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MÉRITO,

DESEMPENHO
E RESULTADOS
Ensaiiia sabre gesiãu [ia pessnaa para a setnr piihiinii

Adan'lar Orsi
Caasiana Machado Silva
Danilo Casar Fiona
Fernanda I›i"z|:irui:ii:i
Fernanda Nasain'lar'ltn
Gilson Etndriguaa dr: almaida
Hamillun Coimbra Carvalho
Maria. du Carmo Meirellea Toledo Cruz
Maria. Fernanda Iií'ilaasia
Moacir Carlas Sam pain Silva f 'ÚÍEi anilflÇ-ã-U dE
Nana-,f aimeiuaua Sina HELIO JJIÃN NY TEIXEIRÀ
Rum-"Í Henri' Em" WAN I MAR IA BÀSSOTTI
Sérgio Mallúsú Salamän TH FAGU SU UZA SÀNTUS
Silvia Regina Gaspar
Tiagü Silva Billihulz Duarte I . I
MÉRITO,
DESEMPENHO
E RESULTADOS
ensaios sobre gestão de pessoas para o setor público
MÉRITO,
DESEMPENHO
E RESULTADOS
pessoas para público
ensaios sobre gestão de o setor

Organização de
HÉLIO JANNY TEIXEIRA
IVANI MARIA BASSOTTI
THIAGO SOUZA SANTOS
Copyright © 2014 dos autores
Copyright © 2014 Fundação Instituto de Administração – FIA

Governador: Geraldo Alckmin


Secretário de Gestão Pública: Davi Zaia
Unidade Central de Recursos Humanos –
Coordenação: Ivani Maria Bassotti

Edição
Organização:
Hélio Janny Teixeira, Ivani Maria Bassotti e Thiago Souza Santos
Coordenação editorial, produção e edição:
Ab Aeterno Produção Editorial
Revisão: Camile Mendrot, Patrícia Vilar e Tatiane Ivo
Projeto gráfico e diagramação: Rawiski Comunicação

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Mérito, desempenho e resultados : ensaios sobre gestão de pessoas para


o setor público / organização de Hélio Janny Teixeira, Ivani Maria
Bassotti, Thiago Souza Santos . -- 1. ed. -- São Paulo : FIA/USP, 2014.

Vários autores.
Bibliografia.
ISBN 978-85-88377-08-0

1. Administração de pessoal 2. Administração pública


3. Recursos humanos I. Teixeira, Hélio Janny.
II. Bassotti, Ivani Maria. III. Santos, Thiago Souza.

14-01793 CDD-354.81

Índices para catálogo sistemático:


1. Gestão de pessoas no setor público : Brasil :
Administração pública 354.81

Impresso no Brasil.
Venda expressamente proibida.
AGRADECIMENTOS

Esta obra representa a continuidade do trabalho iniciado


com o livro Contribuições para a gestão de pessoas no setor público,
publicado em 2013, e é mais um pequeno exemplo da necessidade e
da possibilidade de articular os potenciais e as energias disponíveis na
sociedade, na academia e na própria Administração para fortalecer as
políticas e a gestão de pessoas no setor público. Novamente, acadê
micos (Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo – FEA-USP, Escola de Administração de
Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – EAESP-FGV,
Fundação Dom Cabral e Fundação Instituto de Administração –
FIA) e gestores públicos (Secretaria de Gestão Pública e sua Unidade
Central de Recursos Humanos – UCRH, Fundação Prefeito Faria
Lima – Cepam, Secretaria da Fazenda) cooperaram para a produção,
seleção e divulgação de ideias e pesquisas que ampliam a visão crítica
e as possibilidades de aprimoramento da gestão de pessoas em orga
nizações do setor público. O ambiente de liberdade e suporte mútuo
permitiu a cooperação imprescindível para a reflexão sobre problemas
extremamente complexos como os tratados neste livro.
Agradecemos a preciosa colaboração de todos os autores e,
em especial, o suporte das instituições apoiadoras desta publicação: a
Secretaria de Gestão Pública do Governo do Estado de São Paulo –
SGP e a Fundação Instituto de Administração – FIA.
Agradecemos também aos membros do Grupo Intersetorial,
cujas reuniões colaboraram nas reflexões que ensejaram este livro:
Isabela Ruiz, da Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho; Ana
Paula Garcia, do Centro Paula Souza; Rita Kietis e Maria Aparecida
Novaes, da Secretaria da Saúde; Márcia Prado Atanásio, da Secretaria
da Fazenda; Mariana Wiezel dos Santos, do Hospital das Clínicas de
São Paulo; Gilson Rodrigues de Almeida, Maria Eliza de Barros Garcia,
José Santos de Lima Neto, Silvia Regina Gaspar, Marta Regina da Silva
e Thais Zulato Lanci, da Secretaria de Gestão Pública.
Finalmente, nossos agradecimentos a toda a equipe da UCRH
e à competente equipe do Ab Aeterno, capitaneada pela editora Camile
Mendrot, que realizou os trabalhos de revisão, diagramação e apoio
à produção do livro.

