit I< .Ccrndos, em parte, por essa doutrinação e pela experiência religiosa
posições que ele teria chamado de puramente ci ntíficas. tradir iou.il, 1'111 p.)rte lançados sobre ele, como parece, por evidências
ill<jl\( tlllll' 1 I d. 111 oposito inr li~ nu- na ordem cósmica, os argumentos
A. Neuiton como Teólogo .11-4111.1 1IIIItlI ti l' 11 I I 1111 '!'III divina do mundo !·'I".li.lIll S( p! 1.ls p'lgill<lS

(>111 11 dI 1011 11.1 d( 1 I LI 11\1\ IlIpll" dll (11 11 '"1 11 I"


Edwin Arthur Burtt As Bases. Metafísicas da Ciência Moderna 223

'A ocupação principal da filosofia natural é discutir, a partir dos "Senhor, quando escrevi meu tratado sobre nosso sistema,
fenômenos, sem disfarçar hipóteses, e deduzir causas de efeitos, até percebia que tais princípios poderiam ser aceitos; entre os homens
chegarmos à causa primeira de todas, que, certamente, não é ponderados, como uma crença numa Divindade; e nada pode
mecânica; e não somente desvendar o mecanismo do mundo, mas, alegrar-me mais que sabê-Ia útil para aquele propósito. Mas, se
principalmente, resolver estas e outras questões similares. O que há desempenhei, dessa forma, um serviço público, isso se deve apenas
em lugares quase desprovidos de matéria, e por que é que o, Sol e os à perseverança e ao pensamento paciente ...
planetas gravitam, uns em direção aos outros, sem matéria densa
entre eles? Por que motivo a natureza nada faz em vão; e por que O mesmo poder, natural ou sobrenatural, que colocou o Sol no
surge toda aquela ordem e beleza que vemos no mundo? Para que centro dos seis planetas primários, também colocou Saturno no
propósito existem os cometas, e por que os planetas se movem, centro dos seus cinco planetas secundários; e [úpiter rio centro dos
todos, da mesma forma, em órbitas concêntricas, enquanto que os seus quatro planetas secundários; e a Terra no centro da órbita da
cometas se movem de outras maneiras em órbitas muito excêntri- Lua; e portanto, tivesse essa causa sido desprovida de planejamen-
cas, e o que impede as estrelas fixas de caírem umas sobre as to e de empenho, o Sol teria sido um corpo igual a Saturno, [úpiter e
outras? Como os corpos dos animais são concebidos com tanta arte, a Terra, ou seja, desprovido de luz e de calor. Não conheço outra
e para que fins seriam suas diversas partes destinadas? 88 Foi o olho razão para haver um corpo em nosso sistema qualificado para
criado sem o conhecimento da ótica, ou o ouvido sem o conheci- proporcionar luz, calor e tudo mais, senão porque pareceu conve-
mento dos sons? Como os movimentos do corpo seguem a vontade, niente ao autor do sistema; também não conheço outro motivo pelo
e de onde vem o instinto dos animais? Não é o sensório dos animais qual há somente um corpo dessa espécie senão por ser suficiente
aquele lugar em que está presente a substância sensória, e no qual para aquecer e iluminar todos os outros. A hipótese cartesiana,
as espécies perceptíveis das coisas são levadas através dos nervos e segundo a qual os sóis perdem sua luz e se transformam em
do cérebro, para que lá possam ser percebidas, por sua presença cometas, e os cometas, por sua vez, em planetas, não tem lugar no
imediata, por aquela substância? E, sendo essas coisas executadas meu sistema e está claramente equivocada; é certo que, tão fre-
corretamente, não parece, a partir dos fenômenos, que haja um ser qüenternente quanto nos surgem, os cometas descem em nosso
incorpóreo, vivo, inteligente, onipresente, que, no espaço infinito, sistema planetário, abaixo da órbita de júPiter é, por vezes, abaixo
como se fosse seu sensório, vê as coisas intimamente, e as percebe das de Vênus e Mercúrio; entretanto, nunca permanecem aí, e
inteiramente, e as compreende completamente pela sua imediata sempre retornam do Sol com os mesmos graus de movimento com
presença perante ele?" 89 que se aproximam dele.

Aqui, os fatos cuja causalidade fundamental Newton geralmente atribuiu À sua segunda indagação, respondo que os movimentos ora
ao éter parecem ser vistos como uma operação direta de Deus, tais como a executados pelos planetas não poderiam originar-se apenas a partir
gravidade e a produção do movimento corpóreo por meio da vontade. Da de uma causa natural, mas sim do impulso dado por um agente
mesma forma, a base teológica do postulado da simplicidade da natureza é inteligente. Pois, uma vez que os cometas descem à região dos
notável, tendo Newton alinhado-se, nesse aspecto, com seus grandes anteces- nossos planetas, e aí movem-se de todas as maneiras, às vezes corno
sares científicos. Desses argumentos teleológicos, o mais irrefutável em sua os planetas, às vezes de forma contrária e, outras vezes, cruzando-os,
mente, e que nunca deixava de enfatizar, reflete sua total familiaridade com estando os seus planos inclinados ao plano da eclíptica em vários
os fenômenos do sistema celeste - ou seja, o fato de que "os planetas se ângulos, é evidente que não há causa natural que possa determinar
movem, todos da mesma forma, em órbitas concêntricas, enquanto que os que todos os planetas, primários e secundários, se movam da
cometas se movem de outras maneiras, em órbitas muito excêntricas"." Em mesma forma e no mesmo plano sem qualquer variação considerá-
sua primeira carta ao Dr. Bentley, por ocasião do mandato deste na conferên- vel; este deve ter sido o resultado de uma deliberação. Tampouco
cia de Boyle, em 1692, essa discussão foi melhor desenvolvida. Bentley havia há qualquer causa natural que poderia dar aos planetas os seus
escrito a Newton, delineando uma vasta hipótese cósmica sobre a criação do graus corretos de velocidade, em proporção à sua distância do Sol e
universo a partir da matéria dispersada uníforrn m nte através de todo dos outros corpos centrais, necessária para fazê-Ias mover-se em
espaço, sobre a qual pediu a Newton qu o, n: elh: s. m c rtos p nt milita. on êntricas em torno daqueles corpos. Se os planetas
porque os havia d duzido a partir ele pl ilu {pio de N wron, N r po t: I 10 1111 tIO r. pido amo o om t ... ou se as dist: ndas do.
N wton aprovou os a p (to 1>1in: ipóli dfl f 111' 1111, 1111 dI vorou: I. P (ial 111 u u no dos quai: e)e. move 11I 10 (lll IlIailll ( 011

