Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
INTRODUÇÃO
Uma certa sistematização da história humana no os indígenas podem agora permutar seu excedente de
pensamento de Smith encontra-se melhor formalizada no peles por cobertores, armas de fogo e aguardente
Segundo ele, de acordo com a documentação Smith tem consciência que não era prática entre
histórica “as primeiras nações a serem civilizadas foram estes povos de origem asiática, como é entre as nações
obviamente as localizadas ao redor da costa do capitalistas modernas, submeter sua produção às
Mediterrâneo” (SMITH, 1985: 55). Dentre as muitas determinações da troca. Tais nações, por isso, dependiam
nações mediterrâneas, “o Egito parece ter sido o primeiro de navegadores estrangeiros para “exportarem o
no qual a agricultura ou as manufaturas foram praticadas excedente de sua produção; e essa dependência, como
e puderam acusar um grau considerável de deve ter restringido o mercado, também deve ter
aperfeiçoamento” (SMITH, 1985a: 55). A abundância de desestimulado o aumento do excedente de produção”
canais navegáveis do Nilo no interior do Egito, as (SMITH, 1985a: 143). Esta limitação, mais do que a
facilidades de comunicação entre as diversas regiões do exportação e a especialização do antigo Egito na
país que daí surgiam, “constitui provavelmente uma das produção de produtos agrícolas para exportação, de trigo
causas primordiais do antigo progresso e aprimoramento especialmente, impediu o desenvolvimento de uma
do Egito” (SMITH, 1985a: 55). O Egito, apesar de fabricar indústria manufatureira. Isto porque,
certos artigos como linho fino e possuir uma manufatura
desenvolvida, “sempre se distinguiu mais por sua grande
exportação de cereais. Por muito tempo, o país foi o os manufaturados exigem um mercado muito mais
celeiro do Império Romano” (SMITH, 1985b: 144). amplo do que os itens mais importantes da
produção natural ou bruta da terra. Um único Estado e nunca por agentes privados8. “Por conseguinte,
sapateiro fará mais de trezentos pares de sapatos diz Smith, a agricultura pode manter-se, com o
por ano, e sua própria família talvez não chegue a desestímulo de um mercado restrito, muito melhor do que
gastar seis. Por isso, se ele não tiver no mínimo as manufaturas” (SMITH, 1985b: 144).
uma clientela de cinqüenta famílias semelhantes à
A renda dos soberanos, não apenas no Egito mas
dele, não terá condições de vender toda a
também na China e Hindustão, tinha, assim, sua base no
produção de seu próprio trabalho (SMITH, 1985b:
trabalho agrícola do servo camponês. Esta renda era
143).
análoga, mas não se confundia, com a renda dos
senhores feudais do Ocidente. O camponês entregava ao
soberano certa quota de sua produção anual em espécie.
Smith anuncia aqui um tema de extrema relevância
Seria natural portanto, que os soberanos destes países
na história das nações comerciais que surgem a partir da
estivessem mais preocupados em promover melhores
Revolução Comercial do século XV: a imanente
condições de produção no campo do que nas cidades,
necessidade de mercados externos que requer toda
pois seu progresso ou declínio dependia mais da
nação que fundamenta sua existência na produção de
agricultura do que da manufatura.
mercadorias. O relativo isolamento das antigas nações
asiáticas só pode ser explicado por seu modo de Quando Smith se refere à China, refere-se a um
produção baseado no valor-de-uso e não no valor-de- grande país, um dos mais ricos do mundo. “A China foi
troca do produto. Na Ásia e no Egito antigo, de modo por muito tempo um dos países mais ricos, isto é, um dos
geral, não se produziam mercadorias no interior da nação. mais férteis, mais bem cultivados, mais industriosos e
O produto se convertia em mercadoria somente depois de mais populosos do mundo. Ao que parece, porém, há
chegar às mãos do Estado que o coletava dos muito tempo sua economia estacionou” (SMITH, 1985a:
camponeses sob a forma de tributo em espécie. Nestas 96). E complementa ainda: “embora a China pareça
nações o excedente econômico era apropriado pelo
8
Ciro Flamarion Cardoso: O Egito Antigo. S.P: Brasiliense, 1982.
