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A PRESENÇA DO CAPITAL

INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL
A PRESENÇA DO CAPITAL
INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

Maceió/AL
2019
Projeto gráfico: Mariana Lessa
Editoração eletrônica:
Capa:
Revisão:

FICHA CATALOGRÁFICA
Sumário

Introdução...........................................................................7

Capítulo I - O Imperialismo como expressão do Capital


Financeiro ....................................................................21
1.1 A natureza do capital financeiro em R. Hilferding................. 25
1.2 Sociedades anônimas segundo Rudolf Hilferding.................. 30
1.3 Os trustes americanos e os cartéis alemães como expressões
do capital financeiro..................................................................... 35
1.4 Os EUA como centro do capital financeiro............................ 39
1.4.1 Formas e práticas monopolistas........................................... 41
1.4.2 O gangsterismo como mecanismo de gestação do capital
financeiro...................................................................................... 44

Capítulo II - O Sistema Bancário Brasileiro e a


industrializaçao restritiva no contexto da hegemonia
do Capital Britânico..........................................................47
2.1 A gênese do sistema bancário brasileiro e o endividamento
externo......................................................................................... 48
2.2 O nascimento da indústria brasileira no contexto de
ascendência do imperialismo........................................................ 59
Capítulo III - A Industrialização do Brasil e a necessidade
do Capitalismo Monopolista de Estado (1930-1964)...........67
3.1 O bonapartismo do governo Getúlio Vargas e o modelo
substituição de importações.......................................................... 69
3.2 O sistema bancário brasileiro e o capitalismo monopolista
estatal........................................................................................... 92
3.3 As multinacionais e a internacionalização da industrialização
do Brasill.................................................................................... 103

Capítulo IV - O Estado e a Conquista do Mercado Interno


para o Capital Financeiro no Brasil (1964-1988).............. 117
4.1 A tríade Estado, capital nacional e multinacional................. 122
4.2 A ascendência do capital financeiro: o monstro ganha
vida própria................................................................................ 137
4.3 Crise da dívida pública brasileira.......................................... 148

Capítulo V - A Consolidação do Capital Financeiro no


Brasil (1980-2018)............................................................. 155
5.1 Privatização das empresas estatais brasileiras nas décadas de
1980-1990 e o Proer................................................................... 159
5.2 Crise do sistema do capital................................................... 174

Conclusão......................................................................... 183

Referências....................................................................... 191
INTRODUÇÃO

A narrativa poética (lírica, épica, trágica e cômica) dos gregos


constitui-se como um legado ímpar deixado para a humanidade. Os gregos
foram crianças geniais, como dizia Marx, porque conseguiram vislumbrar
as vicissitudes do gênero humano num tempo histórico de baixo nível de
desenvolvimento das forças produtivas. A poética grega explora temas
fundamentais acerca da possibilidade de forjar a formação (paideia) do
gênero humano integral. A educação humana em conformidade com os
preceitos fundamentais do ethos tinha como pressuposto a constituição
duma existência plena de sentido e equidistante das veleidades cindidas da
imediaticidade do mundo prosaico.
A problemática do ethos recebeu tratamento especial não somente no
campo estético e literário (Ésquilo, Sófocles e Eurípedes). O itinerário aberto
pela literatura também foi abordado pela Filosofia, em que Aristóteles mais de
uma vez (Ética a Eudemo e Ética a Nicômaco) tratou da problemática do ethos
e da necessidade de constituição de uma polis assentada sobre os preceitos das
virtudes mais elevadas (amizade, justiça, temperança). No entanto, o sistema
da eticidade grega tem seus fundamentos no mundo comunal e sua singela
constituição mitológica forjada na latente unidade entre os interesses dos
indivíduos e os interesses comunitários.
Entre as distintas figuras míticas que constituem o patrimônio
grego, nenhuma possui maior articulação com o movimento histórico que se
ergue com a chegada dos colonizadores portugueses no território brasileiro
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do que a figura lendária do rei Midas. Cumpre destacar que a encarnação


do espírito capitalista se manifesta num tempo histórico em que inexistia
qualquer possibilidade de sua materialização efetiva. Nisso se revela a
genialidade dos gregos, porquanto foram capazes de antecipar um tempo
histórico desconhecido. O burguês enquanto encarnação visceral da ganância
que marca o modo de produção capitalista inexistia na sociedade antiga.
O indivíduo que transforma tudo o que toca em ouro não era o projeto de
existência social que norteava a sociedade antiga. As atividades comerciais
achavam-se somente nos interstícios das sociedades que precedem a
sociedade capitalista, não se constituindo como a centralidade das estruturas
organizativas precedentes. Somente na sociedade capitalista o desejo do rei
Midas contamina completamente sua arquitetura produtiva e ideológica.
A determinação de que tudo o que toca deva se transformar em
mercadoria, dinheiro, valor, mais-valia, lucro e capital teve sua representação
estética anunciada pelo personagem Midas. Antecipando o capitalista, o rei
da Frígia tem a sua felicidade depositada no ouro. O capitalista é movido pelo
permanente desejo de transformar tudo no nobre metal. O ouro está em todas
as coisas, e em todas as coisas está contido o ouro. Assim, o ouro deixa de
ser um ente efêmero e contingente para se constituir como uma necessidade
premente da espécie humana. O particular se consubstancia em universal e se
converte em medida de todas as relações sociais.
A febre do ouro alimenta a corrida dos espanhóis, portugueses,
holandeses, franceses e ingleses pela conquista da América. A busca dos
mananciais de ouro que corriam das minas de Potosí (Bolívia) e de Ouro Preto
(Minas Gerais, Brasil) fez a alegria da nascente burguesia europeia, servindo
para lançar abaixo o Ancien Regime. Assim, o ouro se consubstancia na forma
privilegiada de manifestação da riqueza (mercantilismo), em que o burguês
não deseja o ouro como valor de uso, mas como valor de troca. O ouro como
ponto de partida e ponto de chegada da arquitetura econômica e social que
plasma a produção de mercadorias no interior do sistema do capital. O ouro
como centro de todas as coisas assume a forma fantasmagórica de causa sui.
No entanto, não podemos deixar de destacar a distinção existente
entre o rei Midas e o capitalista. O primeiro alcançou o poder de transformar

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A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

tudo o que toca em ouro pela mediação do deus Dionísio, enquanto o


segundo conseguiu transformar tudo o que toca em dinheiro pela mediação
da violência aberta do processo de expropriação que marcou a acumulação
originária de capitais e pela exploração direta do trabalho escravo nas
colônias e do trabalho assalariado na metrópole.
Ao invés de proceder do mundo transcendente, o poder capitalista
resultou do movimento imanente do real. O capitalista interveio diretamente
no desenvolvimento das forças produtivas e alterou o movimento espontâneo
das coisas, como um general que controla seu exército. O capital configura-
se como extremamente autoritário e concentrador de poder e fortuna.
E completamente diferente de Midas, quando o burguês transformou a
natureza (plantas, folhagens, sementes, frutos, flores, rio etc.) e as coisas
(roupas, sapatos, comida, etc.) em ouro, não ficou de maneira alguma
chocado. E muito menos o burguês ficou arrependido quando transformou
o outro ser humano em ouro (mercadoria).
Os capitalistas tornaram milhões de seres humanos na África,
América, Ásia e Europa em mercadoria-dinheiro e ficaram cada vez mais
felizes com a alquimia realizada. Já Midas ficou abatido e entristecido quando
viu que a sua comida e sua bebida viravam ouro e, especialmente, quando sua
filha Phoebe, tentando livrar o pai do infortúnio, transformou-se numa estátua
de ouro. Ao contrário de Midas, que arrependido suplicou ao deus Dionísio
que restaurasse sua condição inicial e o livrasse da maldição, os capitalistas
em nenhum instante consideraram a sua capacidade de transformar tudo em
ouro uma maldição e nunca se arrependeram de haver acumulado sua fortuna
vendendo seus irmãos como escravos, como fizeram com José do Egito.
Tampouco tiveram qualquer problema de natureza moral com a maximização
do lucro por meio da violência, do genocídio e das guerras.
A sociedade burguesa representou uma completa subversão dos
preceitos que pautavam a sociedade antiga e o mundo forjado nos preceitos
da eticidade. Ao invés de arrepender-se de sua ambição, do individualismo e
do apego à propriedade privada, os capitalistas cada vez mais valorizaram esses
preceitos. A sociedade subverteu completamente os valores passados e tentou
naturalizar o novo mundo constituído. Centrada no individualismo possessivo,

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a consciência burguesa transformou o avarento do capital usurário no banqueiro


moderno, cuja figura mítica de Robinson Crusoé serviu para afirmar o homem
como uma mônada e separado da totalidade social. O homem como uma ilha,
e não como um pedaço do continente, promoveu as robinsonadas burguesas.
A maldição de Midas se configurou numa qualidade inerente ao
mundo capitalista, em que a moral capitalista tornou-se essencialmente
inumana. O amor ao dinheiro (ouro) forjou-se como centro de todas as
coisas. O apego incomensurável dos seres humanos ao dinheiro transformou
o dinheiro em fundamento de todas as relações sociais e elevou o dinheiro à
condição de capital. O amor ao dinheiro deixou de ser uma particularidade
do avarento para se irradiar por todos os poros da sociedade. O capital foi
paulatinamente conquistando posição no interior da sociedade escravista e
feudal, para alcançar status privilegiado na sociedade capitalista. O amor
ao dinheiro deixou de ser um mero desvio das qualidades humanas para se
constituir como quintessência da humanidade alienada e distante de si mesma.
O capital deixou de ser uma atividade episódica e contingente para se plasmar
como fundamento de todas as relações sociais.
Nascido numa condição subalterna, o capital superou os entraves
estabelecidos e alcançou o status mais elevado. O capital mercantil
estabeleceu as bases para que o capital pudesse se revelar como capital
industrial e financeiro e plasmar todas as coisas em conformidade com sua
imagem e semelhança. Tudo que o capital toca deve virar inevitavelmente
ouro; nada deve escapar ao processo de metamorfose do capital. O capital
deve mediar todas as relações e transformar as relações dos seres humanos
entre si em relação entre coisas (MARX, 1985).
Paradoxalmente, não é possível deixar de anunciar que a capacidade
do capital de transformar tudo o que toca em ouro se multiplica cada vez
mais na capacidade do capital de transformar em miséria e pauperismo
também tudo o que toca. A riqueza do capitalista somente é possível
mediante a acumulação de miséria e pobreza. Se o rei Midas culminou
ganhando orelhas de burro, imagine o sistema do capital. O quanto de
irracional possui o sistema assentado na lógica frenética de acumulação a
todo custo e a qualquer preço.

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A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

A racionalidade capitalista está assentada numa lógica


profundamente irracional, pois destrói incessantemente as forças
produtivas e ameaça o destino da humanidade. Ao destruir a natureza e
degradar as efetivas potencialidades humanas, o capital se torna inimigo
da humanidade e por isso precisa ser superado. A irracionalidade burguesa
deve ser completamente superada em nome da preservação dos interesses
das gerações vindouras. A irracionalidade do capital precisa ser superada
para que a ciência, a tecnologia e as forças produtivas deixem de estar
subordinadas ao lucro e ao acúmulo de riqueza. O processo de superação
da sociabilidade burguesa e do sistema do capital presume a reorganização
do proletariado como classe fundamental da sociedade capitalista e como
responsável pelo conteúdo da riqueza material da sociedade.
O presente livro tem como propósito colaborar na atividade de
formação da classe trabalhadora e dos filhos da classe trabalhadora, na
perspectiva de superar o sistema que não tem nada a oferecer de positivo
para a humanidade no estágio de desenvolvimento atual. A compreensão
da arquitetura do capital no território brasileiro é tarefa importante na
estratégia de constituição do socialismo como nova forma de organização
da produção, em que os trabalhadores são os produtores associados
emancipados do capital, livres e universais.
O presente livro resulta das pesquisas desenvolvidas no Pós-
Doutorado em Filosofia, sob a orientação do Prof. Dr. Silvio Rosa Filho,
Linha de Pesquisa Política, Conhecimento e Sociedade da Pós-Graduação
em Filosofia da Universidade Federal de São Paulo. A pesquisa apresentada
se configura como uma continuidade das investigações desenvolvidas
e apresentadas na obra Capital e trabalho na formação econômica do Brasil
(2015)1, de nossa autoria ‒ uma tentativa de elucidar a peculiaridade do
capital mercantil e industrial no desenvolvimento econômico do Brasil.
Na perspectiva de esclarecer a transição do capital mercantil para o capital
industrial e do capital industrial para o capital financeiro no Brasil, atentando
especificamente para a arquitetura do capital financeiro, complexo este

1
SANTOS NETO, Artur Bispo dos. Capital e trabalho na formação econômica do Brasil. São
Paulo: Instituto Lukács, 2015.

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pouco salientado e aprofundado nas investigações precedentes e expostas


na obra acima mencionada, bem como na maioria das obras publicadas
sobre a história socioeconômica e política do Brasil. Nosso propósito é
concentrar a atenção no percurso econômico que encontra seu ponto de
realização no papel do Estado na internacionalização da industrialização e
na financeirização da economia brasileira.
A predominância do capital financeiro nos tempos hodiernos
coloca a necessidade de investigação de sua gênese e desenvolvimento
não somente em escala internacional, mas em como ele se plasmou e
constituiu no interior do cenário nacional, sem perder o vínculo com o
capital transnacional. Consideramos que a elucidação da ossatura do
sistema do capital financeiro, pela mediação da maquinaria estatal, não
pode ser realizada sem levar em conta as etapas procedentes de efetivação
do capital no Brasil, especialmente como o capital industrial serviu de
prólogo à forma mais complexa de manifestação do capital, observando
que a internacionalização da economia brasileira perpassa todas as etapas
constitutivas do capital pelo seu caráter essencialmente exógeno e seu
movimento centrífugo de dependência.
A afirmação do caráter tardio do desenvolvimento do capitalismo
dos monopólios no Brasil não deve desconsiderar a relação existente entre
universalidade e particularidade, entre mercado mundial e economia
brasileira, pois o movimento socioeconômico brasileiro se inscreve
claramente nos marcos do desenvolvimento desigual e combinado. Isso
presume que a elucidação da economia brasileira precisa ser observada
tanto na sua capilaridade particular quanto na sua relação essencial com a
universalidade. Entender a arquitetura do movimento da economia nacional
na sua particularidade implica apreender os movimentos internos da matéria,
seus ritmos e movimento singulares que precisam ser isolados para que
sejam apreendidos na sua essencialidade. Ao mesmo tempo, a elucidação
de sua particularidade somente pode ser efetivada quando conectada com o
movimento universal do capital. O desenvolvimento particular da economia
brasileira obedece a imperativos que foram colocados por demandas exógenas
e interesses universais procedentes do desenvolvimento do mercado mundial,

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A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

em que o Estado vai desempenhar uma função essencial devido à fragilidade


da burguesia nacional.
Parte-se do entendimento de que a realidade brasileira se constitui
como processualidade perpassada pelas múltiplas contradições, porquanto
as relações capitalistas foram plasmadas mediante um jogo de forças
entre demandas internas e interesses externos, logrando a prevalência dos
interesses externos em detrimento dos interesses endógenos e fazendo com
que a internacionalização da economia brasileira obedecesse a critérios que
nem sempre serviram para liberar e desenvolver suas forças produtivas. A
preocupação fundamental deste livro é apontar como as forças centrífugas
do capital financeiro determinaram a ossatura das relações de produção
capitalistas no Brasil, particularmente na etapa do capitalismo dos monopólios
enquanto forma de ser do capital financeiro.
A primeira etapa de nossa investigação tem como corolário apreender
a capilaridade processual e dialética do capital financeiro. Parte-se da
compreensão de que o capital não vem pronto e acabado ao mundo, mas se
plasma historicamente, pois inexiste sem o trabalho abstrato ou assalariado.
O capital industrial e o capital financeiro são entidades sociais que emergem
num determinado momento do desenvolvimento das relações de produção,
implicando a superação das relações pré-capitalistas. Isso se constitui como
etapa fundamental para entender a particularidade do capital financeiro e como
ele vai se plasmar tardiamente no desenvolvimento do capitalismo brasileiro.
O primeiro capítulo estabelece as bases teóricas para a compreensão das fases
precedentes do capital industrial e como este se acha articulado ao movimento
do capital financeiro.
No decorrer do primeiro capítulo tentar-se-á desvelar como se
processa a emergência e a consolidação do capital financeiro enquanto
manifestação duma etapa mais complexa e desenvolvida do capital social,
em que o capital industrial, o capital comercial e o capital monetário serão
suprassumidos no seu interior. Nessa nova etapa, todo capital comparece
abstratamente como capital bancário; uma parte do capital bancário é
transformada em capital industrial e com isso os bancos controlam o capital
industrial. O capital financeiro passa da condição de aliado fundamental

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ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

do capital-produtivo, que juntos subordinam o capital comercial aos seus


efetivos propósitos, para se manifestar como força poderosa que submete
tudo aos seus interesses. Com a predominância dos bancos, a expansão
da empresa deixa de depender exclusivamente do excedente resultante
da produção, ou seja, da fração da mais-valia produzida e capitalizada,
fundamental para que a produção capitalista seja reprodução ampliada e
não processo de reprodução simples.
Ainda no referido capitulo, concentrar-se-á atenção ao
desenvolvimento do capital financeiro ou capital-imperialista americano,
devido ao papel fundamental exercido no desenvolvimento da economia
brasileira e latino-americana no decorrer do século XX. O processo de
crescimento da economia capitalista americana revela o fortuito vínculo
entre indústria e sistema financeiro, que culmina superando sua posição
de mero guardador de dinheiro de terceiros para constituir-se como
componente fundamental de dinamização da produção. A articulação entre
capital financeiro e capital produtivo permitiu a unidade de interesses entre
ferrovias e companhias petrolíferas, bem como entre complexo siderúrgico
e sistema financeiro.
O segundo capítulo trata da transição do capital mercantil para o capital
industrial no Brasil, quando o capital britânico controla e subordina a economia
brasileira. Observar-se-á como a internacionalização da economia brasileira
se inscreve sob a hegemonia da produção agroexportadora, e a configuração
de uma frágil estruturação bancária e de uma tímida produção industrial. A
subordinação da economia nacional aos imperativos da internacionalização,
assentada na produção agrícola, impedia uma efetiva acumulação interna de
capitais que possibilitasse a superação da dependência econômica expressa no
endividamento público interno e externo.
No interior da particularidade do desenvolvimento do capitalismo
brasileiro, entre 1808 e 1920, o leitor poderá observar como se inscreveu a
passagem do capital mercantil para o capital industrial e como os bancos
foram paulatinamente se constituindo como vetores dos interesses da
produção cafeeira e, especialmente, como os bancos britânicos e a Casa dos
Rothschild submeteu a economia brasileira aos seus interesses. A formação da

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A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

burguesia industrial brasileira paulatinamente se amplia na segunda metade


do século XIX, na esteira da ascensão da etapa do capitalismo dos monopólios,
forjando uma industrialização restringida. Tudo isso seria impossível sem a
indubitável presença do Estado monárquico e republicano, que recorrem
constantemente à dívida pública externa e interna como instrumento essencial
de financiamento de suas atividades produtivas (constituição e expansão da
malha ferroviária e portuária) ou improdutivas (guerras, administração da
estrutura burocrática do Estado e renegociação da dívida pública).
O terceiro capítulo trata do processo de industrialização denominado
“substituição de importações”, num contexto internacionalmente demarcado
pela disputa imperialista imposta pelo capital financeiro, cuja guerra em
grande escala constitui um elemento central de deslocamento dos problemas
centrais do capital. O Brasil continua a padecer de sérios entraves para o
desenvolvimento de suas forças produtivas e de seu modo de produção, na
perspectiva de superar definitivamente os limites estabelecidos pelo capital
mercantil. Os entraves estavam muito bem delineados no quadro de uma
economia que era mera fornecedora de matéria-prima para o mercado
internacional e mercado consumidor dos produtos industrializados produzidos
nos países centrais. O capital continuaria desempenhando seu protagonismo
no cenário do crash de 1929, na depressão internacional da década de 1930 e
na grande guerra, ao permitir a liberação das forças produtivas adormecidas
e entravadas no Brasil. A grande guerra representava a liberação das forças
internas através da definição de um pacto nacional em que o trabalho deveria
colaborar na tarefa de superação das relações anacrônicas que perpassavam a
história do capitalismo brasileiro.
Observar-se-á como o refluxo da economia mundial impôs a
necessidade de um modelo de desenvolvimento mais livre das interferências
do capital forâneo. A crise experimentada pela burguesia cafeeira paulista
permitiu a emergência da burguesia industrial e a eclosão de um projeto
estatal de conquista do mercado interno para o capital. O governo Vargas
tenta conciliar com os distintos segmentos sociais e as diferentes formas
de composição do capital, sem estabelecer uma ruptura com o capital
estrangeiro e o capital agrário. A partir da predominância concedida ao

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capital industrial e financeiro, o Estado busca alocar recursos do capital


agroexportador e aprofundar os movimentos de acumulação compulsória
constituídos pelos trabalhadores.
O modelo bonapartista de Vargas entra em declínio após o final da
Segunda Grande Guerra, devido à ascendência do imperialismo americano
e ao processo de desenvolvimento da burguesia industrial nacional, que passa
a considerar como nociva aos seus interesses a constituição do capitalismo
dos monopólios sobre a liderança do Estado. No declínio do governo
Vargas demonstrar-se-á como o Estado não pode assegurar a unidade
harmoniosa entre capital e trabalho, entre processo de produção e processo
de controle, pois a natureza do Estado é atender aos interesses do capital,
pouco importando sua nacionalidade. Os governos Dutra, Café Filho e
Juscelino Kubitschek representam a necessidade de ajustes no modelo
“substituição de importações”, na perspectiva de colocar as multinacionais
e o capital estrangeiro no centro do comando dos designíos nacionais.
Por fim, apontar-se-á como a exacerbação da presença estatal
no desenvolvimento das economias dependentes e subordinadas como
a brasileira se fazia mais do que necessária, devido ao caráter débil e
frágil da burguesia nacional. A ascendência da intervenção estatal no
estabelecimento do novo modelo decorre da incapacidade de a burguesia
nacional operar de maneira autônoma na constituição de um processo
de acumulação de capital para propiciar o estabelecimento das bases
essenciais da industrialização. Os entraves ao desenvolvimento do modelo
“substituição de importações” resultam das contradições e conflitos
impostos pela própria dinâmica do sistema do capital, já que as economias
dependentes não poderiam romper com o velho ciclo da dependência
existente sem criar novos processos de subordinação.
No entanto, não deixa de ser verdadeira que a etapa posterior ao
final da Segunda Guerra Mundial implica uma quebra de continuidade
da tendência de um desenvolvimento autônomo, porque os interesses do
mercado internacional novamente se voltam ao controle da economia
nacional. O pêndulo da economia de novo retorna aos imperativos externos,
porque a maquinaria do capital financeiro americano, alemão, francês e

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A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

japonês intenta colocar a economia brasileira numa nova posição subalterna


dentro da internacionalização da industrialização brasileira.
O quarto capítulo trata da etapa de consolidação do capital financeiro
no cenário nacional e como ele se plasma pela mediação da realização
completa da conquista do mercado interno para o capital sob a hegemonia das
multinacionais e das instituições financeiras. O capital monopolista considera
como superada a pré-história do capitalismo, em que o capitalista aparece
como uma personagem avarenta que precisa controlar diretamente cada
movimento do capital investido na produção. As idiossincrasias tipificadas no
avarento do período histórico do capital usurário e do capital mercantil ganha
uma nova configuração nas instituições financeiras (bancos, corretoras, fundos
de investimentos, bancos múltiplos etc.), revelando a natureza eminentemente
social do capital. O capital precisa exteriorizar-se, já que carece sair de si
mesmo para se realizar na apropriação de mais-trabalho ou sobretrabalho,
e depois retornar a si mesmo, sempre agregando mais-valor. A acumulação
progressiva do capital presume a expansão da composição do capital aplicado
na produção e um movimento abrangente que não pode mais ser controlado
em sua inteireza pelo capitalista privado ou pelo capital familiar.
O regime militar-empresarial estabelecido em 1964 representou o
fim da política de conciliação de classes ensejada pelos governos populistas
(Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, Jânio Quadros e João Goulart) e a
consolidação da ditadura do capital sobre o trabalho. Observar-se-á como o
milagre econômico brasileiro resultou da completa subordinação do mercado
interno e da maquinaria estatal aos propósitos absolutos das multinacionais e
do capital financeiro. Isso se expressa no mercado de capitais e na especulação
financeira, que tem na crise da Bolsa de Valores de São Paulo (1971) sua forma
medular de manifestação. A euforia experimentada pela política econômica
adotada pelo regime militar-empresarial revela seu caráter de vulnerabilidade.
O pagamento do serviço da dívida pública no final da década de 1970 e na
década de 1980 inviabiliza a tarefa estatal de funcionar como um instrumento
essencial das grandes corporações no desenvolvimento do mercado interno. A
consolidação do capitalismo dos monopólios no Brasil resulta na ascendência
do capital financeiro em escala internacional e inviabiliza a continuidade do

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ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

modelo “substituição de importações”, reconfigurado na época de Juscelino


Kubitschek e dos militares.
O pacto estabelecido com os organismos internacionais enredaria a
economia brasileira numa curvatura descendente a partir de 1981. E como
Mefistófeles exigia a alma de Fausto como pagamento pelas dívidas contraídas,
o capital internacional (FMI, Banco Mundial, Banco de Paris, J. P. Morgan,
Chase Manhattan, Citybank etc.) reclamava pelo pagamento das dívidas
contraídas como juros e correções monetárias. A partir da década de 1980,
a economia brasileira deveria ampliar sua pauta exportadora, na perspectiva
de assegurar o pagamento do pacto estabelecido. Como não possuía capitais
suficientes para atender às demandas de seus credores, sempre se tornava
necessário realizar um novo pacto com o “príncipe da negação”. E a cada novo
pacto estabelecido, tinha sua alma lançada das chamas ardentes do inferno,
em que milhões de vida deveriam ser sacrificadas ao novo deus Moloc.
No decorrer do referido capítulo se tentará destacar a consistente
tarefa estatal de assegurar os “interesses do capital monopolista”. Quanto
mais avança o poder das multinacionais, mais os governos se tornam
submissos aos seus propósitos e mais se inclinam a atender às suas demandas
de subsídios, incentivos fiscais, desoneração das obrigações trabalhistas etc.
A era dos monopólios não poderia ser coibida pela maquinaria estatal, pelo
contrário, ela deveria ser aprofundada, pois a função do Estado não é impedir
que os peixes pequenos sejam devorados pelos tubarões, mas assegurar a
constituição de redes seguras e malhas poderosas para que os peixes pequenos
sejam apanhados mais facilmente, bem como servir para que os tubarões
desfrutem de enormes banquetes e fortunas sem precisar fazer muito
esforço. O aperfeiçoamento da legalidade jurídica e tributária do sistema
financeiro visa aperfeiçoar os mecanismos de expropriação e exploração,
eliminando de maneira fortuita as possibilidades de resistência. A reforma
do sistema bancário brasileiro teve como centralidade atender às demandas
de reprodução do mercado de capitais (debêntures, letras de câmbio, fundos
de investimento, títulos da dívida pública, ações, obrigações endossáveis etc.).
O quinto capítulo aborda os tempos hodiernos, particularmente
como o capital financeiro exerce sua hegemonia no mercado interno

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A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

depois de o regime militar-empresarial estabelecer um processo de


internacionalização completo da economia brasileira. A dependência
econômica das multinacionais se reproduz em escala crescente; nesta, o
capital improdutivo apresenta-se como o principal agente da economia
nacional. O processo de financeirização da economia alcançou um novo
status com o estabelecimento das políticas neoliberais impostas pelos
organismos internacionais na década de 1990. É o período histórico em
que a internacionalização da produção agrícola e da produção industrial
será completada pela internacionalização financeira, impulsionada pelas
elevadas taxas de juros auferidas pelo mercado interno.
Observar-se-á como a hegemonia do capital financeiro foi
assegurada mediante os mecanismos constituídos pelo aparato estatal
de beneficiamento das firmas e empresas aglomeradas, que conduziram
à falência uma inusitada constelação de empresas concorrentes; algumas
conseguiram sobreviver ao serem incorporadas ao patrimônio das empresas
estrangeiras. Desse modo se forjaram as corporações, aglomerados, holdings,
trustes, cartéis etc. O capital financeiro representa a etapa da transformação
da concorrência em monopólio e da acumulação oligopólica capitalista. Na
insuficiência ou ausência de novos mercados para viabilizar a expansão da
acumulação oligopólica, o capital entra numa etapa destrutiva, expressa no
capital fictício, em que o capital se revela como uma entidade autônoma
e autossuficiente. A natureza abstrata do capital, resultante do trabalho
abstrato, ganha corolários especiais, convertendo o capital numa entidade
que parece emanar de si mesma e não carece de nenhuma determinação
objetiva ou relação efetiva com o mundo da produção. Por sua vez, a
expansão artificial do capital fictício revela a fragilidade do sistema do
capital, à proporção que se intensificam as crises do sistema.
No interior da história hegemonizada pelo capital e pelo Estado,
não poderia deixar de manifestar-se em seus interstícios o trabalho como
oponente fundamental da forma mais poderosa de extração de mais-valia que
existiu na história da humanidade e ao sistema de internalização de regras
constituído pela mediação de sua poderosa força de atração econômica.
Na impossibilidade de o capital representar uma alternativa efetiva ao

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ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

desenvolvimento das potencialidades humanas, a classe responsável pela


constituição do conteúdo da riqueza material emerge. A concentração
dada ao movimento do capital ao longo deste livro não implica recusar
a possibilidade de manifestação do sujeito fundamental do processo de
emancipação humana.
A concentração da nossa atenção na elucidação da arquitetura
do capital financeiro parte do preceito fundamental do trabalho
como categoria fundante do mundo dos homens e do capital como
um sistema fundado na acumulação de mais-valia. A predominância
fenomênica do capital fictício na contemporaneidade revela a
vulnerabilidade do sistema e como a crise ganha corolários específicos
e afeta toda a sua estruturação. A crise estrutural do sistema do
capital reverbera em todo o sistema e revela seus limites absolutos,
denotando que somente o trabalho concreto pode apresentar
uma resposta efetiva para a humanidade. Na impossibilidade de o
referido sistema apresentar uma alternativa para os trabalhadores,
coloca-se a necessidade imperativa e categórica de uma ofensiva de
massa socialista.

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CAPÍTULO I
O IMPERIALISMO COMO EXPRESSÃO DO CAPITAL
FINANCEIRO
Melhor que roubar um banco é fundar um.
Bertolt Brecht

A colonização portuguesa introduziu o capital mercantil no território


brasileiro, operando um processo de acumulação originária de capital que
serviu para financiar o desenvolvimento do capitalismo europeu. O processo
de acumulação engendrado pelo capital mercantil, inaugurado por Portugal
e Espanha, foi superado pelos holandeses, e estes foram ultrapassados pelos
britânicos no decorrer do século XVIII. Por fim, os britânicos acabaram
sendo superados pelos americanos no período histórico de canonização do
capital financeiro como etapa mais avançada de desenvolvimento capitalista
ou como manifestação do capitalismo monopolista.
A transferência de riquezas das colônias para a metrópole colonizadora
constituiu um processo de acumulação de capital que permitiu a Revolução
Industrial. Esta representou um salto qualitativo na expansão do capital, pois
assegurou o controle absoluto do capital sobre o trabalho mediante a passagem
da subordinação formal do trabalho à subordinação real da consciência
proletária aos imperativos do capital industrial.
Marx concentrou sua atenção em revelar a arquitetura do sistema
do capital mais desenvolvido da Europa, o da Inglaterra. Ele não buscou
elucidar a peculiaridade do capital mercantil e do capital financeiro, porque o
primeiro reinava nas economias periféricas e dependentes como a brasileira e
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

o segundo não havia ainda manifestado seu papel protagonista na economia


mundial. A elucidação do capital industrial britânico, o mais desenvolvido na
época de Marx, permitia compreender a estruturação e o desenvolvimento
do capital nas economias atrasadas, da mesma maneira que a anatomia
da sociedade mais desenvolvida fornece a chave para o entendimento das
economias mais atrasadas. O périplo adotado pela Inglaterra poderia ser
seguido pela maioria das economias europeias, mas não seria o mesmo
quando no desenvolvimento do capitalismo na América Latina, na África
e na Ásia. A implementação do capitalismo obedeceria a um movimento
irregular, desigual e combinado, marcado por inúmeras contradições.
Apanhar essas contradições constitui-se como tarefa nodal para
entender o desenvolvimento do capitalismo industrial e financeiro no
Brasil. O trabalho assalariado percorre um itinerário oblíquo e irregular no
desenvolvimento de uma economia que durante quase quatro séculos foi
comandada pelo capital mercantil e por relações anacrônicas ao modo de
ser do capital industrial, como o Brasil. A formação tardia do capitalismo
brasileiro está conectada ao movimento desigual e combinado das
relações capitalistas, cujo atraso serviu aos interesses econômicos europeus
(portugueses, holandeses e ingleses) e americanos.
É importante sempre lembrar que o capital não vem acabado
ao mundo; ele se plasma historicamente. O capital industrial e o capital
financeiro são entidades sociais que emergem num determinado momento
do desenvolvimento das relações de produção, implicando a superação
do capital mercantil e das relações pré-capitalistas2. O capital usurário,
mercantil e comercial precisou primeiramente conviver com outras
formas de organização da produção até que pudessem emergir as relações
genuinamente capitalistas, permitindo que o trabalho assumisse a forma de
trabalho abstrato e trabalho assalariado. No século XIX o capital industrial
se configurava como a forma predominante de manifestação do capital.

2
Escreve Marx (2008, p. 787): “O capital portador de juros ou, como podemos chamá-lo
em sua forma antiga, o capital usurário, pertence, como irmão gêmeo, ao capital mercantil,
às formas antediluvianas de capital que por longo tempo precedem o modo capitalista de
produção e se encontram nas mais diversas funções”.

22
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

Este submetia o capital portador de juros e o capital comercial (antigo


capital mercantil) aos seus desígnios.
Neste capítulo vamos concentrar nossa atenção no capital financeiro.
Ele se constitui como base para que possamos entender a natureza do capital
em escala internacional e como se efetivou paulatinamente o processo de
superação do capital mercantil pelo capital industrial e financeiro, fato
fundamental para entender o movimento do capital nos tempos hodiernos. Na
época de Marx, o capital industrial era o mais complexo e desenvolvido. A sua
investigação começa por ele. Na nossa época, o capital mais desenvolvido é o
capital financeiro; por isso começaremos por ele, e não pelo capital industrial.
O capital industrial é uma síntese das múltiplas determinações. O
poder absoluto do capital industrial sobre as distintas formas de composição
de capital vai paulatinamente sendo superado pelo poderio dos bancos, que
abandonam a condição de meros guardadores de dinheiro de terceiros para
interferir de maneira incisiva no processo de produção, circulação e consumo.
Em nossa época, emerge o capital financeiro como categoria muito mais
complexa que as manifestações precedentes do capital (usurário, comercial,
mercantil, industrial, agrário) e que passa a determinar as diferentes relações
de organização da produção e reprodução social. Para elucidar a ossatura do
capital, vamos precisar do auxílio das investigações de Karl Marx, Rudolf
Hilferding, Nicolai Bukharin, Vladimir Lenin, José Luis Cecenã etc.
O fato de começarmos pelo capital financeiro não significa
desconsiderar seu movimento histórico, pois não é possível apontar o
desenvolvimento do capitalismo tardio brasileiro sem tratar do capital
industrial. Este implica a superação da hegemonia que o capital comercial
exercia sobre a produção e a circulação. O modo de produção capitalista
revoluciona as forças produtivas e colabora no desenvolvimento das forças
produtivas possibilitada pela Revolução Industrial, viabilizando que o
capital industrial submeta o capital comercial aos seus propósitos, não
sendo mais o comércio que subordina a produção, mas a produção que
subordina completamente o comércio.
O desenvolvimento do capital industrial permite elucidar que o
capital comercial, o capital portador de juros, o capital que vive de renda etc.

23
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

Estes não produzem nenhuma mais-valia; somente na produção é que se gera


mais-valia, enquanto tempo de trabalho excedente que o trabalhador entrega
gratuitamente ao capitalista. Marx começa o livro primeiro de O capital
pela pluralidade de capitais, porque estes não produzem mais-valia, apenas
partilham a mais-valia que emerge da produção. Ele começa com o capital
industrial (livro primeiro), enquanto síntese do capital global, delimitando a
relação capital e trabalho, que produz valor e mais-valia; em seguida, trata do
capital comercial (livro segundo), como lugar de realização do valor; e por
fim, dos distintos capitais que partilham a mais-valia produzida pelo capital-
produtivo na forma de lucro (livro terceiro).
Por isso o capital industrial assume a tarefa de subordinar o dinheiro
e a mercadoria controlados pelo capital mercantil aos seus imperativos. O
capital mercantil estabeleceu as condições fundamentais para a acumulação
primitiva de capital, enquanto base de sustentação do desenvolvimento
das relações genuinamente capitalistas. O capital mercantil assumiu
posição hegemônica durante todo o período da colonização portuguesa do
Brasil, sustentada no trabalho escravo, no latifúndio e na monocultura. A
superação do capital mercantil pelo capital industrial no Brasil será bastante
lenta quando comparada ao desenvolvimento industrial da Inglaterra, da
França etc. E tardia também no que se refere à superação do capitalismo
concorrencial pelo capitalismo dos monopólios, devendo o Estado interferir
na economia para acelerar seu desenvolvimento.
No tempo histórico de predominância do capital industrial na
Europa, a concorrência se plasma como seu elemento fundamental.
Evidentemente que a natureza do capital como forjado na concorrência
somente poderia se plasmar no tempo histórico em que o capital não
precisa viver adulando os diferentes modos de produção precedentes e pode
andar com suas próprias pernas, declarando guerra aos distintos modos
de produção. No período histórico do capital industrial, a dominação
universal e abrangente do capital somente pode efetivar-se pela mediação
da concorrência e do livre intercâmbio de mercadorias.
A concorrência, no entendimento de Marx, configura-se como
a forma de ser do capital, natureza que a Economia Política não soube

24
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

elucidar. Para Marx (apud ROSDOLSKY, 2001, p. 50), a concorrência


constitui-se como “a relação do capital consigo mesmo como outro capital,
ou seja, o comportamento real do capital na condição de capital”. A
concorrência denota a natureza íntima do capital consigo mesmo, sendo
o motor da economia burguesa. A concorrência enquanto revelação da
contradição do sistema do capital apresenta tudo invertido, tudo fora de
seu lugar. “Nela, o capital aparece como o agente que determina os preços,
gera trabalho, regula a fonte da produção”. Para elucidar as leis imanentes
do capital, é preciso operar um processo de abstração da concorrência a
partir do trabalho abstrato como elemento determinante do valor, e não do
trabalho concreto como necessidade eterna dos homens.

1.1 A natureza do capital financeiro em R. Hilferding


No livro Primeiro, o conceito de capital industrial se confunde com
a própria noção do capital, isso porque ele se manifesta como síntese das
múltiplas determinações do capital, ou seja, ele é o capital portador de juros,
o capital produtivo e o capital comercial. O capital industrial revela-se como
síntese global das formas autônomas do capital: capital portador de juros e
capital comercial. Essa capacidade de abstração e universalização resulta do
fato de que ele é o único capaz de produzir mais-valia (CARCANHOLO-
NAKATANI, 2015). A mais-valia produzida pelo capital-produtivo deve
ser repartida com as demais composições do capital na forma de lucro,
conforme salienta Marx no livro terceiro de O capital.
O processo de produção do valor presume o movimento do capital
industrial como relação dialética entre capital-dinheiro (D), capital-
produtivo (M), capital e capital-mercadoria (M’). Na fórmula D-M se
inscreve a metamorfose do capital-dinheiro em capital-produtivo, objetivado
em meios de produção e força de trabalho. Nessa forma basilar, o capital
deve exerce suas funções produtivas, operando a produção da mais-valia. A
realização das funções do capital industrial enquanto manifestação geral
do capital pode se autonomizar mediante uma divisão social das tarefas
entre capitalistas, em que “o capital-mercadoria converte-se em capital
comercial; o capital-dinheiro em capital a juros; e o capital-produtivo em
capital produtivo” (CARCANHOLO-NAKATANI, 2015, p. 42).

25
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

No livro terceiro, Marx descreve as formas funcionais de


manifestação dos distintos capitais particulares, salientando como essas
formas se acham articuladas dialeticamente. Carcanholo e Nakatani
chamam atenção para o fato de que Marx não tratou do capital financeiro
no livro Terceiro de O capital, mas do capital portador ou produtor de juros,
do capital fictício, do sistema de crédito e dos bancos. Os mencionados
pensadores consideram o capital financeiro como “um ‘conceito’
teoricamente vazio, pois se refere a um conjunto de formas indefinidas de
capital cujas articulações com as formas funcionais do capital industrial
ficam indeterminadas”. Para fortalecer seus argumentos, recorrem à
autoridade de David Harvey (apud CARCANHOLO-NAKATANI,
2015, p. 51), que afirma:
O próprio Marx nunca usou essa expressão, mas
deixou para a posteridade uma série de escritos não
muito articulados sobre o processo de circulação de
diferentes tipos de capital-dinheiro. A definição de
capital financeiro que derivaria da perspectiva de Marx
relaciona-se com o tipo particular do processo de
circulação de capital que se baseia no sistema de crédito.

Os referidos autores tentam ainda reforçar seus argumentos recorrendo


ao problema de tradução do termo geldhandlungskapital (capital de comércio de
dinheiro) por capital financeiro na edição do livro Terceiro de O capital, realizada
pela editora Civilização Brasileira (CARCANHOLO-NAKATANI, 2015, p.
51). Marx trata, na seção IV do livro terceiro de O capital, da “Transformação e
Capital-Mercadoria e Capital-Monetário em Capital de Comércio de Dinheiro
(Capital Comercial)”. Nessa seção, escreve Sara Granemann (2006, p. 19):
Marx apresenta as origens, os fundamentos e a
importância do capital comercial no modo de
produção capitalista. Dito de modo diverso, o autor
expõe a relação das duas formas de capital comercial
com a mais importante forma de capital da sociedade
capitalista: o capital industrial. Nos cinco capítulos
seguintes apresenta os processos percorridos na
história, saturados de determinações, até chegar

26
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

as duas formas do capital comercial: o capital de


comércio de mercadorias e o capital de comércio de
dinheiro. Após, na parte quinta do mesmo livro e
ao longo de dezesseis capítulos, do XXI ao XXXVI,
desvela a forma ou variedade de capital investigada, a
do capital portador de juros.

Carcanholo e Nakatani simplesmente negam o conceito de capital


financeiro sem enfrentar o debate com os principais representantes do
pensamento marxista que formularam a noção de capital financeiro, como
Rudolf Hilferding, N. Bukharin, V. Lenin, E. Mandel etc. A negação do
conceito de capital financeiro não pode ser afirmada sem o enfrentamento do
debate com os autores que trataram do capital financeiro como sinônimo do
imperialismo ou etapa avançada de desenvolvimento do modo de produção
capitalista. O conceito foi adotado por distintos pensadores e mereceu
tratamento específico nas obras: 1) “Imperialismo: um estudo” de John A.
Hobson; 2) O capital financeiro, de Hilferding; 3) A acumulação de capital,
de Rosa de Luxemburgo; 4) Imperialismo, etapa superior do capitalismo, de
Lenin; 5) A economia mundial e o imperialismo, de Nikolai Bukharin; 6) O
Imperialismo em 1970, de Pierre Jaleé; 7) O redescobrimento do imperialismo,
de John Bellamy; 8) Capitalismo tardio, de Ernest Mandel; e 8) Capitalismo
monopolista, de Paul M. Baran etc.
Apesar da adesão política de Rudolf Hilferding à social-democracia
alemã e do abandono da estratégia marxiana da revolução como parteira do
socialismo, a sua principal obra, O capital financeiro, se inscreve no marco do
avanço da elucidação das categorias fundamentais do capital desenvolvidas
por Karl Marx nos livros segundo e terceiro de O Capital. Segundo
Bottomore (1985, p. 13):
Em O Capital Financeiro, Hilferding analisa mais
a fundo e à luz de mudanças recentes havidas na
economia capitalista, uma série de problemas que
antes haviam sido tratados mais brevemente ou apenas
citados por Marx nos volumes II e III de O Capital.
O trabalho é concebido e apresentado, portanto, como
um desenvolvimento da teoria de Marx, no qual vários

27
conceitos novos são formulados. Hilferding parte de
uma discussão sobre o dinheiro e o crédito; em seguida
examina o crescimento das sociedades anônimas e dos
cartéis, analisa o fenômeno das crises econômicas e,
finalmente, delineia uma teoria do imperialismo.

A obra de Hilferding é uma sólida tentativa de elucidação da


natureza do capital financeiro, seguindo as trilhas abertas pela investigação
marxiana, pois o próprio Marx não pôde concluir as investigações acerca
das categorias nodais desenvolvidas nos livros II e III, além do fato de o
capital financeiro não ter ainda se plasmado na sua totalidade como na
época de Hilferding; no entanto, Marx estabelece as bases categoriais para
a completa elucidação do novo tempo histórico do capital, perpassado pelo
monopólio e pelo imperialismo. Hilferding esclarece a peculiaridade do
capital financeiro nos seguintes termos:
Chamo de capital financeiro o capital bancário, portanto
o capital em forma de dinheiro que, desse modo, é na
realidade transformado em capital industrial. Mantém
sempre a forma de dinheiro ante os proprietários, é
aplicado por eles em forma de capital monetário –
de capital rendoso – e sempre pode ser retirado por
eles em forma de dinheiro. Mas, na verdade a maior
parte do capital investido dessa forma nos bancos é
transformado em capital industrial, produtivo (meios
de produção e força de trabalho) e imobilizado no
processo de produção. Uma vez cada vez maior do
capital empregado na indústria é capital financeiro,
capital à disposição dos bancos e, pelos industriais
(HILFERDING, 1985, p. 219).

O capital financeiro assume a forma mais elevada e abstrata de


configuração do capital, na qual o capital bancário e o capital industrial são
interligados e paulatinamente o capital financeiro assume posição protagonista
na composição geral ou global do capital. O capital financeiro aparece como
síntese das múltiplas determinações ou manifestações sociais do capital
(capital comercial, capital industrial, capital agrário, capital monetário, capital
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

mercadoria, capital fictício). A auréola de misticismo que envolve o trabalho


abstrato, enquanto fundamento da teoria do valor, alcança uma complexidade
ainda maior à proporção que o capital financeiro é produtivo e improdutivo,
podendo ele ser industrial e fictício. A predominância do capital financeiro
e sua aparente autonomia perante o capital industrial e o capital comercial
fornecem um caráter fantasmagórico ao mundo do capital.
A emergência e a consolidação do capital financeiro resultam na
constituição de uma nova etapa do capital social, sendo o capital industrial,
o capital comercial e o capital monetário suprassumidos no seu interior.
Nessa nova etapa, todo o capital comparece abstratamente como capital
financeiro, pois uma parte do capital bancário é transformada em capital
industrial e, com isso, os bancos passam a controlar o capital industrial.
Esclarece Hilferding (1985, p. 174):
Nesse caso, o capital monetário é transformado,
primeiro, em capital bancário e, depois, este, em
produtivo. Ao invés de capitalistas monetários
particulares investirem seu dinheiro em ações
industriais, investiram em ações bancárias, e o banco,
ao comprar ações industriais, o transformou em
capital industrial. O capital financeiro serve para
expressar a nova relação social em que os bancos
deixam de ser simples mediadores das operações para
se constituírem como co-proprietários da indústria.