1111111r 1 di 111 o ,,111Id.l 1111111 011. I qUllltul,II11 di 111 111 II1 I 1111ti ri ,I 110, ol , 1111 111
224 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 225

Saturno, ou júPiter e a terra e, por consequência, seu poder de mundo da matéria, encorajaram uma impressão geral de que a gravidade era
gravitação, fosse maior; ou menor do que é, os planetas primários inerente à matéria, de acordo com os princípios newtonianos, impressão esta
não poderiam orbitar em torno do Sol, nem os secundários em que foi levada mais adiante pela explícita defesa da doutrina, po: Cotes, no
torno de Saturno, [úpiter e da terra, em círculos concêntricos, como seu prefácio à segunda edição de Principia. "Falas às vezes da gravld.ade co~o
o fazem, mas mover-se-iam em órbitas hiperbólicas ou parabólicas, essencial e inerente à matéria. Suplico-te não atribuir tal noção a rmm; pOlSa
ou em elipses bastante excêntricas. Portanto, para criar esse siste- causa da gravidade não é o que pretendo saber, e, portanto, levaria mais
ma, com todos os seus movimentos, requereu-se uma causa que tempo para que a considerasse"." No entanto, Newton sustentou que os
compreendesse e comparasse as quantidades de matéria dos diver- fenômenos eram tais que, mesmo com a gravidade inerente, a matéria do
sos corpos do sol e dos planetas e os poderes gravitacionais resul- sistema solar não poderia ter tomado sua forma por si; "a gravidade pode
tantes disso; as variadas distâncias dos planetas primários do Sol, e colocar os planetas em movimento, mas sem o poder divino nunca poderia
dos secundários de Saturno e de júpiter e da Terra; e as velocidades colocá-Ios como estão, em movimento circulante, ao redor do sol;"?' "além
com que esses planetas orbitam em torno daquelas quantidades de disso, se houver gravidade inerente, será impossível à matéria da terra, e de
matéria dos corpos centrais. Comparar e ajustar todas essas coisas, todos os planetas e estrelas, deixá-los, e espalhar-se de maneira uniforme por
numa tão grande variedade de corpos, resulta não ser aquela causa todo o espaço, sem um poder sobrenatural e, certamente, aquilo que ~unca
cega ou fortuita, mas muito hábil em mecânica e geometria.v' poderá ser daqui em diante sem um poder sobrenatural, nunca podena ser,
antes, sem o mesmo poder.?" Assim, uma criação divina é afirmada, seja a
A evidência de que Newtori não permitia sua teleologia desordenar-se é gravidade essencial aos corpos ou não.
dada nos parágrafos finais de sua interessante argumentação sobre a criação
do sistema solar por um matemático competente. Em sua zelosa busca de B. Atribuições de Deus na Economia Cósmica
evidências teísticas, o Dr. Bentley sugeriu a inclinação do eixo da Terra como Assim, por causa de sua poderosa herança religiosa, e com um sentido
prova adicional. Newton achou tal sugestão um exagero, a menos que o aguçado de todos os fatos de ordem e adaptação do mundo, Newton apoiou,
raciocínio fosse cuidadosamente fundamentado.
com todo o vigor de sua confiabilidade, a opinião então corrente, aceita por
todos, da genese fundamentalmente religiosa do universo. Originalmente,
"Por fim, nada vejo de extraordinário na inclinação do eixo da Deus criou as massas e deu-Ihes movimento; da mesma forma, como já foi
Terra como prova de existência de uma Divindade, a menos que visto, constituiu o espaço e o tempo em que se movem, pela sua presença e
seja apresentada como um esquema para proporcionar o inverno e existência contínua. Ele é responsável pela ordem inteligente e pela harmonia
o verão, e tornar a Terra habitável nas proximidades dos pólos; regular na estrutura das coisas que as torna objetos de conhecimento exato e
como as rotações diárias do sol e dos planetas dificilmente pode- de contemplação reverente. É quando se pergunta a respeito das relações
riam advir de qualquer causa puramente mecânica, por serem subseqüentes da Divindade com sua obra que se depara com aqueles elemen-
determinadas de acordo com os movimentos anuais e mensais, elas tos da teologia de Newton que tiveram o mais profundo significado histórico.
parecem constituir aquela harmonia do sistema que, como expli- Convém lembrar que nenhum dos seus predecessores, dentre os intérpretes
quei há pouco, é resultante de escolha, e não do acaso. mecânicos da natureza, aventurou-se a conceber o mundo, de forma coerente,
como uma máquina matemática. Parecia herético ou perigoso desligar Deus
Há ainda outro argumento para uma Divindade, que conside- da relação contínua com o objeto de sua atividade criativa anterior. Descartes,
ro forte; mas até que os princípios em que está fundado sejam com todo o seu entusiasmo mecânico, falava de Deus como aquele que
melhor recebidos, creio ser aconselhável deixá-Io de lado." mantém a máquina imensa pelo seu "concurso geral", e até mesmo a recria
constantemente em virtude da presumida singularidade dos momentos tem-
Nada há nos escritos posteriores de Newton que indique se, dentre os porais. O termo "mecânico" estava praticamente confinado ao princípio da
argumentos aí expressos, está o que aqui foi omitido. inércia ao tempo de More, sendo Deus direta ou indiretamente responsável
por aqueles princípios adicionais em virtude dos quais as coisas eram mantidas
Várias vezes, em sua correspondência com o Dr. Bentley, Newton apr unidas num sistema circulanre. Apesar de sua freqüente comparação do
veitou a ocasião para objetar a suposição del d que a gravidad ra uma mundo c 0111 o r lógio de Estrasburgo, Boyle reiterou piamente o "concurso
qualidade essencial dos corpos. Como ob 1 Vólelo 11.1 SI çuo 4. U I rÓIrio
!I~. J.{( I ti" dI Ilr • II li • embora não indica qual ignifi ado a xpr ão onti-
prin ípio xp rim r11. is lt v, 1, m no a 11 I II 11 I d 1'1 {llIi a. o IIU IIlO li 111 11!J I. I 1I1 I 'lU I um.t análise do \.11 io r.uninh» pilo quais De IIS
po, o pl C IIHIO eI.1 li.! li i ele II I I li' 11111 I .tlleI.lllc 1111 I I' I 111 I "" ,,\lI I o ! 1111" d" I 11 I1 ti dltll hll 111111.111111
226 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 227

