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Pai, mãe, gostaria de falar com vocês sobre alguns assuntos.

Escolhi contar para vocês através


dessa carta, porque não conseguiria falar exatamente tudo que estou sentindo se tentasse ao
vivo. Eu ficaria preocupada e esqueceria o que dizer e como dizer, poderia até chorar.

Bem, mãe, sinto falta da senhora, de um contato mais próximo entre nós duas. Queria estar
mais presente, e queria que a senhora fosse mais presente também. Sei que tem seus
trabalhos, seu doutorado... Então entendo que grande parte do seu tempo tem que ser
dedicado para eles. Não estou reclamando deles, só estou dizendo que consome um tempo
que poderia ser utilizado para estreitarmos os laços. E ainda preciso frequentar as aulas tanto
pela manhã quanto pela tarde. Não queria dizer isso, mas preciso: estou sentindo um
afastamento entre nós, não é proposital, mas é motivado pelas circunstâncias. Queria mudá-las
um pouco para sobrar mais tempo pra ficar com a senhora.

É difícil sentir dor e sentir que não tenho direito de falar nada porquê você está pior, ou
passando por algo pior. É difícil não me sentir segura o suficiente pra dizer como estou afetada
pela nossa realidade. Porque no mínimo sinal de externalização de sentimento, vem o “ah, mas
eu também estou, você bem sabe, eu trabalho muito, tem o doutorado, tem que entregar, tem
que fazer, tem, tem, tem...”. Sempre uma coisa que me faz sentir de novo uma criança, sempre
com problemas não tão importantes quanto os seus, sempre uma coisa que eu devia conseguir
lidar e não reclamar.

Dias que minha vontade é não levantar da cama, dias que minha cabeça parece que vai
explodir, dias que eu tenho que lutar com a minha própria voz me colocando pra baixo
enquanto escuto você e pai falarem que estou sem fazer nada.

Como você disse hoje, você não está fazendo isso porque gosta, está fazendo porque precisa,
tem dívidas, tem coisas pra serem pagas, tem trabalho a ser feito. Mas grande parte do motivo
é a obra que foi feita, o puxadinho, como queira chamar. Que desde o início eu não sentia
como uma necessidade. Até hoje não sinto, mas o dinheiro era de vocês, se sentiram
necessidade, é com vocês..., Mas mesmo que não percebam, e que achem que eu não deva me
preocupar com dinheiro porque vocês pagam as coisas pra mim, como acham que eu fico com
todo momento que tem que pensar no dinheiro que ta pouco, quando precisam gastar
dinheiro comigo, quando tem despesas além do planejado... É difícil lidar e se torna um peso
nas minhas costas porque não posso fazer nada pra ajudar.
“Mas é só ajudar com a casa e com o doutorado/os trabalhos do Brandão e do IFS” Certo, é
uma coisa que eu estou fazendo
Eu cuido da casa da forma que posso de manhã, e sobre os trabalhos do Brandão e do IFS,
colocar notas, fazer somatórios, correções... Tudo bem. É uma coisa que não exige de mim,
mas criar aulas é uma coisa que eu não consigo, não consigo prestar atenção, não sei se é só
falta de foco ou outra coisa, por isso que a psicóloga tá trabalhando comigo pra ver a
possibilidade de ser TDAH. Porque não consigo fazer minha cabeça trabalhar como a de vocês,
eu sei o que tenho que fazer, mas meu corpo trava, minha mente fica a milhão. “Ah, mas mexer
no celular você consegue” Por incrível que pareça, é mais fácil pra mim focar quando faço algo
assistindo.

Um colega sugeriu hoje que eu tô dormindo demais e cansada diariamente porque talvez eu
esteja em uma baixa, ou talvez eu esteja em um momento depressivo. Talvez seja, eu não sei
dizer, mas eu sei que não é porque eu quero que eu não consigo ser que nem vocês.
Eu to sendo muito afetada por tudo que aconteceu e está acontecendo. Me sinto só, apesar de
ter vocês aqui. Vocês são meus pais, e eu deveria me sentir muito à vontade com vocês para
poder conversar, mas não é o que acontece. Me sinto afastada, sem intimidade suficiente, com
medo de julgamentos, de pressões, de palavras que poderiam acabar me magoando e me
deixando ainda mais retraída. Eu tento falar com vocês, mas sinto que não sou devidamente
valorizada. Há uma pressão gigantesca dentro de mim que precisa ser aliviada, e acredito que
vocês podem ajudar muito com isso, se me ouvirem com atenção e compreensão. É isso, só
preciso saber que não serei julgada ou pressionada durante nossas conversas, para que eu
possa conversar com vocês com mais tranquilidade e transparência.

Parece que tudo que eu digo vocês levam como um ataque pessoal, mas não é, pelo contrário,
é um pedido de socorro. Se eu estivesse bem, não estaria sentindo agora que to sendo egoísta
e uma filha horrível por cogitar dizer como me sinto, e que vocês vão rir disso tudo, dizer que
eu devia agradecer por ter pais como vocês porque outros teriam deixado de mão (essa última
frase vocês já até disseram, e é mais uma coisa que me faz sentir que é inútil dizer alguma
coisa).

Eu só quero que entendam que eu to ajudando, do jeito que eu posso agora, não é meu 100%
mas é o que tem. E quando eu puder dar mais, eu vou.
Minha cabeça não consegue lidar com tudo, eu penso em tanta coisa ao mesmo tempo que
fico sem saber no que focar. E coisas que eu não tenho afinidade, pior ainda, eu não consigo
focar, mesmo tentando, é penoso pra mim.
Não sei se pra vocês vai ser uma coisa séria ou não, mas é como me sinto
Só queria dizer algo porque sempre vocês falam tanto e não consigo nem me defender, porque
não importa o que digam, eu sinto que não vão ouvir o que eu digo, ou que vão achar que é
mentira ou algo assim.
Eu só quero que levem a sério o que eu to dizendo aqui.

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