Você está na página 1de 11

Marcelo Victor Duarte Correa*

Rachid Diniz Ferreira Sallé**


Vanilce Almeida Alves***

__________________________________
*Oficial da Polícia Militar do Estado de Rondônia. Graduado em Segurança Pública pela Unisul,
Curitiba/Paraná.E-mail:Marcelo@pm.ro.gov.br
**Oficial da Polícia Militar do Estado de Rondônia. Graduado no curso de Direito, pela Associação
Vilhenense de Educação e Cultura. E-mail salle@pm.ro.gov.br
***Oficial da Polícia Militar do Estado de Rondônia. Graduação em Direito pela Universidade Cruzeiro
do Sul, UNICSUL, São Paulo/BR e Graduada em Segurança Pública Graduação em Ciências
Policiais de Segurança e Ordem Pública, Polícia Militar do Estado de São Paulo, PM/SP, Sao
Paulo/BR. E-mail vanilcealmeida@hotmail.com
RESUMO

Este trabalho aborda a problemática da Segurança Pública sob o prisma da


dinâmica cultural, e seio Castrense, bem como, da influência significativa dos
regimes autoritários no Brasil nas instituições policiais e jurídicas. O contexto social
de violência desenfreada, no tocante à crescente criminalidade afeta a todos,
inclusive aos agentes aplicadores da lei, que são parte de uma sociedade
constituída sob pilares da ditadura e democracia. O que se pretende é conscientizar
o leitor que segurança pública é direito do Estado, responsabilidade e dever de
todos, e que o medo gerado pela expectativa negativa não vai resolver o problema,
principalmente se cada cidadão buscar sua própria segurança. Há que se buscar
alternativas, através da coparticipação e alteridade, bem como investimento e
mudanças significativas nas estruturas das instituições e seus agentes.

PALAVRAS CHAVES: cultura - segurança – pública – ditadura – violência -


alteridade – participação

.
ABSTRACT

This paper discusses the problem of public security from the perspective
of cultural dynamics, and within Military, as well as the significant influence of
authoritarian regimes in Brazil in police and legal institutions. The social context of
rampant violence, with respect to increasing crime affects everyone, including law
enforcement applicators, which are part of a company incorporated under the pillars
of dictatorship and democracy. The aim is to educate the reader that public safety is
law of the State , responsibility and duty of all , and that the fear generated by the
negative expectation will not solve the problem , especially if each citizen to seek
their own safety . We must seek alternatives through joint participation and otherness,
as well as investment and significant changes in the structures of institutions and
their agents

KEY WORDS: Culture – safety – public – ditctatorship - violence – otherness -


participation.
O legado histórico da cultura de um povo não pode ser esquecido jamais,
uma vez que, como dizia Alfred Kroeber (1876-1960) sobre o conceito de cultura o
homem através da aquisição cultural passou a depender mais do aprendizado que a
agir através de atitudes geneticamente determinadas com a experiência.

No contexto da Segurança Pública a dimensão subjetiva afetiva, simbólica e


cultural devem ser memoradas, pois nesta dimensão é que são formadas as
expectativas, considerando que segurança não se trata somente de um fenômeno,
“mas uma relação entre o presente que se percebe e o futuro que se antecipa nas
prospecções cotidianas”, como diz SOARES (2012, p.294).

Neste conceito de Luiz Fernando Soares, a estabilização de expectativas


positivas em específico quanto à ordem pública e a vigência da sociabilidade
cooperativa, explica que nunca foi tão necessário resgatar a confiabilidade e a
sensação de segurança promovida pelos órgãos responsáveis pela segurança
pública, como nos dias atuais, vez que a transparência se torna imperativa para
restaurar uma confiança perdida na política e na polícia.

O que se infere é que a insegurança é generalizada em função da escalada


da violência, em termos de crimes, e há dificuldade nos mecanismos de controle em
reverter tal situação, por que sobre os fatos que realmente ocorrem e o que se
percebe é que o medo que impera acaba se tornando uma “profecia” que se cumpre,
quer dizer, o mal que se teme sobrevém.

Desta forma, cada vez mais, as motivações para se auto proteger, emergem
através do comportamento social de buscar a privatização da sua segurança,
demonstrados pela apatia nos relacionamentos, numa tendência de apartar-se cada
dia mais, vê-se pelo uso mais frequente de muros, cercas elétricas, câmeras, carros
blindados, e outros meios de particularizar sua segurança.

