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Martins, M. J. (2005). “O problema da violência escolar: uma clarificação e diferenciação de


vários conceitos relacionados”. In Revista Portuguesa de Educação. Ano/Vol. 18, número 001.
Universidade do Minho. Braga. pp. 93-115.

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Revista Portuguesa de Educação
Universidade do Minho
rpe@iep.uminho.pt
ISSN (Versión impresa): 0871-9187
PORTUGAL

2005
Maria José D. Martins
O PROBLEMA DA VIOLÊNCIA ESCOLAR: UMA CLARIFICAÇÃO E
DIFERENCIAÇÃO DE VÁRIOS CONCEITOS RELACIONADOS
Revista Portuguesa de Educação, año/vol. 18, número 001
Universidade do Minho
Braga, Portugal
pp. 93-115
Revista Portuguesa de Educação, 2005, 18(1), pp. 93-115
© 2005, CIEd - Universidade do Minho

O problema da violência escolar: uma


clarificação e diferenciação de vários
conceitos relacionados1

Maria José D. Martins


Escola Superior de Educação de Portalegre, Portugal

Resumo
Neste artigo efectua-se uma revisão de literatura e uma reflexão teórica sobre
o tema da violência escolar, bem como sobre todos os conceitos que com ela
se podem relacionar, nomeadamente: a indisciplina, a conduta anti-social, a
delinquência, os problemas de comportamento e o bullying. Clarificam-se e
diferenciam-se os diferentes significados destes conceitos com vista a facilitar
a sua operacionalização e relacionamento em futuras investigações.

1. Introdução
A violência escolar, a delinquência juvenil, a conduta anti-social, os
problemas de comportamento na sala de aula e a indisciplina têm sido objecto
de uma crescente preocupação nas sociedades industrializadas, em geral, e
nos dois países da Península Ibérica, em particular. Manifestações dessa
preocupação são visíveis na frequência com que o assunto é noticiado na
imprensa (ver, por exemplo, notícias dos jornais: Diário de Notícias de 2 de
Fevereiro e 14 de Junho de 2002; Expresso de 27 de Janeiro de 2001;
Público de 1 de Março de 2002); objecto de programas televisivos; tema de
debate entre docentes de vários níveis de ensino e de reivindicações, no
sentido de uma maior eficácia das ‘medidas educativas disciplinares’ que
permitam fazer face ao problema. Em Portugal, as estatísticas da Polícia de
Segurança Pública (2002) relativas a denúncias sobre ocorrências nos
estabelecimentos de ensino aumentaram nos últimos anos, isto é, do ano
lectivo de 1999/2000 para o ano lectivo de 2000/2001, as participações
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relativas quer a danos contra as pessoas, quer contra o património, ocorridas


nas escolas aumentaram, pese embora o incentivo à participação, tanto pelo
Ministério da Educação, como pela própria polícia; ressalve-se, contudo, que
nem todas as ocorrências listadas nestas estatísticas são da responsabilidade
de elementos da comunidade educativa, embora estes estejam sempre nelas
envolvidos enquanto vítimas. As estatísticas do Ministério da Justiça apontam
também no sentido de um aumento da delinquência juvenil nos últimos anos
(ver Fonseca, 2000). Embora este aumento não se compare com o verificado
na sociedade norte-americana (quer em quantidade, quer na natureza), onde
o homicídio é actualmente uma das principais causas de morte de
adolescentes e jovens adultos do sexo masculino (ver Coie & Dodge, 1998),
não deixa por isso de ser um indicador a ter em conta, quando se pensa na
investigação a desenvolver e nas medidas preventivas a implementar
proximamente.
Assim, em paralelo e na sequência dos estudos mais tradicionais
sobre delinquência juvenil e conduta anti-social, assistiu-se, nas últimas três
décadas, ao desenvolvimento de um tipo de investigação e de programas de
intervenção sobre agressividade entre pares em contexto escolar (ver
Olweus, 1995, 1997), em particular sobre o fenómeno de bullying, termo que
foi vulgarizado pela literatura anglo-saxónica (ver Smith & Sharp, 1995) e que
se refere às condutas agressivas entre pares, nas quais um grupo de alunos
ou um aluno de força superior vitimiza um outro aluno indefeso (ver
Olweus,1995; 1997; Smith & Sharp,1995).
Neste artigo propomo-nos definir, clarificar e diferenciar vários
conceitos relacionados com a controversa expressão de ‘violência escolar’
privilegiando uma perspectiva essencialmente psicológica.

2. Conduta anti-social e tipos de condutas agressivas


Loeber & Hay (1997, p. 373) definem conduta anti-social ou agressiva
como "aquela que inflige dano físico ou psicológico ao outro; e/ou perda ou
dano de propriedade, podendo ou não constituir uma infracção às leis
vigentes". Coie & Dodge (1998, p. 781) salientam ainda, por oposição aos
autores precedentes, o papel da intenção subjacente a esse dano como um
aspecto importante a levar em consideração na definição. Loeber & Hay
O problema da violência escolar 95

(1997) distinguem também ‘actos de agressão menor’ e ‘actos de violência’


consoante o grau de gravidade das consequências da conduta anti-social.
Alguns autores (ver Coie & Dodge, 1998, Diaz-Aguado, 1996b) sugerem
que se diferencie ainda dois subtipos de violência ou agressão: a violência
reactiva ou expressiva e a violência instrumental ou proactiva. A violência
reactiva é desencadeada pelas condições que a antecedem, isto é, surge como
uma explosão emocional, um nível de tensão e crispação elevados que
ultrapassam a capacidade da pessoa para enfrentar o evento social de outra
forma; enquanto que a violência instrumental ou proactiva é desencadeada pela
perspectiva dos resultados que o indivíduo espera obter, isto é, utiliza-se para
se conseguir um determinado resultado. Os indivíduos que utilizam este tipo de
violência tendem a justificá-la, dando-lhe uma aparência legítima. É ainda
possível identificar indivíduos que utilizam mais a violência reactiva, outros que
recorrem mais à violência proactiva e ainda alguns em que estão as duas
presentes. Esta diferenciação pode conduzir-nos a formas diferenciadas de
intervenção, eventualmente mais eficaz segundo os casos. No primeiro caso,
seria ao nível do controle emocional, da auto-regulação dos impulsos que
pareceria mais adequado actuar, enquanto que, no segundo caso, seria ao nível
da representação cognitiva sobre conflito interpessoal e da diferenciação e
modificação de estratégias para alcançar determinados objectivos (ver Coie &
Dodge, 1998, p. 784; Diaz-Aguado, 1996b, p. 59).
A ideia de que violência gera mais violência é amplamente confirmada
pela investigação (ver Coie & Dodge, 1998; Diaz-Aguado & Arias, 1995) na
medida em que "conviver com a violência aumenta o risco de a vir a exercer
ou de converter-se numa sua vítima, especialmente quando a exposição se
produz em momentos de especial vulnerabilidade como a infância e a
adolescência" (Diaz-Aguado, 1996b, p. 59).

3. Indisciplina
A violência e a conduta anti-social não se confundem necessariamente
com o conceito de indisciplina. Amado (2000, p. 7) e Estrela & Amado (2000,
pp. 251-252) propõem que se considere a questão da indisciplina em três
níveis distintos, que permitirão situar melhor o problema da violência escolar.
Assim, os níveis ou categorias a considerar seriam:
96 Maria José D. Martins

"Primeiro nível — abarca os desvios às regras de produção, a que é


imputado um carácter disruptivo, em virtude da perturbação que causam ao
bom funcionamento da aula", aqui nos parece que se poderiam incluir, a título
de exemplo, todas as situações de ruído de fundo no momento das
explicações do professor, silêncios quando a participação do aluno é
solicitada, realizar outras actividades paralelas para além das tarefas
solicitadas pelo professor, (daqui se podendo excluir, aparentemente, a
delinquência e a conduta anti-social persistente); "Segundo nível — conflitos
inter-pares, que abrange os incidentes que traduzem essencialmente, um
disfucionamento das relações formais e informais entre os alunos (parceiros
de turma e não só), podendo manifestar-se em comportamentos de alguma
agressividade e violência (extorsão de bens, violência física ou verbal,
intimidação sexual, roubo e vandalismo), e atingindo por vezes, contornos de
gravidade de actos delinquentes, portanto, do foro legal". Neste nível,
poderíamos pois situar as condutas de bullying de diferentes graus de
gravidade; "Terceiro nível — conflitos na relação professor aluno, que inclui os
comportamentos que, de algum modo, põem em causa a autoridade e o
estatuto do professor (insultos, obscenidades, desobediência, contestação
afrontosa, réplica desabrida a chamadas de atenção e castigos), abrangendo,
também, a manifestação de alguma agressividade e violência contra docentes
(e outros funcionários) e o vandalismo contra a propriedade dos mesmos e da
escola; as circunstâncias e a gravidade de tais comportamentos ditarão a
necessidade de passar ou não do foro escolar e institucional, para o foro
judicial" (Amado, 2000, p. 7).

4. Delinquência juvenil
A expressão ‘delinquência juvenil’ tem, geralmente, uma conotação
jurídica e designa os actos cometidos por um indivíduo abaixo da idade de
responsabilidade criminal, isto é, que infringem as leis estabelecidas. Esta
designação, embora relacionada com a conduta anti-social, porque a primeira
pressupõe em geral esta última, pode dela diferenciar-se, na medida em que
sob a designação de conduta anti-social se incluem os comportamentos que
desrespeitam os outros e violam as normas de uma determinada comunidade,
sem necessariamente infringirem as leis vigentes, manifestando-se de forma
diferente, consoante se trate de crianças, adolescentes, ou adultos (ver
Fonseca, 2000, pp. 9-12).
O problema da violência escolar 97

Weiner (1995) considera que, do ponto de vista da sua gravidade, os


actos delinquentes podem ser graves (contra pessoas ou bens, como assaltos
e roubos), constituir pequenos delitos (como vandalismo, actuação
desordeira), ou respeitar apenas ao estatuto dos jovens por serem menores
(por exemplo, fugir de casa). O mesmo autor sugere ainda que os estudos
clínicos e a investigação permitem classificar os jovens delinquentes em
quatro grandes tipos, a saber: "os delinquentes socializados que apresentam
pouca perturbação psicológica mas que se envolvem em actos anti-sociais,
enquanto membros reputados de uma subcultura delinquente" que pertencem
ao tipo mais frequente, e actuando sempre em grupo ou em gangs; "os
delinquentes caracterológicos nos quais a conduta anti-social deriva de um
estilo de personalidade cronicamente centrado em si próprio, explorador e
sem consideração pelo outro", um tipo pouco frequente talvez precursor da
psicopatia no adulto; "os delinquentes neuróticos que se portam mal como
uma expressão sintomática de necessidades e preocupações subjacentes; e
os delinquentes psicóticos ou neuropsicológicos, cuja transgressão da lei
resulta de substanciais deficiências de raciocínio, do controlo dos impulsos e
de outras funções integradoras da personalidade" (Weiner, 1995, p. 312).

5. Distúrbio de conduta
Outro conceito comum na literatura sobre o tema é o de ‘distúrbio de
conduta ou de comportamento’ tal como utilizado no quadro das
classificações psiquiátricas, como é o sistema de diagnóstico e classificação
da Associação Americana de Psiquiatria (ver DSM IV, 1994, pp. 89-91). Nesse
contexto, o termo ‘distúrbio ou perturbação do comportamento’ é aplicado aos
indivíduos mais do que aos seus actos e é considerado como reflexo do
diagnóstico de um síndroma (conjunto de sintomas) que se aplica a crianças
e a adolescentes. O distúrbio de comportamento é diagnosticado a partir de
ocorrência e frequência dos problemas de comportamento exibidos por uma
criança ou adolescente num dado período de tempo, considerando-se, em
geral, necessária a presença de três ou mais sintomas durante um período de
seis meses para se fazer um diagnóstico (ver Coie & Dodge, 1998; DSM-IV,
1994). O referido sistema inclui quatro grupos de comportamentos, a saber:
"agressão contra pessoas e animais (e.g., começa frequentemente lutas
físicas, exibe crueldade para com pessoas e animais); destruição de
98 Maria José D. Martins

propriedade (e.g., provocar incêndios propositadamente); mentira e roubo


(e.g., arrombar automóveis, roubar objectos de valor sem enfrentar a vítima);
e transgressões graves de regras (e.g., foge de casa; falta sistematicamente
à escola antes dos 13 anos)" (DSM IV, 1994, p. 90). Este padrão de
comportamento está geralmente presente em vários contextos da vida do
indivíduo, como sejam a escola, a casa e a comunidade. Um outro síndroma
incluído na referida classificação psiquiátrica distinto deste, mas com alguma
similitude, que se aplica a crianças mais novas ou a crianças em idade pré-
escolar, é o do distúrbio desafiante de oposição, o qual inclui desobediência e
desrespeito pelos adultos, acompanhado de irritabilidade e que pode por sua
vez ser preditivo dos distúrbios de comportamento. Este padrão é menos
severo que o do distúrbio de comportamento e não inclui a agressão contra
pessoas e animais, destruição da propriedade e roubo. De modo similar ao
anterior, o diagnóstico efectua-se em função da ocorrência e frequência de
uma lista de sintomas (por exemplo, discutir com os adultos, irritar-se com
facilidade...) (ver DSM IV, 1994, pp. 91-94).
Em suma, embora não constituindo categorias exclusivas, as
designações ‘violência’, ‘conduta anti-social’, ‘indisciplina’, ‘distúrbio de
comportamento’, ‘delinquência’ nem sempre se referem ao mesmo tipo de
fenómenos e em alguns contextos remetem mesmo para situações distintas.