em Huygens e em Leibniz os primeiros espíritos aventurosos a confinar a intelecto à vontade; o poder e o domínio do Criador são colocados acima de
atividade divina à primeira criação, tendo Leibniz criticado com desprezo os sua sabedoria e conhecimento. Essa ênfase não está presente, em algumas
seus contemporâneos ingleses por insultarem a Divindade com a insinuação passagens, mas as proporções são, geralmente, inequívocas. O famoso pará-
de ter ela sido incapaz de criar uma máquina perfeita no começo, a qual, por grafo sobre a natureza da Divindade, na segunda edição de Principia, é o
causa disso, necessitava de reparos experimentais seus, de tempos em tempos, exemplo mais expressivo:
a fim de continuar funcionando. "De acordo com a doutrina deles, Deus
Todo-Poderoso tem de dar corda ao seu relógio periodicamente, senão ele "Este Ser governa todas as coisas, não como a alma do mundo,
pára. Aparentemente, Deus não teve suficiente previsão para criar no relógio mas como Senhor de tudo; em função da sua autoridade suprema,
o movimento perpétuo. Mais ainda, a máquina criada por Deus é tão imper- ele está habituado a ser chamado de Senhor Deus 7raVTo/(pó.TWP, ou
feita, de acordo com esses senhores, que ele é obrigado a limpá-Ia regular- Soberano Universal ... O Deus Supremo é um Ser eterno, infinito,
mente através de um concurso extraordinário, e até mesmo consertá-Ia como absolutamente perfeito; mas um ser, não importa quão perfeito,
um relojoeiro que exerce seu ofício; conseqüentemente, ele deve ser um não pode ser chamado de Senhor Deus sem ter autoridade supre-
operário tão pouco qualificado que é sempre obrigado a reparar o seu ma .... É a autoridade suprema de um ser espiritual que constitui
trabalho. Na minha opinião, a mesma força e vigor permanecem no mundo, e um Deus: uma autoridade suprema verdadeira ou imaginária faz
passam de uma parte da matéria para outra, em concordância com as leis da um Deus verdadeiro, supremo ou imaginário. Desse domínio real
natureza e com a bela ordem preestabelecida. E afirmo que, quando Deus faz decorre que o verdadeiro Deus é um Ser vivo, inteligente e podero-
milagres, ele não os faz para atender os desejos da natureza, mas aqueles da so; e das suas outras perfeições decorre que ele é supremo, ou o Ser
graça. Quem pensar de outra forma deve ter uma noção muito mesquinha da mais perfeito ... Conhecemo-Io apenas pelas suas criações melhores
abedoria e do poder de Deus. "96 e mais sábias, e pelas causas finais; admiramo-Io por suas perfei-
Ora, é possível encontrar, nas obras de Newton e de Boyle, inúmeras ções, mas reverenciamo-Io e adoramo-Io por causa da sua autorida-
pa sagens em que se presume que, após sua primeira construção, o mundo da de suprema; pois o adoramos como seus servos, e um Deus sem
natureza ficou independente de Deus para a continuação de sua existência e autoridade suprema, providência e causas finais nada mais é que
movimento. O mundo não poderia ter surgido do caos pelas simples leis da Destino e Natureza .... Tudo isso com relação a Deus; discorrer a
natureza, "embora, uma vez formado, continuasse a existir, guiado por respeito dele a partir das aparências das coisas certamente não cabe
aquelas leis, por muitas eras"; 97a estrutura da natureza pode ser resultado da na filosofia natural."IOO
ondensação de vários espíritos etéreos, "e após ter a condensação tomado Seria realmente absurdo privar um ser descrito dessa forma do controle
diversas formas, primeiramente pela mão do Criador e a partir de então pelo real da sua criação; conseqüentemente, deparamo-nos com a atribuição que
p der da natureza que, em virtude do mandamento, cresce e se multiplica, Newton concede a Deus para o desempenho de duas tarefas muito importan-
tornando-se uma imitação completa do exemplo que lhe foi dado pelo tes e específicas na economia cósmica diária. Uma é a de impedir as estrelas
_riador";98 "nele, todas as coisas estão contidas, e nele se movimentam; fixas de colidirem em pleno espaço. Isto não é ensinadó em Principia; no livro,
ntretanto, uma não afeta outra - Deus nada sofre com o movimento dos Newton confinou-se à observação de que, para impedir esse colapso, Deus
orpos, e os corpos não encontram resistência na onipresença de Deus"." Mas, havia colocado as estrelas a distâncias imensas umas das outras.'?' Evidente-
quando investigamos mais detidamente, descobrimos que Newton, assim mente, este expediente dificilmente poderia funcionar para sempre; e o leitor
como Boyle, não tinha qualquer intenção de separar Deus do controle de sua de Newton, conseqüentemente, é surpreendido pelo fato de que o autor não
imensa máquina e da sua interferência ocasional nela. Os milagres menciona- cita essa dificuldade em parte alguma, como razão para não atribuir gravida-
do nas Escrituras e as realizações da graça espiritual não são suficientes como de à matéria além do alcance das nossas observações experimentais: se as
t vidên ias do contato divino contínuo com o reino das questões humanas. estrelas fixas não gravitam, obviamente, não há problema. Descobrimos, no
D( li também tem de ter uma função atual no cosmo, como um todo; não entanto, que Newton admite implicitamente a possibilidade delas possuírem
pocl mo p rmitir que abandone seus esforços, após seis dias de trabalh gravidade, pois em Opticks, e na sua terceira carta a Bentley, ele aponta a
ronstrutivo, e que deixe o mundo da matéria a seu próprios desígnios. O gravidade como' uma das funções divinas exercidas constantemente para
!lI « OIH c iro: r Iigiosos de Iewton e tarnh m sua I remissas estéti 0- mant r o intervalos entre as estrelas.:" Observe-se, em Opticks, a pergunta:
r j( lltili( ól It varam-no a r belar contra tai I I i.1 indr I rminada para ti "O '111 im p fi a estrelas fixas de se chocarem umas contra as outras?" Na
DI ·i"d,,,I( UlI 1.1 I n 1Ir1 v IpÓ~ aprovar o principal d sua hipóte e obre a criação, ele
)h (I 'c ('!"( (WIOII, (111 (O" (IH "JI 11 elc a mat ria t r . ido dividida, IlO prin {pio, m vário:
11111, IlIe I11I Irlo edll 111 dI! I I 111 I I ido (011 ruu do por 11111 pod I divino, (tlIIIO ti
228 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 229

