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1.

Origens do pensamento iluminista

Entre o séculos XVII e XIX, o movimento conhecido como Iluminismo provocou uma verdadeira revolução
intelectual, propondo conceitos que ainda hoje são considerados fundamentais à formação da civilização
ocidental contemporânea. Profundamente racionalista, o Iluminismo via a Ciência como a única luz capaz de guiar
a humanidade e fazia forte oposição à religiosidade, que associavam à ignorância e ao autoritarismo. Foi esse
movimento que chamou a Idade Média de Era das Trevas, uma forma de demonstrar desprezo pelo papel que a
Igreja +vera de definir o quê era ou não era verdadeiro ao longo de todo o período.
As raízes do Iluminismo estão no Renascimento, movimento que propôs a restauração dos valores
esté+cos e racionais clássicos. Embora profundamente influenciado pela Igreja, muitos intelectuais renascen+stas
+nham uma postura abertamente an+clerical, alguns deles beirando o ateísmo. A própria Teologia do período
pensava um Deus distante, que apenas raramente interferia na realidade e dava aos homens plena liberdade e
responsabilidade para determinar seu des+no. Os dois intelectuais considerados como os principais pilares do
Iluminismo, porém, eram cristãos convictos e desenvolveram seu trabalho com intenção de confrontar os ateus
de seu tempo.
O francês René Descartes é o idealizador do princípio da dúvida. Para ele, a verdadeira produção de
conhecimento depende de nos livrarmos completamente das certezas que já temos sobre o objeto de estudo.
Isso se deve ao fato de que as certezas dirigem nosso pensamento a conclusões pré-concebidas, coisa que nos
impede de produzir novo conhecimento. O abandono dessas certezas pode ser temporário ou defini+vo,
conforme a razoabilidade do que se aprende.
O inglês Isaac Newton atuou em várias áreas, inclusive a Teologia, mas é muito mais reconhecido por seus
estudos de Física e Astronomia. No final do século XVII, apresentou ao mundo seus estudos sobre gravitação,
demonstrando que o movimento de todos os corpos celestes conhecidos obedecia o mesmo princípio
matemá+co, que foi chamado Lei de Gravitação Universal. Para os pensadores de seu tempo, era uma
demonstração de que a ação de Deus não era necessária para mover o universo, ainda que não se descartasse
sua existência ou presença na origem.
Descartes e Newton +veram grande impacto sobre David Hume, historiador e filósofo escocês. Embora
também fosse cristão, era materialista, ou seja, defendia a tese de que verdades só são obje+vas se forem
materialmente demonstráveis ou enraizadas no mundo material. Para ele, Deus pode ou não exis+r, já que não é
possível realizar uma experiência empírica que demonstre sua existência ou inexistência. Mas, a Revelação não é
uma verdade para Hume, pois não é obje+va hoje, ainda que talvez tenha sido no passado. Por isso, ele defende
a tese de que a Igreja não tem legi+midade alguma no papel de organizar a sociedade, que deve ser ordenada a
par+r de si mesma.

