Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1. Introdução
Fonte: http://qnint.sbq.org.br/
A China controla a indústria global de ETRs e estabeleceu uma posição dominante em toda a
cadeia de valor (desde a mineração até a produção de produtos intermediários e finais, como
ímãs). A China produz cerca de 90% das ligas de
ímãs permanentes do mundo. Em 2018, o país asiático exportou 53 mil toneladas de elementos
de terras raras e importou 41,4 mil toneladas, uma vez que outros países passaram a produzir o
concentrado de Terras Raras, mas ainda não dominam as demais etapas da cadeia produtiva,
como a produção/separação dos óxidos e a obtenção das ligas (principalmente os EUA, na sua
mina de Mountain Pass). Somente a Malásia tem uma unidade refinadora da Lynas (cujo
concentrado vem da Austrália) para atender quase totalmente a demanda do Japão.
A projeção da demanda por Terras Raras é crescente, visando atender não somente ao aumento
do consumo da China, mas às estratégias de diversificação da Europa, Japão e EUA, cujas
necessidades atuais e futuras têm forte dependência da China, sobretudo no tocante às terras
pesadas e magnéticas, em vista da pressão pelo cumprimento das metas de emissões de gases
de efeito estufa, definidas no Acordo do Clima de Paris e de outras demandas estratégicas
(economia verde).
Outro fator de instabilidade seria a restrição às exportações de Terras Raras (e seus produtos),
cujo resultado seria o aumento dos preços, gerando ameaças à estabilidade do fornecimento ao
mercado mundial e colocando em risco desde a expansão da indústria “4.0”, baseada em
teleconectividade e alta tecnologia, assim como o esforço de transição global para sistemas de
energia e mobilidade de baixo carbono.
Além disso, o Brasil está investindo no desenvolvimento da cadeia produtiva das TRs, até a etapa
dos produtos finais (imãs, óxidos, etc), incluindo diversas iniciativas que vão desde o
mapeamento geológico e estudos da CPRM (Serviço Geológico do Brasil) e atuação do
MME/ANM (Ministério das Minas e Energia/Agência Nacional de Mineração).
Desde 2011, ainda, são realizados os “Seminários Brasileiros de Terras Raras”, bianuais, e
encontros do INCT sobre o tema.
Fonte: https://www.cetem.gov.br/images/palestras/2013/iisbtr/08-carlos-schneider.pdf
4. China I
A China era um pequeno produtor e exportador de concentrados de ETRs antes da década de
1990. De 2000 em diante, consolidou-se como maior produtor e exportador mundial desses
recursos (Figura 03), controlando quase toda a sua cadeia produtiva – da mina às etapas de
fabricação de óxidos/ligas, imãs, etc.
Figura 03 –
Áreas produtoras de Terras Raras na China
Fonte: https://web.mit.edu/12.000/www/m2016/finalwebsite/problems/limitedaccess.html
O Governo Chinês assumiu o controle da cadeia de Terras Raras na década de 2000, iniciando a
política de tributação e forte controle da produção das minas, definindo as TRs como recursos
estratégicos, mediante uma legislação específica: a lei de “Diretrizes para Promover o
Desenvolvimento Sustentável e Sólido da Indústria de Terras Raras”.
Além disso, em sintonia com sua tradição de impor uma forte intervenção estatal para a gestão de
seus problemas internos, o governo Chinês atua de maneira direta e intensa não apenas sobre o
combate à ilegalidade (produção, processamento e comercialização), mas também no incentivo à
inovação e na regulação da oferta, limitando o acesso aos recursos minerais e adotando certa
leniência com os controles ambientais.
A meta de tornar o país um líder mundial em inovação e tecnologia com o “Programa Nacional
de Médio e Longo Prazo para o Desenvolvimento da Ciência e Tecnologia” e seus
desdobramentos, explica a necessidade do governo chinês de impor restrições às suas
exportações de ETRs e produtos, de forma a atender sua crescente demanda interna. Para isso,
estabeleceu um sistema estratégico de reserva de recursos, que resultou na importação de
concentrados de TRs de outros países (uma vez que esses não avançaram na cadeia produtiva).
É importante destacar que a China tem um detalhado programa de planejamento, com clara
definição das metas e objetivos para cada plano, com desdobramentos periódicos, alocando
centenas de pessoas para especialização e favorecendo um sistema de inovação e
desenvolvimento de indústrias competitivas e tecnológicas a jusante.
Uma avaliação interessante da cadeia de TRs é pelas lentes da estrutura de resiliência, avaliando
quatro mecanismos primários: diversidade de fornecimento, estocagem, reciclagem e
substituição. Citamos alguns mecanismos que influenciam a resiliência, positiva ou
negativamente, como: cotas, impostos, leis de comércio internacional, importação de ETRs da
China, investimento no exterior, padronização, estocagem, regulamentações ambientais,
consolidação da indústria, câmbio, mineração ilegal, contrabando e especulação.