6. Evolução das condutas agressivas


A maioria das revisões de literatura e investigação sobre a evolução
das condutas agressivas da infância à idade adulta aponta no sentido de uma
elevada estabilidade das mesmas (ver Coie & Dodge, 1998; Farrington, 2000;
Loeber & Hay, 1997; Moffit & Caspi, 2000; Trembley, LeMarquand & Vitaro,
2000), independentemente da metodologia adoptada para a sua medição, isto
é, essa tendência verifica-se quer se trate de estudos que utilizam registos de
observação quer de escalas quantitativas preenchidas pelos professores,
pais, colegas ou mesmo pelo próprio. Este facto parece mais evidente para o
sexo masculino, mas não é de desprezar no sexo feminino (ver Coie & Dodge,
1998, p. 801). Olweus, citado por Loeber & Hay (1997), pôs em evidência o
facto de que "em média a correlação entre as manifestações de agressão no
início da infância ou adolescência e a agressão posterior era de 0.63 (...), o
O problema da violência escolar 99

que constitui um valor tão elevado como o encontrado para o construto de


inteligência, medido através do tempo. Os seus resultados foram replicados
em muitos outros estudos longitudinais baseados em diferentes formas de
agressão..." (ver Loeber & Hay, p. 382).
Vários autores (entre eles, por exemplo, Moffitt & Caspi, 2000)
evidenciaram dois padrões na actividade anti-social. Um padrão que aponta
para conduta anti-social de início precoce (infância) e um padrão de conduta
anti-social de início tardio (adolescência). Os autores agora referidos propõem
uma etiologia diferente para os comportamentos anti-sociais que têm início na
infância e os que têm início na adolescência e prevêem diferentes evoluções
na vida adulta para esses dois grupos, nos dois sexos (ver Moffitt & Caspi,
2000, p. 66). Esta hipótese, dos dois padrões de conduta anti-social, obteve
confirmação, entre outros estudos, a partir da análise dos resultados de uma
investigação longitudinal — estudo de Dunedin, realizado na Nova Zelândia
— que incluía avaliações de indivíduos de ambos os sexos, dos três aos
dezoito anos de idade, realizadas aproximadamente de dois em dois anos.
Moffitt & Caspi (2000) constituíram dois grupos de comparação a partir da
amostra inicial (na ordem dos milhares de indivíduos) que correspondiam às
categorias atrás referidas e que designaram por: "delinquência persistente ao
longo da vida" e "delinquência limitada à adolescência". O estudo permitiu
verificar que: o comportamento anti-social com início na infância, mas não o
comportamento anti-social com início na adolescência, anda associado a
estilos parentais inadequados (aspecto que incluía medidas de criminalidade
dos pais, natureza do vínculo com a mãe, dureza e inconsistência da
disciplina parental, nível socio-económico muito baixo e viver só com um
progenitor); a problemas neuro-cognitivos (aspecto que reflecte avaliações na
infância da inteligência, hiperactividade, níveis de leitura); e a problemas
relacionados com o auto-controlo (indicadores obtidos através de pais e
técnicos sobre temperamento difícil, hiperactividade, tendência a envolver-se
em lutas, rejeição dos pares).
Os referidos autores salientam ainda que os dois grupos parecem
envolver-se no mesmo tipo de actividades delinquentes na adolescência, mas
diferem nos factores de risco (ver Moffitt & Caspi, 2000, pp. 87-95). Assim, "os
membros classificados como ‘delinquentes persistentes ao longo da vida’
apresentam um historial bastante pobre, cheio de factores de risco, entre os
100 Maria José D. Martins

quais se incluem estilos parentais inadequados, riscos neuro-cognitivos,


temperamento difícil, bem como problemas de atenção e hiperactividade. Por
sua vez, os membros do grupo ‘delinquente limitado à adolescência’ apesar de
apresentarem o mesmo grau de envolvimento em comportamentos delinquentes
que os seus pares do outro grupo, tendem a apresentar um historial normativo
ou, às vezes, mesmo acima da média das outras crianças de Dunedin",
parecendo que o principal preditor da delinquência limitado à adolescência era o
convívio com pares delinquentes e, eventualmente, a tendência a aceitar valores
não convencionais (ver Moffitt & Caspi, 2000, pp. 87-88).
Este último aspecto (sobre o papel dos pares na conduta anti-social)
fica um pouco mais esclarecido em um estudo de Vitaro, Trembley, Kerr,
Pagani & Bukowski (1997) sobre a influência dos amigos no desenvolvimento
posterior da delinquência em pré-adolescentes (onze — doze anos) do sexo
masculino. Nesta investigação ficou evidente que o tipo de amigos (com
características agressivas e disruptivas) parece influenciar o envolvimento em
comportamentos delinquentes de pré-adolescentes moderadamente
disruptivos, mas não o de pré-adolescentes muito agressivos e o de pré-
adolescentes não agressivos. Vitaro et al. (1997) discutem os resultados em
função das capacidades preditivas do modelo das ‘características individuais’
e do modelo da ‘influência dos pares’ na delinquência, concluindo que "o
modelo das características individuais foi parcialmente reforçado pelos
resultados de que os rapazes altamente disruptivos e os conformistas
obtiveram. Amigos com diferentes características não tiveram qualquer
impacto diferencial na delinquência posterior (avaliada um ano depois) desses
rapazes. Os rapazes altamente disruptivos eram os mais delinquentes com a
idade de treze anos, independentemente dos seus amigos (...). Uma clara
excepção ao modelo das características individuais, no entanto, foi o facto de
os rapazes moderadamente disruptivos com amigos agressivos e disruptivos
registarem mais delinquência na idade de treze anos que os seus iguais com
outro tipo de amigos, mesmo depois de controladas outras variáveis como os
estilos parentais e o nível sócio-económico. Estes resultados são consistentes
com o modelo da influência dos pares na delinquência" (Vitaro et al., 1997, p.
686). A configuração destes dados parece contribuir para explicar o papel que
a afiliação com os pares tem na delinquência limitada à adolescência e com o
tipo de evolução que esta poderá ter, comparativamente à delinquência de
início precoce (ver Mofftt & Caspi, 2000; Vitaro et al., 1997).
O problema da violência escolar 101

Pleydon & Schner (2001) num estudo sobre o papel das melhores
amigas de adolescentes delinquentes e não delinquentes, do sexo feminino,
verificaram que não havia diferenças nas amizades de ambos os grupos, no
que respeita à vinculação, ajuda, proximidade, lealdade, segurança e
confiança. A diferença mais saliente que existia entre os dois grupos era o
facto das raparigas delinquentes percepcionarem as amigas como exercendo
mais pressão sobre os seus comportamentos que as não delinquentes.
Embora este estudo não se refira ao momento em que foi iniciada a
delinquência destas raparigas, os resultados parecem congruentes com os
anteriormente descritos.
Loeber & Dishion (1983), num estudo de revisão de literatura, já haviam
identificado os seguintes preditores precoces de delinquência masculina
(congruentes com os do estudo atrás referido): o distúrbio de comportamento
na infância; o fraco rendimento académico (insucesso escolar em particular no
domínio verbal); a criminalidade dos pais; e as práticas disciplinares dos pais
(no sentido de pouca supervisão e monitorização das actividades dos filhos
e/ou disciplina coerciva e utilização de punição física). Estas tendências são
visíveis quer em estudos prospectivos, quer em estudos retrospectivos (ver
também Coie & Dodge, 1998; Farrington, 2000, cujos estudos apontam no
mesmo sentido). Farrington (2000, p. 56) faz a distinção entre preditores
comportamentais e preditores explicativos de violência no adulto, o início
precoce da conduta anti-social seria um exemplo de um preditor
comportamental e o tipo de educação parental um exemplo de um preditor
explicativo. O autor salienta ainda que o primeiro é importante para identificar
os sujeitos em risco e o segundo é importante para compreender as causas da
conduta e os processos que a ela conduzem e/ou que a podem prevenir.
Moffitt & Caspi (2000) verificaram ainda, em congruência com os
estudos que acabámos de referir, que o comportamento anti-social de início
precoce é um indicador de comportamento anti-social persistente e
diversificado tanto nos rapazes como nas raparigas, isto é, os indivíduos que
iniciam o comportamento anti-social na infância tendem, mais do que os que
o iniciam na adolescência, a continuar com esse tipo de conduta durante a
vida adulta. Tudo parece passar-se como se os factores de risco identificados
no padrão de início precoce exercessem um efeito cumulativo (ver Moffitt &
Caspi, 2000, pp. 90-91).
102 Maria José D. Martins

Apesar destes impressionantes dados, Loeber & Hay (1997) chamam


a atenção para o facto de alguns adolescentes e adultos desistirem da
conduta criminosa, e para a necessidade de se estudarem as causas que
conduzem à desistência em ambos os padrões de delinquência identificados.
Existe alguma evidência empírica no sentido de que o estabelecimento de um
vínculo afectivo caloroso com um parceiro do sexo oposto, não agressivo, na
vida adulta e/ou a realização profissional em um trabalho estável, contribuem
para a desistência da conduta anti-social (ver Coie & Dodge, 1998; Loeber &
Hay, 1997). Estes autores afirmam que: "Concluímos que a agressão precoce
permite prever a violência posterior, mas a previsão está longe de ser perfeita,
quer em termos de erros de falsos positivos (jovens que estão em risco de
violência mas que não se tornam violentos), quer de erros de falsos negativos
(indivíduos que não eram altamente agressivos na infância e que se tornaram
violentos)" (Loeber & Hay, 1997, p. 385).
A ênfase que tem sido posta na previsão da conduta anti-social e na
compreensão dos processos que conduzem à violência conduziu Loeber (ver
Loeber & Hay, 1997) a propor um modelo desenvolvimentista que inclui três
trajectórias possíveis para a conduta anti-social e/ou delinquência, baseado
na evidência empírica sobre a evolução das condutas anti-sociais. Assim, o
autor identificou três caminhos ou trajectórias possíveis para o
desenvolvimento da conduta anti-social durante a infância e a adolescência:
"A trajectória manifesta ou de expressão exteriorizada iniciando-se, numa
primeira etapa, com agressão menor (aborrecer os outros, vitimizá-los,
‘bullying’); continuando com lutas físicas na etapa seguinte; e com violência
(atacar alguém, forçar sexo) na terceira etapa. As outras trajectórias seriam a
trajectória encoberta (consistindo numa escalada de problemas de conduta
encobertos, como sejam mentir, vandalismo, fraude e furtos sérios), e a
terceira, a trajectória dos conflitos com a autoridade (que diz respeito ao
conflito e evitamento das figuras de autoridade)" (ver Loeber & Hay, 1997, p.
386). Segundo os referidos autores, o problema que se coloca na
identificação dos caminhos é o de que alguns jovens apenas apresentam
problemas de comportamento e agressão de natureza temporária que podem
ocorrer em resposta a provocações temporárias por parte dos pares, sendo
necessário diferenciar este tipo daqueles que tendem a persistir na violência
através do tempo. Loeber & Hay (1997) apresentam, contudo, alguma
O problema da violência escolar 103

evidência empírica de que a maioria dos rapazes que exibem inicialmente


agressão segue o caminho manifesto ou visível, na sua sequência de
desenvolvimento, segundo o postulado pelo modelo das três trajectórias.
Parece ainda que os jovens que seguem o padrão da trajectória manifesta ou
aberta são os responsáveis pelos actos mais criminosos e mais violentos, na
vida adulta, mas é necessária mais evidência empírica que dê apoio a esta
ideia (ver Loeber & Hay, 1997, pp. 386-387).
A continuidade da conduta anti-social pode ser ainda entendida
enquanto co-ocorrência e diversidade das condutas anti-sociais. Assim, em
alguns estudos foi possível estabelecer correlações positivas baixas a
moderadas entre o consumo de drogas, início precoce da actividade sexual e
vários outros actos delinquentes (roubos, vandalismo ...). É de supor que as
correlações tenderão a ser mais elevadas em relação ao padrão ou trajectória
da conduta anti-social considerados (ver Farrington, 2000; Moffitt & Caspi,
2000).

7. Bullying
Como já foi atrás referido, um outro construto que tem vindo a ser
objecto de numerosa investigação e intervenção, nas últimas três décadas, e
utilizado no âmbito da compreensão dos fenómenos da agressividade entre
pares, em contexto escolar, é o construto de bullying. Esta expressão pode
traduzir-se por ‘vitimação e/ou intimidação entre pares’ ou por ‘maus tratos
entre iguais’. A partir daqui utilizaremos estas três expressões como
sinónimas, mantendo na maioria dos casos a expressão anglo-saxónica de
bullying por se ter vulgarizado na literatura (ver Olweus,1999a; Smith,1999).
Aliás, o fenómeno não tem sido investigado apenas em contexto escolar, tem
também sido feita alguma investigação com adultos, em contexto prisional,
laboral e comunitário (ver Randall, 1998). Porém, privilegiaremos a
clarificação do conceito e a revisão dos estudos realizados em contexto
escolar.
Smith & Morita (1999) consideram que o "bullying é uma subcategoria
do comportamento agressivo; mas de um tipo particularmente pernicioso, uma
vez que é dirigido, com frequência repetidas vezes, a uma vítima que se
encontra incapaz de se defender a si própria eficazmente. A criança vitimizada
104 Maria José D. Martins

pode estar em desvantagem numérica, ou só entre muitos, ser mais nova,


menos forte, ou simplesmente ser menos auto-confiante. A criança ou
crianças agressivas exploram esta oportunidade para infligir dano, obtendo
quer gratificação psicológica, quer estatuto no seu grupo de pares, ou, por
vezes, obtendo mesmo ganhos financeiros directos extorquindo dinheiro ou
objectos aos outros" (Smith & Morita, 1999, p. 1).
Alguns aspectos que parecem comuns a todas as definições de
bullying são: a referência ao abuso de poder que alguém exerce sobre outro
alguém; a repetição do comportamento, ou pelo menos a ameaça de que
pode voltar a repetir-se; a intenção deliberada de prejudicar ou magoar o
outro; e a situação de vulnerabilidade da vítima (ver Olweus, 1995; Smith &
Sharp, 1995b; Smith et al., 1999). Este tipo de conduta diferencia-se das
brincadeiras, por vezes de carácter físico e envolvendo contacto corporal nas
quais algumas crianças, sobretudo rapazes, se envolvem, bem como de
brigas ou discussões ocasionais entre pares de igual força e poder (ver
Boulton, 1993; 1995).
O bullying manifesta-se de diversas formas. Os comportamentos que
podem inserir-se nesta categoria são, segundo vários autores (ver Morita,
Soeda, Soeda & Taki, 1999; Olweus, 1995; Smith & Sharp, 1995),
essencialmente de três tipos:
— Directo e físico, inclui bater ou ameaçar fazê-lo; dar pontapés,
roubar objectos que pertencem aos colegas, estragar os objectos
dos colegas, extorquir dinheiro ou ameaçar fazê-lo, forçar
comportamentos sexuais ou ameaçar fazê-lo, obrigar ou ameaçar
os colegas a realizar tarefas servis contra a sua vontade;
— Directo e verbal, que engloba insultar, chamar nomes ou pôr
alcunhas desagradáveis, gozar, fazer reparos racistas e/ou que
salientam qualquer defeito ou deficiência dos colegas;
— Indirecto, que se refere a situações como excluir alguém
sistematicamente do grupo de pares, ameaçar com frequência a
perca da amizade ou a exclusão do grupo de pares como forma de
obter algo do outro ou como retaliação de uma suposta ofensa
prévia, espalhar boatos sobre os atributos e/ou condutas de
alguém com vista a destruir a sua reputação, em suma manipular a
vida social dos pares.
O problema da violência escolar 105

