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FORMAR

Simone Moschen
Ana Carolina Rios Simoni

transformar, deformar, conformar, informar.


Cormar,

bastante antigo, mas ainda não envolto pela poeira do


Num texto já
Walter Benjamin (1936) denuncia a
ilusäo de uma transposição direta
da inrormaçao e incremento da sabedoria. Sua escrita,
entre produção/ acumulo medida
possa ser
tomada em uma vertente nostálgica, na em que se
amhora
narrativa e do
a tese de uma perda da funçã0 consequente
desdobra sustentando
de produção de uma experiència, abre o espaço da
estreitamento das condições
articulações entre formação/transmissão/responsabilidade
Dergunta sobre as

pelos fhos do tempo.


Hementos tecidos
lida mesmo antes, quando Benjamin, num texto
Tal interrogação pode ser

do ancião que no leito de morte diz a seus


de 1933, retoma a conhecida fábula
filhos ter deixado um tesouro enterrado em seu parreiral. A enunciação do pai

chegou aos ouvidos dos filhos como um enigma: algo lhes pertencia, escondido
sobas terras da família, seria
mas preciso lançar-se à busca para quea transmissão
se efetivasse. O enigma ensejou o trabalho de escavação, que acabou por redundar
Sim num tesouro, ainda que não aquele que se procurava. Imbuidos da vontade

de encontrar, os filhos tanto escavaram o solo, que acabaram por arar a terra

de forma a produzirem a maior colheita já vista. Guiados pelas palavTas do pal.


miraram numa direção e acabaram por acertar um alvo inesperado. Uma tenda
entre o dizer, que impele à busca, e o achado, faz-se ver nessa pequena tabula de

que Benjamin se utiliza para desdobrar sua escrita-denuncia.


escontinuidade entre aquilo que se diz e os eteitos que se pode recolher

numa dela
ue se
disse, seja no outro ou em si mesmo, aparece tambem
g e m de Freud, na qual ele se pöe a pensar sobre seu percurso de formaçao.

A Ideia pela qual eu estava me tornando responsavel de modo algum se

Originou em mim. Fora-me comunicada por très pessoas


cujos pontos de

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vista tinham merecido meu mais
protundo respeito
Charcot Chobrack, ginecologista
e o
da
Universidade ópriooBreue
Breuer,
homens tinham me transmitido um
conhecimento [..]. Esses
falando, eles próprios não possuiam (1914, p. 22)
rigorosamente
Entreouviu de seus mestres e o andamento
o que
que deu àc
Ihe chegaram, Freud localiza um ruido, um desvio, uma (de) formac
Para Freud, como para Benjamin, o caminho da ção. as
formação não está dad.
campo da transmissäo das informações ou dos conteúdos. Trata-se a do no
antes
acão que ao permite
em sujeito, contato com algumas ideias, tomá-las por
árduo trabalho, mad.
meio
de um agregando-as aoja constituido,
imputando-lhes seu e
reconstruindo-as e produzindo, como resultado, algo que reconhece estilo,
como
o que pode, em muito, distanciar-se daquilo que ihe próprio;
quiseram transmitir. Assim
mesmo que um conhecimento seja dado como pacihco
pelo lugar que foi conquis.
tando na história do pensamento, um trabalho de reconstrução, de apropriação, faz
senecessário processo labiríntico, impregnado de idas e vindas. Face aos desca-
-

minhos que toda formação implica, podemos supor que seu andamento dependeri
do investimento subjetivo que determinado enigma desperta. Como lembra
Freud, há diferença "entre um flerte fortuito e um casamento legal com todos os
deveres e dificuldades. Epouser les idées de... não é uma figura de linguagem pouco
comum.. (Idem, p. 25).
Ambos os autores mostram-se bastante céticos no que concerne ao lugar
privilegiado que a informação foi conquistando com o avanço dos tempos.
Benjamin ressalta o caráter de completude almejado por ela; os compromissosco
le
a prccisaoe com a certeza que estão em sua origem. A informação, tal comd
s ddverte, busca desvendar o segredo das coisas. Sua vocação está na eviaen

ena velociIdade. Deve chegar a cada um no mais curto espaço de tempo


mpanhada de
um
pela vida com menos enigmas. Uma vez que deve ser
tránsito
aco acaba

possiDilitlar uma série de explicações orgulhosas de sua clareza neces


POr contormar a ilusäo de que se pode chegar à suspensão do véu do i"
enigmas,
uando
Tensionando o campo da informação que conforma, apazig minho inverso,

narrativas encontra sua potência no


a sabedoria contida nas a S e g u i r c o n t a n d o

saber, na condiçào de enunciar o mistério da vida: um conVItea na

undo
e recontando os seus efeitos. Não se empenha na busca por ex
aposta de que cada história que o mistério evoca permite re

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a
uve na perspectiva de seguir contando, transmitindo,
ouv
quem
e comprome
rometer

transtormando.
formar Situa-se, sobremaneira, do lado da produção de
er pensar que
s
P
acabe por veicular e produzir intormações. Estas, porém,
muito embora
narrativas, muito.

de contar e recontar o mundo, algo que


surgem
um
como
certo resto da operaçao
se abre entre o dizer e os efeitos que se pode testemunhar
da fenda que
desprende«

se
a o inves des e r
coisa que a obture. Talvezo grande
qualquer
foi dito -

daquilo que na responsabilidade a que o


diterencial
de u m percurso de ormação esteja
traço
ouvinte. Pois se, ao formar,
caminhamos na borda de um vão
convoca o
narrador
intransponivel,
àquele que ouve, dizer dos eitos das palavras que chegaram
cabe,
reinscrevend0 a fenda que o convocou a tomar palavra passando
a e
a seuS Ouvidos,

adiante o enigma.
coisa, convocar o outro a se fazer responsável
Formar é, antes de qualquer
segredo do mundo; responsável na condição
de um novo passador.
pelo grande

Entrevi, como uma estrada por entre as àrvores,


O que talvez seja o Grande Segredo
Aquele Grande Mistério de que os poetas falsos falam.

Vi que no há Natureza,
Que Natureza não existe,
Que há montes. vales. planicies,
Que há arvores. flores, ervas,

Que ha rios e pedras,


Mas que não há um todo a que isso pertença.
Que um conjunto real e verdadeiro
E uma doença de nossas ideias.

A Natureza é partes sem um todo.


lsso é talvez o tal misterio de que jalam.
Foi isto o que sem pensar nem parar,

Acertei que devia ser a verdade

Que todos andam d achar e que não acham,


E que só eu, porque a não fui achar, achei
AlbertoCaeiro (Pessoa, 1998) grifo nosso

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Bibliografia:
BENJAMIN, Walter. | 1936| O narrador.
Considerações sobre. a
In: Obras Escolhidas Magia, tecica, arte e
politica. São aulo: obra de
BENJAMIN. Walter. [1933) Experiència e
Brasiliense, 1994,Nikolai Leskoy
Pobreza. In:
técnica, arte e politica. São Paulo: Brasiliense, 1994. Obras Escolhi
as - Magia
FREUD, Sigmund. [1914) A história do movimento
Brasileira da Obras Completas de Sigmund Freud. 2. ed. Rio depsicanalítico. In:
In: Edição Standa
Janeiro: Imaao
PESSOA. Fernando. Ficçoes do interludio (1914
p. 228.
- 1935). Lisboa: Assiri
1998,

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