O capital financeiro passa da condição de aliado fundamental do


capital produtivo, em que juntos subordinam o capital comercial, para
subordinar completamente o capital produtivo aos seus imperativos. Assim,
a expansão da empresa deixa de depender direta e exclusivamente do
excedente da produção, ou seja, de fração da mais-valia produzida que precisa
ser capitalizada para que a produção capitalista seja reprodução ampliada.
É preciso ainda lembrar que o capital financeiro não é composto
somente por capital produtivo, mas também de capital fictício, ou seja, uma
forma de composição do capital que não produz mais-valia e que não tem a
possibilidade de autovalorizar-se. O controle do capital produtivo pelo capital

29
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

financeiro permite que este possa administrar de maneira singular o mundo


da bolsa de valores, porquanto o grande banco pode “escolher o momento
apropriado de venda; onde preparar o mercado de ações por meio de seu grande
capital e estar em condições de dominar; depois, a evolução das cotas de ações
e proteger dessa forma o crédito da empresa” (HILFERDING, 1985, p. 219).
A técnica de captação de recursos de terceiros e de investimento
no complexo produtivo denota que o capital financeiro possui a tendência
de promover a concentração bancária e a concentração industrial. O capital
financeiro é o responsável pela passagem do capitalismo da fase concorrencial
ao capitalismo dos monopólios. Para R. Hilferding, V. Lenin, N. Bukharin
e Rosa Luxemburgo, a característica marcante do capital financeiro é o
imperialismo; isso significa que o imperialismo é, acima de tudo, uma categoria
econômica. Assim como o imperialismo, Hilferding (1985, p. 27) entende que:
“Nenhuma compreensão das tendências econômicas atuais, nenhuma espécie
de ciência econômica ou política é possível sem o conhecimento das leis e da
função do capital financeiro”.
A predominância da economia sobre o complexo da política e sobre
os demais complexos da realidade social permite que o imperialismo se
plasme como uma política adotada pelos Estados nacionais. Na verdade,
a política imperialista adotada pelos Estados nacionais não passa de uma
expressão da predominância do capital financeiro sobre todos os complexos
da realidade, em que o Estado e o trabalho abstrato (trabalho assalariado)
são elementos essenciais de reprodução, configurando um como seu
braço esquerdo e o outro como seu braço direito. Sem Estado e trabalho
assalariado o capital não poderia se reproduzir.

1.2 Sociedades anônimas segundo Rudolf Hilferding


Marx não viveu o bastante para observar o processo histórico de
ascendência do capital financeiro; no entanto, ele vislumbrou a ascendência
do poderio dos bancos e a capacidade de ampliação dos créditos, do capital
fictício, da bolsa de valores e das sociedades por ações. A entrada em cena
do capital financeiro no universo do capital industrial ocorreu de maneira
decisiva na segunda metade do século XIX. Vladimir Lenin descreve o
movimento histórico de ascendência dos monopólios nos seguintes termos:

30
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

1) Décadas de 1860 e 1870, o grau superior,


culminante, de desenvolvimento da livre concorrência.
Os monopólios não constituem mais do que germes
quase imperceptíveis. 2) Depois da crise de 1873,
longo período de desenvolvimento dos cartéis, os
quais constituem ainda apenas uma exceção, não são
ainda sólidos, representando ainda um fenômeno
passageiro. 3) Ascenso de fins do século XIX e crise de
1900 a 1903: os cartéis passam a ser uma das bases de
toda a vida econômica. O capitalismo transformou-se
em imperialismo (LENIN, 1977, p. 590).

Pela mediação das sociedades anônimas, as velhas formas de


organização empresarial centradas na figura singular do capitalista, que
controlava todo o processo de produção,são superadas por uma intensa divisão
social do trabalho e da administração das empresas, fazendo desaparecer
completamente o poder particular dos grupos familiares privados, para em
seu lugar emergir uma estrutura burocrática e administrativa muito mais
coesa e dinâmica.
A natureza das empresas capitalistas organizadas e gerenciadas
na forma de sociedades anônimas se distingue das empresas capitalistas
individuais. A sociedade anônima industrial representa “uma alteração da
função exercida pelo capitalista industrial”(HILFERDING, 1985, p. 111). Ela
libera o capitalista do exercício das funções diretas de controle do trabalho e da
função administrativa da produção. Na produção manufatureira, o capitalista
se distinguia da forma de organização da produção do mestre-escola das
corporações de ofício porque era ele a figura que convocava, reunia e agregava
os trabalhadores sob o seu comando, intensificando a divisão do trabalho que
marcava as formas de organização precedentes. A produção manufatureira
será superada pela produção industrial, na qual os trabalhadores perdem
suas funções essenciais no processo de produção. A habilidade individual de
cada trabalhador artesanal será superada pela maquinaria, e o proletariado se
transforma numa espécie de apêndice da máquina.
O desenvolvimento da grande indústria implica um afastamento
gradual da presença do capitalista individual no controle direto do processo de

31
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

produção, gestando uma plêiade de trabalhadores assalariados que exercem as


funções de personificações do capital. Representa os interesses dos capitalistas
perante os trabalhadores diretamente envolvidos no processo de produção.
Dá-se um aprofundamento da distinção entre trabalho intelectual e trabalho
manual, que se transformam em inimigos mortais (MARX, 1985).
As sociedades anônimas aprofundam o afastamento do capital não
somente do processo de produção, mas representam um afastamento do
capitalista do controle das empresas, passando as fábricas para o controle
de uma massa de acionistas que submetem o controle da produção aos
especialistas. Hilferding (1985, p. 112) destaca a distinção existente entre o
capitalista industrial e o acionista. Enquanto o capitalista industrial investe seu
capital na empresa, “prende seu capital à empresa, atua nela produtivamente
e liga-se a ela de forma permanente” (HILFERDING, 1985, p. 112), o
capitalista industrial não pode retirar o capital investido na empresa senão pela
venda da empresa, na qual um capitalista é substituído por outro. Enquanto
proprietário da empresa, cabe-lhe grande parte do lucro que emana da mais-
valia produzida pelos trabalhadores. Já o capitalista acionário investe apenas
uma parte de seu capital no movimento produtivo de determinada empresa.
A superação das empresas capitalistas privadas para as empresas
capitalistas organizadas na forma de sociedades anônimas representa a
passagem das empresas particulares para empresa sociais, ou seja, a passagem
do capital privado para o capital social. Na verdade, o capital sempre foi um
ente social que jamais se reproduziria sem a apropriação de uma massa
crescente de força de trabalho e meios de produção. O capital pressupõe
a organização e exploração de uma massa de trabalhadores, cuja produção
supera e transcende a produção privada. No entanto, a apropriação da
riqueza de maneira coletiva não implica a sua socialização coletiva com o
conjunto dos produtores, mas a apropriação privada da riqueza de massa.
O capital financeiro configura-se como uma nova etapa do
desenvolvimento do capital, representando sua forma mais amadurecida e
que supera as formas pretéritas de manifestação do capital. A nova forma
de organização das empresas capitalistas não nega sua natureza social; no
entanto, nesta etapa do capital, a gestão privada do processo de produção é

32
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

superada pela gestão coletiva. O capitalista industrial, que não acompanhou


a dinâmica de organização empresarial segundo os imperativos do capital
financeiro, transforma-se numa espécie de administrador de uma empresa
que na verdade não lhe pertence. Ou seja, ele exerce a função de capitalista
que gerencia o capital alheio. Isso quando ele não foi completamente
eliminado pela concorrência capitalista gerada pelos monopólios.
O capitalista, para ser capitalista ou continuar sendo capitalista, deve
dispor de uma quantidade superior de capitais, em decorrência da tendência à
queda da taxa de lucro, uma vez que o desenvolvimento do capitalismo é pautado
pelo investimento mais elevado no capital constante em detrimento do capital
variável. Na condição de acionista majoritário, pela mediação dos bancos ou do
sistema financeiro, o capitalista exerce o comando sobre as empresas mediante
a compra de suas ações. O volume de ações compradas assegura assento nos
conselhos administrativos e fiscais das sociedades anônimas.
Os bancos estão profundamente articulados não apenas ao
movimento de fundação das sociedades anônimas, mas ao processo de
administração de todo o movimento produtivo das empresas que funcionam
segundo os preceitos das sociedades anônimas. A capacidade de crescimento
das sociedades anônimas é maior que a das empresas capitalistas privadas.
As sociedades anônimas contam com o arsenal do progresso técnico
desenvolvido de forma muito mais fácil do que as empresas privadas, e
ainda possuem a totalidade dos capitais monetários disponíveis no mercado.
No processo de desenvolvimento das empresas capitalistas na forma
de sociedades anônimas impõem-se também os elementos que constituem
o capital fictício, pois as ações compradas de determinadas empresas não
asseguram a participação do lucro médio das empresas, mas dão direito ao
rendimento que aparece como sinônimo dos juros pelo capital investido.
O quantum desse rendimento depende do valor das ações adquiridas. O
volume de capital investido pode assegurar assento importante ou não na
administração da empresa.
Os grandes bancos, como representantes do poder reunido do
capital alheio, constituem um círculo estreito de capitalistas que controlam a
administração as empresas e seus conselhos fiscais. Hilferding (1985) destaca

33
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

que no começo, as sociedades anônimas eram formadas por capitalistas


privados; com o desenvolvimento da grande indústria e a articulação
dos bancos ao universo da produção industrial, as sociedades anônimas
passaram a ser constituídas e dominadas pelos bancos. O capital investido
na fundação de uma sociedade anônima pode ser parcelado e vendido no
mercado de ações. Escreve Hilferding (1985, p. 124): “É a transferência e
a negociabilidade desses títulos de capital que caracterizam a natureza da
sociedade anônima, que, por sua vez, fornece ao banco a possibilidade de
‘fundar’ e dominar dessa maneira, enfim, a sociedade anônima”.
Hilferding (1985, p. 120) afirma que a fundação das grandes
empresas se dá mediante o lançamento de dois tipos de ações: preferenciais
e ordinárias. O capitalista monetário geralmente participa das sociedades
anônimas como acionista ordinário, e os seus rendimentos podem superar
os juros concedidos geralmente pelos bancos nas operações ordinárias; no
entanto, sua participação como rendimento geralmente fica abaixo do lucro
do fundador e sofre limitação devido ao elevado custo administrativo das
empresas capitalistas. Os que fundam a empresa auferem rendimentos
mais elevados em relação àqueles que não participaram da fundação da
empresa. Geralmente as empresas são formadas pelos bancos e as ações
são comercializadas com o intuito deliberado de beneficiar o capital fictício
(HILFERDING, 1985, p. 120).
O capitalista acionário ou capitalista monetário pode aplicar seu
capital numa empresa que somente aufere parte dos rendimentos obtidos. O
capitalista acionário tem direito a uma alíquota do rendimento na forma de
juros pelo capital investido na empresa industrial. Ele pode sempre recuperar
o capital investido mediante a venda das ações da empresa comprada na bolsa
de valores. Por sua vez, o capitalista acionário “pode vender suas ações, ou
seja, seu direito ao lucro das empresas na forma de rendimento na bolsa de
valores, no espaço que os “peixes pequenos devem ser devorados pelos tubarões”
(HILFERDING,1985,p.113).Os bancos estão profundamente articulados não
apenas ao movimento de fundação das sociedades anônimas, mas ao processo
de administração de todo o movimento produtivo das empresas que funcionam
segundo os preceitos das sociedades anônimas. A capacidade de crescimento

34
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

das sociedades anônimas é maior que a das empresas capitalistas privadas. As


sociedades anônimas contam com o arsenal do progresso técnico desenvolvido
de forma muito mais fácil do que as empresas privadas, e ainda possuem a
totalidade dos capitais monetários disponíveis no mercado. O desenvolvimento
das sociedades anônimas será marcado pelo crescimento da “diferença entre
capital efetivamente ativo e capital acionário (fictício)” (HILFERDING, 1985,
p. 119). Voltaremos ao debate sobre as ações negociadas na bolsa de valores no
capítulo quatro, quando trataremos da ascendência do capital financeiro no
Brasil e das negociações realizadas na Bolsa de Valores de São Paulo em 1971.

1.3 Os trustes americanos e os cartéis alemães como expressões do


capital financeiro
O processo de crescimento da economia capitalista com o
desenvolvimento industrial permite uma aproximação da indústria dos
bancos, culminando na superação de sua posição de mero guardador de
dinheiro de terceiros para constituir-se como elemento relevante na
produção. A princípio, acontece uma articulação e a unidade de interesses
entre os bancos e as indústrias no processo de internacionalização das
relações econômicas; paulatinamente, os estabelecimentos industriais
acabando sendo subordinados ao capital financeiro.
O desenvolvimento das forças produtivas serve não somente para
suprimir distâncias e possibilitar o estreitamento das relações internacionais
entre diferentes países, mas permite a constituição e a consolidação de novas
formações econômicas. O poderio dos bancos viabiliza a superação do
capitalismo concorrencial pelo capitalismo da era dos monopólios. Escreve
Hilferding (1985, p. 219): “Com a formação de cartéis e trustes, o capital
financeiro alcança seu mais alto grau de poder, enquanto o capital comercial
sofre sua mais profunda degradação”. A formação dos trustes e cartéis
resulta numa nova forma de internacionalização da economia, ganhando o
capital financeiro corolário cada vez mais expressivo e subordinando todas
as esferas da economia a seus propósitos. Escreve Bukharin (1984, p. 59):
“Com efeito, quanto mais desenvolvidas são as forças produtivas de um
país, tanto mais poderosos são os monopólios”.

35
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

O desenvolvimento das forças produtivas e dos meios de produção


na Inglaterra estabelece as bases para a superação do capital concorrencial
pelo capital monopolista. No entanto, a Inglaterra será superada no
processo de passagem do capital concorrencial para o capital monopolista
pela economia americana e pela economia alemã, isso porque os bancos não
desempenharam na economia inglesa o mesmo papel que exerceram no
desenvolvimento da indústria alemã e americana. Anota Hilferding (1985,
p. 218): “Mas, para a Inglaterra, significa uma dependência menor com
relação ao capital bancário na Inglaterra, em comparação com a Alemanha”.
Ambas as economias exercerão um papel fundamental no desenvolvimento
da economia brasileira no decorrer do século XX.
O truste do petróleo dos Estados Unidos teve sua máxima
expressividade no Grupo Rockefeller. A origem do império Rockefeller
está associada ao controle da Standard Oil Company, na qual John
Rockefeller passou de escriturário à condição de proprietário da maior
empresa de petróleo mundial no final do século XIX. A articulação entre
capital financeiro e capital produtivo permitiu a unidade de interesses
entre ferrovias e companhias petrolíferas. John Rockefeller auferiu
lucros extraordinários devido ao acordo (South Improvement Company)
estabelecido entre as ferrovias e a Standard Oil Company, prejudicando
suas concorrentes (CRUZ 2007). A ampliação do poder do proprietário
da Standard Oil Company irradia-se tanto pelo universo financeiro quanto
por outros complexos produtivos. Pela mediação de Jacob H. Schiff,
pertencente a uma das casas dos Rothschild de Frankfurt, John Rockefeller
torna-se um dos homens mais ricos dos EUA.
Pela mediação das sociedades anônimas, os bancos controlam
as indústrias e todos os ramos da produção e circulação. Nos EUA, dois
bancos controlam complemente todos os ramos da produção: o National
City Bank (Rockefeller) e o National Bank of Commerce (Morgan). Em
1908, o grupo Rockefeller controlava as operações de 3.350 bancos dentro
e fora dos EUA, e o grupo J. Morgan controlava 2.757 bancos nacionais
e estrangeiros. Esse controle permitia que os referidos grupos possuíssem
assentos dos conselhos administrativos de milhares de empresas.

36
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

O tardio desenvolvimento do capitalismo alemão não impediu que


seu processo de alavancagem alcançasse um nível inigualável no cenário
europeu, fato possibilitado pelo singular papel desempenhado pelas fusões
bancárias e pelo modo como essas fusões determinaram as fusões industriais
ou a formação dos cartéis industriais. A Alemanha obedece à mesma
tendência da economia americana; em 1905 existiam aproximadamente
385 cartéis atuando nos distintos setores da economia (BUKHARIN,
1984). Segundo Lenin (1977, p. 592), “o sindicato hulheiro da Renânia-
Vestfália, no momento de sua constituição – 1893 ‒ concentrava 86,7% de
toda a produção de carvão daquela bacia, e em 1910 dispunha já de 95,4%”.
A Alemanha, sozinha, alcançou nível de produtividade que superava
o desenvolvimento industrial de toda a Europa na segunda metade do
século XIX. Ela “respondia por dois terços da produção de ação da Europa
continental, metade da produção de carvão e linhita, e produzia 20% mais
energia que Grã-Bretanha, França e Itália juntas” (DANELLI JUNIOR,
2013, p. 16). Na Alemanha, em 1906, seis bancos “possuíam 751 postos nos
conselhos de administração das sociedades anônimas industriais”. Em 1907,
segundo Lenin (1977, p. 587), “havia na Alemanha 586 estabelecimentos
com 1.000 ou mais operários. Estes estabelecimentos empregavam quase
a décima parte (1.380.000) do número total de operários e quase um
terço (32%) do total de energia elétrica e a vapor”. Em 1910, esses bancos
movimentavam 1,12 trilhão de marcos. O poderio da economia alemã
manifesta-se sobre a tradicional economia inglesa, forjada sob os preceitos
da livre concorrência e da liberdade cambial. O poderio do capital financeiro
alemão revela-se superior ao inglês na segunda metade do século XIX.
Pela mediação das sociedades anônimas, os bancos controlavam
e organizavam completamente a produção industrial nos EUA e na
Alemanha, demonstrando como sua forma administrativa presumia
os trustes e os cartéis e assegurando que o desenvolvimento econômico
desses países estava forjado na concentração da produção industrial e na
concentração do capital financeiro. Os consórcios empresariais formados
eram plenamente subordinados ao capital financeiro, sendo os bancos os
elementos fundamentais de gestação dos trustes e cartéis que formavam a

37
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

economia mundial na segunda metade do século XIX. Os vastos consórcios


de bancos internacionais constituem as bases fundamentais da gestação das
distintas matrizes e filiais empresarias constituídas no mundo inteiro.
A etapa superior do capitalismo consiste num controle exacerbado
da produção e circulação pelos grandes aglomerados internacionais, e num
processo de concorrência que petrifica o poderio dos monopólios. Não
se trata da falência resultante do fato de uma determinada empresa não
alcançar o mesmo nível de desenvolvimento científico e tecnológico; trata-
se de uma disputa em que todas as armas são adotadas na perspectiva de
levar ao estrangulamento as empresas individuais que não se submetem
aos preceitos dos grupos monopolistas (LENIN, 1977). Para Lenin
(1977), os elementos essenciais que caracterizam o imperialismo são:
capital financeiro, monopólios, exportação de capitais e divisão ou partilha
territorial do mundo entre as grandes potências.
Os cartéis forjados pelos bancos no complexo industrial tinham
como propósito suspender a concorrência entre as empresas financiadas
pelos seus recursos financeiros, adotando uma mesma política de produção
e venda. Os cartéis se constituíam como uma constelação de empresas que
determinam o valor tanto da produção quanto da distribuição, eliminando
do páreo seus concorrentes menores e, sempre que necessário, operando
processos de fusões com suas grandes concorrentes, para assegurar
completamente os mercados para si. A fim de eliminar seus concorrentes,
os grandes aglomerados financeiros e empresariais podiam vender com
prejuízo unicamente para promover a falência e o esgotamento daqueles.
As multinacionais representavam a etapa mais avançada de
internacionalização do capital. O capitalismo somente poderia efetivar-
se mediante a constituição do mercado mundial; sem o movimento
internacional de compra e venda de mercadoria ou de espoliação e
expropriação de mercadorias inexistiria o capital. O mercado mundial
permitiu que o capital mercantil favorecesse o processo de constituição do
capital industrial. As multinacionais representaram uma etapa histórica em
que a internacionalização plasmou-se como seu elemento vital. Isso denota
que inexistiria capitalismo num único país, pois por mais desenvolvida que
fosse uma nação, ela jamais conseguiria alcançar um elevado estágio de

38
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

desenvolvimento na contemporaneidade sem subordinar outras nações aos


interesses de suas corporações.
Essas corporações não poderiam crescer sem expandir seus negócios
para o exterior, pois seu mercado interno somente não bastava. A expansão
das empresas para o mercado externo permitiu que elas crescessem e
forjassem inúmeras filiais nas diversas partes do mundo. As multinacionais
revelam que o desenvolvimento das economias centrais somente é possível
mediante a exploração das economias periféricas e subdesenvolvidas. A
transformação da América Latina em quintal das empresas americanas foi
fundamental para a emergência das multinacionais estadunidenses. Não é à
toa que no final do século XIX os EUA se tornam o principal consumidor
da produção cafeeira brasileira.

1.4 Os EUA como centro do capital financeiro


Os poderosos grupos financeiros determinam as distintas políticas
econômicas governamentais encetadas pelos distintos Estados nacionais
(Canadá, Grã-Bretanha, República Federal Alemanha e França etc.).
Nesse processo, o Estado americano constitui um poderoso instrumento
de exportação dos interesses de seus grupos financeiros mediante o
estabelecimento de políticas de quotas de exportação e importação, créditos
no exterior, sistemas de seguros, contratos de guerra, apoio aos investimentos
privados, represálias aos concorrentes internacionais, boicotes, ameaças etc.
O poderio econômico das corporações americanas seria impossível
sem o apoio sistemático da estrutura estatal. A política afirmada pela
Doutrina Monroe ‒ “A América para os americanos” ‒ implicou a
transformação da América Latina numa espécie de quintal dos EUA. As
economias subdesenvolvidas serviram de base para a expansão da indústria
pesada (mineradora e do petróleo). Além de dominar as atividades
econômicas e financeiras, as empresas gigantescas passaram a controlar a
produção e a reprodução do universo ideológico mediante a formação de
instituições científicas, tecnológicas e educativas.
A ascendência da estrutura monopolista americana tem seu ponto
de inflexão na Guerra de Secessão, que representou a superação das relações

39
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

anacrônicas de produção assentadas no capital mercantil que predominavam


entre os sulistas e na conquista do mercado nacional para o grande capital
industrial e financeiro. Segundo Cecenã (1972, p. 7), “a Guerra Civil significou
a quebra do sistema escravista da grande exportação agrícola do Sul e o
triunfo do sistema capitalista industrial baseado no trabalho assalariado”.
O desenvolvimento industrial americano foi tão expressivo depois
da Guerra de Secessão. Em 1870, os EUA representavam a segunda maior
economia mundial em termos de desenvolvimento industrial, com 23% da
produção manufatureira mundial, ficando atrás somente do Reino Unido
(CECENÃ, 1972, p. 7). No final do século XIX, os EUA superavam o Reino
Unido, e em 1913 representavam 36% da produção industrial mundial.
Entre as empresas que participaram do processo de desenvolvimento
industrial americano merece destaque o grupo Standard Oil Company
(Ohio) de John Rockefeller. Este começou seus negócios no campo
petroleiro em 1865, associado com Samuel Andrews. Em 1879, formava-se
o primeiro truste dos Estados Unidos, a Standard Oil Trust, que controlava
uma constelação de empresas no ramo petrolífero. As práticas gangsteristas
do grupo Rockefeller com seus concorrentes culminou na pressão popular
que levou à dissolução do referido truste e à sua substituição pelo Holding
Company sob o nome de Standard Oil Company de Nova Jersey (1972, p. 7).
Nas duas últimas décadas do século XIX forjaram-se outros
aglomerados: Nacional Cash Register – Máquinas registradoras (1882);
Westinghouse Co. ‒ Aparatos elétricos (1886); Diamond Match Co.
Cerillos e fósforos (1889); American Tobacco. Cigarrilhos e maquinaria
(1890); Distilling and Cattle Feeding. Licores e alimentos para animais
(1890); American Sugar Refining Co. (1891); General Electric Co. (1892);
Anaconda Copper Co. (1895); International Paper (1898); United Shoe
Machinery Corp. (1899); United Fruit Co. (1899); American Smelting
and Refining Co. (1899). Na primeira década do século XX surgiram novos
aglomerados: United States Steel Corp. (1901); American Can Co. (1901);
Amalgamated Copper (1901); International Harvester (1902); E. I. Du
Pont de Nemours (1903); Ford Motor Co. (1903); Corn Products Refining
Co. (1906) (CECENÃ, 1972, p. 9).

40
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

Todas essas empresas resultaram de fusões e incorporações de outras


empresas que operavam de maneira autônoma e independente anteriormente.
A Tobacco resultou da fusão de cinco empresas, representando 95% da
produção nacional; a American Sugar resultou da fusão de 17 empresas,
representando 78% da produção nacional; a United Shoe Machinery
resultou da fusão de sete empresas no âmbito da produção de calçados; a
Internacional Harvester resultou da fusão de cinco empresas, representando
85% da produção de máquinas agrícolas; a United States Steel Corp resultou
da fusão de oito empresas do complexo siderúrgico (CECENÃ, 1972, p. 10).

1.4.1 Formas e práticas monopolistas


Cecenã (1972) destaca que a concentração e a centralização do
poder das corporações industriais e financeiras operam mediante os
seguintes expedientes organizativos:
i) Sociedades anônimas: as sociedades anônimas têm sua gênese na
Companhia Holandesa das Índias Orientais, em Amsterdã, em 1602. Elas
permitiam reunir numa mesma empresa grande número de investidores,
que poderiam comprar ações ou bônus da empresa. Os rendimentos e
prejuízos são limitados pela soma de investimentos realizados nas ações;
isso implica que os grandes capitalistas poderiam dividir seu capital em
diferentes empresas que auferem lucro, não correndo o risco de investir
tudo numa única empresa e acabar falindo. Como geralmente são formadas
com a anuência dos bancos, as sociedades anônimas teriam facilidade
em obter empréstimos e negociar suas dívidas no sistema financeiro,
diferentemente das empresas privadas ou individualizadas. As sociedades
anônimas serviriam de base para todas as formas de organização capitalista
a partir do final do século XIX (CECENÃ, 1972).
ii) Trustes: são uma forma de organização monopolista que teve sua
constituição original nos EUA. Cecenã (1972, p. 13) destaca que a proposta
de truste “foi idealizado por Samuel C. T. Dodd, advogado de Rockefeller na
Standard Oil (Ohio), no ano de 1879, com o objetivo essencial de utilizá-lo
como meio para alcançar o controle do negócio de petróleo”. A organização
empresarial na forma de truste se estendeu para o complexo açucareiro em

41
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

1887 através da firma American Sugar Trust.


iii) Holding Company: constitui um mecanismo em que uma empresa
poderia comprar ações de outras empresas nos campos mais distintos de
produção e atuação; desse modo, uma grande empresa poderia controlar a
produção de matéria-prima de seus fornecedores e consortes. A primeira
empresa a adotar a forma de holding foi a Standard Oil, de Rockefeller,
que passou a chamar-se Standard Oil Company de Nova Jersey em 1882.
Pela mediação do holding, uma empresa podia adquirir ações em distintos
campos da produção industrial e controlar de forma abrangente a produção e
o fornecimento de matéria-prima, não ficando refém de seus fornecedores ou
concorrentes. Pela mediação de holdings seria possível controlar empresas em
diversas partes do mundo; assim, grandes aglomerados financeiros adquiriram
ações de empresas em distintas regiões e as transformaram em suas filiais.
iv) Cartel: o lugar por excelência da gênese dos cartéis foi a Alemanha.
Trata-se de um acordo estabelecido formalmente entre empresas de um
mesmo ramo ou setor, em que seus componentes empresariais adotam
medidas comuns na perspectiva de controlar determinado ramo da produção
e distribuição. Apesar de preservar sua autonomia, elas adotam políticas de
preço comum e determinado padrão de produção que serve para quebrar
seus concorrentes. Essas empresas dividem o mercado entre si, estabelecendo
quotas de produção, fixação de preços e usando as mesmas patentes. Os
cartéis atuam nos distintos ramos da produção e no sistema financeiro.
Escreve Cecenã (1972, p. 19): “o cartel é uma organização monopolista que
permite aos grandes produtores de um ramo aumentar seu domínio e elevar
suas utilidades através de restrições da oferta e da fixação de preços altos”.
Nos EUA, os cartéis serviram para que as empresas americanas pudessem
controlar o mercado latino-americano e para dividir o mercado mundial
com as empresas alemãs e britânicas. No complexo petroquímico, a poderosa
Standard Oil formou um cartel com a I. G. Farben alemã em plena Segunda
Guerra Mundial. Na produção de alumínio formou-se um cartel a partir
das empresas Aluminium Company of America (Grupo Mellon – EUA) e
AIAG (empresa suíça e alemã), e ainda entre os grupos British Aluminium
Company, Compagnie des Forges (França) e Compagnie d’Alais et

42
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

Camargues (França). No ramo elétrico, entre as empresas General Eletric


(Grupo Morgan) e Westinghouse Eletric (Grupo Mellon).
v) Fusão: através deste mecanismo a empresa fundida perde sua autonomia
e individualidade, passando a ser parte inerente da nova grande empresa.
As fusões ocuparam papel destacado no final da Guerra de Secessão nos
EUA. O processo de fusão ocupou papel destacado na constituição da
United States Steel Corporation, a mais importante empresa siderúrgica
do mundo, em 1901 (CECENÃ, 1972, p. 19). A U. S. Steel foi formada a
partir da fusão das seguintes empresas: 1) American Tin Plate – resultou da
fusão de 36 empresas em 1898, que detinham 75% da produção de folhas
de estanho nos EUA; 2) American Steel and Wire – resultou da fusão de
19 companhias e controlava 80% da produção de fios; 3) National Tube Co.
– decorreu da fusão de 21 empresas que controlavam 80% da produção de
tubos; 4) American Steep Hoop – conformou-se a partir da fusão de nove
empresas de cintas de aço; 5) American Sheert Co. – originou-se da fusão
de 26 empresas produtoras de lâminas de aço; 6) Cornegie Co. – brotou
da fusão de 16 empresas; 7) Federal Steel Co. – estabeleceu-se a partir da
fusão de cinco companhias em 1898; 8) National Steel Co. – brotou da
fusão de sete empresas siderúrgicas (CECENÃ, 1972, p. 20). A Steel Corp
representava mais de 1,4 bilhão de dólares em 1901. No entanto, estimava-
se que o valor real da empresa fosse de apenas 682 milhões de dólares e que
o restante era capital fictício. No processo de fusão, o Grupo Morgan teve
um lucro líquido de 62,5 milhões de dólares. 9) A U. S. Steel Corporation
‒ resultou da fusão de oito grandes empresas, que tinham sido formadas a
partir da fusão de 139 empresas no campo siderúrgico (CECENÃ, 1972).
vi) Entrelaçamento de conselheiros: os magnatas conseguem ampliar
seu domínio monopólico sobre os distintos ramos da economia mediante
o entrelaçamento de conselheiros nas mais variadas empresas. Os
proprietários das ações dos maiores bancos acabam tendo assento nos
conselhos administrativos e fiscais de milhares de empresas e companhias.
O Conselho Administrativo do First National City se entrelaçava com
os conselhos de 115 empresas; o Chase Manhattan Bank (Rockefeller)
se entrelaçava com os conselhos de 104 companhias; o J. P. Morgan se

43
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

entrelaçava com os conselhos de 92 empresas (CECENÃ, 1972, p. 22).


vii) Compra de empresas: a compra direta de empresas independentes é uma
importante forma de ampliação do poder dos aglomerados e monopólios.
Nem sempre a empresa comprada perde a sua identidade anterior; foi o que
aconteceu com a Philco, comprada pela Ford, e que continuou operando com
a mesma razão social (CECENÃ, 1972, p. 23). O mesmo aconteceu com a
Sheraton Hotels, comprada pela International Telephone and Telegraph; a
Clemente Jacques, comprada pela United Fruit; e a Canada Cry, adquirida
pela Westinghouse (CECENÃ, 1972).
viii) Aglomerados: são uma constelação de empresas com distintos campos
de atuação econômica. A International Telephone and Telegraph é um
exemplo de aglomerado no campo das telecomunicações, atuando na rede
hoteleira (Sheraton), automóveis (Avis), indústria espacial e siderurgia.
A empresa Textrom começou no ramo têxtil e evoluiu para os setores de
aviação, produtos eletrônicos, máquinas e ferramentas, tubos de metal,
válvulas e conexões, caldeiras, pinturas, estampado, fundição de ferro e
aço, instrumentos ópticos, turbinas, produtos plásticos, botes marinhos
etc. Apenas dez das 104 empresas da Textron operam no campo têxtil; as
restantes atuam em mais de 40 ramos distintos (CECENÃ, 1972).
1.4.2 O gangsterismo como mecanismo de gestação do capital financeiro
Os precursores do imperialismo americano adotaram o gangsterismo
como mecanismo de acumulação e de eliminação de seus concorrentes. Isso
denota que a totalidade das grandes fortunas veio ao mundo de maneira
nada idílica, mas sim em decorrência de fraude, despojo, manipulação,
ameaça, suborno, destruição da propriedade dos concorrentes, bloqueio
ilegal de bens de terceiros, assassinato, saque, guerra internas e externas.
Evidentemente, a violência na etapa do capital financeiro tem corolário
distinto da etapa do capital mercantil; no entanto, a prática da rapinagem
ou da expropriação não foi abolida do léxico da aristocracia financeira.
Entre seus expoentes, merecem destaque:
a) Stephen Girard (natural de Bordéus, na França, nasceu em 1750):
aparece como primeiro milionário americano. Acumulou fortuna mediante

44
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

o comércio fraudulento com as Índias e a China, no transporte marítimo e


no sistema financeiro. A insurreição dos escravos na República Dominicana
é uma atividade importante no seu processo de acumulação de riqueza.
Após o envolvimento na constituição do Banco dos EUA na época da
independência, formou seu próprio banco em 1812, o Girard Bank de
Filadélfia. A guerra entre EUA e Inglaterra, em 1812, mostrou-se excelente
negócio para ampliar sua fortuna (CECENÃ, 1972, p. 27).
b) John Jacob Astor (nasceu na Alemanha em 1763): emerge entre os
primeiros multimilionários americanos. Acumulou fortuna pela compra
e venda de peles finas no Noroeste dos EUA e no Canadá. Através da
American Fur Company controlou o comércio de peles com expedientes
fraudulentos e violência aberta. A acumulação neste setor permitiu seu
ingresso na especulação imobiliária na cidade de Nova Iorque. Na condição
de acionista nos bancos Manhattan, Merchant’s, Mechanics, Bank of
America e National Bank, aproveitou da crise econômica de 1836-1837 e
ampliou expressivamente seus negócios.
c) “Comodoro” Cornelius Vanderbilt: começou suas atividades no comércio
marítimo em 1811, com 100 dólares; possuía, em 1877, uma fortuna de
300 milhões de dólares graças aos procedimentos mais gangsteristas, tais
como suborno, corrupção, ameaças contra rivais, intervenção armada na
Nicarágua, fraude, apropriação de terras devolutas etc. A febre do ouro da
Califórnia permitiu ampliar suas atividades no setor ferroviário, marítimo,
bancos, indústrias etc. A fusão da New York Central com o New York
Hudson River RR permitiu uma acumulação de 44 milhões de dólares
(CECENÃ, 1972).
d) John Rockefeller: O magnata do petróleo e do setor financeiro fez uso
de várias formas de gangsterismo: 1) rebaixamento ou descontos das tarifas
ferroviárias para o transporte de petróleo; 2) destruição da propriedade de
seus concorrentes: entre os capitalistas afetados, figura Mattews, que não
admitiu aliar-se ao imperialismo do grupo Rockefeller. Apesar de obter uma
indenização de 85 mil dólares, seu concorrente ficou arruinado porque gastou
tudo nas despesas do processo; 3) suborno de autoridades – Rockefeller
demonstrou o poder do capital comprando juízes e financiando a campanha

45
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

de parlamentares (governadores e senadores). Estes passaram a adotar


uma política favorável aos trustes e a combater as leis antitrustes. Entre os
parlamentares financiados por Rockefeller destacam-se Joseph B. Foraker,
Joseph Bailey, Matthew Stanley Quay, entre outros (CECENÃ, 1972).
São similares a estas as atitudes dos magnatas Du Pont (explosivos e
tráfico de armas), J. Pierpont Morgan (manipulação financeira, promoções
industriais) e Havemeyer (açúcar). Além do gangsterismo, os precursores
do imperialismo americano adotaram os métodos da guerra de preços
contra seus concorrentes, a destruição de propriedades, assassinatos,
subornos, guerras, invasão de outros países etc. Como o capital mercantil, o
capital financeiro tem uma gênese nada idílica ou bela. Ele emerge também
“escorrendo sangue e lama por todos os seus poros” (MARX, 1985).
Segundo Cecenã (1972), em 1971 os bancos ocupam papel central no
desenvolvimento da economia americana, representando 56,3% do montante
geral da composição global do capital, seguidos pela indústria, com 27,9%
do montante geral, e o setor de serviços, com 15,8% do montante geral. Em
1969, os dez principais bancos dos EUA eram: Bank of Amerik (envolvendo
25 bancos mais importantes do país), First National City Bank (envolve nove
bancos importantes do país), Chase Manhattan Bank (intervenção em dez
bancos do país), Manufacturers Hannover Trust (envolvendo 16 bancos),
Morgan Guaranty Trust of New York, Chemical Bank Ney York Trust (16
bancos), Bankers Trust, Continental Illinois National Bank & Trust, First
National Bank of Chicago, Security Pacific Nat. Bank.
Esses grupos atuavam de forma expressiva na América Latina, sendo
o mercado interno brasileiro um campo significativo para a atuação de bancos
como Bank of America, Chase Manhattan Bank, Standard Oil Company,
Shell, General Motors do Brasil S.A., Ford Motores do Brasil S.A., Esso
Brasileira de Petróleo S.A., Willys Overland do Brasil S.A., General Electric
S.A., Força e Luz de Minas Gerais – Grupo Morgan, Indústria de Pneus
Firestone S.A., Indústria Reunidas Vidrobrás, Texaco do Brasil S.A. etc. O
poderio das empresas transnacionais no território brasileiro vai se plasmar
lentamente no decorrer do século XX, adquirindo na segunda metade desse
século uma capacidade de penetração e irradiação que culmina na completa
conquista do Estado e do mercado nacional para o capital financeiro.

46
CAPÍTULO Ii
O SISTEMA BANCÁRIO BRASILEIRO E A INDUSTRIALIZAÇAO
RESTRITIVA NO CONTEXTO DA HEGEMONIA DO CAPITAL
BRITÂNICO (1808-1917)
Pobre de um povo que precisa de heróis
Bertolt Brecht

A internacionalização marca cada etapa do desenvolvimento da


economia brasileira, pois o capitalismo não emergiu nos trópicos como
produto do movimento interno de suas forças produtivas e suas relações
de produção. A economia capitalista no território nacional brotou das
imposições exógenas e para atender às demandas do mercado mundial; dessa
forma se plasmaram os distintos ciclos econômicos: plantação de cana-de-
açúcar, exploração do ouro de Minas Gerais, extração da borracha, café,
algodão, cacau etc. A primeira etapa da internacionalização foi determinada
pela produção agroexportadora, em que a subordinação ao capital mercantil
português será superada pela neocolonização inglesa, sem que se tenha
definitivamente efetivado o capital industrial no mercado interno.
Neste capítulo vamos tratar do processo de internacionalização da
economia brasileira nos marcos da produção agroexportadora, mediante
a predominância dos interesses britânicos, enquanto etapa de transição
do capital mercantil para o capital industrial-financeiro. Nossa atenção
vai concentrar-se no processo de constituição do sistema bancário e no
processo de industrialização, na perspectiva de demonstrar os elementos
que servem para entendermos a gênese e o desenvolvimento do capital
financeiro no Brasil.
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

O desenvolvimento da economia brasileira ao longo do século


XIX representa um movimento de constituição das bases para a superação
do capital mercantil, um movimento irregular perpassado por múltiplas
contradições, em que o trabalho escravo, devido ao movimento interno
de pressão revelado nas inúmeras revoltas orquestradas pelos escravos e à
pressão externa, conseguiu efetivamente transformar-se em capital industrial
e financeiro. A superação do capital mercantil tem na economia cafeeira do
Oeste paulista papel elementar devido à efetivação do trabalho do colonato
e do trabalho assalariado. A exploração do trabalho do colonato serve ao
processo de acumulação de capital; a parte não drenada para os banqueiros
britânicos permitirá a gênese da industrialização nacional. A superação do
capital mercantil pelo capital industrial coloca a burguesia britânica num papel
destacado no desenvolvimento da economia brasileira, da mesma maneira que
os holandeses assumiram função protagonista na etapa do capital mercantil.
A recorrência à forma anacrônica do trabalho escravo conjugada à
economia de subsistência marcou a existência do capital mercantil como forma
medular da acumulação primitiva de capitais que perpassou a colonização
lusitana do Brasil. A superação do capital mercantil pelo capital industrial
pavimentou o caminho para o capital financeiro; no entanto, os vetores
essenciais para a sua efetivação no contexto de uma economia dependente e
subserviente aos imperativos dos grandes centros econômicos carecem de novas
mediações. As restritas políticas de ampliação do mercado interno marcaram
o século XIX, ganhando o complexo cafeeiro maior visibilidade a partir da
década de 1840, e vindo a exercer influência expressiva no desenvolvimento
industrial do eixo Rio-São Paulo na segunda metade do século XIX.

2.1 A gênese do sistema bancário brasileiro e o endividamento externo


A superação do capital mercantil pelo capital industrial reverbera no
interior da economia brasileira mediante o colapso da colonização lusitana
e pela supremacia da influência britânica, estabelecendo novas bases no
movimento de sua dependência aos imperativos da economia mundial. No
contexto da disputa entre as burguesias britânica e francesa pelo controle do
mercado europeu, a família real portuguesa se transfere para o Brasil e assegura
os interesses do capital industrial sobre o capital mercantil.

48
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

Não à toa o primeiro banco forjado no Brasil surgiu para guardar as


riquezas trazidas pela Corte portuguesa refugiada no Brasil em 1808 e que
sequestrou os cofres do Banco do Brasil quando D. João VI retornou para
Portugal em 1822. Fundado com 1.200 ações que totalizavam um fundo de
capital de 1.200 contos3, o banco devia recorrer à emissão de papel-moeda
como forma de assegurar os gastos crescentes do corpus parasitário que
atracou no porto do Rio de Janeiro. Para isso emitiu 28.866.450$000 contos
entre 1810 e 1828 (SILVA, s/d). Ao retornar para Portugal – esvaziando os
cofres do banco de todas as moedas em ouro e prata e levando as garantias
em joias concedidas para emissão de papel-moeda – D. João VI corroborou
para a falência do primeiro Banco do Brasil, em 1829.
Segundo Coradi e Mondo (2016, p. 13), “a missão de financiar a
nobreza e a possibilidade de emitir dinheiro sem lastro fizeram do Banco
do Brasil um convite para o caos e a fraude”. Um balancete das dívidas
deixadas pelo representante da Coroa portuguesa no Brasil apontava que
ele deixou uma dívida passiva de 9.870.918$092 contos (SILVA, s/d, p. 36).
Antes de embarcar para Portugal, o digníssimo mandatário aproveitou ainda
para tomar empréstimo com garantias das rendas da Província do Rio de
Janeiro no valor de 400.000$000 contos, com taxas de juros anuais de 6%.
Além da prática fraudulenta do representante máximo da Coroa portuguesa
instalada no Rio de Janeiro, colaborou para a falência do banco a gestão
espúria de seus administradores. Esclarece Mondo (2016, p. 15): “Quatro
diretores e acionistas do banco conseguiam tomar empréstimos com juros
de 6% ao ano e os repassavam, como verdadeiros agiotas, a 24%. Além disso,
determinaram que o banco, que estava falido, pagaria elevados dividendos
anuais de 18% para seus acionistas...”. A falência do banco serviu para que os
agiotas das casas e firmas comerciais hegemonizassem o mercado, chegando
a cobrar taxas mensais de 2% pelos empréstimos realizados.
O que restou da estrutura financeira para administrar os recursos
advindos da dívida pública interna e externa foi a Caixa de Amortização.

3
Segundo Silva (s/d, p. 35): “‘Contos ou ‘contos de réis’ era a expressão utilizada para
indicar 1 milhão de unidades de reais (ou réis), a moeda em circulação naquela época, que
foi substituída pelo cruzeiro somente em 1942. Sua expressão financeira era 1:000$000”.

49
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

Incorporada à estrutura do Tesouro Nacional e ao Banco do Brasil, ela se


denomina Superintendência da Moeda e do Crédito (SUMOC), em 1945,
embrião do futuro Banco Central, em 1966 (SILVA, s/d, p. 38). A trajetória
oscilante e periclitante do Banco do Brasil, que teve cinco fundações,
desvela o caráter débil e dependente do sistema bancário brasileiro ao
longo do século XIX. A fragilidade do Banco do Brasil em assumir uma
função vital no desenvolvimento da economia nacional expressa os limites
e entraves do processo de acumulação de capitais no interior do país e o
caráter subserviente da burguesia agroexportadora.
A tardia constituição do sistema bancário brasileiro decorre da
relação de dependência do complexo agroexportador, que não dinamizava
o mercado interno e não desenvolvia as forças produtivas devido à estrutura
produtiva fundada na exploração do trabalho escravo e na superexploração
do trabalho assalariado. A pressão inglesa pelo fim do tráfico de escravos não
representava a extinção do modelo econômico centrado na importação de
produtos manufaturados e na exportação de algumas matérias-primas, como
cana-de-açúcar, algodão, cacau, café e borracha.
A produção agrícola continuou centrada da exploração do trabalho
(escravo ou assalariado), no latifúndio e na monocultura. Ao tempo que
recusava e combatia a presença do trabalho escravo no Brasil, a burguesia
britânica continuava tirando proveito das riquezas decorrentes da exploração
do trabalho escravo, uma vez que se configurou como a principal beneficiada
com a produção agroexportadora. Nota-se que a independência de 1822
não representou uma reestruturação ou recomposição revolucionária da
economia brasileira. A preservação da monarquia assegurou os interesses
britânicos, bem como para interceptar qualquer possibilidade de resistência
da burguesia nacional num contexto de lutas emancipatórias em toda a
América Latina. Nesse terreno se inscrevem as revoltas populares que
marcam a história nacional entre 1817 e 1850. As distintas revoltas contra o
poder monárquico tinham como vetor a contraposição radical à drenagem
de riqueza para o exterior e à elevação dos impostos para alimentar a
estrutura parasitária da maquinaria estatal (vida luxuosa da Corte, despesas
das expedições militares, burocracia administrativa e financeira etc.).