Em um estudo de Baldry & Farrington (2000) é, aliás, proporcionada


alguma evidência empírica sobre as relações ou eventuais sobreposições
entre o bullying e a delinquência em adolescentes italianos dos 11 aos 14
anos. O principal objectivo do estudo dos autores "consistiu em investigar as
características pessoais e os estilos parentais dos adolescentes que eram
simultaneamente bullies (agressores) e delinquentes, dos que apresentavam
apenas um desses tipos de comportamento e daqueles que integravam os
grupos de controlo (não delinquentes e não bullies)" (Baldry & Farrington,
2000, p. 199). Os referidos autores utilizaram um questionário que fornecia
três indicadores: comportamentos de bullying, estilos e práticas disciplinares
parentais, e características pessoais (género, ano de escolaridade,
comportamento pró-social, auto-estima e auto-eficácia); foi ainda utilizada
uma escala de delinquência referida pelo próprio aluno. Os autores
concluíram que: embora relacionados entre si, os dois conceitos parecem ser
indicadores de construtos teóricos diferentes, uma vez que correlacionam
com distintas variáveis; os apenas bullies tendem a ser mais novos e os
apenas delinquentes tendem a ser mais velhos; a delinquência pode ser a
sequência desenvolvimental de certas condutas de bullying. Foi obtida
evidência nesse sentido, em particular para os actos delinquentes de
vandalismo (danos contra a propriedade) em rapazes e raparigas, e para a
violência (danos contra pessoas), apenas nos rapazes, mas não nas
raparigas. Embora considerando que os dois conceitos remetem para
construtos teóricos diferentes, os autores interpretam os dados considerando
que o bullying pode constituir uma parte integrante de um processo de
desenvolvimento que culminaria na delinquência (ver Baldry & Farrington,
2000, pp. 203-217).
Os estudos revistos e a definição proposta para o bullying parecem
indicar que este tipo de condutas podem ser ou não uma manifestação de
distúrbio do comportamento, podem ou não ser violentas, podem conduzir ou
não à delinquência, porém são sempre uma manifestação de conduta
agressiva entre pares.
Olweus (1999a) propõe que se faça uma diferenciação clara entre os
conceitos de bullying, agressão e violência. O referido autor considera que na
violência, ou no comportamento violento, há sempre a utilização da força ou
poder físico sobre o outro, isto é, o agressor utiliza o seu próprio corpo ou um
objecto (e.g., uma arma) para infligir dano ao outro. Assim, violência e bullying
106 Maria José D. Martins

seriam manifestações distintas de conduta agressiva que se poderiam


sobrepor em certas situações (bullying físico e directo). O autor sugere o
diagrama de Venn, que se reproduz na figura 1, para representar as relações
entre os três conceitos mencionados: agressão (um termo mais abrangente),
violência e bullying (ver Olweus, 1999a, pp.12-13).

Agressão

Bullying Violência

Bullying com meios físicos violentos

Figura 1 - Diagrama de Venn mostrando as relações entre os conceitos


de agressão, violência e bullying (extraído de Olweus, 1999a, p. 13)

Nesta linha de ideias, Olweus (1997, p. 501) clarifica que o "bullying


pode ser visto como uma componente de um padrão de comportamento
agressivo mais geral que inclui a conduta anti-social e a sistemática infracção
de regras, como é o distúrbio de conduta". O autor sugere também que as
crianças e pré-adolescentes agressivos e/ou que exibem condutas de bullying
são os que correm maiores riscos de, mais tarde, se envolverem em condutas
criminosas e de abuso de drogas legais e ilegais. Os estudos longitudinais de
Olweus (1999a) parecem confirmar esta ideia de forma clara. O autor obteve
O problema da violência escolar 107

evidência, através dos seus estudos longitudinais com rapazes suecos, de


que a exibição de condutas de bullying entre o 6º ano e o 9º ano de
escolaridade aumenta quatro vezes a probabilidade de criminalidade no início
da idade adulta (medida em termos de condenações e registos oficiais de
crimes), por comparação com o que acontecia com os rapazes que não
exibiam esse tipo de condutas durante a escolaridade obrigatória básica (ver
Olweus, 1999a, p.18). Esta tendência é aliás confirmada por outros autores,
nomeadamente a investigação de Baldry & Farrington (2000), atrás referida,
que parece apontar no mesmo sentido.
Ainda relativamente à definição dos conceitos relacionados com o
bullying, uma investigação de Roland & Idsoe (2001) contribuiu para clarificar
e diferenciar melhor os conceitos de agressão e de bullying. Os autores
propunham-se testar modelos explicativos das relações entre o bullying (na
sua vertente de agressão e vitimação) e a agressão reactiva e proactiva, entre
pré-adolescentes e adolescentes noruegueses que frequentavam os 5º e 8º
anos de escolaridade. A agressão reactiva e a agressão proactiva foram
conceptualizadas num sentido muito próximo do proposto por Coie & Dodge
(1998), isto é, tal como as definimos no início deste artigo. Roland & Idsoe
(2001) subdividiram ainda a agressão proactiva em dois subtipos: a agressão
proactiva relacionada com o poder e a agressão proactiva relacionada com a
afiliação, no sentido de que a procura de poder e de afiliação podem ser dois
motivos possíveis para o agressor alcançar os resultados que pretende obter
(o poder é dirigido para a vítima e a afiliação ocorre entre os agressores, daí
decorrendo emoções positivas para eles). De acordo com as definições dos
três conceitos (bullying, agressão reactiva e agressão proactiva) e com os
resultados da investigação de Coie & Dodge (1998), seria de esperar que o
bullying fosse fundamentalmente uma forma de agressão proactiva, e foi
nesse sentido que os referidos autores o conceptualizaram. Porém, Roland &
Idsoe (2001) chamam a atenção para o facto de existir pouca evidência
empírica que permita classificar o bullying como sendo predominantemente
um tipo de agressão proactiva ou reactiva. Com vista a dar resposta a esta
lacuna, os autores utilizaram e testaram cinco escalas para avaliar estas
diferentes manifestações do comportamento agressivo, bem como as
relações entre elas, a saber: duas escalas para avaliar o bullying (nas suas
componentes de agressão e de vitimação); uma escala para avaliar a
108 Maria José D. Martins

agressão reactiva; e duas escalas para avaliar a agressão proactiva, uma


para avaliar a agressão proactiva relacionada com o poder e outra para
avaliar a agressão proactiva relacionada com a afiliação. Foram ainda
estudadas as relações entre o bullying e as diferentes formas de agressão
enunciadas, em função do sexo e do nível de escolaridade (ver Roland &
Idsoe, 2001).
Os referidos autores verificaram então as seguintes tendências: a
agressão proactiva era um bom preditor do bullying no 5º e 8º anos de
escolaridade (em particular da sua vertente agressiva, mas também da
vitimação no 5º ano de escolaridade); a agressão proactiva relacionada com
o poder era um melhor preditor do bullying para o sexo masculino, e a
agressão proactiva relacionada com a afiliação era um melhor preditor do
bullying para o sexo feminino; a agressão reactiva estava relacionada com o
bullying no 5º ano de escolaridade (quer na sua vertente agressiva, quer na
sua vertente de vitimação), mas não no 8º ano de escolaridade. Em suma, a
agressão reactiva e proactiva estavam diferentemente relacionadas com o
bullying nos 5º e 8º anos de escolaridade (sendo, portanto, a idade um
importante factor na forma como essa relação se processava); os dois tipos
de agressão proactiva relacionavam-se diferentemente com o bullying
consoante o género (ver Roland & Idsoe, 2001). Em suma, não ficou claro que
o bullying fosse predominantemente um tipo de agressão proactiva, na
medida em que parecia sê-lo apenas relativamente aos adolescentes mais
velhos. Nos pré-adolescentes, e provavelmente nas crianças, o bullying
parece identificar-se quer com a agressão reactiva, quer com a agressão
proactiva.
Em resumo, os estudos revistos e as definições propostas para o
bullying parecem indicar que as condutas de bullying podem ser ou não uma
manifestação de distúrbio do comportamento, podem ou não ser violentas,
podem conduzir ou não à delinquência, porém são sempre uma manifestação
de conduta agressiva entre pares, envolvendo algum tipo de domínio ou
abuso de poder de um indivíduo, ou grupo de indivíduos, sobre alguém que
se encontra indefeso.
As investigações sobre o bullying são relativamente recentes e o
interesse pelo construto começou nos finais dos anos setenta, nos países
escandinavos, com os estudos empíricos de Olweus (1995, 1997, 1999a).
O problema da violência escolar 109

Este autor descreveu pela primeira vez a natureza e extensão do problema


com base em questionários de comportamentos referidos pelo próprio (self-
report). Um dos factores que terá contribuído para o acrescido interesse pelo
tema terá sido a notícia, difundida na comunicação social, do suicídio de
algumas crianças na sequência de terem sido vítimas de bullying, de acordo
com os registos escritos por elas deixados (ver Olweus, 1999b). Assim, a uma
preocupação da sociedade civil (escandinava e inglesa, inicialmente) e a um
debate na comunicação social nos anos oitenta, seguiu-se um período de
investigação e de elaboração de programas de prevenção nas escolas. Desde
então, essa preocupação alargou-se a outros países, conduzindo a várias
linhas de investigação nos países da União Europeia, tendo já muita dessa
investigação conduzido à implementação e avaliação de projectos e
programas de prevenção e/ou intervenção, quer ao nível das escolas, quer ao
nível da comunidade. O programa escandinavo de Olweus (1995,1997); o
projecto de Sheffield em Inglaterra, no início dos anos noventa (ver Sharp &
Smith, 1995; Smith & Sharp, 1995); o projecto de Sevilha, em Espanha (ver
Ortega, 1997; Ortega & Mora-Merchan, 1999); os estudos da Universidade do
Minho, em Portugal (ver Almeida 1999; Almeida & Del Bairrio, 2002; Pereira,
Almeida, Valente & Mendonça, 1996; Pereira, 2002); os programas sob a
orientação de Diaz-Aguado, em Madrid (ver Diaz-Aguado, 1996; Diaz-
Aguado, Royo, Segura, Andrés & Martinez, 1996a, 1996b; Diaz-Aguado,
Royo, Segura & Andrés, 1996), são exemplos significativos desse tipo de
programas.
Dado o carácter recente da investigação sistemática nas escolas sobre
este construto especifico, não é prudente fazer afirmações relativamente ao
aumento ou diminuição do fenómeno ao longo dos últimos anos (excepção
feita para as situações em que foram avaliados os efeitos dos programas de
intervenção), contrariamente ao que acontece com o construto de
delinquência, cuja base são os registos criminais na polícia ou nos tribunais.
No entanto, não parece tratar-se de um fenómeno recente, é provável que
sempre tenha havido bullying nas escolas, em diferentes graus, consoante o
tipo de escola e de população nela envolvido.
A pertinência da investigação sobre o tema torna-se evidente por
várias ordens de razões:
110 Maria José D. Martins

— O efeito pernicioso que este tipo de comportamento pode ter no


clima da escola, na vida das vítimas e dos agressores (ver Sharp &
Smith, 1995; Smith & Sharp,1995);
— O desenvolvimento que este tipo de conduta pode ter, quer nas
vítimas (e.g., problemas de auto-estima e depressão no adulto,
segundo estudos de Olweus, 1997), quer nos agressores (e.g., no
sentido da delinquência, segundo sugerido pelos estudos de
Olweus, 1997, 1999a; e de Baldry & Farrington, 2000).