A par dessa reviravolta no mercado, houve apenas um sucesso marginal em buscar fontes de
suprimento fora da China. A Austrália implantou uma nova instalação de processamento de TRs
ambientalmente controversa na Malásia. A Molycorp (EUA) reabriu a mina Mountain Pass na
Califórnia, em 2012, declarando falência em 2015. A mina foi posteriormente reativada pela MP
Materials, com apoio do governo americano e participação de capital chinês (Neo
Material/Shenghe).
Fonte: Bloomberg
6. China II
Para combater a produção ilegal e a poluição, a China seguiu um caminho diferente,
consolidando todas as empresas de terras raras em seis grandes companhias estatais – China
Minmetals, Chinalco/Shenghe, Baotou Steel, Xiamen Tungsten, Ganzhou Rare Earths e
Guangdong Guangsheng Rare Earths -, movimento intensificado a partir de 2014, especialmente
após sua derrocada na OMC. O governo impôs uma legislação e apoio com financiamentos para
a aquisição de pequenas operações e minas ilegais. Em junho de 2016, esses seis grupos
integraram 22 das 23 minas e 54 das 59 unidades de separação de fundição existentes,
reduzindo a concorrência interna.
A China também iniciou uma política de estocagem a partir de 2012, sob a direção do Ministério
de Terras e Recursos (MLR), com pelo menos 10 instalações de armazenamento gerenciadas
pelo maior produtor mundial de ligas de terras raras, a estatal Baotou Steel Rare-Earth Group. A
continuidade da formação de estoques estratégicos pela China, especialmente de Terras Raras
Pesadas (HREE), mais críticas, pode impactar severamente o mercado devido à posição forte do
país para manipular a oferta e os preços do produto, aumentando ou liberando suas reservas
estratégicas.
7. Impostos de exportação
Impostos de exportação de até 27% foram aplicados para os concentrados de TRs pesadas mais
críticas, enquanto as TRs leves são tributadas em 11,5% na Mongólia Interior, onde está
localizada a maior produtora mundial, a Baotou Steel, em 9,5% na província de Sichuan e em
7,5% na província de Shandong.
Um imposto mais alto e o aumento de preço provavelmente induzirão à produção ilegal na China
e aumentarão o investimento em projetos no exterior, influenciando positivamente a diversificação
do fornecimento e melhorando a resiliência da cadeia de fornecimento no longo prazo.
À medida em que a mineração doméstica fica cada vez mais restrita com base no meio ambiente
ou na legalidade, as fundições chinesas passam a importar concentrados para manter a utilização
de sua capacidade instalada de processamento e atender à demanda interna da sua indústria.
Um aumento nas importações chinesas reduzirá não só a disponibilidade de ETRs para empresas
não chinesas como, em consequência, a resiliência de sua cadeia de abastecimento global,
apesar da capacidade de separação e refino ser um fator limitante fora da China.
A Northern Minerals assinou um acordo com uma subsidiária do Guandong Rare Earths Group,
um dos seis conglomerados REE estatais. A aquisição de ativos estrangeiros de ETRs é uma
estratégia de longo prazo para lidar com a segurança de abastecimento da China, protegendo a
indústria do país do esgotamento dos recursos domésticos , declínio dos teores e aumento do
custo da mineração doméstica sob rígidas regulamentações ambientais. Há também esforços por
parte das seis grandes empresas estatais para encerrar operações de mineração não lucrativas e
poluidoras do meio ambiente, o que serve como uma motivação para investir em países
estrangeiros.
O objetivo da China é atingir o nível de produção de 50% dos veículos elétricos e híbridos no
mundo, com enorme impacto na indústria automotiva da Europa, América do Norte e Ásia,
apoiado pelo seu amplo domínio nas cadeias de fornecimento de insumos com base nos minerais
críticos. A indústria de Veículos elétricos (VE) é um dos pilares do ambicioso e polêmico
programa “Made in China 2025” (“China Manufactured 2025”) do Partido Comunista Chinês
(além do “Belt and Road”), que visa dominar segmentos de alta tecnologia e de rápida expansão.
O plano identifica diversos setores-chave: tecnologia da informação avançada, máquinas-
ferramentas de controle digital e robótica, aviões, equipamentos (oceânicos&navegação,
transporte ferroviário, agrícolas, energia elétrica e médicos), veículos elétricos, novos materiais e
biofarmacêuticos.
