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Dezembro/2019
VIADUTO: MARCO MODERNISTA DA CAPITAL MINEIRA
A história da região que hoje é conhecida como Belo Horizonte começa a se delinear
por volta do ano de 1701, quando João Leite da Silva Ortiz chegou na região da Serra do
Curral, à época conhecida como Serra das Congonhas, e instalou a Fazenda do Cercado,
responsável por abastecer as regiões onde haviam atividades minerárias (CAMPOS; DIOGO,
2010, p. 8). Com o passar dos anos, nas redondezas da fazenda de Ortiz, aglomerados de
pessoas deram forma ao então nomeado Arraial do Curral del Rei que reunia “umas 30 ou 40
cabanas cobertas de sapé” (Penna, 1997 apud CAMPOS; DIOGO, 2010, p.10). Com a
proclamação da República em 1889, o território brasileiro foi dividido em Estados, dos quais
era em Minas Gerais, cuja capital era Ouro Preto, que o Arraial estava situado (CAMPOS;
DIOGO, 2010, p.11). Doravante, já no final da década de 1880, o Arraial tornou-se a capital
do Estado de Minas e passou a ser denominada como Cidade de Minas, tendo recebido a
nomenclatura de Belo Horizonte apenas em 1901 (GLOBO, 2017).
Sob a alcunha de capital do Estado de Minas Gerais, o município de Belo Horizonte
foi se modernizando rapidamente. Segundo Campos e Diogo (2010, p. 32) as estradas foram
recebendo calçamento, circulavam bondes e automóveis e nas vitrinas das lojas era possível
vislumbrar as mais novas tendências de moda de Paris: tudo o que havia de moderno poderia
ser visto pelas ruas da capital. A década de 1920 foi marcada pela modernização e expansão
industrial ocorrentes na cidade e, almejando o desenvolvimento da mobilidade urbana, o
engenheiro Emílio Baumgmant projetou o que viria a ser uma das principais construções e o
principal marco do modernismo da capital mineira: o Viaduto Santa Tereza. Inaugurado em
1929 e imortalizado no romance de Fernando Sabino, “Encontro Marcado”, que se passa nas
ruas da capital (CAIRES, [20--] e FRAGA, 2013). Carlos Drummond de Andrade também se
aventurou subindo em seus arcos, o que inspira afetos e repetições do feito ainda hoje.
Com 390 metros de extensão, 13 metros de largura, 14 metros de altura e 700 metros
cúbicos de concreto utilizado em seus arcos parabólicos, o viaduto foi construído para ligar os
bairros Floresta e Santa Tereza, sendo uma das primeiras construções nacionais a utilizar
concreto armado em sua estrutura (CAIRES, [20--]). Na década de 1990 a construção foi
incluída como parte do conjunto arquitetônico e paisagístico da Praça da Estação (CAIRES,
[20--]), inscrito no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico e no Livro do
Tombo de Belas Artes (IEPHA, 2016).
“O Conjunto Paisagístico e Arquitetônico da Praça Rui Barbosa, Praça da
Estação, é constituído pela Praça, seus jardins e esculturas, a área descrita na
planta que o integra inclui os prédios da Estação Central, antiga estação
Ferroviária Oeste de Minas, Casa do Conde de Santa Marinha, Edifício
Chagas Dória, antiga Serraria Souza Pinto, Escola de Engenharia da
Universidade Federal de Minas Gerais (antigo Instituto de Eletrotécnica),
antigo Instituto de Química e Pavilhão Mário Werneck. Seu tombamento
estadual foi homologado pelo decreto n.° 27.927, de 15 de março de 1988.
Constam ainda no perímetro de tombamento os viadutos da Floresta e de
Santa Tereza e os Dormitórios e Armazéns da Estação. O conjunto está
inscrito no Livro de Tombo n.° I — Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico
— e no Livro de Tombo n.° II — de Belas Artes” (IEPHA, 2016).
Sem haver nenhuma audiência pública que contasse com a participação dos segmentos
sociais que já faziam uso do espaço (SOARES; PIMENTA, [20--] e INSTITUCIONAL,
2017), o uso baixio do Viaduto Santa Tereza foi cedido à empresa CUFA (Central Única de
Favelas) através do Termo de Direito Real de Uso entregue pela Prefeitura de Belo Horizonte
(PBH, 2017). De acordo com a PBH (2017) o projeto “tem o objetivo de promover a
convivência e valorizar o espaço urbano”, almejando também a realização de projetos de
revitalização da área em questão.
