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0 arauto do Rei

que não produz fru to é cortada e lançada ao fogo. O homem


não é o que sente nem o que fala, mas o que faz. A árvo-
re é conhecida por seus frutos. Linguagem religiosa sem
vida de piedade é um arremedo grotesco de conversão.
Uma árvore que não produz fruto está sentenciada à mor-
te. O machado afiado do juízo já está em sua raiz, e o seu
destino será o fogo. A mensagem de João é: arrepender e
viver ou não se arrepender e morrer. Charles Spurgeon é
enfático quando escreve: “O cortador de todas as árvores
infrutíferas chegou. O grande lenhador pôs o seu macha-
do à raiz das árvores. Ele ergue o seu machado, golpeia, e
a árvore infrutífera é abatida e lançada ao fogo”.10

A postura do arauto (3.11,12)


O evangelista Lucas diz que a multidão que veio a João no
deserto começou a cogitar se ele não seria o próprio Messias
(Lc 3.15). Queriam colocar João num pedestal, num lugar
elevado que não lhe pertencia. Queriam honrá-lo mais do
que o próprio Deus o havia honrado. João, porém, não acei-
tou a glória que só pertence ao filho de Deus. João Batista
sabe que não é o Messias. Não quer ocupar o lugar do noi-
vo. Não se sente mais importante do que é. Seu princípio é:
Convém que ele cresça e que eu diminua. Sua atitude é: Não sou
digno de desatar-lhe as correias das sandálias. Seu papel é apre-
sentar Jesus e sair de cena. Ele é uma voz, e não a mensagem.
Ele testifica da luz, mas não é a luz. Ele aponta para o cordeiro
de Deus, mas não é o cordeiro. Ele testemunha da vida, mas
não é a vida. John Charles Ryle destaca que nenhum outro
pregador, entretanto, jamais recebeu tão grandes elogios da
parte de Jesus, o cabeça da igreja.11
Hoje, muitos pregadores buscam glória para si mesmos.
Querem os holofotes. Buscam reconhecimento. Querem

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prestígio. Colocam-se no pedestal. Um pregador fiel sem-


pre exaltará a Jesus e jamais permitirá que atribuam a ele
ou ao seu ofício qualquer honra que pertence ao seu divino
mestre. Afirmará como Paulo: Porque não nos pregamos a
nós mesmos, mas a Cristo Jesus como Senhor e a nós mesmos
como vossos servos, por amor de Jesus (2Co 4.5).
Três verdades saltam aos olhos aqui, como vemos a
seguir.
Em primeiro lugar, João reconhece sua limitação (3.1 la).
Eu vos batizo com água, para arrependimento... João Batista
confessa a limitação do seu ministério. Ele pode batizar
com água, mas só Jesus batiza com o Espírito Santo e com
fogo. Ele pode administrar os sacramentos, mas só Jesus
pode conferir as bênçãos dos sacramentos. Ele pode usar
o símbolo, mas só Jesus pode conceder o simbolizado. Ele
pode apontar para o salvador, mas só o salvador pode dar
salvação. Ele pode pregar sobre remissão de pecados, mas
só Jesus pode perdoar pecados. Ele pode pregar fielmente
o evangelho, mas não pode fazer que seus ouvintes rece-
bam o evangelho. Ele pode aplicar-lhes a água do batis-
mo, mas não pode purificar sua natureza pecaminosa. Ele
pode entregar o pão e o vinho da ceia do Senhor, mas não
pode capacitar as pessoas a se apropriarem do corpo e do
sangue de Jesus pela fé. Pode ir até certo ponto, mas não
além disso.
Em segundo lugar, João reconhece a supremacia indispu-
tãvelde Cristo (3.11 b ) .... mas aquele que vem depois de mim
é mais poderoso do que eu, cujas sandálias não sou digno de
levar. Ele vos batizará com 0 Espírito Santo e com fogo. João
Batista reconhece que ele é apenas uma voz, e não o Verbo.
Reconhece que veio para testificar da verdadeira luz, mas
ele não é a luz. Reconhece que ele é amigo do noivo, mas