50
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

As revoltas populares cortaram como uma diagonal de alto a baixo o


país: do Pará ao Rio Grande do Sul, perpassando os Estados do Maranhão,
Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Mato Grosso e Rio
Grande do Sul, algumas delas derrotadas pelo poder central somente após
décadas. O Estado monárquico (Império) somente conseguiu ser bem-
sucedido ante os revoltosos devido ao isolamento forjado pela dimensão
continental do país e pela falta de um centro de comando unificado. Este
cenário inviabilizou qualquer movimento profícuo de investimento
estrangeiro no país, haja vista que a insegurança da burguesia internacional
em relação às frações da burguesia nacional denotava a possibilidade duma
explosão revolucionária longe do controle da metrópole. No entanto, o criado
de quarto do capital (Estado) assegurou a expansão do capital estrangeiro
e nacional recorrendo aos mecanismos coercitivos sempre que considerava
necessário; para isso aperfeiçoou sua maquinaria de guerra nas incursões
militares realizadas externamente (Guerra da Cisplatina, Paraguai, Bolívia,
Peru etc.) e internamente (Cabanos, Revolução Pernambucana, Farroupilha,
Malês, Canudos, Contestado etc.). Pela mediação da força assegurou o direito
do mais forte, expresso na Lei de Terras (1850), mediante a qual os indígenas
e camponeses foram literalmente expropriados de suas terras e transformados
em trabalhadores superexplorados pelo capital mercantil e/ou industrial.
O aperfeiçoamento da repressão estatal ao movimento camponês
pode ser observado em Contestado. O Exército brasileiro usou até aviões para
derrotar os camponeses revoltosos e beneficiar as empresas do americano
Percival Farquhar: Brazil Railway Company e Southern Brazil Lumber and
Colonization Company. O proprietário dos trustes mencionados operou um
processo de acumulação primitiva de capitais por meio da expropriação das
terras dos camponeses e através da comercialização das madeiras extraídas
das terras camponesas situadas nos estados do Paraná e Santa Catarina.
Para isso contou com o auxílio de advogados ilustres como Rui Barbosa,
figura conhecida do universo político brasileiro.
A recorrência aos banqueiros ingleses da parte do establishment
se fazia necessária porque inexistia um mercado interno que propiciasse
uma receita mínima para sustentar as despesas do aparato estatal – seu
ordenamento político, jurídico e administrativo parasitário. A única fonte

51
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

de receita provinha das taxas de importação, mas a relação de dependência


com os ingleses impedia a sua elevação. Com exceção do café, a maioria dos
produtos primários exportados teve acentuada queda no mercado externo
entre 1820 e 1850.
O nascente aparato estatal era destituído de qualquer capital. A
balança comercial brasileira era deficitária e acumulava índices negativos, já
que a entrada de produtos externos era sempre maior do que o quantitativo
de mercadoria importadas. Importante salientar que a balança comercial
negativa não representava a entrada no país de bens de capitais ou bens
duráveis (máquinas, equipamentos, ferramentas), mas de bens de consumo
domésticos que tão só atendiam às demandas da Corte, da burguesia
agroexportadora e da população dos centros urbanos com poder aquisitivo.
A baixa arrecadação resultou da continuidade dos tratados
firmados de 1810 e renovados em 1825. Em 1828, a crise de arrecadação
será aprofundada com a decisão de ampliar a tarifa de 15% aos países
independentes da América, especialmente os EUA. Esse déficit será
superado somente na década de 1840, quando o Império recusou-se
a renovar os referidos tratados e editou a tarifa Alves Branco (1844),
duplicando o valor das tarifas de importação e exportação.
O déficit emergia da inexistência de fábricas e indústrias, o que
impunha que todos os produtos manufaturados (vestuário, cosméticos,
armários, cadeiras, mesas, cozinhas, copos, jarros, talheres, xícaras,
pratos, vidros, louças, ferros, espelhos, aço etc.) e industrializados fossem
importados. A burguesia lusitana instalada no Brasil representava o
capital mercantil e esteve sempre envolvida com o comércio de escravos,
a exportação e importação de mercadorias e a exploração da força de
trabalho nos engenhos. Por sua vez, a burguesia inglesa não tinha interesse
em desenvolver as forças produtivas e o modo de produção de maneira
categórica, preferindo alimentar o mercado nacional com suas mercadorias
importadas. Assim, os investimentos realizados não tinham como propósito
quebrar a espinha dorsal da estrutura agroexportadora.
Representando os interesses do capital industrial perante o capital
mercantil, a presença inglesa no Brasil no decorrer do século XIX foi

52
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

especializada. Na época da assinatura do Tratado Comercial, estabelecido em


1810 por D. João VI, existiam no país aproximadamente 100 firmas inglesas
no Rio de Janeiro, como Robert Kirwan & Cia e Valentin Chaplin & Cia.
As firmas inglesas passaram a controlar o comércio de exportação de
commodities e a importação de produtos manufaturados no decorrer do século
XIX. Entre as firmas britânicas que atuavam no comércio de commodities
brasileiras, no início do século XIX, encontramos a firma Samuel Phillips &
Co. A referida firma estabeleceu fortes laços com o governo D. Pedro I, na
perspectiva de “socorrer as finanças do Estado do Brasil” (GUIMARÃES,
2010, p. 13), uma vez que o nascente Estado acumulava sérios déficits
orçamentários. A firma desempenhou papel fundamental nos empréstimos
concedidos pelo banco N. M. Rothschild ao Império em agosto de 1825, no
valor de 1,4 milhão de libras, haja vista que o empréstimo obtido em 1824,
no valor de 3,68 milhões de libras, mostrou-se insuficiente para atender às
demandas do Estado nascente. No entanto, a firma Samuel Phillips & Co.
deixa de auferir posição confortável perante o Banco Rothschild devido às
dificuldades do governo brasileiro para assegurar o pagamento dos juros e
dividendos dos empréstimos contraídos; mesmo assim, Samuel & Phillips
continuou exercendo o papel de principal agente financeiro do governo
brasileiro em Londres na década de 1830. As divergências experimentadas
com os Rothschild em nada impedem que a função exercida pela firma
Samuel Phillips & Co. eleve os Rothschild à condição de representantes
oficiais do governo D. Pedro II no mercado londrino (GUIMARÃES, 2010).
A independência comprada de 1822 e a carência de financiamento
dos Rothschild marcam a trajetória da economia nacional no século XIX. Os
empréstimos serão fundamentais para subsidiar a independência política, as
obras estatais, a erradicação da grande seca do Ceará, o financiamento das
guerras da Cisplatina, do Paraguai, da Bolívia, do Peru, a construção das ferrovias
e as atividades extrativistas de mineração. Os empréstimos ingleses servirão
também para o pagamento da renegociação dos empréstimos contraídos.
Os empréstimos internos e externos marcam a trajetória do Estado-
Império. A receita estatal obtida pela mediação dos impostos e tributos
representava somente 30% das despesas necessárias. A emissão de títulos da

53
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

dívida pública para negociação no mercado interno tornou-se uma prática


recorrente, alcançando um volume duas vezes superior ao serviço da dívida
externa. Em 1884, o pagamento dos juros e amortizações dos serviços da
dívida interna representava 21% do orçamento da União. A emissão de
títulos alcançou patamares extremamente elevados de 1861 a 1880; entre os
fatores que justificam sua recorrência encontram-se a Guerra do Paraguai,
que representou a emissão de títulos no valor de 340 mil contos de réis, e
o casamento das princesas Isabel e Leopoldina, que exigiram a emissão de
280 mil contos de réis (SILVA, s/d, p. 41).
O endividamento interno e externo revelava a incapacidade de
a burguesia nacional assegurar a passagem do capital mercantil para o
capital industrial e financeiro de maneira autônoma. Por sua vez, o volume
de empréstimos externos cresceu acentuadamente na segunda metade
do século XIX, representando 11 dos 17 empréstimos contraídos. Os
empréstimos serviam mais para liquidar dívidas anteriores do que para
assegurar investimentos efetivos no país.
Os empréstimos serviram mais aos interesses dos banqueiros
ingleses do que aos interesses do desenvolvimento da burguesia brasileira.
Quando não tinham como vetor a liquidação de débitos contraídos,
tinham como propósito financiar atividades bélicas, revelando o caráter
expansionista do capital britânico e a natureza perdulária do sistema do
capital. Somente com a Guerra do Paraguai, o Brasil recorreu a empréstimos
externos da ordem de 7 milhões de libras.
O exclusivismo britânico foi notório na época do Império, em
que os banqueiros da Casa Rothschild & Sons desempenharam papel
fundamental. A condição de centro financeiro mundial tornava os bancos
ingleses e a Casa Rothschild & Sons profundamente conservadores
e dotados de uma política de crédito restrita; as remessas de saques nas
matrizes de Londres eram limitadas devido à taxa flutuante do câmbio da
moeda brasileira. Os bancos ingleses vieram para fortalecer as atividades
de importação e exportação que eram realizadas por suas casas comerciais.
Entre os distintos empréstimos realizados no decorrer do século XIX,
merece destaque o realizado em 1889, em que:

54
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

o governo lançou uma megaoperação no valor de £


19.837.000 de conversão de débitos antigos com juros
de 5% por um novo e único empréstimo com juros de
4% e prazos mais dilatados (56 anos). Essa operação de
reestruturação de passivos, negociada com os banqueiros
Rothschild, foi considerada um grande sucesso. Além de
uniformizar quase toda a dívida em um único nível de
juros e cronograma de pagamentos, a operação conduziu
a uma economia anual de £ 437.985 em quotas de juros
e amortização (LINHARES, 1992, p. 262).

A predominância britânica não será encerrada com a proclamação


da República, pois ela continuará controlando o segmento mais sólido da
economia brasileira. É somente no decorrer do século XX que a hegemonia
da libra será contrabalanceada pelos empréstimos em franco e dólar. Os
franceses disputam o mercado brasileiro com um empréstimo em 1905, e
os americanos superam os britânicos somente no decorrer do século XX.
Entre 1824 e 1889 foram contraídos 17 empréstimos; já entre
1889 e 1930 foram contraídos 27 empréstimos. Entre 1893 e 1908 foram
realizados dez empréstimos com o governo londrino, todos pela mediação
dos Rothschild, sendo quatro para investimento nas ferrovias e nos portos,
um para atender aos interesses da burguesa cafeeira e o restante para
garantir o equilíbrio das contas públicas afetadas pelo pagamento da dívida
externa (FAUSTO, 2006, p. 400). A maioria dos empréstimos foi realizada
para quitar débitos passados, ou seja, servia para atender mais aos interesses
dos banqueiros do que aos interesses efetivos da economia nacional, uma
vez que pouquíssimos deles eram destinados às obras públicas.
A dificuldade em quitar as dívidas com os banqueiros obrigou o
Estado a renegociar sua dívida com os credores externos. O fracasso da
política do Encilhamento, coordenada por Rui Barbosa como ministro da
Fazenda, levou o Brasil a procurar os banqueiros britânicos para renegociar
a dívida (funding loan). O governo de Prudente de Moraes, em 1898,
conseguiu escalonar o pagamento da dívida externa em 50 anos, com taxas
de juros de 5%. O funding loan de 1898 representou um montante de 8,6
milhões de libras esterlinas (FAUSTO, 2006).

55
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

A natureza cosmopolita das casas comerciais e dos bancos dos


Rothschild emergiu no tempo do capital mercantil e esteve relacionada
à capacidade dos judeus de fazer fortuna com transações em dinheiro,
convertendo o dinheiro em capital pela mediação das expropriações e exploração
dos trabalhadores europeus e das distintas partes do mundo na época da
colonização. A experiência dos judeus em operar com sua fortuna na forma de
dinheiro, em estabelecer relações de venda e troca de dinheiro, expandiu-se para
a venda e troca de mercadorias. Os Rothschild estiveram presentes em todos
os negócios capitalistas realizados no final do século XVIII e no decorrer do
século XIX. A capacidade de intervenção de suas filiais espalhadas em distintas
partes do mundo resultou de sua capacidade de metamorfosear dinheiro em
mais dinheiro pela mediação da exploração da classe trabalhadora tanto na
produção de matéria-prima (algodão, cana-de-açúcar, etc.) quanto na produção
de produtos manufaturados (tecidos, ferrovias, máquinas etc.).
Os Rothschild desenvolveram com habilidade as operações financeiras
em escala internacional, servindo como uma espécie de guarda-chuva das
operações financeiras realizadas nas distintas partes do mundo. A ascendência
econômica permitia controlar a economia de vários países da Europa, atuando
como uma espécie de socorro financeiro dos distintos bancos centrais europeus
nas épocas de crise econômica, crise que sempre serviu para ampliar a fortuna
da referida casa bancária. Entre as atividades financeiras dos Rothschild
merecem destaque: 1) os lucros com a Guerra estabelecida entre a Inglaterra
e a França, pois somente em 1815 emprestaram 10 bilhões de dólares para o
governo inglês; 2) os empréstimos realizados para o governo russo, no valor de
5 milhões de libras; 3) o controle das minas de ouro e prata dos espanhóis; 4) os
empréstimos realizados para países da América Latina como Brasil, Argentina,
Uruguai, Bolívia etc.; 5) a emissão de moeda para o governo inglês, entre 1825
e 1826; 6) o empréstimo ao governo inglês para combater e acabar a escravidão,
no valor 15 milhões de libras (MIRANDA, 2017).
A natureza imperialista do capital pode ser observada no poderio dos
bancos dos Rothschild nos mais distintos ramos da produção industrial: têxtil,
mineração, siderurgia, maquinaria, agricultura, energia, transportes, imóveis.
Suas atividades não ficaram circunscritas apenas ao terreno financeiro, mas

56
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

demonstravam como o complexo financeiro passava a ser determinante para


o capital industrial e os demais complexos da realidade. Assim, formaram-se
distintas empresas, tais como: Alliance Assurance (1824), Chemin de Fer du
Nord (1845); Rio Tinto Mining Company (1873), Eramet (1880), Imerys
(1880), De Beers (1888). Os bancos dos Rothschild acompanharam todas
as metamorfoses do capital (mercantil, comercial, industrial e financeiro),
com papel destacado inclusive no desenvolvimento do sistema financeiro
americano, pela mediação do Grupo Rockefeller.
Na época do Império, os bancos do Reino Unido contribuíram com
seus empréstimos para o desenvolvimento da economia cafeeira e a expansão da
infraestrutura urbana das capitais. Os bancos ingleses alimentaram a demanda
internacional pelo café brasileiro, tornando o Brasil um mercado promissor
para os seus produtos manufaturados. A subordinação aos imperativos da
economia inglesa se expressa na convertibilidade do papel-moeda nacional ao
ouro. A emissão de moeda fiduciária para cobrir o déficit público era controlada
externamente pelos bancos britânicos. O caráter subordinado da economia
nacional aos preceitos normativos do mercado inglês revela que inexistia um
sistema bancário autônomo tanto pelo restrito quantitativo de casas bancárias
quanto pelo incipiente volume de capitais acumulados internamente, que inibia
a expansão das operações financeiras (ALVARENGA, 2013, p. 9).
Na década de 1850 emergiram 14 novos bancos, três caixas
econômicas e 23 companhias de seguro (SOCHACZEWSKI, 1993, p. 15).
O Banco Comercial surgiu de um consórcio formado pelos comerciantes
cariocas em 1838. A credibilidade desse banco na administração das
finanças de seus acionistas serviu como pano de fundo para seu processo
de fusão com os rendimentos favoráveis obtidos pelo Banco do Brasil nas
mãos do barão de Mauá, enquanto apêndice dos interesses londrinos. O
quarto Banco do Brasil surgiu com “um capital inicial de 30 mil contos
de reis, divididos em 150 mil ações” (CORADI ‒ MONDO, 2016, p.
17). O referido banco assumia as tarefas de emissão e custódia de câmbio,
administração da dívida pública, depósito e descontos.
Desprovido do controle absoluto do Banco do Brasil em 1853, Irineu
Evangelista (o barão de Mauá) cria a firma financeira Mac-Gregor & Cia.,

57
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

com agência em Londres, voltada para as operações de depósitos, descontos,


câmbio etc. Em 1864 acabou se fundindo com o London and Brazilian Bank,
fazendo surgir o London, Brazilian, and Mauá Bank, que durou até 1878
(VIEIRA, 1973, p. 416). A ascendência econômica da produção cafeeira
paulista serviu para a proliferação de agências bancárias estrangeiras, como
London and Brazilian Bank Ltda (1863), Bank of London & South America,
English Bank of Rio de Janeiro (VIEIRA, 1973, p. 418), The Brazilian and
Portuguese Bank e o Deutsch Brasilianische Bank (1872-1930).
Entre 1857 e 1858 surgiram os seguintes bancos estaduais: Banco
Comercial e Agrícola (Rio de Janeiro); Banco da Província do Rio Grande
do Sul; Novo Banco de Pernambuco; Banco do Maranhão; Banco da Bahia
(1858). Na esfera privada, o Banco Econômico, Banco Almeida Magalhães,
Banco de Crédito Real de Minas Gerais, Banco de São Paulo (1875), Banco
do Comércio (1875) (VIEIRA, 1973, p. 416). A acumulação de capitais no
Estado de São Paulo levou à fundação do Banco de Crédito Real de São
Paulo, Banco Mercantil de Santos, Banco Comercial de São Paulo, Banco
da Lavoura de São Paulo e Banco Popular de São Paulo.
O laissez-faire reinava no sistema financeiro brasileiro. As instituições
bancárias tinham poder de negociar os títulos públicos, tomar depósitos e
emprestar dinheiro, sendo tarefa do governo a emissão de papel-moeda. A
expansão anárquica de papéis-moedas pelo governo elevou a inflação e corroeu
o poder de compra da limitada classe trabalhadora assalariada na época da
República. A descontrolada emissão de papel-moeda ficou conhecida como
Encilhamento, que culminou com a liquidação do Banco da República do
Brasil (quarto Banco do Brasil) no começo do século XX, elevando os índices
de inflação e permitindo a especulação financeira, a concentração de riqueza
em determinados setores, as falências, as fraudes e a quebra da Bolsa de Valores.
A expansão da economia cafeeira e a presença mais sistemática do
capital forâneo devido à ascendência do imperialismo nos EUA e na Europa
assegurou uma expansão do número de bancos no mercado interno na
última década do século XIX. Os bancos estrangeiros e nacionais mais que
duplicaram, passando de 38 para 89 estabelecimentos (SOCHACZEWSKI,
1993, p. 16); 17 bancos decretaram falência em 1900, entre eles o Banco

58
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

da República do Brasil. Somente no começo do século XX “surge em São


Paulo uma rede bancária talvez capaz de mobilizar meios e até mesmo
tentar substituir os estrangeiros nos negócios da cafeicultura” (VIEIRA,
s/d, p. 419). Isso se expressa na constituição do Banespa, que surgiu em
1909, com a tarefa de financiar as safras agrícolas dos produtores de café
paulistano, adquirir matérias-primas e operar investimentos industriais.

2.2 O nascimento da indústria brasileira no contexto de ascendência do


imperialismo
O desenvolvimento industrial brasileiro esteve relacionado ao
processo de expansão do imperialismo na segunda metade do século XIX,
especialmente à necessidade do capital financeiro de exportar seus capitais
excedentes. A fim de não perder o mercado brasileiro para as novas potências
imperialistas (EUA e Alemanha), os banqueiros britânicos elevaram seus
investimentos no território brasileiro, passando de 40 milhões de libras para
225 milhões de libras, entre 1880 e 1913. A concorrência entre os impérios
fez com que o número de empresas inglesas atuando no Brasil passasse de
11 para 25 empresas entre 1880 e 1890 (FAUSTO, 2006).
A ascendência do imperialismo e o fim da escravidão em 1888
colaboraram para que o capital britânico começasse a disputar o excedente
do processo de produção, além de controlar grande parte do processo
de exportação de café (transporte, financiamento e comercialização) e
importação de produtos industrializados. Os britânicos ampliaram sua
participação na economia nacional investindo na formação de empresas nos
setores de sapatos, tecidos, alimentos etc. Entre as empresas estabelecidas
se destacam a Companhia Clark Sapatos, a Cia. De Linhas para Coser, a
Alpargatas, e ainda investiram na segunda maior fazenda de café do país,
com mais de 5 milhões de pés de café. Isso resulta numa inversão dos
investimentos realizados, deixando de ser um mero controlador externo da
produção brasileira para se constituir como investidor no desenvolvimento
de determinados nichos do nascente mercado interno.
A expansão da unidade do capital industrial com o capital
financeiro, como se demostrou no primeiro capítulo, permitiu que os

59
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

EUA e a Alemanha superassem os britânicos no mercado internacional,


entre 1870 e 1914. As indústrias alemãs e americanas passaram a superar
a produção inglesa e francesa na produção de aço, ferro, petróleo, energia
elétrica, motores etc. Enquanto o mundo passava por uma segunda espécie
de Revolução Industrial, o Brasil não havia ainda alcançado a primeira
Revolução Industrial e continuava no mercado internacional como mero
produtor especializado “num artigo de sobremesa – o café” (FAUSTO,
2006). E mesmo assim, em diversas vezes havia sido superado na produção
de café pelos EUA; como havia sido superado no passado na produção de
outro artigo de sobremesa pelos holandeses: o açúcar. Não passava de um
produtor primário com uma série de debilidades e insuficiências, devido ao
seu permanente estado de dependência de empréstimos das Companhias
Comerciais das Índias Ocidentais e dos Bancos europeus.
A insuficiência e os limites da produção agroexportadora se revelam
na produção cafeeira ao eixo Rio-São Paulo, depois de haver constituído sua
economia basicamente no Nordeste brasileiro. De fato, nunca existiu um
desenvolvimento regular e homogêneo da produção agrícola no território
nacional. Assim, os capitais depositados no desenvolvimento da produção
açucareiro nordestino migraram para a produção cafeeira paulista, levando
consigo uma parte substancial de sua força de trabalho, uma vez que o
movimento espacial do trabalho acompanha o movimento do capital. É o
capital quem controla e determina o fluxo e o refluxo da força de trabalho
no modo de produção capitalista.
A industrialização estava praticamente restrita ao setor leve,
dedicada especialmente aos bens de consumo e concentrada no eixo Rio-
São Paulo, representando 46% das indústrias instaladas e 39% dos operários
existentes no país. A primeira grande fábrica têxtil brasileira, a Fábrica Brasil
Industrial, foi instalada em 1872 no Rio de Janeiro, “equipada com 24.000
fusos e quatrocentos teares, empregando quatrocentas pessoas e movida por
350 H.P. de energia hidráulica” (SUZIGAN, 2000, p. 142). O papel pioneiro
ocupado pelos cariocas deveu-se exclusivamente à expansão da plantação
cafeeira no Vale do Paraíba e na Zona da Mata de Minas Gerais, entre 1840
e 1883; toda a produção era levada para o porto do Rio de Janeiro.

60
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

Enquanto espaço central de importação, o capital acumulado na


produção cafeeira subsidiou seu complexo industrial, e outras fábricas têxteis
foram instaladas na região, tais como: Fábrica São Pedro Alcântara e Fábrica
Petropolitana (Petrópolis); Fábrica Pau Grande ou Companhia América
Fabril, Fábrica Aliança e Fábrica Santo Aleixo (SUZIGAN, 2000). Entre
1860 e 1880, estavam circunscritas somente a oito unidades. É nas décadas
seguintes que elas marcam presença no cenário nacional. No âmbito geral,
entre 1885 e 1895 o processo de constituição de novas unidades fabris
apontava que “22 se localizavam nas regiões Norte e Nordeste, dez em Minas
Gerais, duas em São Paulo, uma no Rio Grande do Sul, e doze na província
do Rio de Janeiro” (SUZIGAN, 2000, p. 147).
A predominância do setor têxtil no desenvolvimento industrial
brasileiro deveu-se ao baixo custo dos meios de produção e da força de
trabalho. O reduzido custo das forças produtivas possibilitou-lhe financiar
outros segmentos e setores indústrias. A partir da produção têxtil outros
complexos industriais foram alcançados, forjando-se uma classe operária
como antípoda ao sistema do capital. A contraposição seria notada pela
presença do movimento anarcossindical e socialista no interior da nascente
classe operária, formação ideológica incrementada pelos imigrantes
europeus introduzidos no espaço nacional.
No Brasil, o desenvolvimento da malha ferroviária não brotou da
acumulação propiciada pelo complexo fabril, mas dos capitais obtidos no
exterior mediante a política de empréstimos estatais ou da iniciativa do
capital ocioso britânico. Por isso a construção das primeiras ferrovias precede
a construção das grandes fábricas de tecido. A produção têxtil não financiou
o complexo ferroviário; este foi financiado pelo capital advindo da produção
cafeeira e da iniciativa privada de capitalistas ingleses, italianos, portugueses etc.
O fim da escravidão possibilitou também a liberação do capital
agroexportador aprisionado ao capital mercantil para o capital industrial e
financeiro, com a constituição de vários estabelecimentos manufatureiros,
especialmente na indústria leve (têxtil, chapéus, calçados, bebidas e
alimentício). O setor têxtil é nessa época o mais dinâmico e assentado sobre
relações genuinamente capitalistas, fundado na exploração do trabalho

61
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

assalariado. As atividades industriais de capitalistas como Matarazzo, Briccola,


Puglisi Carbone e Martinelli derivam das casas comerciais e bancárias
sustentadas inicialmente com as remessas de dinheiro dos imigrantes
para seus parentes no exterior. A administração de recursos financeiros de
terceiros, especialmente de seus patrícios pobres que “depositavam em suas
mãos para fossem remetidas à Itália, que ele usava temporariamente como
capital de terceiros” (MARTINS, 2013, p. 262), permitiu que Matarazzo
ascendesse no campo comercial, financeiro e industrial.
Matarazzo e Pugliese Carbone estiveram envolvidos, em 1900, na
formação do Banco Francese ed Italiano. Com a infusão de novos capitais
provenientes do Banco Commerciale Italiana, Pugliesi adquiriu empresas
como moinho de farinha, fábricas de meias, refinarias de açúcar etc. Nos
anos seguintes, aglutinaria holdings locais provenientes do Banco de Paris
et des Pays-Bas. Esse era o mundo dos negócios da nascente burguesia
industrial brasileira, que fez fortuna explorando a força de trabalho e a
poupança de seus patrícios.
O sistema financeiro subsidiou diretamente o desenvolvimento
industrial. Articuladas à instalação das indústrias, estabeleceram-se, no
começo do século XX, as agências bancárias, como as filiais no Brasil de
“Bunge and Born, J. and P. Costs, Clark Shoes, United Shoe Machinery
Company, Lidgerwood, The Rio Flour Mills and Granaries Ltd., a Société
des Sucreries Brésiliennes e a Fiat Lux” (DEAN, 2000, p. 273). A maioria das
agências bancárias estabelecidas no Brasil estava situada na região Sudeste,
demonstrando claramente sua vocação para atender às demandas postas pelo
crescimento econômico derivado da produção cafeeira, bem como o fluxo
e o refluxo de mercadorias. Essa economia tentaria combinar a importação
de produtos manufaturados (bens de produção e bens de consumo) com a
exportação de produtos agrícolas. Enquanto importava inúmeros produtos
(máquinas, produtos manufaturados, combustível, carvão, ferro, aço etc.),
exportava basicamente quatro produtos: café, borracha, cacau e manganês.
O café constituía mais da metade das exportações: 56,25% em 1908
e 65,90% em 1912. Nessa época, os bancos estrangeiros representavam
aproximadamente “45% do ativo total e operavam com a exportação de

62
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

café” (LEOPOLDI, 2003, p. 264). Os principais bancos estrangeiros


estavam representados pelos bancos britânicos London and Brasilian Bank,
London and South American Bank e British Bank of South Amerik, bem
como pelo americano Citybank.
A Primeira Guerra Mundial revelou os grandes gargalos da economia
brasileira e da burguesia nacional. A dependência externa da moeda
estrangeira, na forma do ouro ou da libra esterlina, e a dependência dos bens
de produção paralisaram ou diminuíram muitas das atividades econômicas.
A redução da demanda por café no mercado internacional levou a burguesia
nacional a deslocar parte de seu capital para a produção de borracha, carne
enlatada e para a exportação de manganês (região de São del Rei – MG).
A captação de recursos atrelada exclusivamente à exportação
de café e borracha deixava a estrutura estatal brasileira num terreno de
vulnerabilidade que será aguçada com a Primeira Guerra Mundial, pois
com ela se bloqueava a possibilidade de aquisição de bens de capital e bens
duráveis no exterior. A redução das exportações foi acompanhada pela
redução do preço do café no mercado internacional, que duplicou o déficit
da balança entre 1913 e 1919. Isso seria compensado somente na década de
1920, com a presença de capital americano e alemão.
Enquanto os ingleses pressionavam o governo brasileiro para
entrar na guerra do lado da Tríplice Entente (bloco formado por Inglaterra,
França e Rússia), este procurava barganhar ao máximo sua posição, visando
favorecer seus negócios no mercado internacional. Nesse ínterim, continuava
a preservar os bancos alemães no Brasil, para operar suas transações com
sacas de café estocadas nos portos alemães. A aproximação do Brasil com o
principal representante do bloco da Tríplice Aliança (Alemanha, Áustria e
Itália) preocupava os ingleses, que tinham na negociação da dívida externa
um forte mecanismo de pressão. Importante destacar que a dependência da
economia brasileira não estava circunscrita somente aos ingleses, porquanto
também dependia do alemão para efetivar o processo de comercialização
do café (pela mediação da empresa Theodor Wille) e outros produtos nos
principais mercados do mundo.
Essas relações prorrogaram a decisão final brasileira, pois o governo
brasileiro sabia como navegar nas águas turbulentas da guerra e procurava

63
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

tirar proveito tanto do Império alemão quanto do Império britânico. O


pragmatismo brasileiro foi observado quando continuou adiando sua posição
mesmo depois que seus navios mercantes foram bombardeados pelos navios de
guerra alemães. Importante destacar que a ausência de liberalidade do governo
britânico (Banco da Inglaterra e Tesouro Britânico) decorria do processo de
deterioração de suas reservas com os gastos crescentes da guerra. Para poder
manter-se na empreitada imperialista da guerra, a Inglaterra precisou buscar
auxílio financeiro e material dos EUA. A transferência semanal de capitais
estadunidenses foi assegurada mediante a entrega de recursos e investimentos
ingleses existentes no território americano. Isso indicava a incorporação de
muitos dos negócios britânicos realizados em distintas partes do mundo.
A restrição de recursos da parte dos banqueiros britânicos era
compensada no mercado internacional pela ampliação das reservas dos
banqueiros americanos. Para enviar reiteradas remessas de capital aos
britânicos, os banqueiros americanos instalados no FED exigiam um
levantamento detalhado dos investimentos do Reino Unido nos EUA.
Além disso, exigiam que os empréstimos concedidos tivessem como
endereço exclusivo o Reino Unido e não fossem desviados para alimentar
outras praças, pois os ingleses usavam os recursos captados para investir na
Rússia, no Brasil e nas suas colônias. O veto tinha como propósito impedir
que os ingleses especulassem com recursos americanos e obrigassem os
países carentes de recursos a bater diretamente na porta dos EUA.
O financiamento da guerra permitiu que o Tesouro estadunidense
tirasse proveito de ambos os lados (Tríplice Entente e Tríplice Aliança) e
superasse o Tesouro britânico no controle da economia mundial a partir
de 1917. O itinerário adotado representaria um percurso sem volta, em
que os ingleses começariam a experimentar um périplo descendente da sua
escala imperialista de controle da economia mundial. A guerra iniciada em
1914 implicou não somente a dissolução e o colapso do Império Otomano
(Império Austro-Húngaro) e da dinastia russa e alemã, mas conduziria
também ao colapso da hegemonia absoluta do imperialismo inglês.
A Primeira Guerra Mundial resulta do descontentamento e
das querelas decorrentes da velha partilha do mundo entre as potências

64
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

beligerantes. A partilha dos mercados “impele fatalmente aos conflitos entre


grupos nacionais do capital” (BUKHARIN, 1984, p. 79). Para isso, torna-se
imprescindível o complexo industrial-militar. O desenvolvimento do capital
financeiro promove indubitavelmente o imperialismo, e o imperialismo tem
sua mais plena efetivação na guerra em grande escala. Escreve Bukharin
(1984, p. 128): “O imperialismo é a política do capitalismo financeiro”. O
capitalismo mais desenvolvido ou o capitalismo maduro significa imperialismo.
Nessa etapa do capital, a intensificação da concorrência entre capitais acaba
conduzindo à guerra. Há uma relação intrínseca entre capital financeiro,
imperialismo e complexo industrial-militar, demonstrando claramente o
caráter destrutivo e senil do capital na sua etapa mais desenvolvida.
Quando os empréstimos ao Reino Unido começaram a definhar, o
Tesouro americano assumiu, na prática, o controle da economia britânica
e do financiamento dos negócios britânicos no mundo. Como credores,
os Estados Unidos passaram a cobrar desempenho do Reino Unido na
utilização desses recursos. Proibiram Londres de praticar, sem autorização,
o financiamento internacional com recursos do Tesouro americano.
Apesar de colocar diversos entraves para a utilização dos empréstimos, a
economia americana foi mais do que recompensada com a nova política
de empréstimos. Os recursos tendiam a voltar de maneira dupla para o
país: como pagamentos dos empréstimos e como aquisição de produtos
americanos no mercado internacional. Estes recursos permitiram aos
Estados Unidos estabelecer novas regras para a economia internacional
por meio da criação de um banco internacional destinado tanto aos países
aliados da Inglaterra quanto aos países aliados da Alemanha.
O desenvolvimento incompleto do capitalismo brasileiro estabelecia
a necessidade de um acordo mais plástico com o imperialismo americano e
com o imperialismo alemão. Para colocar o Brasil na sua zona de influência,
Washington estava disposto a liberar os recursos necessários para transferir a
dependência da burguesia brasileira de Londres para Nova Iorque; por isso
continuou a desconsiderar o namoro do governo brasileiro com os banqueiros
alemães na década de 1920. A partir dos acordos estabelecidos, parte das dívidas
contraídas com os britânicos foi transferida para os EUA, assumindo o dólar
um papel preponderante nas transações comerciais, em detrimento da libra.

65
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

Antes da Primeira Guerra Mundial, a presença das multinacionais


no Brasil não passava de nove; no contexto da guerra, subiram para 14; na
década de 1920, são criadas 27, e na década de 1930 totalizam 83 empresas.
As fábricas que precederam aos anos do primeiro conflito mundial estavam
voltadas ao atendimento das necessidades do setor agrário, produzindo
máquinas, implementos agrícolas e pequenos tornos. As mais recentes,
como a Bardella Indústrias, produziam “bombas hidráulicas, pontes
rolantes, pequenas turbinas etc.” (SUZIGAN, 2000, p. 295). Na época
da guerra, algumas empresas se dedicam à produção de elevadores e de
máquinas para indústria de bebidas. No entanto, é somente na década de
1920 que a produção de máquinas leves e pesadas se intensifica.
Na década de 1920 se irradia a produção de forjas, tornos, máquinas-
ferramentas, bombas (hidráulicas, centrífugas e rotativas), termômetros,
maçaricos e máquinas para a indústria têxtil, agrícola, carpintaria, óleo,
lavanderias, construção civil, siderurgia etc. Entre as empresas estrangeiras que
atuaram nesse complexo, destacam-se: Máquinas Agrícolas Romi, General
Electric S.A., International Harvester Máquinas, Fichet & Schwartz, S.A.
White Martins, Estamparia Caravelas, Equipamentos Wayne do Brasil,
Funtimod S.A., Adressograph-Multigraph do Brasil S.A. (SUZIGAN, 2000).
Em pequena escala, algumas empresas se aventuraram a produzir
locomotivas, vagões e carros ferroviários, bem como pequenas embarcações,
automóveis e ônibus. Entretanto, a produção de automóveis e caminhões
era basicamente importada e montada no país pelas subsidiárias da General
Motors, da Ford e da Chrysler. A crise da Bolsa de Valores em 1929 e a
recessão internacional serão um ponto de inflexão para a expansão do capital
industrial e financeiro no Brasil, implicando a diminuição dos investimentos
realizados pelos Estados Unidos no período posterior à Primeira Guerra
Mundial, quando a presença do capital de origem britânica perdeu a posição
de primeira grandeza. A crise serve de base para a passagem da etapa da
industrialização restringida ao modelo “substituição de importações” ‒ tanto
na indústria leve quanto na indústria pesada ou indústria de base.

66
CAPÍTULO Iii
A INDUSTRIALIZAÇAO DO BRASIL E A NECESSIDADE DO
CAPITALISMO MONOPOLISTA DE ESTADO (1930-1964)
Quem construiu a Tebas [Brasília] de sete portas?
Nos livros estão nomes de reis:
Arrastaram eles os blocos de pedra?
B. Brecht

Num contexto de crise econômica internacional profunda, uma


economia dependente e subordinada ao capital estrangeiro como a do
Brasil deve continuar realizando suas tarefas fundamentais de expropriação
e exploração do trabalho. Havia uma profunda dificuldade para o capital
industrial realizar-se pela mediação do setor privado, porque a burguesia
nacional não fizera o salto-mortal do capital mercantil para o capital
industrial de forma autônoma, e muito menos do capital industrial para o
capital financeiro. O padrão da acumulação capitalista – seja ela acumulação
primitiva de capitais forjada sobre a expropriação de terras e riquezas dos
indígenas ou a acumulação ampliada do capital na forma da exploração direta
de mais-valia – não havia permitido a plena efetivação do parque industrial
brasileiro devido ao processo de colonização lusitana e neocolonização
inglesa. A drenagem da riqueza produzida para o exterior impedia que a
mais-valia apropriada fosse realizada e capitalizada em território nacional.
O único setor que conseguiu alterar o círculo vicioso existente, sem quebrar
com o monopólio britânico, fora a burguesia cafeeira paulista.
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

A burguesia nacional estava muito aquém da tarefa histórica a


que era interpelada, devido ao baixo padrão da acumulação e à reduzida
taxa de acumulação das indústrias aqui estabelecidas; além disso, persistia
um quantum substancial da riqueza sendo forjado nos termos da mais-
valia absoluta, haja vista que as máquinas e os equipamentos utilizados
estavam abaixo do padrão internacional. Grande parte dos meios de
produção comercializados e que entrava no país eram de qualidade
questionável. As anacrônicas máquinas e os equipamentos superados
e que não serviam para o desenvolvimento industrial dos centros
econômicos eram vendidos para os capitalistas brasileiros. Desse modo, a
indústria nacional estava completamente incapacitada de concorrer com
a grande indústria internacional.
O tempo de trabalho necessário para a produção de bens
industrializados estava sempre acima do adotado nas economias mais
desenvolvidas. Isso impedia que a burguesia industrial brasileira usufruísse
qualquer posição confortável no mercado externo. O tempo de trabalho
necessário para a produção de mercadorias estava sempre acima da média
do tempo adotado, fazendo com que o valor das mercadorias produzidas
no mercado doméstico não tivesse condições de concorrer com os produtos
importados. Assentado essencialmente na mais-valia absoluta, o complexo
industrial brasileiro conseguia se desenvolver devido aos incentivos
internos concedidos pelo aparato estatal e pelo limite interno do sistema de
circulação de mercadorias. No entanto, o desinteresse do capital estrangeiro
para estabelecer suas filiais no mercado interno abria espaço para que o
setor mais dinâmico da produção agroexportadora deslocasse seu capital
ocioso para o complexo industrial nas primeiras décadas do século XX.
O cenário para o desenvolvimento da indústria nacional foi colocado
de maneira categórica pela Primeira Guerra Mundial. Muitos setores da
economia nacional tiveram diminuída sua capacidade produtiva devido
à relação de dependência de muitas mercadorias do mercado exterior.
Na década de 1920, a diminuição da hegemonia inglesa do processo de
exportação e importação das mercadorias foi compensada pela presença do
capital americano, alemão e francês. No entanto, a crise de 1929 revelou a

68
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

necessidade de a burguesia industrial brasileira superar sua função de mero


coadjuvante no desenvolvimento do mercado interno.
A necessidade de o Estado intervir plasmou-se de forma categórica
porque o setor mais dinâmico da economia nacional também estava
envolvido na crise que acometia a economia internacional. A solução não
poderia ser apresentada pela fração mais dinâmica do capitalismo brasileiro,
pois a produção cafeeira estava no centro da tempestade, e ela mesma não
tinha como resolver a crise de superprodução sem o anteparo do Estado.
A burguesia industrial, por sua vez, não tinha alcançado um estágio de
desenvolvimento que pudesse emancipar a si mesma e à burguesia
agroexportadora das imposições do mercado internacional, uma vez que
seu padrão de acumulação era baixo e patinava na tentativa de alcançar um
processo de acumulação expressiva para fazer elevados investimentos no
mercado interno.

3.1 O bonapartismo do governo Getúlio Vargas e o modelo substituição


de importações
A trajetória descendente da presença inglesa no Brasil será
sacramentada com o crack da Bolsa de Nova Iorque de 1929 (seguido pela
depressão dos anos 1930), que abriu uma oportunidade para a suspensão
das interferências exógenas no mercado brasileiro e estabeleceu precedente
para uma participação mais decisiva da burguesia nacional pela mediação
do Estado, haja vista que nenhuma das frações da burguesia nacional era
capaz de superar a crise em que a economia nacional se achava lançada.
A grande guerra permitiu que os EUA incorporassem aos seus
interesses grande parte dos negócios ingleses em várias partes do mundo.
Isso permitiu que a econômica americana ampliasse sua capacidade
produtiva em escala representativa e estimulasse a ampliação de oferta de
mercadoria-dinheiro e outras formas de mercadorias em escala crescente
em várias partes do mundo. O crescimento econômico se irradiou por
todos os complexos econômicos, crescendo o setor automobilístico e o setor
energético numa taxa de 33% entre 1923 e 1929. O faturamento comercial
passou de 236 bilhões de dólares para 1,25 bilhão de dólares no mesmo

69
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

período (GIAMBIAGI et. alli.) O crescimento do capital financeiro


permitiu a elevação do financiamento do consumo das massas de bens
duráveis como automóveis e moradias.
A expansão desmedida do capital, posta pelos tempos do laissez-
faire do mercado, acabou no dramático crash da Bolsa de Valores de 1929.
O frenesi por novos mercados culminou numa crise interna nas economias
mais desenvolvidas, que precisavam estacionar seu ímpeto externo
para reorganizar sua própria casa antes de partir para uma nova onda
expansionista. Esta foi obstaculizada por outra grande guerra mundial,
sem que a burguesia europeia tivesse tempo nem mesmo de arrumar
internamente sua casa.
O imperialismo americano tentava sempre suprimir as crises localizadas
de várias partes do mundo com a expansão da oferta de moeda e de créditos,
fazendo crescer tanto a produção de dinheiro sem lastros efetivos na economia
quanto os negócios financeiros na Bolsa de Valores de Nova Iorque.
O principal fator que contribuiu para a Crise de
1929 foi a expansão de crédito, emitido pelo Federal
Reserve System – Sistema de Reserva Federal – (uma
espécie de Banco Central Americano) desde 1924,
ainda sob o governo do presidente Calvin Coolidge.
[…] A medida de expansão de crédito tornava as
taxas de juros artificiais, sem lastro com as reservas
de crédito reais, que eram ancoradas na poupança. Os
investidores que tinham ações na Bolsa de Valores de
Nova Iorque recebiam um sinal falso da expansão de
crédito e, consequentemente, acabavam por ampliar os
seus negócios, aumentar salários, e investir ainda mais.
Este processo gerou uma “bolha inflacionária”, pois, em
1929, chegou um momento em que não se podia mais
esconder o caráter artificial da expansão econômica:
havia muito dinheiro emitido circulando, mas sem
valor real com a produção (FERNANDES, 2019, p. 1).

O movimento contraditório do capital se revelava na perseguição


brusca e violenta de novos mercados para os aglomerados internacionais.

70
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

Nessa espécie de orgia báquica pela expansão da produção de mercadorias


em suas distintas formas, inclusive de expansão da forma mercadoria-
dinheiro no campo do capital fictício, os grandes centros financeiros
conheceram a grande crise de 1929 e a grande depressão que seguiu a
economia mundial, com profundo refluxo dos mercados de importação
e exportação.
A Bolsa de Valores de Nova Iorque conheceu seu boom em
março de 1929, crescendo de maneira acelerada seus investimentos sem
correspondência efetiva com o mundo da produção. O capital fictício
sofreu profundo revés na fatídica Quinta-Feira Negra de 24 de outubro de
1929, quando se sucedeu a venda de 12.894.650 ações, fazendo precipitar
o valor das ações; seguida pela Terça-Feira Negra, em que 15 bilhões de
dólares despareceram no ar como fumaça, demonstrando a natureza
essencialmente abstrata do capital fictício. A exacerbada confiança dos
capitalistas estadunidense (FED) no sistema do capital obstaculizou uma
intervenção mais rápida nas manifestações de crise do sistema em setembro
de 1929 (ROSSINI, s/d, p. 2-3).
A recessão tomou conta da economia americana, fazendo com que
sua produção industrial caísse 50%, a produção de bens de equipamentos
encolhesse 75%, reduzindo o valor dos salários à metade. A falência do
sistema financeiro americano nunca foi tão visível: aproximadamente 40
bancos entravam em processo de falência diariamente, fazendo com que
5.096 bancos suspendessem as ordens de pagamento entre 1929 e 1932
(ROSSINI, s/d, p. 2-3). A depressão econômica americana repercutiu sobre
a economia mundial, promovendo um efeito dominó especialmente nas
economias dependentes como a brasileira.
A crise de 1929 representou certo entrave ao movimento ascendente
de subordinação da economia brasileira aos imperativos dos banqueiros
americanos. A crise iria retardar por duas décadas a subordinação absoluta
da economia brasileira aos imperativos das multinacionais americanas e
aos aglomerados internacionais associados. Para recuperar sua capacidade
financeira internamente, os EUA serão beneficiados pelo advento da
Segunda Guerra Mundial. As duas grandes guerras serviram para elevar

71
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

o capital americano à posição hegemônica anteriormente desfrutada pelo


capital inglês.
A recessão internacional promovida pela queda da Bolsa de Valores
em 1929 obrigou o governo Getúlio Vargas (1930-1945) a adotar medidas
de controle do mercado financeiro, visando afugentar a fuga de capitais
estrangeiros, pois com os primeiros indícios de crise os bancos ingleses
e americanos retiraram grande parte de seus investimentos e aplicações,
destruindo as reservas de divisas acumuladas do Brasil no mercado externo.
Por sua vez, a desvalorização do câmbio impedia o pagamento da dívida
externa. Isso implicou também uma expressiva diminuição do papel dos
bancos estrangeiros na condução dos negócios brasileiros. O laissez-faire do
mercado precisava ser submetido a determinados mecanismos de controle.
A liberalidade econômica tinha sido um dos vetores essenciais da
crise que acometeu o sistema financeiro e o capital produtivo em 1929,
haja vista que a superprodução de capital-dinheiro e do capital-mercadoria
havia levado ao colapso da Bolsa. A crise econômica mundial resultou da
superprodução e não da escassez. Pelo fato de a superprodução não ser
acompanhada pela elevação de capacidade de consumo das massas e de
exacerbar a produção de mercadorias que são essenciais à reprodução do
capital e não aos efetivos interesses da humanidade, o sistema do capital
acaba produzido uma série de mercadorias que importam apenas aos
mecanismos da reprodução ampliada do capital e não aos interesses efetivos
daqueles que são responsáveis pela constituição efetiva do conteúdo material
da riqueza da sociedade.
A contração do mercado internacional, orientado pela crise
econômica que envolveu as principais potências mundiais (EUA, Inglaterra,
França e Alemanha), obrigou as burguesias das economias latino-americanas
– sob lideranças nacionalistas e industrialistas como Getúlio Vargas no Brasil,
Cárdenas no México, Ibañez no Chile, Perón na Argentina, Paz Estensoro
na Bolívia, Alvarado no Peru e Caldera na Venezuela – a procurar uma
alternativa interna ao processo de acumulação de capitais que somente se
realizava no exterior. Isso impunha a necessidade de desenvolver e aperfeiçoar
a produção interna, especialmente aquela que mais dependia do mercado

72
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

internacional, como os produtos industrializados, haja vista que nenhum país


da América Latina possuía sua industrialização em nível sofisticado; todos
eram incipientes na produção química, metalurgia, siderurgia, energética,
têxtil, transportes etc. Havia necessidade de superar o anacrônico itinerário
da produção agroexportadora, mas faltavam as condições objetivas para isso.
Num tempo histórico perpassado pela natureza destrutiva do capital
financeiro, revelado na Primeira Guerra Mundial e na crise de 1929, o Estado
é invocado para servir de anteparo aos problemas econômicos do capitalismo.
A possibilidade de intensificação da luta de classes, nas quais os trabalhadores
poderiam oferecer sérias resistências ao movimento ascendente do capital
através das greves, dos comitês de fábricas e dos conselhos operários, levou o
capital financeiro a procurar assegurar seus interesses mediante a recorrência
ao fascismo na Itália; posteriormente, o nazismo na Alemanha; o franquismo
na Espanha e o salazarismo em Portugal etc.
A depressão econômica da década de 1930 colocou a necessidade
de intervenção estatal na economia mundial para estabelecer as condições
fundamentais para a Segunda Guerra Mundial, como forma de o capital
deslocar suas contradições. Como Bonaparte III (sobrinho de Napoleão
Bonaparte) na França, Getúlio Vargas no Brasil semelhava uma espécie de
salvador de todas as classes afetadas pela crise do mercado internacional.
O termo “bonapartismo”4 foi adotado por Karl Marx em sua obra 18
Brumário para caracterizar o establishment instituído na França em 1851
pela mediação de um golpe de Estado. Segundo Demier (s/d, p. 1):

Em termos gerais, o “bonapartismo” expressa um tipo


de regime no qual o Estado (e por consequência a
própria figura do chefe de Estado) parece se elevar
por cima das classes sociais em conflito para assegurar
a “ordem” e a “paz social”, dada a impossibilidade de
qualquer classe ou fração de classe resolver sozinha
a questão do poder. Para manter-se como classe
4
Segundo Iglesias (p. 278), “bonapartismo foi empregado por Marx em estudo clássico
sobre Napoleão III: vem a ser a ação do Estado, por um executivo forte, de arbitragem
entre as classes, de modo a assegurar a estabilidade necessária para o desenvolvimento, sob
a direção da burguesia”.

73
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

dominante, a burguesia necessitaria abdicar, ela


própria, da direção política “direta” da nação, relegando
tal função ao aparelho de Estado, com destaque para a
burocracia e as Forças Armadas.