2. O liberalismo contra o An+go Regime

Os iluministas eram todos ligados à burguesia, inicialmente um sub-grupo da Plebe que era, na prá+ca,
uma classe social à parte, ainda que sem reconhecimento formal. A burguesia alcançara sucesso em seu projeto
de ascensão econômica com a consolidação do capitalismo, mas o rígido controle das monarquias absolu+stas
sobre a economia impedia o inves+mento em prá+cas mais lucra+vas. Para isso, era preciso que a estrutura sócio-
polí+ca também fosse transformada, de modo que grande parte do pensamento iluminista foi dirigido a
confrontar o poder do rei e da Igreja.
Descartando uma criação divina do homem, o Iluminismo afirma que a natureza humana tem dois
aspectos: o biológico — nós nascemos humanos — e o social — nós aprendemos a ser. Na natureza, todos os
homens são iguais e, portanto, livres, já que não existe um poder natural que se possa impôr ao outro a não ser
a força Bsica. O problema é que aquilo que nos torna essencialmente humanos é aprendido pelo convívio com
outros humanos. Além disso, a experiência de náufragos encontrados em situação de completo isolamento
demonstrava que a ausência de convívio humano por período demasiadamente prolongado levava à loucura ou
até à bes+alidade. Então, a questão que se impõe é: como preservar nossa humanidade se a vida em sociedade
inevitavelmente nos coloca em choque de vontades e a força maior de alguém nos impede de ser realmente
livres?
Rousseau propõe que esse dilema seja resolvido pelo estabelecimento de um contrato social, um conjunto
de normas construídas de acordo com a vontade cole+va, orientada exclusivamente pela Razão. Ao contrário de
Hobbes, que afirmava ser impossível a ordem ser construída a par+r da cole+vidade devido ao choque de
interesses, Rousseau acredita que a Razão cole+va se impõe ao interesse individual, de modo que uma ordem
democrá+ca é viável, desde que a base da sociedade seja racional o bastante para estabelecer regras sensatas e
tenha possibilidades de orientar e vigiar o Estado e o próprio povo para que tudo funcione conforme a decisão
da maioria.
Existem, porém, alguns entraves à aplicação da democracia: o tamanho da sociedade e a proporção de
indivíduos racionais. Em geral, os iluministas propõem um regime de meritocracia racional, ou seja, o governo
deve ser exercido pelos que têm maior preparo intelectual. Então, uma sociedade com grande número de
cidadãos racionais pode dar grande abertura à par+cipação popular nas decisões polí+co-administra+vas. O
contrário também é verdadeiro.
Independentemente da possibilidade de se ter um regime muito ou pouco democrá+co, Montesquieu
propôs a divisão do Estado em três poderes: Execu+vo (administração), Legisla+vo (leis) e Judiciário
(julgamentos). A idéia é que cada poder fiscalize os outros dois e que todos eles tenham mandato, ou seja, um
período ao fim do qual haverá a escolha democrá+ca de novos representantes da população, que também é
responsável por orientar e supervisionar o Estado.

3. Adam Smith e o liberalismo econômico

Segundo o pensamento liberal, o Estado tem a função de assegurar os direitos essenciais do cidadão —
vida, integridade Bsica e moral, igualdade diante da lei, reconhecimento do mérito e as liberdades de
pensamento, expressão, ação, uso da propriedade e busca da felicidade — e a manutenção da ordem, sempre
orientado pela lei, interferindo minimamente na vida dos cidadãos.
Contrariando a tradição feudal, que entendia a terra como medida da riqueza, os fisiocratas burgueses
afirmavam que a verdadeira medida da riqueza é o dinheiro. Essa afirmação se baseava no fato de que a terra
não era um bem negociável, sendo propriedade exclusiva à Nobreza e ao Clero, enquanto o dinheiro, em tese,
era de uso universal. Também era determinada pelo conceito burguês de felicidade — sa+sfação das necessidades
materiais, esImulo aos sen+dos Bsicos e reconhecimento da importância individual pela sociedade —, que se
consolidou na Europa durante a Renascença, quando a burguesia se tornou modelo de usos, costumes e,
principalmente, consumo. Portanto, ter dinheiro se tornou não só algo necessário à sobrevivência, mas à própria
felicidade.
Para Adam Smith, idealizador do liberalismo econômico, a fonte de toda a riqueza é o trabalho, não a
natureza. Para ele, embora muita coisa na natureza seja ú+l e interessante ao homem, é a ação humana que
efe+vamente transforma isso em riqueza, no mínimo pelo simples processo de coleta. Portanto, a capacidade de
trabalho é um dos atributos mais importantes da humanidade, pois é o que nos permite produzir a riqueza.
Aplicando o conceito liberal de Estado à realidade econômica, Adam Smith propõe que o mercado deve
se auto-regular por meio da negociação livre e direta entre as partes interessadas. Isso significa que os valores de
produtos e serviços serão determinados pela relação entre oferta e demanda. Também significa que o Estado não
deve interferir no inves+mento ou na produção, preocupando-se apenas em garan+r que todo o processo —
inves+mento, produção, negociação — seja feito com hones+dade. Tudo isso contrariava diretamente o rígido
controle que os reis absolu+stas +nham sobre a economia nacional, par+cularmente a prá+ca de concessão de
monopólios, algo que +nha sido muito ú+l à alta burguesia mercan+l e manufatureira, mas que agora prejudicava
a expansão do sistema fabril.
Par+ndo do princípio de que todos os homens são livres por natureza, Adam Smith afirma que o homem
pode vender sua capacidade de trabalho por um valor negociado diretamente com o contratador, mas jamais ser
reduzido à condição de mercadoria. Assim, a própria capacidade de trabalho é um produto sujeito às leis de oferta
e demanda que regulam todo o mercado. Em troca de um salário, o trabalhador concorda em colocar sua
capacidade de trabalho para produzir riqueza para o contratador por um período que também é definido na
negociação.
4. O problema da meritocracia burguesa