__________________________
Antropólogo americano, em seu artigo "O superorgânico" mostrou como a cultura atua sobre o homem, ao
mesmo tempo em que se preocupou com a discussão de uma série de pontos controvertidos, pois suas
explicações contrariam um conjunto de crenças popu-lares. Iniciou, como o titulo ele seu trabalho indica, com a
demonstração de que graças à cultura a humanidade distanciou-se do mundo animal. Mais do que isto, o homem
passou a ser considerado um ser que está acima de suas limitações orgânicas.
5

Os crimes mais comuns nas cidades brasileiras, como roubos e furtos, vem
tomando dimensões exacerbadas, os furtos, por exemplo assolam os lares
brasileiros, sem sombra de dúvida o campeão de registro, crime complexo de ser
combatido, causam a sensação de insegurança, fazendo com que as pessoas
procurem alternativas diversas, diante da ineficiência do poder público, a mais
comum delas, as grades, já estão perdendo espaço para os carros blindados, as
cercas elétricas e monitoramento interno (televigilância), e outros meios onde o
proprietário da residência pode acompanhar o que acontece em sua casa pelo seu
celular, se desejar.

Fato que vem sendo colocado por alguns estudiosos como forma de opressão
e de segregação, da classe dominante, por afastar cada vez mais as pessoas uma
das outras. Até podemos entender em parte tal colocação, mas na verdade cremos
na tese da “falência” da Segurança Pública Nacional. O Brasil apresenta índice de
mortes violentas comparado a países em guerra, a venda e o consumo de droga
esta incontrolável e o investimento em políticas sérias de segurança pública não
acompanha a dinâmica criminal.

O smartphone atualmente é a mais importante ferramenta dos moradores dos


centros urbanos, com ele é possível localizar pessoas, encontrar lugares com
facilidade entre tantas alternativas, a mais nova delas foi lançada há pouco tempo
pelo Governo Federal, o SINESP Cidadão, que é um módulo do Sistema Nacional
de Informações de Segurança Pública que permite ao cidadão brasileiro acesso
direto a serviços da Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da
Justiça. Este disponibiliza, em sua primeira versão, a funcionalidade de consultar
informações de veículos registrados na base nacional do cadastro do DENATRAN
(Departamento Nacional de Trânsito).

A partir desta consulta, é possível que qualquer cidadão brasileiro possa


verificar se há registros de roubo dos veículos consultados e ainda se o mesmo é um
veículo clonado, bastando digitar a placa do veículo e em milésimos de segundos,
obter a resposta. Ora como argumentar em desfavor de tal tecnologia, que antes era
restrita as delegacias e quartéis de Polícia Militar.

A tecnologia é sim importantíssima, agora os argumentos de segregação


social, defendida por alguns, que a tecnologia em prol da segurança pública poderia
causar, muito pelo contrário, assegurar a todos os cidadãos, independente de classe
social, segurança digna e respeito é fator de inclusão social e uma forma de
restabelecer a confiança, que há muito foi perdida, por diversos fatores.

CARVALHO (2001, p. 112-113) comentou que:

“A violência crescerá também pelas turbulências de acesso


diferenciado ao uso da tecnologia. O desequilíbrio tecnológico –
inclusive o desequilíbrio estritamente de velocidade – estimulará o
exercício da dominação e consequentemente da violência. [...] A
vigilância num mundo de desigualdade extrema como o Brasil é
simplesmente a radicalização da desconfiança coletiva. Mais é a
dissolução da possibilidade de dissipação da desconfiança pelo
exercício dialógico.”

Estaria a falta de confiança de alguma forma atrelada à origem da desordem


ou vice-versa? Censurar o medo e envolver a população nas questões relacionadas
à segurança pública é algo muito importante também, uma vez que num estado
democrático de direito, a participação da coletividade na reconstrução das
instituições nesta busca pela paz, seria uma forma de estreitar os laços de
confiabilidade, não deixando de mensurar a necessidade de controle dos veículos de
comunicação que, por sua vez, disseminam a cultura do medo e da insegurança
desmedidamente.

Neste diapasão, percebe-se, que a não aceitação da participação social seria


causa, in tese, de uma discriminação, vez que o maior número de perspectivas e
alternativas para resolução de uma problemática que assola a todos, traria mais
soluções, e quem sabe, o igualitarismo concreto, comentado por RIOS (2012, p.254),
que parte da igualdade fundamental de todos, considerando as diferenças, poder-se-
ia ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos,
e, sobretudo da sua diferença, numa concepção jurídica de alteridade, que
construiria uma mediação para a paz social.

Sendo a cultura algo dinâmico, vez que cada sistema cultural está sempre em
mudança e sofre interferência da historicidade interna e externa, ela opera de forma
que a visão de mundo de cada ser social pode ficar condicionada, ou seja, o ser
humano não olha naturalmente as coisas, mas acaba sendo “produto do meio” como
afirmou Kant.