A alteração da composição política reinante pelo expediente do golpe


de Estado dera-se no processo de passagem do Império para a República, em
que a estrutura decorrente da Guerra do Paraguai abriu caminho para que a
burguesia do centro mais dinâmico da economia nacional assumisse o poder
político. Numa economia agroexportadora, forjada ao longo dos séculos para
atender às demandas do mercado externo, que visava atender ao processo
de reprodução ampliada do capital, inexistia alguma fração particular da
burguesia que pudesse assumir função protagonista. Esclarece Dreifuss
(1981, p. 22), “Nenhum dos grupos participantes dos mecanismos de poder
– as classes médias, os setores agroexportadores, a indústria e os interesses
bancários – foi capaz de estabelecer sua hegemonia política e de representar
seus interesses particulares como sendo interesses gerais da nação”.
A tentativa de conciliar os interesses divergentes da burguesia
estrangeira com a burguesia nacional, da burguesia agrária com a burguesia
industrial, da pequena burguesia com a grande burguesia, da burguesia com o
proletariado e os camponeses, colaborou para a ascendência de Getúlio Vargas
ao poder central. No entanto, se Getúlio não existisse, outra personalidade
política deveria assumir seu posto político para assegurar a realização das
tarefas impostos pelo momento histórico.
O movimento econômico nacional sofrerá uma inflexão com a crise
da Bolsa de Valores de 1929 e a grande depressão que perpassou a economia
mundial na década de 1930. A expansão industrial brasileira não teve nada de
idílico; ela se inscreveu sob o signo da repressão aos movimentos operários, em
que a luta pela melhoria das condições de trabalho e a interceptação do processo
de aprofundamento crescente da riqueza produzida pelos trabalhadores sempre
foram tratadas como caso de polícia.
O denominado Estado Novo representou a continuidade das
políticas sociais estabelecidas depois dos grandes movimentos grevistas
e de contestação que marcaram o final da Primeira Guerra Mundial.

74
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

Os mecanismos coercitivos colocados em curso na década de 1920, que


culminaram num processo de dizimação do movimento anarcossindical,
foram preservados na década de 1930. A política de conciliação de classe
estabelecida por Getúlio Vargas (1930-1945) emerge dos escombros de
uma profunda repressão aos movimentos operários combativo, dotados não
somente de uma consciência de classe em-si, mas de uma consciência de
classe para-si. O desaparecimento dos elementos combativos no interior
do movimento operário nos centros mais dinâmicos de desenvolvimento
do capitalismo brasileiro teve seus antecedentes com a intensificação da
natureza coercitiva do Estado.
Getúlio deveria representar não apenas os interesses contraditórios
que perpassava o capital e o trabalho, mas as contradições que permeavam as
distintas frações da burguesia agrária com a nascente burguesia industrial. A
incapacidade da burguesia nacional para forjar qualquer projeto de superação
de sua condição subalterna no cenário internacional colocava a necessidade
do protagonismo de uma figura política que pudesse estabelecer uma nova
relação com o capital internacional. O compartilhamento da hegemonia
inglesa com os americanos e franceses nas primeiras décadas revelava que
a burguesia brasileira não demonstrava determinação para quebrar com
a sua vocação agroexportadora mesmo quando estabelecia as bases para
o futuro desenvolvimento do processo de “substituição de importações”.
Em outras palavras, a burguesia brasileira não demonstrava condições de
superar sua posição coadjuvante da burguesia internacional e a posição de
criada de quarto dos interesses do capital financeiro que assumia posições
protagonistas no contexto internacional.
Nesse cenário, a crise internacional de 1929 ensejou a oportunidade
para uma relativa autonomia da burguesia nacional perante a burguesia
internacional. No entanto, o baixo nível de acumulação operado pela burguesia
industrial e a profunda dependência da burguesia agrária do mercado externo
tornavam imperativa a constituição de um sistema político que assumisse
papel protagonista no processo de desenvolvimento das forças produtivas.
O papel que a força extraeconômica do Estado passava a
incorporar não resultava do mero esforço subjetivo de Getúlio Vargas,

75
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

mas das condições postas pela dinâmica do desenvolvimento dependente


da economia brasileira. O Estado pôde emergir como uma espécie de
demiurgo da economia devido ao processo histórico e à amplitude de
seu mercado interno, a despeito das condições nada homogêneas de sua
formação socioeconômica. Com o respaldo da burguesia industrial, da
pequena burguesia, dos militares e de algumas frações da velha burguesia
agrária, Getúlio Vargas tentaria assegurar a realização da industrialização,
disciplinando a classe trabalhadora pela mediação da coerção e da persuasão,
depois de haver eliminado a oposição sistemática existente no seio do
proletariado nacional na década de 1920.
O pacto entre a burguesia e o proletariado se fazia necessário
para enfrentar as dificuldades impostas pelo imperialismo financeiro num
contexto em que os Estados nacionais das grandes potências concentravam
sua atenção na superação de seus problemas internos. O realismo econômico
indicava a necessidade de alterar a configuração da produção brasileira,
centrada na exportação de produtos primários. Escreve Bandeira (1978,
p. 248): “As exportações brasileiras para o Brasil aumentaram 64,80%, em
1936, e 130,8%, em 1937, tomando como base os níveis de 1933, enquanto
o incremento das exportações brasileiras para os Estados Unidos não passou
de 23,44 e 46%, no mesmo período”.
O acordo de reciprocidade estabelecido serviu para beneficiar
essencialmente os Estados Unidos. As empresas inglesas, americanas e
alemãs, como Royal Dutch-Shell e Standard Oil Company, aguçavam seus
apetites imperialistas muito mais na perspectiva de assegurar o controle das
riquezas naturais do que em explorar suas potencialidades adormecidas em
benefício do desenvolvimento industrial da economia brasileira, pois não
tinham interesse de estabelecer filiais no Brasil.
A voracidade das disputas dos trustes e cartéis americanos e alemães
para controlar a economia brasileira na década de 1930 era contida pelo
cenário internacional de instabilidade. O nacionalismo ofertava uma
unidade ideológica ao movimento de ascendência do capital industrial
internamente, sem representar uma ruptura definitiva com o mercado
exterior. A diminuição das exportações foi resultado da contração do mercado

76
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

internacional e não de uma decisão deliberada da potência econômica ou das


forças extraeconômicas. A complexa dependência da economia brasileira ao
modelo agroexportador de café para os EUA e os principais mercados da
Europa resultou numa profunda crise na primeira década de 1930; o Estado
foi chamado a intervir para salvar os capitalistas em crise.
A fuga de capitais intensificou a crise interna. Segundo Cano (2012,
p. 141), “a insistência na política de livre conversibilidade, ainda vigorando
em plena crise, faria que, além da grande fuga de ouro e divisas, se gerasse
forte redução do meio circulante, que passa de 3,4 milhões de contos
para 2,8 milhões de contos entre 1929 e 1930”. A fuga de capitais e o
rebaixamento do valor das commodities no mercado internacional propiciou
uma desvalorização da moeda nacional na ordem de 60%.
A crise internacional travou a possibilidade de atração de
empréstimos externos e obrigou a burguesia nacional (fazendeiros, industriais,
comerciantes e banqueiros) a superar suas divisões internas e estabelecer
uma política de conciliação de classe na perspectiva de subordinar o trabalho
aos seus propósitos de expansão. Isso não significa deixar de reconhecer a
existência de contradições e oposição entre os cafeicultores paulistas e o
governo Vargas, enquanto representante da burguesia industrial e financeira
nacional; tratou-se apenas de uma conciliação entre as frações internas da
burguesia e do reconhecimento da necessidade de alterar a rota econômica
centrada na prioridade de o Estado continuar a financiar a produção cafeeira.
Nesse aspecto, a denominada “revolução de 1930” não passou de um
rearranjo entre as classes dirigentes, pois o monopólio do poder político da
burguesia paulista precisava ser quebrado para assegurar os interesses da
burguesia nacional. Getúlio Vargas não rompeu com a burguesia paulista,
basta lembrar que tinha como ministro da Fazenda o banqueiro paulista
José Maria Whitaker. O país tomou um empréstimo de 20 milhões de libras
esterlinas em 1930 para evitar a falência dos cafeicultores de São Paulo.
Em 1935, estabeleceu um acordo comercial com os EUA que preservou a
inserção tarifária nas importações de café feitas pelos governos anteriores.
Para beneficiar os produtores de café, o Estado operou no
mercado com uma política de desvalorização da moeda nacional,

77
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

aplicando multa aos novos pés de café plantados, retendo e comprando


os estoques de café existentes. Foram dizimadas, entre 1931 e 1944,
aproximadamente 78 milhões de sacas de café. Apesar da política de
conciliação, Getúlio Vargas enfrentou dificuldades com os cafeicultores;
uma delas se expressa na “revolução constitucionalista” de 1932, em que
forças paulistas e o governo federal se enfrentaram em armas.
O Estado destruiu 78 milhões de sacas de café, torrando recursos
públicos oriundos da classe trabalhadora. A rentabilidade do referido
complexo foi assegurada pela redução nominal dos salários em 1/3
na década de 1930. Isso demonstra os limites da afirmação de que o
desenvolvimento da industrialização foi financiado pela produção cafeeira
(FURTADO, 2005). A produção cafeeira e a industrialização foram
financiadas primeiramente pelos trabalhadores, pela mediação das políticas
de expropriação dos trabalhadores (escravos, colonos, camponeses) e pela
exploração do trabalho assalariado.
A base da constituição do capital industrial é a exploração do
trabalho assalariado, enquanto o capital mercantil explora o trabalho
escravo. O capital mercantil marcou tanto a trajetória do século XIX quanto
o começo do século XX. As relações genuinamente capitalistas foram
observadas no desenvolvimento do capitalismo em São Paulo e no Rio de
Janeiro, como espaços mais dinâmicos da economia brasileira; nos demais
espaços predominaram as relações pré-capitalistas, em que reinavam as
relações análogas ao trabalho escravo.
O capital oriundo da exploração do trabalho na produção cafeeira
e em vários outros complexos econômicos financiou o desenvolvimento
da industrialização do Brasil desde o final do século XIX, porque
inexistia interesse externo em promover a autossuficiência na produção
manufatureira leve ou pesada. Por isso as iniciativas de industrialização
emanaram de determinados setores da burguesia nacional e da maquinaria
estatal, que buscavam recursos no exterior a fim de operar um processo de
acumulação de capitais decorrentes tanto da exploração do trabalho nos
marcos do capital mercantil (trabalho escravo) quanto do capital industrial
(trabalho assalariado).

78
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

A recessão que marcava a principal economia mundial impedia que


o governo Vargas continuasse preservando os interesses dos cafeicultores
paulistas sem contaminar negativamente a economia nacional. Tornou-
se inviável continuar apostando no café como principal suporte da
economia brasileira, sendo essencial operar uma inversão de capitais
devido à crise da superprodução cafeeira e à ausência de mercados
externos. Para isso, Vargas contará com o apoio da burguesia industrial
(Roberto Simonsen e Euvaldo Lodi), que considerava fundamental
o desenvolvimento industrial sem romper com o setor agrícola. A
política econômica estabelecida no sentido de implementar o modelo
“substituição de importações” não representava uma ruptura com o
capital financeiro internacional nem com o capital estrangeiro.
Por questões objetivas, a burguesia nacional não podia romper
definitivamente com o capital estrangeiro; já a intervenção estatal na
economia decorria da incapacidade do capital estrangeiro preservar o
volume de exportação existente na década de 1920 e da incapacidade da
burguesia nacional para expropriar e intensificar a exploração do trabalho
sem o auxílio do Estado. As políticas estatais não representavam uma
ruptura com o capital estrangeiro, mas o estabelecimento duma relação
em que os interesses do capital deveriam ser assegurados mediante a
intensificação da exploração do trabalho agrícola e industrial.
A unidade entre burguesia industrial e burguesia agrária demonstrava
que as classes dominantes sabiam perfeitamente que classe ela precisava
combater. A unidade deveria se estender ao capital estrangeiro. A resolução
dos problemas deveria ser coordenada pelo Estado. Ao tentar beneficiar a
burguesia nacional, o novo governo pedia licença ao capital estrangeiro para
desenvolver o mercado interno ao capital produtivo (industrial e agrário), sem
deixar de fora o sistema financeiro, mediante a expansão do sistema bancário
nacional privado e estatal.
A expansão da indústria nacional nas décadas de 1930 e 1940
resultou da interceptação de bens de consumo no mercado externo e da
intensificação dos bens de produção ou capital constante. Isso implicou
uma reviravolta substancial na forma de ser da economia brasileira. O salto

79
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

qualitativo do desenvolvimento industrial se manifesta na passagem da taxa


de crescimento de 1,7% entre 1928 e 1932 para 10% entre 1932 e 1939. Os
setores com maior índice de crescimento foram: borracha (53%), cimento
(25%), papel (22%), siderurgia (20%) (FAUSTO, 2007). As medidas de
estímulo à industrialização, colocadas em curso com o Estado Novo (1937-
1945), operaram uma integração do mercado nacional aos imperativos
capitalistas, permitindo que a indústria de transformação crescesse numa
taxa anual de 7,8% em escala nacional e 9,8% em São Paulo (CANO, 2015,
p. 448). As medidas adotadas de alinhamento e organização da economia
viabilizaram um crescimento significativo do setor têxtil, químico, papel,
cimento, aço, pneus etc. O estreitamento dos laços estabelecidos entre o
mercado nacional e o mercado internacional obrigou o Estado a intervir
de maneira categórica na economia pós crise de 1929. Isso permitiu uma
expansão industrial anual de 11% entre 1933 e 1938.
Este crescimento não implicava uma clara recusa à inserção
de tecnologia estrangeira, pois a capacidade de concorrer com as
grandes corporações e instituições financeiras internacionais estava
impossibilitada, já que inexistia capacidade de investimento em pesquisa
e tecnologia. A dependência econômica também se fazia sentir na esfera
da investigação científica com transferência de tecnologia, uma vez que a
burguesia nacional nunca demonstrou vocação para investir na formação
de patentes e na produção com elevado ingrediente tecnológico.
O modelo “substituição de importações” galvanizou-se como
imposição dos próprios determinantes da expansão do mercado interno
para atender às necessidades do capital em sua etapa imperialista. Na
sua essencialidade, o nacionalismo, o populismo e o patriotismo de
maneira alguma se contrapunham aos interesses do imperialismo. Nesse
sentido, o modelo “substituição de importações” serviu como mediação
para o estabelecimento das bases fundamentais para o erguimento
do capital financeiro articulado ao capital industrial, funcionando o
Estado como síntese das múltiplas contradições experimentadas pela
burguesia nacional. Os condicionantes objetivos tornaram imperativa
a necessidade do novo modelo, pois o volume de importação passou de
19,8% em 1928 para 10, 5% em 1939 (MALAN, 1977).

80
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

O modelo substituição de importações não apenas serviu para


plasmar o capital industrial; ele é produto da forma como o capital
industrial e financeiro se efetiva no contexto de uma economia dependente
e subordinada. Mais do que uma etapa de transição entre o capital
industrial e o capital financeiro, ele se configura como a realização do
capital financeiro pela mediação do aparato estatal, em que este assume
as funções que as corporações, os trustes e os cartéis deveriam realizar,
mas estavam impossibilitados de fazê-lo naquele momento histórico na
economia brasileira.
Maria da Conceição Tavares (1979) considera que o processo de
industrialização brasileira plasmou-se como restrito até o advento do Plano
de Metas estabelecido pelo governo JK. As restrições emanaram dos limites
endógenos impostos pelos determinantes internos da acumulação de capital
na economia brasileira (POSSAS, 2001, p. 389). O modelo “substituição de
importações”5 emergiu como alternativa ao modelo agroexportador, centrado
na dependência exacerbada do mercado externo e baseado na exportação
de matéria-prima com baixíssima inserção tecnológica. Ele não representa
a eliminação das importações pelos produtos nacionais, mas representa
“um processo de desenvolvimento interno que tem lugar e se orienta sob o
impulso de restrições externas e se manifesta, primordialmente, através de
uma ampliação e diversificação da capacidade produtiva industrial”.
O Estado Novo, decretado em 10 de novembro de 1937, a fim
de conter o aprofundamento da crise econômica brasileira decorrente da
preservação da política de sustentação do preço do café mediante compra e
queima de estoques excedentes, tornava imperativa a ruptura com a política

5
Escreve Conceição (1979, p. 38-39): “o termo ‘substituição de importações’ é empregado
muitas vezes numa acepção simples e literal significando a diminuição ou desaparecimento
de certas importações que são substituídas pela produção interna. [...] Na realidade, o termo
‘substituição de importações’, adotado para designar o novo processo de desenvolvimento
dos países subdesenvolvidos, é pouco feliz porque dá a impressão que consiste em uma
operação simples e limitada de retirar ou diminuir componentes da pauta de importações
para substituí-los por produtos nacionais. Uma extensão deste critério simplista poderia
levar a crer que o objetivo ‘natural’ seria eliminar todas as importações, isto é, alcançar a
autarquia. Nada está tão longe da realidade”

81
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

que beneficiava os produtores de café paulistas em detrimento da economia


nacional. Segundo Corsi (2007, p. 251), “a política econômica implementada
entre 1930 e 1937 dificilmente pode, contudo, ser considerada nítida
manifestação de um projeto de desenvolvimento centrado na indústria”.
Apesar da política não ser declaradamente favorável à indústria, o resultado
dela acaba beneficiando o complexo industrial.
A partir de 1937, dá-se efetivamente uma inflexão na perspectiva
de concentrar os esforços estatais para favorecer o desenvolvimento
concentrado da indústria nacional. Operando as alterações constitucionais
necessárias para beneficiar o desenvolvimento do capital nacional, o governo
Vargas delibera que a “nacionalização de setores estratégicos, a priorização
da indústria de base, a unificação do mercado interno, a ampliação dos
transportes e a introdução do salário mínimo seriam os pilares do programa
de desenvolvimento do Estado Novo” (CORSI, 2007, p. 253).
Em detrimento do laissez-faire que reinava anteriormente, tornava-
se fundamental operar uma política de intervenção estatal na economia
para beneficiar o desenvolvimento industrial pautada pela construção de
táticas de planejamento concentrado (especialistas, técnicos, burocracia
governamental e corpo diplomático), considerando as demandas dos
distintos setores (industriais, militares etc.). A ampliação da produção
de bens de consumo duráveis para abastecer o mercado interno deveria
ser fortalecida pela constituição da indústria pesada (aço, petróleo, ferro,
energia elétrica etc.).
A conjuntura internacional permitia que Getúlio Vargas procurasse
tirar proveito das disputas imperialistas entre o capital financeiro americano
e o capital financeiro alemão, na perspectiva de efetivar o projeto de
industrialização do Brasil. Segundo Bandeira (1978, p. 258):

O golpe do Estado Novo não abalou as relações


entre o Brasil e os Estados Unidos. Não houve
incompatibilidade de regimes. O problema surgiu da
suspensão do serviço da dívida externa e complicou-se
quando o Governo de Vargas decretou o monopólio
do câmbio pelo Banco do Brasil (sujeito à taxa de

82
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

3%), bloqueando todas as transações com divisas, para


conter a fuga de capitais do país.

A década de 1930 representou uma virada na forma de composição


e organização do Estado, deixando a economia brasileira de ser o grande
ventrículo dos interesses estrangeiros para se plasmar como uma nova
representação do capital industrial-financeiro, assumindo as tarefas
fundamentais que a burguesia internacional não tinha interesse em realizar
e que a burguesia nacional estava incapacitada de operacionalizar. Ao
invés de continuar constituindo-se como mera correia de transmissão
da Casa Rothschild ou Rockefeller, o Estado deveria assumir tarefa
protagonista, exercendo a função precípua de representação dos interesses
do capital financeiro e industrial. A interferência estatal no complexo
econômico requeria o controle do sistema bancário através dos bancos
públicos, a começar pelo Banco do Brasil, depois pelo Banco Nacional de
Desenvolvimento (BNDE) e pelos distintos bancos regionais de fomento.
A intervenção poderosa do Estado na economia visava favorecer
o complexo industrial na perspectiva de conquistar o mercado interno
para o capital. O favorecimento do complexo industrial beneficiava
também a burguesia agrária, pois ela permanecia intocável. Em nenhum
momento o Estado Novo falou em reforma agrária ou atendeu ao apelo
dos camponeses e dos trabalhadores rurais. O campo continuou sendo uma
região controlada completamente pelos senhores de terra. Pelo contrário, o
Estado Novo aprofundou as desigualdades sociais no campo e intensificou
o processo de expropriação dos camponeses, para beneficiar a urbanização
e o deslocamento da força de trabalho do campo para a cidade.
A produção agroexportadora abalada pelo crash de 1929 deslocou
seu capital internamente para o próprio setor agrícola e para o setor
industrial, de maneira similar ao que aconteceu quando do fim do tráfico
de escravos (1850) e do fim da escravidão em 1888, em que uma parte
do capital investido na compra de escravos, que ficava imobilizado, foi
destinada ao setor industrial e ao setor financeiro. Com a crise, a produção
cafeeira tentou se equilibrar, transferindo seus recursos para outros setores
da economia como a cana-de-açúcar e o algodão, bem como para a expansão

83
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

dos gêneros alimentícios que marcam o mercado interno brasileiro. A


demanda por alimentos e matérias-primas cresceu em termos absolutos e
relativos (TAVARES, 1979).
A industrialização representou uma nova demanda para a
agricultura, devido à ampliação do espaço urbano e à constituição de
um exército de trabalhadores destituídos de meios de produção e meios
de subsistência. Os trabalhadores lançados livres como os pássaros nas
cidades precisavam vender sua força de trabalho para reproduzir sua
existência; para isso precisavam trocar o quantum resultante da venda de
sua força de trabalho em produtos de primeira necessidade. Lançados nas
cidades em condições adversas, os trabalhadores precisavam de alimento,
de vestuário, de moradia, de transporte etc. Careciam duma constelação
de mercadorias vendidas pelos capitalistas e que eram produzidas por eles
mesmos. No entanto, a alienação dos trabalhadores dos meios de produção
e subsistência impedia que controlassem a produção e pudessem assegurar
a sua reprodução sem precisar vender seu trabalho como mercadoria para
comprar as mercadorias necessárias à reprodução da lógica do capital.
O movimento do capital (D-M-D’) pressupõe o movimento simples de
circulação de mercadorias, expresso na venda da força de trabalho para
comprar mercadorias de consumo (M-D-M).
O mercado interno tinha dificuldade de configurar-se claramente
como fundado no trabalho assalariado devido ao caráter essencialmente
rural e agrícola da economia nacional, herdeira de um passado colonial
em que grande parte da riqueza da burguesia agrária e exportadora se
consubstanciava na forma de bens materiais como escravos e engenhos;
posteriormente, passa a se expressar em terras, graças à Lei de Terras de
1850. A renda da terra, a especulação imobiliária, o consumo de produtos
importados e outras atividades improdutivas desnudavam as vicissitudes da
economia nacional, que preferia “as valorizações financeiras, como a venda
de bens – imóveis, fazendas, empresas, participações, etc. – comprados com
preços baixos e vendidos após forte alta. Os empreendedores pioneiros
investiram, inicialmente, em ‘zonas de fronteiras’ ou espaços urbanos ainda
não atendidos por determinadas atividades” (COSTA, 2009, p. 20).

84
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

O complexo agroexportador continuou crescendo pela mediação


da acumulação primitiva de capitais, pois tanto as terras dos camponeses
e indígenas quanto as terras públicas e devolutas foram incorporadas ao
patrimônio dos grandes fazendeiros e pecuaristas brasileiros, mediante
mecanismos da violência aberta e declarada. A expansão da produção
cafeeira no Vale do Parnaíba e no Oeste paulista se deu dessa maneira,
da mesma forma como todo o processo de constituição e expansão da
produção canavieira.
O Estado, como comitê executivo das classes dominantes, assegurou
a legitimidade do processo de expropriação de terras dos indígenas e
camponeses por meio da ampliação dos expedientes cartoriais necessários,
como a Lei de Terras de 1850, fortalecendo a unidade entre as classes
dominantes e deixando para trás os expedientes que garantiam a agricultura
de subsistência. A ampliação da agricultura extensiva serviria ao movimento
de transformação dos camponeses em trabalhadores assalariados.
O discurso do deputado ruralista Cunha Bastos, da UDN goiana,
oferece uma visão do pensamento da burguesia agrária em 1956. Diz o
deputado: “O alargamento do mercado interno dará novas perspectivas à
indústria nacional e um novo sentido de marcha para o Oeste, onde as
terras são da melhor qualidade, favorecendo ali a agricultura, a pecuária, a
par da riqueza mineral do solo” (MOREIRA, 1998, p. 182). A denominada
Marcha para o Oeste tornava-se necessária para atender ao crescimento das
demandas de produtos alimentícios da população urbana, mas especialmente
para contemplar os interesses da burguesia agrária. Um crescimento que
promovia o desenvolvimento da agricultura sobre as bases da acumulação
originária (expropriação de terras) e da acumulação de mais-valia absoluta
(intensificação da exploração do trabalho dos camponeses e trabalhadores
rurais).
No tempo histórico do capitalismo dos monopólios no mercado
externo, somente o Estado detinha capacidade de operar internamente um
processo de acumulação significativa e fazer investimentos substanciais
na economia brasileira. A burguesia agrária e industrial não contava com
ampla capacidade de investimento e acumulação. A transição do capitalismo

85
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

concorrencial para o capitalismo dos monopólios não poderia se efetivar


sem uma ampla presença do capital Estado. Escreve Fausto (2007, p. 278,
grifo nosso):

Em suma, a partir da década de 30 tornava-se


necessário que o Brasil passasse a etapa do capitalismo
monopolista. Essa passagem, não podendo ser
feita sob a égide do capital privado nacional, ainda
embrionário e débil, teve que ser realizada mediante a
intervenção do capital estatal, e mais tarde, do capital
multinacional.

O movimento de intervenção estatal na economia, na perspectiva de


alcançar o território nacional para o capital, passava por mediações devido
à insuficiência do padrão de acumulação assentado preferencialmente
em recursos internos emanados da elevação da tributação, dos recursos
advindos da poupança compulsória dos trabalhadores e dos investimentos
do setor privado. Esse caminho não poderia ser tomado se não existisse
uma base para a sua realização. Cabe lembrar que a industrialização do
Brasil não começou com um decreto presidencial em 1930, mas remonta
à segunda metade do século XIX, em que se inscreve a industrialização
do eixo Rio-São Paulo. Nessa etapa, a industrialização foi “restringida”
porque ela dependia da balança de comercial e da evolução da economia
agroexportadora, particularmente da produção cafeeira.
Para Maria da Conceição Tavares (1979) e João Manuel Cardoso
de Mello (1975), a natureza tardia da industrialização restringida tendia
a esgotar-se sem uma intervenção estatal (BASTOS, 2012). A política
de industrialização posta em curso com o Estado Novo representava
uma mudança nas bases em que operava a industrialização restringida
experimentada entre 1880 e 1930. Com a crise de 1929, a produção
cafeeira estava impossibilitada de continuar financiando o desenvolvimento
industrial do país. O estimulo à industrialização não poderia vir do estimulo
externo, devido à crise da produção agroexportadora. A iniciativa deveria
partir do Estado, o principal avalista da captação de capitais no exterior e
no mercado nacional.

86
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

A nova etapa da industrialização deveria trabalhar no sentido de


superar a sua dependência externa de bens de produção, ou seja, deveria
ampliar sua capacidade de produção de bens de produção (equipamentos
e maquinários etc.), tornando a indústria nacional autossuficiente na
produção dos elementos necessários à produção e à reprodução industrial.
Escreve Cano (2012, p. 155): “Essa indústria não pôde se restringir apenas
a responder à demanda de bens de consumo; sob pena de comprometer a
reprodução do capital, teve de fazer grande esforço interno para ‘substituir’
também algumas importações de bens de produção”. A ampliação da
intervenção estatal deveria ser realizada gradualmente até alcançar a
autossuficiência nas áreas mais importantes da economia nacional.
O Estado não deixou a burguesia agrária completamente desprotegida.
Através da Carteira de Crédito Agrícola do Banco do Brasil, financiada
pelos IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões), buscou impulsionar
o desenvolvimento capitalista do campo. Os recursos financeiros serviam
para desenvolver determinados segmentos da indústria; estes deveriam ser
utilizados para o beneficiamento da produção rural mediante a aquisição de
produtos, instrumentos e insumos agrícolas industrializados. Os recursos
eram liberados para incrementar técnicas mais intensivas de ampliação da
capacidade produtiva do campo. A via de mão dupla que beneficiava os
distintos segmentos da burguesia nacional (agricultura e indústria) tinha
como suporte os títulos de crédito rurais, muitas vezes oriundos do controle
exercido pelo governo sobre as exportações dos produtos agrícolas.
Ao tempo que se expandia adotando as velhas táticas do processo
de acumulação de capital, o complexo agrícola preservava seus interesses
e ampliava seus tentáculos mediante a expansão da demanda do mercado
interno. O segmento agrícola de natureza comercial continuou crescendo
no mercado interno, numa média de 4,5% depois do término da Segunda
Guerra Mundial (TAVARES, 1979, p. 134), configurando-se como o maior
segmento no mercado externo. Para assegurar a conexão das distintas partes
do país com o poder central, a malha ferroviária e rodoviária foi estendida,
estabelecendo a ligação Nordeste-Sul, para a construção da rodovia
Rio-Bahia e a conclusão da SP-Porto Alegre, bem como a expansão das

87
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

rodovias no sentido oeste, antecipando a futura Belém-Brasília. O pacto


estabelecido entre a burguesia nacional industrial e a agrária, num contexto
de impossibilidade de captação de recursos no exterior, obrigou o Estado a
converter-se no vetor fundamental da economia.
A expansão do mercado interno para o capital agrário consolidou
o capital financeiro no campo nos moldes do latifúndio, da monocultura
e da superexploração do trabalho. A ampliação agrícola atraiu os capitais
monopolistas e multinacionais para o campo. As multinacionais estrangeiras
primeiramente se consolidaram no campo, antes de penetrar e dominar
completamente a produção industrial brasileira.

Tabela 1 – Produção de alimentos entre 1938 e 1955


Produto % de aumento Taxa anual de media
Arroz 144% 5,4%
Feijão 73% 3,3%
Batata-inglesa 123% 4,8%
Mandioca 137% 5,2%
Milho 20% 1,1%
Fonte: Fausto, 2007, p. 273.

Os trabalhadores foram chamados a financiar o desenvolvimento


do capitalismo brasileiro: 1) pela tributação resultante do crescimento das
taxas e impostos; 2) pela utilização dos recursos provenientes dos institutos
de aposentarias e pensões (IAPs); 3) pela suspensão do pagamento dos
juros da dívida interna e externa; e 4) pela tentativa de renegociação da
dívida com os banqueiros americanos. As dificuldades financeiras levaram
o governo a suspender o pagamento da dívida pública duas vezes. No
entanto, o endividamento continuaria sendo recorrente, uma vez que seria
impossível a constituição da denominada indústria de base ou indústria
pesada sem o aporte também de recursos externos.
No tempo histórico do capitalismo dos monopólios, o Estado teve
de configurar-se de maneira monopolista. A conjuntura internacional
impunha que o Estado assumisse as funções precípuas de capitalismo
monopolista. O Estado como personificação do capital assumiu
corolários específicos nas economias pós-capitalistas e capitalistas. A

88
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

crise internacional impulsionou o Estado como vetor fundamental


dos interesses do capital. Este pôde continuar a se desenvolver sem a
intervenção direta do capitalista, como mostrou a experiência russa
depois da revolução de 1917. No Brasil, o capitalista atuaria por dentro do
Estado, para assegurar a expansão econômica que possibilitava a elevação
do poder do capital sobre o trabalho e a constituição de um cenário em
que o capitalista pudesse assumir uma posição protagonista. Para tanto,
deveriam entrar em cena as multinacionais.
Enquanto vetor fundamental da reprodução do capital, o Estado
alcançaria posição elementar no desenvolvimento do capitalismo brasileiro,
representando um progresso e uma evolução em relação ao período anterior.
Não é à toa que ele se chama “Estado Novo”, pois tenta representar o
novo que se expressa na metamorfose do capital mercantil para o capital
industrial e como este emerge articulado ao capital financeiro. Na ausência
de forças internas para operar na forma dos oligopólios e das grandes
corporações e na impossibilidade de determinados setores atuarem como
representação do capital financeiro – num cenário internacional que este
conduziu a humanidade ao desastre de duas grandes guerras –, o Estado
deve comparecer internamente como a consubstanciação do capital
industrial-financeiro.
O capital estatal deve combinar a relação dialética entre capital-
mercadoria, capital-dinheiro e capital-comercial, estabelecendo condições
propícias para a unidade do capital industrial com o capital financeiro e
o capital comercial. Pelo fato de constituir-se como representante do
capital industrial-financeiro, o Estado deve promover o desenvolvimento
econômico do país em grande escala, estabelecendo as bases para a
consolidação da indústria leve e, posteriormente, para a indústria pesada.
O capital estatal deve servir como elemento de transição do capitalismo
concorrencial para o capitalismo dos monopólios. Uma vez pavimentado
o caminho para o capital dos monopólios, deve ceder espaço para que os
capitalistas retomem o controle com o anteparo das multinacionais.
Na defesa do capitalismo monopolista de Estado, Vargas flerta
alternadamente com os alemães e com os americanos. A disputa entre

89
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

esses dois impérios pela transformação do Brasil numa área de influência


permitiu que Getúlio explorasse a possibilidade de um dos segmentos
imperialistas apoiar o projeto de construção de uma siderúrgica estatal
no Brasil, o que representava a disputa do monopólio siderúrgico com as
multinacionais. O desinteresse das corporações internacionais era visível;
a United State Steel não revelou o menor interesse pelo projeto, embora
setores do governo americano aventassem a possibilidade desde que o
governo brasileiro pagasse sua dívida externa.
O Estado deveria assumir a execução do projeto de construção
de uma siderúrgica nacional não somente porque a Constituição de 1937
vetava que empresas estrangeiras pudessem controlar os setores estratégicos
e de segurança nacional, mas porque inexistia interesse das multinacionais
em investir de maneira expressiva no desenvolvimento industrial do
Brasil. O planejamento estratégico e a constituição duma espécie de
economia planificada (parecida à adotada na União Soviética com o Plano
Quinquenal), no entendimento de Vargas, poderia assegurar a construção
de uma siderúrgica nacional com recursos próprios e recursos oriundos de
empréstimos no exterior, sem abrir mão do controle estatal do processo. Nessa
perspectiva, os representantes do Governo Vargas passaram a negociar tanto
com os círculos do Terceiro Reich quanto com os círculos de Washington.
Após o discurso na ilha das Cobras, em 11 de junho de 1940, em
que Vargas afirmou que “O Estado devia assumir a obrigação de organizar
as forças produtoras, não para garantir lucros pessoais ou ilimitados a
grupos cuja prosperidade se baseia na exploração da maioria, mas para o
engrandecimento da coletividade” (BANDEIRA, 1978, p. 270), o governo
de Roosevelt percebeu a gravidade da situação, liberou 20 milhões de dólares
e ainda atendeu às reivindicações de priorizar a produção dos equipamentos
da siderúrgica tanto quanto as encomendas do complexo industrial-militar.
Segundo Leopoldi (2003, p. 257):

O Brasil, em contrapartida, investiria na empresa 25


milhões de dólares, provenientes de várias fontes [os
depósitos de poupança das caixas econômicas do Rio
de Janeiro e de São Paulo, as reservas dos institutos de

90
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

aposentadoria (totalizando 250 mil contos de réis) e


ações subscritas pelo Tesouro e por empresários].

A Companhia Siderúrgica Nacional, sob o comando do empresário


do setor petrolífero e portuário Guilherme Guinle, começaria a produzir
barras de lingotes somente a partir de 1947.
Com o acordo de cooperação militar do Brasil com os EUA, em
março de 1942, o empréstimo de 20 milhões de dólares foi ampliado para
45 milhões de dólares, permitindo a construção da Companhia Vale do Rio
Doce e o processo de reestruturação da Estrada de Ferro Vitória-Minas
(BANDEIRA, 1978). Nesse jogo de xadrez, o imperialismo americano
parecia se dobrar ao projeto de construção de estatais no campo siderúrgico,
numa época em que o setor era monopolizado pelos trustes e cartéis privados.
No entanto, o governo Vargas permitia a instalação de bases militares no
Nordeste brasileiro, numa afronta à soberania nacional, ou seja, em última
instância quem se dobrava era o Brasil aos interesses norte-americanos.
Enquanto a burguesia agroexportadora do sul do Brasil se inclinava
para o Terceiro Reich, os exportadores de café e banqueiros brasileiros
defendiam uma política de alinhamento com os EUA; já os militares e os
ministros do governo Vargas estavam divididos entre os EUA e a Alemanha.
A política de alinhamento do Brasil aos EUA começaria com o acordo
estabelecido por Osvaldo Aranha em 1939, que resultou no empréstimo
de 19 milhões de dólares, encontrando seu coroamento em agosto de
1942. Condicionou-se a participação nacional no conflito internacional à
liberação de bens de capital constante, armamentos e liberação de novos
créditos. Em troca de armamento, tecnologia e capital, o Brasil se dobrou
aos interesses americanos (BANDEIRA, 1978).
A lei antitruste e a tentativa de controle da entrada e saída
de capital no território nacional não implicaram uma ruptura com
a política de alinhamento com os EUA na época da Segunda Guerra
Mundial. Essas medidas não ficariam sem resposta do imperialismo
americano no pós-guerra. A tentativa de constituir uma forma particular
de desenvolvimento da industrialização nacional associada ao capital
americano sem permitir que este exercesse papel predominante seria

91
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

abalada pela hegemonia que o imperialismo estadunidense alcançou em


escala internacional depois de 1945.
A forma particular de constituição do capitalismo associado projetado
pelo governo Vargas tinha na formação das estatais brasileiras, que exploravam
os minérios de ferro e aço, fôlego para sobreviver num cenário internacional
dominado pelas sucursais do capital financeiro. O próximo passo seria a disputa
com as multinacionais Standard Oil of Brazil, Du Pont de Nemours Co.,
Royal Ducth-Shell e Imperial Chemical Industries (I.C.I.) pela exploração
e refino do petróleo e pela exploração de álcalis. Ao enfrentar os grandes
aglomerados que monopolizavam a exploração do aço e do ferro – como a U. S.
Steel Corporation (resultante da fusão de oito grandes empresas, que tinham
sido formadas a partir da fusão de 139 empresas no campo siderúrgico), dos
magnatas americanos J. P. Morgan, J. Pierpont Morgan, Rockefeller, Du
Pont etc. – o Estado Novo sacralizou uma nova etapa de desenvolvimento do
capitalismo no Brasil.
A construção da Companhia Siderúrgica Nacional, associada à
formação da Companhia Vale do Rio Doce, representava um salto qualitativo
do desenvolvimento indústria nacional. Reconhecendo que o caminho para
o processo de industrialização do país passava a ser irreversível, “os trustes
estadunidenses não tiveram outro recurso senão se associar a esse processo”
(BANDEIRA, 1978, p. 274). A tática de associação deveria ter como
estratégia a conquista do mercado interno para o capital. Para efetivar sua
estratégia de conquista, o capital americano deveria se associar ao capital
nacional e passar a estabelecer limites à intervenção estatal na economia. Isso
pode ser observado na ampliação da Companhia Siderúrgica Mannesmann
(1952), uma grande corporação belga que passou a disputar o mercado com
a Companhia Siderúrgica Nacional. Mesmo assim, a expansão do complexo
siderúrgico prosseguiu nos governos posteriores, transformando o BNDE
numa espécie de “Banco do Aço”.

3.2 O sistema bancário brasileiro e o capitalismo monopolista estatal


A eclosão da Segunda Guerra Mundial intensificou a necessidade
de a economia nacional tomar um itinerário autônomo. A ausência de

92
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

interferência externa sistemática permitiu que a indústria nacional passasse


a desempenhar também uma função motriz no mercado externo e deslocasse
sua balança do complexo estritamente agrário. O itinerário adotado pelos
governos Vargas, no primeiro e no segundo mandatos, revela como o Estado
precisava intervir de forma decisiva na economia, atitude que contava com
a concordância dos distintos setores da burguesia. O governo Vargas (1930-
1945) estabeleceu mecanismos para tornar os bancos públicos sujeitos do
processo de desenvolvimento das distintas regiões do país. Ele não poderia
fazer isso se o Estado não incorporasse as funções precípuas do capital
industrial-financeiro.
Para integrar o mercado nacional e superar as disputas regionais que
pautaram a política “café com leite”, o Estado deveria ser uma espécie de
guardião dos interesses gerais perante os interesses particulares. Para constituir
uma política econômica centralizada e com poder de decisão efetiva, ele tinha
de possuir capital suficiente para realizar tal empreitada. Para isso, elegeu o
Banco do Brasil como elemento de concentração de todos os recursos externos
e internos. Diante da escassez de recursos, os investimentos capitalistas
deveriam ser adquiridos prioritariamente no mercado interno, para isso Vargas
foi obrigado adotar as seguintes medidas:
1 – a criação da carteira de Crédito Agrícola e
Industrial do Banco do Brasil, 2 – a flexibilização
da legislação referente à aplicação dos recursos dos
institutos de aposentadoria, permitindo que fossem
empregados no financiamento de investimentos com
garantia hipotecária (regulamentação do decreto-
lei 1918, de 27/08/1937); 3 – implantação do Plano
Especial de Obras Públicas, que contava como fonte
principal de financiamento com os recursos advindos
da introdução de um imposto sobre as operações
cambiais, instituído juntamente com o monopólio
do câmbio para formar um fundo de investimentos
governamentais. (CORSI, 2007, p. 254).

A reconfiguração do denominado Estado Nacional para atender às


demandas da burguesia industrial e financeira deu-se mediante a tentativa

93
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

de estrutura do sistema financeiro nacional. Neste cenário, o Estado


Novo redigiu uma legislação menos benevolente aos interesses do capital
estrangeiro e mais flexível aos interesses da burguesia nacional, por meio
de uma regulamentação que permitia à burguesia brasileira participar do
processo de fundação de bancos de “capital nacional”, assegurando uma
reserva de mercado para os bancos nacionais, em detrimento do poderio
dos bancos internacionais.
O fechamento da economia, devido às adversidades enfrentadas
pelo mercado internacional, proporcionou que o Banco do Brasil (BB)
controlasse ¼ do crédito total do mercado nacional. O referido banco
passou a cercear o laissez-faire dos bancos estrangeiros instalados no país,
assumindo a tarefa de emissão de moeda, de negociar a dívida pública, da
Cadeira de Redescontos e do processo de falência e liquidação dos bancos,
de detentor das reservas bancárias nacionais e responsável pela política de
empréstimos públicos para o setor agrícola e o setor industrial.

Tabela 2 – Transformações no sistema bancário na República Velha


1905-1930. Valores percentuais dos depósitos (%)
Bancos 1906 1914 1920 1925 1930
Privados nacionais 45,2% 39,6% 54,1% 43,9% 29,5%
Privados estrangeiros 46,9% 34,5% 31,5% 29,6% 19,3%
Banco do Brasil 5,6% 23,4% 12,9% 24,8% 28,8%
Bancos estaduais 2,3% 2,5% 1,5% 1,7% 22,4%
100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
Fonte: Leopoldi, 2003, p. 264.

O quadro acima permite observar a evolução da participação do


Banco do Brasil e dos bancos estaduais no sistema financeiro nacional
profundamente hegemonizado pelos bancos estrangeiros e pelos bancos
privados até 1930. Entre 1906 e 1930, o Banco do Brasil passou de 5,6%
para 28,8% do montante de depósitos realizados; os bancos estaduais
passaram de 2,3% para 22,4%; enquanto os bancos privados nacionais
perderam posição, passando de 45,2% para 29,5%. Já os bancos estrangeiros
passaram de 46,9% para 19,3%.

94
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

A conjuntura internacional perpassada pelas guerras imperialistas


e pelos problemas decorrentes da guerra sobre o imperialismo britânico
colaborou para a queda de mais de 50% da presença do capital estrangeiro no
Brasil. Este processo também foi seguido pelo capital privado, que caiu mais
de 16% entre 1906 e 1930. A tendência de queda da participação do capital
estrangeiro no desenvolvimento do capitalismo brasileiro se intensifica com
o papel protagonista assumido pelo Banco do Brasil e pelos bancos estaduais
no financiamento da burguesia agrária e industrial.
Em decorrência da legislação estabelecida pelo Governo Vargas foi
possível uma intensa proliferação de bancos no mercado nacional, alcançando
em 1938 “860 estabelecimentos brasileiros e 79 estrangeiros em todo o
país” (VIEIRA, s/d, p. 429). Após a Segunda Guerra multiplicaram-se os
estabelecimentos financeiros de procedência nacional, diminuindo o número
de filiais estrangeiras, que passaram de 79, em 1938, para 44, em 1945. Há,
também, um processo de concentração financeira que resulta na redução de
154 matrizes bancárias (VIEIRA, s/d, p. 429).
Apesar do controle, a legislação dessa fase foi profundamente
benevolente para a constituição de novos bancos nacionais privados,
pois não impunha a exigência de uma poupança, créditos e de um
caixa mínimo para operar no sistema. Isso permitiu que muitos dos
bancos constituídos operassem de maneira puramente especulativa,
buscando auferir lucros mediante operações no sistema imobiliário,
de operações realizadas com recursos advindos das caixas e Institutos
de Aposentadorias e Pensões (IAPs) e com taxa de inflação elevada. A
expansão do crédito bancário com recursos cooptados de empréstimos
duvidosos aprofundou as atividades especulativas e liquidou algumas
instituições financeiras. Um movimento especulativo irá tipificar a
etapa de hipertrofia do capital financeiro na época da crise estrutural do
sistema do capital, na década de 1970.
É importante salientar que o governo Vargas não nacionalizou ou
expropriou os capitais dos bancos estrangeiros, apenas estabeleceu limites
às seguradoras e adotou uma posição pragmática na perspectiva de admitir
a presença do capital estrangeiro sem deixar de beneficiar os bancos

95
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

nacionais, permitindo a expansão dos bancos endógenos em detrimento


dos internacionais. Segundo Leopoldi (2003, p. 267):

A restrição de operação dirigiu-se assim às empresas


estrangeiras que quisessem entrar no país e à expansão
das aqui instaladas. Com essa pragmática proteção
governamental, a partir de 1940 consolidam-se
os bancos comerciais e as empresas seguradoras
nacionais no país e os empreendimentos estrangeiros
aqui permanecem sem poder se expandir.

A política econômica adotada num contexto internacional adverso


serviu para os bancos estrangeiros deixarem a disputa pelo mercado
interno para uma etapa posterior. Nesse processo, a atuação do Banco do
Brasil revelava que “o Estado firmava posição como banqueiro comercial”
(LEOPOLDI, 2003, p. 268). Não é à toa que Vargas nomeia como ministro
da Fazenda, primeiro, o banqueiro José Maria Whitaker (proprietário do
Banco Comercial do Estado de São Paulo), e depois, Artur de Souza Costa
(executivo do Banco da Província do Rio Grande do Sul), ex-presidente do
Banco do Brasil (LEOPOLDI, 2003, p. 281).
A dinâmica produtiva estabelecida não representou uma ruptura
radical com o modelo precedente, mas configurou-se como uma forma de
continuidade e mediação fundamental aos interesses do grande capital.
Importante salientar que a forma de organização da produção agrícola
continuava subordinada aos velhos determinantes agroexportadores; as
relações de subordinação do trabalho aos imperativos e comando do capital
eram análogas às relações impostas pelo trabalho escravo. A particularidade
da configuração do modelo não representa uma autonomia ou contraposição
aos interesses do grande capital, senão uma forma essencial de assegurar a
expansão do capital com forte anuência estatal. Pela mediação do Banco do
Brasil o Estado conseguiu reverter o peso das empresas estrangeiras e do
capital estrangeiro da formação do mercado interno, flexibilizando o poder
dos cafeicultores na estrutura financeira e produtiva do país.
Entre 1930 e 1940, o Banco do Brasil detém a primeira posição
no volume de depósitos, com 35% dos depósitos realizados, enquanto os

96
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

29 bancos que vinham depois dele representavam 42% dos depósitos


(LEOPOLDI, 2003, p. 267). Observa-se a existência de uma concentração
bancária, pois 77% dos bancos detinham somente 6% do volume de depósitos.
Até a criação do SUMOC (Superintendência da Moeda e Crédito) em 1945,
o Banco do Brasil era uma espécie de Banco Central, sendo responsável pelo
controle da econômica monetária, de financiamento (provedor de crédito),
controle cambial, produção de papel-moeda, fomento etc.
O fim do Estado Novo traz a necessidade de reconfigurar o pacto
nacional, abrindo caminho para a inserção do capital estrangeiro na
constituição do novo ethos econômico. A intervenção financeira do Estado
Novo, mediante a atuação do Banco do Brasil, serviu para qualificar as
movimentações financeiras, constituindo uma constelação de agentes
financeiros como: empresário das finanças, seguradores, banqueiros,
corretores, gerentes e executivos financeiros.
A tentativa de Vargas de retroalimentar a política de conciliação de
classe, diminuindo o pêndulo do intenso processo de exploração da classe
trabalhadora, culminou no seu suicídio. A natureza do modelo “substituição
de importações” impedia que o proletariado e os movimentos organizados
dos trabalhadores assumissem uma posição de vanguarda, porque o modelo
posto em curso tinha como propósito o desenvolvimento do capitalismo e a
subordinação real e não meramente formal do trabalho ao sistema do capital.
O fim do Estado Novo e do primeiro mandato de Vargas torna-se
imperativo no contexto de encerramento do conflito bélico internacional,
no qual as atenções dos EUA se voltam para a América Latina como
base fundamental da expansão de seu desenvolvimento econômico e
financeiro. O imperialismo americano tem suas bases na Doutrina Monroe
e na necessidade de subordinar a América Latina aos seus interesses. A
aproximação imperialista com os militares brasileiros permitiu que os
militares (Brigadeiro Eduardo Gomes, General Eurico Dutra, General
Durval de Góis Monteiro etc.) que haviam apoiado Vargas na instauração
do Estado Novo em 1937 fossem os mesmos que o depuseram em 29 de
outubro de 1945. Escreve Bandeira (1978, p. 302): “As classes dominantes,
associadas ao imperialismo americano, já podiam dispensar os seus serviços.

