Você está na página 1de 6

ANÁLISE DE TENDÊNCIAS NAS VAZÕES NA SUB-BACIA HIDROGRÁFICA DO

RIO SÃO MATEUS – BRAÇO NORTE, ES

Eloisa Bueno da Silva Sena, Iulo Pessotti Moro, Roberto Avelino Cecílio

Universidade Federal do Espírito Santo/Departamento de Ciências Florestais e da Madeira, Avenida


Governador Lindenberg, 316, Centro – 29.550-000, Jerônimo Monteiro – ES, Brasil,
eloisasena2@gmail.com, iulo.floresta@gmail.com, roberto.cecilio@ufes.br.

Resumo
A disponibilidade de recursos hídricos está associada ao uso e cobertura do solo e também à
variabilidade espacial e temporal da precipitação. O trabalho teve por objetivo analisar os impactos nas
alterações no uso do solo, na cobertura do solo e a variação da precipitação, sobre tendências
temporais das vazões médias e mínimas registradas na sub-bacia hidrográfica do rio São Mateus -
Braço Norte - ES. Aplicaram-se, nas séries de dados hidrológicos (entre 1970 e 2020), testes
estatísticos de Mann-Kendall, para identificação da tendência. Observaram-se tendências nas vazões
mínimas e média na sub-bacia hidrográfica. A precipitação média anual não apresentou tendência.
Simultaneamente, observou-se uma diminuição na cobertura vegetal e aumento da área ocupada pela
agropecuária na região da sub-bacia.

Palavras-chave: Bacia hidrográfica. Precipitação. Uso do solo. Vazão hídrica. Estatística.


Área do Conhecimento: Engenharia Agronômica. Engenharia Florestal.

Introdução

A mudança climática global em curso tem apresentado impactos expressivos sobre processos
hidrológicos regionais (DUAN et al., 2020), principalmente no que tange a ocorrência e amplitude de
eventos hidrológicos extremos (LIU et al., 2017). Os impactos das mudanças climáticas são
potencializados pela intensificação das atividades antrópicas, como o uso e manejo da terra,
desmatamento e retirada de água em bacias hidrográficas, causando modificações no ciclo hidrológico
e, consequentemente, no regime de vazão dos rios (LI et al., 2016; SILVA et al., 2020).
A água é o recurso mais importante para o desenvolvimento das cidades, a produção de alimentos,
indústria e outros serviços (ZAREI; KARAMI; KESHAVARZ, 2020). Portanto, o conhecimento do regime
de vazões dos rios ao longo do tempo e do espaço é fundamental para o adequado gerenciamento do
potencial hídrico de bacias hidrográficas, redução das perdas agrícolas e, também, em decisões
político-administrativas relacionadas ao uso da água (LIMA et al., 2019).
Para a caracterização do regime de vazão de rios devem ser avaliados os comportamentos das
vazões médias, nas escalas anual e mensal, bem como das vazões mínimas e máximas anuais (DO;
WESTRA; LEONARD, 2017). As séries históricas de vazão podem não apresentar comportamento
estacionário devido à ação conjunta das alterações climáticas e antrópicas (LU et al., 2015). Portanto,
além da quantificação destas vazões é preciso analisar a possível ocorrência de tendências temporais
nestas variáveis (MAHMOOD; JIA, 2019).
Desta forma, pode-se melhor compreender a influência da variabilidade climática e da dinâmica de
uso da terra sobre as vazões e, assim, desenvolver modelos hidrológicos mais adequados (LAN et al.,
2020). A análise de tendências temporais em séries hidrometeorológicas pode ser feita com o uso dos
testes estatísticos não paramétricos de Mann-Kendall (KENDALL, 1975) e de Pettitt (PETTITT, 1979),
os quais são amplamente utilizados devido a sua simplicidade e robustez (PIRNIA et al., 2019).
Portanto, esses testes são importantes para verificar alterações no nos padrões de precipitação e
nos processos hidrológicos de bacias hidrográficas (LU et al., 2015). Inserido no bioma Mata Atlântica,
o Espírito Santo, apresenta um mosaico, tanto na cobertura e uso da terra, com regiões de intensa
atividade agrícola e/ou densamente florestadas (LEAL; CECÍLIO; ZANETTI, 2018), quanto na
distribuição espacial da precipitação pluviométrica (ALMEIDA et al., 2020).

XXVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XXII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e 1
XII Encontro de Iniciação à Docência - Universidade do Vale do Paraíba - 2022
Distinguir e analisar essas variações espaço-temporais dentro das bacias, através de análises
estatísticas, é tarefa determinante para identificar possíveis tendências nas séries históricas de vazão
dos rios do Estado, visando o manejo e controle adequado dos usos múltiplos das águas para os mais
diversos fins.