Além disso, a China controla cerca de 70% da capacidade global de fabricação de baterias para
veículos elétricos, enquanto a América do Norte tem menos de 10%. As cadeias globais de valor
estão migrando para a China, transferindo suas fábricas visando o fornecimento seguro de Terras
Raras. Citamos a Tesla, que construiu sua mega fábrica nos arredores de Xangai, e a Ford, que
está considerando fabricar seu novo Mustang elétrico Mach-E na China.
Em 1997, a China iniciava a aquisição da subsidiária da General Motors – cuja estratégia, então,
era se desfazer de subsidiárias consideradas “não essenciais”) – Magnequench que, no início dos
anos 1980, patenteou a tecnologia para ímãs permanentes usando o neodímio de terras
raras. O ímã NdFeB surgiu em 1983, quando cientistas da General Motors e Hitachi descobriram
que o NdFeB tinha propriedades magnéticas permanentes superiores e enviaram pedidos de
patentes. Ao mesmo tempo, a Sumitomo do Japão patenteou um método diferente para fazer
ímãs de terras raras.
A venda da Magnequench foi polêmica – os reguladores exigiram que os ativos fossem retidos
nos EUA por pelo menos cinco anos. A aquisição, feita por um consórcio liderado pelo Sextant
Group, foi depois repassada a duas empresas chinesas (Beijing San Huan New Materials High-
Tech Inc. e China National Non-Ferrous Metals Import & Export Corporation). O novo presidente
chinês da Magnequench, Hong Zhang, era casado com a filha do líder chinês Deng Xiaoping,
Deng Nan. A empresa estabeleceu linhas de fabricação de ímãs em Tianjin e, em 2002, transferiu
todas as suas operações para a China.
Assim também, toda a cadeia de valor das Terras Raras migrou para a China e empresas como
Molycorp, Rhodia e indústrias japonesas também transferiram tecnologias de refino e metalurgia
(por volta de 1980) para o país, com o objetivo de reduzir o custo dos materiais acabados e
transferir os problemas ambientais.
No final da década de 1990, os chineses avançaram para produtos de maior valor como ímãs,
materiais fosforescentes e compostos de polimento. Desde a virada do século, a China fornece
produtos acabados, incluindo motores elétricos, computadores, baterias, telas de cristal líquido
(LCDs), telefones celulares e dispositivos eletrônicos portáteis.
A Guerra comercial EUA x China já teve desdobramentos mostrando esse risco. O jornal oficial
do Partido Comunista da China alertou explicitamente os EUA sobre o risco de corte de
fornecimento, como contramedida à escalada da batalha comercial entre os dois países. Em
resposta, o Pentágono apresentou um relatório ao Congresso norte-americano sobre minerais de
Terras Raras.
Estabelecer uma cadeia de Terras Raras fora da China levará anos e exigirá uma resposta
federal bipartidária (Republicanos e Democratas), grande apoio governamental, intensa atividade
de PD&I, cooperação internacional, foco em longo prazo e colaboração de gigantes industriais
nos EUA, Europa e Japão.
Os produtores estatais chineses têm amplo controle desse mercado e podem adotar a estratégia
do petróleo saudita, abrindo as torneiras para inundar o mercado e reduzindo o preço do disprósio
e de outros elementos, o que inviabilizaria novos entrantes. Depois, reestabeleceriam seu
monopólio e domínio de toda cadeia produtiva, exercendo o controle dos preços.
Nas últimas décadas, as ações e inação dos EUA em relação aos ETRs resultaram em um vácuo
no cenário mundial que a China preencheu com muita estratégia e maestria. A China entendeu
completamente a importância única da cadeia de ETRs e posicionou-os como um componente
essencial de seu plano de 100 anos de domínio global até 2049, o centenário da revolução
comunista da China.
O ex-presidente Donald Trump assinou uma ordem executiva com o objetivo de expandir a
produção doméstica de minerais de Terras Raras em julho de 2019, um ano depois que o
Departamento de Defesa recebeu ordens para estimular a produção de ímãs.
Outro passo foi dado pelo atual presidente Joe Biden e pelo primeiro-ministro canadense Justin
Trudeau, que se comprometeram a construir uma cadeia de suprimentos entre os dois países
(“Plano de Ação Conjunta Canadá-EUA sobre Colaboração de Minerais Críticos”), para os setores
de manufatura, tecnologia de comunicação, aeroespacial e defesa e tecnologia limpa. Dos 35
minerais e metais que os EUA consideraram críticos, 13 têm como principal fonte de fornecimento
o Canadá.
Em julho de 2020, Biden revelou um plano de infraestrutura verde de US$ 2 trilhões e um plano
de energia que representará uma mudança em grande escala em direção à energia renovável,
com a meta de utilizar 100% de fontes renováveis de energia até 2035 e zerar as emissões
líquidas até 2050.
