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Alguns comentários sobre Descartes

A filosofia de Descartes apelava fortemente para a


intuição derivada do contato prático com o mundo. Ele usa
em seus textos várias analogias com situações da vida
diária para ilustrar, e para tornar acreditáveis os
mecanismos imaginários que ele invoca para explicação
dos fenômenos. Sua filosofia não era dedicada à
investigação cuidadosa da natureza, nem da descoberta de
novos fenômenos, mas na elaboração de uma explicação
nova de conceitos já conhecidos. Vou fazer alguns
comentários sobre o livro O Mundo ou Tratado sobre a
Luz (um texto com 40 páginas). Como ele desejava
apresentar uma imagem do mundo em torno do
comportamento da luz a partir de explicações sobre a
matéria e o movimento, ele precisava estabelecer uma
ponte entre os dois temas.
No capítulo um, Descartes fala sobre a diferença entre
nossas sensações e as coisas que as produzem. Ou seja, ele
faz uma distinção formal entre nossa ideia de uma
qualidade como algo que experimentamos e nossa ideia de
qualidade como uma propriedade da coisa experimentada.
Ele fornece um exemplo da diferença entre nossas
sensações e a realidade atrás delas: passemos uma pena
levemente sobre os lábios de uma criança e ela sente que
algo faz cócegas nela. A ideia de cócegas que a criança
concebe se assemelha a alguma coisa na pena? Ele
pergunta. Em particular, ele está interessado em mostrar
que existe uma diferença entre nossa sensação da luz (ou

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seja, a ideia que é formada em nossa imaginação
intermediada pelos nossos olhos) e aquilo que está no
objeto que produz a sensação em nós (ou seja, aquilo que
está na chama ou no sol que é chamado de “luz”). Ele fala
de qualidade (no caso a luz) como algo que é uma
propriedade somente do movimento, ou tendência para o
movimento, dos corpos materiais.
Ele inicia o capítulo três dizendo que existe uma
infinidade de movimentos que duram eternamente. Tudo
está mudando, ele diz. Ele não está interessado nas causas
dos movimentos, apenas acredita que eles começaram com
o início do mundo. Em seguida parte para explicar a causa
de todas as mudanças que ocorrem no mundo e de todas as
variedades que aparecem na Terra. De início, ele considera
a diferença entre corpos sólidos e líquidos. Ele diz que
todo corpo pode ser dividido em partes extremamente
pequenas (ele não se preocupa se o número de partes é
infinito ou não). A diferença entre os corpos resulta no
grau de dificuldade em que essas partes podem ser
separadas umas das outras. Nos corpos sólidos, todas as
partes tocam umas nas outras, sem espaço vazio entre elas,
e nenhuma delas está em movimento. Nos líquidos as
partes movem-se umas em relação às outras nas maneiras
mais diversas.
No capítulo quatro, ele diz que todos os movimentos
que ocorrem no mundo são de alguma forma circular. Isto
é, quando um corpo deixa seu lugar, ele sempre entra no
lugar de outro, e este no lugar de um outro, e assim
sucessivamente até um último corpo que ocupa, no mesmo
instante, o lugar deixado vago pelo primeiro. Assim não

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existe vácuo entre os corpos, quer eles estejam parados,
quer estejam em movimento.
Quando os corpos movem no ar, não notamos este
movimento circular, porque imaginamos o ar como um
espaço vazio. Ele pede ao leitor para imaginar peixes em
um tanque e diz:

Se eles não se aproximam da superfície da água, eles não


causam movimento na água, mesmo se eles nadam com
grande velocidade. Parece, portanto, que a água que eles
empurram na frente deles não empurra
indiscriminadamente toda a água na lagoa, mas somente
aquela que melhor serve para aperfeiçoar o círculo do
movimento dos peixes e voltar ao lugar que foi deixado
atrás.

Ele escreve que o espaço onde nada sentimos está


preenchido com a mesma matéria, e contém pelo menos
tanto daquela matéria, que aquele espaço ocupado por
corpos que sentimos.