8. Conclusão — e a violência escolar?


Os conceitos e estudos revistos parecem indicar que sob a designação
de ‘violência escolar’ podem encontrar-se múltiplos fenómenos que, apesar
de relacionados, apresentam diferentes graus de gravidade e diferentes
causas. Aliás, o conceito de ‘violência’, vulgarizado na linguagem corrente,
parece ser o mais difícil de definir e operacionalizar (ver Debardieux, 2002).
Vários autores (por exemplo, Lorenz, 1979) consideram que a
agressividade existe em várias espécies animais, tem valor adaptativo e está
ao serviço da conservação da espécie. Contudo, o conceito de violência é
geralmente reservado apenas para a espécie humana. Sanmartín (2002, p.
22) sugere que a violência consiste numa agressividade fora de controlo, ou
numa agressividade hipertrofiada, na medida em que a conduta agressiva
cessa com a submissão do outro, mas não a conduta violenta, que pode
mesmo conduzir à morte. Neste sentido, a expressão ‘violência escolar’
deveria limitar-se às situações mais graves de conduta anti-social que infligem
danos contra pessoas e que ocorrem no contexto escolar. Na maioria das
situações deveria privilegiar-se a utilização dos restantes conceitos, porque
remetem para comportamentos mais frequentes e menos graves, além de
serem mais fáceis de operacionalizar e definir. De qualquer modo, delimitar a
fronteira entre a agressão com função adaptativa e a violência será sempre
uma tarefa controversa e difícil, que remete para questões mais do domínio
da ética do que do domínio científico.
O problema da violência escolar 111

Nota
1 Este artigo constitui parte de um capítulo da fundamentação teórica da tese de
doutoramento que a autora apresentou na Universidade da Extremadura
(Espanha), sob orientação do Professor Doutor Vicente Castro e da Professora
Doutora Diaz-Aguado.

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THE ISSUE OF SCHOOL VIOLENCE: A CLARIFICATION AND A DIFFERENTIATION


OF CONCEPTS

Abstract
In this article we review the literature and reflect about the theme of school
violence, and also about all the concepts that are related with that theme,
namely: indiscipline, anti-social conduct, delinquency, conduct disorder and
bullying. We clarify and differentiate these concepts in view of their operational
definition and relation in future investigations.
O problema da violência escolar 115

LE PROBLÈME DE LA VIOLENCE SCOLAIRE: UNE CLARIFICATION ET


DIFFÉRENCIATION DES CONCEPTS

Résumé
Dans cet article on fait une révision de la littérature et une réflexion sur le
thème de la violence scolaire, de même que sur tous les concepts en relation
avec ce théme, notamment: indiscipline, comportement antisocial,
délinquance, perturbation de la conduite et bullying. On clarifie et on
différencie ces concepts en vue d’une définition opérationnelle au sens de
futures investigations.

Toda a correspondência relativa a este artigo deve ser enviada para: Maria José D. Martins, Escola
Superior de Educação de Portalegre, Praça da República, 7300 Portalegre, Portugal. Telef.:245
339400; Fax: 245 339467; e-mail: mariajmartins@mail.esep.ipportalegre.pt
INTRODUÇÃO

O presente estudo centrou-se na avaliação do contributo das políticas de segurança


escolar desenvolvidas no âmbito do Programa Escola Segura para a concretização das
políticas de integração, inclusão e igualdade educativa e social em contextos escolares
marcados pela diversidade e complexidade social e cultural. Procurou-se desse modo
avaliar a forma como se concretiza ao nível territorial a articulação entre o Programa
Escola Segura e os programas centrados na inclusão e igualdade educativa e social, de
forma a identificar os bloqueios e as potencialidades de colaboração entre os agentes e
instituições responsáveis pela concretização das políticas públicas, com o objetivo de
especificar os elementos centrais de uma metodologia integrada de intervenção
(prevenção e regulação) da violência nas escolas e nas comunidades, passível de
difusão alargada no sistema educativo e comunidades locais.

Para a concretização deste objetivo central, o plano de investigação foi subdividido


em cinco objetivos específicos:

1. Avaliação da eficácia local das políticas de prevenção e controlo de


comportamentos violentos nas escolas, centradas no Programa Escola Segura;

2. Identificação e caracterização das instituições formais e dos agentes sociais locais


que no território concretizam as orientações e medidas de políticas públicas, nas
diversas áreas associadas à intervenção no âmbito da violência, integração social e
igualdade de género;

3. Análise das conceções e práticas de intervenção relativas à violência desenvolvidas


pelas instituições formais e pelos agentes sociais locais;

4. Análise aprofundada sobre as dinâmicas de articulação da intervenção das


instituições formais e dos agentes sociais locais, com particular enfoque na
articulação entre a intervenção nas dinâmicas de prevenção e regulação da violência
em contexto escolar e os programas comunitários de integração e inserção social para
jovens, designadamente os relativos à transição para a vida ativa, integração de
minorias étnicas e igualdade de género;

5. Identificação dos elementos centrais de uma metodologia integrada de intervenção


(prevenção e regulação) da violência em contexto escolar e comunitária, mediante a
sistematização de princípios, objetivos e estratégias de intervenção que possibilitem a
sua disseminação e implementação em diferentes contextos e territórios.

Com esta investigação considerou-se, portanto, a análise dos vários dimensões de


produção da violência na escola e a clarificação das circunstâncias e esferas de
intervenção acionadas na regulação da violência. A abordagem metodológica
desenvolvida centrou-se numa análise integrada e sistemática das diversas estratégias
de intervenção socioeducativa em contextos sociais complexos. A triangulação das
técnicas de análise contribuiu para uma maior complementaridade e riqueza da
informação recolhida, facilitando o processo de interpretação e compreensão das

8
condições produtoras de violência e das esferas de intervenção (prevenção e regulação)
acionadas.

Visando contribuir para futuras estratégias e mecanismos de prevenção e intervenção


a avaliação e estudo prospetivo realizou-se no concelho do país em que se verificou o
maior número de ocorrências nos últimos quatro anos letivos (entre 2006 e 2010).
Neste concelho da Área Metropolitana de Lisboa foram selecionados três territórios
distintos, representado cada um por uma escola de 2º e 3º ciclos do Ensino Básico,
todas integradas no programa ministerial Territórios Educativos de Intervenção
Prioritária, com situações de violência escolar relevantes e onde se identificaram em
estudos anteriores capacidades de regulação e prevenção das situações de violência
diferenciadas. Nesse sentido, o caminho a percorrer para a persecução dos objetivos
deste estudo privilegiou o cruzamento entre estratégias metodológicas de investigação
diversas combinando técnicas de recolha de informação intensivas, de inspiração
etnográfica e de investigação participativa, com outras de caráter mais extensivo.

9
I. VIOLÊNCIA, CONTROLO DISCIPLINAR E ESTRATÉGIAS DE
INTERVENÇÃO

1. A VIOLÊNCIA NA ESCOLA COMO PROBLEMA SOCIAL

1.1. TRANSFORMAÇÕES NO SISTEMA EDUCATIVO E VIOLÊNCIA NA ESCOLA

Na segunda metade do século XX a violência na escola era um problema


essencialmente discutido em círculos académicos restritos ou pelos diversos atores
educativos envolvidos nos incidentes. A divulgação persistente dos acontecimentos de
violência na escola nos meios de comunicação social levou a que este problema
adquirisse uma significativa visibilidade pública, transformando-se numa questão
relevante no debate educativo e político a nível internacional que se traduziu pelo
desenvolvimento de medidas políticas e recomendações em diferentes países e
organizações internacionais. Contudo, a nível nacional, o aumento da visibilidade do
fenómeno nem sempre correspondeu a um aprofundamento da problemática nem a
um efetivo esclarecimento da sua real importância nas escolas portuguesas.

A adaptação da escola às transformações nas sociedades contemporâneas é um


elemento chave na compreensão da relevância social atribuída à violência na escola.
A massificação acelerada dos sistemas educativos, os efeitos da globalização sobre os
contextos nacionais e locais e a perceção do aumento das situações de risco na
infância são fatores que isoladamente ou de forma cruzada, conduziram a um aumento
da preocupação sobre a segurança nas escolas e se traduziram em políticas e medidas
diversas num número crescente de países (Sebastião, Alves e Campos, 2010).

Um outro fator relevante pode ser encontrado nos efeitos do prolongamento


generalizado da escolaridade obrigatória e da real abertura da escola a todos, o que
implica a redefinição dos objetivos educativos, das formas de organização e de
trabalho pedagógico tendo em conta o impacto da crescente diversidade sociocultural.
Estas exigências constituíram-se como desafios específicos para cada escola, desafios
esses que se cruzam com a carga e memória histórica que o sistema educativo carrega
consigo. As estruturas institucionais, modelos organizacionais e práticas profissionais
ou mesmo os edifícios escolares são neste sentido marcados pela sobreposição dos
vários ciclos de expansão da escolaridade ao longo dos dois últimos séculos
(Sebastião, 2009b) .

A escola constitui uma instituição relevante da primeira grande vaga da modernidade


pela sua capacidade de atrair as populações, por um lado, porque proporcionava
formas de mobilidade social ascendente e, por outro, porque contribuía para a
manutenção dos estatutos e privilégios sociais previamente adquiridos (Sebastião,
2009b). Esta O reconhecimento desta "vocação" fez com que se criasse uma relativa
estabilidade das representações sociais e das estratégias face à escola (especialmente
das classes médias). Contudo, as transformações económicas e sociais recentes

10
vieram colocar em causa as funções sociais da escola e a realidade da transição para o
mercado de trabalho (particularmente na Europa).1

O debate sobre a violência na escola expressa ainda alguns dilemas societais,


nomeadamente do confronto das sociedades com a imprevisibilidade, na medida em
que instituições centrais, como a escola, parecem perder capacidade para contribuir
para algum sentido de segurança ontológica (i.e. capaz de proporcionar um sentido de
ordem e continuidade nos quadros de vida dos grupos e indivíduos).

A sensação de segurança face ao futuro que a escola dava às novas gerações converte-
se num sentimento de incerteza quanto aos benefícios potenciais da educação, uma
procura desencantada de educação (Grácio, 1986), resultante das transformações
radicais no mercado de trabalho (Canário, 2008). Esta transformação teve efeitos
particulares em Portugal uma vez que o "desencanto" ocorreu sobretudo em
indivíduos provenientes de grupos sociais pouco escolarizadas cujas famílias
realizaram esforços significativos para que os seus filhos atingissem níveis elevados
de escolaridade.

Cumulativamente, o aumento da referida atenção mediática da violência na escola


leva a que se passe a encarar a escola como um contexto cada vez mais heterogéneo e
conflitual, um espaço inseguro ou mesmo potencialmente perigoso, contribuindo
deste modo para mudar as conceções sociais sobre as condições em que a violência se
desenvolve (Sebastião, Alves e Campos, 2010). A difusão de interpretações parcelares
de conceitos produzidos no campo científico (Sebastião, Alves e Campos, 2003),
como o bullying, vem aumentar a visibilidade e a preocupação societal sobre esta
problemática. Transmite-se a ideia de que a escola "não é capaz" ou não tem recursos
para agir, já que a violência radicaria não apenas em fatores escolares mas em
profundos processos de desagregação social.

Noutro sentido pode ainda ser constatado um declínio da conceção moderna de


infância (Smith, 2012; Vandenbroeck e Bouverne-De Bie, 2006) e uma maior
fragmentação das representações sociais sobre as crianças (Sarmento e Cerisara, 2004;
Almeida, 2009). Uma mudança nos modos de vida infantis que expressa alterações
profundas nas práticas de socialização familiares, no enquadramento normativo e
práticas institucionais associadas à infância e nas decisões coletivas e individuais
relativas aos percursos escolares (Charlot, 2002; Sebastião, Alves e Campos, 2003;
Almeida, 2009). Estas transformações produzem efeitos no modo como atualmente
nos relacionamos com as crianças, uma vez que a infância passa a ser
progressivamente entendida como uma fase de vida em que as crianças se encontram
tendencialmente confrontadas com situações de risco. As famílias reduzem as
experiências e atividades antes acessíveis às crianças (brincar na rua, ir a pé para a
escola, etc.), atividades essas que são reclassificadas como perturbadoras ou perigosas
e os adultos que as permitem considerados negligentes (Gill, 2007:10). Dá-se portanto
um processo de "institucionalização" ambivalente (Sarmento, 2008:30), resultante do

1Esta situação é experimentada de forma muito diferente nos diversos pontos do globo. Nos países em
que o crescimento económico tem sido elevado na última década (por ex. nos chamados BRICS ou
economias emergentes) o défice de qualificações existente coloca a questão de forma inversa,
encontrando-se a escola numa situação de alargamento sem perca da sua capacidade de atração .

11
aumento da supervisão e regulação das crianças por adultos, do enquadramento
permanente por instituições especializadas na infância e do fechamento da família.
Neste sentido, o alargamento e diluição espacial e temporal das fronteiras protetoras e
a difusão da perceção das crianças como vítimas e geradoras de riscos leva portanto a
uma tentativa de controlo do risco (Korbin, 2003; Gill, 2007).

Este conjunto de transformações sociais favoreceu o aumento da preocupação sobre a


segurança nas escolas, contribuindo assim para a construção de representações sociais
essencialmente negativas sobre a problemática da violência na escola.

1.2. REPRESENTAÇÕES SOBRE A VIOLÊNCIA

Segundo Leal (2010:394), as perceções sobre a violência e os riscos a ela associados


são construções sociais que condicionam as práticas e representações na relação com
os outros, as suas motivações para o comportamento desviante, e a eficácia dos
mecanismos de controlo social.

Uma das ideias vulgarmente aceites é de que a violência está associada a


características individuais dos alunos e à socialização familiar (consequência das
condições e modos de vida precários). Os conflitos na escola resultariam nesta
perspetiva de causas "evidentes" como o insucesso escolar, o abandono precoce da
escola ou a ausência reiterada, a pertença a uma minoria étnica ou grupo
socioeconómico desfavorecido. A ambiguidade do controlo escolar sobre as situações
de violência tem contribuído em parte para a reforçar estas conceções, nomeadamente
a ideia de que a violência na escola é causada por fatores exteriores e que o seu
aumento progressivo resulta de processos de degradação civilizacional e do
desrespeito pelos valores e pela cultura dominante.

A naturalização das situações de violência resulta em parte do seu entendimento como


uma característica típica da adolescência e juventude e que justificaria inclusivamente
a reduzida intervenção dos adultos da escola. Neste sentido a violência na escola é
entendida como um comportamento desviante juvenil específico, manifestando-se
como uma fase passageira que não tende a evoluir para um padrão de violência
permanente nos estágios mais tardios de desenvolvimento (Fuchs, 2008:30).