A partir do pontapé em 2007, o baixio e a rua Aarão Reis - que liga o viaduto à Praça
da Estação - passa a ser palco de inúmeras formas de ocupação. O eterno Nelson Bordello que
virou Baixo Centro Cultural, o Teatro espanca! e o Centro de Referência da Juventude -
1
Das informações contidas nesta sessão: sobre o Duelo de Mc’s (Entrevista com Ludmila Ribeiro, uma dos
fundadoras do Família de Rua, coletivo organizador do movimento, em maio de 2018); sobre o processo
histórico do Viaduto:
http://indebate.indisciplinar.com/wp-content/uploads/2017/05/cartilha-real-da-rua-1-Low.pdf; reportagens
e nosso conhecimento e vivência como moradores da cidade de Belo Horizonte.
antigamente, o CRJ era a casa do Projeto Miguilim, que oferecia oficinas, atividades para
crianças de rua - formam uma geometria de ocupação permanente que, em 2011, veio a se
chamar carinhosamente Corredor Cultural Estação das Artes. Quanto às manifestações,
podemos destacar a priori o Samba da Meia Noite2, a Parada Gay e reuniões de diversos
movimentos sociais. Em 2009: "FICA PROIBIDA A REALIZAÇÃO DE EVENTOS DE
QUALQUER NATUREZA NA PRAÇA DA ESTAÇÃO" (DECRETO Nº 13.798 09/12),
conjuntamente com uma tentativa de criminalização do Duelo de Mc’s, principalmente por
parte da Polícia Militar.
Em meio a muitas negociações com a Prefeitura de Belo Horizonte para uso do baixio
e sem sucesso, os movimentos uniram forças e ocuparam a praça. Era o início da Praia da
Estação e mote para o DECRETO Nº 13.960, que “Revoga a proibição de eventos na Praça da
Estação” em 2010. Temos aqui o início de diversos movimentos populares, como a Real da
Rua, dispostos a se articular para preservar o direito de ocupação do Viaduto, acirrando a
disputa de forma elegante com a Prefeitura que dificultava, burocrática e juridicamente, os
caminhos para a consolidação da conquista do espaço. Em 2013, a PBH3 anuncia obras de
revitalização do espaço do baixio do Viaduto. A promessa consistia numa pista de skate onde
havia o galpão e seus moradores e do outro lado a implantação de um mini circuito de
bicicleta, dentre outras instalações e reformas4. Todo o perímetro do baixio foi vedado com
tapumes. Em fevereiro de 2014 os movimentos sociais interessados em utilizar o espaço,
cansados de esperar uma reforma que praticamente não caminhava, resolveram ocupar de vez,
retirando os tapumes e promovendo eventos, oficinas, rodas de conversa e as próprias batalhas
de Mc’s diariamente5. A resposta da Prefeitura foi a criação de uma Comissão de
Acompanhamento das Obras do Viaduto Santa Tereza, que incluiu a sociedade civil.
2
Grupo tradicional de samba de roda belorizontino.
3
Prefeitura de Belo Horizonte
4
https://www.hojeemdia.com.br/horizontes/obras-de-revitaliza%C3%A7%C3%A3o-e-reforma-do-viaduto-santa-
tereza-come%C3%A7am-a-sair-do-papel-1.270026
5
FONTE: https://revistaforum.com.br/noticias/bh-ocupacao-por-mais-participacao/
ocupou. Se a obra estava a passos lentos antes disso, ficou mais ainda
depois” (Pedro Valentim, integrante do Família de Rua, 20166)
Em 2016 a PBH concede permissão de direito de uso de baixios de viadutos por meio
do DECRETO Nº 16.537 30/12
(http://indebate.indisciplinar.com/wp-content/uploads/2017/05/cartilha-real-da-rua-1-Low.pdf
) e em 2017 aprova o projeto da CUFA para revitalização do espaço pelo Termo Geral de Uso.
Este projeto incluía implantações contínuas como uma feira diária e reforma dos banheiros do
viaduto, entre outras propostas. Houve novo levante dos movimentos para entender no que
consistia o projeto7. Desde então, o Viaduto continua sendo palco do Duelo de Mc’s,
quinzenalmente aos domingos durante a tarde, espaço para ensaio de blocos de carnaval,
shows e eventos culturais financiados por meio de editais públicos promovidos pela
Prefeitura. A pista de skate foi reformada e é utilizada diariamente.8
Apoiados na perspectiva dos ELP’s de que nos fala Lúcia Capanema Álvares em
artigo sobre apropriação e identidade nos Espaços Livres Públicos (ÁLVARES, 2014), a ideia
é entender como o Viaduto Santa Tereza engendra o próprio e importante movimento de
apropriação e formação de identidade pelos diversos segmentos sociais e manifestações que,
articuladas, promovem a defesa e livre ocupação do espaço. Ademais, comportou e comporta
os conflitos de que nos fala a autora, que promovem engajamento e processos de resistência à
hegemonia empresarial atrelada a do Estado (ALVARES, 2014):
6
FONTE: https://www.brasildefato.com.br/node/33868/
7
https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2017/03/23/interna_gerais,856533/veja-detalhes-do-projeto-que-gara
nte-atividades-nos-viadutos-de-bh.shtml /
https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/prefeitura-entrega-termos-de-direito-real-de-uso-de-baixios /
https://www.facebook.com/events/viaduto-santa-tereza-belo-horizonte-mg-30150-101-brasil/sobre-o-direito-real-
de-uso-do-viaduto-santa-tereza/237856233287889/
8
Uma pesquisa mais aprofundada com integrantes dos movimentos é necessária para melhor entendimento do
processo que se deu após a PBH conceder o Direito de Uso à CUFA. Considerando a realização deste trabalho
como um projeto a ser desenvolvido e pelo limite de laudas estabelecido, muitas informações que poderiam ser
desenvolvidas em vários aspectos, não foram.
caminho para seu reconhecimento e inclusão no jogo político; o
interesse público e o bem público, constituídos socialmente pelas
relações desiguais de poder, teriam então que enfrentar os conflitos de
interesses coletivos” (IBIDEM.p. 185).