No capítulo cinco, Descartes apresenta sua teoria sobre


os elementos. Ele diz que existem apenas três elementos.
O primeiro, ele chama de fogo, que é o fluido mais sutil e
penetrante que existe no mundo. Este elemento era o éter
da idade média. Suas partes são pequenas e movem
rapidamente (mais que a dos outros elementos). As partes

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podem mudar de forma para se ajustarem aos locais que
entram e podem penetrar qualquer região do espaço.
O segundo elemento é o ar, e ao contrário do primeiro,
se faz necessário atribui um tamanho e forma às suas
partes. Descartes imagina essas partes como redondas e
ligadas como grãos de areia. Elas não se ajustam
perfeitamente umas com as outras.
O terceiro elemento é a terra. Suas partes são maiores
e movem-se mais devagar que aquelas dos outros dois
elementos. Os corpos na superfície da Terra são
compostos dos três elementos. Por exemplo, uma chama,
ou o fogo comum, não é o elemento “fogo” puro, mas uma
mistura dos três elementos. Somente os corpos grandes
têm a forma de um dos elementos. Os corpos mistos
aparecem apenas na superfície desses corpos. Descartes
diz que se olharmos de quais corpos o universo é
composto, encontraremos apenas três tipos que podem ser
considerados grandes. O Sol e as estrelas fixas constituem
o primeiro tipo, o céu o segundo, e a Terra, os planetas e
os cometas o terceiro. Assim, o Sol e as estrelas fixas
devem ser constituídos pelo primeiro elemento, o céu pelo
segundo, e a Terra com os planetas e cometas pelo
terceiro. Na superfície da Terra (que vai das nuvens até o
fundo de minas cavadas pelo homem) encontramos corpos
que são formados pela mistura dos elementos. Os dois
primeiros elementos são tão sutis que não podem ser
percebidos pelos nossos sentidos.

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No capítulo seis, Descartes diz que vai apresentar o
que acontece em um mundo imaginário que não é o
mundo verdadeiro. Nesse mundo a matéria preenche
uniformemente todo o espaço e é incompressível. Ele diz
que a extensão, ou propriedade de ocupar espaço, é a
essência da matéria.
Ele escreve que Deus divide a matéria em muitas
partes, algumas grandes e outras pequenas, com formas
diferentes. Não que Ele as separe tal que exista um vazio
entre elas, mas a distinção que Ele faz consiste na
diversidade do movimento que Ele dá às partes.

No início do capítulo sete ele diz:

Por “natureza” eu não quero dizer alguma deidade ou


outro tipo de poder imaginário. Eu uso essa palavra com o
significado de matéria, tanto quanto eu a considero tomada
junto com todas as qualidades que eu atribuo a ela, e sob
as condições de que Deus continua a preservá-la na
mesma forma em que Ele a criou. Disso apenas, segue-se a
necessidade de mudanças em suas partes às quais não
podem propriamente serem atribuídas à ação de Deus e
então devem ser atribuídas à natureza. As regras pelas
quais essas mudanças ocorrem, eu chamo de “leis da
natureza”.

Ele continua dizendo que entre as qualidades da matéria,


ele supõe que suas partes possuem diversos tipos de
movimento desde o início quando elas foram criadas, e
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que tocam umas nas outras em todos os lados, sem que
haja qualquer tipo de vazio entre elas. Em seguida, ele
apresenta as leis que ele pensa que Deus usa para governar
o mundo.

A primeira diz que cada parte individual da matéria


sempre permanece no mesmo estado, a menos que
colisões com outras partes a faça mudar aquele estado.
Ele comenta que os filósofos supõem vários tipos de
movimentos que podem ocorrer sem que o corpo mude o
seu lugar, mas que ele concebe apenas aquele em que um
corpo passa de um lugar para o outro ocupando
sucessivamente todos os espaços intermediários. Ele diz
que repouso é também uma qualidade, que deve ser
atribuída à matéria enquanto ela permanece em um mesmo
lugar, da mesma forma que movimento é uma qualidade
atribuída à ela quando ela muda de lugar.

A segunda lei diz que quando um corpo empurra outro,


ele não pode fornecer movimento ao outro, a não ser
perdendo, ao mesmo tempo, tanto de seu próprio
movimento quanto ele forneceu ao outro. Da mesma
forma, ele não pode receber movimento do outro corpo, a
não ser que o seu próprio aumente do mesmo valor que o
outro perdeu.
Descartes comenta que essas duas leis seguem-se do
fato de que Deus é imutável e que agindo sempre da
mesma forma, Ele produz sempre os mesmos efeitos.