Senão vejamos a interferência nas estruturas jurídicas vigentes e instituições,


bem como a dificuldade de modernização, investigando-se a influência significativa
7

que essas estruturas sofreram nos períodos autoritários que vai do Estado Novo
(1937- a 1945) ao fim da ditadura militar (1964-1985) no caso do Brasil, são
reflexivas até os dias de hoje.

Economicamente falando o regime militar teve seu auge e sua contribuição


para o desenvolvimento da economia brasileira, porém por meio do 2º Plano
Nacional de Desenvolvimento (1975-1979), onde abundou a desenfreada ambição
do governo, o fracasso econômico superabundou posteriormente, por conta de uma
má gestão de política pública que não incluiu investimentos na educação, saúde,
proteção ambiental, como prioridades e porque não falar em segurança pública.

FARIA (2012, p.311) afirmou que:

“Os resultados do fracasso desse plano são conhecidos. Em dólar e


com valores deflacionados, o PIB, que cresceu 150% na década de
1970, registrou um aumento de apenas 3% na década subsequente.
De 1980 a 2000, a população brasileira urbana aumentou mais de
13,6%, chegando a 81,2%. A ênfase em projetos
superdimensionados, que levou a ocupação de grandes contingentes
de trabalhadores não qualificados, aumentou, ao término de cada
grande obra, o rastilho da tensão social gerada pelo desemprego e a
falta dos recursos necessários à formulação e a implementações de
novos projetos [...]. Por ter sido acompanhada de uma inevitável
explosão de demandas sociais que haviam sido reprimidas no
período da ditadura militar, a redemocratização acabou agravando o
problema [...]. Deslocamento populacional e desemprego estrutural,
além do velho problema da concentração de renda, abriam caminho
para fissuras no contrato social. [...] A exclusão provocou profundas
alterações nos padrões de comportamento dos grandes agregados
sociais e minou as condições de reconhecimento recíproco, bem
como levou à erosão dos mecanismos de formação de identidades
coletivas. O subsequente aumento do número de conflitos
mudou seu perfil qualitativo, tornando-os mais massivos e
violentos.” (grifo nosso)

Diante da exposição do comentário é totalmente perceptível que o contexto


social vivido no período ditatorial desembocaria na falta de segurança e
confiabilidade, que passou a existir somente no estrito âmbito privado, quer dizer,
dentro do convívio familiar, para certos grupos sociais detentores de melhor poder
aquisitivo, enquanto que na população periférica e miserável irrompeu a lei do mais
forte, pelo crime organizado e narcotráfico.

A mazela social deixou como consequência o rompimento do monopólio do


uso legítimo dos mecanismos contra a violência do poder Estatal, cumulado por um
ordenamento jurídico complexo e ineficiente, bem como por instituições, constituídas
por aplicadores da lei (policiais), marcados pelos resquícios de um regime militar que
não vem atendendo os anseios sociais, na segurança pública.

Neste sentido, o estudo feito por SILVA apud PINHEIRO (1997, P.47),
enfatiza a violência cometida pelo aparelho de Estado, especialmente por órgãos
policiais e os agentes institucionais, expressos principalmente através da violência
física, “são persistências de práticas autoritárias frutos do período ditatorial, tanto
que os regimes autoritários do passado com os novos governos civis
democraticamente eleitos são expressões de um mesmo sistema de dominação”.

A autora também comenta que o aspecto cultural alinhado ao político também


permeia estudos realizados, na medida em que a violência tornou-se um fenômeno
presente em todos os lugares da sociedade, independente de classe, segmento ou
grupo social, ou mesmo o meio (espaços territoriais urbanos ou rurais).

Ela enfatiza que as experiências latino-americanas têm demonstrado que o


regime militar autoritário foi superado, através da democracia, no entanto, não se
conseguiu ainda a institucionalização de práticas democráticas em todos os níveis
do Estado, porque não dizer no nível da segurança pública.

SILVA ( 2001, p. 252) ratifica esta assertiva da seguinte maneira:

“Neste sentido, podemos inferir que a segurança no Brasil está


fundada na garantia da ordem institucional, e não na valorização da
vida e dignidade. Para que a segurança seja entendida como
respeito à vida e a dignidade para todos, compreensão oriunda dos
cidadãos em diversos países componentes das Nações Unidas,
torna-se necessário reformular o próprio texto constitucional e
eliminar das leis e costumes que norteiam o Estado e a sociedade
brasileira os resquícios da doutrina de Segurança Pública.”