nosso, os sistemas externos convergiriam, entretanto, para os internos, de essa ordem e harmonia como os propósitos do seu primeiro esforço criador.
modo que isso não poderia subsistir para sempre sem que um poder divino Do arquétipo ao todo, Deus agora desceu para tornar-se uma categoria, entre
cuidasse de conservá-lo .... " outras; a ordem contínua, o sistema e a uniformidade, conforme observados
no mundo, são inexplicáveis de outra forma senão pela sua existência.
N a indagação final de Opticks, porém, encontramos Deus responsável por
uma tarefa muito mais intrincada de mecânica aplicada; a ele é destinada a
obrigação de reformar providencialmente o sistema do mundo quando o seu
mecanismo se desgastar. Os princípios ativos do éter provêm a conservação do C. As Relações Históricas do Teísmo de Newton
movimento, mas não o suficiente para ultrapassar as irregularidades já
sabidas nos movimentos dos planetas e dos cometas, especialmente estes. Contrastemos essa teleologia newtoniana com a do sistema escolástico.
Devido à desintegração gradual dos cometas, sob a influência do calor solar!" Para esta, Deus era a causa final de todas as coisas tão verdadeira e mais
e ao retardamento, no seu afélio, por força das atrações mútuas entre si, e slgm icativamente do que para a newtoniana. Os propósitos da natureza não
entre eles e os planetas; e, da mesma forma, devido ao aumento gradual no se antepunham na harmonia astronômica; a harmonia era, por si, um meiOCIe
volume dos planetas, cujas causas são as mesmas referidas acima, as irregula- atmglr. ms maiores, como oconhecimento, o prazer e o uso, por parte dos
ridades da natureza estão aumentando; e o dia em que terão de ser feitos seres VIVOS, de uma ordem mais alta ue, por sua vez, foi feita para atingir um
fim ainda mais nobre, que completava o circuito divino: conhecer Deus e
novos reparos virá.
apreciá-lo para sempre. Deus não tinha propósito; era o objeto último do
"Enquanto que os cometas se movimentam em órbitas excêntri- propósito. No, mundo newtoniano, seguindo a sugestão anterior de Galileu,
cas, de todas as maneiras, o destino cego nunca poderia fazer com to a essa teleologia adicional é abandonada sem cerimônia. A ordem cósmica
que os planetas se movimentassem da mesma maneira em órbitas de massas em movimento de acordo com a lei é, por si, o bem final. O homem
concêntricas, exceto por algumas mínimas irregularidades, surgi- existe para conhecê-Ia e aplaudi-Ia. Deus existe para cuidar dela e preservá-Ia.
das a partir das ações mútuas dos cometas e dos planetas, uns sobre Todos os múltiplos zelos e esperanças dos homens são, implicitamente,
os outros, que aumentariam até que fosse necessário reformar o privados de objetivo e de satisfação; se seus possuidores não podem submeter-
sistema." 104 se ao propósito da mecânica teórica, não lhes é deixado um Deus apropriado e
ewton sustenta que Deus é solicitado a cumprir essa tarefa de maneira não lhes é permitida a entrada no reino do céu. Temos de nos tornar devotos
científica, uma vez que é um "agente eterno poderoso que, por estar em toda da ciência matemática; Deus, agora o mecânico principal do universo, tornou-
parte, é mais capaz de movimentar os corpos, com o uso da sua vontade, se o seu preservador cósmico. Seu propósito é manter o status quo. O dia de
dentro do seu ilimitado sensorium uniforme, e, portanto, de formar e refor- novidades faz parte do passado; não há avanço adicional no tempo. Reforma
mar as partes do universo, assim como, por nossa vontade, movemos as partes periódica sim, quando necessária, pela adição das massas adequadas aos
dos nossos próprios corpos. Entretanto, não consideramos o mundo como pontos do espaço em que forem requeridas; mas atividade criativa, não - a
corpo de Deus, ou suas diversas partes como partes de Deus. Ele é um ser divindade fica confinada à rotina temporal de cuidar da casa.
uniforme, desprovido de órgãos, membros ou partes, e aquelas são criaturas Historicamente, a tendência newtoniana de manter Deus em serviço foi
subordinadas a ele e subservientes à sua vontade .... Uma vez que o espaço é
~rofunda~ente. significa.ti~a. Provou-se um genuíno bumerangue para a sua
divisível in infinitum, e a matéria não está, necessariamente, em todas as tao cara filosofia da religião, uma vez que, em resultado de todas as suas
partes, pode ser também que Deus seja capaz de criar partículas de matéria de~ot~s exploraç~es, a principal função providencial que Newton pôde
em diversos tamanhos e formatos, e em várias proporções, relativamente ao atribuir a Deus fOI a de reparador dos encanamentos cósmicos, numa defesa
espaço, talvez também de densidades e forças diferentes e, por conseguinte, meticulosa de suas leis mecânicas, impostas de forma arbitrária, contra as
de alterar as leis da natureza e criar mundos de vários tipos em diversas parte invasões ameaçadoras da irregularidade. Com efeito, a noção do olho divino
do universo. Pelo menos, não vejo contradição nenhuma em tudo isso". '03 em constante perambulação pelo universo, em busca de vazamentos ou de
Assim, Newton aparentemente segue um postulado de extrema impor- engrenagens gastas na poderosa máquina, teria sido objeto de troça não fora
tância; pressupõe, como todos os que trazem um interesse estético à ciênci , sua in ignific, nria tornada evidente anteriormente. Pois arriscar atribuir a
que a ordem incomparável, a beleza e harmonia que caracterizam o r ino xi. I< IlC ia I .1 .u ivid.ule d D us a imp rfei õ na máquina cósmica
celeste como um todo, deve r pr rvad: < 1 1 num nt . 'ão r, pr s rvada Si~lIifi(.I\ .11111 JlII I I IIologi.1 o c1tsastlt Não imcdi.unuu-uu-, 1>01(111.11.1
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230 Edwin Arthur Burtt As Bases Metafísicas da Ciência Moderna 231