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Como terceira regra, ele escreve que quando um corpo
está em movimento, mesmo que o movimento aconteça ao
longo de uma linha curva, cada parte individual tende
sempre em continuar o movimento ao longo de uma linha
reta.
Ele fornece como exemplo o caso de uma pedra
girando em uma funda. Quando a pedra deixa a funda, não
só ela segue em linha reta, mas durante o tempo em que
ela esta girando ela estica a corda. Isto mostra que a pedra
tem uma tendência em seguir em linha reta e gira somente
quando ela é forçada.
Ele afirma que de todos os tipos de movimento,
somente aquele em linha reta é inteiramente simples; toda
a sua natureza pode ser entendida em um instante. Pois
precisamos pensar apenas em uma direção, enquanto em
outros tipos de movimento precisamos relacionar pelo
menos duas partes do movimento.
Ele escreve que o conhecimento dessas leis é tão
natural para nossa mente que não podemos de deixar de
considerá-las como infalíveis e que se Deus tivesse criado
outros mundos, as leis nesses mundos seriam as mesmas.

Nos capítulos oito, nove e dez, Descartes apresenta sua


teoria dos vórtices para explicar o movimento dos planetas
e cometas em seu “novo mundo”. O Sol é gerado pela
presença, no centro do sistema, de matéria que consiste do
primeiro elemento, os empurrões incessantes geram uma
pressão para fora, transmitida através dos glóbulos sólidos
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da matéria celeste (segundo elemento). Recebida na retina
do olho, essa pressão causa um movimento no nervo
óptico, que por sua vez produz a sensação que chamamos
de “luz”. Ele diz que existem tantos céus quanto existem
estrelas, cada estrela com o seu céu. A teoria dos vórtices
oferecia uma explicação mecânica grosseira dos
fenômenos celestes. Ela explicava, sem fazer menção a
poderes ocultos, por que os planetas eram arrastados pelo
Sol, todos na mesma direção e (aproximadamente) no
mesmo plano. A teoria explicava também por que os
planetas mais distantes se movem mais lentamente. E os
cometas, como estão mais distantes do que os planetas, se
movem mais devagar ainda. Um planeta gira em torno do
centro de um mesmo céu, enquanto um cometa passa de
um céu para o outro. Mesmo embora os planetas sigam o
curso da matéria do céu sem resistência, isto não quer
dizer que os planetas se movam tão rapidamente quanto a
matéria. A diferença do movimento tem a ver com a
diferença entre o tamanho de suas massas e o tamanho das
partes do céu em torno deles. Ele faz um estudo detalhado
desses movimentos. Para explicar o movimento de rotação
dos planetas, ele diz que a matéria deve formar um
pequeno céu em torno de cada planeta que gira no mesmo
sentido que o do grande céu.

No capítulo onze, Descartes usa a teoria dos vórtices


para explicar o peso dos corpos. A explicação envolve a
ideia de que um vórtice do segundo elemento gira em
torno da Terra e força a matéria ordinária, constituída pelo
terceiro elemento, em direção do centro desse vórtice. Isto

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ocorre porque a tendência do segundo elemento em
revolução de se mover para fora desloca as partes mais
lentas do terceiro elemento para dentro. Imaginando uma
pedra jogada para cima ele diz:

É evidente que, desde que essa pedra contém nela mais


matéria de terra do que uma quantidade de ar de igual
volume – e menos matéria do céu – e como sua parte
terrestre está menos agitada pela matéria do céu do que
por aquela do ar, a pedra não terá força para se elevar
acima daquela quantidade de ar, mas ao contrário a
quantidade de ar terá força para causar a queda da pedra.
Assim, essa quantidade de ar é leve quando comparada
com a da pedra, mas é pesada quando comparada com a
matéria pura do céu. Vemos, portanto, que cada parte de
um corpo terrestre é pressionada para baixo, não pelo todo
da matéria em volta dela, mas somente por uma
quantidade dessa matéria exatamente igual ao tamanho da
parte.

Uma órbita planetária surge pelo balanço dinâmico entre a


tendência centrífuga de um planeta e a pressão contrária
causada pela tendência centrífuga da matéria constituindo
o vórtice.
No final do capítulo, Descartes diz que como o
“pequeno céu” em volta da Terra segue o movimento dela,
isto explica o fenômeno da pedra atirada para cima em
uma Terra em movimento, caindo no mesmo ponto em
que foi lançada. No capítulo doze, ele usa a teoria dos

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vórtices para explicar o movimento de fluxo e refluxo do
mar.