97
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

O afastamento de Vargas não visava a eliminar o que havia de reacionário


e sim o que havia de resistência nacional no Estado Novo”. Era preciso
depurar o Estado Novo dos elementos progressistas que obstaculizavam a
plena unidade do capital nacional com o capital internacional. A primeira
medida do governo interino de José Linhares foi revogar a Lei Antitruste,
aprovada por Vargas, pois a referida lei decretava o capital estrangeiro
persona non grata no território nacional.
O Departamento de Estado de Harry Truman interpretou a Lei
Antitruste como uma espécie de declaração de guerra aos interesses das
grandes corporações. E Truman era a encarnação visceral dos desígnios
facínoras das grandes corporações que forjaram a política da Guerra Fria e
encontraram no governo Dutra sua encarnação perfeita. Aliada ao capital
transnacional, a burguesia brasileira entrou em delírio com as reservas
alcançadas pelo Governo Vargas. A euforia do governo Dutra com a
importação de produtos de consumo para a burguesia fez dobrar o volume
da dívida externa entre 1945 e 1953, alcançando mais de US$ 1 bilhão. E
novamente a dívida seria duplicada com o Plano de Metas de JK (SILVA,
s/d, p. 54). Segundo Bandeira (1978, p. 314):

Quando o Governo Dutra se instalou, em 31 de


janeiro de 1946, o Brasil possuía 322.505.472.144
quilos de ouro. Dois anos depois, em 31 de dezembro
de 1948, essas reservas baixaram para 281.569.200
quilos. […] Em 1947, o valor das importações
ultrapassara o da exportação, deixando um déficit
de 55 milhões de dólares. […]. Assim, entre 1947 e
1949, o déficit da balança de pagamentos aumentou
em 335 milhões de dólares, coberto com empréstimos
oficiais e pelo afluxo de novos capitais estrangeiros,
que representariam maiores encargos para o futuro,
drenando as finanças do país.

A alteração do arcabouço constituído pelo governo Vargas implicou


a redução da produção interna e a paralisia da atividade de alguns setores pela
carência de material e equipamentos, haja vista que a indústria brasileira não
tinha ainda alcançado estágio de autossuficiência. A completa subordinação

98
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

ao capital estrangeiro encontrou sua máxima expressão na elaboração da nova


Constituição de 1946, escrita em estado de sítio e que expressava os anseios da
burguesia internacional. Denotava como “toda a burguesia brasileira se prostrava
diante do imperialismo americano” (BANDEIRA, 1978, p. 311). No entanto,
as vergonhosas concessões aos trustes como Standard Oil e International
Telephone Telegraph Co., Light & Power etc. levaram à comoção nacional e
acabariam se convertendo na campanha “o petróleo é nosso”.
O segundo governo Vargas enfrenta uma forte contraposição
americana, num contexto em que a política de conciliação de classe revelava-
se insuficiente tanto para atender às demandas dos capitalistas quanto às
dos trabalhadores. Ambas as partes manifestavam sinais de esgotamento.
Vargas tentava combinar interesses contraditórios entre a burguesia nacional
e o operariado, para enfrentar o inimigo maior: o imperialismo americano.
Para levar adiante o projeto nacional desenvolvimentista assentado no
modelo “substituição de importações”, foi às últimas consequências e
atendeu às demandas dos trabalhadores depois da greve dos 300 mil e dos
100 mil, duplicando o valor do salário mínimo no 1º de Maio de 1954.
Ao nacionalizar o processo de extração e refino do petróleo, viabilizou o
caminho que conduziu à hegemonia estatal nos principais segmentos da
indústria pesada, sem jamais ter deixado de financiar a indústria leve.
Como Vargas tentou manter uma política autônoma em relação aos
EUA, o governo Eisenhower estabeleceu uma ruptura financeira e negou-
se a apoiar qualquer liberação de empréstimo para beneficiar o projeto
desenvolvimentista nacional. No confronto estabelecido Vargas enviou ao
Congresso uma medida tratando do imposto sobre remessa de lucros para
o estrangeiro. Fechadas as portas do proprietário das chaves do cofre da
economia mundial após o acordo de Bretton Woods, a burguesia nacional
tentou destituir Vargas da presidência fazendo com que ele preferisse o
suicídio a qualquer possibilidade de renúncia em agosto de 1954.
A primeira década de 1950 é perpassada pela contradição entre
o projeto nacionalista de Vargas e os interesses do capital estrangeiro. A
nacionalização do petróleo se constitui como a manifestação mais elevada
da contradição desse momento histórico, em que o desenvolvimento

99
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

industrial nacional demandava a expansão de sua produção. A estatização


do petróleo no Brasil seguiu a política adotada na Argentina (1922) e no
México (1938), difundindo o entendimento de que a sua exploração se
constituía numa questão de segurança e soberania nacional. A campanha
foi intensa porque a maioria dos empresários (Simonsen, Guilherme
Guinle etc.) defendia a intervenção privada no setor, que havia começado
sua exploração entre 1935 e 1937, estabelecendo 25 destilarias de óleo
diesel. Entre elas se destacavam: Refinaria Matarazzo, Refinaria Ipiranga e
Refinaria Uruguaiana (LEOPOLDI, 2003, p. 253).
Através da criação do imposto único sobre os derivados do
petróleo e da aprovação no Congresso Nacional, em setembro de 1953, da
exclusividade estatal na exploração e refino do petróleo, estabeleceram-se as
condições efetivas para a criação da Petrobras. Isso representava um golpe
nos interesses dos setores privados nacionais e das grandes corporações
internacionais como Standard Oil of New Jersey e Anglo Mexican (Shell).
O representante da Standard Oil, Nelson Rockefeller, esteve
envolvido na oposição sistemática ao governo Vargas, especialmente na
campanha contra a nacionalização do petróleo. Na perspectiva de obter o
monopólio da exploração do ouro negro, adotou medidas de retaliações às
exportações de café brasileiro, haja vista que a sua empresa American Coffee
Corporation constituía-se como principal compradora e distribuidora de
café no mercado americano. Além de assegurar os interesses do Standard
Oil no Brasil, Nelson Rockefeller atuou no sistema financeiro mediante a
Interamerican Finance & Investments, da filial do Banco Chase no Brasil,
em estreita parceria com o proprietário do Unibanco (CRUZ, 2007).
A soberania nacional reivindicada pelo governo Vargas no segundo
mandato, quando nacionalizou o petróleo e tentou taxar as grandes fortunas,
ainda não representava a superação do modelo “substituição de importações”,
e muito menos a superação da dominação do capital sobre o trabalho.
Tratava-se tão somente de fazer algumas concessões ao trabalho no interior
do sistema sociometabólico constituído. Vargas (e depois João Goulart)
estava impossibilitado de armar os trabalhadores para uma autêntica luta
contra o imperialismo, porque isso implicaria libertar o conjunto de forças da

100
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

dominação do sistema do capital. Eles não poderiam abrir a caixa de Pandora


que ajudaram a criar ao colocarem em curso a política de conciliação de
classes, cujo propósito essencial era beneficiar o desenvolvimento industrial
nos marcos do capitalismo e da burguesia industrial.
A busca de Vargas para legitimar seu nacionalismo diante de uma
conjuntura adversa que pressionava seu governo até agosto de 1954, indicava
um amadurecimento coerente das disposições legais que ensejavam o
marco institucional de atuação do Estado Novo. Este tentava privilegiar os
investimentos na perspectiva de assegurar a constituição da indústria de base.
Na recorrência ao capital estrangeiro para poder alcançar sua autossuficiência
em relação ao mercado externo morava a periculosidade dos planos
econômicos estabelecidos por Vargas, Juscelino Kubitschek e pelos militares.
A démarche institucional do Estado Novo culmina numa opção
dos setores progressistas, como o PCB, pela tentativa de controlar remessa
de lucro, royalties e dividendos, para obstaculizar o crescente processo de
drenagem para o exterior da riqueza nacional. Essa drenagem representava
um obstáculo ao processo de acumulação interna de capitais e impedia
a ampliação do desenvolvimento industrial e a superação do modelo
“substituição de importações”. A intervenção estatal se fazia necessária para
operar uma seletividade no que deveria entrar e sair do país, como esclarece
Campos (2009, p. 130),

o critério de essencialidade e seletividade se


consubstanciou na busca da industrialização pesada,
revelando uma clara opção pelos setores de base e um
tipo de internacionalização que por meio da ação estatal
teria uma lógica determinada pelos centros internos
de decisão. Os instrumentos regulatórios expressavam
esse desejo que obviamente não iria se realizar pelos
canais jurídicos em si, mas pela criação de empresas
estatais como a PETROBRÁS, a ELETROBRÁS, a
constituição racional dos esquemas internos de gasto, a
intermediação financeira do BNDE, a divisão de tarefas
entre o IDE, poder público e setor privado nacional,
sem falar dos créditos líquidos oriundos dos EUA.

101
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

Com os recursos adquiridos, o aparato estatal conseguiu deter o


controle nacional da produção de aço mediante a constituição e o controle
da CSN, da COSIPA e da USIMINAS; a produção de aço, pela Companhia
Vale do Rio Doce; a produção e refino de petróleo, pela Petrobras; a
produção de soda cáustica, pela Companhia Nacional de Álcali e o controle
de parte da produção de energia, pela Eletrobrás – alcançando o controle
completo somente na década de 1960 com a privatização da Light e outras
empresas privadas, mas num contexto que estava longe de contrapor-se aos
interesses do capital estrangeiro.
Além disso, o governo conseguiu constituir uma infraestrutura básica
para atender às demandas do capital e fazer fluir com mais rapidez a força de
trabalho do campo para a cidade. Nessa perspectiva se forjaram o DNER e
os DERs, a Rede Ferroviária Federal, a navegação de cabotagem pela Lloyd
Brasileiro e Companhia de Navegação Costeira etc. (SOCHACZEWSKI,
1993, p. 106). A maioria dessas empresas seria privatizada no decorrer da
década de 1990, representando o completo desmonte da estrutura oriunda
dessa etapa do desenvolvimento do capitalismo no Brasil.
Além das empresas estatais, a intervenção governamental na economia
interna permitiu a constituição de empresas mistas, que tinham como propósito
captar recursos no mercado nos termos capitalistas, sem nenhuma preocupação
com os interesses da sociedade, e muito menos da classe trabalhadora. A forte
intervenção estatal na economia implicou uma elevação da participação do
Estado na constituição do PIB, que chegou a 14,6% em 1952 e a 17,5% em
1961, sem contar a formação de capital das empresas estatais em consórcio
com o setor privado (SOCHACZEWSKI, 1993, p. 106).
No quadro de uma economia dependente e subordinada, em que a
fuga de capitais impedia um processo de acumulação adequada à transição
do capital mercantil para o capital financeiro, o Estado deveria incorporar as
funções singulares de grande investidor nacional e conquistar os principais
nichos do mercado com as grandes corporações onde fosse possível. Já onde
não fosse possível deveria desempenhar funções coadjuvantes mediante o
controle de parte da infraestrutura montada. As concessões realizadas pelos
novos gestores e pelas novas “personificações” do capital que entram em cena

102
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

com o fim do segundo mandato de Getúlio Vargas não significam o colapso


do modelo “substituição de importações” e do Estado como representação
do capital industrial e capital financeiro, como se verá a seguir.

3.3 As multinacionais e a internacionalização da industrialização do Brasil


O Estado Novo e segundo governo Vargas asseguraram uma espécie
de realização formal da nacionalização da economia brasileira mediante
uma combinação da expansão de empresas estatais com as empresas
privadas. A parceria do Estado com a burguesia industrial tinha permitido
o deslocamento de capital da produção agroexportadora para a produção
industrial, diminuindo a diferenciação entre produtos primários e produtos
terciários. Além disso, as manobras com o capital estrangeiro possibilitaram
uma presença mais intensa das multinacionais no complexo agroexportador,
sendo mais reduzida no complexo industrial. Depois do término da
Segunda Guerra, tornou-se mais intenso o assédio das multinacionais para
se inserirem no complexo industrial. O nacionalismo de Vargas, expresso
na campanha “o petróleo é nosso”, parecia contrapor-se a essa vertente. A
burguesia brasileira passava a resistir à intervenção estatal na economia e
defendia a necessidade de estabelecer uma aliança com as multinacionais
para assegurar o estágio de substituição intensa de importação.
A força do capital estrangeiro se deu pela mediação de suas
subsidiárias instaladas no país a partir da década de 1950; as tentativas de
controle, como a Lei de Remessas de Lucro (1962) para o exterior, foram
revogadas. A pressão dos organismos internacionais (FMI, Banco Mundial,
BIRD) e dos bancos americanos (EXIMBANK, Chase Manhattan, J. P.
Morgan etc.) para a liberalização da economia encontrou no governo
Café Filho seu ponto de irradiação, subsidiou o Plano de Metas de JK
e encontrou todas as condições e possibilidades de desenvolvimento
no regime empresarial-militar. A onda liberalizante visava consolidar a
conquista do mercado interno não somente para o capital industrial, mas
especialmente para o capital financeiro.
Com Juscelino Kubitschek (1956-1961), o projeto
desenvolvimentista deveria seguir adiante, somente obedecendo ao

103
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

abecedário de recomendações, ajustes e compromissos estabelecidos pelo


Banco Mundial e pelo FMI, enquanto correia de transmissão dos interesses
das corporações estadunidenses. É nessa perspectiva que se inscreve o Plano
de Metas, que pretendia fazer o Brasil crescer em cinco anos o equivalente a
cinquenta anos. Segundo Iglésias (1993, p. 270):

As metas são em número de 31: de energia (1 a 5:


energia elétrica nuclear, carvão, petróleo [produção
e refino]); transportes (6 a 12: estradas de ferro
[construção e reequipamento], rodagem, marinha
mercante, portos e barragens, transportes aéreos);
alimentação (13 a 18: trigo, matadouros, frigoríficos,
mecanização, fertilizantes); indústrias de base
(19 a 29): borracha, exportação de ferro, veículos
motorizados, construção naval, maquinaria pesada e
equipamentos elétricos; de educação (30); finalmente,
a meta-síntese, a construção de Brasília (31).

O modelo “substituição de importações” passa por uma


reconfiguração na década de 1950, devido ao novo cenário econômico
internacional, em que o capital estrangeiro estabelece uma aliança com
setores fundamentais da burguesia brasileira (agroexportadora, industrial e
midiática). O destino fatídico de Getúlio Vargas e a ascendência do governo
JK denotam a necessidade da reabertura do mercado interno para o capital
estrangeiro. Isso pode ser notado no governo Dutra, quando o Banco
Mundial e o FMI realizaram o primeiro empréstimo brasileiro no pós-
guerra (1949), sendo liberados 75 milhões de dólares para financiar as obras
de energia e telecomunicações. A expansão da dívida externa marca os anos
subsequentes, expondo a relação de dependência externa do governo JK.
O Brasil que havia saído da guerra com sua dívida externa
praticamente liquidada, imediatamente restabelece sua dependência, com
a prevalência dos interesses das corporações transnacionais gigantescas e
dos monopólios industriais, que passaram a comandar de maneira direta a
maquinaria estatal. Nos anos subsequentes seriam liberados 36 bilhões de
dólares pelos banqueiros americanos, divididos em vários empréstimos, sob a

104
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

inscrição de milhares de recomendações que demonstravam que a conquista


do mercado interno para o capital não seria realizada sem a participação do
capital financeiro americano e de outras praças. A reentrada em cena do
capital financeiro internacional no mercado interno deveria crescentemente
retornar aos seus mercados de origem na forma da reprodução ampliada.
Escreve Almeida (2010, p. 126): “A política cambial e de capitais estrangeiros
extremamente liberais que, se inicialmente foi importante para financiar a
acumulação de capital, depois provocou o surgimento de uma massa de
lucros que buscava retornar à circulação do capital-dinheiro”.
A aparente autonomia da política econômica estabelecida pelo
governo Vargas não significou uma ruptura com a dominância do capital
financeiro, pois não houve ruptura alguma com o capital internacional. Isso
pode ser comprovado pela completa subordinação da economia brasileira
ao dólar. A mercadoria dinheiro nacional com o lastro ouro-libra inglês
foi substituída pela mercadoria dinheiro nacional com o lastro dólar-ouro,
segundo os ditames estabelecidos em Bretton Woods. Por sua vez, tentou-
se plasmar um espaço para o desenvolvimento do capital financeiro e
industrial sem a hegemonia do capitalismo americano. Tratava-se de um
capital estatal monopolista, com anteparo da frágil burguesia nacional,
sem condições de disputar o mercado e concorrer com as corporações
transnacionais. Isso não deixava de representar uma espécie de ruptura
com o modelo de desenvolvimento do capitalismo em que as deliberações
decisivas dos rumos da economia nacional eram realizadas em Londres ou
Wall Street. No entanto, não se pode esquecer o caráter internacionalizado
da produção agroexportadora, cujo mercado mundial transformou a
produção agrícola num produto de sobremesa.
Ao tentar modificar a pauta da economia nacional centrada na
produção de produtos primários para o mercado internacional, o Estado
visou diversificar a produção nacional introduzindo um processo de
industrialização que alteraria a natureza da produção concentrada na
exportação de commodities. O incentivo à industrialização representava uma
inversão na pauta agroexportadora que resultava das determinações do capital
forâneo. Ao inverter a pauta, criavam-se novos mecanismos de acumulação

105
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

de capital, sem deixar de incentivar a ampliação dos velhos mecanismos


de acumulação centrada nas expropriações. Isso demonstra que o capital
industrial-financeiro não consegue se desprender do capital mercantil, ou
seja, da forma da acumulação originária – que remete ao pecado original –,
enquanto forma medular da gênese do modo de produção capitalista.
O Plano de Metas não serviu apenas para alavancar o desenvolvimento
industrial, mas também para promover a expansão e a modernização do setor
agrícola, mediante o financiamento para a aquisição de tratores, caminhões,
fertilizantes, armazéns, centros de abastecimentos, construção de estradas e
de unidades de frigoríficos. A construção de Brasília não atendeu somente aos
interesses das grandes construtoras, como a Camargo Corrêa, das empresas de
aço, ferro, cimento, material elétrico etc., mas atendeu também aos interesses
da burguesia agrária. Significou uma ampla oportunidade de expansão de
unidades produtivas nas fronteiras abertas, à custa da expropriação das terras
dos pequenos posseiros, indígenas e camponeses.
O governo JK representou a continuidade da política de incentivo ao
investimento estatal para o desenvolvimento industrial; no entanto, a política
dos monopólios não deveria ficar concentrada ao capital de procedência e
controle estatal, mas se irradiar por todos os poros da economia. A abertura
para os capitais transnacionais exigia o reconhecimento jurídico daquilo
que existia de fato e dominava a economia mundial. A tentativa estatal de
servir como ponto de equilíbrio e equidade no jogo de forças entre capital
nacional e capital internacional deveria deixar de existir. A burguesia
nacional reconhecia a fragilidade de qualquer tentativa de assegurar o
monopólio do mercado interno para as empresas estatais e para o capital
nacional, num tempo de domínio do capital transnacional e quando o
principal centro da economia nacional (a agricultura) nunca deixou de se
articular aos imperativos transnacionais.
Apesar de não se constituir como principal vetor do desenvolvimento
industrial, o capital transnacional nunca deixou de interferir nos desígnios da
economia nacional entre 1930 e 1950. Por sua vez, a relação com o mercado
mundial continuava e o fim das experiências com padrão-ouro representou a
dependência americana do dólar. Tal dependência se inscreveu num terreno

106
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

complexo, em que se colocava a necessidade de plasmar um amplo mercado


consumidor interno para atender às demandas do capital financeiro por novos
mercados. A crise da libra esterlina encontrou seu coroamento na formulação
do regime monetário de Bretton Woods. “A Conferência de Bretton Woods,
da qual surgiram o FMI e o Banco Mundial, reuniu 44 Estados, inclusive
o Brasil, representado pelo Ministro da Fazenda, A. de Souza Costa, e por
economistas reconhecidos, como Francisco Alves dos Santos Filho, Eugênio
Gudin e Octávio Gouvêa de Bulhões” (ROSA, s/d, p. 6).
O padrão ouro-dólar serviria para expandir o comércio mundial
e os investimentos no exterior segundo os interesses do capital financeiro
americano, cuja política de empréstimos e investimentos seria assegurada
pelo complexo industrial-militar, com inúmeras bases militares construídas
em distintas partes do mundo. Com a paridade ouro-dólar, a riqueza
mundial seria, doravante, drenada para os cofres do Tesouro americano
e para o FED. O arranjo monetário internacional tornava-o avalista da
liquidez mundial via aumento dos déficits em balança de pagamentos.
Assim, os Estados Unidos controlavam a liquidez mundial e as importações
de distintos países.
A insegurança promovida pelos capitais privados no mercado
internacional justificou a necessidade de um novo ordenamento econômico
sob a liderança do imperialismo americano no pós-guerra. Para isso foi
criado em 1944, em Bretton Woods, Estado de New Hampshire (EUA), o
Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI)6, estabelecendo
o dólar como moeda internacional em substituição ao padrão ouro-libra.
A instituição multilateral (FMI) deixou de investir na recuperação das
economias afetadas pela guerra na década de 1960, para concentrar seus
recursos nos empréstimos aos países subdesenvolvidos.
O sistema que vigorou entre 1944 e 1971 tendo o Banco Mundial
e o FMI como avalistas dos interesses americanos entrou em colapso no
6
Segundo Granemann (2006, p. 103): “O Banco Mundial é um grupo formado pelas cinco
organizações seguintes: a) Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento
(BIRD); b) Associação Internacional de Desenvolvimento (AID); c) Corporação
Financeira Internacional (IFC); d) Agência Multilateral de Garantia de Investimentos
(AMGI); e) Centro Internacional para Acerto de Disputas de Investimento (CIADI)”.

107
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

começo da década de 1960, quando a Suíça, a Inglaterra e seis Estados das


Comunidades Europeias comprometeram-se a não converter seus dólares
em ouro, aumentando consideravelmente a pressão pela desvalorização da
moeda americana. O fim do regime de Bretton Woods ocorreu em 1971,
com a declaração oficial de Richard Nixon. A partir de 1978, o regime
de vinculação a uma paridade fixa foi substituído pelo regime de taxas
flutuantes (ROSA, s/d, p. 14). O fim do regime de paridade ouro-dólar
representou uma enorme desvalorização da moeda americana; o dólar
deixou de servir como referência aos principais bancos centrais europeus
em 1973. E da mesma maneira que as outras moedas, passou a sofrer com
as oscilações do mercado e a também flutuar (ROSA, s/d, p. 15).
A evolução da presença americana na economia mundial foi
expressiva entre 1920 e 1960. Dreifuss assinala que:

O capital americano, que detinha somente 2,0% dos


investimentos no exterior no primeiro quarto do século,
passou a ocupar em 1960 uma posição proeminente,
possuindo perto de 60% dos investimentos
estrangeiros. Enquanto isso, a participação da Grã-
Bretanha, França e República Federal alemã caia para
30% (DREIFUSS, 1981, p. 57).

A presença das filiais das corporações estrangeiras no Brasil como


expressão da presença do capital financeiro resulta do entendimento do
capital financeiro como um todo orgânico e articulado, em que o capital-
mercadoria e o capital-dinheiro se fazem presentes. O capital financeiro
objetiva-se na forma de trustes e cartéis, como um conjunto de empresas
interligadas aos bancos. Apesar de sua predominância se expressar somente
nas economias centrais, isso não deve obliterar a sua verdadeira anatomia,
pois ele se irradia pelos distintos complexos da economia, controlando de
alto a baixo a nova forma de sociabilidade existente tanto na metrópole
quanto nas economias colonizadas.
Na etapa de constituição do modelo “substituição de importações”,
o capital financeiro possuía um vínculo maior com o capital produtivo.

108
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

O investimento em setores estratégicos da economia revela que o lucro


emanava diretamente do processo de produção e realização da mais-valia,
sendo grande parte desta mais-valia drenada para os centros de comando
do capital. A década de 1970 representa uma virada nesse modelo,
especialmente quando o vetor fundamental da economia internacional
passa a configurar-se como uma entidade autônoma, em que o dinheiro é
capaz de gerar-se a partir do nada. Numa espécie de alquimia, o monstro
parece ter vida própria, aprofundando o fetiche da mercadoria e a natureza
abstrata do capital.
O fim da Segunda Guerra Mundial impôs a reabertura das
importações e, posteriormente, medidas na perspectiva de possibilitar a
abertura do mercado para o capital estrangeiro, seus aglomerados industriais
e financeiros. Segundo Cano (2004, p. 11):

Em 1955 já se notava maior avanço na estrutura


industrial: a participação dos bens de consumo
não durável caíra de 75% para 55%; a de bens
intermediários já se aproximava dos 35% e a dos
setores mais complexos (bens de capital e de consumo
durável) em torno de 10%. A indústria já participava
com cerca de um quarto no PIB e a agricultura outro
tanto. Tomado todo o período 1929-1955, observa-
se que a agricultura crescera a uma taxa superior à
demográfica enquanto a do produto industrial teve
média anual de 7,3%, mais elevada, portanto, do que
a observada no período 1900- 1929 que fora de 5,6%.

A segunda metade da década de 1950 corresponde ao período de


aceleração do crescimento industrial possibilitado pelo Plano de Metas,
tendo o capital estrangeiro como aliado fundamental. A política econômica
traçada pelo Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek trazia
como prioridade um tratamento especial para o capital estrangeiro e para
as importações de capitais e mercadorias, especialmente as relacionadas aos
setores automobilístico e naval. Entre 1952 e 1963, o BNDE concedeu o
montante de 64 milhões de cruzeiros de empréstimos para o setor privado,

109
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

sendo 28% para o complexo industrial e 10% para o setor automobilístico


(CAMPOS, 1993, p. 103). Além disso, o BNDE havia emitido parecer
favorável para a captação do montante de 890 milhões de dólares no
exterior para a iniciativa privada, sendo 382 milhões para as indústrias
básicas (CAMPOS, 2003).
A entrada em cena das multinacionais na época de Juscelino
Kubitschek representa a internacionalização da economia brasileira e a
constituição de uma relação de dependência que representa a reedição da
política de endividamento interna que perpassou o controle da economia
brasileira pela casa Rothschild ao longo do século XIX. O Brasil vai se
plasmar como o país da América Latina que mais inseriu multinacionais no
corpus de sua estrutura produtiva na década de 1950. A implementação das
multinacionais se inscreveu no panorama internacional de mundialização do
capital, entendido como um sistema mundial integrado que “torna possível
a construção de um mecanismo descentralizado de valorização do capital”
(CAMPOS, 2009, p. 22, nota 61).
Na etapa precedente, as multinacionais haviam se dedicado ao
setor agroexportador e ao setor de serviços, dedicando restrita atenção
ao complexo industrial. A partir das garantias oferecidas pelo Plano de
Metas, elas expandiram seu interesse para a produção manufatureira,
demarcando o segundo estágio de substituição de importações. Dreifuss
destaca o movimento de expansão do capital norte-americano no complexo
industrial entre 1929 e 1960, nos termos:

Em 1929, a metade dos investimentos americanos


ia para companhias de utilidade pública, Mineração,
petróleo e comércio representavam 26% do total. No
fim da guerra, a manufatura achava-se no mesmo plano
das companhias de utilidade pública, cada uma com
39%, e o resto dividido entre o comercio, mineração e
petróleo. Em 1950 a manufatura já representava 44%,
subindo a 54% em 1960 e atingindo 68% em 1966.
(DREIFUSS, 1981, p. 52-53).

110
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

A burguesia nacional acumularia expressiva desvantagem na


concorrência com o capital transnacional nas áreas de serviços públicos,
distribuição, bens duráveis e maquinário pesado. Apenas os investimentos
estatais conseguiam se aproximar dos investimentos das multinacionais
no segmento da indústria de base. A hegemonia americana seria
contrabalançada pela presença do capital de procedência alemã:

A Alemanha Ocidental, recuperada como potência


econômica, destinou-lhe [Brasil], entre 1951 e 1961,
a maior parcela do total dos seus investimentos no
exterior (17,6%), cerca de 598 milhões de marcos,
grande parte durante o Governo Kubitschek. Isto
fortaleceu, sem dúvida, a área de resistência aos Estados
Unidos e acirrou a luta interimperialista, engendrando
inúmeras contradições no quadro brasileiro, tanto
econômico quanto político. Mas o rush dos capitais
europeus, os alemães liderando, foi igualmente um
dos fatores que impeliram os Estados Unidos a
incrementar os investimentos na indústria brasileira,
a partir de 1956, para manterem e consolidarem a sua
hegemonia (CAMPOS, 2009, p. 20).

A indústria automobilística representou um campo de disputa entre


multinacionais alemãs e americanas. As multinacionais elegeram como
campo de ação preferencial o setor de transporte ou indústria automobilística,
química, equipamentos elétricos e mecânicos. A taxa de crescimento de
11% anualmente contou com expressiva contrapartida dos trabalhadores
brasileiros, que financiaram as grandes obras de maneira direta ou indireta –
as corporações do complexo da eletricidade Light e a American and Foreign
Power (Amporf ) ficaram com grande parte dos recursos cooptados no exterior
no final da década de 1950, graças à Instrução 113 do SUMOC, estabelecida
pelo governo Café Filho. Segundo Negri (2004, p. 29): “parece consensual
o fato de que o potencial de crescimento do mercado interno constituiu a
principal motivação para as empresas estrangeiras se instalarem no país”.
Os setores mais dinâmicos interessavam às multinacionais pela
possibilidade de extração de mais-valia relativa. Segundo Fausto (2007, p.

111
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

280): “Entre 1957 e 1962, a produção industrial aumentou 11,9% em média


por ano, com particular destaque para os ramos de Material de Transporte e de
Material Elétrico, ambos com 27% a.a., Química com 16,7% a.a., Mecânica
com 15,6% a.a. e de Borracha com 15% a.a.”. Nessa etapa houve uma
restrição no crescimento da indústria leve, particularmente na indústria têxtil,
com 7,5% a. a., e na indústria de alimentos, com 8,8% a.a. Diferentemente
da expansão industrial precedente, os setores que mais cresceram foram os
relacionados às mudanças industriais que se operaram na época de expansão
e consolidação do capitalismo dos monopólios. O capital estrangeiro auferiu
taxas de 100% no setor automobilístico e no setor de pneus, vidros com 90%
e setor farmacêutico com 86% (FAUSTO, 2007, p. 281).
Nesse tempo histórico, a estrutura produtiva obedecia ao padrão
fordista-taylorista. As filias eram coordenadas por um centro de comando
fixado em suas matrizes, sem nenhuma interação entre as filiais. A filial
instalada na periferia, segundo Campos (2009, p. 24), “nacionalizava” seus
interesses externos de acumulação, colocando-se como “parceira”, visto
que as potencialidades de o Estado submeter a valorização do capital
estrangeiro aos interesses do espaço econômico nacional sempre foram
reduzidas”. O Estado deveria auxiliar no processo de autofinanciamento
das filiais das multinacionais com incentivo fiscal, infraestrutura adequada e
financiamento, desoneração fiscal, elevadas taxas de exploração da força de
trabalho e destruição dos recursos naturais (CAMPOS, 2009).
Ao assumir função essencial no processo de desenvolvimento
industrial e tecnológico do Brasil, o capital estrangeiro (capital financeiro)
deveria paulatinamente apontar o novo lugar de atuação do Estado. A
conquista do Estado pelo capital financeiro foi pavimentada pelo Plano
de Metas, pois efetivamente o comando da economia nacional pelo capital
financeiro apenas se consolida com os militares no poder. A solidariedade
entre Estado, burguesia nacional e capital internacional (financeiro) alcança
um novo patamar com o regime instaurado em 1964. Nesse processo, o
mercado interno e os distintos setores da economia foram distribuídos
entre si na perspectiva de fortalecer a concentração de capitais e a formação
de novos aglomerados. Assim, deixou de existir o pseudoparadoxo entre

112
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

capital nacional e capital internacional. O regime militar-empresarial


superou as antinomias entre Estado e capital estrangeiro, entre burguesia
nacional e internacional, pois estavam irmanados no propósito de explorar
ao máximo os trabalhadores e conquistar o mercado interno para o capital.
A poupança compulsória constituída pelos trabalhadores em seus
Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs) serviu como mecanismo
interno de captação de recursos. Foram os trabalhadores que financiaram
as principais obras de infraestrutura, tais como a construção de Brasília, as
rodovias federais, os conjuntos habitacionais e um conjunto de moradias e
mansões para o alto escalão do governo federal. O Plano de Metas também
contou com a colaboração de um esquema financeiro que passava pela
elevação da inflação devido à emissão de papel-moeda no mercado interno,
pela venda de títulos da dívida pública e pelo aumento da carga tributária
sobre os trabalhadores (Imposto de Renda, Imposto de Consumo, Imposto
de Vendas e consignações etc.).
Os mais atingidos pelas medidas de acumulação e ampliação da
arrecadação estatal foram os trabalhadores; daí o aumento do número de greves
e movimentos de reivindicação dos trabalhadores nesse período. Entre 1953 e
1959, o salário dos servidores públicos teve queda entre 10% e 23%. As medidas
de contenção de despesas com salários e ampliação da arrecadação permitiram
um crescimento de mais de 15% entre 1956 e 1961 (SOCHACZEWSKI,
1993, p. 112). O crescimento da oferta de emprego no mercado, motivado
pela aceleração da industrialização, não representava uma elevação nos níveis
salariais dos operários (SOCHACZEWSKI, 1993, p. 110).
Apesar das dificuldades impostas pelo imperialismo americano
para assegurar os interesses das grandes corporações e multinacionais, a
política de conciliação de classe posta em curso pelos governos populistas
havia conseguido transcender o desinteresse do capital forâneo e os limites
do capital privado nacional, fazendo a maquinaria estatal brasileira buscar
a autonomia na produção de petróleo, aço, produtos químicos, bancos,
transporte, energia, telecomunicações e na implantação de uma indústria
de base na região paulista. A política de descentralização expressa na
construção de Brasília não obstruiu o movimento crescente de urbanização

113
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

e industrialização de São Paulo; a força de trabalho deslocada do Nordeste


serviu de base para os grandes empreendimentos. A dinâmica da
industrialização incluiu inúmeras outras cidades e regiões, à proporção que
os bancos de desenvolvimento financiaram grandes projetos em diversas
partes do país. Com isso, a produção de bens de consumo industrializada
deixou de ser uma peculiaridade do Rio de Janeiro e São Paulo, como
acontecia antes da década de 1930.
Nada disso seria possível se o capitalismo monopolista de Estado
não incorporasse as funções basilares de capital financeiro e capital
industrial na etapa precedente. O monopólio da exploração e refino do
petróleo não seria possível com medidas simplesmente políticas ou decreto
presidencial; ele emana do papel efetivo que o Estado passou a exercer na
economia. O aparato estatal não conseguiria disputar o mercado nacional
com as grandes corporações internacionais se ele mesmo não houvesse se
transformado numa forma particular de manifestação do capital industrial-
financeiro e expandisse seus tentáculos aos diferentes setores da economia.
Não se deve esquecer que o capitalismo é um produto do mercado mundial
e da necessidade de expansão do capital.
O Estado não pode controlar o capital, pois este é incontrolável por
sua própria natureza. O Estado não é senhor do capital, mas servo dele. O
fortalecimento da burguesia industrial brasileira entre 1930 e 1956 permitiu
que ela estabelecesse nova aliança com o capital internacional, a fim de
assegurar sua participação tanto do mercado interno quanto do mercado
externo. O protagonismo não é do Estado, mas do capital, pouco importando
a forma como ele se configura. O Estado tinha realizado sua tarefa de
conquistar parte expressiva do mercado interno para o primado absoluto
do capital; essa tarefa deveria continuar, doravante, com a adesão do capital
estrangeiro e suas multinacionais.
Diante das dificuldades encontradas na estrutura executiva
e no Congresso Nacional para validar os interesses corporativos das
multinacionais em seu Plano de Metas, Juscelino Kubitschek constituiu
uma espécie de poder tecnocrático paralelo, formado por conselhos
e comitês especialistas, consultorias, comissões e equipes de trabalho,

114
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

hegemonizado pelos representantes das empresas privadas, empresários,


militares, banqueiros etc. Isso permitiu uma coexistência pacífica entre
capital nacional e capital transnacional, evitando a presença dos segmentos
contrapostos. Com o Plano de Metas, o Estado consegue dissimular o
efetivo poder do capital. A intervenção estatal na economia não passava de
mera formalidade e abstração; efetivamente quem comandava o movimento
real da economia era o capital transnacional. O Estado deveria servir como
mera correia de transmissão dos interesses das grandes corporações, levando
os recursos necessários para assegurar elevados padrões de lucratividade à
burguesia nacional e internacional.
O Plano de Metas foi realizado pelo corpo dirigente da burguesia
nacional e internacional, num tempo histórico em que a burguesia passava
a discordar da predominância da intervenção estatal. O Estado onipotente
e poderoso deveria tão somente impedir o avanço das conquistas dos
trabalhadores. A apologia da completa privatização dos meios de produção
era tese defendida pelos empresários e validada pelos militares formados
na Escola Superior de Guerra. O Estado é indubitavelmente o comitê dos
negócios da burguesia e do capital monopolista contra os trabalhadores.
Não poderia existir disputa pelo controle do Estado, pois ele pertence ao
capital. A forma como ele age pode se configurar distintamente, mas a sua
função é preservar os interesses do capital contra o trabalho.
As distintas formas de governo da burguesia não devem ser
caracterizadas simplesmente pelo nível de coesão adotado pela maquinaria
estatal da burguesia, pois não há um termômetro para aferir que sistema
comete mais ou menos violência contra os trabalhadores. Todos são
violentos pela própria natureza do capital. O Estado será sempre o Leviatã,
uma espécie de monstro que se ergue contra o trabalho para assegurar a
reprodução do capital. É preciso considerar o universo de contradições de
cada uma dessas formas (democracia burguesa, bonapartismo, ditadura
militar e nazifascismo) de manifestação do Estado. A democracia burguesa,
por exemplo, pode se objetivar sob a forma de governos liberais ou neoliberais,
conservadores e neoconservadores, social-democratas e de extrema-direita,
Frente Popular e sistemas parecidos com a ditadura (diferentes eleições

115
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

fraudadas na América Latina, como Honduras e Colômbia, para não citar


os próprios EUA). Existem vários aspectos no interior da democracia
burguesa que a aproximam de práticas bonapartistas e neofascistas, a
depender das condições históricas e do movimento do capital.
O Plano de Metas representa a continuidade da conquista
do mercado interno para o capital financeiro. Para isso não deixou de
recorrer à política de conciliação de classes; a função de João Goulart
na vice-presidência entre 1956 e 1961, e depois entre 1962-1964, teve
este propósito. O esgotamento da política de conciliação de classes não
representa o fim da tarefa precípua do Estado e do modelo “substituição
de importações”. Os ajustes realizados no referido modelo com a entrada
em cena das multinacionais na década de 1950 e o realinhamento da
participação da burguesia nacional serão ampliados com o regime
empresarial-militar, na perspectiva de realizar a completa transição
do capital industrial para o capital financeiro, ou seja, para assegurar o
capitalismo de monopólios e a internacionalização da economia brasileira.
O discurso da burguesia nacional e internacional assentado na
necessidade da restrição da participação do Estado na economia e no
estabelecimento de um equilíbrio nas contas públicas não passava duma
estratégia para esmagar os trabalhadores. O regime militar-empresarial,
instituído em 1964, tinha como preceito fundamental eliminar toda
resistência manifestada na organização do trabalho. A propagada da ameaça
comunista, alimentada pela política da Guerra Fria, visava pavimentar
o caminho para a hegemonia absoluta das multinacionais e do capital
financeiro sobre o trabalho no Brasil.

116
CAPÍTULO iv
O ESTADO E A CONQUISTA DO MERCADO INTERNO PARA O
CAPITAL FINANCEIRO (1964-1988)
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Carlos Marighella

A natureza subordinada do Estado aos imperativos de comando do


capital transnacional e nacional que perpassou o Império e República Velha
deveria retornar de uma maneira muito mais sofisticada no tempo histórico da
hegemonia americana sobre a economia mundial. O golpe militar-empresarial
instaurado em 1964 aperfeiçoou a natureza protofascista do Estado e sua
estrutura autoritária de comando sobre as distintas parcelas da sociedade. O
Estado militarizado aprimoraria o controle sobre as forças endógenas que
apresentassem resistência à subordinação.
O desenvolvimento da indústria brasileira não poderia se realizar
sem recorrer aos benefícios do desenvolvimento tecnológico alcançado pelos
setores mais dinâmicos e produtivos da economia mundial. O vínculo com o
mercado externo deveria se estreitar na perspectiva de assegurar o sucesso da
realização do desenvolvimento tardio do capitalismo brasileiro. A soberania da
indústria e do sistema financeiro nacional em relação à indústria estrangeira
não passava de arrumação ideológica destituída de objetividade. A indústria
nacional não poderia desenvolver-se de outra forma que não fosse articulada
aos interesses das grandes corporações transnacionais. Todas as manifestações
de resistência foram destruídas sob a égide do capitalismo monopolista.
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

O golpe representou a reconfiguração do Estado como representante


dos interesses das grandes corporações transnacionais, superando as ilusões
políticas da esquerda, que cultivava a possibilidade duma aliança entre
burguesia nacional e operariado, para assegurar o desenvolvimento do
capitalismo nacional sem interferência do capital monopolista transnacional.
A nova fase serviria aprofundaria a hegemonia do capital estrangeiro e
anularia a primazia que o aparato estatal possuía no controle da economia
doméstica. O poder das multinacionais requer uma política nacional que a
enrede completamente nos tentáculos do capital financeiro internacional.
A concentração de capitais deveria limpar o terreno dos entulhos
representados pelas empresas e indústrias sem condições de concorrência,
tanto pela falta de capacidade de investimento com recursos próprios
quanto pela incapacidade de captar recursos no mercado externo, como as
multinacionais e as corporações nacionais. Com isso, abria-se uma excelente
oportunidade para o desenvolvimento da capacidade ociosa dos grandes
grupos industriais instalados. Através da nova rede de solidariedade com o
capital estrangeiro, o Estado empresarial-militar conseguia captar recursos
no exterior para continuar desenvolvendo empresas públicas (minerais,
equipamentos, petroquímica, construção naval, transporte e energia elétrica)
e o sistema financeiro privado, não deixando de fora as firmas financeiras
que atuavam na Bolsa de Valores.
O consórcio estabelecido entre Estado e capital estrangeiro levava
à concentração e à formação de novos oligopólios, operando uma profunda
reconfiguração dos distintos setores que foram forjados na primeira fase
do modelo “substituição de importações”. A “substituição de importações”
assumia a forma de “substituição intensa de importações”, implicando que
a substituição em nada se contrapunha às forças heterogêneas que atuavam
no mercado externo.
A conquista do mercado interno para o capital se realizou
sem contraposição ao processo de acumulação primitiva de capital; as
grandes obras em regiões inóspitas do país tiveram acentuada relevância
nesse processo. A expansão de novas fronteiras para o capital se fez pela
mediação da formulação de projeto de infraestrutura como o da construção

118
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

da Transamazônica. O insucesso dessa empreitada não deve obliterar seu


propósito essencial de constituir-se como penetração do capital na região
Norte. Essa região serviria para o cultivo de atividades distintas, como
comércio de commodities, exercício de empreendimentos extrativistas
e para a realização de projetos do tipo Carajás I, II e III. A exploração
de novas regiões de fronteiras trazia a possibilidade de expropriação de
riquezas naturais preservadas pelas populações nativas, especialmente
as comunidades indígenas e quilombolas, que tenazmente resistiram à
penetração do capital em suas terras.
Na exploração de novas fronteiras para o capital há uma estrita
articulação entre capital financeiro e Estado, entre capital privado (nacional
e estrangeiro) e capital estatal. O capital revela-se como verdadeiro sujeito
do processo de conquista das diferentes áreas geográficas; assim, novos
contingentes populacionais são inseridos no sistema do capital de maneira
arbitrária, já que os interesses do mercado estão acima da necessidade
de preservação dos distintos ecossistemas e do meio ambiente. A fim de
atender aos imperativos da expansão e acumulação do capital, a natureza e
os seres humanos são transformadas em mercadorias.
O capital forâneo e o nacional se locupletaram com o incentivo
concedido pelo Estado empresarial-militar. Seu ponto culminante foi a
constituição do “mercado de capitais”. Nessa etapa, o centro de comando
deixou de ser a necessidade de estruturação de um parque industrial para
a estruturação do mercado de valores, perdendo o capital financeiro seu
interesse em investir no setor produtivo para investir prioritariamente no
setor especulativo.
Na perspectiva de implementar as novas bases do desenvolvimento
nacional sem estabelecer nenhuma ruptura com o capital financeiro
internacional, os representantes do novo regime operaram reformas no
sistema monetário (1864) e no sistema financeiro (1965). A natureza
anacrônica do sistema financeiro brasileiro, que impedia a livre
participação do capital estrangeiro e colocava sempre limites ao capital
privado, deveria ser superada e assumir funções análogas aos seus pares
nas economias mais adiantadas. Desse modo, novas instituições foram

119
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

criadas, como o Banco Central, as cadernetas de poupança, as letras de


câmbio, o BNH (Banco Nacional de Habitação) etc.
O Plano de Ação Econômica (PAEG) foi estabelecido na
perspectiva de “equilibrar as contas do governo, controlar a inflação e
desenvolver o mercado de crédito” traçado pelo governo Castello Branco,
sob a orientação de Roberto Campos (Ministério do Planejamento) e
Otávio Gouveia de Bulhões. (Ministério da Fazenda). A Lei de Reforma
Bancária, de 31 de dezembro de 1964 (Lei 4.595), demonstrou que o efetivo
interesse do governo era desenvolver o mercado de crédito e enredar a classe
trabalhadora de maneira categórica em seus tentáculos. Para isso, a referida
Lei estabelecia: a) fim do limite máximo de 12% para as taxas de juros, ou
seja, o sistema financeiro podia agir livremente no mercado, cobrando as
taxas de juros que bem quisesse; b) incentivo ao processo de incorporação e
fusão dos bancos e das instituições financeiras, ou seja, estabelecer as bases
para a consolidação dos interesses das grandes corporações financeiras; c) a
constituição de novas instituições financeiras; doravante, passavam a existir
bancos comerciais, bancos de investimentos, corretoras etc. (ALVARENGA,
2013); d) novos programas de seguro social, como o PIS e o PASEP, que
atuaram como mecanismos forçados de poupança privada, drenando os
recursos dos trabalhadores para os capitalistas; e) a criação do Conselho
Monetário Nacional (CMN) e do Banco Central (BC), permitindo que a
burguesia financeira nacional administrasse diretamente seus negócios em
consonância com o capital internacional.
Com a reforma do sistema financeiro, o Banco do Brasil deixava
de ser a autoridade monetária e passava a constituir-se como instituição
financeira responsável pela execução das políticas financeiras estabelecidas
pela nova autoridade monetária, o Banco Central. Este passava a figurar
como autoridade financeira maior e órgão deliberativo das políticas
monetárias estabelecidas.

Uma grande mudança, todavia, estava prevista para


a organização do setor bancário privado. As novas
regras incentivavam a diversificação: criação de
bancos comerciais para ofertar crédito de curto e

120
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

médio prazo, e companhias de crédito, financiamento


e investimento (financeiras) para financiar o crédito
de consumo. Bancos de investimento privados foram
regulados pela Resolução no 18, de 18.02.66 do
CMN, sendo a eles reservado o papel de fornecer
crédito de longo prazo e subscrever emissões de ações
e dívida de companhias abertas. Foi regulamentado
o papel das corretoras de valores: elas deveriam
fomentar o crescimento dos mercados de capitais.
Por último, outros tipos de intermediários financeiros
foram autorizados. Em 1974, por exemplo,
nasceram as sociedades de arrendamento mercantil
(MIRANDOLA, 2010, p. 50).