Numa outra vertente, constata-se ainda a naturalização da violência no interior de


escolas situadas em contextos sociais desfavorecidos. Os incidentes são entendidos
como um elemento estrutural desses contextos e como estando num crescendo
acelerado e incontrolável. Nesta conceção as escolas são vistas como estando
expostas e desmunidas de recursos para atuar, contribuindo consequentemente para a
degradação dos valores e da erosão social.

Todavia, os resultados da investigação e da intervenção desenvolvidas neste domínio


não sustentam as teses da determinação pela "herança social" (Visser, 2006; Sebastião,
Alves e Campos, 2010), nem a perceção de uma "escalada" de violência (Fuchs, 2008;
Carra, 2009a). Inclusive, tem-se vindo a verificar que a violência na escola é um
fenómeno transversal a todos os grupos sociais e que a sua difusão e intensidade são
reduzidas. O que não significa que esta não ocorra ou que não necessite do

12
planeamento e implementação de estratégias de prevenção e intervenção. A designada
violência de baixa intensidade (Dupper e Meyer-Adams, 2008:164) remete justamente
para os atos recorrentes de “pequena” violência, com reduzida gravidade, cuja
persistência nos quotidianos escolares tem impactos altamente negativos e a longo
prazo para os alunos. Não deixa no entanto de ser notável a divergência existente
entre a perceção popular (escalada de violência) e a evidência empírica (redução
sustentada dos incidentes ao longo da última década) (Mayer e Furlong, 2010; Fuchs,
2008; Matos, et. al., 2010).

2. A VIOLÊNCIA COMO PROBLEMA CIENTÍFICO

A violência na escola surgiu como tema com uma significativa vitalidade na agenda
científica a partir dos anos 1970, marcada pela preponderância de propostas teóricas
inspiradas no conceito de bullying. Esta presença fez-se notar pelo aumento crescente
das investigações sobre o fenómeno e pela constituição de um campo de especialistas
(Brown e Munn, 2008). Desenvolveram-se diferentes abordagens, pautadas pela
crescente controvérsia acerca do carácter individual e patológico frequentemente
atribuídos aos comportamentos violentos (Bansel, et. al., 2009).

A desocultação dos processos sociais associados à violência (Casella, 2002; Korbin,


2003; Visser, 2006; Braun, Maguire e Ball, 2011) alertou os investigadores para os
enviesamentos analíticos produzidos pela descontextualização dos comportamentos
individuais (Fuchs, 2008). Neste âmbito, a pesquisa adquire uma maior amplitude
analítica, considerando o "estudo dos atores em contexto" (Torres e Palhares, 2010:
158). Ou seja, a análise desta problemática passa a considerar como centrais tanto os
quadros culturais em que a violência se produz (socialização entre pares e
comunitária) como os contextos normativos e organizacionais em que os atores
educativos desenvolvem diferentes formas de ação. (Sebastião, 2009; Sebastião,
Campos e Merlini, 2012a; Sebastião, 2013). Estas abordagens desenvolveram-se
impulsionadas pela maior procura de conhecimento sobre a violência na escola e
pelas diversas tentativas de a definir.

Um dos contributos centrais no desenvolvimento do debate científico sobre a


violência na escola foi a proposta de bullying de Dan Olweus em 1973. O facto desta
pesquisa partir da Psicologia marcou a evolução da produção científica, com a
predominância do conceito de bullying por várias décadas (Smith et al., 2002).
Olweus começou por classificar o bullying como comportamento individual,
distinguindo-o de mobbing (comportamento coletivo) (Smith, 2013). De uma forma
genérica, o bullying caracteriza-se pelo assédio ou intimidação repetida entre alunos,
implicando uma intenção deliberada de provocar dano a um colega por parte do aluno
ou do grupo de alunos, caracterizado pelo desequilíbrio de forças, a existência de atos
repetitivos e uma situação de dominação e anulação da vítima.

Desenvolveram-se entretanto outras definições como a de “comportamentos de risco”


e de “comportamento antissocial” e o bullying passa a ser considerado uma forma
particular do comportamento agressivo (Smith, et. al., 2002). A noção de
comportamento de risco, promovida pela Organização Mundial de Saúde, inclui
categorias baseadas nas ofensas sofridas ou nos danos infligidos, cujos custos

13
humanos, sociais e económicos deverão ser reduzidos (OMS, 2005). Automutilação
(suicídio, consumos de drogas legais ou ilegais), ofensas a outros (homicídio,
agressão, etc.) ou à sociedade (vandalismo, discriminação, etc.) estão considerados
nos comportamentos de risco e esta definição é particularmente comum nas
investigações epidemiológicas. Por sua vez, o conceito de comportamento antissocial
encontra-se mais associado às pesquisas na área da psicologia, sociologia e
criminologia. Aborda um leque de comportamentos como a violência física, as
ameaças e outro tipo de atitudes delinquentes, nomeadamente o roubo, o uso de
drogas e ofensas associadas ao incumprimento de regras, entre elas as escolares
(Carra, 2009a; Veenstra e Dijkstra, 2011).

Apesar de comummente aceite e valorizada nas ciências sociais e humanas, a


diversidade conceptual e algum fechamento disciplinar sobre este fenómeno têm
dificultado a procura de linhas de contacto entre as várias abordagens científicas. A
utilização de termos semântica e conceptualmente próximos, como bullying, violência,
indisciplina, agressividade ou incivilidade, quando utilizados sem referência aos
contextos teóricos em que foram produzidos, confunde o diagnóstico e a intervenção.
É possível superar parcialmente estes problemas se adotarmos uma definição de
violência entendida como forma de ação num quadro de relações interpessoais2: "um
comportamento levado a cabo por uma pessoa (o agressor) com a intenção de magoar
outra pessoa (a vítima) cuja qual o agressor acredita estar motivada para tentar evitar
essa ofensa" (Anderson, 2000: 68). Centramos assim a análise na relação entre a
intencionalidade e tipos de agressão, que podem assumir formas físicas ou
psicológicas, distinguindo-se desta forma de situações acidentais ou resultantes de
consequências não esperadas. Podemos então classificar as situações de violência
separando aquelas que possuem características de tipo reativo/afetivo, em que a
agressão constitui um objetivo em si mesma, das de tipo proactivo /instrumental em
que a violência constitui um meio para alcançar um fim. No primeiro caso a
finalidade é magoar o outro, resulta de uma reação emocional a um impulso, a uma
provocação ou atitude hostil, e esgota-se na agressão; no segundo caso a agressão é
meramente instrumental para obter algo em troca, podendo não passar da ameaça se a
vítima aceitar tacitamente as condições do agressor.

2
Consideramos nesta definição apenas as situações de violência interpessoal, deixando de lado as
formas de violência institucional existentes na escola ou outras formas de violência social. Tal não
significa adotar uma abordagem individualista, mas antes delimitar algumas das dimensões centrais do
fenómeno no quadro da escola, centrando a análise nos processos relacionais que nela se produzem.

14
Quadro 1 - Relação entre agressão e intencionalidade

Tipo de Agressão
Física Psicossocial
O principal motivo é magoar o alvo,
Reativa/ reação emocional baseada em fúria,
que ocorre tipicamente em resposta Comportamento
Intencionalidade

Afectiva que
à provocação. procura ferir outros ao
Ocorre na ausência de provocação prejudicar o seu estatuto
deliberada, é desencadeada para social ou relações de
Proactiva/ obter algo em troca. O agressor tem amizade (agressão indireta
Instrumental a expectativa de que a agressão ou relacional).
física tenha consequências positivas
de carácter instrumental.
(Sebastião, 2009: 41)

Tendo por base esta distinção prévia podemos definir a violência como "atos
caracterizados pela agressão intencional, seja esta física ou psicossocial, podendo
assumir formas reativas/afetivas ou proactivas/instrumentais" (Sebastião, 2013:27).
Nesse sentido, a violência é uma configuração relacional particular marcada pela
tensão confrontacional (Collins, 2008), interação que incorpora tendencialmente
relações de poder assimétricas entre os atores (Sebastião, 2013). A limitação da
capacidade de reação das vítimas às consequências da agressão, seja pelo uso da força
física ou de mecanismos de pressão psicológica, coloca-as numa situação particular
de desproteção, impedindo muitas vezes o acionamento dos sistemas de regras
institucionais. Assim, um agressor caracteriza-se por ser tipicamente um indivíduo
que utiliza formas de poder (que são suportadas por agressividade física, verbal ou
psicológica) com o objetivo de, simultaneamente, anular a capacidade reguladora do
sistema de regras e de desencadear, ao nível relacional, um processo de dominação de
um ou mais indivíduos. A vítima nesta perspetiva é tipicamente um indivíduo que não
possui capacidade para resistir aos processos de dominação nem para ativar para sua
proteção o sistema de regras sociais da escola (Sebastião, 2009a: 46).

A anulação dos sistemas de regras pelos agressores (Domingues, 1995; Munn, et. al.,
2007; Brown e Munn, 2008; Carra, 2009a; Braun, et. al., 2011) expressa a
importância de investigar as variáveis organizacionais e os processos de intervenção
em situações de violência na escola, e implica adotar uma abordagem que enquadre as
esferas de intervenção e ação das instituições formais e dos agentes sociais e os
mecanismos que estruturam e regulam as conceções e práticas de violência. Trata-se
de perspetivar a violência enquanto forma de ação contingente, que traduz uma
configuração relacional particular com quadros de possibilidades diversos, em que
diferentes tipos e graus de tensão podem levar (ou não) a situações de confronto.

15
Figura 1 - A violência enquanto forma de ação contingente

Processos longos de socialização


Práticas institucionalizadas
institucional
de regulação da violência (processos de aprendizagem dos sistemas
(estado, escola, segurança social,
de regras formais)
autarquias, etc.)

A violência Processos de estruturação das


Processos de regulação enquanto forma conceções e atitudes violentas
social das conceções e de ação
práticas de violência contingente

Fonte: Sebastião, 2013:2


Práticas informais de Processos longos de socialização
regulação da violência comunitária (aprendizagem de
(família, pares, etc.) quadros e modelos sociais e culturais
9 grupais)

As conceções e atitudes violentas estruturam-se como resultado dos diversos


processos de socialização de que os indivíduos são alvo; dos modos de regulação da
violência e das características particulares dos contextos em que estas interações se
desenvolvem. Nesse sentido, a violência pode acontecer ou não, dependendo por
exemplo da existência ou da eficácia dos processos de regulação existentes na escola.
A violência em meio escolar é portanto uma problemática que nos chama a olhar de
forma abrangente e cruzada para a escola através de perspetivas políticas e
interdisciplinares. Foi com base nestes referenciais e nos elementos chave para a
análise da violência na escola que se procurou aprofundar o fenómeno ao longo dos
anos no Observatório de Segurança Escolar (OSE), através de uma estratégia
metodológica abrangente e compreensiva. O Ministério da Educação contratualizou
com uma equipa de investigação, posteriormente designada por OSE (Observatório de
Segurança Escolar), a elaboração e implementação de um instrumentos de inquirição
sobre o fenómeno da violência na escola em Portugal, a nível continental nas escolas
públicas. A identificação de "anomalias estatísticas" aquando da análise dos dados
reportados pelas escolas portuguesas ao OSE (Sebastião, Alves e Campos, 2010) veio
questionar algumas das conceções socialmente difundidas sobre o problema. A
constatação da existência de escolas territorialmente próximas com taxas muito
distintas de ocorrências de violência levaram a que se reafirmasse o princípio
sociológico que incita a analisar criticamente as evidências relativas aos factos da
vida social, transformando essas anomalias em elementos heurísticos fundamentais
para a análise dos processos e mecanismos sociais em geral e da escolarização e
situações de violência em particular.

16
Para aprofundar o conhecimento sobre o fenómeno da violência na escola a equipa do
OSE recorreu a uma combinatória de métodos extensivos e qualitativos em três níveis
de análise da difusão das situações violência. A nível macro analítico realizou-se a
recolha e análise de dados nacionais coletados através do formulário eletrónico online
situado na rede informática do Ministério da Educação, através do qual as escolas
devem fazer o registo obrigatório das ocorrências de violência.

Um segundo nível de análise pautou-se pelo desenvolvimento de pesquisas que


tomaram os territórios educativos (agrupamentos de escolas) ou escolas isoladas
como unidades analíticas, centradas numa perspetiva organizacional, territorial e
comparativa. A nível micro analítico centrou-se na observação participante e na
inquirição de atores chave da comunidade educativa e local (como os diretores da
escola, delegados de segurança3, professores, alunos e agentes locais com intervenção
nesta matéria). Quer a nível meso, quer a nível micro analítico recorreu-se ainda a
técnicas de recolha de informação por aplicação de inquéritos por questionário 4 ,
entrevistas semiestruturadas, realização de grupos focais, análise de redes, análise
documental e observação participante. O tratamento e análise dos dados recolhidos
pautou-se pela combinação de diferentes métodos e técnicas como a análise de redes
sociais – com recurso ao software UCINET – análise de conteúdo – com recurso ao
software MAXqda - análise documental e análise estatística – com recurso ao
software SPSS.

O uso de informação de diferentes tipos permitiu a construção progressiva de uma


visão multifacetada do tipo e extensão das situações violência. Devido à informação
peoduzida pelo OSE nos últimos anos, hoje podemos estabelecer a evolução do
número de ocorrências registadas por região e escola e é possível mapear a sua
difusão. A relativa estabilização do número de escolas que participam ocorrências
traduz a fiabilidade do formulário eletrónico, na medida em permite confiar que o
registo é uma prática sustentada e de que é possível caracterizar com algum rigor a
distribuição das situações violentas. Contudo, apesar de podermos traçar um quadro
global da difusão de situações de violência, há ainda pouca informação sobre as
estratégias de intervenção das escolas, e a recolhida revela que muitas têm
dificuldades em atuar de forma eficaz. Entre os elementos potenciadores das situações
de violência estão o fraco conhecimento sobre a situação da própria escola,
mecanismos de intervenção desadequados ou insuficientes e a preocupação reduzida
com os processos de inclusão e integração educativa de alunos socialmente e
culturalmente diferenciados.