No capítulo quatorze, Descartes usa uma analogia para


explicar a transmissão da luz em todas as direções a partir
do Sol. Ele representa o céu como composto
primariamente de glóbulos redondos de matéria sólida
(segundo elemento), todos em contato uns com os outros
como seixos em um balde. Esses glóbulos comunicam a
pressão que é a realidade subjacente da luz. Ele explica
como os raios de luz parecem se propagar em linhas retas
a despeito do fato de que os pedaços do segundo elemento
não estão arranjados de maneira linear. Ele usa o exemplo
de um bastão curvo (em forma de um S). Quando a
extremidade inferior do bastão pressiona o chão, ele diz, a
pressão é transmitida para cima ao longo do bastão até a
mão na extremidade superior. A direção da transmissão é
uma linha reta, como o seria se o bastão fosse
completamente reto. Assim, à medida que a ação, ou
tendência de movimento, da luz é transmitida via os
glóbulos sólidos do segundo elemento, ela ocorre
efetivamente em uma linha reta a despeito da
irregularidade dos arranjos dos glóbulos.
Descartes acreditava que a propagação da luz era
instantânea.

Outros comentários

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Descartes considerava como uma medida da quantidade de
movimento o produto do tamanho do corpo pela
velocidade, um conceito escalar. Devido a imutabilidade
de Deus, que era a causa última do movimento, ele
concluiu que a quantidade total de movimento no
Universo deveria permanecer constante, mas não havia
necessidade de que essa quantidade em cada corpo
permanecesse constante. Em uma colisão, movimento
poderia ser transferido de um corpo para outro. A soma
dos movimentos depois do choque deveria ser igual àquela
de antes.
Na sua terceira lei de colisão ele diz:

Se um corpo em movimento encontra outro mais forte


do que ele, ele nada perde de seu movimento, e se ele
encontra um mais fraco, ele perde tanto movimento quanto
aquele que ele forneceu ao outro.

Ele supunha que uma mudança na direção não implicava


em uma mudança na quantidade de movimento. Por
exemplo, consideremos o caso onde um corpo em
movimento colide contra um corpo maior em repouso. O
corpo maior tende a permanecer em repouso, e então o
menor não pode movê-lo. Se o menor não pode mover o
maior, obviamente ele não pode continuar na mesma
direção. A conservação do movimento exige que o menor
continue a se mover com a mesma velocidade. Então ele
deve rebater com seu movimento intacto, mas com sua
direção invertida.

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O estudo de colisões foi um dos poucos casos nos
quais Descartes introduziu uma mecânica quantitativa em
sua filosofia.

Descartes foi o primeiro a insistir que o movimento


curvilíneo dos planetas exigia alguma coisa para mudá-los
do movimento em linha reta.
Descartes acreditava que movimento e direção
deveriam ser tratados separadamente, pois se eles
pudessem ser tratados simultaneamente uma trajetória
circular seria uma parte inerente do movimento e uma
pedra (presa em um funda) quando solta continuaria em
uma curva em vez de sair em linha reta pela tangente.
Ele disse que movimento não é um poder no corpo em
movimento, mas um estado
Quando uma força atuando em um corpo é removida a
tendência do corpo é continuar em linha reta.
Ele separou a ideia de movimento e direção e sua lei
universal conserva o primeiro, mas não o segundo. Isto é,
a quantidade de movimento é conservada como uma
quantidade escalar, mas não como um vetor.

A terceira lei da natureza de Descartes está relacionada


com a mudança de movimento:

Quando um corpo encontra outro, se ele tem menos força


para continuar se movendo em uma linha reta do que o
outro tem para resistir, ele é lançado para o lado em outra
direção, retendo sua quantidade de movimento e mudando
somente sua direção daquele movimento. Se, porém, ele

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tem mais força, ele move o outro corpo com ele, e perde
tanto de seu movimento como ele fornece ao outro.

A noção de força entra através da mudança de movimento


ditada por uma competição de forças: a força para resistir
mudanças de movimento e a força para produzi-lo. A
última, Descarte assevera, depende do tamanho do corpo e
de sua velocidade.

Descartes acreditava em um universo infinito. No


capítulo 3 do Principia Philosophiae ele escreve que Deus
criou a substância que constitui o Universo e depois o
Universo segue sujeito a leis naturais. Essas leis são
acessíveis ao intelecto Humano.
Descartes dizia que não podemos entender o infinito,
pois uma vez que somos finitos, seria um absurdo para nós
determinar qualquer coisa que dissesse respeito ao infinito.