Segundo o pensamento liberal, o reconhecimento do mérito é um dos pilares da sociedade. Asseguradas


a igualdade de direitos entre todas as pessoas e o uso honesto das habilidades individuais, aquelas que se
destacam em suas respec+vas áreas de atuação são, necessariamente, as mais competentes e, portanto,
merecedoras das vantagens alcançadas por sua competência.
No campo polí+co, os liberais iluministas afirmavam que o Estado deveria ser formado pelos indivíduos
mais racionais da sociedade, escolhidos a par+r de um debate público de propostas e de uma votação entre os
cidadãos. Além disso, todo o aparelho estatal deveria ser formado por funcionários públicos selecionados por
concurso entre os mais capacitados intelectualmente. Assim, o poder e os recursos públicos seriam administrados
por pessoas comprome+das com o bem público, não com os interesses par+culares como se fazia no Absolu+smo.
Embora seja um princípio razoável no âmbito polí+co, a meritocracia se torna problemá+ca quando
aplicada ao campo sócio-econômico. Se atribuirmos sucesso ou fracasso econômico apenas ao mérito, passamos
a entender que a desigualdade sócio-econômica e todas as suas conseqüências são justas e, portanto,
inques+onáveis. Uma das questões fundamentais é que a mera igualdade de direitos jurídicos é insuficiente se
colocarmos no cenário as desigualdades de condições de compe+ção. Se as condições econômicas não permitem
que um cidadão tenha acesso ao exercício de um direito, a igualdade de direitos é uma farsa e a meritocracia não
existe de fato.
De acordo com os iluministas, a racionalidade de uma pessoa era medida pelo volume de conhecimento
cienIfico que ela dominava. Entendia-se, também, que a racionalidade era a fonte da verdadeira virtude, ou seja,
que o indivíduo verdadeiramente racional era inevitavelmente bom. Por esse princípio, o oposto também seria
verdadeiro, ou seja, uma pessoa ignorante é inevitavelmente má e incompetente. E, se conhecimento ou
ignorância são explicados apenas pelo mérito, sem que sejam consideradas as condições desiguais, o pobre é
ví+ma de sua própria incompetência, que é conseqüência de sua falta de disciplina ou de interesse na aquisição
de conhecimento.
O próprio Adam Smith entendia que essa associação direta entre sucesso e competência era falha diante
da desigualdade de condições de compe+ção. Por isso, ele propôs que o Estado deveria assegurar condições
iguais para que a compe+ção fosse justa, o que se faria pela universalização da educação cienIfica,
independentemente da origem do cidadão. Essa parte do pensamento de Adam Smith nunca foi colocada em
prá+ca pela burguesia ascendente, beneficiada pela manutenção das desigualdades. Além disso, hoje é notório
que a desigualdade de compe+ção não depende só das condições de educação escolar, mas também de moradia,
saúde, alimentação, cultura, etc, de modo que o discurso meritocrá+co, na prá+ca, é apenas uma forma de dar
legi+midade à desigualdade.