A captação de recursos no exterior deixava de ser monopólio


do governo e das instituições públicas. Com a nova lei, as instituições
financeiras privadas passavam a usufruir também desse direito. Os bancos
privados tinham agora a concessão para captar recursos no mercado externo,
a fim de dinamizar e favorecer o mercado doméstico.
A reforma financeira permitiu que o governo emitisse títulos
públicos para cobrir seus gastos, tornando a compra dos títulos atraentes no
mercado pela utilização do expediente da correção monetária. A correção
monetária sempre acima da inflação possibilitava que os investidores
ampliassem os interesses pelos títulos públicos. A correção fazia com que o
governo aumentasse sua arrecadação com impostos e obrigações tributárias.
Enquanto os capitalistas e o governo auferiam taxas sempre acima da inflação,
os trabalhadores tinham seus salários corroídos.
Ao recorrer ao capital estrangeiro para assegurar os padrões de
crescimento desejados, o Estado deixa de cumprir seu papel controlador,
porque o capital internacional não admite ser controlado. Ele se constitui
como um senhor absoluto. O capital estrangeiro não poderia aceitar
nenhuma forma de subordinação aos imperativos do Estado. O Estado é
quem deve se submeter aos imperativos do capital.
O capital financeiro impõe-se pela mediação da articulação do Estado,
do capital nacional e do capital estrangeiro. Os monopólios e o imperialismo
se constituem como quintessência do capital financeiro. O imperialismo é

121
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

um produto direto do capitalismo financeiro. Este reverbera sobre o Estado,


mas antes se configura no complexo da política e se constitui como política
dos Estados nacionais das economias mais desenvolvidas; ele é parte inerente
e visceral do capital financeiro. Sem a ascendência e a predominância do
capital financeiro sobre as outras formas de configuração do capital inexiste o
imperialismo. O imperialismo, escreve Bukharin (1984, p. 135), “é o elemento
integral do capitalismo financeiro, sem o qual este perderia sua razão capitalista
de ser”. Os trustes e os cartéis são a encarnação dos monopólios enquanto
forma movente e movida do capital financeiro.

4.1 A tríade Estado, capital nacional e multinacional


A triádica relação entre capital nacional, capital estrangeiro e Estado
não poderia avançar sem a primazia do capital internacional, porque o todo é
maior que a soma de suas partes. O todo domina o particular, o maior domina
o menor, e não o inverso. No entendimento de Campos (2009, p. 4):
Ao subordinar-se gradativamente à arte de conquista
do capital internacional, a economia brasileira
viu reduzir-se sua própria capacidade de mover a
industrialização de modo a completar a implantação
das forças produtivas. O resultado é uma economia
nacional portadora de uma indústria relativamente
complexa, mas que sucumbiu paulatinamente à
vulnerabilidade e à incerteza estrutural emanadas pela
valorização do capital internacional.

As bases mais recentes para a hegemonia do capital estrangeiro no


Brasil podem ser encontradas na Instrução 113 (1955), que representou uma
inflexão em relação ao padrão de desenvolvimento capitalista que pautou
a primeira fase da constituição do modelo “substituição de importações”. A
Instrução 113 encontrou seu coroamento no regime instaurado em 1964.
Para assegurar o desenvolvimento do modelo “substituição intensiva
de importações” deveriam ser feitos ajustes na perspectiva de assegurar a plena
inserção do capital estrangeiro, validando o Estado as novas estratégicas de
produção e realização do valor mediante a desoneração fiscal e a liberalidade

122
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

nas transações externas para captação de recursos e remessa de lucros. O


valor que antes somente poderia ser realizado na metrópole agora poderia
sê-lo no Brasil desde que uma parte expressiva do valor produzido e realizado
fosse enviada pelas multinacionais às suas matrizes no exterior.
Isso implicava uma nova forma de expropriação da riqueza
produzida. O Estado deveria formular e efetivar um regime cambial que
facilitasse as transações e o movimento do capital de suas filiais com as
matrizes. Ele asseguraria reserva de mercado e proteção tarifária para
o capital transnacional poder circular livremente no mercado interno
(CAMPOS, 2009, p. 22). Num contexto marcado por profunda dificuldade
de captar recursos no exterior, a política estatal devia incentivar a cooptação
de recursos pelas empresas multinacionais com taxas de juros e amortizações
reduzidas. Essas concessões se tornaram mais recorrentes na medida em
que as estruturas produtivas das multinacionais passaram a colaborar no
processo de inversão das exportações de mercadorias, disputando espaço
com o setor agroexportador.
O capital transnacional dominava os poros mais dinâmicos da
economia doméstica; no setor automobilístico alcançou 100%. Plasmadas
na unidade entre poderio tecnológico e sistema financeiro, as multinacionais
exerciam o controle absoluto de determinados segmentos do complexo
industrial. A hegemonia do capital transnacional era exercida por empresas
americanas como: General Motors do Brasil S.A., Ford Motores do Brasil
S.A., Esso Brasileira de Petróleo S.A., Willys Overland do Brasil S.A.,
General Electric S.A., Força e Luz de Minas Gerais – Grupo Morgan,
Indústria de Pneus Firestone S.A., Indústrias Reunidas Vidrobrás, Texaco
do Brasil S.A. etc. Os americanos representavam 48% das multinacionais
estabelecidas no Brasil na década de 1960.
Na década de 1970, estima-se que 70% dos 7 bilhões de dólares
introduzidos pelo capital estrangeiro tinham como endereço o complexo
manufatureiro, merecendo destaque os investimentos no setor de maquinários,
químicos e de transportes. Em 1972, as multinacionais representavam 147
das 300 maiores empresas instaladas no Brasil, sendo que 100 delas detinham
¾ do volume de capitais existentes (DREIFUSS, 1981, p. 65).

123
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

Entre os 55 grupos multibilionários estabelecidos no Brasil, 56,4%


representavam o capital estrangeiro e 43,6% o capital nacional; somente
37,5% dos grupos não tinham suas ações controladas pelas multinacionais.
A representatividade nacional se manifestava mediante grupos oligopólios
como Ermírio de Moraes, Bueno Vidigal, Quartim Barbosa, Villares,
Mourão Guimaraes, Matarazzo, Camargo Corrêa, Olavo Setúbal, Alfredo
Egydio de Souza Aranha, Amador Aguiar, Walter Moreira Salles, Eduardo
de Andrade Vieira etc. (DREIFUSS, 1981). As empresas nacionais
eram administradas tanto pelos núcleos familiares quanto pela forma de
sociedades anônimas.
O regime inaugurado em 1964 conferiu estatuto legal ao que existia de
fato; aquilo que parecia se configurar como uma prática nociva aos interesses
da sociedade passou a vigorar como sua característica elementar, deixando
de alimentar ilusões humanitárias com o capital e o capitalismo. Não existia
mais lugar para apostar na pequena empresa e nos pequenos bancos como
expressão dos grandes negócios. Neste contexto, o Estado deveria assumir
de forma mais categórica sua relação intrínseca com o sistema financeiro,
na perspectiva de colocar o capital financeiro como centro de comando do
capital produtivo (agrário e industrial).
O papel estatal na perspectiva de desonerar o capital estrangeiro
e assegurar a remessa de lucros para o estrangeiro se galvanizou na
etapa posterior ao golpe de 1964, assumindo suas funções precípuas na
promoção de novos processos de concentração, fusões e conglomerações. A
incorporação das tarefas precípuas de ampliação de reprodução do capital
pela maquinaria estatal constituída revela sua verdadeira essencialidade. O
aperfeiçoamento de seu corpus burocrático emana da própria natureza do
capital e sua intricada divisão social do trabalho. O movimento complexo do
capital industrial e financeiro carece duma rede articulada de proposições,
estabelecendo o Estado um feixe de preceitos voltados à validação da
funcionalidade e legalidade do sistema.
Segundo Mészáros (2002, p. 108-109), “o Estado se afirma como
pré-requisito indispensável para o funcionamento permanente do sistema
do capital, em seu microcosmo e nas interações das unidades particulares

124
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

de produção entre si”. O Estado serve para assegurar as vicissitudes do


intercâmbio articulado de um sistema que se reproduz desde as suas
unidades particulares constituídas até as mais elevadas e abrangentes
unidades produzidas. A constituição do Banco Central e o conjunto de
prescrições reguladoras do sistema financeiro – desde suas atividades
efetivadas no nível mais elementar de sua funcionalidade até as operações de
regulamentação do câmbio, da balança comercial, da emissão de moeda, dos
títulos da dívida pública – tinham como corolários assegurar a integridade
do sistema montado para explorar e expropriar os trabalhadores. Assim, o
estabelecimento de medidas restritivas à abertura de novos bancos e agências
bancárias não visava assegurar a idoneidade e a moralidade do mercado,
mas pavimentar o caminho para as grandes instituições financeiras.
O Estado passa a exigir um volume mínimo de capital (resolução
204, de 20 de dezembro de 1971), sob o discurso da necessidade de
garantias nas transações financeiras realizadas. A referida medida visava
beneficiar claramente os grandes grupos financeiros e aprofundar a
crise nas instituições financeiras de médio e pequeno porte. O ataque às
instituições menores era proferido ubiquamente, revelando a peculiaridade
da concorrência como força motriz dos monopólios.
O capital monopolista considerava como superada a pré-história
do capitalismo. O capitalista nele aparece como uma personagem
avarenta que precisa controlar diretamente cada movimento do capital
investido na produção. As idiossincrasias tipificadas no avarento do
período histórico do capital usurário e do capital mercantil ganha
uma nova configuração, revelando a natureza eminentemente social
do capital. O capital precisa exteriorizar-se, carece sair de si mesmo
para se realizar na apropriação de mais-trabalho ou sobretrabalho, e
depois retornar a si mesmo, sempre agregando mais valor. A forma
estática do capital usurário impedia que o capital pudesse se realizar
como reprodução ampliada. A acumulação progressiva do capital
presume a expansão da composição do capital aplicado na produção e
um movimento abrangente que não pode mais ser controlado em sua
inteireza pelo capitalista privado ou pelo capital familiar.

125
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

A função social do capitalista passa a ser exercida pelas sociedades


anônimas. Nelas, o capitalista individual entrega a determinado corpo
especializado a administração de seus negócios. Na época do capitalismo dos
monopólios, a classe dos altos executivos e dos administradores profissionais
passa a assumir as funções sociais do capitalista privado, na perspectiva de
diminuir os riscos e colocar os interesses da empresa acima dos interesses
individualizados. Não é à toa que o regime militar-empresarial de 1964
enfatizou tanto o ensino tecnicista e a entrega do corpo administrativo do
Estado e das empresas estatais a um grupo seleto formado pelos homens
de negócios. O corpo tecnocrata da maquinaria estatal foi fornecido pelas
empresas multinacionais. Os cargos mais elevados nas empresas estatais
eram ocupados pelos homens com experiência acumulada nos negócios
transnacionais, particularmente nas multinacionais americanas.
A hierarquização instituída no interior do regime militar configurou-
se para aperfeiçoar a autoridade e o autoritarismo no mundo dos negócios,
em que as distintas personificações do capital emergem como espécies
de generais perante o trabalho. Assim como o regime militar, as grandes
corporações agem sob o comando central de um general assentado na
metrópole, devendo seus subordinados simplesmente obedecer aos preceitos
estabelecidos. A grande empresa é gerida segundo um ordenamento
hierárquico e burocrático inquestionável. Esse poderio se expressa no controle
da produção e na subordinação completa da circulação de mercadorias
e capital. No capitalismo dos monopólios os preços das mercadorias são
determinados pelos seus centros de comando, cujo reino da concorrência é
elevado a sua máxima potência.
A organização administrativa da empresa por sociedades anônimas
tenta impedir que uma pessoa isolada exerça controle exterior sobre uma
empresa gigante, pois os negócios da empresa devem ser orientados para
assegurar os interesses das empresas e não de um capitalista privado. No
entanto, isso não impede que um capitalista ou uma empresa capitalista
exerça o comando sobre uma constelação de empresas e multinacionais. Na
forma de acionista majoritário, um magnata do petróleo, como Rockefeller,
pode controlar um conjunto de multinacionais e subsidiárias, e até colocar

126
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

suas empresas a competir entre si, na perspectiva de exercer o controle


absoluto do mercado.
As multinacionais constituem uma engrenagem poderosa de
maximização de lucros pela mediação do aparato estatal. Os Estados
nacionais estão completamente enredados à lógica da plena maximização
dos lucros. No Brasil, as multinacionais determinam o preço e submetem o
mercado aos seus imperativos de maximização dos lucros e socialização dos
prejuízos. A nova tarefa do Estado era assegurar os “interesses do capital
monopolista”. Quanto mais avança o poder das multinacionais, mais os
governos se tornam submissos aos seus propósitos e mais se inclinam a
atender às suas demandas de subsídios, incentivos fiscais, desoneração das
obrigações trabalhistas, e exigem mais proteção.
Na época da hegemonia do capital monopolista, a intervenção
estatal na economia tem como propósito funcional atender exclusivamente
aos interesses das grandes corporações industriais e financeiras (BARAN –
SWEEZY, 1978). Isso implica reconhecer que o Estado não pode impedir
o desenvolvimento do sistema de monopólios, pois se trata da essência do
sistema do capital na época do capital financeiro. O que os estados podem
fazer é auxiliar politicamente na sua expansão e realização.
A dinamização do complexo financeiro teve como propósito
possibilitar “um movimento mais fluido dos mercados monetário e creditício,
bem como o aparecimento de um mercado de capitais institucionalizado”
(TAVARES, 1979, p. 213). O mercado de capitais foi operacionalizado pela
intermediação da proliferação de companhias e bancos de investimento,
sociedades de capital aberto, sociedades de crédito imobiliário, financeiras,
corretoras de títulos, seguradoras, bolsa de valores etc. O apoio à
continuidade do modelo “substituição de importações” deveria representar
uma mudança na política de empréstimos internacionais; os principais
beneficiários seriam as empresas estrangeiras e grupos nacionais associados.
A reconfiguração do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico) e do Banco Central do Brasil (BACEN) intensificou a
concentração e facilitou a ascendência das grandes corporações nacionais
em conluio com as instituições internacionais. Concorreu para a redução

127
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

do número de instituições financeiras o estabelecimento de novas regras,


tornando imperativa a existência de um determinado montante de reservas
bancárias para limitar o multiplicador monetário (ALVARENGA, 2013, p.
11). Nesse contexto, a formação do CDC (Crédito Direto ao Consumidor),
articulada aos bancos comerciais, quebrou as agências financeiras de
pequeno porte, que não possuíam representação expressiva no território
nacional. O CDC assume corolários de um sistema de crédito em massa
em que as instituições financeiras independentes não têm como concorrer
com os aglomerados nacionais e internacionais.
A constituição do CDC revela um dos expedientes utilizados para
assegurar a expansão do consumo das massas mediante a constituição de
determinadas linhas de financiamento e liberação de crédito. Isso permitiu
uma expansão do processo de industrialização, travado pela crise que
acometeu a sociedade brasileira no começo da década de 1960. O CDC fez
crescer o endividamento familiar em benefício da acumulação financeira
com suas elevadas taxas de juros, numa época de inflação galopante. Além
dos bancos comerciais, os bancos de investimentos foram beneficiados pelo
CDC (MACARINI, 2007).
A restrição do quantitativo de bancos representava a exacerbação
do poderio das instituições financeiras. Se o governo Vargas privilegiou a
burguesia industrial na formação do Estado Novo, o regime instaurado em
1964 indubitavelmente privilegiou os banqueiros e o capital transnacional.
O famigerado governo golpista de Castello Branco (1964-1967) concedeu
a direção geral do Banco do Brasil ao banqueiro Luiz de Moraes Barros;
os governos Costa e Silva (1967-1969) e Médici (1969-1974) colocaram o
empresário e banqueiro Delfim Netto no Ministério do Planejamento. O
governo Geisel colocou na direção do BB o banqueiro Ângelo Calmon de
Sá, e na direção do Ministério da Fazenda, o representante do grupo Bozano
Simonsen e banqueiro, Mário Henrique Simonsen (ARRUDA, 2016).
O BNH (Banco Nacional de Habitação) permitiu a proliferação dum
subsistema financeiro especializado no universo da habitação, que articula
mecanismo de poupança compulsória (FGTS) com mecanismo da poupança
oriunda das letras imobiliárias (TAVARES, 1979, p. 214-215). A expansão da

128
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

capacidade de consumo das massas possibilitou a ampliação da popularidade


do regime mais autoritário que existiu na história do país, de um governo
que havia editado o A-5 e fechado o Congresso Nacional. Ao tempo que
estabelecia um regime de exceção, o regime militar conseguia elevar sua
popularidade com medidas que viabilizavam a ampliação do consumo.
Enquanto reinava a repressão ao movimento sindical e aos políticos
de oposição, o regime militar-empresarial evitava qualquer movimento de
resistência popular ao viabilizar a ampliação do consumo das massas com o
aumento das linhas de crédito. O crédito barato serviu para o encantamento
da classe média. A ampliação significativa de domicílios com televisão e
automóvel atendia tanto ao frenesi das massas quanto aos interesses das
multinacionais e grupos associados. Na época da Copa de Mundo de
1970, ¼ das famílias brasileiras possuía um aparelho de televisão em sua
residência, a venda de geladeiras quadruplicou entre 1964-1976, além do
crescimento da venda de rádios e outros eletrodomésticos. O crescimento
da produção de bens de consumo duráveis alcançou 23,6% anualmente,
e os bens de capital chegaram a 18,1%. A indústria automobilística e a
construção civil (com obras de infraestrutura) foram alavancadas em escala
expressiva. O frenesi contou evidentemente com o apoio da mídia nacional.

Após a criação da Rádio Globo, em 1944, o grupo


Marinho deu o seu passo mais ousado no período
Castello Branco, com a criação da Rede Globo de
Televisão, em 1965. Após ter apoiado firmemente o
golpe de 1964, a família Marinho fez sociedade com
o grupo norte-americano Time Life para a criação da
sua rede de TV no Brasil. A associação era ilegal, já
que previa a participação de capital estrangeiro em
uma rede de televisão no Brasil, algo proibido na
Constituição. Mesmo sendo alvo de CPI, o grupo
Globo foi apoiado pela ditadura, que defendeu a
operação e proporcionou a possibilidade de difusão
nacional do sinal da Rede Globo com suporte
da política oficial de comunicações do regime. O
jornalismo da Rede Globo era amplamente favorável
à ditadura e é famosa a frase do ditador Médici a

129
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

respeito do Jornal Nacional, criado em 1969: Sinto-


me feliz, todas as noites, quando ligo a televisão para
assistir ao jornal [Nacional]. Enquanto as notícias dão
conta de greves, agitações, atentados e conflitos em várias
partes do mundo, o Brasil marcha em paz, rumo ao
desenvolvimento. É como se eu tomasse um tranquilizante
após um dia de trabalho (CAMPOS, 2018, p. 15).

A infraestrutura e o aporte tecnológico disponibilizado pelo aparato


estatal, através da Embratel, deveriam beneficiar expressivamente o Grupo
Marinho ou a Rede Globo, única organização que seria alavancada com o
aporte de capital estrangeiro (apesar da proibição legislativa existente), isenção
fiscal e verbas publicitárias. Isso permitiu que a Rede Globo saltasse em 1969
para três emissoras, e para 11 em 1973.
Além do grupo Marinho, colaboraram com o golpe de 1964: ABERT
(Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Editora Abril,
Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Jornal do Brasil e tantos outros. O
regime militar-empresarial de 1964 estabeleceu as bases fundamentais para
a entrada de capital estrangeiro no país e para a constituição do movimento
ascendente dos oligopólios no setor das comunicações, um setor essencial
para assegurar o ordenamento fundamental à reprodução do sistema do
capital mediante a persuasão da consciência das massas trabalhadoras
do campo e da cidade. Através dos meios de comunicação de massa, a
burguesia pôde reproduzir suas ideias e naturalizar as contradições que
perpassam o sistema do capital. A Rede Globo cumpriu papel fundamental
na manipulação da consciência das massas na época da ditadura militar-
empresarial e persistiu defendendo o regime ditatorial mesmo depois de
seu esgotamento em 1985.
O sistema televisivo brasileiro constitui-se como verdadeiro
cartel no processo de formação da consciência das massas. Enquanto
espécie de partido orgânico da burguesia, ele conseguiu definir padrões de
comportamento, moldar opiniões e incidir de maneira decisiva na esfera da
política, elegendo candidatos e desestabilizando governos. Não é à toa que
a Rede Globo constitui-se como senhora absoluta do mercado nos tempos

130
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

hodiernos, com presença em 98,56% dos municípios brasileiros mediante


suas 123 emissoras e 118 afiliadas. O poderio da Rede Globo denota o
caráter monopolista da economia brasileira; seus programas funcionam
24 horas e alcançam 114 países em cinco continentes (CABRAL, 2015).
As emissoras afiliadas recebem um pacote pronto com novelas, telejornais,
shows, filmes, eventos esportivos etc., ficando impedidas de difundir
programação de outras redes de televisão.
O crédito fácil, que permitia a compra de aparelhos televisivos e
rádios, obliterava a essencialidade do sistema, cujo coeficiente de Gini (o
coeficiente de Gini vai de 0 a 1, quanto mais perto de 1, mais desigual)
passou de 0,50 em 1960 para 0,57 em 1970 e 0,62 em 1977. O crescimento
das grandes empresas e a consolidação das corporações aprofundarão a
exploração da classe trabalhadora e o fosso entre ricos e pobres. A revolução
verde experimentada no campo e o crescimento das indústrias nas cidades
favoreceram o êxodo rural. A transferência de força de trabalho do campo
para a cidade encontrou na construção civil espaço promissor de captação,
que cresceu anualmente 15%, lançando grande parte dos trabalhadores nas
favelas das novas metrópoles. São Paulo passou de 141 favelas em 1957
para 525 em 1973. O salário caiu tanto que, em 1979, os trabalhadores
precisavam trabalhar 153 horas para ganhar o equivalente ao que ganhavam
em 65 horas em 1959 (RUFINO, 2012; SANTOS, 2017).
As empreiteiras brasileiras alcançaram no regime militar um ponto
de inflexão. Ao contrário do governo Castello Branco (1964-1967), acusado
de atender aos interesses das empresas de engenharia estrangeiras. O pomo
da discórdia foi a contratação da empresa americana Leo A. Daly pela
Sudene, para construir uma plêiade de edifícios no Nordeste. Esta não seria
a primeira nem a última vez que empresas estrangeiras participariam da
construção de grandes obras de infraestrutura no país. Entre elas encontramos:
1) Companhia Construtora Nacional (origem alemã): construção de
hidrelétricas; 2) Dumez (França): obras metropolitanas; 3) Noreno do Brasil
(Noruega): construção de usinas elétricas; 4) Hoffmann Bosworth (alemã):
construção de imóveis urbanos, refinarias e obras da Petrobras; 5) Hugo
Cooper (inglesa): realização de obras diversas; 6) Morrison Knudsen (EUA):

131
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

construção de usinas hidrelétricas; 7) Brascan (canadense): realização de


túneis, viadutos e construção de imóveis; 8) Christian Nielsen (Dinamarca):
construção de portos, estádios, edifícios etc. (CAMPOS, 2012, p. 72).
Existiam empresas que não constituíam residência fixa no Brasil;
ao concluírem as obras acordadas com seus parceiros públicos ou privados,
retornavam a seu local de origem. No entanto, algumas delas acabaram
se instalando no Brasil, como a empresa alemã L. Riedlinger (pioneira na
utilização do concreto armado na década de 1920), a alemã Weiss Freitag,
que se converteu em Companhia Construtora Nacional (CNN), a inglesa
Hugo Cooper (contratada pela Light), a francesa Dumez, a norueguesa
Noreno do Brasil, a alemã Hoffmann Bosworth etc. (CAMPOS, 2012).
Segundo Campos (2012, p. 74): “A mais tradicional empresa estrangeira
que atuou no setor de obras públicas no país no século XX, no entanto,
não veio dos Estados Unidos, mas da Dinamarca: a Christian Nielsen”. A
Christian Nielsen continuou operando no Brasil depois da ditadura civil-
militar de 1964.
O governo do ditador Emílio Garrastazu de Médici procurou
atender à demanda das construtoras nacionais (Camargo Corrêa, Andrade
Gutierrez, Odebrecht, Rabello, Mendes Júnior, Servix, Cetenco, CBPO e
consortes), aprofundando uma tendência que havia começado em 1950, em
que as construtoras estrangeiras foram paulatinamente substituídas pelas
brasileiras na contratação de obras públicas. As empreiteiras brasileiras
alcançaram um crescimento inusitado pela participação nas grandes obras
de infraestrutura: ponte Rio-Niterói, hidrelétrica de Tucuruí, hidrelétrica
de Itaipu, Angra I, II e III, Projetos Carajás I e II, Transamazônica etc.
Verificou-se a ascendência da Camargo Corrêa, com forte inserção
na burguesia paulista e com participação em distintas obras de complexa
engenharia, como: a) construção das hidrelétricas paulistas ( Jupiá, Ilha
Solteira, Água Vermelha, aeroporto de Guarulhos; b) construção das estradas
paulistas (Imigrantes, Anchieta, Via Norte, Bandeirantes etc.); c) edificação
da ferrovia Sorocabana, metrô de São Paulo, obras de Brasília etc. A larga
experiência no setor público e privado permitiu que a referida empresa
ocupasse o posto máximo na época do golpe de 1964.

132
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

Associada ao Banco Banespa e ao governo de São Paulo, a Camargo


Corrêa tinha fortes vínculos com o regime militar-empresarial, fazendo
parte dos consórcios de empresários paulistas que financiaram a Operação
Bandeirantes. Sebastião Camargo recebeu o diploma honoris causa da Escola
Superior de Guerra (ESG) em 1967. O vínculo com a ditadura transcendia
a esfera nacional: Sebastião Camargo permaneceu profundamente ligado ao
ditador do Paraguai, Alfredo Stroessner (CAMPOS, 2012); era também um
árduo defensor da Operação Condor.
Apesar das denúncias de corrupção envolvendo Camargo Corrêa e
Delfim Netto, a referida empreiteira nunca perdeu o posto central na época
do regime militar. O Grupo Camargo Corrêa estreitou seus lanços com
o sistema financeiro pela mediação do Bradesco e do Grupo Votorantim.
O enlace transcendeu o período da ditadura militar; juntos comprariam
a companhia de energia CPFL na década de 1990 (CAMPOS, 2012).
O poderio da Camargo Corrêa, Bradesco e Votorantim ampliou-se
significativamente graças às informações privilegiadas de que gozavam
nas operações financeiras, nos contratos e licitações entre empresas. Na
construção da hidrelétrica de Tucuruí, o valor superfaturado passou de R$
2,5 bilhões para R$ 10 bilhões, ou seja, foi pago quatro vezes acima do valor
estimado (CAMPOS, 2012).
Ao contrário do Grupo Camargo Corrêa, que provinha da burguesia
cafeeira paulista, a Odebrecht era da Bahia e não se constituía numa gigante
do complexo, sendo beneficiada especialmente com o governo Médici. Além
de beneficiar-se com os contratos estabelecidos com a Petrobras, a empresa
baiana foi agraciada com a construção do aeroporto do Galeão e da Usina
de Angra. O vínculo da Odebrecht com o governo federal se estreitou ainda
mais no governo Geisel, quando o banqueiro Ângelo Calmon de Sá assumiu
o Ministério da Indústria e Comércio. Isso permitiu que saltasse da décima
terceira posição para a terceira posição em 1974. A Andrade Gutierrez
conheceu périplo semelhante, passando da décima primeira posição, em 1964,
para a quarta posição, em 1974.
Além das grandes obras, as referidas empreiteiras foram agraciadas
pelo sistema financeiro mediante as carteiras de crédito habitacional do

133
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

BNH (Banco Nacional de Habitação). O referido subsistema articulava


mecanismos de créditos com mecanismos de investimentos no sentido de
assegurar o desenvolvimento das corretoras de investimento, as carteiras de
crédito imobiliário e empreiteiras protegidas pelo governo, como Camargo
Corrêa, Odebrecht, Andrade Gutierrez etc. A preocupação governamental
em erradicar o problema da moradia das camadas médias da população e
dos setores populares não passou de isca para efetivar os reais interesses do
mercado imobiliário. O subsistema de habitação não passava de uma peça
na engrenagem da rotação do capital, colaborando no processo de rotação
do capital financeiro pela mediação do capital produtivo. Desse modo, a
associação entre capital industrial e capital financeiro se inscreveria sob a
hegemonia do segundo.
A ditadura de Arthur da Costa e Silva (1967-1969) representou uma
inflexão na condução da política econômica para atender completamente aos
imperativos das multinacionais, sob a orientação heterodoxa de Delfim Netto
(indicado por Roberto Campos), conferindo um papel protagonista aos
grandes bancos. Dando um passo à frente na reforma financeira estabelecida
pela ditadura de Castello Branco, os bancos de investimentos, o BNDES e os
bancos comerciais deveriam ocupar papel essencial na captação de recursos
no mercado externo. A concentração bancária posta em curso a partir das
referidas medidas será bem mais expressiva que a experimentada nos anos
precedentes, à proporção que os bancos ganham maior relevo.
A hegemonia do capital financeiro foi assegurada pelos mecanismos
constituídos pelo aparato estatal em prol dos grandes aglomerados privados,
conduzindo à falência diversas empresas concorrentes ou que resultaram do
processo de incorporação das empresas menores pelas maiores, ou ainda
da fusão das grandes empresas. Desse modo, forjaram-se corporações,
aglomerados, holdings, trustes e cartéis. O capital financeiro e bancário
americano detinha 25% do volume de capitais investidos no Brasil. Entre
suas instituições financeiras merecem destaque bancos como First National
City Bank e First National Bank of Boston.
O regime instaurado em 1964 coadunou-se com os propósitos do
capital financeiro na medida em que intensifica o processo de consolidação

134
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

da expansão do sistema financeiro, fazendo desaparecer metade dos bancos ao


longo da década de 1960, restando somente 358 bancos dos 663 existentes no
final do Estado Novo (1944). Entre 1960 e 1970 desapareceram 256 bancos,
sobrando apenas 102 bancos públicos e privados no começo da década de
1980. Neste período, os bancos estrangeiros passaram de oito para 17 bancos
(ARRUDA, 2016). A consciência do processo em curso comparece no
depoimento da descrição do banqueiro da época, denominado Vidigal (apud
MACARINI, 2007, p. 358):

Essa tendência natural recebeu primeiramente a


tolerância e depois a expressa permissão das autoridades
monetárias, conscientes da conveniência da prática.
E dessa forma os conglomerados vão tendo a sua
estrutura fortalecida e consagrada, num passo decisivo
para a integração final dos sistemas financeiro e de
mercado de capitais. A regra usual nos conglomerados
é o controle acionário, pelo banco comercial que
encabeça cada grupo, de instituições financeiras de
outra natureza e de empresas complementares, nestas
compreendidas as de prestação de serviços técnicos e
administrativos, vedadas participações recíprocas que
poderiam tornar ilusória a expressão do capital global.

A concentração encontrara novos corolários no final da década de


1960; os bancos comerciais privados nacionais passam de 188 em 1968
para 72 em 1974 (MACARINI, 2007, p. 350). O desaparecimento das
instituições financeiras não resultava mais de problemas de gestão, de
insolvência administrativa, ineficiência e incapacidade de seus agentes
administrativos; elas desapareciam devido à política agressiva estabelecida
pela concentração financeira, mediante o sistema de compra, fusões ou
incorporações. Isso pode ser observado pelo fato de os depósitos realizados
pelos cinco maiores bancos privados passarem de 20,9% em 1967 para
34,2% em 1976; por sua vez, o quantitativo de depósitos dos dez maiores
bancos passou de 33,8% em 1967 para 48,3% em 1976. O Bradesco
alcançou a condição de maior banco nacional privado, passando de 4,2%
em 1964 para 12,1% em 1976 (MACARINI, 2007, p. 350).

135
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

O principal vetor do colossal volume de lucratividade dos bancos foi


assegurado pela possibilidade de “captação de recursos a custo zero (depósito
a vista e floating), lastro para aplicar recursos em empréstimos remunerados
a taxas de juros e correção monetária, ou seja, aumentando substancialmente
a lucratividade à medida que cada banco conseguisse ampliar suas bases de
clientes e captações nessas modalidades” (ALVARENGA, 2013, p. 12).
Apesar das restrições estabelecidas pela abertura do mercado
interno ao capital estrangeiro, o Estado brasileiro continuou como principal
investidor privado no desenvolvimento da indústria nacional. A mudança
de postura em relação ao capital estrangeiro não representava uma alteração
expressiva em relação ao percurso estabelecido anteriormente. A abertura
econômica para o capital estrangeiro e a complementação do processo de
substituição de importação, com aporte das multinacionais, permitiram
um aprofundamento do processo de industrialização, que teve seu apogeu
no período do “milagre brasileiro”. As multinacionais estabeleceram
suas subsidiárias no Brasil devido ao baixo custo da força de trabalho, às
facilidades de acesso à matéria-prima, aos incentivos fiscais e à possibilidade
de fazer transações financeiras no exterior.
A primeira etapa de inserção das multinacionais no Brasil estava
mais circunscrita ao mercado interno. Entre 1956 e 1967, as multinacionais
investiram no complexo industrial mais dinâmico do país. Como atuavam
num mercado sem competividade, elas “operavam com tecnologia obsoleta,
utilizando equipamentos de segunda mão e passando o ônus da baixa
produtividade ao consumidor brasileiro, através dos preços elevados”
(FAUSTO, 2007, p. 297). Na segunda etapa de inserção das multinacionais,
elas precisam incrementar o desenvolvimento de suas forças produtivas para
alcançar o mercado externo.
Na década de 1970, as multinacionais começam a participar do
processo de exportação, motivadas pelos ganhos obtidos com os incentivos
fiscais do governo; assim, passam de 9,3% em 1964 para 29,8% em 1975
e 45,5% em 1979-1980 (FAUSTO, 2007, p. 287). A produção industrial
conseguiu se equiparar ao setor agroexportador. A participação do complexo
industrial na pauta de exportações passou do setor de bens não duráveis de
consumo (têxtil, vestuário, calçado) para bens duráveis de consumo e bens de

136
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

capital, ou seja, houve uma migração da exportação do controle do capital


nacional para o capital estrangeiro.
A ampliação da participação industrial na pauta de exportações
implicou um processo de internacionalização da economia brasileira, que
antes era hegemonizada pela agricultura; esta sempre se inscreveu nos
marcos da internacionalização; seu movimento interno sempre dependeu
das oscilações do mercado internacional de commodities. As transformações
iniciadas da década de 1950 encontraram seu coroamento na década de 1970.
Pela mediação das multinacionais e do capital estrangeiro, a indústria instalada
no Brasil ganhou inserção internacional. Nessa época, as multinacionais não
apenas exportavam e importavam capital constante, mas se interessaram
também pelo mercado de capitais.

4.2 A ascendência do capital financeiro: o monstro ganha vida própria


O capital financeiro representa a etapa da transformação da
concorrência em monopólio e na acumulação oligopólica capitalista,
tornando-se a disputa por novos mercados um vetor essencial. Na
insuficiência ou na ausência de novos mercados para viabilizar a expansão
da acumulação oligopólica, o capital entra numa etapa destrutiva, expressa
no capital fictício, que emerge como uma espécie de entidade autônoma
e autossuficiente. A natureza abstrata do capital, resultante do trabalho
abstrato, ganha corolários especiais, assegurando que o capital funcione
como uma entidade que emana de si mesma e não carece de nenhuma
determinação objetiva ou relação efetiva com o mundo da produção para
poder vir ao mundo.
A recuperação econômica brasileira experimentada nos anos
de 1969-1973, na época do denominado “milagre brasileiro”, resultara
claramente da subordinação da economia nacional aos imperativos do
capital estrangeiro, especialmente o americano. O capital ocioso no mercado
internacional encontrou no Estado brasileiro uma entidade disposta a
tomar recursos emprestados. Nesta época, as taxas de juros estavam abaixo
de zero. O endividamento público constituiu-se como o principal vetor do
crescimento econômico auferido pelo regime instaurado em 1964. A dívida

137
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

pública passou de US$ 3,294 bilhões em 1964 para US$ 105,171 bilhões em
1985, crescendo aproximadamente 32 vezes durante os governos militares
(AUDITÓRIA CIDADÃ DA DÍVIDA, 2016). A fórmula adotada por
Delfim Netto no Governo Médici, de transformar o “Brasil numa Grande
Potência” – com taxa de crescimento anual acima de 10% ‒, somente foi
possível pela entrada em cena do capital de natureza especulativa. Este
crescimento traria consequências irreversíveis para a tentativa de efetivação
de um desenvolvimento econômico autônomo.
Durante o período de 1968 a 1973, 54% dos empréstimos externos
brasileiros tinham como tomador a filial estrangeira. Os credores do total
de empréstimos externos tinham na corporação não financeira privada
participações elevadas, o que sugere que grande parte desses recursos era
efetivada na relação matriz-filial. As subsidiárias tiveram vantagens na
captação desses recursos, como forma de remessa de lucro disfarçado, e na
consolidação de seu poder interno. “Se, para remessas de lucro, havia certo
controle com os impostos progressivos, para juros e amortizações remetidos,
não, o que permite entender essa forte intermediação financeira buscada
pelas filiais” (CAMPOS – RODRIGUES, 2014, p. 391).
Uma parte substancial da dívida externa foi realizada pelas empresas,
aglomerados e consórcios nacionais e internacionais. Os governos militares
acabaram assumindo a dívida do setor privado e transferindo-a para os
contribuintes (classe trabalhadora). Para Campos e Rodrigues (2014, p.
394), “uma vez que as filiais passaram a depositar cruzeiros para saldar suas
dívidas passadas, sem contrair novas em dólares, e o Banco Central assumiu
tais passivos em moeda estrangeira, impulsionando a estatização da dívida,
o resultado da política de hedge cambial do governo foi outro”.
O capital financeiro assume funções de comando no
desenvolvimento do capitalismo brasileiro; a dívida pública revela
contornos desde então irreversíveis. Pela sua mediação foi possível a entrada
de recursos estrangeiros que se converteram e inseriram o capitalismo
brasileiro no cenário internacional como portador de um parque industrial
e um mercado financeiro completamente atrelado aos imperativos do
grande capital internacional. O capital financeiro americano desempenhou

138
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

então função medular. A reciclagem da dívida externa ganhou prioridade


em uma permanente transferência de recursos líquidos reais ao exterior, que
beneficiou a valorização do capital internacional, drenando recursos locais
para o centro. “Por todas as partes [da periferia] a evolução se fez em um
mesmo sentido de uma maior imbricação com as finanças internacionais
e de esvaziamento do Estado em sua capacidade de controle e direção da
economia” (FURTADO, 1982, p. 128).
Apesar da abertura para o capital estrangeiro e da liberalidade em
relação ao movimento de cooptação de recursos das multinacionais, as
principais fontes de financiamento da expansão industrial entre 1967-1973
continuavam a ser internas. Isso foi possibilitado pelo pragmatismo das
medidas de controle de reajuste do preço das mercadorias e especialmente
pelo controle dos salários. Segundo Almeida (2010, p. 139):

Em 1972-73, o grau de autofinanciamento das


empresas estatais era de aproximadamente 45%,
enquanto que o das empresas privadas brasileiras era
da ordem de 50 a 60%. Ainda em 1974-7, receitas
vinculadas do tesouro forneceram outros 12,3% dos
recursos totais e, para o grupo das grandes empresas
públicas, subsídios do tesouro supriam apenas 10,2%.
A subscrição privada de ações provia 1,8% e, dos
restantes 25,2%, 8,3% eram oriundos de empréstimos
internos (basicamente do BNDE), enquanto 16,9%
provinham de empréstimos externos.

No entanto, a capacidade de continuidade de financiamento e


expansão das obras estatais passou a revelar-se inviável em 1974. A classe
trabalhadora começa a manifestar seu nível de descontentamento com as
medidas adotadas na perspectiva de atender a todas as demandas do capital
financeiro, seja ele produtivo ou improdutivo, seja público ou privado. As
greves de 1978 e 1979 servirão para aferir o termômetro da luta de classes
naquele momento histórico.
As operações de captação de recursos no exterior ocuparam funções
basilares no salto quantitativo dos lucros dos bancos, pois se tomavam

139
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

empréstimos no mercado externo e se repassava no mercado interno. O


governo alimentava a ciranda financeira ao pagar taxas de lucros elevadas.
Os juros elevados foram a fórmula que o governo adotou para despertar o
interesse dos investidores nacionais e internacionais aos títulos da dívida
pública; desse modo, os investimentos especulativos passaram a ser muito
mais promissores e rentáveis do que os investimentos no setor produtivo
(ARRUDA, 2016).
As medidas adotadas para beneficiar o sistema financeiro, na
época do “milagre brasileiro”, tinham como objetivo tornar os aglomerados
nacionais e internacionais aliados do desenvolvimento nacional. De certa
forma, isso se objetivou quando a economia brasileira passou de 45o PIB
mundial em 1964 para a 10a posição em 1979. Os planos estabelecidos
permitiram, entre 1964 e 1973, uma expansão inusitada da economia
brasileira. O PIB cresceu numa taxa média anual de 10% nos anos de
chumbo da ditadura, ou seja, entre 1968 e 1973.
Para assegurar seus interesses corporativos, os banqueiros criaram
em 1966 a Federação Nacional dos Bancos (FENABAN). Em 1983 seria
a vez da FEBRABAN. Em 1985 se formaria a Confederação Nacional
das Instituições Financeiras (CNF). A constituição dessas entidades nas
décadas de 1960 e 1980 demonstrava como o capital financeiro, finalmente,
havia se irradiado no interior da economia brasileira, deixando de ser uma
entidade subordinada ao aparato estatal para doravante dominar o Estado
e determinar o curso da economia brasileira, com profunda afinidade de
interesse com o capital estrangeiro.
O desenvolvimento econômico intensificou o processo de
fortalecimento das grandes empresas, aglomerados e grupos associados, em
detrimento das empresas familiares isoladas e desconectadas do mercado
internacional. O fortalecimento da concentração e dos aglomerados
permitiria a efetiva participação das empresas brasileiras (públicas e
privadas) no mercado internacional irrestritamente dominado pelo capital
transnacional e pelas multinacionais. O projeto de uma grande nação pensado
pelos militares serviu de leitmotiv para a entrega das riquezas nacionais ao
capital transnacional e culmina malogrando no final da década de 1970.

140
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

O apelo inúmeras vezes realizado pelo governo para que os bancos


colaborassem com o desenvolvimento econômico nacional investindo seus
capitais no setor produtivo tinha como exemplo o próprio governo, que criou
274 estatais entre 1964 e 1985. O número maior evidentemente caiu no
governo do ditador Emílio Garrastazu de Médici, com 99 empresas criadas,
seguido pelo ditador Castello Branco (58), pelo ditador Costa e Silva (55),
pelo ditador Geisel (50) e pelo ditador Figueiredo (12) (FOLHA DE SÃO
PAULO, 2014). Na verdade, a ditadura política e econômica do governo
Figueiredo configurava-se num outro tempo histórico, representando
a necessidade da venda das estatais para atender às demandas do capital
imposto pelo projeto neoliberal. O fim do padrão ouro-dólar, a crise do
petróleo e a elevação das taxas de juros no mercado americano colocariam
um fim na euforia do regime instalado em 1964.
Os pés de barro do regime não demorariam a revelar-se, pois a
atração de capital estrangeiro pela mediação das elevadas taxas de juros
obstruía qualquer possibilidade de interesse do capital financeiro pelo capital
produtivo. Dá-se então uma inflexão entre o complexo bancário e complexo
industrial, perdendo os bancos o interesse em aplicar seus capitais no setor
industrial. Num contexto histórico em que os empresários brasileiros pouco
investiram no desenvolvimento do mercado interno, a nova ascendência
do capital financeiro aprofundou o fosso existente entre capital produtivo
e capital improdutivo, abrindo caminho para a desindustrialização e
a destruição do parque industrial nacional. A proposta de um Estado
interventor na economia seria ultrapassada pelas propostas neoliberais.
A égide do capital financeiro ganhou papel protagonista a partir
de 1971, quando se solidificou a formação de holdings, corporações ou
conglomerados, como formas de reorganização empresarial. Os capitalistas
perderam o interesse na produção e passaram a se interessar pelos ativos
financeiros (fundo hedge, derivativos, títulos da dívida pública etc.). O
investimento na Bolsa de Valores e na acumulação de ativos financeiros
não significa uma expansão similar no reino da produção efetiva. A partir
da década de 1970, o capital financeiro exacerba o aspecto perdulário e
parasitário do capital, com o crescimento exponencial dos derivados.

141
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

O direito de propriedade não resulta da expansão efetiva do processo


de acumulação de mais-valia e do lucro, configurando-se como simples
forma de participação nos rendimentos auferidos (CHESNAIS, 1995;
CHESNAIS, 1996; CHESNAIS, 1999).
O interesse pelos investimentos especulativos contaminou
completamente o mundo dos aglomerados empresariais; o setor produtivo
passa a assumir corolários financeiros. Nesse processo, a Ford constitui o
Banco Ford, a Volkswagen, o Banco Volkswagen, o Grupo Votorantim,
o Banco Votorantim e várias empresas internacionais e nacionais fazem
o mesmo. A subversão do interesse representa uma taxa de rentabilidade
incomensurável, como esclarece Arruda (2016, p. 3):

Volkswagen: teve um lucro de Cr$ 9,5 milhões em


suas atividades produtivas normais. Já os lucros não-
operacionais (não provenientes da produção e venda
de carros, mas de atividades especulativas—mercado
aberto, câmbio, terra) alcançaram Cr$ 573 milhões! Seu
ganho especulativo só no mercado aberto foi 5.391%
superior aos lucros operacionais. Olivetti: empresa
italiana, especializada em máquinas de escrever, teve
lucros operacionais de Cr$ 11,1 milhões e ganhos no
mercado aberto de CR$ 77,5 milhões, ou sete vezes mais.
Sears Roebuck: teve prejuízo operacional de Cr$ 37,7
milhões e lucros não operacionais de Cr$ 122,8 milhões.
Standard Electric: apresentou lucro operacional de Cr$
79,8 milhões e não-operacional de Cr$ 329,3 milhões.
O balanço final foi positivo em Cr$ 234,8 milhões.

A expansão do sistema financeiro implica um processo de


concentração de capitais que na esfera fenomênica parece descentralizar-
se. A sociedade por ações resulta na destituição do capitalista individual da
centralidade do comando da produção da empresa. O mundo das operações
financeiras deixa de ser mera expressão do poder patrimonialista do núcleo
familiar encarnado num capitalista individual, para se manifestar numa
complexa estrutura orientada por um centro de comando constituído para
assegurar os interesses das grandes corporações.

