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UNIVERSIDADE DE LISBOA

Mestrado em Ensino de Economia e Contabilidade

ANÁLISE SOCIAL

Recensão Crítica sobre o artigo:

Gouveia, P., Leal, I., & Cardoso, J. (2017). Bullying e agressão: Estudo dos preditores no
contexto de programa de intervenção da violência escolar. Revista Psicologia, 31(2),
69-88. doi:10.17575/rpsicol.v31i2.1116

Catarina Tomás Silva

Professora Doutora Mariana Gaio Alves

Abril de 2019
O problema da violência nas instituições educativas surge amiúde nos meios de
comunicação, criando-se a ideia de que é um problema atual. Não obstante, a violência,
o medo, a coação, entre outros, assinalam a sua presença no âmbito escolar desde as suas
origens mais remotas, até aos nossos dias, em todos os países e lugares do mundo.

Neste artigo em apreço, Gouveia, Leal, e Cardoso (2017) apresentam um estudo


sobre comportamentos agressivos, nas áreas da psicologia social positiva, da psicometria
e da psicologia da personalidade, no qual pretenderam analisar a relação entre a perceção
que os alunos têm do seu apoio social e do ambiente escolar e o crescimento das diversas
formas e funções de comportamentos agressivos. O estudo efetuado recai sobre uma
população estudantil, com idades compreendidas entre os 11 e os 19 anos que frequentam
o ensino básico e secundário.

Assim, através da análise estatística dos dados recolhidos, os autores encontraram


dois modelos que explicam os fatores de risco e protetores de agressão direta reativa,
agressão relacional relativa, agressão direta instrumental e agressão direta relacional
instrumental. Segundo os autores, os dados recolhidos e analisados, para além de
divulgarem importantes padrões de risco e proteção para cada um dos subtipos do
comportamento agressivo, demonstram que as relações familiares e o ambiente escolar
são elementos fundamentais quer para o risco quer para a proteção, da sua amostra.

Este artigo apresenta determinadas vantagens em relação à forma como expõe


determinados fenómenos idênticos, mas distintos, assim, nele definem-se a agressividade
como resposta instintiva de sobrevivência que qualquer animal, incluindo o ser humano,
utiliza perante situações que percebe como perigosas para a sua integridade, explica-se a
agressão como fenómeno que resume um mau comportamento aprendido que envolve
agressividade e que é geralmente utilizada pelos seres humanos para resolver conflitos
quando se desconhecem as habilidades sociais necessárias para os resolver pacificamente,
e o bullying, como a intimidação ou maus tratos entre pares, sendo uma forma, entre
muitas, de violência e agressão.

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Para além disso, e tendo em conta que a escola não é um meio de resolução de
todos os problemas, o artigo sugere que a escola serve como um meio que pode ajudar a
prevenir, minorar ou resolver problemas sociais tais como a exclusão, a intimidação, o
assédio, o abuso de poder, entre outros, porque pode educar os alunos em habilidades
sociais básicas que lhes permitem resolver conflitos de forma positiva e pacífica,
tornando-os deste modo indivíduos dotados de competências sociais.

Em suma, o artigo debruça-se sobre o fenómeno do bullying e de outras formas


de violência social. Pretende, nas palavras dos seus autores, «desenhar e implementar um
programa preventivo e interventivo da agressão e violência escolar» cujos objetivos são,
por um lado «estudar os fatores de risco associados à agressão reativa e proactiva no
contexto escolar, recorrendo ao modelo ecológico» e, por outro «entender de que forma
o estudo dos fatores de risco contribui para as estratégias a delinear no âmbito do
programa de intervenção».

Deste modo, o artigo pretende ser uma expressão na linha da investigação


psicoeducacional que articula o conhecimento adquirido através do trabalho científico e
da intervenção pedagógica rigorosamente realizada e avaliada. Além disso, o artigo
sustenta-se na opinião de diversos autores nacionais e internacionais, reconhecidos pela
sua vasta trajetória no tema abordado e em investigadores que efetuaram estudos
relevantes sobre a violência escolar em geral e sobre o fenómeno do bullying em
particular e ainda sobre as possibilidades de intervenção paliativa ou preventiva nesta
área.

A autora principal, bem como os restantes autores do artigo assumiram diversas


funções e responsabilidades em organizações nacionais e internacionais relacionadas com
o tema em análise. Para além disso, os autores têm uma ampla trajetória profissional,
nomeadamente nas áreas da psicologia clínica e da psicologia da saúde e investigam
atualmente nas áreas da adolescência, da agressão e violência escolar, da sexualidade e
da saúde.