vibratória, trouxe apenas um alívio maior para o seu Criador divino e sua de Newton é um estágio transicional muito interessante e importante, d
vontade governativa. ponto de vista histórico, entre o providencialismo miraculoso da filosofia
religiosa anterior e a posterior tendência de identificação da Divindade com o
O que, apesar de todo o silêncio solene simples fato da ordem e harmonia racionais. Deus ainda é providência, mas o
Move-se em torno da escura esfera terrestre?
principal exercício do seu poder miraculoso é apenas o de manter a regulari-
O que, apesar de não ter voz real, nem som
dade matemática exata do sistema do mundo, sem o que a sua inteligibilidade
Encontra-se dentro de suas brilhantes órbitas?
e beleza desapareceriam. Além disso, a tendência subseqüente de ligá-lo àquela
Ao ouvido da razão, todos se regozijam
beleza e harmonia teve de lutar por uma existência precária e desencorajado-
E pronunciam, com voz exultante,
ra. A maioria dos intelectuais, sempre e inevitalmente antropomórfica em sua
Cantando sempre, em meio ao brilho,
teologia, dificilmente poderia perceber uma validade religiosa em tais substi-
"A mão que nos criou é divina."!"
tutos teístas. Para eles, pelo menos enquanto impregnados de ciência e
Mas a ciência prosseguiu e, sob a orientação da hipótese menos devota, filosofia, Deus havia sido eliminado do cenário, e a única coisa a ser alcançada
porém mais frutífera, de que seria possível estender a idéia mecânica por um era o passo único e final para a mecanização da existência. Assim ficaram essas
domínio cada vez mais amplo, os sucessores de Newton explicaram, uma por almas residuais dos homens espalhadas irregularmente entre os átomos de
uma, todas as irregularidades que pareceram a Newton essenciais e crescentes massa que nadavam mecanicamente entre os vapores etéreos no espaço e no
se a máquina fosse deixada à sua própria sorte. Esse processo de eliminação tempo, retendo ainda vestígios da res cogitans cartesiana. Eles também devem
dos elementos providenciais na ordem do mundo chegou ao seu ponto mais ser reduzidos a produtos e partes mecânicas do relógio cósmico auto-
alto com o trabalho do grande Laplace, que acreditava haver demonstrado a regulável. Para esse fim, a matéria-prima já havia sido fornecida pelos
stabilidade inerente do universo ao mostrar que todas as suas irregularidades antecessores ingleses imediatos de Newton, Hobbes e Locke, que aplicaram a
ão periódicas e sujeitas a uma lei eterna que as impede de ultrapassar um esse campo o método de explicação em termos de partes mais simples,
rto limite. deixando meramente de lado o requisito matemático; eles também tiveram de
ser expurgados de um quadro teológico estranho para se ajustarem de forma
Enquanto Deus era, dessa forma, privado de suas funções em virtude dos
apropriada a uma hipótese universal fundamentalmente mecanomórfica. Tal
vanços da ciência mecânica, e os homens começavam a pensar sobre se a
universalização desse naturalismo mecanicista atingiu seus píncaros com
máquina auto-reparadora necessitava realmente de um princípio sobrenatu-
alguns dos brilhantes pensadores franceses do fim do Iluminismo, em que se
ral, o ataque demolidor de Hume às idéias de poder e causalidade em um
destacaram La Mettrie e o Barão d'Holbach e, de uma forma diferente, com o
campo diferente já perturbavam o mundo intelectual com a suspeita de que a
evolucionismo do século XIX.
idéia de uma causa primeira não era tão necessária quanto parecera, e Kant
pr parava a penetrante análise cuja franca intenção era remover Deus com- Acompanhar tais desenvolvimentos está, obviamente, além do objetivo de
pl tamente do reino do conhecimento. Em suma, a tão cara teologia de uma análise da metafísica do início da ciência moderna. Contudo, a rápida
N wton foi rapidamente desmontada por todas as mãos competentes que eliminação de Deus das categorias tornou irreversível a projeção, sobre a
onseguiram alcançá-Ia, e o resto das suas entidades e premissas metafísicas, filosofia moderna, do problema proeminente referido na introdução e que
alijadas do seu enclave religioso, foi deixado ao relento, a vaguear impassível até hoje atormenta os cérebros dos pensadores, cu ja relação essencial com o
p Ia dependências do pensamento subseqüente, não questionado pela cuida- esquema metafísico newtoniano dificilmente poderá ser posta à parte. Refiro-
d a crítica por se considerar que tinha a mesma base eterna das conquistas me ao problema do conhecimento. Enquanto a existência de um Deus, para
ci ntíficas positivas do homem que foi o primeiro a anexar o firmamento sem quem todo o domínio da matéria estava presente e era conhecido intimamen-
fronteiras ao domíno da mecânica matemática. O espaço, o tempo e a massa te, logra manter-se como uma convicção indisputada, o problema de como a
pa. aram a ser vistos como componentes permanentes e indestrutíveis da alma humana, encerrada no escuro espaço de um ventrículo do cérebro,
ord m infinita do mundo, enquanto que a noção do éter continuou a tomar poderia obter conhecimento confiável sobre massas externas que vagueavam
forma inesperadas, e permanece no pensamento científico dos nossos dia cegamente no espaço e no tempo não se transformaria num enigma apavo-
(orno uma relíquia do animismo antigo, que até hoje provoca desordem na rante - uma continuidade espiritual, que conectava todos os laços do cenário
I nt.uiva do pobre homem de compreend r o mundo. O único lugar qu infinito, ra uprida por Deus. Por essa razão, os comentários episternológicos
(1)1 ou .1 D u foi O simples fato irredutfv I d; orei m inteligente da oi a, , de 1\0 Ic c t .\111 t; O fracos. Mas, com a despedida da Divindade, as dificuldades
'111 I, Ofll r I; ç, () o co mo como um lodll, 11 11 pod ria e capar d Hum ,o
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232 Edwin Arthur Burtt