Metodologia

Inserido na região hidrográfica do Atlântico Leste, a sub-bacia hidrográfica do rio São Mateus –
Braço Norte drena uma área de 3.675 km², abrangendo parcialmente os municípios de Boa Esperança,
Ecoporanga, Ponto Belo e São Mateus no Espírito Santo e nascendo em Ouro Verde – MG (Figura 1).
A princípio, foram obtidas séries históricas de 50 anos, abrangendo o período entre 1970 e 2020,
com dados da estação fluviométrica Fazenda São Mateus, cujo código de identificação aplicado pela
Agência Nacional de Águas (ANA) é 55800005. Os dados pluviométricos e fluviométricos foram obtidos
do banco de dados históricos da ANA. Eliminaram-se os anos hidrológicos com mais de 25% de falha
nas vazões médias mensais. Para cada ano hidrológico das séries de vazões diárias foram calculadas,
além da vazão média anual (Qmed), a vazão mínima com 7 dias de duração (Q7) e vazão de
permanência em 90 % do tempo (Q90).
Para a criação do mapa da sub-bacia hidrográfica junto aos seus pontos de drenagem foram
utilizados Modelos Digitais de Elevação (MDE), com 30 metros de resolução espacial, derivados dos
Bancos de dados Geomorfológicos do Brasil, alocados na plataforma do projeto TOPODATA,
disponíveis no website do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais
(http://www.dsr.inpe.br/topodata/index.php). Em sequência, a área de contribuição da bacia delimitada
a partir da metodologia específica (KWAST; MENKE, 2019).

Figura 1 - Delimitação da sub-bacia hidrográfica do Rio São Mateus – braço norte.

Fonte: os autores (2022).

Para a análise estatística dos índices hidrológicos, utilizou-se o teste estatísticos não-paramétrico,
indicados para estudos de séries temporais (SEYAM; OTHMAN, 2015) denominado “Mann-Kendall
test” (α = 5%). Este teste verifica tendências crescentes ou decrescentes, através da hipótese nula (H 0)
de que não há tendência nas séries temporais.

XXVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XXII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e 2
XII Encontro de Iniciação à Docência - Universidade do Vale do Paraíba - 2022
Para o mapeamento da cobertura vegetal e do uso do solo foram obtidos mosaicos Landsat
disponíveis na plataforma MapBiomas (https://plataforma.brasil.mapbiomas.org/) dos anos de 1985 e
2020, referentes aos anos mais próximos da série histórica trabalhada. Posteriormente, foram
quantificados os percentuais de floresta e agropecuária presentes nos respectivos anos trabalhados.

Resultados

Conforme Tabela 1, identificaram-se tendencias nas vazões médias anuais (Figura 2), Q7 (Figura 3)
e Q90 (Figura 4), indicando que houve diminuição nessas vazões durante o período estudado.

Tabela 1. Análise de tendência das variáveis hidrológicas consideradas no presente trabalho


Variável p-valor Tendência Inclinação de Sen
Qmed 0,003 Decréscimo -0,277 m3 s-1 ano-1
Q7 <0,0001 Decréscimo -0,089 m3 s-1 ano-1
Q90 0,000 Decréscimo -0,114 m3 s-1 ano-1
Pa 0,091 Nenhuma -2,648 mm ano-1
Qmed – vazão média anual; Q7 – vazão mínima média com 7 dias de duração; Q90 – vazão com permanência em 90% do
tempo; Pa – precipitação média anual

Figura 3. Tendência na vazão mínima com


Figura 2. Tendência na vazão média. 7 dias de duração.

Vazão Média Vazão Mínima com 7


70 dias de duração
60
15
50
40
m³/s

10
m³/s

30
20 5
10
0 0
1970 1980 1990 2000 2010 2020 1970 1980 1990 2000 2010 2020
Ano Ano

Fonte: os autores (2022).

Figura 4. Tendência na vazão mínima com 90 dias de duração

Vazão Mínima com 90 dias de duração


20

15
m³/s

10

0
1970 1980 1990 2000 2010 2020
Ano

Fonte: os autores (2022).

XXVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XXII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e 3
XII Encontro de Iniciação à Docência - Universidade do Vale do Paraíba - 2022
Por outro lado, a precipitação média anual (Figura 5 e Tabela 1) não apresentou tendência alguma,
permanecendo constante no mesmo período e, consequentemente, contrapondo-se ao comportamento
observado nas vazões.

Figura 5. Tendência na precipitação média anual.

Precipitação Média
2000

1500
mm³

1000

500

0
1970 1973 1976 1979 1982 1985 1988 1991 1994 1997 2000 2003 2006 2009 2012 2015 2018
Ano

Fonte: Produção do próprio autor.

Discussão
Tais comportamentos nas tendências das vazões não era esperado, quando considerando apenas
o comportamento da precipitação média anual do mesmo período (sem tendência). Porém, quando
analisados os dados de uso do solo e cobertura vegetal (Figura 6) percebe-se uma possível correlação
entre eles e a diminuição nas tendências das vazões médias da sub-bacia hidrográfica.
De forma semelhante, Mendes et al. (2018) também observaram tendência de redução das vazões
associada à redução da cobertura florestal na bacia do Itapemirim, também no Espírito Santo. O
aumento das vazões em bacias mais florestadas pode estar relacionado à maiores taxas de infiltração
em solos sob florestas, que possibilita o armazenamento da água em épocas chuvosas, e na
manutenção das vazões médias ou mínimas em épocas de estiagem.