Os organizadores
APRESENTAÇÃO

COMO PODEMOS CONTRIBUIR?

Em 2004, a Casa Civil deu início ao Programa de De


senvolvimento Gerencial (PDG), um programa de capacitação
em gestão pública, posteriormente assumido pela Secretaria de
Gestão Pública. O PDG, no período de 2004 a 2008, investiu na
formação de cerca de dez mil gestores responsáveis pelo comando
de unidades administrativas da administração direta e autárquica
do estado de São Paulo. Durante esse período, foi possível cons
tatar a importância de uma formação continuada, como uma
ação estratégica do governo para a melhoria da gestão pública.
Em 2010, a Unidade Central de Recursos Humanos,
seguindo na mesma direção, propôs a instituição de um progra
ma voltado exclusivamente à gestão de pessoas. Nasceu assim o
Programa de Aperfeiçoamento de Pessoal em Recursos Humanos
– PAP-RH, que trata de ações para o desenvolvimento de com
petências profissionais dos gestores de pessoas e dos servidores
da área de recursos humanos do estado de São Paulo.
No primeiro livro, Contribuições para gestão de pessoas na
administração pública, um dos produtos oferecidos pelo PAP-RH,
buscamos mostrar mais do que receitas do que fazer e como fazer
na gestão de pessoas. Lançamos, essencialmente, um olhar para
pensar a gestão de pessoas na administração pública.
Neste livro, Mérito, desempenho e resultados – ensaios sobre
gestão de pessoas para o setorpúblico, é apresentada ao leitor uma
variedade de temas que visam ajudar a compreender as dificul
dades atuais, bem como indicar possíveis caminhos de solução.
Trata-se de uma leitura sobre gestão de pessoas sob a perspectiva
do mérito, do desempenho e dos resultados.
Este livro representa mais uma contribuição da Unidade
Central de Recursos Humanos – UCRH, órgão central do sistema
de recursos humanos do estado de São Paulo, em parceria com a
Fundação Instituto de Administração – FIA e com especialistas
na área, para o aprofundamento da discussão sobre um dos temas
mais relevantes da administração pública: a gestão de pessoas.
Como diria uma de nossas colaboradoras: “Fazer parte
é uma escolha”.

Ivani Maria Bassotti


Coordenadora da UCRH
Secretaria de Gestão Pública
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO Uma palavra dos organizadores, 13


HÉLIO JANNY TEIXEIRA
IVANI MARIA BASSOTTI
THIAGO SOUZA SANTOS

CAPÍTULO 1 Uma leitura da gestão de pessoas sob


a perspectiva do mérito, desempenho
e resultados, 23
FERNANDO ABRUCIO

CAPÍTULO 2 O mesmismo e outros ismos na gestão


de pessoas no setor público, 41
HÉLIO JANNY TEIXEIRA
SÉRGIO MATTOSO SALOMÃO
FERNANDO NASCIMENTO

CAPÍTULO 3 Um olhar sobre os órgãos de recursos


humanos do governo do estado de
São Paulo, 73
GILSON RODRIGUES DE ALMEIDA
NANCY ALMEIDA DA SILVA
SÍLVIA REGINA GASPAR