142
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

O sistema financeiro revela-se como um todo articulado, erguido


pelo mercado de crédito (formado pelos bancos comerciais – negociação de
empréstimos), mercado monetário (negociação da dívida pública), mercado
cambial (negociação com moedas estrangeiras) e mercado de capitais
(relacionado às atividades das sociedades anônimas e negociação de participação).
O mercado de capitais constitui-se como um negócio profundamente suscetível
de prejuízo para os pequenos e de lucros para os gigantes. Nele existe uma
elevada taxa de risco e pouquíssimas garantias de retorno dos investimentos
realizados. Segundo Kemper (2011, p. 15): “A natureza arriscada é usualmente
compensada, entretanto, pela característica da liquidez dos ativos mobiliários,
que são, especialmente quando negociados em bolsa de valores, facilmente
transformáveis em dinheiro”.
O mercado de capitais está subdividido em mercado primário e
secundário. O primeiro relaciona-se ao processo de captação de recursos
do público, formado por poupadores e entidades emissoras de títulos.
O mercado secundário é formado pelos próprios poupadores. Segundo
Kemper (2011, p. 15), a negociação com valores mobiliários pode acontecer
na Bolsa de Valores, na Bolsa de Futuros e Mercadorias, no mercado de
balcão ou privadamente entre agentes interessados. A Bolsa integra o
mercado secundário, fazendo uso do sistema de pregão (eletrônico ou não),
que anuncia o preço das ações negociadas. A Bolsa de Valores, o Mercado
de Futuros e o mercado de balcão são formados por agentes credenciados
na forma de corretoras.
A expansão do sistema financeiro nacional no bojo da expansão do
sistema financeiro internacional se manifestou no crescimento das operações
na Bolsa de Valores, maximizando a emissão de títulos de propriedade
com direito a rendimento. Esses rendimentos não resultam direta ou
indiretamente da produção de mercadorias, mas de meras operações
especulativas no mercado de valores. Para atender às novas demandas
de dinamização do mercado de capitais, a maquinaria estatal tratou de
modernizar as operações nas bolsas de valores mediante a Resolução nº 39,
de 21 de outubro de 1966.
Os títulos das empresas negociados na Bolsa de Valores não

143
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

passam de um direito de rendimento, não possuindo vínculo direto com o


movimento produtivo da empresa. O título não tem relação direta com a
produção nem representa um ativo real vinculado ao movimento produtivo
da empresa. O título é uma ficção, como é fictício o capital especulativo.
O valor dos títulos está relacionado às expectativas de rentabilidade
do mercado. Esclarece Tavares (1979, p. 234): “O capital financeiro não
representa, pois, o resultado da produção e acumulação do excedente
econômico, e sim da geração e ‘acumulação’ de direitos de propriedade”.
Os títulos estão assentados nos preceitos jurídicos que regulamentam o
direito de propriedade. Trata-se de um ordenamento jurídico relacionado
ao processo de distribuição de renda de propriedade.
O mercado de ações não determina o universo da produção, ele
está necessariamente articulado do mundo real da produção que perpassa o
capital industrial. A desvinculação entre o lucro das empresas, que emerge da
apropriação da mais-valia ou do tempo de trabalho não pago ao proletariado,
e o rendimento pode ser observada no crescimento das empresas e do sistema
financeiro em 1970. Isso não implica que inexista alguma espécie de relação
entre o capital financeiro e o capital produtivo. A relação pode existir, mas
depende sempre do interesse do elemento financeiro. Ele se constitui como
o elemento predominante no circuito do capital nos tempos hodiernos
(CHESNAIS, 1996). O círculo vicioso da acumulação improdutiva desloca
o capital do setor produtivo para o setor especulativo, haja vista que os
capitalistas e empresários passam cada vez mais a se interessar pelas elevadas
taxas de rendimento que podem ser auferidas no mercado de capitais, em
detrimento do setor produtivo.
No entanto, é preciso sempre lembrar que a Bolsa de Valores foi feita
para os tubarões engolirem os peixes pequenos; ela é a expressão máxima do
capital financeiro, e este se constitui como o tempo dos monopólios e das grandes
corporações. A rentabilidade auferida no reino da especulação é determinada
pelo movimento operado pelas grandes agências financeiras que controlam
o movimento de circulação dos títulos e das ações na Bolsa de Valores. Elas
atuam de forma coordenada na manipulação das operações financeiras, visando
favorecer os seus negócios e prejudicar os dos outros (CHESNAIS, 1999).

144
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

Na perspectiva de conquistar o mercado nacional financeiro, o


regime militar-empresarial tentou regionalizar o processo de expansão
do mercado de capitais, constituindo nove bolsas de valores espalhadas
nos distintos estados da federação. No entanto, somente as bolsas de
valores localizadas no eixo Rio-São Paulo conseguiram se materializar
com reconhecido sucesso. Em plena época do AI-5, a Bolsa de Valores
de São Paulo criou o índice Bovespa para expressar a média crescente ou
decrescente das operações realizadas. Segundo Coradi e Mondo (2016, p.
27): “O portfólio original do Ibovespa contava com 18 ações. Esse número
cresceu para 38 ações em 1969 e para 76 ações no final de 1971”. Em 1985,
a BOVESPA constituiu a Bolsa Mercantil e de Futuros, “que começou a
operar no ano seguinte, dedicando-se à negociação de derivativos sobre
índices de ações, ouro, taxa de juros e câmbio” (KEMPER, 2011, p. 82).
Em 1991, a BOVESPA incorporou a Bolsa de Mercadorias de São
Paulo, assumindo a responsabilidade de negociar os derivativos e as ações
relacionadas ao mundo do agronegócio.
O movimento ascendente dos negócios na Bolsa de Valores
aconteceu entre 1970 e 1971, passando o volume dos negócios de 25 milhões
para 190 milhões. A euforia foi seguida pela crise gerada pela presença de
várias empresas montadas somente para usufruir do movimento de capitais
de terceiros na bolsa. Os principais afetados foram os pequenos e os médios
acionistas. Entre as empresas que participaram do espólio dos pequenos
acionistas, merecem destaque: Pafisa (Papéis Finos do Nordeste S/A), em
consórcio fraudulento com Afte Pesca; Anorfil; Compar, Celnorte; Pagéu etc.
Na indústria de falsos boatos divulgados pela mídia para atrair os pequenos
poupadores, constata-se a manipulação adotada acerca do valor das ações do
Banco do Brasil e da Petrobras. Na época, o Citibank tentava atrair o capital
dos incautos através de propaganda do tipo: “O Citibank introduziu o Brasil
no esporte da bola de neve. Você coloca uma quantia de dinheiro no Fundo
de Investimento e assim você dá um empurrão inicial e a bola vai rolando e
aumentando cada vez mais. A bola de neve aumentou 102,3% em seis meses.
Não é emocionante?” (CORADI – MONDO, 2016, p. 34).
O processo especulativo do capital financeiro se expressou nas

145
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

operações de empresas como o Grupo Audi (Crédito Financiamento e


Investimentos), que cresceu pela mediação das especulações na Bolsa de
Valores entre 1972 e 1973. O Banco Halles representava um conglomerado
financeiro que atuava no mercado financeiro como o Grupo Audi; cresceu
vertiginosamente, incorporando bancos menores como Ultramarino, Brenha,
Financilar, Banco de Intercâmbio Nacional, Banco Londres, Banco Andrade
Arnaud. Os benefícios alcançados nas transações operadas na conversão do
dólar captados no estrangeiro e convertidos em cruzeiros contrapuseram-se
às perdas acumuladas no mercado de soja via trading. A queda do valor das
ações das commodities iniciada em 1971 levou o grupo à falência, prejudicando
os investidores com aplicações acima de 50 salários mínimos (CORADI –
MONDO, 2016, p. 46-47).
O Banco União Comercial, do ex-ministro Roberto de Oliveira
Campos, árduo defensor dos interesses privados no interior do Estado e que
considerava a Petrobras um “Petrossauro”, também participou das instituições
financeiras liquidadas em 1974. Como prêmio, o principal executivo do banco,
que integrava a listagem dos dez bancos mais importantes do Brasil, tornou-
se embaixador na Inglaterra. O Banco Delfim, de Ronald Levinsohn – sócio
de Rodman Rockefeller, que representava a segunda maior rede de poupança,
perdendo somente para a Caixa Econômica –, faliu em 1983, depois de
denúncias sobre a aquisição de empréstimos para compra de letras imobiliárias.
Somente o BNH emprestou mais de 60 bilhões de reais para o Grupo Delfim
comprar terrenos que valiam apenas 10% do valor declarado (CORADI ‒
MONDO, 2016, p. 44-46).
A concorrência interbancária entre 1964 e 1979 intensificou os
movimentos de incorporações das pequenas empresas e bancos aos grandes
grupos econômicos e viabilizou a fusão das grandes corporações, na perspectiva
de controlar o mercado, mas levou à falência e à liquidação 191 instituições
financeiras, o que corresponde a um capital de 18,6 bilhões. Desse montante,
10 bilhões não tinham como ser recuperados pelos cofres públicos (CORADI
‒ MONDO, 2016). Entre os motivos de liquidação das instituições financeiras
estão a fraude nos balanços e nas operações financeiras e a manipulação no
valor das ações das referidas instituições. A euforia alimentada pelo governo

146
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

e pelos representantes do capital financeiro na Bolsa sofreu refluxo em junho


de 1971, e voltará a recuperar-se da queda sofrida somente na década de 1990,
quando o país efetivamente se torna um mercador promissor para o capital
advindo dos paraísos fiscais.
As novas formas de captação de recursos financeiros alteram de
maneira singular a relevância das instituições de financiamento privado.
A perda da importância do sistema bancário tradicional se expressou na
diminuição de sua presença no financiamento e concessão de créditos
que passou de 80% em 1964 para 56,5% em 1970 (TAVARES, 1997, p.
225). Os bancos comerciais do varejo perderam posição para os bancos de
investimento e para as companhias de investimento. Nesse contexto, caiu
o volume de operações com papel-moeda e depósitos à vista, e ampliou-
se o volume das operações com títulos bancários e extrabancários, aceites
cambiais, títulos reajustáveis, ações etc. Segundo Tavares (1979, p. 230): “O
crédito extrabancário das financeiras cresceu a uma taxa média de 45,6% ao
ano, no período 1964/70”. A dívida privada extrabancária das multinacionais
e das grandes corporações representava o dobro do movimento das ações
negociadas na Bolsa de Valores de 1970.
O movimento da Bolsa de Valores cresceu em torno de 200% em
1969, e o volume das transações passou de 100 milhões de dólares em 1968
para 900 milhões de dólares em 1970 (TAVARES, 1979, p. 230-232). No
entendimento de Tavares (1979, p. 233), o desenvolvimento do mercado
de capitais não contribuiu de maneira decisiva “para um aumento da taxa
global de poupança interna da economia”, uma poupança que servisse para
o desenvolvimento da economia nacional e para a melhoria das condições
de vida da classe trabalhadora.
Para atender às novas demandas do processo de internacionalização
da economia brasileira, os velhos bancos comerciais precisavam se adaptar,
sob o risco de terem de fechar suas portas. Na nova forma de expansão
verificada na passagem da década de 1960 para 1970, predominou a
recorrência às companhias de financiamento e crédito, que formaram redes
espalhadas por todo o país, levando à falência as redes não integradas.
A internacionalização da economia brasileira pode ser observada

147
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

na presença de capital estrangeiro em dez dos 30 maiores bancos existentes


em 1969 (TAVARES, 1979, p. 226); a maioria resultava do processo de
fusão e incorporação. A concentração de capital no sistema financeiro acha-
se entrelaçada à concentração que se forja na esfera do capital produtivo.
O capital financeiro exerce função de controle mediante a constituição de
sociedades anônimas e o afastamento do capitalista da atividade direta de
controle da produção.
O projeto de desenvolvimento do capital produtivo por meio do
capital especulativo estava bem distante de constituir o cerne da política
econômica estabelecida e os interesses efetivos das grandes corporações
financeiras. Somente no ano de 1972 os empréstimos das filiais estrangeiras
chegavam perto de US$ 1,5 bilhão (CAMPOS – RODRIGUES, 2014,
p. 391-392). As empresas estrangeiras “obtinham recursos de fora, como
forma de remunerar lucros disfarçados em juros para suas matrizes”
(CAMPOS – RODRIGUES, 2014, p. 391-392). A política de captação de
recursos no mercado externo evidenciava os limites da acumulação interna
e aprofundava os mecanismos de drenagem da riqueza nacional para o
mercado externo.
O sucesso obtido em curto prazo com a expansão da economia
encobriu os problemas efetivos dos novos mecanismos de dependência.
Paulatinamente, a política econômica imposta pelas multinacionais e pelos
grupos associados inviabilizou o modelo “substituições de importações” e
pavimentou o caminho que levaria o país às portas do FMI e dos banqueiros
internacionais na década de 1980. Nesse cenário, a política econômica
brasileira termina enredada nos poderosos tentáculos dos organismos
internacionais, representantes dos interesses do imperialismo americano
(sinônimo do capital financeiro).

4.3 Crise da dívida pública brasileira


Para conter a crise gerada pelo fim do padrão ouro-dólar, os EUA
elevaram as taxas de juros dos empréstimos realizados e subordinaram ainda
mais as economias dependentes aos seus imperativos (CHESNAIS, 1996).
Foi o que aconteceu com o Brasil a partir do final da década de 1970. As taxas

148
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

de juros passaram de 6% a 8% em 1979 para 12% a 21% na década de 1980. O


problema se tornou grave, pois “o endividamento externo excessivo somente
era tolerável enquanto mantida a oferta também excessiva de recursos.
Quando a direção do investimento externo muda do sul para o norte, o que
era tolerável passou aos olhos da comunidade financeira internacional a ser
intolerável” (ROSA, s/d, p. 20).
O governo do general-ditador João Baptista Figueiredo (1979-
1985) representou um ponto decisivo da sangria que marcaria doravante os
governos brasileiros. Entre 1979-1985 enviou 28,5 bilhões de dólares como
pagamento dos juros e amortizações da dívida externa. O déficit de 64,8
bilhões de dólares nas contas do governo neste período obrigou a contrair
novos empréstimos e a ampliar a ciranda financeira (ARRUDA, 2016)
vivida nos anos que precederam o Estado Novo. Doravante, o “pacto fáustico
estabelecido com o diabo” reverbera no modus operandi da economia brasileira.
O pacto instituído com o capital transnacional lançaria a economia
brasileira numa curva descendente a partir de 1981. E como Mefistófeles
exigia a alma de Fausto para pagamento pelas dívidas contraídas, o capital
internacional (FMI, Banco Mundial, J. P. Morgan, Chase Manhattan,
Citybank etc.) reclamava pelo pagamento de todas as dívidas com juros e
correções monetárias. A partir da década de 1980, a economia brasileira
deveria ampliar sua pauta exportadora, na perspectiva de assegurar o
pagamento do pacto estabelecido. Como não contraiu capital suficiente para
atender às demandas de seus credores, sempre se tornava necessário realizar
um novo pacto com o diabo. A cada novo pacto estabelecido, mais tinha
sua alma lançada às chamas do inferno e milhões de vidas deveriam ser
sacrificadas ao novo deus Moloc.
Em nome do desenvolvimento nacional e da elevação do Brasil
ao panteão das grandes potências da economia mundial, os militares
estabeleceram o pacto com Mefistófeles (as multinacionais). Pela mediação
do pacto com as multinacionais, o Brasil conheceu o paraíso e afirmou: “o céu
é o limite”. O reino da abundância se fez presente para a burguesia entreguista
e para a burocracia que parasitava a classe trabalhadora. Não se pode esquecer
que o paraíso de Dante Alighieri (1265-1321) é precedido pelo inferno e pelo

149
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

purgatório. O crescimento industrial alcançado pela mediação do pacto teria


caráter regressivo, porquanto não permitia nenhum movimento contrário
aos imperativos do capital transnacional. O pacto inscrito com o sangue dos
trabalhadores foi sempre favorável à burguesia entreguista brasileira.
Como se não bastasse o sangue das criaturas vitimadas no passado
para que Fausto pudesse gozar das delícias concedidas por Mefistófeles,
a personificação da maldade exigia pagamento quadruplicado dos
empréstimos e das maravilhas realizadas. O pacto com o diabo enreda a
economia brasileira num círculo vicioso ad infinitum, em que as classes
dominantes se locupletam dos serviços da dívida pública e a classe
trabalhadora sucumbe na mais vil miséria.
As benesses auferidas pelo sistema de crédito internacional
começariam a sofrer revés com o choque do petróleo desencadeados na
década de 1970 e se intensificaram com a hipertrofia do capital financeiro e
o processo de mundialização do capital nas décadas seguintes. O excesso de
liquidez propiciado pelos petrodólares permitiria plasmar uma nova forma de
dependência e subordinação, sob a qual o denominado “milagre brasileiro” iria
claramente demonstrar seus pés de barro em 1979. O maior credor da dívida
pública brasileira no final da ditadura militar, o banco Chase Manhattan Bank
(atual JP Morgan Chase), tinha como principal acionista David Rockefeller,
senhor da fortuna pessoal de US$ 2,6 bilhões. A elucidação da fortuna do clã
Rockefeller desvela o desenvolvimento socioeconômico e político da América
Latina, dos EUA e do Brasil. O Banco Chase Manhattan “tornou-se um dos
maiores credores individuais da dívida externa brasileira, que deu um salto
durante a crise do petróleo em 1973, no auge da ditadura militar” (CRUZ,
2007, p. 1). Os empréstimos estrangeiros obstaram o desenvolvimento do
capitalismo periférico. A exacerbação da fuga de capitais ajudou a engendrar
a crise econômica que culminou na moratória brasileira em 1982, juntamente
com a moratória mexicana (Setembro Negro) e na Argentina.
Na negociação realizada em dezembro de 1982, os representantes do
governo brasileiro conseguiram um empréstimo de 25,4 bilhões de dólares.
Os novos empréstimos seriam realizados pelas seguintes instituições e valores:
Banco Morgan Guaranty e Citibank concederiam empréstimos na ordem de

150
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

4 bilhões de dólares cada um, totalizando 8 bilhões; já o banco pertencente


ao clã Rockefeller, o Chase Manhattan, liberaria 8 bilhões de dólares; por fim,
o Bankers Trust coordenadoria um empréstimo de 9,4 bilhões. No entanto,
grande parte dos recursos negociados nunca foi repassada, porquanto
eram inadmissíveis os termos impostos pela “Carta de Intenções”. Entre
os elementos responsáveis pelo processo de estatização da dívida pública
brasileira na época do regime militar-empresarial, destacam-se:
a crescente participação das entidades públicas na
captação de recursos externos, a transferência da dívida
externa (originalmente captada pelo setor privado) às
autoridades monetárias e a forma de negociação da
dívida externa que transformou, a partir de 1983, o
Banco Central em depositário de expressiva parcela
de recursos externos. (ALMEIDA, 2010, p. 193).

O grande responsável pela dívida pública foi o setor privado, à


proporção que o Estado assumia o ônus do financiamento das empresas
privadas. A estatização da dívida externa brasileira revela como os capitalistas
brasileiros recorreram ao Estado para assegurar seu desenvolvimento e
como o Estado se apropria de parte dos salários dos trabalhadores mediante
tarifas, impostos e contribuições. A dívida estatal seria repassada tão
somente aos trabalhadores.
O incremento industrial alcançado pelo denominado “milagre
brasileiro” foi completamente financiado pela estatização da dívida do setor
privado. Em 1972, o setor público consumiu 24,9% do montante da dívida
externa, e o setor privado consumiu 75,1% da dívida estatal. Em 1973, o setor
público representou 39,7%, e o setor privado, 60,3% do montante da dívida
estatal. Em 1974, o setor público representou 35,3%, e o setor privado, 64,7%
do montante da dívida pública. No final da década de 1970, a relação sofreria
uma inversão, com o setor público alcançando, em 1979, o montante de 76,8%,
enquanto o setor privado representaria 23,2% dos empréstimos contraídos
no exterior (CPI DA DÍVIDA PÚBLICA, 2010). Nesse caso, tratava-se de
empréstimos que tinham como propósito assegurar o pagamento das dívidas
contraídas no passado pelo setor privado.

151
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

Na relação entre capital privado e capital estatal, as empresas


estatais seriam oneradas com o crescimento exponencial dos encargos
da dívida pública no final da década de 1980. A necessidade de honrar o
pagamento dos juros elevados dos títulos da dívida pública no mercado
internacional plasmou a política de privatização de várias estatais de porte
médio no decorrer da década de 1980, abrindo caminho para a completa
privatização das estatais na década seguinte. Os capitalistas simplesmente
repassaram para o Estado a dívida acumulada, demonstrando
perfeitamente como o referido sistema busca objetivar novas formas e
padrões de acumulação mediante expropriação e exploração da classe
trabalhadora. O esgotamento do regime militar-empresarial impedia
naquele momento a constituição dum aparato estatal centrado somente
na repressão. O capital deveria esperar para atacar definitivamente a
restrita “rede de proteção” que foi conquistada pela classe trabalhadora
urbana na época do modelo “substituição de importações” ou do modelo
gestado pelas multinacionais e associados.
Para assegurar o pagamento da dívida pública, institui-se uma política
de austeridade fiscal na época do governo Sarney, com Francisco Dornelles
à frente do Ministério da Fazenda, mediante o corte de 10% no orçamento
público em 1985, a proibição de novas contratações, o controle dos preços e
a desvalorização da moeda ante o dólar. Francisco Dornelles acabou sendo
substituído por Dílson Funaro ainda em 1985; este tentou aplicar uma
política de conciliação do pagamento da dívida pública com a necessidade
de retomada do crescimento econômico e o combate à inflação; além disso,
estabeleceu uma política de reajuste salarial sempre que a inflação alcançava
20% (gatilho salarial) (ALMEIDA, 2010).
O Plano Cruzado foi beneficiado pelas mudanças sucedidas no
mercado internacional, com a desvalorização do dólar em face das moedas
europeias e pela queda do valor do barril do petróleo. Isso resultou numa
balança comercial favorável de 12,8 bilhões de dólares em 1985, devido
especialmente à elevação das taxas de exportação de commodities. Porém, o
montante de pagamento dos juros da dívida pública alcançou 11,2 bilhões
de dólares no primeiro ano do governo Sarney, o equivalente a 5,1% do

152
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

PIB nacional, superior ao valor despendido pelo regime militar-empresarial


entre 1977 e 1984 (KEMPER, 2011; SCHERER, 1999).
A dificuldade de continuar a pagar a dívida pública se confirma no
decreto da moratória anunciada por Dílson Funaro em 1987; dessa vez, o país
teria de pagar novamente mais de 10 bilhões de dólares aos credores. Segundo
Almeida (2010, p. 175), “Em 20 de fevereiro de 1987, foram suspensos os
pagamentos dos juros da dívida pública de médios e longos prazos devidos
aos bancos comerciais e é decretado o congelamento dos depósitos comerciais
e interbancários em agências de bancos brasileiros no exterior”.
A impossibilidade de conter a inflação mediante o congelamento
dos preços, dos salários e dos gastos públicos para assegurar o superávit
primário levou Dílson Funaro a reconhecer o fracasso de seu plano e a pedir
demissão ainda em 1987. Para Almeida (2010, p. 258), “a origem da dívida
externa estaria menos nos programas de investimentos e gastos públicos e
mais nas brechas das legislações financeiras que permitiram a transferência
de poupança nacional para o exterior”. A fuga de capitais realizada pelas
empresas ampliou o déficit do pagamento da dívida pública.
Dílson Funaro foi substituído por Luís Carlos Bresser Pereira,
que abre caminho para a reforma do Estado exigida pelos organismos
internacionais. A política econômica adotada revela-se plenamente
coadunada às exigências dos organismos internacionais: congelamento
dos salários e elevação dos preços dos produtos de primeira necessidade
e diversos serviços (energia, telefone), redução do déficit público para
assegurar o pagamento da dívida externa. A moratória foi suspensa em
janeiro de 1988, com o pagamento de 1 bilhão de dólares (ALMEIDA,
2010). No entanto, nova moratória será decretada em 1989 pelo governo
José Sarney.
O governo Collor consegue, em diálogo direto com Rockefeller,
estabelecer nova negociação da dívida pública, sob a tutela dos preceitos
ditados pelos organismos internacionais integrantes do “Consenso de
Washington”. No entanto, isso em nada minimiza os efeitos recessivos da
economia nacional, obedecendo ao movimento declinante da economia
internacional. A queda acentuada do PIB serve de pano de fundo para

153
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. A


obediência às condições impostas pelo imperialismo americano e pelos
organismos internacionais inviabilizou a estabilização da economia nacional.
As políticas econômicas estabelecidas sob a coordenação de Zélia Cardoso
(ministra da Fazenda) aprofundaram a recessão e a crise econômica, com
queda de 12% na produção industrial (1990-1991).
O governo FHC assumiu de maneira muito mais categórica a
orientação dos organismos multilaterais no sentido de aplicar as medidas
neoliberais, estabelecendo uma política entreguista do patrimônio nacional
e de todos os segmentos estatais ao projeto privatista. No entanto, isso não
implicou nenhuma recuperação expressiva da economia, pelo contrário, as
medidas adotadas agravaram o processo de destruição do parque industrial e
fortaleceram a evasão da riqueza produzida no país. A nova crise financeira
mexicana, em dezembro de 1994, promoveu uma evasão de capital da ordem
de 7 bilhões de dólares somente entre fevereiro e março de 1995.
Os anos de intensa privatização promovida pelos governos FHC
e Lula aumentaram de forma assustadora o tamanho da dívida pública
externa e interna, que passou de bilhões para trilhões de reais. Entretanto,
em termos proporcionais, foi o governo José Sarney quem mais endividou
o país: no seu mandato, a dívida chegou a representar 100% do PIB;
depois dele vêm Collor de Melo e Michel Temer, com 81% do PIB. A
dívida pública brasileira cresceu R$ 447 bilhões em 2017, alcançando
um montante de 3,55 trilhões (G1GLOBO, 2018). A previsão é que o
movimento ascendente continue e a dívida alcance o patamar de 4 trilhões
em 2018, representando mais de 90% do PIB.

154
CAPÍTULO v
A CONSOLIDAÇÃO DO CAPITAL FINANCEIRO NO BRASIL
(1980-2018)

Privatizado
Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.
É da empresa privada o seu passo em frente, seu pão e seu salário.
E agora não contentes querem privatizar o conhecimento, a sabedoria, o pensamento,
que só à humanidade pertence.
B. Brecht

A crise da década de 1970 impôs o abandono do padrão de


acumulação financeira sustentado na produção industrial. Num contexto de
hipertrofia do capital fictício, o modelo “substituição intensa de importações”
não poderia continuar; a prioridade da tarefa estatal era equilibrar suas
despesas e pagar a dívida pública. Isso requeria o fim da tarefa estatal de
administrador e avalista do crescimento do setor produtivo, para ele mesmo
constituir-se como base fundamental da reprodução do capital parasitário.
A política de endividamento externo para beneficiar a continuidade do
desenvolvimento do modelo “substituição intensiva de importação” na
década de 1970 entrou num processo de esgotamento na década de 1980
e, paradoxalmente, inviabilizou qualquer possibilidade de intervenção
positiva da maquinaria estatal no sentido de possibilitar a continuidade
do desenvolvimento industrial. O Estado deveria operar um giro de 180
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

graus e entregar todas as empresas estatais ao capital privado, coordenando


o processo de privatização das empresas, na perspectiva de fornecer uma
nova forma de acumulação de capital no contexto da mundialização do
capital e da centralidade do capital financeiro.
Nesse novo contexto, o Estado passa a colaborar no processo de
mundialização financeira da economia brasileira, sacrificando segmentos
de seu parque industrial. Amoldado aos interesses das multinacionais e ao
capital transnacional, a maquinaria estatal deveria racionalizar seus recursos
para assegurar o pagamento das dívidas externa e interna, ampliando a
taxa de lucro mediante a destruição de parte de suas forças produtivas. O
regime instaurado em 1964 estabeleceu as bases para a constituição de uma
associação tênue de especuladores nacionais e estrangeiros, visando dominar
e controlar completamente o mercado brasileiro. As reformas estabelecidas
pelo regime de 1964 intensificaram a concentração bancária e a dos distintos
complexos da economia, encontrando seu coroamento nas reformas
instituídas na Constituição de 1988, que assegurou a abertura do mercado
interno para a entrada de capital estrangeiro na forma dos bancos múltiplos.
A Resolução do CMN nº 1.524/88 e a Circular do BACEN nº
1.364/88 estabeleceram as bases legais para a constituição dos bancos
múltiplos enquanto agentes financeiros dotados da capacidade de operar
como bancos comerciais e de investimento, como agentes do crédito
imobiliário, crédito de financiamento, arrendamento mercantil e de
desenvolvimento. A formalização da existência dos bancos múltiplos
representou uma abertura para que as instituições financeiras pudessem
operar em vários segmentos, superando as restrições estabelecidas aos
tradicionais bancos comerciais (KEMPER, 2011, p. 70). Estes, constituídos
na forma de sociedades anônimas cuja atividade central seria captar recursos
e fornecer créditos de curto prazo para os diversos segmentos da sociedade
capitalista, cobravam juros pelos empréstimos realizados e taxas pelos
serviços prestados. Os bancos múltiplos passavam a disputar determinados
segmentos do mercado dominado pelos bancos tradicionais; por sua vez,
os bancos tradicionais recorreriam aos bancos múltiplos para expandir seus
negócios num tempo histórico dominado pelos oligopólios.

156
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

A privatização do Sistema Financeiro ocorrida na década de 1990


foi assegurada pela Constituição de 1988, que escancarou as portas para os
grandes bancos internacionais. A referida Carta permitiu: i) a eliminação
da reserva de mercado mediante a abertura do mercado nacional ao
capital estrangeiro; ii) a legalização dos bancos múltiplos; iii) o fim dos
entraves jurídicos e administrativos para a expansão do sistema financeiro,
ampliando a concorrência entre as instituições financeiras, a fim de favorecer
o monopólio e a concentração. A Constituição de 1988 e a Resolução nº
1.524, de 1989, que trata dos bancos múltiplos, asseguraram a expansão das
instituições financeiras, que passaram de 106 em 1988 para 218 em 1990
(ALVARENGA, 2013, p. 16).
A abertura do mercado brasileiro para o capital estrangeiro esteve
perfeitamente coadunada com as exigências de Washington e dos organismos
internacionais, que impuseram medidas liberalizantes em todos os espaços
da economia mundial. A abertura econômica propiciada em tempos de
privatização das empresas estatais e de reestruturação do sistema bancário
brasileiro implicou a intensificação do processo de fusões e incorporações
das empresas existentes no país, patrocinando a tirania financeira sustentada
na transferência de riqueza pública e estatal para a burguesia nacional e
estrangeira. Forjou-se um amplo processo de transferência de riqueza do
setor público para o setor privado, aprofundando as desigualdades sociais e a
miséria da classe trabalhadora.
Na década de 1990, a hegemonia do capital financeiro claramente
se manifestou no desenvolvimento da economia brasileira, processando
uma reversão do capital produtivo para o capital improdutivo. O capital
estrangeiro investido no país passa a secundarizar a esfera produtiva em
detrimento da esfera improdutiva, atraído especialmente pelas elevadas
taxas de juros dos títulos da dívida pública. Escreve Godeiro (s/d, p. 43): “A
proporção dos lucros não investidos na produção salta de 43% para 62%,
enquanto a proporção investida na produção (FBK/Lucro) cai de 57%
para 38%. Ao mesmo tempo, os ativos financeiros (AF/Kprod) saem de
30%, em 1974, para 73% dos ativos produtivos fixos”. Essa tendência será
aprofundada com a entrada de capitais visando às privatizações de FHC

157
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

(1995-2002) e às privatizações realizadas pelos governos petistas (Lula


e Dilma) entre 2003 e 2016. Nesse cenário, a poupança dos bancos não
busca expandir seus negócios no financiamento da produção e na geração
de riqueza efetiva, mas nas melhoras formas de rendimentos apresentadas
pelo capital fictício.
A hegemonia do capital financeiro passa claramente a figurar no
espaço fenomênico do cotidiano quando se observa que os protagonistas
do processo de privatização realizada no Brasil foram os bancos nacionais e
estrangeiros. O processo de privatização e a reestruturação do setor bancário
permitiram que em 2001, seis dos dez maiores bancos existentes no Brasil
fossem estrangeiros (GODEIRO, s/d, p. 251-252). A concentração de capital
nas mãos de poucas instituições financeiras resulta numa concentração das
decisões dos principais segmentos e áreas fundamentais de investimentos e
na completa subordinação aos imperativos do capital internacional.
A elevada taxa de juros estabelecida no Brasil no final da década
de 1970 alcançou os três dígitos na década de 1980, encontrando nova
reconfiguração na década de 1990 e no decorrer do século XXI. Neste período,
a economia brasileira aliou a especialização na produção de matéria-prima
(commodities) com a especialização em oferecer as mais elevadas taxas de juros
do mundo como forma de atrair capital estrangeiro. Paulatinamente, o Brasil
converteu-se numa espécie velada de paraíso fiscal. No entanto, a riqueza
que entrava por uma porta saía pela outra de forma duplicada, triplicada e
quadruplicada. A economia nacional claramente tornou-se espaço para
enriquecimento do consórcio de especuladores nacionais e internacionais. A
entrada de investimento estrangeiro direto no sistema financeiro em 2003 foi
de 605 milhões, enquanto saíram 4,45 bilhões; em 2008 entraram 17,5 bilhões
e saíram 53 bilhões.
A relação orgânica da burguesia nacional com a burguesia
internacional marcou a história do Brasil e ganharia um novo capítulo na
privatização promovida pelos governos FHC e Lula, com a entrada em cena
dos fundos de pensões e a nova parceria instituída entre fundos de pensão
e instituições financeiras. O governo FHC promove o aprofundamento
do processo de privatização e endividamento estabelecido nos governos

158
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

anteriores. A privatização se estenderia do setor produtivo ao setor de


serviços públicos e ao setor financeiro.

5.1 Privatização das empresas estatais brasileiras nas décadas de 1980-


1990 e o Proer
O estabelecimento das políticas neoliberais teria de esperar uma
década, devido ao acirramento da luta de classes na década de 1980. No
entanto, ela não deixou de ser impor paulatinamente. Uma clara orientação
nesse sentido foi a promulgação do Decreto 86.215/1981, que “fixa normas
para transferência, transformação e desativação de empresas sob o controle
do Governo Federal” (ALMEIDA, 2010, p. 192). O referido decreto serve
como testemunho de que o projeto de privatização das empresas estatais,
posto em curso na década de 1990, teve sua gênese na década de 1980,
num ciclo histórico de significativa redução do crescimento econômico.
A proposta de transferência das empresas estatais para o setor privado
constituía-se como alternativa para minimizar os efeitos da crise propiciada
pelos choques do petróleo (1974 e 1997) e pela elevação das taxas de juros
pelo Banco Central dos EUA (FED) em 1982.
Entre as obrigações para a concessão de novos empréstimos ao
Brasil achava-se a necessidade da privatização das empresas estatais. Nesse
processo ocorreu a privatização de 140 empresas estatais. A Comissão
Especial de Desestatização privatizou 20 empresas do setor de celulose,
merecendo destaque Riocell e Indrapel; empresas do setor têxtil como
Cia. América Fabril, Fábrica de Tecidos Dona Isabel, Fiação e Tecelagem
Lutfalla; empresas do setor siderúrgico como Nitriflex D. A.; empresas do
setor energético como Força e Luz Criciúma S. A.; além das empresas do
sistema educacional (Sindacta), editoração ( José Olympio) e de produção de
audiovisuais (Encine Audiovisual) (ALMEIDA, 2010).
Na época da Nova República, a onda privatista envolveu empresas
como CELPAG, CCB (Companhia de Celulose da Bahia), CBC
(Companhia Brasileira de Cobre), Usina Siderúrgica da Bahia, Cia.
Nacional de Tecidos Nova América, Máquinas Piratininga S.A. e SIBRA
(Eletrossiderúrgica Brasileira S.A.). O processo de privatização sob o

159
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

controle direito ou indireto do Governo Federal foi legitimado pelo Decreto


91.991/1985. No final da década de 1980, o governo Sarney determinou a
privatização das empresas que estavam sob o controle acionário do BNDES.
“Assim, a Aracruz Celulose, a Cimental e a Siderúrgica Nossa Senhora
Aparecida foram privatizadas durante o governo Sarney” (ALMEIDA,
2010, p. 192). A Radióbras privatizou 34 de suas 40 emissoras de rádio e
TV entre 1987 e 1989, demitindo 681 de seus funcionários e vendendo 11
de seus terrenos.
O projeto privatista efetivado pelos governos da década de 1990 tem
seus fundamentos estabelecidos na década de 1980, com foco na preservação
dos setores estratégicos da economia, que se contrapunham aos interesses
populares. Novo projeto privatista, mediante o Decreto 95.886, de 1988,
recebeu a denominação de “Programa Federal de Desestatização”; eram
seus objetivos: 1) transferir as empresas estatais para a iniciativa privada; 2)
desregulamentar a atividade econômica para beneficiar a iniciativa privada;
3) possibilitar a venda de serviços públicos pelo setor privado através de
concessões ou permissões; 4) proibir e restringir a participação do Estado
na economia; 5) fim da reserva de mercado para a produção nacional; 6) fim
das restrições da participação direta do capital estrangeiro no processo de
privatização (ALMEIDA, 2010).
A novidade deste decreto residia na inserção de representantes
dos trabalhadores no Conselho Federal de Desestatização, como forma de
flexibilizar a resistência das organizações sindicais. O mecanismo adotado
denota abertura para a constituição de uma estratégia que representava a
cooptação da subjetividade dos trabalhadores aos imperativos da privatização e
das contrarreformas que seriam aplicadas a partir da década de 1990 no Brasil.
Para os precursores das políticas liberalizantes da economia
implementadas na década de 1980, o programa de privatização é vetor
essencial para flexibilizar o montante da dívida pública. No entanto, as
privatizações realizadas pelo regime militar-empresarial e pela denominada
“Nova República” não passaram de um fiasco. Entre os maiores prejuízos
acumulados pelo BNDESPar destacam-se: 1) a venda da Caraíba Metais
S.A., que custou ao BNDESPar o equivalente a US$ 261.429,04 e foi

160
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

vendida por US$ 91.233,36, com um prejuízo de US$ 170.195,68; 2) a


venda da Cia. Brasileira de Cobre (CBC), que custou US$ 94.334,87, por
US$ 21.625,60, um prejuízo de US$ 72.739,27; 3) a empresa Máquinas
Piratininga S.A., que custou 31.954,55 e foi vendida por US$ 106,60, um
prejuízo de US$ 31.487,95 (ALMEIDA, 2010).
No cômputo geral, o BNDESPar fez um investimento de
505.650,43 dólares e obteve somente 42.822,18 dólares com as vendas.
Um prejuízo calculado em mais de 91%, pois além de vender por um
valor inferior para beneficiar os aglomerados nacionais e internacionais, o
BNDESPar permitiu o parcelamento da dívida numa década, com taxas de
juros anuais de 12% (ALMEIDA, 2010), e aceitou “moedas podres” (ações
da dívida pública, fundos hedge etc.).
O fracasso da privatização promovida na década de 1980 levou os
organismos internacionais a endurecerem na liberação de novos empréstimos.
Devido à pressão popular, os governos da década de 1980 resistiam a
entregar ao capital internacional os setores considerados estratégicos para a
“segurança nacional” e que poderiam propiciar a completa desnacionalização
da economia. O conjunto de medidas adotadas para salvar os capitais resultaria
na intensificação da desigualdade social, no desemprego e na flexibilização das
relações de trabalho na América Latina. O processo de privatização que seria
intensificado na década de 1990 em nada minimizaria o movimento ascendente
de participação da dívida pública no consumo do orçamento estatal.
A necessidade do estabelecimento de um programa de privatização
ganha novos corolários com a política estabelecida pelo “Consenso de
Washington”. Entre as exigências estabelecidas para que os países latino-
americanos pudessem renegociar suas dívidas com credores internacionais
(FMI, BIRD e Banco Mundial) merecem destaque:

[...] 7. abolição de barreiras que impedem a


entrada de investimento direto; 8. privatização de
empresas de propriedade do Estado; 9. abolição de
regulamentações que impedem a entrada de novas
empresas ou restringem a competição; 10. a provisão
de direitos garantidos de propriedade, especialmente

161
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

para o setor informal. (ALMEIDA, 2010, p. 252).

Plenamente amoldado às exigências estabelecidas pelo “Consenso


de Washington” (1989), o governo Collor (1990-1992) institui o Programa
Nacional de Desestatização (PND) no bojo de seu Plano de Estabilização
Econômica, cujo propósito fundamental era controlar os gastos públicos
para assegurar o pagamento da dívida pública.
Nessa perspectiva, foram extintos 24 órgãos e empresas estatais,
demissão em massa de funcionários não concursados, congelamento dos
salários, elevação dos impostos, redução das alíquotas de importação,
restrição de incentivos fiscais, fim da reserva de informática, bloqueio
dos saldos em contracorrente e cadernetas de poupança acima de 50 mil
cruzeiros, abertura para produtos importados etc. Para completar, foram
bloqueados aproximadamente 40 bilhões de dólares.
O Programa de Nacional de Desestatização (PND) representou,
entre 1990 e 1991, a privatização das empresas do ramo da siderurgia como
a Cia. Siderúrgica de Tubarão, Usiminas, Aços Finos Piratini, Companhia
Siderúrgica do Nordeste; empresas de petroquímica como Copesul, Copene;
as empresas de fertilizantes como Nitrofertil, Ultrafertil; a empresa de
transporte Mafersa; a empresa de cobre Mineração Carraíba; a empresa
de bens de capital Usinimas Mecânica; a empresa de material aeronáutico
Celma e as empresas de navegação fluvial como Franave, Enave e SNPP
(ALMEIDA, 2010); mais de 18 empresas de consultorias (Boz-Allen &
Hamilton do Brasil S.A., Banco Arbi S. A., Engenharia S. A., Lehmann e
Jaakko Povry Engenharia Ltda. etc.).
Para assegurar a passagem das empresas estatais para o setor privado
foi admitida a participação de capital estrangeiro e formas de pagamento
como “certificados de privatização, títulos e créditos externos, os títulos
do Fundo Nacional de Desenvolvimento, os Títulos da Dívida Agrária,
as Debêntures da Siderbras e outras dívidas do Governo Federal ou de
entidades direta ou indiretamente controladas por ele” (ALMEIDA, 2010,
p. 283). As privatizações realizadas pelo governo Collor se notabilizaram
pelo uso de “moedas podres”. As múltiplas formas de pagamento apenas
serviam para obliterar a natureza da expropriação operada pela capital

162
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

sobre o trabalho.
Na privatização da Usiminas, vendida por US$ 1.494, somente
US$ 39,1 milhões foram em moeda corrente, o restante deu-se em “moedas
podres”. Nos casos das privatizações das estatais Celma, Mafersa e Cosinor,
as “moedas podres” alcançaram o índice de 100% do valor das privatizações.
Em 1992 foram privatizadas 16 empresas estatais, entre elas: Embraer,
Cosipa, CSN, Açominas, Lloydbras, Cobra, RFFSA, AGEF, Light, Escelsa
e Banco Meridional. Novamente “as moedas podres” tiveram predominância
sobre os valores expressos em cruzados novos ou cruzeiros. A aceitação das
“moedas podres” no processo de pagamento das empresas privatizadas denota
a falsidade do discurso privatista.
O governo Itamar aprofundou ainda mais a natureza da pilhagem
e do saque do erário; ampliou a participação do capital estrangeiro de 40%
para 100% (ALMEIDA, 2010). A continuidade do Programa Nacional
de Desestatização implicou a privatização, em 1993, da CSN (Companhia
Siderúrgica Nacional), Açominas, Ultrafertil, Poliofinas e Oxiteno.
A privatização da Companhia Siderúrgica Nacional representou o
coroamento da reconfiguração do estado intervencionista para atender às
demandas da crise do capital em escala internacional. Formada em 1941,
a empresa constituía-se como gigante do ramo siderúrgico da América
Latina, com capacidade para produzir 4,6 milhões de toneladas de aço
anualmente, sendo a única no país a produzir perfis de aço e folhas de
flandres, chapas de aço e bombinhas laminadas.
O parque siderúrgico nacional foi completamente privatizado para
atender às demandas do capital internacional. A COSIPA, criada em 1953,
tinha capacidade para produzir 3,9 milhões de toneladas de aço anualmente
e possuía um porto com capacidade de movimentação de 12 milhões de
toneladas de carga para exportação de sua produtividade. A Açominas
possuía metade da produção da COSIPA.
As seis empresas estatizadas nos governos Collor e Itamar
representaram US$ 2,6 bilhões, montante 7,6% superior “ao valor obtido com
a venda das 14 empresas estatizadas em 1992” (ALMEIDA, 2010, p. 294).
O discurso da substituição das “moedas podres” pelas “moedas sociais” do

163
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

governo Itamar não conseguiu ocultar a natureza “putrefata” da privatização.


O saneamento das contas públicas pela mediação da privatização não passava
de um ardil que servia para transferir ao setor privado empresas altamente
lucrativas e essenciais ao desenvolvimento da economia brasileira.
O Estado intervencionista que exerceu função essencial no
desenvolvimento do capitalismo brasileiro desde a crise de 1929, deveria
ceder espaço para o laissez-faire do mercado. As bases para o pleno
desenvolvimento do capital financeiro e das multinacionais estavam
plenamente consolidadas. A maquinaria estatal tinha sido perfeitamente
gestada, o problema era a própria dinâmica do capital e a sua natureza
incontrolável. Essa natureza incontrolável acabou plasmando as crises que
levaram ao colapso do regime militar-empresarial na década de 1980, ao
impeachment de Collor e, posteriormente, ao impeachment da Dilma Rousseff.
A minimização da interferência do Estado na economia, como
defendem os teóricos neoliberais, não muda em nada a natureza do
Estado, pois quando este privatiza, continua interferindo na economia
para atender às demandas do capital. Evidentemente, existe uma alteração
de sua forma tão somente para aperfeiçoar sua verdadeira essencialidade
que ‘e servir aos interesses da reprodução do capital. Cardoso (1994, p. 9)
explica a megaoperação privatista para atender aos interesses do capital
internacional mediante o saque e a pilhagem das empresas estatais e dos
serviços públicos. As grandes corporações e as multinacionais devem
assumir funções protagonistas em todo o processo de privatização.
As multinacionais juntamente com investidores institucionais e os
fundos hedge exerceram atividades protagonistas do capital financeiro. Na
década de 1970, o volume de capitais depositados nas multinacionais permitiu
que elas assumissem funções precípuas na expansão do capital financeiro,
superando o volume de investimentos oriundos dos bancos tradicionais,
das companhias de seguro e dos fundos de pensão. A intensificação da
participação das corporações multinacionais no mercado de capitais tornou
subordinada sua participação no mundo produtivo (SCHERER, 1999, p.
96). O papel predominante dos investimentos das multinacionais em ativos
financeiros acabou enredando todas as suas atividades produtivas.

164
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

A participação das multinacionais nos processos de fusões,


incorporações e novas aquisições “encontra-se ligada aos mecanismos de
um capitalismo que privilegia a transferência de ativos à criação de novas
capacidades produtivas” (SCHERER, 1999, p. 111). A hipertrofia do capital
financeiro reverbera nos processos de fusões e aquisições; o “financiamento é
facilitado pela valorização das ações, permitindo o pagamento das empresas
adquiridas com base em ativos sobrevalorizados” (SCHERER, 1999, p. 111).
A predominância financeira encontrou no processo de privatização um campo
enorme de possibilidades de expansão e acumulação de capital num contexto
de crise estrutural do sistema. O interesse das multinacionais pelas empresas
estatais privatizadas se revela na possibilidade de captar recursos públicos.
A posição subalterna da economia brasileira impediu a constituição
de alguma intervenção científica e tecnológica no desenvolvimento dos
setores mais dinâmicos da economia constituídos pelas multinacionais.
Diferentemente da expansão das multinacionais americanas e europeias
no continente asiático, os acordos estabelecidos sempre contavam com a
participação majoritária do capital estrangeiro (CAMPOS, 2009, p. 31). A
aliança entre capital estrangeiro, Estado e empresariado nacional permitiu
que o Brasil se transformasse no mercado mais “internacionalizado do
continente e num dos maiores do mundo” (CAMPOS, 2009, p. 32). Essa
internacionalização atingiu seu ápice com a abertura para o capital estrangeiro,
a legislação sobre os bancos múltiplos, a abertura do mercado e o fim da
reserva de informática na década de 1990.
Ao conquistar o mercado interno brasileiro para o capital, as
multinacionais conquistaram o Estado para o capital internacional,
reconfigurando a sua posição de criado de quarto do capital estrangeiro.
Uma vez controlado o mercado interno para o capital financeiro, o
capital transformou o Brasil numa espécie de paraíso fiscal com as taxas
de juros mais elevadas do mundo. Com isso o capital financeiro perdeu
o interesse pela continuidade do financiamento industrial num contexto
de elevado desenvolvimento tecnológico no mercado asiático e de elevada
reestruturação produtiva que rebaixou significativamente o valor da força
de trabalho.