3
Responsáveis pela gestão disciplinar da Escola, habitualmente são professores membros da direção,
assumindo a função de participar as ocorrências ao Ministério da Educação, através do formulário
eletrónico.
4
A opção pela aplicação dos inquéritos numa plataforma online em software especializado –
limesurvey – revelou-se vantajosa tanto ao nível da eficiência como da eficácia do processo de
inquirição. Um exemplo demostrativo disso mesmo foi o inquérito realizado a uma amostra de 792
alunos. Com a colaboração das escolas, foi possível colocar os alunos responder a partir de
computadores com ligação à Internet, em sessões coletivas, contando para o efeito com o apoio
presencial de membros da equipa de investigação. Além de evitar os habituais erros de inserção de
dados, este processo agilizou o tempo de tratamento dos dados e consequentemente da sua análise.

17
3. DESIGUALDADES ESCOLARES E CONTROLO DISCIPLINAR

3.1. DISTINÇÕES TERRITORIAIS E DESIGUALDADES ESCOLARES

A distribuição das escolas no território português tem historicamente resultado das


decisões do estado central, e raramente da exigência ou participação das comunidades
locais, que têm mantido uma relação historicamente distanciada com os
estabelecimentos escolares, vistos como agências locais do estado central. Apesar
desta relação distanciada, não podemos afirmar que o seu funcionamento seja
estritamente determinado pelas políticas e normativos definidas a nível central. Os
quotidianos escolares constituem contextos sociais e organizacionais complexos, já
que nele se cruzam, muitas vezes de modo conflitual, os efeitos das políticas de
educação, os entendimentos normativos particulares dos vários intervenientes, as
conceções pedagógicas e sociais de professores e pais e a intervenção de outras
instituições locais com responsabilidades na área da infância e segurança.

Nesse sentido a escola é construída como um espaço de confronto de conceções e


estratégias políticas e sociais dos diversos grupos interessados (perdendo a imagem de
uma aparente neutralidade), podendo as estratégias de intervenção sobre a violência
na escola (pedagógicas, disciplinares e organizacionais) ser entendidas como um
indicador das suas dinâmicas internas, enquanto resultante das orientações presentes
nas políticas educativas e os entendimentos sobre a violência construídos em cada
escola e comunidade educativa.

Atualmente, verifica-se um entendimento bastante mais estruturado das políticas de


segurança no sistema educativo português do que identificada há uma década atrás
(Sebastião, Campos e Almeida, 2002). Os estudos realizados no âmbito do OSE
contribuíram para mostrar que uma parte muito significativa das situações de
violência na escola radicavam de facto no seu interior e resultavam em grande parte
da própria lógica escolar.

O desenvolvimento centralizado do sistema educativo português incorporou como


nuclear a conceção política que a distribuição igualitária de recursos pelo estado
central produz resultados mais equitativos no acesso aos vários tipos de recursos
escolares por parte de toda a população. Nesta perspetiva, o sistema educativo tem
sido organizado de modo progressivamente uniforme através do território,
considerando-se que as diferenças entre escolas resultam essencialmente de fatores
externos como a estrutura social e económica local. Apesar do sucesso relativo desta
conceção na difusão da escolaridade, a pesquisa sociológica tem vindo a demonstrar
que a aplicação da conceção de uniformidade da oferta educativa não corresponde a
uma homogeneidade efetiva de condições de frequência. Constata-se designadamente
diferenças resultantes de processos de seletividade interna nas escolas e diferenças
resultantes dos fatores ligados à divisão social do espaço urbano (Campos e Mateus,
2001, 2002; Sebastião, 2009; Abrantes e Sebastião, 2010).

As escolas diferenciam-se pela sua inserção espacial, dimensão e qualidade dos


equipamentos, composição social dos seus públicos, qualificações dos seus
professores, níveis de sucesso escolar, etc. O efeito cumulativo das combinações entre

18
estes indicadores produz hierarquias de prestígio relativo entre escolas, levando ao
agravamento da seletividade no acesso às escolas ou na organização do próprio
processo de ensino e aprendizagem, ou ainda, na fraca capacidade para atraírem e
fixarem os professores mais qualificados. As escolas situadas junto de bairros sociais,
bairros degradados ou predominantemente habitados por comunidades étnicas ou
imigrantes encontram-se no "fim da lista" dessas hierarquias simbólicas, traduzindo
uma forte perceção de que nestas escolas existem menores oportunidades educativas
contribuindo assim para reproduzir desigualdades sociais dos contextos sociais em
que se integram.

No entanto, estas hierarquias nem sempre surgem de forma evidente nas pesquisas,
constatando-se justamente que muitas dessas escolas têm maior abrangência de
ofertas educativas (como os cursos CEF e PIEF) e um efetiva estabilidade dos seus
corpos docentes (Sebastião, Campos e Merlini, 2012b). Além disso, os fatores
subjacentes ao aparecimento de escolas com necessidades educativas extensas são
mais profundos, remetendo tanto para os processos de exclusão social no território
como para os processos de seleção social das escolas.

Para alcançar os seus objetivos, as escolas servem-se dos seus estatutos territoriais e
simbólicos. Thrupp e Lupton consideram os atributos característicos dos alunos
(como a classe, etnicidade, proporção de alunos oriundos de famílias refugiadas ou
com necessidades especiais), as diferenças características da escola e do meio
envolvente como fatores fundamentais da localização territorial, defendendo que "o
contexto realmente conta", contradizendo dessa forma os discursos acerca da
"neutralidade" da escolaridade (Thrupp and Lupton, 2006: 308).

Num dos estudos anteriormente realizados pela equipa do OSE, foi possível constatar
que competição pelos alunos de classe média era mais intensa entre as escolas
territorialmente mais próximas, concorrendo através de estratégias de atração e
seleção para o agravamento das diferenças encontradas nas estrutura social dos
territórios destas escolas (Sebastião, Campos e Merlini, 2012b). Neste sentido, a
seleção dos alunos no momento da entrada para a escola ou através de processos
internos de triagem, que passam pelo encaminhamento de alunos para outras vias de
ensino além do regular ou pela utilização dos mecanismos de controlo disciplinar com
o mesmo fim, traduzem-se em situações de menor inclusão dos alunos e de maior
polarização social das escolas. Estes processos internos articulam-se com a
reconfiguração social dos territórios locais, com as escolas a reforçarem as
desigualdades escolares e sociais.

3.2. CONTROLO DISCIPLINAR E CLIMA DE ESCOLA

Uma segunda dimensão respeitante à diferenciação entre escolas relaciona-se com a


existência de uma variação elevada nos critérios de decisão na apreciação das
ocorrências e na aplicação de medidas disciplinares. A sua existência expressa
processos de regulação de conflitos pouco estruturados e marcados pela ausência de
uniformidade nas decisões tomadas, enquanto formas de atuação coerentes e justas.
Este padrão sugere que as decisões ficam mais à mercê da opinião do responsável
pela regulação do conflito ocorrido, do que em função do estabelecido nos normativos
da escola. Os diferentes níveis de intervenção e colaboração dos elementos escolares

19
introduzem assim arbitrariedades e desigualdades na interpretação e tratamento das
situações (Sebastião, Campos e Merlini, 2012b).

Medidas como a suspensão são repetidamente usadas para "libertar" a escola dos
alunos identificados como fontes de perturbação, por vezes provocando mesmo a
expulsão intencional desses alunos. Apesar das ameaças reais e percebidas no
imediato estarem entre os principais motivos do recurso à pena de suspensão, a
maioria dos alunos suspensos da escola esteve envolvida em atos que não poderão ser
considerados violentos ou criminosos (Taras, 2003:1206).

Têm sido feitas diversas críticas a estas medidas disciplinares sancionatórias em


particular, pela perceção da ineficácia e impactos negativos nos alunos visados. A
suspensão ou a expulsão da escola são consideradas por alguns autores como uma
transferência de um problema localizado nas escolas para as ruas e para a comunidade
em geral, o que pode levar ao seu agravamento e não à sua resolução. A utilização
frequente deste tipo de prática disciplinar por algumas escolas reforça o absentismo e
o comportamento inadequado, uma vez que provoca a rutura com o percurso
educativo do aluno, falhando em lidar com as causas do comportamento disruptivo
(Costenbader, 1998:60).

Em detrimento do afastamento dos alunos da escola tem sido recomendado, entre


outras estratégias, que as escolas recorram a instrumentos pedagógicos (ou
restaurativos) de regulação do comportamento do aluno e que aprofundem a relação e
o envolvimento das famílias desses alunos (Taras, 2003; Morrison e Vaandering,
2012; Chin, et. al., 2012; Skiba, et. al., 2006). Estas abordagens incorporam uma
orientação preventiva e proactiva da intervenção escolar sobre os comportamentos
violentos que fomenta a construção e manutenção de climas escolares pacíficos.

Diversos estudos têm vindo a demonstrar a importância das características da escola e


do seu clima organizacional na produção de maior ou menor número de incidentes e
na resposta à violência (Kapari e Stavrou, 2010; Carra, 2009b; Dupper e Meyer-
Adams, 2008). Escolas com um clima mais positivo (lido nas variáveis de “medo da
violência na escola” e de “disciplina”– Carra, 2009b) ou aquelas em que o
envolvimento dos grupos de pares e a intervenção dos professores têm efeitos na
redução de situações de conflitualidade, possuem menores taxas de vitimização
(Kapari e Stavrou, 2010:93). Para Dupper e Meyer-Adams (2008) a proximidade dos
funcionários é um fator importante na construção de culturas e climas escolares
positivos (tolerantes, acolhedores e cooperativos), resultando no reforço de
comportamentos mais adequados dos alunos e na prevenção e redução da hostilidade.
As escolas possuem uma margem de atuação para se adaptarem às características
sociais locais, pelo que Gottfredson (1998:7) destaca o reforço da capacidade da
escola para desenvolver e sustentar a inovação mediante a utilização de equipas
escolares ou pelo desenvolvimento organizacional de outras estratégias.

A sobrelotação escolar, por exemplo, põe a capacidade organizacional das escolas à


prova na procura de soluções inovadoras que não afetem o seu clima escolar, nem
potenciem os incidentes de violência na escola, ao que se associa frequentemente a
degradação das instalações escolares. Esta relação contribui para o enfraquecimento
das relações e interações sociais, assim como do empenhamento e dos níveis de
aprendizagem (Ready et al, 2004). As respostas imediatas, como a divisão do dia

20
escolar em turnos, podem acarretar custos sociais e académicos negativos, sobretudo
para os alunos mais desfavorecidos ou com maiores dificuldades de aprendizagem.

4.ORGANIZAÇÃO ESCOLAR E AS POLÍTICAS DE REGULAÇÃO DA VIOLÊNCIA NA


ESCOLA

4.1. AS LIDERANÇAS ESCOLARES E AS ORIENTAÇÕES FACE À VIOLÊNCIA NA


ESCOLA

Analisar a escola implica olhar para uma configuração social particular que se
caracteriza por condicionamentos estruturais que limitam o seu desenvolvimento
organizacional e por atores sociais que interagem a partir de interesses e motivações
individuais e grupais, nem sempre coincidentes com os da organização ou dos
quadros normativos mais amplos. É nesta relação que se perspetivam as organizações
escolares, tanto na sua inteligibilidade como na sua imprevisibilidade, pois torna-se
necessário entender as organizações escolares não como entidades altamente
organizadas exteriores aos atores mas, antes, "anarquias organizadas e sistemas
debilmente acoplados" (Barroso, 1991:74). Esta abordagem incita-nos a olhar para a
escola enquanto "um espaço-tempo de mediação de interesses e poderes diversos,
interiores e exteriores às suas fronteiras físicas, prefigurando-se como uma
organização em ação" (Torres e Palhares, 2010:152). A problemática da violência na
escola contribui assim para compreender a reação da escola a situações críticas que
colocam frequentemente em causa os seus próprios fundamentos, designadamente os
psicossociais, organizacionais e normativos.

A definição de regras e de princípios de atuação partilhados por todos é um aspeto


fundamental para a adesão às normas e valores a respeitar na escola. Nesse sentido, a
implementação de estratégias e mecanismos de regulação constitui um leque de
opções cuja materialização resulta na estruturação das relações entre os diversos
membros da comunidade escolar e na estrutura organizacional. A ausência de uma
definição clara e explícita de regras e princípios de atuação comuns remete para o que
Barroso (1996:25) definiu como “autonomias clandestinas”, expressando a ideia de
que a imposição normativa pode ser frequentemente: objecto de desconexão, base
explorada pelos atores em sua defesa, fonte para diferentes interpretações, alvo de
observância seletiva ou mesmo pretexto favorável, ou propiciador, para a produção
de regras não formais e informais, por vezes de carácter alternativo (Lima, 1998:
479). A opacidade dos sistemas de regras escolares, marcados pela ambiguidade e
fraca comunicação de entendimentos normativos entre direções e professores, traduz-
se numa sobreposição das regras formais com interpretações particulares pelos
diversos atores educativos. Esta diversidade de entendimentos disciplinares e
respostas à conflitualidade está diretamente associada aos processos de
implementação das políticas de regulação dos comportamentos.