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Este estudo contém informação atual e relevante do conhecimento que se tem
acerca do fenómeno do bullying e das suas possibilidades de intervenção. Deste modo,
os autores para além de pretenderem refletir sobre a pesquisa psicológica e educacional
mais importante da atualidade quiseram também elaborar um trabalho, que para além de
útil à comunidade científica fosse também vantajoso para as famílias, para os estudantes
e para qualquer indivíduo interessado nos problemas e assuntos psicológicos e
pedagógicos relacionados especificamente com a violência escolar.

Tendo em conta a finalidade do estudo, os autores dividiram o artigo em cinco


partes principais: o enquadramento teórico do tema; os objetivos do estudo; o método
aplicado; a apresentação de resultados e a discussão dos mesmos; culminando o seu
trabalho com a apresentação das limitações do estudo, umas breves conclusões e a
apresentação da bibliografia consultada para a elaboração do artigo.

Posto isto, a primeira parte contém a realidade da tese do bullying na escola e as


linhas de investigação mais relevantes e com maior projeção científica e educativa. Por
conseguinte, os autores iniciam esta parte com o esclarecimento de diferentes conceitos,
entre os quais definem a agressão e o bullying.

Por conseguinte, a ideia geral de agressão é retirada de diferentes autores, entre


eles Palacios & Berger, 2016; Bushman & Huesmann, 2010; Hawley & Vaughn, 2003 e
assim, os autores do artigo designam-na como «um comportamento indesejável e inerente
ao ser humano», de natureza biológica adaptativa, «um comportamento reativo» cuja
finalidade é magoar outro, ou outros indivíduos, envolvendo, segundo os autores, pelo
menos dois indivíduos.

Tendo em conta esta definição, Gouveia et al. (2017) salientam que o bullying é
um subtipo de agressão, uma vez que se enquadra com esta do ponto de vista
comportamental, contudo, o bullying diferencia-se dela pela sua «natureza intencional e
abusiva». Desta forma, e sustentados na opinião de diferentes autores (Swearer & Hymel,
2015; Rodkin et al., 2015; Espelage & Swearer, 2003), Gouveia et al. (2017) consideram
o bullying como «uma forma de agressão interpessoal complexa» que expõe reconhecidas
formas e funções e que se exterioriza através de «diferentes padrões relacionais».

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Esta definição, segundo os autores do artigo abrange três condições essenciais
relacionadas com o comportamento agressivo: «o padrão repetido da intimidação física
ou psicológica ao longo do tempo (…), a intencionalidade do comportamento (…) e o
desequilíbrio de poder físico ou psicológico entre o perpetrador e a vítima». Outros
autores porém acrescentam que o bullying é uma atividade consciente e deliberadamente
hostil exercida com a intenção de magoar e de natureza repetitiva ao longo do tempo,
provoca medo na vítima, assenta numa desproporcionalidade ou abuso de poder e
geralmente ocorre em contexto de grupo (Arora, Sharp, & Thompson, 2002; Formosinho
& Simões, 2001; Pepler, Craig, O'Connell, Atlas, & Charach, 2004).

Ainda nesta parte do artigo, os autores assinalam, assumindo o modelo ecológico


de Bronfenbrenner (1994), os fatores preditor de risco e protetores do bullying e da
agressão em contexto escolar. Assim, mencionam as influências de nível individual e as
influências microssistema. Nas primeiras referem o género e a idade e, nas segundas,
assinalam as relações jovem-família (o suporte social familiar), as relações jovens-pares,
(suporte social dos amigos, a influência dos pares e o estatuto social) e as relações jovem-
escola (ambiente escolar).

Os autores finalizam esta parte com uma abordagem à prevenção e à intervenção


em situações de bullying e agressão referindo que, a maioria dos programas de
intervenção no comportamento de bullying falham uma vez que não conseguem
«operacionalizar a relação de poder assimétrica e a avaliação precisa da repetição
temporal». Deste modo, indicam que os programas que se fundamentam na «perceção do
suporte social» focalizam-se exclusivamente na parte comportamental do indivíduo, ou
seja consideram exclusivamente os comportamentos agressivos subjacentes ao bullying
e relativizam as condições «subjetivas da avaliação de diferencial de poder».

Referem, ainda, que os estudos que recorrem a «medidas de autorrelato» para


identificar as categorias de comportamentos agressivos também falham na sua avaliação,
porque existe uma evidente diferença entre a agressão reativa e a agressão proactiva.

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Concluem, assim os autores, que na prevenção do bullying e da agressão são
necessários programas que incidam sobre os «antecedentes dos comportamentos
agressivos dos jovens e na promoção do bem-estar biopsicossocial». Para além disso, os
programas devem promover um ambiente escolar mais seguro e exaltar comportamentos
sociais positivos, bem como envolver todos os atores, designadamente os elementos da
comunidade educativa e os pais nas estratégias de intervenção.