estacionária, não aparenta estar regredindo” (SMITH, isolamento da China e da Ásia pode assim, na concepção
1985a: 96). de Smith, ser atribuída à recusa destas nações de
substituírem suas relações de produção baseadas no
Smith concebe o caráter estacionário da China e
valor de uso por relações baseadas no valor de troca e no
seu isolamento do Ocidente como decorrente de seu
enriquecimento privado.
relativo isolamento do comércio internacional. Para ele,
um país como a China, “que negligencia ou menospreza o Se a China aproveitasse melhor seus imensos
comércio exterior, e que só permite a entrada dos navios recursos naturais, se abolisse seus preconceitos tolos
de outras nações em um ou outro de seus portos, não com relação ao mar e se lançasse ao comércio exterior
pode efetuar o mesmo volume de negócios que teria com seus próprios navios, aprimoraria, então, muito mais
condições de fazer com leis e instituições diferentes” as forças produtivas de sua atividade manufatureira.
(SMITH, 1985a: 114). Os limites à expansão da produção, “Ampliando sua navegação, os chineses naturalmente
à separação entre campo e cidade e à fundação de uma aprenderiam a arte de usar e construir eles mesmos todas
forte indústria manufatureira exportadora que surgem de as diversas máquinas utilizadas em outros países, bem
uma política econômica contrária à exploração do como os demais aperfeiçoamentos da arte e do trabalho
mercado externo para a China seriam os mesmos limites praticados em todas as partes do mundo” (SMITH, 1985b:
vividos pelo antigo Egito devido à sua superstição pela 143). Poderia superar sua secular estagnação porque
navegação marítima à noite. segundo Smith, a perfeição da atividade manufatureira
depende totalmente da divisão do trabalho, incipiente na
Ao tentar expor sua concepção sobre os motivos da
China, e porque a extensão da divisão do trabalho, da
estagnação secular da China, Smith já aponta para uma
separação da atividade agrícola da manufatureira e da
certa concepção universalista da história baseada na
especialização do trabalho dependem visceralmente da
crescente separação entre cidade e campo, entre
extensão dos mercados. Como a China optou por
manufatura e agricultura e, em última instância, entre a
permanecer fora do mercado mundial, acabou ficando fora
produção de mercadorias voltada para o valor de troca e a
da história do Ocidente e estagnou.
produção voltada para o valor de uso. O relativo
Outro elemento diferenciador entre a China e o Smith também reconhece a importante diferença
Ocidente relaciona-se ao papel econômico do Estado. No nas relações sociais existentes entre a Ásia e o Ocidente.
Ocidente, desde a antigüidade Greco-romana passando No Ocidente identificara duas formas diferentes de
pelo feudalismo europeu até o moderno capitalismo, o trabalho escravo, a greco-romana e a feudal, e a forma
Estado sempre teve um papel econômico insignificante livre do regime manufatureiro moderno.