Algumas considerações sobre Huyghens

Huyghens considerava a gravidade como uma tendência


(conatus) para a queda. Essa tendência era observada pela
tensão em uma mola que sustentava um corpo. Para medi-
la, era necessário considerar o movimento do corpo assim
que a mola fosse cortada.
Huyghens estudou um corpo (uma bola de chumbo)
girando em um plano horizontal presa em um fio. Devido
à rotação o fio era esticado. Consideremos a Fig 1. abaixo.

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FIG.1

Em intervalos de tempos iguais a bola percorre os arcos


(que são tomados como muito pequenos) BE e EF. Se o
fio é solto em B, a bola percorrerá a trajetória retilínea BC
e CD que são iguais aos arcos descritos. Notemos que C e
D não caem nos raios AE e AF.
Se os pontos C e D coincidem com γ e δ (pontos nos raios
AE e AF) a bola tende a se mover afastando-se do centro
ao longo do raio (note que ela está ainda presa).
As distâncias Eγ, Fδ,..., aumentam na mesma
proporção que os quadrados dos números inteiros, isto é,
1, 4, 9,...(como pode ser verificado usando geometria
simples) e isto fica mais preciso a medida que os arcos
BE, EF, ...ficam pequenos. Mas “segundo Galileu” a
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distância percorrida por um corpo que começa sua queda a
partir do repouso, aumenta como os números quadrados,
1, 4, 9, 16,... Conclui-se, portanto, que a tendência
procurada será, portanto, a mesma que aquela de um corpo
suspenso por uma mola. Huyghens escreve:

Essa tendência será similar àquela que é sentida quando


uma bola é suspensa de uma mola, pois então ela também
tende a se afastar ao longo da linha da mola com um
movimento uniformemente acelerado similar, isto é, tal
que no primeiro de certo intervalo de tempo ela percorrerá
um intervalo espacial (spatiolum,), em duas partes de
tempo 4 intervalos espaciais, em três 9, e assim por diante.

Proposição II: Se corpos iguais revolvem em círculos


iguais com velocidades diferentes, mas ambos em um
movimento uniforme, a força de recessão (dirigida
radialmente para fora) do corpo mais rápido está para
aquela do corpo mais lento na mesma proporção que
aquela dos quadrados das velocidades. Isto é, se os fios
pelos quais eles estão presos são mantidos na vertical e
suportam pesos tais que a força centrífuga dos corpos em
movimento é exatamente contrabalançada, esses pesos
estarão um para o outro como os quadrados da velocidade.

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FIG.2

Demonstração: Seja o círculo com centro em A e raio AB


na circunferência da qual o corpo com menor velocidade,
representado pela linha N, se move. A velocidade maior
do outro corpo é representada por O. Tomamos agora
arcos pequenos BE e BF, que estão um para o outro como
N está para O. No mesmo tempo em que o corpo mais
lento percorre o arco BE, o corpo mais rápido percorrerá o
arco BF. Seja BC e BD tomados na tangente, iguais
respectivamente aos arcos BE e BF. Então, cada corpo tem
uma tendência para se afastar do centro ao longo do raio
com um movimento acelerado. Por esse movimento o
corpo mais lento terá se afastado do ponto da
circunferência que ele ocupou a distância EC, enquanto o
mais rápido terá movido no mesmo tempo a distância FD.
Como DF é maior que CE, o corpo mais rápido puxará
mais o fio que o corpo mais lento. E como tomamos os
arcos BE e BF muito pequenos, a razão entre DF e CE
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pode ser considerada a mesma que aquela entre os
quadrados de DB para o quadrado de CB, de acordo com o
que vimos antes. DB está para BC como o arco FB está
para o arco BE, isto é, O está para N. Portanto, o quadrado
de O estará para o quadrado de N como FD para EC, e
consequentemente como a força centrífuga do corpo mais
rápido está para a força centrífuga do corpo mais lento.

Proposição III: Se dois corpos iguais movem com a


mesma velocidade em círculos desiguais, suas forças
centrífugas estarão uma para a outra como a razão inversa
dos diâmetros, tal que a dita força é maior na
circunferência menor.