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não o noivo. Reconhece que ele batiza com água, mas não
com o Espírito Santo e com fogo. Seu lema é: Convém que
ele cresça e que eu dim inua (Jo 3.30). João Batista se refere
ao batismo com o Espírito e com fogo.
Orígenes, entre os pais da igreja, e escritores modernos
como Neander, Meyer, De Wette e Lange interpretam o
batismo com fogo como um batismo de impenitentes com
o fogo do inferno, distinto do batismo com o Espírito.12
Outros estudiosos ainda, como Warren W iersbe,13William
M acDonald14 e Craig S. Keener,15 entre outros, pensam de
igual forma. Defendem que João está se referindo a dois
batismos diferentes e opostos, um de graça e outro de juí-
zo. Entendo, porém, amparado nos mais conceituados es-
tudiosos das Escrituras, que o batismo com o Espírito e o
batismo com fogo são análogos e complementares.
A vasta maioria dos exegetas bíblicos defende também
esse posicionamento. O reformador João Calvino lança luz
sobre o tema quando escreve: “A palavrafogo é acrescentada
como um epíteto, e é aplicada ao Espírito, porque ele re-
move nossa poluição, como o fogo purifica o ouro”.16 A.
T. Robertson corrobora essa visão, dizendo que Espírito e
fogo estão unidos por uma preposição como se fosse um
batismo duplo.17 A mesma pessoa é batizada com ambos
os batismos. João não fala: “Ele vos batizará com Espírito
ou com fogo, mas com Espírito e com fogo”. D. A. Carson,
nessa mesma linha de pensamento, declara: “A preposição
e governa tanto o batismo com o Espírito quanto o batis-
mo com fogo. Isso sugere um conceito unificado”.18
A água toca a superfície, mas o fogo penetra na subs-
tância das coisas. O fogo ilumina, aquece, purifica e alas-
tra-se. William Hendriksen diz: “É verdade que, toda vez
que uma pessoa é retirada das trevas e posta na maravilhosa

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luz de Deus, ela está sendo batizada com o Espírito Santo


e com fogo”.19
O fogo aqui é uma imagem de juízo, mas do juízo mi-
sericordioso que purifica e limpa, como o fogo do ourives.
Russell Norman Champlin esclarece dizendo que a interpre-
tação mais comum do batismo com fogo é que ele indica o
caráter do batismo com o Espírito, ou seja, o fogo tanto lim-
pa e purifica como destrói o mal.20 Corrobora com esse mes-
mo pensamento o renomado expositor Matthew Henry.21
Richards, ainda, apresenta esse magno assunto da
seguinte maneira:

Alguns entendem “fogo” aqui como um símbolo do julgamento


(como Isaías 34.10; 66.24; Jeremias 7.20), ao passo que outros o
veem como um símbolo de purificação (como Isaías 1.25; Zacarias
13.9; Malaquias 3.2,3). Tanto o Espírito quanto o fogo são contro-
lados pela mesma preposição, en, “e” que não é repetida no texto.
Portanto, a segunda interpretação é preferível.22

Nessa mesma linha de pensamento, R. C. Sproul diz


que esse fogo limpa, purifica e produz o mesmo que o
crisol: o ouro puro da santificação. Não pense que você
tem um salvador que o deixará fora do fogo. Ele o man-
terá fora do fogo eterno, mas, até lá, você permanecerá
na fornalha como Sadraque, Mesaque e Abede-Nego.23
Seguindo o mesmo raciocínio, James Hastings diz que
o batismo com fogo penetra e limpa o que a água não
consegue fazer. O fogo tem o poder de refinar o metal,
tirando dele suas escórias. O fogo produz uma chama de
ardor e entusiasmo.24
De acordo com as Escrituras, foram muitas as vezes em
que Deus se revelou ao seu povo usando a figura do fogo.