Entendendo “o espaço como totalidade, como uma instância social, no mesmo nível da
instância econômica e da instância cultural, ideológica e política” (ALVARES, 2014.p.182),
os movimentos sociais e o processo histórico de ocupação do Viaduto Santa Tereza
solidificaram o espaço como local de resistência política, conformação de identidades - vale
mencionar que o viaduto em conjunto com o Duelo de Mc’s é reconhecido no país inteiro,
recebendo anualmente a Final do Duelo de Mc’s Nacional, tendo gestado também nomes
importantes no cenário do rap nacional, como Djonga - além de gerar renda e trabalho para
ambulantes e para os bares do Corredor das Artes, em conjunto com o Baixo Centro Cultural
e com o Teatro espanca!.
Em campo, utilizando os aspectos abordados durante o semestre sobre processos de
patrimonialização, o que é patrimônio e para quem, entrevistamos pessoas durante um evento
no viaduto com as seguintes perguntas - “Por que o viaduto é um patrimônio para você?” e
“Você reconhece o viaduto como patrimônio cultural? Por quê?” e respectivas respostas:
“Porque faz parte da minha adolescência, da minha infância onde eu
ouvia rap, funk, metal, onde a gente sabia da exclusão da sociedade
com as pessoas da periferia… porque tem arte, porque tem pessoas
que moram aqui. Toda essa relação faz do viaduto e principalmente
essa parte aqui de baixo um patrimônio da periferia, um dos únicos
lugares onde a periferia de Belo Horizonte atua na região central com
força cultural.”
Vale mencionar que não informamos aos interlocutores previamente que o Viaduto é
inscrito no Livro do Tombo Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico e no Livro do Tombo de
Belas Artes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
http://mapio.net/pic/p-8000870/
https://www.revistaforum.com.br/bh-ocupacao-por-mais-participacao/
https://www.youtube.com/watch?v=kC7UcBf_Ss4 - Duelo de Mc’s 02/11/12
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
ALVARES, Lucia Capanema. Espaços livres públicos (elp): uma análise multidimensional de
apropriações e identidades. Espaço e Cultura, n. 36, p. 179-202, 2014;
CAIRES, Ana Júlia. Viaduto Santa Tereza: Conheça um dos símbolos de BH. [S. l.], [20--].
Disponível em:
https://www.hometeka.com.br/f5/viaduto-santa-tereza-conheca-um-dos-simbolos-de-bh/.
Acesso em: 4 dez. 2019;
CAMPOS, Luis Fernando. 2013. “Ocupa Belo Horizonte: cultura, cidadania e fluxos
informacionais no Duelo de MC’S.” Trabalho apresentado no Programa de
Pós-Graduação nas Ciências da Informação, UFMG.
CAMPOS, Helena Guimarães; DIOGO, Sílvia Adriana Coelho de Souza. História de Belo
Horizonte: História Ensino Fundamental. 1. ed. Belo Horizonte: Lê, 2010. 144 p. ISBN
9788532907325;
FRAGA, Álvaro. Viaduto que marcou juventude de Fernando Sabino pede socorro em
Belo Horizonte: Bar do Ponto, por sua vez, é só lembrança no Centro da capital mineira. [S.
l.]: Estado de Minas, 12 out. 2013. Disponível em:
https://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2013/10/12/interna_gerais,458989/viaduto-que-mar
cou-juventude-de-fernando-sabino-pede-socorro-em-belo-horizonte.shtml. Acesso em: 4 dez.
2019;
GLOBO, G1. Viva BH: 120 anos de Belo Horizonte, os principais marcos da história da
capital mineira. In: Minas Gerais. [S. l.], 3 out. 2017. Disponível em:
http://especiais.g1.globo.com/minas-gerais/viva-bh/2017/linha-do-tempo-historia-de-belo-hor
izonte/. Acesso em: 3 dez. 2019;
IEPHA. Conjunto paisagístico e arquitetônico da Praça Rui Barbosa (Praça da Estação). In:
Bens tombados. Belo Horizonte, 2016. Disponível em:
http://www.iepha.mg.gov.br/index.php/programas-e-acoes/patrimonio-cultural-protegido/bens
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MENESES, Ulpiano T. B et. al. 2006. “A cidade como bem cultural: áreas envoltórias e
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PBH. Prefeitura entrega Termos de Direito Real de Uso de baixios. Notícias. Belo
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https://prefeitura.pbh.gov.br/noticias/prefeitura-entrega-termos-de-direito-real-de-uso-de-baixi
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Londrina: Eduel, 2012