Figura 6 – Percentual de agropecuária e floresta

Uso e Cobertura do Solo


90,00%
80,00%
70,00%
60,00%
50,00%
40,00%
30,00%
20,00%
10,00%
0,00%
Agropecuária Floresta

1985 2020

Fonte: os autores (2022).

XXVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XXII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e 4
XII Encontro de Iniciação à Docência - Universidade do Vale do Paraíba - 2022
Conclusão

Na bacia do rio São Mateus – braço Norte, a expansão da agropecuária e a diminuição da cobertura
florestal entre 1970 e 2020 acarretam a diminuição da vazão média e das vazões mínimas, o que se
associa aos atuais problemas ambientais ligados às mudanças climáticas.

Referências

ALMEIDA, K. N. de et al. Performance analysis of TRMM satellite in precipitation estimation for the
Itapemirim River basin, Espirito Santo state, Brazil. Theoretical and Applied Climatology, v. 141, n.
3–4, p. 791–802, 2020.

DO, H. X.; WESTRA, S.; LEONARD, M. A global-scale investigation of trends in annual maximum
streamflow. Journal of Hydrology, v. 552, p. 28–43, 2017.

DUAN, Z. et al. Response of river-lake hydrologic regimes to local climate change in the Yunnan-
Guizhou Plateau region, China. Regional Environmental Change, v. 20, n. 4, p. 122, 2020.

KENDALL, M. G. Rank correlation methods. 4th ed. ed. London: Griffin, 1975.

KWAST, H. VAN DER; MENKE, K. QGIS for Hydrological Applications: Recipes for Catchment
Hydrology and Water Management. 1. ed. Chugiak: Locate Press, 2019.

LAN, T. et al. Detection and attribution of abrupt shift in minor periods in human-impacted streamflow.
Journal of Hydrology, v. 584, p. 124637, 2020.

LEAL, A. P. P. N.; CECÍLIO, R. A.; ZANETTI, S. S. Pegada hídrica para a bacia hidrográfica do rio
Itapemirim. Scientia Agraria, v. 19, n. 2, p. 100–111, 2018.

LI, Y. et al. Contributions of Climate Variability and Human Activities to Runoff Changes in the Upper
Catchment of the Red River Basin, China. Water, v. 8, n. 9, p. 414, 2016.

LIMA, E. de P. et al. Temporal-spatial Control of the difference between Precipitation and


Evapotranspiration in Paracatu Sub-basins. International Journal of Advanced Engineering
Research and Science, v. 6, n. 6, p. 617– 622, 2019.

LIU, S. et al. Identification of the non-stationarity of extreme precipitation events and correlations with
large-scale ocean-atmospheric circulation patterns: A case study in the Wei River Basin, China.
Journal of Hydrology, v. 548, p. 184–195, 2017.

LU, H. et al. Long-term trends in climate and hydrology in an agricultural, headwater watershed of
central Pennsylvania, USA. Journal of Hydrology: Regional Studies, v. 4, p. 713–731, 2015.

MAHMOOD, R.; JIA, S. Assessment of hydro-climatic trends and causes of dramatically declining
stream flow to Lake Chad, Africa, using a hydrological approach. Science of The Total Environment,
v. 675, p. 122–140, 2019.

MENDES, N. G. de S.; CECÍLIO, R. A.; ZANETTI, S. S. FOREST COVERAGE AND STREAMFLOW


OF WATERSHEDS IN THE TROPICAL ATLANTIC RAINFOREST. Revista Árvore, v. 42, 2018.

PETTITT, A. N. A Non-Parametric Approach to the Change-Point Problem. Applied Statistics, v. 28,


n. 2, p. 126, 1979.

PIRNIA, A. et al. Using the Mann–Kendall test and double mass curve method to explore stream flow
changes in response to climate and human activities. Journal of Water and Climate Change, v. 10,
n. 4, p. 725–742, 2019.

XXVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XXII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e 5
XII Encontro de Iniciação à Docência - Universidade do Vale do Paraíba - 2022
SEYAM, M.; OTHMAN, F. Long-term variation analysis of a tropical river’s annual streamflow regime
over a 50-year period. Theoretical and Applied Climatology, v. 121, n. 1–2, p. 71–85, 2015.

SILVA, F. B. et al. Pluviometric and fluviometric trends in association with future projections in areas of
conflict for water use. Journal of Environmental Management, v. 271, p. 110991, 2020.

ZAREI, Z.; KARAMI, E.; KESHAVARZ, M. Co-production of knowledge and adaptation to water scarcity
in developing countries. Journal of Environmental Management, v. 262, p. 110283, 2020.

XXVI Encontro Latino Americano de Iniciação Científica, XXII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação e 6
XII Encontro de Iniciação à Docência - Universidade do Vale do Paraíba - 2022

Você também pode gostar