165
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

Encerrada a entrega do patrimônio nacional, passou-se à etapa


de captação de capital estrangeiro mediante a transformação do mercado
interno brasileiro num cassino a serviço do capital financeiro mediante
o pagamento das maiores taxas de juros oferecidas no mercado mundial.
A transformação da dívida externa em dívida interna intensificou a etapa
parasitária do capital no mercado interno e elevou à mais elevada potência
os interesses do capital estrangeiro introduzidos pela Instrução 113, pela
reforma do sistema financeiro de 1966, pela abertura para os bancos
múltiplos (assegurada pela Constituição de 1988) e pela constelação de
medidas que tiveram como propósito: 1) a garantia da expansão do mercado
de capital; 2) a multiplicação das seguradoras no mercado de capitais; 3) o
fortalecimento das instituições de créditos; 4) a ampliação dos fundos de
pensão, do mercado de commodities e dos derivativos.
A supremacia do capital financeiro pode ser observada na intensificação
dos monopólios mediante incorporações e fusões. Em 2010 foram operadas
expressivas fusões, cujo volume de negócios com presença de capital estrangeiro
cresceu 87%, enquanto as corporações brasileiras ampliaram seu capital no
exterior em 47%. A concentração tem caráter internacional. Internamente
aconteceu a fusão entre Votorantim e Aracruz Celulose, formando o grupo
Fibria, ampliando em 88,2% seu índice de internacionalização quando
comparado com 2009. A multinacional Brasil Foods (BRFs) resultou da
fusão da Sadia com a Perdigão. A multinacional JBS-Friboi contou com o
financiamento do BNDES em seu processo de internacionalização; 84% de
sua receita realizam-se no exterior (GARCIA, 2011, p. 5).
Na década de 1990 as privatizações foram o principal vetor de
penetração das empresas estrangeiras no mercado interno brasileiro, num
contexto perpassado pela crescente ampliação do mercado asiático e pela
expansão das multinacionais na China. Os setores mais cobiçados pelas
multinacionais levaram ao aprofundamento da conquista do mercado
interno mediante a participação na aquisição das estatais do setor de
serviços: telecomunicação, eletricidade etc. Segundo Scherer (1999, p. 119),
“O ingresso de investimentos estrangeiros, via privatizações, apresentou um
valor correspondente a 28% da entrada de IDE entre 1995 e 1997”. As

166
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

multinacionais participaram ainda como acionistas minoritários; mesmo


assim, esses investimentos nunca ficaram abaixo de 20% da composição do
capital total da empresa privatizada.
No setor de telecomunicações, a participação do capital estrangeiro
representou 60% do volume de capitais arrecadados pelo Estado no
processo de privatização. A disputa pelo controle do complexo hidrelétrico
e das telecomunicações teve a participação de multinacionais americanas,
espanholas, francesas, chinesas e chilenas. Nesse processo, novas multinacionais
foram introduzidas no mercado nacional (SCHERER, 1999, p. 119).
Além de representar a consolidação do mercado interno para a
grande corporação privada, a privatização confere a possibilidade de ganhos
financeiro com a venda da empresa adquirida para uma outra corporação
financeira ou multinacional (SCHERER, 1999, p. 112). Segundo Scherer
(1999, p. 119), “em torno de 94% dos investimentos estrangeiros em serviços
concentraram-se nos setores de eletricidade, telecomunicações, finanças e
comércio em 1996 e 1997”. As multinacionais deixaram de ser tão somente
vetores da mundialização produtiva para se constituir como vetores essenciais
da mundialização financeira. Escreve Scherer (1999, p. 123): “A empresa
multinacional é, assim, ao mesmo tempo, vetor da mundialização produtiva e
da mundialização financeira, se essa diferenciação ainda faz sentido”. A unidade
entre capital produtivo e capital improdutivo encontrou nas multinacionais
sua quintessência. Num contexto de profunda crise de expansão e acumulação
do capital, o capital tenta se reproduzir no interior do capital financeiro, ou
seja, tenta assegurar sua expansão de forma meramente fictícia.
A participação da aristocracia operária no processo de privatização
por meio dos fundos de pensão revela o estágio de desenvolvimento do
capitalismo brasileiro. O capital financeiro, segundo Lenin (1977), constitui
não apenas uma oligarquia financeira, mas forja uma aristocracia operária
que figura como aliada das forças imperialistas no processo de expropriação
e exploração da força de trabalho nos países colonizados. O capital
financeiro consegue efetivar uma subsunção da consciência da aristocracia
operária aos seus imperativos, desempenhando esta a função de agente
auxiliar da expansão do processo de capitalização da previdência mediante

167
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

a institucionalização da política de colaboração de classes e contrapondo-


se radicalmente à possibilidade de transformação do descontentamento e
revolta dos trabalhadores num movimento revolucionário. Essa aristocracia
operária configura-se como personagem importante no desenvolvimento
do capital financeiro na década de 1990 e no começo do século XXI.
A ideologia da conciliação de classes foi o leitmotiv da aristocracia
operária representada na CUT, CGT, Força Sindical e consortes, e contribui
para a destruição das organizações combativas da classe trabalhadora. A
participação de toda a estrutura sindical no processo de administração
dos fundos de pensão mediante a governança corporativa e o sindicalismo
acionário demonstra a aliança nodal existente entre o movimento sindical
e o capital financeiro. O movimento sindical brasileiro se transformou em
correia de transmissão dos interesses do capital financeiro (trustes e cartéis)
na época dos governos petistas, não se contrapondo minimamente à lógica do
sistema do capital nem apresentando uma alternativa ao sistema no contexto
de crise estrutural do sistema do capital.
A superioridade do setor privado difundida pelo aparato ideológico
da burguesia em tempos de contrarreformas neoliberais reverberou no interior
das organizações sindicais que, pela mediação dos fundos de pensão, passaram
a defender a lógica de capitalização no sistema previdenciário. Contrariando
as orientações do governo, o presidente da Previ (Caixa de Previdência
dos Funcionários do Banco do Brasil) trabalhou assiduamente no sentido
de assegurar uma ampla participação do referido fundo no processo de
privatização da Vale do Rio Doce. Por conta disso, Luís Augusto Vasconcelos
e Barros foi demitido da Previ pelo presidente do Banco do Brasil, Paulo
César Ximenes. A ubiquidade dos ataques à estrutura estatal existente se
manifestou de todas as maneiras; a quebra da estabilidade do funcionalismo
público e a flexibilização das relações de trabalho experimentada no setor
privado deveria se irradiar também à esfera pública; a venda de serviços
encontraria sua expressividade mediante o fortalecimento da atuação das
corporações do complexo educacional e no complexo médico-hospitalar.
O discurso da eficiência do setor privado em detrimento do setor
público ganhou novos corolários; para isso entrou em cena o mecenato dos

168
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

meios de comunicação de massa, em que os grandes canais de televisão, como


a Rede Globo ‒ financiada na época da ditadura pelo grupo Rockefeller
– entraram em cena e revelaram sua maestria na arte da manipulação
das massas trabalhadoras. Para se contrapor ao discurso dominante, a
dinâmica da realidade serviu exatamente para demonstrar o contrário. Essa
contradição revela-se de maneira peculiar no Programa de Reestruturação
e Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (PROER).
A crise experimentada pelo sistema financeiro brasileiro refletiu a
crise asiática vivenciada em 1997 e a crise mexicana em 1995. Para salvar
os banqueiros da crise, o governo instituiu o plano de reestruturação
bancária, que canonizava a tendência à formação dos monopólios. A crise
iniciada em 1995 encontra seu coroamento na crise de 2008, resultando
numa significativa restrição ao número dos bancos e na constituição de um
mercado varejista essencialmente concentrado.
O processo de F&As (Fusões e Aquisições bancárias) bancárias
permitiu que ocorressem inúmeras aquisições, como se vê no quadro abaixo.
Tabela 3 – Aquisições realizadas no setor bancário entre 1998 e 2007.
Nº Adquirente Adquirida Data
1 Bradesco BCN – Credireal – MG 20/01/98
2 Itaú S. A Banco Francês Brasileiro 20/02/98
3 Unibanco Digibens 13/08/98
4 Santander B. Noroeste 28/02/99
5 Unibanco Banco Uno-Net 16/10/00
6 Bradesco Banco das Nações 12/12/00
7 Itaú S.A. Banerj 20/07/01
8 Banco do Brasil BB Financeira 07/10/01
B. Bandeirante
9 Unibanco 22/01/02
B. Fin Português
10 Sudameris B. América do Sul 22/01/02
11 Santander Bozano Simonsen 08/02/02
12 Bradesco B. Mercantil – SP 26/07/04
13 Itaú S.A. Bemge 23/03/05
14 ABN Real Sudameris 13/03/06
Banestado 08/06/07
15 Itaú S.A. Bank Boston 13/04/07
BKB 20/06/07
16 Santander Banespa 20/06/07
Fonte: Franco – Camargos, 2011, p. 6

169
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

A privatização dos bancos públicos e aquisições privadas permitiram


que o Itaú se apropriasse do Banerj, Bemge, Banestado, BEG, BBA
Creditanslt e BankBoston. O Unibanco apropriou-se do Banco Nacional,
Dibens, Credibanco, Bandeirantes e BNL. O Santander, do Banco Geral
do Comércio, Noroeste, Bozano, Simonsen, Meridional, Banespa e ABN
Amro. O Bradesco, dos bancos BCN, Crédito Real MG, Pontual, Boavista,
Baneb, Mercantil de SP e Bilbao Vizcaya. O ABN AMRO apropriou-se do
Banco Real e do Sudameris. O HSBC, do Bamerindus e do Lloyds Bank.
Aproximadamente oito instituições financeiras estrangeiras
também participaram do processo em que o Bamerindus foi adquirido
pelo banco inglês Hong Kong & Shangai Banking Corporation (HSBC):
o Banco Real pelo ABN-Amro, o Noroeste e o Banco Geral do Comércio
pelo espanhol Santander, do Excel pelo Bilbao y Viscaya, o Garantia pelo
CS First Boston e o Bandeirantes pelo português Caixa Geral de Depósitos
(CERQUEIRA, 2012).
A natureza evanescente e nada confiável do sistema financeiro
revelou-se no escândalo do Banco Nacional, pertencente ao banqueiro
Marcos Catão Magalhães Pinto (também acólito do regime militar-
empresarial). A filha do banqueiro, Ana Lúcia Catão de Magalhães Pinto,
era casada com Pedro Henrique Cardoso, filho do presidente da República
na época (Fernando Henrique Cardoso).
O referido banco manipulava seus balanços, da mesma maneira
como se descobriu posteriormente que agia o Banco Econômico (do
banqueiro e amigo dos militares Ângelo Calmon de Sá). A maquiagem de
600 contas permitia a operação de empréstimos fictícios na ordem de 5,5
bilhões de reais. O déficit das contas do Banco Nacional havia sido iniciado
em 1986, quando este banco acumulava um rombo (US$ 250 milhões) que
transcendia o tamanho de seu patrimônio.
Houve plena conivência do Banco Central e dos governos na
constante renovação das operações fictícias, que resultaram num déficit de
US$ 9,2 bilhões em 1995. Para salvar os banqueiros, o governo editou o
PROER (Programa de Estimulo à Reestruturação do Sistema Financeiro).
No caso do Banco Nacional, o governo emprestou R$ 7,2 bilhões para que

170
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

o Unibanco comprasse a instituição financeira falida. A dívida do Banco


Nacional com o Banco Central chegou a 29,2 bilhões, sendo 20,653 bilhões
ao PROER (ONLINE BANCÁRIO, 2013). O montante de recursos
públicos utilizados somente para salvar mais de 70 bancos, entre eles o
Banco Nacional, Econômico, Banorte, Mercantil, Bamerindus etc., chegou
ao montante de 54,854 bilhões de reais na época; quando atualizados, esses
valores triplicam.
Além do envolvimento de parentes de FHC na salvação do Banco
Nacional, constata-se no processo de negociação da dívida dos bancos falidos
o envolvimento de familiares de Aécio Neves. A mãe do político do PSDB,
Inês Maria Neves de Faria, uniu-se num segundo casamento com o banqueiro
Gilberto de Andrade Faria, proprietário do Banco Bandeirantes, que na
crise dos bancos arrematou parte do Banorte. Para isso, o PROER liberou
1,256 bilhão para o Bandeirantes, em 1996 (STHEPHANOWITZ, 2015),
escondendo que o referido banco já se achava falido. O protecionismo político
vem à tona quando o próprio Bandeirantes decreta falência em 2001, sendo
comprado pelo Banco do Brasil.
Por sua vez, a dívida do banco da família Calmon de Sá para
com o Banco Central perfazia o montante de 20,418 bilhões de reais, em
2013 (ONLINE BANCÁRIO, 2013). O saneamento dos bancos custou
mais 110 bilhões de reais para o governo central, o equivalente a 12,3%
do PIB. Para assegurar o processo de salvação dos bancos privados, o
governo entregou a malha de bancos estaduais existentes, recorrendo à
mesma retórica utilizada para operar as privatizações das empresas estatais
relacionadas ao setor produtivo.
Os recursos obtidos com a privatização serviram tão só para
fortalecer o governo FHC como legítimo representante dos interesses do
capital internacional. A mudança dos critérios no processo de privatização
ensejado pelos governos da década de 1990, que assegurava a participação
de 100% de capital estrangeiro na privatização, permitiu a consolidação
do modelo iniciado com o golpe de 1964. No final da década de 1990 o
capital estrangeiro detinha 60,8% no setor de telecomunicações; 57,3% no
complexo de fornecimento de energia, água potável e gás natural; 59,0% no

171
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

setor financeiro, 71,2% no setor de alimentos, 77,5% no comércio varejista;


71,4% na exploração de minerais não metálicos; 98,2% no complexo
farmacêutico; 98,2% na produção de produtos de higiene e limpeza; 80,7%
na produção de máquinas (FERRAZ - IOOTY, 2000).
O elevado fluxo de multinacionais experimentado no Brasil no final
do século XX sofre um refluxo com o esgotamento do número de empresas
estatais para serem privatizadas. Ao se esgotarem as elevadas taxas de lucro
alcançadas com o processo de privatização, as multinacionais concentraram
sua atenção nas elevadas taxas de retorno dos investimentos realizados
pelos títulos da dívida pública. O mercado de capitais foi o principal vetor
da economia brasileira na primeira década do século XXI. A taxa de juros
ofertada pelo mercado de capitais no Brasil atraiu o capital estrangeiro
e as multinacionais. Nesse contexto, os fundos de pensão e as instituições
financeiras passaram a disputar o mercado de capitais.
Diferentemente do que era propagado na mídia burguesa, os recursos
da privatização não promoveram nenhuma melhoria dos serviços estatais
nas áreas de saúde e educação; pelo contrário, o governo FHC sucateou a
universidade pública para estimular o crescimento das faculdades privadas;
ademais, incentivou a multiplicação do complexo médico-hospitalar
privado e ampliou de maneira expressiva a dívida pública externa e interna.
A privatização não melhorou em nada a vida dos trabalhadores, pelo
contrário, aprofundou-se o desemprego e as taxas de violência nas cidades
na década de 1990. Enquanto a classe trabalhadora agonizava, os bancos
auferiam lucros de mais de 360% na época de FHC (LOPES, 2017).
Entre os bancos denunciados por gestão fraudulenta merecem
destaque: a) Banco Marka (1999): a instituição do banqueiro Salvatore
Cacciola teve seus negócios precipitados com a elevação do valor do
dólar de R$ 1,22 para R$ 1,32 em janeiro de 1999. As operações
realizadas no mercado de futuro com a moeda americana era 20 vezes
superior ao patrimônio líquido do Banco Marka. O presidente do Banco
Central, Francisco Lopes, procurou aliviar a perda bilionária de Cacciola
promovendo um prejuízo de 3,7 bilhões ao banco público. A constatação
da gestão fraudulenta culminou na prisão do presidente do Banco Central

172
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

e do banqueiro Salvatore Cacciola em 2008 (HERMES, 2016); b) Banco


Pan-Americano: os executivos da instituição do empresário Silvio Santos
realizavam a alquimia da transformação do déficit em superávit mediante
o mascaramento de seus balancetes; c) Banco Santos; d) Banco Pactual: a
instituição do banqueiro Daniel Esteves esteve envolvida numa constelação
de corrupções; e) Banestado (1996): o banco envolveu-se numa série de
irregulares. A principal estava relacionada à remessa ilegal de recursos para
sua agência em Nova Iorque. Pela mediação das contas CC5 conseguiu
enviar 1,57 bilhão para o exterior (HERMES, 2016, p. 2); 5) Banco
Opportunity: pertencente ao banqueiro Daniel Valente Dantas.
As denúncias de corrupção envolvem todas as grandes instituições
financeiras do Brasil. A Operação Zelotes, desencadeada pelo Ministério
Público, comprovou que os banqueiros são os maiores ladrões do território
nacional. Esta operação revelou o envolvimento dos maiores bancos
nacionais e das grandes corporações na tentativa de corromper os agentes
da Receita Federal e do Coaf (Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais). O crime contra o patrimônio público chegou ao montante de R$
19,77 bilhões.
Os representantes do banqueiro Joseph Safra (o homem mais rico
do Brasil em 2019), segundo a Procuradoria da República em Brasília,
teria negociado uma propina para quatro funcionários no valor de R$ 15,3
milhões em troca da anistia de 4,3 bilhões de reais. Como o Banco Safra, as
empresas e empresários usavam lobistas como intermédios para anular multas
aplicadas pela Receita Federal. Entre os nomes denunciadas aparecem mais
de 70 empresas e corporações poderosas que devem acima de 100 milhões
à Receita Federal. Destacam-se: Banco Santander (R$ 3,34 bilhões), Banco
Santander 2 (R$ 3,34 bilhões), Bradesco (R$ 2,75 bilhões), Ford (R$ 1,78
bilhões), Gerdau (R$ 1,22 bilhões), Boston Negócios (R$ 841,26 milhões),
Safra (R$ 767,56 milhões), Huawei (R$ 733,18 milhões), RBS (R$ 671,52
milhões), Camargo Corrêa (R$ 668,77 milhões), MMC-Mitsubishi (R$
505,33 milhões), Carlos Alberto Mansur (R$ 436,84 milhões), Copesul
(R$ 405,69 milhões), Liderprime (R$ 280,43 milhões), Avipal/Granoleo
(R$ 272,28 milhões), Marcopolo (R$ 261,19 milhões), Banco Brascan

173
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

(R$ 220,8 milhões), Pandurata (R$ 162,71 milhões), Coimex/MMC (R$


131,45 milhões), Via Dragados (R$ 126,53 milhões), Cimento Penha (R$
109,16 milhões), Newton Cardoso (R$ 106,93 milhões) e Bank Boston
banco múltiplo (R$ 106,51 milhões) (GAUCHAZH, 2015).

5.2 Crise do sistema do capital


A década de 1970 representa o fim dos “anos gloriosos” que marcaram
o pós-guerra, em que as multinacionais americanas submeteram todas as
economias capitalistas aos seus imperativos de expansão e acumulação. O
esgotamento do modelo centrado na hegemonia absoluta do dólar como
forma de alimentar o complexo industrial-militar tem sua plena manifestação
nos elevados custos das guerras da Coreia e do Vietnã. O retorno à política
de câmbio flutuante abriu precedentes para a especulação financeira que
levaria às sucessivas crises da economia mundial. A elevação das taxas
de juros aprofundou o endividamento das economias subdesenvolvidas
e dependentes. Países como Brasil e México passariam a organizar suas
finanças exclusivamente para assegurar o pagamento da dívida pública e
alimentar o sistema financeiro internacional, impossibilitando o Estado
de assumir qualquer posição de agente incentivador do desenvolvimento
nacional.
A crise da maior economia do mundo (EUA) arrastaria consigo os
distintos mercados e Estados nacionais. Ela deixa de ser uma exceção no
coração do império americano para fazer parte de seu cotidiano a partir de
1973. A economia mundial conheceu várias crises, merecendo destaque: 1)
1973 ‒ crise no mercado mundial devido ao conflito árabe-israelense, em
que a OPEO (Organização de Países Exportadores de Petróleo) suspende
o fornecimento de petróleo e eleva o valor do barril em 1974; 2) 1979 –
Revolução Iraniana – segunda crise do petróleo; 3) 1980 – Iraque invade o
Irã – nova crise do petróleo; 4) 1982 – A ascendência do capital financeiro
promoveu as primeiras vítimas nos mercados emergentes do México e
Brasil devido à impossibilidade de assegurar o pagamento da dívida pública.
Para contornar a situação e aprofundar a dependência econômica dos países
endividados, os agentes do imperialismo (FMI, Banco Mundial e agências

174
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

multilaterais) criaram o “Plano Brady”. A redução das taxas de juros


resultou na plena subordinação dessas economias ao mercado de capitais
internacionais mediante a expansão do mercado de títulos soberanos;
5) 1984 – crise prolongada nas poupanças e no crédito relacionado ao
complexo imobiliário americano, que culminou com a falência de 1.860
bancos e 1.400 companhias de poupanças e empréstimos (HARVEY, 2011);
6) 1987 – crise na Bolsa de Valores de Nova Iorque: o índice Dow Jones
caiu 508 pontos, uma depressão que arrasta consigo as bolsas europeias e
asiáticas; 7) 1994 – nova crise mexicana promovida pela desvalorização da
moeda; 8) 1997 – crise dos gigantes asiáticos (Malásia, Indonésia, Filipinas,
China, Taiwan e Coreia do Sul); 9) 1998 – crise da economia russa, que
resultou na suspensão do pagamento da dívida externa; 10) 2000 – crise
da economia mundial, gerada pelo excesso de capitais no mundo dos
derivativos; nessa crise, mais de 5 mil empresas desapareceram; 11) 2001
– queda da bolsa de valores dos EUA; 12) 2001-2002 – a obediência ao
receituário do Banco Mundial e do FMI conduziu a Argentina ao colapso,
com vários governos sendo derrubados pelos trabalhadores. Vários bancos
fecharam suas portas. O governo teve de suspender o pagamento de 100
bilhões de sua dívida externa. Emergem governos não aliados diretamente
ao FMI para tentar controlar o movimento de massa; 13) 2008 – crise
americana. Teve como eixo a falência do banco de investimento Lehmann
Brothers (1850), que arrastou consigo enormes instituições financeiras,
como a empresa de seguros American International Group (AIG), e
propagou-se para instituições financeiras como Citigroup e Merril Lynch
nos EUA; Northern Rock na Grã-Bretanha; Swiss Re e UBS na Suíça;
Société Générale na França; Sadia, Aracruz Celulose e Votorantim no
Brasil. Para salvar o capitalismo, o governo americano estatizou as agências
de crédito imobiliário, como Fannie Mae e Freddie Mac, e, posteriormente,
as unidades produtivas, como a GM (General Motors).
A aprovação em outubro de 2008 dum pacote de salvamento das
instituições em crise, da ordem de 1,5 trilhão de dólares, foi somente o
primeiro passo dum conjunto de ações estatais num volume da ordem de
12,3 trilhões de dólares; 14) 2010 – a crise econômica dos EUA se alastrou

175
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

pela Europa, contaminando principalmente Grécia, Portugal, Espanha,


Irlanda, Itália e Reino Unido. A crise econômica dos EUA arrastou consigo
o velho continente europeu, e as principais economias mundiais entraram
num processo recessivo que já dura mais de quatro anos. Os economistas
liberais são uníssonos em afirmar que a crise exigirá no mínimo uma década
para ser superada; 15) 2013 – crise econômica brasileira.
Nesse processo, o Estado age como arauto dos interesses dos grandes
grupos econômicos e das grandes instituições financeiras, e não se poupa de
repassar as dívidas privadas para os trabalhadores, através da efetivação de
medidas draconianas como elevação dos impostos, corte dos gastos públicos
com saúde e educação, contrarreforma da previdência social e demissão em
massa de servidores públicos. As medidas reparadoras da crise econômica
resultam num ataque às conquistas dos trabalhadores, na ampliação da jornada
de trabalho e do número dos trabalhadores demitidos e desempregados.
A constante intervenção estatal na perspectiva de salvar os
banqueiros e as corporações empresariais evidência que o capital carece da
maquinaria estatal para se reproduzir e que subsiste uma tendência do capital
para a intensificação dos monopólios. A crise econômica de 2008 acelerou
a concentração. A intervenção estatal para salvar os banqueiros não foi um
fenômeno exclusivamente nacional. A maquinaria estatal precisou entrar
em cena nos EUA e na Europa para salvar os banqueiros depois da crise
de 2008, em que mais de 400 bancos faliram ou entraram com pedido de
concordata. A política do laissez-faire não funcionou com o Lehman Brothers,
o que obrigou o governo norte-americano a intervim na economia, pois o
mercado financeiro perdia sua credibilidade e se deteriorava a passos largos.
A época de depressão econômica demonstra que o laissez-faire liberal
não passava de retórica para salvar os capitalistas da crise estrutural do sistema.
A articulação do Lehman Brothers com o sistema financeiro mundial exerceu
um efeito dominó sobre os mercados, arrastando consigo bancos como Bear
Sterns e Merril Lynch. Sem os recursos estatais, o Goldmann Sachs teria
afundado completamente. A intervenção estatal para salvar os banqueiros
e as corporações empresariais evidencia que o capital carece da maquinaria
estatal para poder se reproduzir. Segundo Harvey (2011, p. 13):

176
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

Na primavera de 2009, o Fundo Monetário


Internacional estimava que mais de 50 trilhões dólares
em valores de ativos (quase o mesmo valor da produção
total de um ano de bens e serviços do mundo) haviam
sido destruídos. A Federal Reserve estimou em 11
trilhões de dólares a perda de valores de ativos das
famílias dos EUA apenas em 2008. Naquele período, o
Banco Mundial previa o primeiro ano de crescimento
negativo da economia mundial desde 1945.

A crise do Lehmann Brothers, em 2008, está articulada ao


movimento especulativo dos derivados. Os derivados operam no mercado
de futuro e mercado de ações, estabelecendo preços e metas de mercadorias
que inexistem e que podem nunca ganhar materialidade. Para o sistema
dos derivativos, o importante é a quantidade e não a materialidade e o
valor de uso das coisas. Existem pelo menos quatro tipos de derivativos:
mercado a termo, mercado futuro, mercado de swap e mercado de opções.
Esse mercado, segundo Silva (2011), movimentou aproximadamente 605
trilhões de dólares em 2009, um montante dez vezes superior ao PIB
americano (SANTOS NETO, 2018).
Os fundos hedge desvelam a liberdade completa que os fluxos
financeiros gozam nos tempos atuais, demonstrando claramente como
“tudo que é sólido se desmancha no ar”. A interferência nos mercados de
maneira especulativa é capaz de promover crises e abalos sísmicos, como
os observados nos processos que culminaram em prejuízos, desfalques e na
falência de inúmeros derivativos (subprime, fundos de pensão, seguradoras,
bancos etc.) em 2008. O mercado de derivativos, como os fundos hedgers,
é o principal responsável pela crise dos fundos de pensão, promovendo
prejuízos incalculáveis para os trabalhadores que dependem, no final de sua
vida, dos limitados recursos acumulados. (SANTOS NETO, 2018).
Os derivativos se revelaram como os vetores fundamentais das
falências dos inúmeros fundos de pensão estatais e privados nos EUA. Os
investimentos realizados em derivativos tinham como propósito auferir
lucros céleres e elevados. A política de juros elevados instaurada no Brasil
tem servido para a constituição de um mercado para os derivativos e

177
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

para atrair capital estrangeiro que busca lucros fáceis. Segundo Beluzzo e
Galípolo (2016, p. 2), a elevada taxa Selic de 14,5% atrai especuladores do
mundo inteiro para a compra dos títulos da dívida pública; esta consome
quase 70% do PIB. A elevada taxa Selic e a política de valorização do real
como forma de conter a inflação destruíram a indústria brasileira.
A corrida das multinacionais para o universo financeiro iniciada
na década de 1970 tem se intensificado ainda mais nas últimas décadas,
representando 90% da captação líquida da indústria em 2018. Os fundos
multimercados e de ações proporcionaram, entre janeiro e novembro
de 2018, um montante de 57,5 bilhões de reais aos investidores. Isso
representa uma queda expressiva em relação ao ano anterior, em que os
fundos multimercados representaram uma arrecadação de 100,8 bilhões
aos investidores. Enquanto os fundos de ações passaram de 12,4 bilhões em
2017 para 23,4 bilhões em 2018, com uma taxa de juros de 16,9%, os fundos
multimercados ofereceram taxas medias de 12,1% ao ano (BELUZZO –
GALÍPOLO, 2016, p. 2).
A elevada taxa de juros concedida no mercado interno brasileiro
para atrair capital ocioso de distintas praças resultou na elevação da dívida
pública. O volume de pagamento dos juros e serviços da dívida interna e
externa entre 1964 e 2014 chegou ao montante de 10 trilhões de reais. O
governo Lula mais que duplicou o volume da dívida e teve um crescimento
econômico sustentado na absoluta dependência do capital estrangeiro. A
dívida interna passou de 640 bilhões para 1,4 trilhão entre 2002 e 2007.
Em 2010 a dívida interna e externa representava 1,65 trilhão. Em 2015
o endividamento público alcançou 4 trilhões de reais, sendo 3,77 trilhões
referentes à dívida interna e 245 bilhões de dívida externa.
A crise revelada no coração do imperialismo americano em 2008
está muito longe de ser superada. O Brasil entrou num ciclo recessivo desde
2013; a alteração das personalidades políticas no comando em nada serviu
para modificar o movimento descendente da economia. O impeachment de
Dilma Rousseff e a prisão do ex-presidente Inácio Lula da Silva em nada
alteraram os índices negativos acumulados. A intensificação dos ataques
aos direitos dos trabalhadores pelos seus sucessores Michel Temer e Jair

178
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

M. Bolsonaro não asseguraram a recuperação econômica, pois o Produto


Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu somente 1,1% em 2018, repetindo o
baixo desempenho de 2017.
O resultado confirma que a economia vive uma depressão,
expressando os limites de se seguir a cartilha das políticas estabelecidas
pelos imperialismos americano e chinês. Tanto o consumo das famílias
quanto os investimentos e a atividade industrial tiveram desempenhos
fracos. A taxa média de crescimento do Produto Interno Bruto entre
2011 e 2018 esteve na casa do 0,5%, bem abaixo da média anual de 1,6%,
experimentada na recessiva década de 1980. A eleição do ultradireitista
Jair Bolsonaro em nada serviu para turbinar a economia mais crítica do
planeta, que no último trimestre de 2018 não passou de 0,1% (CORREIO
BRAZILIENSE, 2019).
A internacionalização da economia permitiu o primado das
multinacionais e a livre circulação de capital procedente das fontes mais
escusas. Não é à toa que o narcotráfico cresceu expressivamente na América
Latina desde a década de 1970, época em que o governo americano
utilizou a máfia italiana para combater o Partido dos Panteras Negras e
as organizações de esquerda, amortecendo a consciência da juventude com
o expediente das drogas. O envolvimento da CIA e FBI na montagem
da rede clandestina para o tráfico de drogas revela a escandalosa mentira
que configura a política de combate ao narcotráfico dos EUA. A guerra do
Vietnã, o escândalo Irã-Contras, a destruição dos cartéis de Cali e Medellín
para beneficiar os cartéis menores, fazem parte da história nada idílica do
imperialismo americano.
A lavagem dos dólares provenientes do comércio de drogas é um
campo aberto para as economias da Colômbia, Paraguai, México, Bolívia,
Argentina, Brasil, Peru, Panamá, Equador, EUA etc. A América Latina se
credenciou como principal fornecedor de drogas para o mercado mundial.
Grande parte dos lucros acaba sendo drenado para os EUA; estima-se que os
EUA reciclam US$ 500 bilhões por ano do narcotráfico (POTIGUAR, s/d).
O principal beneficiado com o narcotráfico colombiano e mexicano
é o sistema financeiro estadunidense, que fica com 97% dos recursos

179
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

provenientes do tráfico. Entre as grandes corporações e instituições


financeiras americanas envolvidas com a droga se destacam Wells Fargo,
Bank of America, Citigroup, Santander, HSBC, American Express y
Western Unión. Essas instituições reconhecem que participam do processo
de lavagem de dinheiro proveniente do narcotráfico colombiano e mexicano.
O Banco Wells Fargo movimentou aproximadamente 110 milhões de
dólares em operações de lavagem de dinheiro proveniente do narcotráfico
em 2010 (COSSIN, 2012). Segundo Dean (2010, p. 1), o Banco Santander
está sendo investigado pela lavagem de dinheiro procedente do narcotráfico,
juntamente com os bancos acima mencionados.
Além de beneficiar as instituições financeiras estabelecidas nos
paraísos fiscais, há bancos comerciais que participam da rede estabelecida.
Entre os bancos estrangeiros estabelecidos no Brasil, o Santander e o
HSBC cresceram não somente pelas facilidades propiciadas pelo processo
de privatização dos bancos estatais na década de 1990. As sucursais do
Santander espalhadas pelo mundo inteiro têm servido também para o
processo de lavagem de narcodólares. Em 2018 o Santander teve um lucro
líquido de 26% no mercado brasileiro; foi a instituição financeira com maior
taxa de expansão dos negócios nada idílicos.
A liberdade de circulação do capital financeiro permitiu que
capitais emanados de fontes escusas e mafiosas fossem lavados no processo
de privatização das estatais brasileiras e no processo de incorporações e
fusões bancárias nas últimas décadas. A superação do padrão de acumulação
de mais-valia esconde suas reais origens. A mundialização do capital é a
mundialização do que subsiste de mais destrutivo e desumano. O capital
parasitário de maneira alguma descarta o modus operandi do capital
produtivo que se revela na escravidão moderna do tráfico de pessoas. O
capital parasitário que alimenta o sistema financeiro não possui nenhuma
autossuficiência ou determinação própria; ele se alimenta do subemprego,
do trabalho informal, da desindustrialização e da superexploração. O mundo
do narcotráfico está assentado sobre a mais intensa exploração do trabalho
nas economias agrárias subdesenvolvidas (Bolívia, Colômbia, México,
Peru, Equador, Panamá etc.). O capital financeiro usa do expediente da

180
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

ilegalidade para operar com taxas de lucros maximizados.


A burguesia brasileira tentou amoldar-se de uma maneira singular
e própria ao movimento hegemônico do capital imperialista internacional.
A estreita conexão estabelecida com este tipo de capital é de subordinação
completa e integral, sem nenhum vestígio de ruptura ou oposição. De fato,
não há uma burguesia nacional disposta a afirmar a soberania nacional
ou os interesses nacionais em detrimento dos interesses internacionais. A
burguesia nacional integrou-se ao capital transnacional e aprofundou as
contradições explorando a força de trabalho e expropriando as riquezas
naturais. A maior representação disso é a forma como opera a Companhia
Vale do Rio Doce, que passou a denominar-se simplesmente de “Vale”.
A transformação do sistema financeiro num cassino, em que a causa
sui do capital se intensifica, apenas revela como o sistema hoje é muito mais
suscetível a crises do que no passado. Impossibilitado de lançar novamente
a humanidade em uma grande guerra, o capital tenta sobreviver com
guerras fragmentadas e reciclando permanentemente as tarefas precípuas
da maquinaria estatal, no sentido de favorecer o sistema do capital. Para
sobreviver, o capital precisa da proteção da maquinaria estatal tanto para
o aprofundamento de sua complexa malha legisladora quanto para o
aperfeiçoamento de sua máquina repressiva. A incapacidade de retomada
de crescimento da economia americana, apesar de sua monumental
capacidade de controle da economia mundial, indica que o caminho da
internacionalização financeira conduz à crise e não se apresenta como
alternativa para a humanidade.

181
CONCLUSÃO

A primeira etapa da internacionalização da economia brasileira deu-


se sob a hegemonia do capital mercantil enquanto etapa fundamental de
acumulação primitiva de capital, sendo somente superada pelas contradições
do desenvolvimento do capital nas economias mais desenvolvidas no decorrer
do século XX. Após a superação do capital mercantil pelo capital industrial,
colocou-se em curso no cenário interno a necessidade de superação das
relações anacrônicas que perpassavam o capital mercantil e que tinham
como fundamento a exploração da força de trabalho escravo. Isso ocorreu
sob uma nova forma de internacionalização em que o capital britânico
exerceu função primordial. Nesse tempo histórico, a internacionalização
da economia brasileira continuou sendo realizada na esfera da produção
agroexportadora, concentrada na economia cafeeira paulista. A acumulação
realizada nesse complexo permitiu a constituição de uma industrialização
restringida e um sistema bancário nacional como coadjuvante do sistema
bancário estrangeiro.
A tardia constituição do sistema financeiro brasileiro decorre da
relação de dependência do complexo agroexportador, que não dinamizava o
mercado interno, haja vista que a mais-valia apropriada somente se realizava
no mercado externo. A pressão inglesa pelo fim do tráfico de escravos
não representou a completa subversão do modelo econômico centrado
na importação de produtos manufaturados e na exportação de algumas
matérias-primas, como cana-de-açúcar, algodão, cacau, café, borracha etc.
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

Não existia uma atividade econômica brasileira em que os bancos


britânicos deixassem de se envolver ao longo do século XIX; eles financiavam
tudo que pudesse se converter em lucro e rendimento. A intensificação da
concorrência imperialista, com o advento do capital financeiro na segunda
metade do século XIX, obrigou os banqueiros britânicos (como Rothschild)
a ampliar seu poderio econômico, incentivando a produção cafeeira e
controlando os investimentos em capital constante e nos bens de consumo,
com a plena conveniência do poder estatal e da burguesia nacional.
A hegemonia do capital industrial inglês se revelou no controle
absoluto da monarquia (Estado) brasileira; nada foi realizado no Brasil
sem a chancela dos interesses britânicos. Eles estavam sempre na
frente de seus concorrentes, pois controlavam o governo e decidiam os
rumos econômicos mediante os empréstimos realizados para guerras,
obras de infraestrutura (ferrovias, portos, canais, estradas, pontes etc.) e
renegociação da dívida acumulada.
O Estado nacional forjado em 1822 para ser criado de quarto
da internacionalização da economia pela mediação do capital britânico
(Casa Rothschild) desempenhou suas funções de maneira exemplar no
Império, quando operou de maneira coercitiva para eliminar as revoltas
contra a ordem estabelecida. Enquanto representante do capital mercantil e
industrial, o Estado soube coadunar os interesses da burguesia internacional
com os interesses da burguesia nacional; quando não houve mais como
preservar a forma de organização da produção assentada na exploração do
trabalho escravo, metamorfoseou-se de Império para República.
Pela mediação da acumulação de capitais possibilitados pela
produção cafeeira tentou-se plasmar o movimento de industrialização
brasileira e uma rede bancária nacional sem se contrapor à hegemonia
completa dos bancos estrangeiros nas duas primeiras décadas do século
XX. A insuficiência dos bancos nacionais para assegurar o desenvolvimento
do capitalismo se manifesta claramente no movimento ascendente e
descendente do Banco do Brasil, que ao longo do século XIX fechou e abriu
quatro vezes, sendo reaberto pela quinta vez em 1905 para forjar o formato
que será alterado somente na década de 1960. Como espécie de Banco

184
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

Central do Brasil e Banco Comercial, o Banco do Brasil desempenhou


a função de principal acionista do governo federal, assumindo papel
protagonista como financiador do desenvolvimento nacional devido à
insuficiência do capital privado para operar um sistemático processo
de acumulação sem a articulação com as formas arcaicas de produção
experimentadas na agricultura.
A incapacidade dos bancos nacionais de assegurar linhas de créditos
ao desenvolvimento industrial denota a estreiteza e os limites do padrão
de acumulação em que o capital estrangeiro geralmente drenava grande
parte da mais-valia produzida para o mercado externo, situação que não
será alterada nas primeiras décadas do século XX. A tentativa de constituir
um efetivo sistema financeiro ou bancário brasileiro no decorrer do século
XX não resultou numa completa ruptura com o capital internacional.
Apesar do caráter subordinado da burguesia agroexportadora brasileira, os
determinantes externos expressos na Primeira Guerra Mundial impõem
a necessidade de realinhamento e reestruturação do modelo centrado na
importação de bens de consumo duráveis, bens de consumo imediato e
bens de produção.
O desenvolvimento desigual e combinado explica como o atraso do
Brasil servia perfeitamente ao movimento ascendente do capital financeiro,
à proporção que ele se constituía como um espaço para a produção de
commodities a fim de abastecer o mercado internacional. Por sua vez, as
disputas pelos mercados e o aprofundamento do antagonismo na realização
dos interesses dos grandes aglomerados internacionais levaram a Europa à
Primeira Guerra Mundial e à intensificação da produção capitalista pelos
EUA na década de 1920, colocando novos desafios para uma economia
dependente como a do Brasil.
A Primeira Guerra Mundial representou um ponto de inflexão na
história dos bancos brasileiros, porquanto a dominância dos Rothschild será
superada pelos banqueiros americanos, que demonstravam enorme interesse
nos negócios com o café brasileiro, a borracha, o açúcar etc. A grande guerra
serviu para fortalecer os negócios dos EUA no mercado mundial e, de uma
maneira particular, no Brasil, pois elevou o superávit interno do mercado

185
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

americano, assegurando o controle de determinados mercados antes


dominados pelos ingleses. A expansão contava com uma maior liberalidade
de seus empréstimos e investimentos, pela flexibilidade do sistema financeiro
(FED), pela necessidade de importação de seus produtos manufaturados e pela
ampliação constante de seu superávit externo.
O desinteresse da burguesia internacional em financiar o
desenvolvimento industrial do Brasil não representou o desinteresse do capital
de um modo geral. O movimento imanente do capital, independentemente
de ser estrangeiro ou nacional, colocava a necessidade de o capital mercantil
operar sua metamorfose para o capital industrial e financeiro. As condições
para a metamorfose haviam sido postas pela dinâmica do capital na segunda
metade do século XIX e nas primeiras décadas do século XX. Não se tratava
duma imposição subjetiva ou da vontade política dos atores envolvidos no
processo (políticos, assessores, gestores, executivos, industriais e empresários),
mas do movimento imanente do capital, pois as condições para a transição
estavam postas e ela seria realizada pela mediação da “personificação
do capital” nacional ou internacional. As condições e possibilidades do
protagonismo nacional emergiram com a crise internacional de 1929 e com
o aprofundamento das rivalidades entre os impérios centrais após o início da
Segunda Guerra Mundial, em que os interesses não solucionados no quadro
da Primeira Guerra Mundial deveriam ir às últimas consequências.
A tentativa de controle do capital internacional por parte do Estado
Novo, no segundo governo Vargas e no governo de João Goulart estava
condenada ao fracasso porque a dinâmica do capital doméstico não se
achava à altura do capital externo. Ademais, o Estado não pode contrapor-
se ao capital. A concorrência estabelecida com as transnacionais não poderia
ser bem-sucedida devido à própria natureza do Estado. A proposta de um
capitalismo monopolista sobre o controle estatal não poderia durar muito
tempo no contexto de uma economia submetida aos ditames das grandes
corporações financeiras.
O processo de industrialização nacional só poderia se efetivar
com o substancial aporte de capital estrangeiro, uma vez que uma parte
substancial da mais-valia produzida no mercado interno só se realizava no

186
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

mercado internacional. O esforço do Estado para operar um processo de


acumulação e estabelecer a indústria de base resultou do intenso processo
de apropriação de mais-trabalho, em que a previdência social (Caixas de
pensão e aposentadorias, Institutos de aposentadorias e previdência social)
serviu para financiar a construção de Brasília, a Companhia Vale do Rio
Doce (CVRD), a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), a Petrobras, a
Companhia Hidroelétrica do São Francisco (CHESF), milhares de conjuntos
residenciais, o BNDES, a Caixa de Resseguros do Banco do Brasil etc.
No Golpe de 1964, o capital internacional em consórcio com o capital
nacional subjuga a classe trabalhadora e intensifica o processo de expropriação
e exploração da força de trabalho, sem necessidade de apaziguar os ânimos
das lideranças populares e sindicais. O capital nacional poderia marchar de
mãos dadas com o capital estrangeiro, convicto de que poderia partilhar do
novo butim resultante da exploração da mais-valia absoluta e relativa. A
média salarial do complexo industrial esteve sempre regulada pelos setores de
subsistência, ou seja, não ficava abaixo do padrão necessário à reprodução da
existência do trabalhador ofertada pelo setor primário e agroexportador. No
entanto, para operar o êxodo rural a média dos salários devia ficar acima dos
índices mínimos de subsistência, para que o trabalhador urbano não perdesse
o completo interesse em alimentar com sua força de trabalho o sistema de
industrialização.
O capital financeiro encontra na década de 1970 um novo padrão
de desenvolvimento em que o capital especulativo e fictício supera a relação
do capital financeiro com o capital produtivo. Dá-se uma inflexão no novo
padrão de acumulação, e o capital especulativo ganha então corolários
especiais. O Estado revela-se profundamente articulado à nova arquitetura
global do capital financeiro. O avanço do capital financeiro representa um
movimento crescente de internacionalização da economia brasileira. O fato
é que nenhuma parte do planeta pode escapar ao controle sociometabólico
do capital. Os Estados nacionais comparecem como simples correia de
transmissão dos interesses do capital internacional.
A crise experimentada no decorrer da década de 1970 potencializou
o poderio do capital financeiro na economia mundial. Num contexto em que

187
ARTUR BISPO DOS SANTOS NETO

a hegemonia americana passa a ser questionada com o fim do acordo de


Bretton Woods, a recuperação das taxas de lucro do capital se dá pela mediação
do capital financeiro. Ocorre uma elevação das taxas de juros pelo FED e o
pedido de moratória da dívida pública do México e do Brasil em 1982. A
política econômica brasileira, centrada na captação de capital estrangeiro para
assegurar o pagamento da dívida pública, representa um enorme retrocesso
quando se compara ao projeto de industrialização iniciado em 1930, pois o
Estado não pode mais continuar a incentivar o processo de industrialização e
o desenvolvimento econômico. Isso implica o colapso do modelo “substituição
de importações” sem que se tenha passado para um modelo autônomo e
autossuficiente. A nova inflexão expressa o estágio de depressão que norteia
a economia mundial e determina que o desenvolvimento do capitalismo
monopolista no Brasil não tem mais seu cerne no setor produtivo.
Desse modo, na conjuntura atual, o Estado não reúne mais de
recursos e forças para resgatar o capital da crise em que ele está lançado,
pois não se trata de uma crise de superprodução como em 1929, em que se
tornava imperativa a entrada em cena do Estado para planejar e organizar a
economia, minimizando os efeitos deletérios do laissez-faire do mercado. A
crise de expansão e acumulação do capital afeta todos os complexos e todas as
estruturas do sistema. Não se trata somente de uma crise na esfera da produção
ou da circulação, mas de uma crise que impacta a totalidade do sistema.
A privatização e a dívida pública não podem salvar o capital de
sua crise profunda e abrangente. Decorrem daí as políticas de austeridade
contra os trabalhadores e uma constelação de medidas expressas nas
contrarreformas sociais implementadas pelo neoliberalismo, que implicam a
constituição de novos mecanismos de exploração e expropriação da riqueza
produzida pelos trabalhadores. Os investimentos estatais realizados pelos
governos Lula e Dilma, pela mediação do PAC (Projeto de Aceleração do
Crescimento) e beneficiados pela elevação das taxas de juros no mercado
interno para captar capital estrangeiro, estiveram muito longe de representar
uma retomada do crescimento do parque industrial nacional.
A internacionalização financeira da economia brasileira destruiu
o projeto de conquista do mercado interno para o capital nacional, como

188
A PRESENÇA DO CAPITAL INDUSTRIAL-FINANCEIRO NO BRASIL

idealizado pelos governos de Getúlio Vargas. Nesse sentido, não há nenhuma


articulação efetiva entre o processo de desenvolvimento experimentado
entre 1930 e 1945 e o denominado projeto neodesenvolvimentista do
governo Lula. Este não passa de uma arrumação ideológica para tentar
salvar os governos petistas da acusação de neoliberalismo. Os governos
petistas revelaram uma completa subserviência ao capital estrangeiro e à
política de commodities, o que aprofundou a dependência econômica em
decorrência do crescimento exponencial da dívida pública.
O crescimento econômico alcançado na primeira década do século
XXI em nada se compara ao crescimento econômico alcançado pelos dois
governos de Getúlio Vargas. A abertura imposta pelo governo Juscelino
Kubitschek, aprofundada pelo regime militar-empresarial e reproduzida pelos
distintos governos civis, viabilizou o reinado absoluto do capital transnacional
no mercado interno, com o apoio da burguesia brasileira. Assim, pôde operar
um processo sempre crescente de expropriação de riquezas e de exploração da
força de trabalho. Para tanto, a política de conciliação de classe imposta pelos
governos petistas cumpriu função essencial ao desarmar a classe trabalhadora
na luta pelos seus direitos e na perspectiva da construção duma alternativa
efetiva ao sistema do capital.
A derrocada do modelo “substituição de importações” pelo capital
financeiro – em que o Estado altera a sua forma de ser para continuar
subordinado aos interesses do capital – denota que não existe saída para os
trabalhadores por dentro do sistema do capital e por dentro do Estado. Este
ente poderoso e dotado de ubiquidade precisa ser destruído, e não reformado.
A crise do sistema revela a necessidade de uma alternativa, e esta passa pela
superação completa do capital, do Estado e do trabalho assalariado. Uma
alternativa ao sistema passa pela reorganização internacional e nacional
dos trabalhadores, conectando as necessidades imediatas com os preceitos
estratégicos que têm como cerne a constituição do socialismo para a superação
de um sistema econômico e ideológico assentado sobre o controle absoluto
do trabalho e a exploração do trabalho, a fim de que possa se inscrever sobre
o lema de “todo poder ao trabalho associado, livre e universal”.

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