frente às decisões individuais. Na China, ao contrário, o
No Egito Antigo e no Hindustão, “todo o povo
Estado foi sempre um permanente e ativo organizador da
estava dividido em diferentes castas ou tribos, cada uma
economia. Na Ásia, “o poder executivo se encarrega tanto
das quais, por tradição de pai a filho, estava restrita a uma
da reparação das estradas principais como da
ocupação ou uma categoria de ocupações. O filho de um
manutenção dos canais navegáveis” (SMITH, 1985b:
sacerdote era necessariamente sacerdote; o de um
178). Uma planificação geral da economia oriunda do
soldado, soldado; o de um agricultor, agricultor; o de um
Estado é inconcebível para os ocidentais, onde o direito
tecelão, tecelão; o de um alfaiate, alfaiate etc.” (SMITH,
individual e privado se sobrepõe às necessidades de
1985b: 143). Smith reconhece, ainda, a existência de uma
regulação consciente pelo Estado. “Pelo que se diz, esse
casta de sacerdotes dominante. “Nos dois países, a casta
setor da política pública é muito bem atendido em todas
dos sacerdotes era a da mais alta categoria, vindo depois
essas regiões, sobretudo na China, onde as estradas
a dos soldados; e, nos dois países, a casta dos
principais e, mais ainda, os canais navegáveis,
arrendatários e trabalhadores da terra era superior à dos
ultrapassam de muito tudo o que se conhece de similar na
comerciantes e dos manufatores” (SMITH, 1985b: 143).
Europa” (SMITH, 1985a: 178). Smith, porém, não se
mostra partidário de um regime planificado como este
para a Europa ocidental. Acredita que na Ásia o soberano
investe nestas áreas não para estimular o progresso e o b) Grécia e Roma Antiga
das terras e a unificação dos pequenos reinos, por outro, para definir o tipo de trabalhador do feudalismo. Aqui ele
formavam a base dos privilégios da nobreza sobre o usa o termo escravo, em outras passagens refere-se a
restante da nação. Devido às honras que a grande este camponês como servo. Diz ele: “os ocupantes da
propriedade fornecia aos membros da nobreza, poucas terra costumavam ser servos cujas pessoas e pertences
melhorias na terra poderiam ser esperadas neste regime. também eram propriedades do dono da terra” (SMITH,
Assim como não se poderiam esperar melhorias nas 1985a: 288). O importante, porém, é perceber o quanto
terras vindas dos grandes proprietários, mais Smith havia conseguido avançar na distinção entre o
preocupados em desfrutar da riqueza do que em escravo greco-romano e o escravo feudal. Este não é
multiplicá-la, também no feudalismo não se poderia ainda livre mas possui certos direitos que o escravo
greco-romano não possuía. Estava mais preso à terra do
que ao proprietário dela. Era nos dizeres de Marx em O escravo “que não pode adquirir nada, a não ser o
Capital, um apêndice da terra, já que não poderia separar- necessário para sua subsistência, atende a seu
se dela, nem espontaneamente nem forçado por seu comodismo e interesse fazendo com que a terra produza
proprietário. Fazia parte, como o escravo e o gado de o mínimo possível, o estritamente necessário para sua
tração, das condições objetivas de trabalho. própria manutenção” (SMITH, 1985a: 329).
vivamente nesta passagem. Ricardo a cita em sua obra acumulação de capital como forma exclusiva de
Princípios de Economia Política e Tributação10 mas, em acumulação de riqueza e a divisão social entre
momento algum, com a intenção de destacar esta proprietários de terras, patrões capitalistas e
histórico entre a Inglaterra desenvolvida e a Polônia ainda as principais nações européias como Inglaterra, França,
feudal. Ele a cita para destacar unicamente as diferenças Escócia e Holanda. Nestas nações a produção anual do
entre o grau de pobreza e de riqueza entre ambas as trabalho, tanto agrícola quanto urbano, divide-se entre as
nações e sua influência nas trocas internacionais. três grandes classes. Proprietários fundiários, capitalistas
Ricardo, assim, passa por cima da diferença qualitativa e trabalhadores constituem as três classes fundamentais
fundamental que existe entre a Inglaterra capitalista e a da sociedade. “Essas são as três grandes categorias
Polônia feudal e trata esta diferença como mera diferença originais e constituintes de toda sociedade evoluída, de
quantitativa entre uma nação rica e outra pobre. Espanha cuja receita deriva, em última análise, a renda de todas as
e Portugal são considerados por Smith também como demais categorias” (SMITH, 1985a: 227).