acidente que Hume e Kant, os dois primeiros que realmente baniram Deus da
filosofia metafísica, igualmente destruíam; por meio de uma crítica cética, a fé
exagerada na competência meta física da razão. Eles perceberam que o mundo
newtoniano sem Deus deveria ser um mundo em que o alcance e a certeza do
conhecimento fossem positivas e estreitamente limitados, se a própria existên-
cia do conhecimento fosse, realmente, possível. Essa conclusão já havia sido
pronunciada no quarto livro do Essay, de Locke, em que somente um teísmo
religioso salvou o inconsistente autor de cair nas regiões infernais do ceticis-
mo. Nenhuma dessas mentes críticas e argutas, todavia - essa é a grande lição
instrutiva para os estudiosos de filosofia do século XX - orientou sua
pontaria crítica para o trabalho do homem que permaneceu ao centro de toda Notas do Capítulo VII
transformação significativa. Ninguém, no mundo intelectual, podia ser en-
contrado para salvar as brilhantes vitórias matemáticas em todo o domínio do
movimento físico e, ao mesmo tempo, expor os grandes problemas envolvidos 1. Prefácio, tradução de Morte.
na nova doutrina da causalidade, e as ambigüidades inerentes à forma 2. Tradução de Ralphson e Cunn, Londres, 1769, p. 174, 177.
tentativa, transigente e racionalmente inexplicável do dualismo cartesiano que
3. Arithmetic, p. 1. e seg., 9.
havia sido arrastada como uma divindade tribal, durante o curso de uma
campanha. Pois a afirmação da demonstração absoluta e irrefutável com o 4. Arithmetic, p. 465 e seg., Cf. p. 357.

nome de Newton tomou conta da Europa, e quase todos sucumbiram à sua 5. Arithmetic, p. 10.
influência. Onde quer que a fórmula universal de gravitação fosse divulgada 6. Arilhmetic, p. 202.
como verdade, também insinuava-se uma sombria crença em que o homem
7. Arithmetic, p. 209.
não passava de um espectador insignificante, ou melhor, de um produto
8. Opticks, terceira edição, Londres, 1721, p. 114 e sego A ortografia está modernizada nessas
irrelevante de uma engrenagem infinita autogovernada, que existiu eterna-
citações.
mente antes dele e que existirá eternamente depois, que abrigava em si o rigor
das relações matemáticas e bania à impotência todas as fantasias idealistas; 9. Opticks, p. 218.

uma engrenagem que consistia de massas brutas, vagueando sem propósito 10. System of lhe World, 3? vol. da tradução de Morte da obra de Newton Mathematical Principies of
num tempo e num espaço irreveláveis, e desprovida, em geral, de quaisquer Natural Philosophy, Londres, 1803, p. 10.
qualidades que pudessem importar em satisfação dos interesses maiores da 11. Opticks, p. 351, 377; Principies, Prefácio 1,174; 11, 162,314.
natureza humana, salvo apenas o objetivo principal do físico matemático. De
12. Principies, 11, 9.
fato, parecia incoerente e impossível que esse objetivo pudesse ser recompen-
13. Principies, 11,62 - "Se dessa maneira as partículas repelem outras de sua própria espé i ,C]u
sado quando fosse submetido à luz da análise epistemológica lúcida. Mas, se encontram próximas mas não exercem seu efeito sobre as mais remotas, as partícula. dI ~~,I
houvesse eles orientado sua crítica inteligente nessa direção, a que conclusões espécie comporão tais fluidos como os que são examinados nesta proposição. Se o f ito dI'
radicais teriam possivelmente chegado? . qualquer partícula difundir-se de todas as formas in infinitum, uma força maior será r quer ida
para produzir uma igual condensação de uma quantidade maior do fluido. Mas, se s f1uidu
elásticos realmente consistem de partículas que assim se repelem é uma questão física. Ik,uolI
tramos aqui, matematicamente, a propriedade dos fluidos consistentes de partículas dessa t· ph i
que, conseqüentemente, os filósofos terão oportunidade de discutir."

14. Opticks, p. 340 e sego


234 As Bases Metafísicas da Ciência Moderna As Bases Metafísicas da Ciência Moderna I \ )

devem ser .e~caixadas simplesmente para explicar as propriedades das coisas, e não para tentar 52. Principies, I, 9.
predeterminá-las, exceto quando puderem servir de auxílio às experiências." . 53. Principies, I, 6 e sego
17. Opera, IV, 318 e sego 54. Principies, I, 9.
I . Opera, IV, 310. Cf. também p. 318 e sego 55. Principies, I, 9 e sego
19. Opera, IV, 320.
56. Principies, I, 10 e sego
20. Opera, IV, 324 e sego 57. Principies, I, 27 e seg.; II, 182; System of the World (Vol. III), 27. Compare-se a presente
21. Opera, IV, 328. discussão da doutrina de Newton sobre o espaço e o tempo com as de Mach, Science of Mechanics;
Broad, Scientific Thought; e de Cassirer, Substanz-und Funktionsbegriff.
22. Opera, IV, 329.
58. Cf. Seção 6, p. 285 e sego
23. Opera, IV, 335.
59. Collections for the History of the Town and Soke of Grantham, Londres, 1806, p. 176.
24. Principies, II, 314. Cf. também Opticks, p. 380.
60. Principies, II, 311 e sego
25. Principies, II, 160 e sego
61. Brewster, Memoirs, II, 154.
26. P. 66.
62. Brewster, n, 349.
27. Opera, IV, 342. Oldenburg foi Secretário da Royal Society.
63. Opticks, p. 344 e sego
28. Cf. Opticks, p. 351, 364 e sego
64. Opticks, p. 377 e sego
29. ystem of lhe World (Principies, Vol. III), p. 3.
65. Principies, lI, 312 e sego
30. Opticks, p. 377.
66. Opera, IV, 380.
3 I. f. p. 211, nota de pé de página.
67. Opera, IV, 438.
32. Principies, II, 314.
68. Opticks, p. 372 e sego
33. Opticks, p. 380 e sego Compare-se com uma afirmação de método em Kepler, VII, 212.
69. Amplamente citada abaixo, p. 273 e sego
34. Principies, II, 314.
70. Opticks, 336 e sego - "Não estão erradas todas as hipóteses em que se supõe que a luz
'\5. Brewster, Memoirs of lhe Life, Writings and Discoveries of Sir Isaac Neunon, Edinburgo, 1855, consiste de impressão, ou de movimento propagado através de um meio fluido? Pois, em todas
01. ir, p. 532.
essas hipóteses, os fenômenos da luz foram até aqui explicados pela suposição de que surgem a
'\ I. pticks, p. 376. partir de novas modificações dos raios, o que é uma suposição errônea." Newton prossegue com a
citação de certos fatos observados, ou descobertos através de experimentos, que contrariam tais
37. Principies, II, 161.
hipóteses, continuando a partir daí: "É difícil explicar, por essas hipóteses, como os raios podem
31i. Opticks, p. 236 e sego estar alternativamente em espasmos de fácil reflexão e de fácil transmissão, a menos que se possa,
talvez, supor que existem, em todo o espaço, dois meios etéreos que vibram, e que as vibrações de
~'l. pticks, p. 375 e sego Cf. também p. 364 e sego um deles constituem a luz, e as vibrações do outro são mais rápidas e, por isso, provocam nas
10. Principies, II, 161. primeiras os espasmos, sempre que as alcançam. Mas é inconcebível que dois éteres possam ser
difundidos por todo o espaço, um deles agindo sobre o outro e, por conseqüência, provocando
1I Plicks, p. 376. uma reação, sem que os seus movimentos se retardem, se quebrem, se dispersem e se confundam.
I' Principles, II, 312. Surge uma grande objeção contra o acúmulo de meios fluidos no espaço, a menos que sejam
extremamente escassos, a partir dos movimentos regulares e perenes dos planetas e dos cometas,
1'1. Opticks, p. 12. que seguem os mais diversos cursos pelos céus. Pois, a partir disso, é manifesto que os céus são
11. Opticks, p. 345. Cf. p. 379. desprovidos de toda resistência perceptível e, por conseqüência, de toda matéria perceptível.
"Pois o poder de ~esistência dos meios fluidos deriva, em parte, do atrito das partes do meio
I O/ilirhs, p. 328. Cf. p. 319 e sego
fluido e, em parte, da vis inertiae da matéria ....
Ih Opll'n, IV, 305. Notem-se os termos e premissas escolásticas. "Ora, aquela parte do poder de resistência de qualquer meio que deriva da tenacidade, da
17 (}/II"Its, p, 108 e eg. fricção ou do atrito das partes do meio pode ser diminuída com a divisão da matéria em partes
menores, mais lisas e escorregadias: mas aquela parte da resistência que deriva da vis inertiae é
111 ()/'llrhl,p .. 20 j{.
prop r ional , d nsidade da matéria, e não pode ser diminuída por meio da divisão da matéria
1'1 (l/I/I,h p. '1h·1 1'1{. m 11.1111' 111 1111I ,rampouco por quaisquer outros meios que não os de d ré imo d