Apesar dos resquícios da ditadura militar permearem as instituições em sua


práticas e teorias, tem-se observado uma quebra no paradigma castrense, em se
tratando de polícias, vez que nas grades curriculares dos Cursos de Formações,
principalmente militares, tem-se incluído matérias relativas aos Direitos Humanos e
outros com respeito à dignidade da pessoa humana em todos os seus aspectos.

As pesquisas inseridas no texto de SILVA (2001, p. 251-254), em específico,


aos homicídios cometidos por policiais, não aborda a ocorrência de confrontos, nos
quais foi necessário o uso moderado da força em repelir injusta agressão sob a
9

égide das excludentes de ilicitudes previstas nos Código Penal e Penal Militar, em
outras palavras, observa-se parcialidade na pesquisa, que nos remete ao senso
critico de somente condenar por estatísticas viciadas e partidárias as instituições que
carecem da imparcialidade de pesquisas, que provoquem mudanças, pela
conscientização e ruptura de modelos tradicionais.

Após a promulgação da Constituição de 1988 e dos direitos advindos, e


também da abertura política brasileira, as Polícias Militares e civis tiveram que
readequar a forma de exercer suas funções, cabe ressaltar neste momento que,
tanto as Polícias Militares como as Civis, de todo o país se adéquam e se amoldam
as realidades de cada local, logicamente que durante o governo militar, os direitos e
garantias individuais sopesavam de forma diferente em relação a segurança e a
manutenção da ordem pública.

Atualmente, de forma diversa ao ocorrido no passado não tão distante, as


polícias, até mesmo para não serem extintas, precisaram passar por um difícil
processo de adaptação ao Estado Democrático de Direito, porém muito mais difícil
que entender este novo estado e se adequar, é o que acontece atualmente, pois o
Brasil não consegue se adequar ao estado que a população deseja, não pela polícia
militar ou qualquer outra instituição nacional ou estadual, mas sim pela falta de
políticas sérias ou pelas políticas diversas aos anseios nacionais.

O que precisa mudar não é o formato das polícias e sim o investimentos em


tecnologia de segurança pública, aprimoramento técnico-profissional e capacitação,
posto que os efetivos das polícias do Brasil inteiro são muito aquém do estabelecido
pela ONU como aceitável, que é de um policial para cada 250 habitantes, assim,
conforme a política brasileira, arraigada, ao invés de investir na contratação de
novos policiais e em treinamento adequado, além do reaparelhamento e tecnologia.

Segurança Pública necessita urgentemente de visão humana e democrática,


centrada no respeito à vida em todas as suas dimensões com resignada observância
dos direitos fundamentais da pessoa humana, todos devidamente expressos no
texto constitucional brasileiro de 1988, sendo que esses direitos são conditio sine
qua non para uma paz duradoura tão almejada.
ABNT (ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS). NBR ISO 9000:
Sistemas de Gestão da Qualidade – fundamentos e vocabulário. Rio de Janeiro:
2000.
SOARES, L. E. Segurança pública: uma abordagem antropológica (repleta de
valores e opiniões). IN: Antropologia e Direito, LIMA, A. C. de Souza. Rio de
Janeiro/Brasília, Contracapa/LACED/ABA, 2012.

LARAIA, R. Cultura um conceitos antropológico.

RIOS, R. R. Direito a diferença ou direito geral de igualdade? IN: Antropologia e


Direito. LIMA, A. C. de Souza. Rio de Janeiro/Brasília, Contracapa/LACED/ABA,
2012.

CARVALHO, J. J. As tecnologias de segurança e a expansão metonímica da


violência. IN: OLIVEIRA, D. D, e outros (Orgs). Violência Policial: tolerância Zero?
Goiânia: Ed. da UFG/Brasília: MNDH, 2001. (p. 85-125).

FARIA, J. E. Comentário jurídico (309-316). IN: Antropologia e Direito. LIMA, A. C.


de Souza. Rio de Janeiro/Brasília, Contracapa/LACED/ABA, 2012.

SILVA, V. G. B. A violência institucionalizada na encruzilhada da desigualdade


e da injustiça. IN: OLIVEIRA, D. D, e outros (Orgs). Violência Policial: tolerância
Zero? Goiânia: Ed. da UFG/Brasília: MNDH, 2001. (p. 243-258).

Descrição do Programa do SINESP Cidadão. Disponível em: <


https://play.google.com/store/apps/details?id=br.gov.sinesp.cidadao.android&hl=pt_B
R. Acesso em: 16 de Março de 2014.

Você também pode gostar