CAPÍTULO 4 Gestão de pessoas nas organizações


sociais: uma abordagem estadual, 99
DANILO CESAR FIORE
TIAGO SILVA BIRKHOLZ DUARTE
CAPÍTULO 5 Serviço público: o cemitério
da motivação?, 129
HAMILTON COIMBRA CARVALHO

CAPÍTULO 6 Pressões culturais e comportamentais na


gestão de pessoas no setor público, 153
MOACIR CARLOS SAMPAIO SILVA

CAPÍTULO 7 Gestão do desempenho no setor público:


dificuldades e alternativas de solução, 193
ADEMAR ORSI
CASSIANO MACHADO SILVA

CAPÍTULO 8 A prática e os embates das avaliações de


desempenho em municípios paulistas, 235
MARIA DO CARMO MEIRELLES
TOLEDO CRUZ

CAPÍTULO 9 Tecnocracia, política e modernização


do Estado: uma análise dos dirigentes
públicos chilenos, 257
MARIA FERNANDA ALESSIO

CAPÍTULO 10 Ética e compromisso público, 293


ROBERT HENRY SROUR
INTRODUÇÃO
Uma palavra dos organizadores

HÉLIO JANNY TEIXEIRA


Professor doutor e livre-docente da Faculdade
de Economia Administração e Contabilidade
da Universidade de São Paulo – FEA-USP.
Coordenador de projetos na Fundação
Instituto de Administração – FIA.

IVANI MARIA BASSOTTI


Economista formada pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo –
PUC-SP, com MBA em Controladoria na
Gestão Pública, pela Fundação Instituto de
Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras
– Fipecafi. Coordenadora da Unidade
Central de Recursos Humanos, da Secretaria
de Gestão Pública do Estado de São Paulo.

THIAGO SOUZA SANTOS


Cientista social formado pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo – PUC
-SP. Diretor da Unidade Central de Recursos
Humanos, da Secretaria de Gestão Pública
do Estado de São Paulo.
UMA PALAVRA DOS ORGANIZADORES

Podemos enxergar as organizações como algo pronto,


acabado, como se fossem templos, principalmente quando nos
referimos à grande burocracia pública. As normas, as rotinas
e as repetições mântricas de justificativas ou proibições dão à
grande burocracia ares de máquina sagrada. É só “colocar no
automático”, não fazer algo muito errado, que as obrigações
serão cumpridas e os resultados alcançados. A teoria clássica
da administração dá suporte a essa visão com suas propostas
de departamentalização, hierarquia e adoção de planejamen
to, execução e controle rígidos e, supostamente, eficazes. O
modelo burocrático baseado na autoridade, em normas racio
nais detalhadamente descritas e na impessoalidade completa
o referencial idealizado para a organização pública brasileira.
Contudo, esse modelo clássico-burocrático apresenta sérias
restrições e incompletudes quando aplicado ao mundo real,
o que, ainda que intuitivamente, é sentido por todo servidor
público e por todos aqueles que voltam seu olhar para a admi
nistração pública.
Neste segundo livro de ensaios sobre a gestão de pes
soas no setor público, organizado e produzido pela Unidade
Central de Recursos Humanos da Secretaria de Gestão Pública
do estado de São Paulo (UCRH), reunimos uma variada gama

15
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

de contribuições que ajudam a compreender essas dificuldades,


e que também permitem ir além, ao explorar aspectos históricos,
culturais, comportamentais – e mesmo estruturais – que se so-
mam para explicar tais dificuldades e ajudam a indicar possíveis
caminhos de solução.
Há, nos corredores, nas festas de confraternização e até
nas salas de aula, uma repetição de críticas aos modelos clássicos
de administração sem uma análise mais profunda que consiga
identificar e distinguir as falhas de operação que não decorrem
exclusivamente dos modelos de referência. Não basta, afinal,
idealizar as teorias e maldizer o mundo real e seus vilões. Os
modelos em administração são sempre incompletos e quem os
aplica também falha ao fazer suas escolhas. O progresso efetivo
da organização pública depende de uma compreensão mais clara
das causas dos problemas.
Os ciclos de planejamento, execução e controle são,
em geral, descontínuos e erráticos na gestão pública brasileira,
e a busca da “pessoa certa para o lugar certo” é substituída pelo
alinhamento fisiológico. O modelo ideal da burocracia weberia
na, a bem da verdade, nunca foi plenamente aplicado na nossa
sociedade, que vive a máxima: “para os amigos, tudo; para os
inimigos, a lei”. As normas são, também, comumente, rígidas e
incompletas, ignorando a realidade e as necessidades de trans
formação da sociedade.
Em palestra proferida no Segundo Congresso sobre
Gestão de Pessoas no Setor Público Paulista, realizado em ou
tubro de 2013, o professor Fernando Abrucio, direto e arguto
como sempre, nos convidou a ocupar os espaços disponíveis de
reflexão e ação e a fazer nossa parte para integrar os princípios