'o ","",/1/",11. Ih' r" d 11 id,lIl 01" 1111i" 1'11I ( .' R razõ S, a densidad
11' "1111 , 1"1 11111 "Iii nrin,
do. m io fluido
I' n ( \I fu 1'11I I, n tll'lI 11
~ '1\111. propnr<Ínnal,
I 11 til o ,
~\lH
I{II,I, li, o I li.1I1I IIllIilll
I ,,,, 1,I I I 111111' I lt I I 11.1. t fi .1 II () CIII Iltel fi 111 IC"lirl, II II I 11111 I11III111 III 1II1
236 Edwin Arthur Burtt
As Bases Metafísicas da Ciência Moderna

resistência que o mercúrio; se absolutamente densos, ou cheios de matéria, sem qualquer vácuo,
de modo a nunca permitir que a matéria fosse tão tênue e fluida, teriam uma resistência maior 87. São ilustrativas as seguintes seleções de um manuscrito intitulado On 011/ N I, ,
Christ, and lhe Church; Brewster, lI, 349 e seg.:
que a do mercúrio. em globo sólido em tal meio perderia mais da metade do seu movimento ao
mover-se pelo espaço equivalente a três vezes o seu diâmetro, e um globo não-sólido (como os "Há um Deus, o Pai, eterno, onipresente, onisciente, todo-poderoso, criadru ti, 1/

planetas) perderia ainda mais movimento. Portanto, para abrir caminho para os movimentos Terra, e um Mediador entre Deus e os homens, o homem Jesus Cristo. ".
regulares e perenes dos planetas e dos cometas, é necessário esvaziar os céus de toda a matéria, "O Pai é onisci~nte, e possui, originalmente, todo o conhecimento em si meS!IIO, 111111111
exceto, talvez, alguns vapores ou emanações muito tênues, surgidos das atmosferas da Terra, dos conhecimento de coisas futuras a Jesus Cristo; e ninguém, no céu ou na Terra, ()\I oj, I I 11
planetas e dos cometas, e de um meio etéreo extremamente escasso conforme descrito acima. em merece receber o conhecimento de coisas futuras imediatamente do Pai, exceto o ( 111 d 111
fluido denso não pode servir para a explicação de fenômenos da natureza; sem tal fluido, os Portanto, o testemunho de Jesus é o espírito da profecia, e Jesus é o Verbo, ou Profeta dI' I h 11
movimentos dos planetas e dos cometas podem ser melhor explicados. Tal fluido serve somente , ~'Devemos dar graças apenas ao Pai, por criar-nos e dar-nos alimento, roupa
para perturbar e retardar os movimentos daqueles grandes corpos, e para fazer definhar o bênçãos de s~a Vida, e o que quer que devamos agradecer-lhe, ou desejemos que nos
pedimos-lhe Imediatamente em nome de Cristo .. " .
arcabouço da natureza: nos poros dos corpos, serve somente para parar os movimentos vibrató-
rios das suas partes, de que consistem o seu calor e a sua atividade. Como não se presta a qualquer "Para ~ós há somen~e um D~us, o Pai, de qu~m são todas as coisas, e um Senhor Je u C" 111,
uso, e impede as operações da natureza, fazendo-a definhar-se, não há evidência para comprovar por quem sao todas as COisas, e nos por ele. Ou seja, devemos reverenciar apenas o Pai como J)rll
a sua existência, devendo, portanto, ser rejeitado. E, se for rejeitado, as hipóteses de que a luz Todo-Po?eroso, e apenas Jesus como o Senhor, o Messias, o Grande Rei, o Cordeiro de D u: qur
consiste de pressão ou movimento propagado através de tal meio são também rejeitadas. fOI sacrificado e nos redimiu com seu sangue e nos fez reis e sacerdotes."
"Para rejeitar tal meio, temos a autoridade dos mais velhos e mais celebrados filósofos da Em u~ trato muito interessante sobre a união da igreja, Brewster, II, 526 e seg., N WIOII
Grécia e da Fenícia, que fizeram do vácuo e dos átomos, e da gravidade dos átomos, os primeiros acrescenta a sua propaganda, como pionerro no campo, algumas proposições a resp ito do
princípios de sua filosofia; atribuindo tacitamente a gravidade a alguma outra causa que não a governo da Igreja:
matéria densa." "É, portanto, dev~r dos bispos e dos presbíteros governar o povo de acordo com as I i di
Deus e as leis do ~el, como também punir, nos concílios, de acordo com aquelas I i , li
71. Brewster, I, 390'e sego Oldenburg foi Secretário da Sociedade Real. transgressores; e ensinar os que não conhecem as leis de Deus; mas não fazer novas leis em nom
de Deus ou do rei.
72. C5bserv~-se também a p.89
"A Igreja está constituída e sua extensão e limites de comunhão são definidos pelas I i dr
73. P. 393 e sego Deus, que são imutáveis.