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FIG.3

Demonstração: Sejam AB e AC os raios dos círculos


desiguais em torno do mesmo centro A. Como a
velocidade dos corpos é a mesma, no mesmo tempo em
que o arco BD é percorrido na circunferência maior, um
arco CF igual a BD em comprimento é percorrido na
circunferência menor. Podemos afirmar que a força sobre
o corpo movendo na circunferência BD está para aquela
sobre o corpo movendo na circunferência CE como o raio
AC está para o raio AB. Para vermos isto, desenhemos o
raio AD, que corta a circunferência menor em E, e seja
AG um terceiro raio seguindo a mesma proporção que AC
e AB. Imaginemos um terceiro corpo igual aos outros dois
movendo-se ao longo da circunferência CF com uma
velocidade tal que ele percorre o arco CE no mesmo
tempo que os outros dois percorrem os arcos BD e CF. A
velocidade deste corpo imaginário estará para a velocidade
de qualquer um dos outros dois, como o arco CE está para
o arco BD, isto é como AC está para AB. E a força
centrifuga no corpo percorrendo o arco BD estará para a
força centrifuga no corpo imaginário, que no mesmo
tempo percorre o arco CE, como BA está para AC. Mas a
força centrifuga no corpo imaginário estará para a força no
corpo que no mesmo tempo percorre o arco CF como o
dobro da razão de AC para AB, isto é, ela será a mesma
como AC está para AG, pois mostramos que suas
velocidades estão na mesma razão que AC está para AB.
Portanto, a força centrífuga no corpo que percorre o arco
BD estará para a força naquele que no mesmo tempo

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percorre o arco igual CF como BA está para AG, isto é,
como AC está para AB.

Huygens usou a palavra força centrífuga porque ele


mostrou que ela era similar ao peso estático (gravitas), e o
uso de “força” significando esforço era aceito na teoria da
estática. Ele via a força centrífuga como via peso, não
como uma força agindo em um corpo, mas como uma
tendência que o corpo tinha, por qualquer que fosse a
razão. Para ele a mecânica era a ciência dos corpos em
movimento que podiam interagir somente através de
colisões. O conceito de força aparecia somente no
contexto do movimento circular, onde representava não
uma ação em um corpo, mas uma tendência que um corpo
em movimento tinha.

Colisões

Huygens mostrou que as leis de colisão de Descartes


estavam erradas, usando os próprios princípios
estabelecidos por Descartes. Para Descartes, repouso e
movimento eram relativos, mas suas leis de colisão
forneciam resultados diferentes para sistemas de referência
diferentes.
Consideremos o caso da terceira lei apresentada no
capítulo anterior. Se mudarmos para um sistema de
referência onde o corpo menor está em repouso, o corpo
maior é colocado em movimento, e perde tanto

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movimento quanto ele fornece ao menor. Além disso, os
dois corpos se movem depois do choque. Este resultado é
inconsistente com o anterior. Huygens, aceitando a
relatividade do movimento, reviu as regras de colisão.
Ele analisou uma experiência de colisão realizada em
um barco em movimento. Comparando os resultados
observados por uma pessoa no barco com aqueles
observados por uma pessoa em terra, ele chegou às suas
leis para colisão. Mas como ele seguiu Descartes
distinguindo direção de velocidade, a quantidade de
movimento de um corpo tinha sempre um valor positivo.
Assim, nos casos nos quais somente um corpo inverte a
sua direção, a quantidade de movimento (na mecânica de
Huygens) não permanecia constante. Mas ele percebeu
que uma outra quantidade permanecia constante nas
colisões envolvendo corpos perfeitamente rígidos. Se o
tamanho de um corpo é multiplicado pelo quadrado de sua
velocidade, a soma dessas duas quantidades antes da
colisão é sempre igual à soma das duas quantidades depois
da colisão. Para ele, isto era apenas um número que servia
como substituto para a quantidade de movimento
cartesiana que mostrou ser incorreta.

Teoria ondulatória da luz

A teoria ondulatória de Huygens não incluía ondas


periódicas. O propósito principal da teoria dele era o de
explicar a propagação retilínea da luz, e quando ele falava
em uma onda, ele estava pensando, não em uma flutuação

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periódica, mas algo como o distúrbio viajando através da
superfície de um lago, se afastando do ponto onde uma
pedra foi jogada. Ele negou especificamente que os pulsos
luminosos pudessem ser periódicos. Ele escreveu no
“Traité de la lumière” [ Treatise on light- Great Books]

...a luz nos atinge vindo dos corpos luminosos por meio de
algum movimento que é transmitido à matéria
intermediária,....segue-se que esse movimento transmitido
à matéria deve ser gradativo e que, como o som, deve
expandir-se em superfícies esféricas ou ondas; eu as
chamo ondas por causa de sua semelhança com as que
vemos formadas na água quando nela é jogada uma pedra
e porque nos permite observar uma expansão gradativa
igual em círculos, embora sejam resultantes de uma causa
diferente e só se formem em uma superfície plana.