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Ele apareceu a Moisés no monte Horebe, numa chama de


fogo no meio de uma sarça que ardia e não se consumia
(Ex 3.2). Conduziu o povo de Israel pelo deserto durante
quarenta anos, nas noites escuras e tenebrosas, por meio de
uma coluna de fogo (Ex 13.22). Deus desceu sobre o Sinai
em fogo (Ex 19.18). O aspecto da glória do Senhor era
como fogo (Ex 24.17). Ali, do Sinai, Deus falou a Moisés
do meio do fogo (D t 4.12). O Senhor respondeu com fogo
à oração de Elias e provou ao povo apóstata de Israel que
só ele é Deus (lR s 18.38). Deus respondeu à oração de
Davi com fogo, quando este lhe ofereceu sacrifício (lC r
21.26). No altar do tabernáculo, o fogo era mantido con-
tinuamente aceso (Lv 6.9). Desceu fogo do céu quando
Salomão acabou de orar, consagrando ao Senhor o tem-
pio de Jerusalém, e a glória do Senhor encheu a casa (2Cr
7.1). Elias foi trasladado da terra para o céu por um carro
de fogo e cavalos de fogo (2Rs 6.17). Isaías orou para que
Deus fendesse os céus e descesse e se manifestasse como
quando o fogo inflama gravetos (Is 64.1,2). Zacarias disse
que Deus se coloca protetoramente ao nosso redor como
muro de fogo (Zc 2.5). Ele faz dos seus ministros labaredas
de fogo (Hb 1.7). O nosso Deus é fogo (Hb 12.29). O
seu trono é fogo (Dn 7.9). A sua palavra é fogo (Jr 23.29).
Jesus batiza com fogo (3.11), e o Espírito Santo desceu no
Pentecostés em línguas como de fogo (At 2.3).25
Fritz Rienecker diz que o Espírito e o fogo são o ele-
mento da nova vida que continuamente julga e purifica,
como também continuadamente aquece e promove a vida.
Assim deve ser entendida a palavra: Ele vos batizará com 0
Espírito Santo e com fogo.26 E, ainda, oportuna a explicação
de Richards: “Não fiquemos satisfeitos com a água. Nós
precisamos é do fogo do Espírito”.27 Esse foi o pedido feito

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a Deus pelo jovem missionário Ashbel Green Simonton,


quando plantava em solo brasileiro a Igreja Presbiteriana
do Brasil. Registramos aqui suas palavras:

Fazendo um retrospecto de minha própria vida durante o ano que


agora se encerra, tenho de condenar-me. Posso indicar algum traba-
Iho que foi feito da melhor maneira que pude; mas será que progredi
na direção do céu? E aqui que me sinto em falta. Náo posso ir além
da prece do publicano: Ό Deus, sê propício a mim, pecador!” Será
sempre assim comigo? A própria pressão e atividade da vida exterior
tem empanado minha comunhão com aquele para quem esses mes-
mos serviços são feitos. Quantas vezes minhas devoções são formais e
apressadas, ou perturbadas por pensamentos de planos para o dia! E
pecados muitas vezes confessados e lamentados têm mantido seu po-
der sobre mim. Quem me dera um batismo de fogo que consumisse
minhas escórias; quem me dera um coração totalmente de Cristo.28

John Wesley escreve: “Ele vos encherá com o Espírito


Santo, inflamando vosso coração com aquele fogo de amor,
que as muitas águas não podem apagar. E isso foi feito,
com visível aparência, quando o Espírito desceu em línguas
como de fogo, no dia de Pentecostés”.29
Em terceiro lugar, João reconhece 0 perigo de retardar 0 ar-
rependimento (3.12). A sua pá, ele a tem na mão e limpará
completamente a sua eira; recolherá 0 seu trigo no celeiro, mas
queimará a palha em fogo inextinguível. A igreja visível é for-
mada de trigo e joio, ovelhas e cabritos, salvos e perdidos.
Mas chegará o dia em que a separação será feita. Esse dia vai
revelar a diferença entre os salvos e os perdidos, os crentes e
os hipócritas, o trigo a ser recolhido no celeiro e a palha que
queimará em fogo inextinguível.

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