A identificação e compreensão das lógicas de ação e dos quadros que orientam a ação
sublinham a importância dos "jogos" de poder, interesses, conflitos, estratégias e
coligações dos atores no quotidiano organizacional das escolas (Silva, 2007:103). É
neste âmbito que as lideranças escolares adquirem maior relevância. Segundo Trigo e
Costa (2008:571) a escola "precisa de uma liderança que coloque no centro da sua

21
atividade a ética, a moral, os valores, as pessoas, o diálogo e a relação entre pessoas, a
adaptabilidade à mudança, o desenvolvimento organizacional, a qualidade" de forma
a corresponder aos desafios atuais. O desempenho da liderança pode constituir um dos
principais contributos na mudança dos sistemas educativos e das organizações
escolares – devido à procura de maior eficácia e ao aumento dos níveis de qualidade
que permitem o crescimento e desenvolvimento institucional. Para Silva (2009) a
liderança ganha especial importância quando é potenciada por práticas suscetíveis de
alargar e reforçar a sua influência, entre as quais o papel das lideranças intermédias:
"elementos críticos potenciadores de sucesso ou artífices do contrário" (Silva,
2009:53), às quais compete gerir recursos de base e estabelecer a ponte entre a
realidade da sala de aula e a direção.

Relativamente à violência na escola, o papel das lideranças escolares é decisivo e o


seu desempenho está particularmente associado com as orientações definidas para
responder a esse problema (Sebastião, Campos e Merlini, 2012a), pois é a elas que
cabe garantir a atuação e a eficácia das respostas, evitando processos de intervenção
erráticos e isolados que, a médio e longo prazo, levam a uma progressiva perda do
controlo sobre a situação e ao fechamento face à comunidade.

Neste sentido, pode-se afirmar que se produz um efeito cruzado entre os princípios
fundadores do projeto estratégico da escola, os modelos organizacionais, os estilos de
liderança e as representações sobre a origem da violência e as formas possíveis de a
enfrentar. Foi possível constatar que as escolas mais abertas e preocupadas com a
equidade na educação, e por essa razão com processos internos mais democráticos e
participados, são as mais capazes de controlar e prevenir as situações de violência e
que conseguem construir ambientes mais favoráveis ao desenvolvimento dos
processos educativos de todos os alunos (Sebastião, Campos e Merlini, 2012a).

4.2. A EVOLUÇÃO E CENTRALIDADE DAS "POLÍTICAS DE REGULAÇÃO DOS


COMPORTAMENTOS"

Os sistemas educativos foram alvo de significativas transformações e reformas nas


últimas décadas, processos esses que produziram novos dilemas e desafios, ampliando
o debate sobre a democratização do ensino. O questionamento público sobre as
situações de violência na escola tem motivado debates intensos sobre a autoridade dos
professores, a relação entre modelos pedagógicos e gestão da (in)disciplina, o impacto
da diversidade sociocultural e a oferta educativa nas escolas, etc. O intenso debate em
torno dos compromissos políticos do pós IIª Guerra Mundial tem-se traduzido por
uma forte expressão nas décadas mais recentes de quadros de valores neoliberais, que
enfatizam a ideia de uma menor gestão social da população pelo Estado, em
detrimento de uma maior responsabilidade individual para enfrentar desafios e
inseguranças globalizadas (Ong, 2006). Convicção que sobrevaloriza a centralidade
dos comportamentos individuais e a sua conformação em vez da sua gestão através de
processos escolares. Como refere Casella (2002:369) "at the beginning of the 21st
century, policy reinforces the simple idea that kids need to be changed and that adults
have the means to change them, and that the way of changing them is by adjusting
their cognitive facilities and threatening them with punishment", assumindo a
regulação dos comportamentos um espaço central nas políticas educativas (Maguire,
Ball e Brown, 2010: 155). Este entendimento estabelece uma relação de causalidade

22
imediata entre a correção dos comportamentos e a melhoria dos resultados escolares
(Maguire, et. al., 2010), encerrando uma visão simplista da melhoria do desempenho
dos sistemas educativos.

Diversos autores têm chamado à atenção para a existência de diferentes fontes e


formas de legitimidade política e organizacional no interior das escolas, resultante dos
níveis de autonomia organizacional e capacidade de ação dos diferentes autores
(Barroso, 2003; Watkins, et. al., 2007). Estas formas de legitimidade interferem
muitas vezes de modo contraditório nos processos de implementação e aplicação das
normas. Nesse sentido, a aplicação das políticas nacionais é condicionada pelos
entendimentos locais sobre a regulação dos comportamentos (ou micropolíticas,
Maguire et. al., 2010). Não constituindo realidades homogéneas, encontram-se nas
escolas diferentes acessos à informação e diferentes interpretações das políticas e
sistemas de regras da própria organização, que se traduzem em práticas contraditórias
ou ambíguas na aplicação das políticas por parte dos diversos agentes
organizacionais.

No plano das políticas públicas portuguesas relativas às situações de violência na


escola verificou-se um desenvolvimento conflitual na estruturação dos instrumentos
de intervenção do Estado, que passou por uma reorganização genérica da articulação
entre os diferentes agentes educativos e administrativos envolvidos no processo. A
estruturação de políticas de regulação dos comportamentos expressa-se, no caso
português, através de medidas como a reformulação sucessiva do Estatuto do Aluno,
o Programa Escola Segura ou as tentativas de criminalização do bullying. A revisão
do Estatuto do Aluno, cujo objetivo é estabelecer o quadro normativo a partir do qual
se elaboram os regulamentos disciplinares das escolas públicas, provocou uma batalha
entre visões políticas e ideológicas diferentes sobre a regulação dos comportamentos e
sobre as formas de organização da vida quotidiana das escolas, o que é demonstrativo
da tendência dos diversos poderes políticos centrais para regular ao máximo o
quotidiano das escolas. As sucessivas alterações a que este quadro normativo tem
vindo a ser sujeito expressam bem a natureza conflitual e negociada dos processos de
decisão política. Aliás, este debate foi acompanhado por outros, como a organização
da rede escolar e o seu modelo de gestão, as opções curriculares e os modelos
pedagógicos, o que demonstra as diversas tentativas de reorientação estrutural das
finalidades e procedimentos do sistema educativo.

A complexificação das políticas públicas sobre a segurança escolar requer uma


avaliação mais aprofundada da situação dos problemas existentes, do impacto das
medidas tomadas, da articulação local entre os vários programas (como o TEIP) e do
desenvolvimento das escolas e comunidades envolventes. É importante analisar as
dificuldades na implementação dessas iniciativas, tendo em conta as diversas
dimensões do processo em desenvolvimento e a participação de intervenientes com
interesses e motivações variadas (muitas vezes divergentes dos objetivos definidos
pelo Estado central). A par disso, são igualmente necessários programas e
metodologias de intervenção adaptados à realidade das escolas portuguesas. Foi o
reconhecimento destas insuficiências que orientou o presente estudo, sobre as quais a
equipa do OSE, com a sua experiência e conhecimento acumulado, procurou
ultrapassar.

23
II. POLÍTICAS PÚBLICAS

1. AS POLÍTICAS DE INCLUSÃO E IGUALDADE: EVOLUÇÃO, ORIENTAÇÕES E


INSTRUMENTOS

Em Portugal e na União Europeia (UE) o progresso significativo melhoria dos


níveis de qualidade de vida tem coexistido com a persistência dos fenómenos de
pobreza e de exclusão social. Os mecanismos de redução das desigualdades têm
demonstrado uma relativa ineficácia por não terem conseguido impedir a manutenção
das situações de exclusão social de determinados grupos da população,
nomeadamente os que se encontram em zonas de periféricas. No sentido de contribuir
para a resolução destes problemas, em Março de 2000 o Conselho Europeu de Lisboa
definiu como meta a erradicação da pobreza e da exclusão social, com o objetivo
estratégico de atingir um crescimento económico sustentado (emprego em quantidade
e qualidade) e maior coesão social em 10 anos. É a partir desta cimeira que se começa
a desenhar a Estratégia de Lisboa tendo sido proposto o Método de Coordenação
Aberta (MCA) como principal vetor político para alcançar esse objetivo5. Esta nova
estratégia de cooperação implicou uma abordagem articulada e tripartida entre as
políticas sociais (qualidade social/ inclusão), económicas (competitividade/
dinamismo) e de emprego (qualidade e pleno emprego), bem como a conjugação de
objetivos comuns, planos nacionais e programas comunitários.

Os quatro objetivos comuns para a inclusão social foram definidos em Dezembro do


mesmo ano no Conselho Europeu de Nice e posteriormente revistos em Novembro de
2002, são eles: 1) promover a participação no emprego e o acesso de todos aos
recursos, aos direitos, aos bens e aos serviços; 2) prevenir os riscos de exclusão; 3)
atuar a favor dos mais vulneráveis; 4) mobilizar o conjunto dos intervenientes. É com
base nestes objetivos e nas metas definidas que se definiram os indicadores comuns
(de diagnóstico, monitorização e avaliação dos objetivos), Planos Nacionais de Ação
para a Inclusão (PNAI) – que propõem políticas e soluções a implementar – e
relatórios conjuntos de avaliação dos planos dos Estados-Membros elaborados pela
Comissão Europeia. É neste contexto político que surgem as primeiras gerações do
PNAI entre 2001-2003 e 2003-2005.

A partir de 2005, a revisão da estratégia de Lisboa conduziu a alterações na Agenda


Social Europeia e no MCA, passando o processo de inclusão social a integrar uma
abordagem mais ampla e racionalizada (streamlining) 6 , que articula políticas de
inclusão, pensões e cuidados de saúde e cuidados de longa duração ou continuados.
Estas alterações ocorrem essencialmente pela discrepância entre os objetivos comuns
e a concretização das políticas, passando a avaliação da eficácia das políticas a ocupar
um lugar de destaque. Segundo, pela necessidade de reforçar a dimensão social e

5 Para a sua implementação foi criado o Programa Comunitário de Ação Contra a Exclusão Social em
2002 (Gonçalves, 2006:136)
6
Perspetiva de racionalização em que se procurou maior simplificação, integração e coerência entre os
processos de coordenação existentes (op. cit . pp. 137).

24
garantir a coerência e coordenação entre os objetivos da coesão social e os objetivos
do crescimento e do emprego. Estas alterações reorientaram a terceira geração do
PNAI entre 2006-2008, com um novo quadro de objetivos para a proteção social e a
inclusão social, dos quais três são específicos para a inclusão: 1) garantir o acesso de
todos a direitos, recursos e serviços essenciais e simultaneamente erradicar as formas
extremas de exclusão e discriminações que levam à exclusão social; 2) garantir a
inclusão social ativa de todos através da promoção da participação no mercado de
trabalho e do combate à pobreza e à exclusão social das pessoas e grupos mais
marginalizados; 3) garantir a boa coordenação das políticas de inclusão social e o
envolvimento de todos os níveis de governo e agentes pertinentes; a sua eficiência e
integração em todas as políticas públicas relevantes (económicas e orçamentais; de
educação e formação; programas de fundos estruturais como o FSE) e que consideram
a perspetiva da igualdade de género. Em 2008-2010, após avaliação e consequente
aprovação da estratégia implementada anteriormente, deu-se continuidade às
prioridades e objetivos políticos no sentido de as reforçar e melhorar. Essas
prioridades tiveram como eixos estratégicos de intervenção responder ao impacto das
alterações demográficas e promover a inclusão social de todos os cidadãos,
procurando prevenir e reduzir as desigualdades.

Em 2010 foi definida a nova estratégia europeia, designada Europa 2020, que aponta
para um crescimento mais inteligente, sustentável e inclusivo, num prazo de dez anos.
Representando uma revisão do modelo anterior, esta agenda definiu as prioridades,
objetivos e iniciativas para orientação e coordenação das medidas políticas a nível
nacional e europeu. Foi dado especial enfoque ao crescimento inclusivo com
particular preocupação com a criação de emprego e a redução da pobreza, tendo como
um dos grandes objetivos reduzir pelo menos em 20 milhões o número de pessoas em
risco ou situação de pobreza e exclusão social7. Parte integrante desta nova estratégia
constitui a plataforma europeia contra a pobreza e a exclusão social, iniciativa criada
também em 2010, com o intuito de coordenar e gerir as intervenções promovidas,
tendo quatro medidas principais:
1) Melhorar o acesso ao trabalho, à segurança social, aos serviços essenciais
(cuidados de saúde, alojamento) e à educação;
2) Utilizar mais eficazmente os fundos da UE para apoiar a inclusão social e lutar
contra a discriminação;
3) Encorajar a inovação social para encontrar soluções inteligentes na Europa do pós-
crise, em especial no que toca a um apoio social mais concreto e eficaz.
4) Fomentar novas parcerias entre os sectores público e privado.

Estas alterações sustentam uma mudança nas estratégias definidas para a inclusão
social, reconhecendo a multidimensionalidade da pobreza e da exclusão social. As
estratégias deste modo definidas passaram a considerar, por um lado, um maior
número de pessoas em risco de pobreza, em privação material ou com uma
intensidade de trabalho muito baixa, e por outro lado, a dimensão territorial dos
fenómenos. Sendo os Programas Nacionais de Reforma elaborados por cada Estado
membro, a tradução efetiva dessas orientações encontra-se no instrumento político
nacional mais relevante nesta matéria, o Plano Nacional para a Igualdade (PNI). Na
sua quarta geração, o IV Plano Nacional para a Igualdade, Género, Cidadania e Não

7 No caso português a meta definida refere-se a 200.000 pessoas.

25
Discriminação 2011-2013 enquadra-se nos compromissos assumidos por Portugal nas
várias instâncias internacionais e europeias (como a ONU, o Conselho da Europa e a
União Europeia). Neste plano procura afirmar-se a igualdade como fator de
competitividade através de três eixos: reforço da transversalidade do género e
integração desta dimensão em todos os domínios de atividade política e social;
implementação de ações específicas para ultrapassar determinadas situações de
desigualdade; abordagem das discriminações múltiplas – "quando à pertença sexual se
juntam outros fatores de discriminação e os seus efeitos em homens e em mulheres"
(Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, 2012).

A integração das orientações definidas nos vários domínios de decisão e ação política
(local, regional e nacional) mediante uma estratégia de territorialização, é vista como
garantia da concretização e eficácia das mesmas e um princípio fundamental de boa
governação (Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, 2012). Emerge
portanto uma nova fase de políticas europeias para a inclusão e coesão social e
territorial, que procura integrar os diversos atores chave na sua coordenação, através
do diálogo entre parceiros institucionais e não institucionais.