74. W. W. R. Bal!, An Essa)' on Sewton's Principia, Londres, 1893, p. 166 e sego - "Suponho[na "As leis do rei estendem-se apenas a coisas deixadas indiferentes e indeterminadas p Ia. I I
hipótese acima ]que o espírito descendente age sobre corpos aqui nas superfícies da Terra com de Deus e" partl,:ularmente, com relação às rendas e à tranqüilidade da igreja, às suas cort ~d
força proporcional às superfícies das suas partes, o que não pode ser, a menos que a diminuição JUStiça, e a decência e à ordem em sua reverenciação; todas as leis sobre coisas d ix: da
da sua velocidade ao agir sobre as primeiras partes de qualquer corpo com que se encontra seja indiferentes pelas leis de Deus devem ser referidas ao governo civil. ."
recompensada pelo aumento de sua densidade, derivado desse retardamento. :\ão importa se "Impor qualquer artigo de comunhão não imposto desde o princípio é um crime da m 5111;1
isso é verdadeiro ou não. É suficiente dizer que era essa a hipótese. Ora, se esse espírito descer natureza que: aquele cometido pelos cris~ãos da circuncisão, que procuraram impor a cir un i ,(f
com velocidade uniforme sua densidade e, conseqüentemente, sua força será reciprocamente e a observaçao da lei aos gentios convertidos. Pois a lei era boa se pudesse ser respeitada, ma 11 o
proporcional ao quadrado da sua distància do centro. Mas, se descer com movimento acelerado, fomos s~lvos por obr~ da lei, e ~Im p~la fé em Jesus Cristo, e impor tais obras como artigoR clr
sua densidade diminuirá em toda parte tanto quanto aumentar a sua velocidade; assim, sua força comunhao sena tor~a-las necessárias a. salvação, e desse modo invalidar a fé em Jesu I i to. I,
(de acordo com a hipótese) será a mesma que dantes, ou seja, ainda reciprocamente como o existe a mesma raz.ao ,c~ntra a Imposlç~o de qualquer outro artigo de comunhão que n () Ilu
quadrado da sua distância do centro." Cf. também p.p.158, 161. . Impo,~to ~esde opnnclplO. Todas essas Imposições significam ensinar outro evangelho. ".
Apos o batismo, devemos viver de acordo com as leis de Deus e do rei, e crescer na f{1 a~,1
75. Brewster, I, 409 e sego no. conhecimento do nosso Senhor Jesus Cristo, pela prática do que prometemos antes do
76. P. 418 e sego batismo, e pelo estudo das Escrituras e pelo ensinamento ao próximo da humildade e da carid.ul
sem nos Impormos às suas opiniões privadas ou discutirmos a respeito delas." '
77. Opticks, p. 369.
7H. Principies, II, 314. 88. Cf. também Principies, II, 313; Opticks, p. 378 e sego

79. Opticks, p. 323 e sego 89. Opticks, p. 344 e sego

HO. Opticks, p. 363 e sego 90. Cf. Opticks, p. 378; Principies, II, 310.

HI Vol.l,174. 91. Opera, IV, 429 e sego

/I" 0/lf/CHI, p. 345. 92. Cf. Principies, H, 161 e seg.; 313.

HI (>/lI/(kI, p, :\H I. 93. Opera, IV, 437.

()/" ,ti, \'01 V. 94. 0PPl'(I, I\'. l'lhl 'tf{;439.

, 1\1(\ I", li, IIH ( I g. "". ()/" '" I\ I 1I


'111 11111 I I 11
I '/'' 1,1

"
238 Edwin Arthur Burtt

98. Brewster, I, 392.


99. Principies, n, 311.
100. Principies, H, 3!l e segoCf. também Opticks, p. 381.
101. Principies, H, 310 e sego
102. Opticks, p. 334; Opera, IV, 439 e sego

103. Principies, n, 293-8.


104. Opticks, p. 378 e sego

105. Opticks, p. 379.


106. The Spacious Firmament on High, hino escrito por Joseph Addison para o coro da terceira
estrofe de Creation, de Haydn.
Capítulo VIII.

CONCLUSÃO

Observamos que o âmago da nova metafísica científica en 111 ra-s '. na


atribuição de realidade fundamental e eficácia causal ao mundo da mal m ti-
ca, identificado com o reino dos corpos materiais que se move no rpa no
tempo. Três pontos essenciais devem ser evidenciados na transformaçí o que
resultou na vitória dessa visão metafísica; há uma mudança na n 'P ão
prevalecente (1) da realidade, (2) da causalidade, e (3) da ment humana.
Quanto à primeira, o mundo real em que vive o homem não é mais vist mo
o mundo de substâncias dotadas de tantas qualidades fundamentai quantas
possam ser experimentadas em si, mas sim como o mundo dos átomos (hoje
denominados elétrons), equipado com características matemáticas ap nas e
movendo-se de acordo com leis inteiramente enunciáveis sob a forma mate-
mática. Quanto à segunda, as explicações em termos de formas e de causas
finais de eventos, tanto neste mundo quanto no domínio menos independente
da mente, foram finalmente postas de lado, em favor de explicações em
termos de seus elementos mais simples, sendo estes relacionados temporaria-
mente como causas eficientes e consistindo de movimentos dos corpos e
tratados mecanicamente sempre que isso fosse possível. Com relação a esse
aspecto da mudança, Deus deixou de ser tido como a Suprema Causa Final e,
em partes onde se acreditava ainda nele, tornou-se a Primeira Causa Eficiente
do mundo. O homem também perdeu a alta posição que havia sido sua, como
parte da hierarquia teleológica anterior, para a natureza, e sua mente passou a
ser descrita como uma combinação de sensações (agora denominadas rea-
ções), em vez de nos termos das faculdades escolásticas. Quanto à terceira, à
luz dessas duas modificações, a tentativa dos filósofos da ciência de redescre-
ver a r I ão da mente humana com a natureza expr ssou-s na forma
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