Princípio de Huygens: Cada ponto da frente de uma onda


pode ser considerado como uma fonte de uma nova onda,
ou ondinha, e a nova posição da frente de onda é uma
convoluta comum dessas pequenas ondinhas transmitidas
de todos os pontos da frente de onda em sua posição
anterior.

Usando o princípio, ele foi capaz de explicar as leis de


reflexão e refração.

Complemento
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Huygens
Publicou em 8 de março de 1669 uma versão condensada
de um artigo sobre choques de esferas. Nele ele apresenta
quatro consequências:
1. A quantidade de movimento que dois corpos rígidos
têm pode aumentar ou diminuir pela colisão, mas
quando a quantidade de movimento na direção oposta
tiver sido subtraída permanece sempre a mesma
quantidade de movimento na mesma direção.
2. A soma dos produtos obtidos pela multiplicação da
magnitude de cada corpo rígido pelo quadrado de
suas velocidades é sempre a mesma antes e depois da
colisão.
3. Um corpo rígido em repouso receberá mais
movimento de outro maior ou menor se um terceiro
corpo de tamanho intermediário é interposto do que
aconteceria se atingido diretamente e, mais
importante, se este terceiro corpo é a média
geométrica dos outros.
4. Uma lei da natureza é que o centro comum de
gravidade de dois, três, ou mais corpos sempre move
uniformemente na mesma direção e na mesma linha
reta, antes e depois da colisão.
O artigo completo em que Huygens derivou os resultados
acima a partir de princípios básicos foi publicado somente
em 1703 depois de sua morte. Ele usa principalmente o
princípio da relatividade do movimento e algumas
hipóteses simples.

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Huygens no seu Horologium oscillatorium resolveu o
problema do centro de oscilação do pêndulo composto
usando o princípio da conservação da vis viva. Aqui o
princípio que surgiu inicialmente no contexto de colisões
restritas a esferas rígidas foi usado em um contexto
inteiramente diferente para resolver um problema
recalcitrante.

Pierre Gassendi

Pierre Gassendi (1592-1655) foi um padre e filosofo


francês. Ele acreditava que um conhecimento do mundo
externo só podia ser obtido através de evidências
sensoriais. Ele dizia que a razão, que compreende nosso
julgamento intelectual e interpretações das informações
sensoriais, está sujeita ao erro. Ele propôs que devemos
manter hipóteses como base do raciocínio científico
somente quando existe evidências empíricas para elas.
Ele foi um aderente da teoria atômica de Epicuro. Sua
lista de propriedades atômicas inerentes incluía: tamanho
(moles), forma, peso ou massa, e solidez. Os átomos
tinham uma tendência para se moverem em linha reta, ao
contrário do movimento aleatório proposto por Epicuro.
Uma característica da teoria atômica de Gassendi,
seguindo a visão de atomistas do passado como Lucrecio,
foi sua sugestão de que alguns átomos tinham uma maior
atividade do que outros.

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Para ele a luz era transmitida por átomos particulares
(atomi lucificae) que eram idênticos aos átomos de calor.
O som também era transportado por partículas.
Ele tinha uma concepção absoluta do espaço e tempo.
O tempo fluía uniformemente, independentemente de
qualquer movimento. O espaço era uniforme e
independente de objetos que pudessem estar contidos
nele. Espaço e tempo pré datavam a Criação e eram
infinitos em caráter.
Em 1621 ele observou a iluminação colorida do céu e
chamou o fenômeno de “aurora boreal”. Ele localizou a
fonte da iluminação em atitudes muito alta, acima da
região polar norte. Foi o primeiro a observar a passagem
de Mercúrio em frente do Sol em 1631.
Ele escreveu em relação ao movimento de uma pedra:

....assim em qualquer direção em que uma pedra é lançada,


se supormos que no momento em que ela deixa a mão,
pela providência divina, todas as coisas exceto a pedra são
reduzidas a nada, a pedra continuará seu movimento
perpetuamente e na mesma linha em que a mão a colocou.