A mesma opinião é partilhada por Arora et al. (2002) ao referirem que os


programas de prevenção e intervenção devem determinar diversos objetivos que
proporcionem a todos os envolvidos, designadamente alunos, pessoal docente e não
docente e encarregados de educação, um sentido de orientação e de compreensão face ao
compromisso da escola em atuar relativamente ao bullying, uma vez que o bullying bem
como as agressões não podem ser travados isoladamente por estes atores. Desta forma
sugerem-se diversas etapas para a implementação de programas de bullying e agressão,
das quais assumem principal relevância a consciencialização para o problema, a consulta
e a auscultação da comunidade, a preparação e a redação do programa, a sua divulgação
e implementação e por último a sua monotorização e avaliação (Arora et al., 2002; Sharp
& Smith, 1995).

A segunda parte é ocupada com a definição dos objetivos e a formulação de


hipóteses.

A terceira parte do artigo é constituída pelo método, na qual os autores fazem


referência aos 851 participantes no estudo indicando que foram seguidos os padrões
cronológicos da adolescência definidos pela Organização Mundial de Saúde. Para além
disso indicam os quatro instrumentos utilizados para a recolha dos seus dados, a escala
de autoavaliação da agressão, as escalas de perceção de suporte social da família (PSS-
fam) e dos amigos (PSS-Am), o questionário de suporte social – versão reduzida (QSS6)
e o questionário de ambiente escolar (QAE). Terminam esta parte referindo-se ao
procedimento utilizado na recolha dos dados e à forma como estes foram analisados.

Na quarta parte do artigo, o esforço dos autores é direcionado para a apresentação


dos resultados e para a sua discussão.

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Por conseguinte, os resultados obtidos e direcionados para o primeiro objetivo do
estudo são apresentados em três tabelas que referem as dimensões de avaliação do suporte
social, ambiente escolar e formas e funções da agressão; os preditores das funções da
agressão direta; e os preditores das funções da agressão relacional. Posteriormente os
autores apresentam a discussão destes resultados referindo sumariamente a relevância de
um bom suporte sociofamiliar e escolar onde a resolução de conflitos assente no respeito
e nos métodos comunicacionais, elementos esses, fundamentais na prevenção da agressão
reativa e de bullies discriminados.

Para o segundo objetivo, os autores optaram por apresentar algumas considerações sobre
o desenho de intervenção.

A quinta e última parte refere-se às limitações do estudo das quais se salientam o


seu cariz transversal e a utilização exclusiva de instrumentos de autorrelato, sublinhando-
se que a utilização de «métodos multi-informantes» têm evidenciado melhores análises.
Na conclusão fazem referência à forma de análise por si elaborada que lhes permitiu
avaliar o porquê dos jovens apresentarem comportamentos agressivos e o que os motiva
para a agressão, para além disso, o estudo permitiu-lhes «delinear ações preventivas e
interventivas especificas ao contexto escolar em análise». As autoras terminam o artigo
com a apresentação das referências bibliográficas consultadas.

Com este artigo aprendemos que a violência e o bullying são o resultado de uma
análise deficiente dos conflitos e da sua imperfeita resolução. Assim, o artigo elucida-nos
sobre a vida afetiva dos indivíduos ajudando a reconstruir as redes que a sustentam. Por
outro lado, embora diversas organizações defendam uma escola orientada para uma
educação para a paz, para a tolerância e para a não-violência, não é com simples palavras
que se refreará a violência escolar. Esta só pode ser travada com a intervenção de toda a
comunidade educacional, ou seja, o bullying é só um dos vários problemas de difícil
solução que existem na escola, mas, como fica evidenciado no artigo, existem elementos
suficientes para enfrentá-lo. Por isso, merece o esforço o seu combate, sabendo-se no
entanto que para se conseguirem resultados é necessária a intervenção de todos os agentes
envolvidos na escola, designadamente os docentes, os educadores e os pais, entre outros.

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REFERÊNCIAS

1. Gouveia, P., Leal, I., & Cardoso, J. (2017). Bullying e agressão: Estudo dos
preditores no contexto de programa de intervenção da violência escolar. Revista
Psicologia, 31(2), 69-88. doi:10.17575/rpsicol.v31i2.1116

2. Arora, T., Sharp, S., & Thompson, D. (2002). Bullying: Effective Strategies for
Long-term Change (School Concerns) (1 ed.). London and New York: Routledge.

3. Formosinho, M., & Simões, M. (2001). O bullying na escola: Prevalência,


contextos e efeitos. revista portuguesa de pedagogia, 35(2), 65-82.

4. Pepler, D., Craig, W., O'Connell, P., Atlas, R., & Charach, A. (2004). Making a
difference in bullying: evaluation of a systemic school-based programme in
Canada. In P. K. Smith, D. Pepler, & K. Rigby (Eds.), Bullying in schools: How
successful can interventions be? (pp. 125-139). New York: Cambridge University
Press.

5. Sharp, S., & Smith, P. (1995). Tackling Bullying in your School (1 ed.). Nova
Iorque: Routledge.

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