2. AS POLÍTICAS DE SEGURANÇA ESCOLAR: CONTEXTOS, CONCEITOS E


INSTRUMENTOS DE INTERVENÇÃO

O fenómeno da violência na escola começou a ser entendido como um problema


social a partir dos anos 1990, na maioria dos países europeus, surgindo um conjunto
de respostas diferenciadas para lidar com o mesmo (Carra, 2009a:98). Em
consonância com as tendências europeias, Portugal assistiu igualmente a uma
ampliação da preocupação com este assunto e, consequentemente, à definição de
instrumentos políticos de prevenção e intervenção, com abordagens
significativamente diversas (e divergentes) quanto ao entendimento sobre as causas de
violência e quanto aos princípios de atuação. Também na esfera científica se assistiu,
a partir dessa década, à produção de investigação e discussão em torno do fenómeno
em diferentes domínios científicos (Sebastião, Alves e Campos, 2003).

A diferenciação, quer na circunscrição, quer nas respostas dadas para reduzir a


violência, é em grande parte explicada pelos desenvolvimentos da investigação sobre
o tema, seja a nível europeu, seja nacional. Entre as disciplinas que mais se têm
ocupado da pesquisa sobre a violência na escola, destacam-se a Psicologia, as
Ciências da Educação, a Sociologia e as Ciências da Saúde. Encontram-se assim
definições sobre o fenómeno que sublinham dimensões distintas. As mais
predominantes têm sido: "bullying escolar" (Olweus, 1993); "comportamentos de
risco" (OMS, 2005); "comportamento antissocial" (Carra, 2009a; Veenstra e Dijkstra,
2011).

Independentemente da definição usada, as pesquisas têm convergido na ideia de que a


violência em meio escolar é um fenómeno restrito, ocorrendo nos quotidianos sob a
forma de micro-violências, pequenas vitimizações e incivilidades – aquilo que é
usualmente designado por violência de baixa intensidade (Dupper e Meyer-Adams,
2008:164) – reiterando a raridade de incidentes de maior gravidade. Neste âmbito,
Carra (2009a:102) defende que a gravidade de um incidente deve ser pensada mais
em termos da reincidência da vitimação do que em termos da forma ou proporções

26
que o ato violento assume. Alguns investigadores defendem uma maior preocupação
com a escolha dos argumentos, métodos e fórmulas no sentido de adquirir um
controlo teórico sobre as virtualidades semânticas dos conceitos (Debarbieux,
2002a:65). Por esse motivo, alertam para o efeito da adoção de uma definição unívoca
do fenómeno da violência na escola pelo refinamento de categorias corresponde a um
vácuo teórico (e que se encontram na base da criação de alguns modelos de
intervenção) (Sebastião, et al 1999; Sebastião, Alves e Campos, 2003).

O desenvolvimento e disseminação do conhecimento permitiram apoiar a


implementação de instrumentos políticos de intervenção e prevenção, bem como
avaliar os efeitos dessas medidas em diferentes escalas territoriais e de modo
comparado. Smith (2004:140) relativamente às iniciativas para reduzir a violência nas
escolas a nível internacional, distinguiu entre as diretivas ou holistas (combinadas) de
larga ou pequena escala, com um formato menos uniforme ou mais padronizado8.

Em Portugal, o fenómeno da violência nas escolas ganhou relevância e visibilidade


social sobretudo a partir da década de 90, como anteriormente se referiu. A crescente
preocupação com o problema resultou essencialmente da persistência das queixas das
associações de pais e de professores, por um lado, e pela mediatização do fenómeno,
por outro. Contudo, não se pode considerar que se trate de um fenómeno recente no
país 9 . Foi neste contexto que se definiram diversos instrumentos políticos, sendo
efectivada pela primeira vez uma medida específica de controlo da violência nas
escolas em 1992, a partir do estabelecimento de um protocolo interministerial entre o
Ministério da Educação e o Ministério da Administração Interna. Sem uma
preocupação pedagógica de partida, o objetivo deste protocolo foi o de colocar as
autoridades escolares e as forças de segurança (PSP e GNR) num campo de ação
conjunto. No decorrer deste primeiro período as atuações sustentavam-se numa
abordagem essencialmente policial (Sebastião, Alves e Campos, 2003). Esta
abordagem funda-se no entendimento da violência como fenómeno que pré-existe à
escola, resultando sobretudo dos problemas existentes em zonas de periferia
degradada, marginal ou de bairro sociais cuja conflitualidade contextual, que segundo
esta perspetiva se reproduz inevitavelmente nos quotidianos escolares.

A criação do Programa Escola Segura em 1996, bem como um acordo de cooperação


entre os Ministérios da Educação, Saúde, Segurança Social e Administração Interna,
resultou assim do reconhecimento da necessidade de incorporação de outras
dimensões, como a pedagógica e securitária no âmbito das medidas políticas definidas
a nível nacional nesta matéria. Tal alargamento, implicou a promoção de novos
domínios de intervenção e de investigação. O Programa Escola Segura foi, então,

8
De que é exemplo o Programa Anti-bullying de Olweus, que foi largamente implementado na
Noruega em conjunto com outras iniciativas, além da Áustria, Finlândia, Alemanha e Islândia.
9
Em termos históricos, a violência policial contra os estudantes universitários no período do Estado
Novo e os confrontos físicos resultantes de intensos debates políticos entre estudantes ou mesmo
professores na época da Revolução dos Cravos são exemplo disso. Contudo, o enquadramento da
violência tinha um carácter essencialmente político, que não se coaduna com o tipo de violência que
podemos encontrar nas escolas hoje. Pequenos furtos, agressões esporádicas ou sistemáticas, uso de
armas, ameaças a professores e a colegas, ou a destruição de bens e equipamentos escolares ou pessoais
são realidades vividas pelas escolas portuguesas nos últimos anos.

27
implementado progressivamente num conjunto de escolas com a coordenação do
Gabinete de Segurança do Ministério da Educação10. Tendo como objetivo reduzir ou
erradicar as situações de violência e insegurança nas escolas e meio envolvente
(Preâmbulo – Despacho n.º 25 650 de 19 de Dezembro de 2006), os seus princípios
estratégicos baseiam-se na territorialização, na parceria, na formação e na
monitorização do fenómeno.

Ao inscrever-se num contexto de novas formas institucionais de resposta que


concorrem para a regulação social, esta perspetiva política relaciona-se por um lado,
com as iniciativas europeias de carácter territorial, de natureza contratual ou
partenarial das políticas públicas. Por outro lado, o Programa Escola Segura é um dos
primeiros campos de experimentação do modelo de Policiamento de Proximidade11,
cujo enquadramento implica a mudança do paradigma de atuação e da organização na
sua relação das forças de segurança com as populações e instituições locais. Assume-
se assim como uma estratégia com um duplo objetivo: envolver os cidadãos na
melhoria da qualidade de vida dos territórios em que se encontram e descentralizar a
atuação policial do policiamento reativo. Em conformidade com a filosofia de
intervenção subjacente, as estratégias de policiamento são de carácter essencialmente
informativo e preventivo e definem-se sobretudo pelas necessidades dos cidadãos.
Estas duas vertentes ou inspirações do principal instrumento de intervenção da
violência na escola em Portugal possibilitaram assim uma maior adequação aos
contextos escolares locais e a concretização de redes de colaboração entre as diversas
entidades envolvidas. Com a inclusão de uma dimensão mais pedagógica 12 , o
Programa Escola Segura ampliou então o leque de iniciativas implementadas,
inscrevendo-se de forma parcial ou total no leque de atuações desenvolvidas nas
escolas portuguesas. Esta reorganização do Programa Escola Segura foi coordenada
pela em 2006 pelo Observatório de Segurança Escolar (OSE) criado em 2005, cujo
objectivo de formação inicial se prendeu com o estudo dos fenómenos relacionados
com a segurança dos estabelecimentos de ensino e de fornecer instrumentos e
indicadores técnica e cientificamente validados.

O leque de iniciativas e lógicas de atuação (direta ou indireta) sobre a violência nas


escolas portuguesas não se distancia muito do que tem vindo a ser implementado no
contexto europeu, havendo essencialmente dois tipos de abordagem que se alimentam
de diversas medidas políticas de escalas e enfoques diferenciados, mas que se
complementam.

10
Gabinete criado em 1984 com um enquadramento meramente administrativo até 2007, ano em que
foi criada a Equipa de Missão para a Segurança Escolar, cujo mandato de três anos consistiu na
concepção, desenvolvimento e concretização de um sistema de segurança nas escolas. Em 2009 é
constituído assim o Gabinete Coordenador de Segurança Escolar enquanto estrutura administrativa
autónoma a funcionar em dependência do ME, e regulamentada a situação dos prestadores de serviço
de vigilância nas escolas e dos procedimentos concursais.
11
Inspirado em experiências de outros países como os EUA, Canadá, Inglaterra, França ou Holanda, o
policiamento de proximidade traduz-se no princípio que os agentes das Forças de Segurança devem
trabalhar conjuntamente com os cidadãos de modo a encontrar soluções para os problemas da
comunidade associados à criminalidade, desordem e outros que concorram para a redução do
sentimento de segurança (Lisboa e Dias, 2008:4).
12
Entendendo-se que grande parte das ocorrências resultavam também da necessidade de
reorganização das escolas nesta matéria para a prossecução dos objetivos educativos.

28
Quadro 2 - Abordagens de regulação da violência em meio escolar
Abordagem Objetivo da Medida Medidas em Portugal
Resolução de incidentes ocorridos ou redução Aumento do número de guardas e à colocação de
das oportunidades de ocorrência de violência. alarmes e câmaras de videovigilância nas escolas no
Policial/ Sistemas de resposta rápida e reforço da âmbito do Programa Escola Segura, bem como à
Externa vigilância, que nem sempre são eficazes criação de linhas telefónicas de apoio à vítima,
/contraproducentes na melhoria do clima de designadamente o SOS Professor da Associação
escola e da convivência Nacional de Professores.
Interventiva
O Sistema Jurídico de Autonomia e Administração
Escolar (Decreto Lei 137/2012)14 e o Novo Estatuto do
Regulamentação, definição de papéis a Aluno (Lei n.º 51/2012)15 são produtos que
desempenhar na gestão de conflitos e apoio ou representam particularmente as iniciativas nacionais de
Escolar/ Interna formação de professores (sensibilização, regulamentação e estruturação organizacional das
acréscimo de assistentes educativos e/ou treino competências a desempenhar. As iniciativas de apoio
específico de gestão de conflitos13). ou formação de professores têm cabido sobretudo ao
Programa Escola Segura16 ou a outras entidades
formadoras contratadas pelas escolas.
Entre o vasto leque de medidas portuguesas estão:
1. Intervenção cívica e/ou comportamental: Formação cívica, Programa Parlamento de Jovens;
Intervenção
pressupõem a responsabilização dos alunos e Treino de competências pessoais e sociais; Projetos de
cívica e/ou
podem enquadrar-se no âmbito da Educação gestão de conflitos entre pares ou de melhoria da
comportamental
para a cidadania e/ou para a Saúde autoestima do aluno; Programa Saúde Escolar e
Programa Eco Escolas.
O instrumento que melhor se enquadra neste tipo de
2. Alteração do Ambiente ou clima de escola:
Alteração do iniciativa em Portugal foi o Programa de
Preveem a melhoria das condições físicas dos
Preventiva Ambiente ou Modernização do Parque Escolar cujo objectivo foi
espaços escolares e dos seus equipamentos,
clima de escola modernizar a rede pública de escolas secundárias e
bem como a promoção do clima de escola.
outras afetas ao Ministério da Educação.
Principais instrumentos: Programa Territórios
Procura de 3. Procura de Equidade (igualdade de
Educativos de Intervenção Prioritária (TEIP);
Equidade oportunidades, democratização do ensino):
Programa Escolhas; Diversificação de vias de ensino:
(igualdade de medidas de combate à reprodução das
Programa Integrado de Educação e Formação (PIEF),
oportunidades, desigualdades sociais, nomeadamente o
Curso de Educação e Formação para Jovens (CEF),
democratização insucesso escolar e o abandono escolar
Percurso Curricular Alternativo (PCA) e Cursos
do ensino) precoce.
Profissionalizantes
Fonte: Observatório de Segurança Escolar, 2012 – adaptado de Smith (2004) e Debarbieux et al (2003)

13
Na Europa, as formações em gestão de conflitos são habitualmente destinadas a professores,
deixando com frequência o pessoal não docente e os pais excluídos destas iniciativas.
14
Este decreto procede à segunda alteração do Decreto-Lei n.º 75/2008, de 22 de abril, alterado pelo
Decreto-Lei n.º 224/2009, de 11 de setembro. O novo modelo de escola alterou significativamente os
níveis organizacionais de decisão e atuação, numa ótica de descentralização e autonomia, permitindo às
escolas rentabilizar e mobilizar recursos que resultaram, por exemplo, no decréscimo efetivo do
número de incidentes.
15
Sendo um normativo em constante reformulação nos últimos anos e que tem gerado um aceso debate
político, o atual Estatuto do Aluno adequa e reforça as medidas disciplinares (de carácter corretivo e
sancionatório) a aplicar na escola, agilizando igualmente os processos disciplinares e as tomadas de
decisão. Este documento é apropriado e traduzido para o Regulamento Interno de cada Escola ou
Agrupamento de Escolas, verificando-se variações pouco significativas de estabelecimento para
estabelecimento a nível documental. Nas práticas, porém, a situação é outra.
16
Nomeadamente as sessões de sensibilização e formação promovidas regularmente pelas Forças de
Segurança e pontualmente pelo Gabinete Coordenador de Segurança Escolar, para além do apoio
sistemático das estruturas regionais em colaboração com este gabinete ou da criação de programas de
atuação específica (Vigilantes nas Escolas Primárias na Amadora).

29

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