As empresas canadenses também podem solicitar subsídios do governo dos Estados Unidos sob
o US Defense Production Act e outros programas de financiamento norte-americanos. Não há
tarifas nos EUA para metais de bateria ou peças para veículos elétricos (VE). A empresa privada
USA Rare Earth investiu no projeto de Terras Raras da Search Minerals em Newfoundland, no
leste do Canadá. A USA Rare Earth é o parceiro de desenvolvimento e financiamento do projeto
de minerais críticos e Terras Taras pesadas de Round Top Mountain, no Condado de
Hudspeth. Ela também possui equipamento de fabricação de ímã de Terras Taras, anteriormente
pertencente e operado pela Hitachi Metals na Carolina do Norte, e abriu uma instalação de Terras
Raras e minerais essenciais em Wheat Ridge, no Colorado, para comissionar uma planta piloto
de extração de Troca Iônica Contínua (CIX) com métodos de separação e recuperação a partir de
matéria-prima da Round Top e outras fontes domésticas.
A atual falta total de capacidade de processamento de ETRs nos EUA ameaça a segurança
nacional, limita a produtividade econômica e reduz o emprego nas áreas de alta tecnologia. Se os
EUA não agirem com rapidez e eficiência, não conseguirão lidar com a realidade fundamental de
que a China agora exerce controle total sobre o acesso, fornecimento e preços das Terras Raras.
Em 2040, a Bloomberg New Energy Finance (BNEF) prevê que o estoque global de VE possa
atingir 500 milhões (passando de 4% do mercado em 2020 para 70% até 2040), representando
um mercado global da ordem de US$ 4 a 7 trilhões até 2030 e de US$ 46 trilhões até 2050. Por
sua vez, o IEA estima que o estoque global de VE deve atingir 245 milhões de veículos em 2030.
Medidas regulatórias visam apoiar essa transição em diversos países do mundo.
Se há uma luz no fim do túnel é a potencialidade de novas reservas de Terras Raras suficientes
já identificadas no mundo para atender à necessidade de insumos para a transição para energias
renováveis fora da China. O problema é o enorme investimento de capital e um período mínimo
de 10 a 20 anos para abrir novas minas e desenvolver tecnologias e unidades de manufatura ao
longo da cadeia produtiva. O crescimento projetado no mercado de VE, impulsionado por
anúncios de políticas ambiciosas e novas medidas regulatórias, deve colocar pressão substancial
na cadeia de suprimentos de Terras Raras. A demanda adicional da economia verde sugere que
fontes sustentáveis de insumos com Terras Raras fora da China serão fundamentais para
viabilizar essa transição em grande escala. “Você não pode ter energia verde sem mineração”,
afirma Mark Senti, executivo-chefe da empresa de ímãs de Terras Raras com sede na Flórida,
Advanced Magnet Lab Inc. “Essa é a realidade.”
Primeiramente, as duas iniciativas críticas necessárias são inovação (PD&I) e mais instalações de
processamento ao longo de toda cadeia produtiva, permitindo que outros países além da China
garantam seus suprimentos de Terras Raras (ETRs). No longo prazo, usar menos desses
materiais ou substituir seu uso em produtos eletrônicos reduzirá lentamente a sua importância e a
vantagem estratégica atualmente desfrutada pela China. A China mantém o controle
das patentes de processos de conversão de óxidos de Terras Raras separados em metais de
alto valor, ligas e ímãs necessários para as tecnologias de defesa e energia dos Estados
Unidos. A China acumula mais patentes de Terras Raras do que os Estados Unidos e o resto do
mundo juntos.
Assim, o Brasil deverá avaliar seu posicionamento nas Terras Raras, buscando sua inserção nas
cadeias globais de suprimento, aproveitando a oportunidade de estabelecer novas parcerias,
garantindo acesso a novas tecnologias e a novos mercados, além de agregar valor ao longo da
cadeia produtiva. O momento abre novas perspectivas de projetos no Brasil.
Visando o aproveitamento das potencialidades das Terras Raras no Brasil, seria importante
avaliar um Sistema de Gerenciamento de Banco de Dados abrangente, que contenha todas as
informações relevantes sobre depósitos/ocorrências ETRs (Big Data) e integração das políticas
públicas. Uma boa prática seria a governança integrada de um sistema de PD&I com apoio de
instituições de pesquisa, a exemplo do CETEM, universidades, fundações e sistemas estaduais
de pesquisa englobando todos os atores envolvidos e buscando sinergias. Outra oportunidade
para o Brasil é diversificar suas fontes internas de fornecimento de concentrados viabilizando
operações de pequena e média escala e estimulando o aproveitamento de subprodutos dem
operações minerais com outro foco (CBMM, Minsur, CMOC, etc).