Imaginemos um corpo colocado em um vazio imenso, e a


ele dado um empurrão em uma dada direção. Como ele
não tem aversão ao movimento e não experimenta
qualquer resistência, ele moverá com um movimento
uniforme. Seja agora aplicado um segundo empurrão igual
ao primeiro. À velocidade original será acrescentado um

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segundo grau. Um terceiro impulso acrescentará um
terceiro grau. O movimento uma vez adquirido não é
perdido e a atração uniforme, acrescentando um novo grau
de velocidade em cada instante, produzirá uma aceleração
uniforme.

[ Gassendi Opera Omnia (Lyons, 1658), citado por Lillian


U. Pancheri, Am, J. Phys. 46 (1978) 455]

Torricelli

A incapacidade dos filósofos mecanicistas para


considerar um conceito de força exceto a “força de um
corpo em movimento” foi um obstáculo para o
desenvolvimento de uma dinâmica matemática e confinou
a mecânica à problemas cinemáticos nos quais o
movimento era descrito sem referência às forças que o
causava.
Evangelista Torricelli (1608-1647), discípulo de
Galileu, foi o primeiro a aplicar a concepção dinâmica à
cinemática. Ele analisou um problema levantado por
Galileu. Se precisamos de um corpo de mil libras para
quebrar uma mesa quando ele é colocado sobre ela, como
é possível que um corpo de cem libras, caindo de uma
altura suficientemente alta, pode também quebrar a mesa?
Ele respondeu supondo que o peso (gravitas) de um
corpo é um princípio interno que gera em cada instante um
impetus igual ao peso do corpo. Ele usou o exemplo de
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uma fonte de água. Gravitas é uma fonte da qual impetus,
ou momentum, flui continuamente. Se uma fonte fornece
um litro (linguagem moderna) de água por minuto,
podemos coletar cem litros enchendo cem vezes uma jarra
de um litro. O mesmo ocorre com a fonte chamada
gravitas, se coletamos momenta que flui em vários
instantes, podemos multiplicar o poder (esforço) do corpo
em questão. Como é feita essa coleta? Deixando o corpo
cair, ele respondeu. Quando um corpo de cem libras está
em repouso na mesa, a resistência da mesa se opõe e
destrói o momentum gerado em cada instante. Quando o
corpo está em queda, não há resistência para aniquilar o
momentum; aquele que é gerado em um instante é somado
àquele gerado no instante anterior, e o poder (esforço) do
corpo aumenta continuamente. Então o peso de cem libras
solto de uma altura suficiente adquire o esforço de mil
libras necessário para quebrar a mesa.
De certa forma, Torricelli percebeu que o produto de
uma força constante pelo tempo que ela atua é igual ao
momentum gerado no corpo caindo a partir do repouso.
Torricelli sugeriu o uso de mercúrio na construção de
barômetros. Discussão sobre o barômetro envolvia
inevitavelmente o vácuo. Argumentos contra a existência
do vácuo eram bem conhecidos desde a época de
Aristóteles. Como alguma coisa tinha que ocupar o espaço
deixado pelo mercúrio em um barômetro, uma escola de
aristotélicos sugeriu que uma bolha de ar devia estar
presente; quando o tubo era colocado na vertical a bolha
expandia até que a tensão era suficiente para sustentar o
mercúrio. Outra escola afirmava que um vapor formava

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sobre o líquido, forçando-o para baixo. Sem o vapor o
mercúrio encheria o tubo todo.
Blaise Pascal (1623-1662) foi a pessoa mais
importante nas demonstrações experimentais envolvendo
o barômetro. Se fosse verdade que uma bolha de ar
estivesse presente no tubo e mantivesse a coluna do
líquido pela sua tensão, então uma relação entre a altura
do líquido e o espaço acima deveria ser observada. Pascal
construiu um barômetro de mercúrio usando um tubo de
cinco metros de altura e um outro com um bulbo grande
na extremidade superior. Em ambos os casos, bem como
em vários outros, a altura da coluna de mercúrio
permanecia constante, independentemente do tamanho do
espaço acima. Se ele inclinasse a coluna do tubo, a altura
vertical da superfície permanecia constante, tal que o
espaço acima do mercúrio podia sumir, não deixando
nenhuma bolha visível quando a extremidade superior
descia abaixo de doze centímetros.
Em uma outra experiência, seu cunhado levou um
barômetro até o topo de uma montanha na França e, como
era de se e esperar, a altura da coluna de mercúrio
diminuiu. Como Torricelli, Pascal estava convencido de
que era a pressão do ar que sustentava a coluna de
mercúrio no tubo e a pressão do ar diminui com a altura.

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