5. O problema da proletarização do trabalhador

Se, do ponto-de-vista da geração de lucro, a Revolução Industrial representou um grande avanço, o mesmo
não pode ser dito das relações de trabalho. Jornadas exaus+vas, insalubridade, falta de garan+as e baixos salários
eram só uma parte dos problemas enfrentados pelos operários. O desemprego gerado pelo fechamento das
fábricas menores e a simplicidade de operação das novas máquinas re+rou qualquer possibilidade de negociação
vantajosa para os trabalhadores. Quem não se sujeitasse aos interesses dos patrões seria simplesmente
subs+tuído.
No an+go Império Romano, chamava-se proletário o cidadão da classe mais baixa, que não +nha outra
função a não ser ter filhos para engrossar as legiões. No século XIX, o termo passou a ser usado para iden+ficar o
trabalhador expropriado, cuja vida se resumia a produzir riqueza para o burguês, em troca de um salário que só
lhe permi+a sobreviver para con+nuar trabalhando e ter filhos, que não receberiam formação que permi+sse
outro des+no a não ser a proletarização.
A burguesia se apoiava no Liberalismo e na Eugenia para jus+ficar sua posição vantajosa. Muitos burgueses
se apresentavam como benfeitores, que permi+am aos operários trabalhar em suas fábricas em troca de um
salário que acreditavam ser mais do que justo por um serviço tão simples. Também afirmavam que o Estado
democrá+co tratava a todos com igualdade, dando plena liberdade para que os trabalhadores escolhessem a
profissão que quisessem. Se o proletariado não +nha condições de negociar melhorias em sua situação de vida e
trabalho, isso só podia ser explicado pela falta incapacidade intelectual inata.
Em 1867, o sociólogo alemão Karl Marx publicou O Capital, obra em que descreve e cri+ca o
funcionamento do sistema capitalista. Marx demonstra que, embora o Capitalismo teoricamente abra espaço
para a ascensão social do trabalhador por meio do trabalho disciplinado e competente, a elite proprietária cria
mecanismos que tornam essa ascensão impossível na prá+ca. Também aponta para o fato de que o capital
burguês se tornou uma das bases do Estado moderno, que é totalmente orientado para a proteção dos interesses
e privilégios das classes altas. Então, ainda que o Estado reconheça a igualdade de direitos entre os cidadãos, a
desigualdade de condições impede que haja uma prá+ca econômica efe+vamente democrá+ca.
Preocupados com as condições precárias dos trabalhadores, movimentos religiosos como o Metodismo
inglês e o Pie+smo alemão propuseram soluções que ficariam conhecidas mais tarde como socialismo utópico.
Para eles, a super-exploração imposta aos trabalhadores era uma afronta a Deus. Com essa visão, deram início a
polí+cas voluntárias de amparo aos pobres, educação escolar, sanitarização das fábricas e vilas operárias. Mais
tarde, também se dedicariam à luta abolicionista. Esses movimentos, porém, +veram pouco impacto fora de suas
regiões de origem.

6. A luta proletária

Embora a Ciência Polí+ca atualmente defina a Direita como situacionista-eli+sta e a Esquerda como
popular-reformista, sem atrelar especificamente par+dos ou ideologias, a tradição polí+ca ocidental coloca a
Direita como capitalista e a Esquerda como an+-capitalista (dividida em correntes que, em geral, têm grande
dificuldade de alinhamento). Essa percepção vem da luta histórica entre proprietários e trabalhadores acentuada
pela Revolução Industrial.
Entre os movimentos da Esquerda legalista, os socialistas utópicos, movidos por convicção religiosa, foram
os primeiros a lutar contra a proletarização através da ação social voluntária. A par+r desse movimento, surgiu a
democracia cristã ou social-democracia, que defendia a criação de leis de proteção aos direitos e dignidade dos
trabalhadores.
A Esquerda revolucionária não acredita que o legalismo seja capaz de vencer a luta contra a proletarização,
uma vez que a burguesia controla o Estado e as ins+tuições. Embora seja possível que o proletariado conquiste
alguns direitos por meio de reformas legisla+vas, essas conquistas são ilusórias, uma vez que a burguesia já teria
reorganizado de antemão as super-estruturas, garan+ndo que os novos direitos trabalhistas não reduzam os
privilégios burgueses. Só uma revolução que leve ao comunismo, ou seja, a auto-gestão popular e a propriedade
cole+va da riqueza, pode acabar com a exploração. Nessa nova sociedade, cada cidadão produzirá o que pode e
receberá o que precisa, sem qualquer dis+nção sócio-econômica, e par+cipará das decisões quanto às questões
cole+vas.
Os movimentos revolucionários discordam, contudo, quanto ao caminho para se chegar ao comunismo.
A maioria defende a implantação de uma sociedade de transição, o socialismo, na qual há um Estado proletário
ditador. Mas, enquanto o socialismo marxista defende uma gradual diluição do Estado proletário até sua ex+nção,
o socialismo totalitário defende a manutenção de uma liderança na figura do Par+do, por considerar inviável a
auto-gestão da sociedade. Já os anarquistas defendem a imediata supressão do Estado e implantação da
democracia direta, pois acreditam que mesmo um governo de comunistas legí+mos será corrompido pelo poder.
Há muita controvérsia sobre a funcionalidade de regimes socialistas. As experiências atuais parecem
incapazes de dar conta de todas as necessidades materiais da população, principalmente devido ao desvio de
recursos para privilegiar as lideranças, mas também pelo desejo popular de consumir e pela acomodação de
alguns cidadãos que se tornam ociosos. Além disso, há o problema do autoritarismo desses regimes, impondo
restrições não só ao consumo, mas à informação e expressão. Os defensores desses regimes, porém, são
categóricos ao dizer que as crí+cas partem de grupos com interesses eli+stas, a quem não interessam o sucesso
e a difusão do modelo socialista. Também há muitos que defendem que os chamados países socialistas nunca o
foram de fato.

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