16
UMA PALAVRA DOS ORGANIZADORES

da boa burocracia com a questão do mérito, desempenho e


resultados. O capítulo 1, “Uma leitura da gestão de pessoas
sob a perspectiva do mérito, desempenho e resultados”, é a
transcrição da palestra de Abrucio, representando uma boa
síntese do congresso.
Também entendendo que há uma tendência simplista
em atribuir as culpas e “o inferno” aos outros, Hélio Janny
Teixeira, Sérgio Mattoso Salomão e Fernando Nascimento, no
capítulo 2, mostram distorções da gestão pública, dominada por
quatro “síndromes comportamentais” corrosivas que dificultam
o avanço da gestão de pessoas no setor público – simplismo,
imediatismo, modismo e sectarismo –, que só podem ser en-
frentadas com amplo diálogo social que supere preconceitos
e, progressivamente, contribua para a clareza dos problemas
e soluções.
Na mesma linha, no capítulo 7, Ademar Orsi e Cassiano
Machado Silva procuram contribuir para o debate sobre as di
ficuldades de se valorizar e estimular uma cultura do mérito na
gestão pública brasileira. Identificam, ainda, fatores do contexto
que afetam a aplicação de instrumentos de gestão de desempenho
no setor público e propõem alternativas de ação com o intuito de
inspirar gestores e funcionários públicos a lidarem com a gestão
de desempenho de forma mais efetiva. Os autores tratam do tema
de forma coerente com as ações que vêm sendo desenvolvidas
no estado de São Paulo.
Já Hamilton Coimbra Carvalho, no capítulo 5, “Servi
ço público: o cemitério da motivação?”, anuncia a existência de
graves problemas comportamentais em nossa administração
pública e aponta os bloqueios que a burocracia contrapõe ao

17
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

afloramento do talento humano, explorando possibilidades


de liberação dessas amarras. Ainda no campo do comporta
mento individual e grupal, Moacir Carlos Sampaio Silva, no
capítulo 6, e Robert Henry Srour, cujo capítulo 10 encerra o
livro, complementam essa abordagem, considerando também
elementos da cultura e da ética que nos ajudam a ampliar o
foco da questão e entender os valores que reforçam e procuram
justificar nossas atitudes.
Para superar os problemas vigentes, é também im
portante tanto conhecer melhor e mais objetivamente nossas
organizações, como abrir-se para a análise de outras experiên
cias. Como não é possível importar ou simplesmente copiar
soluções prontas, conhecer e reconhecer a própria realidade é
o primeiro passo para a mudança, inspirada ou não em boas
práticas de outras instâncias ou localidades. Esta edição traz,
nesse sentido, dois trabalhos de técnicos e especialistas da
Secretaria de Gestão Pública que levantam dados e realizam
análises específicas sobre a realidade da gestão de pessoas no
âmbito do governo paulista. O primeiro é apresentado no
capítulo 3, por Gilson Rodrigues de Almeida, Nancy Almeida
da Silva e Sílvia Regina Gaspar, que fazem um panorama das
unidades de administração de recursos humanos no governo
do estado de São Paulo, sua realidade e seus desafios, dos
pontos de vista legal, estrutural e funcional. O segundo, apre
sentado no capítulo 4, por Danilo Cesar Fiore e Tiago Silva
Birkholz Duarte, trata da importante e relativamente pouco
conhecida realidade da gestão de pessoas nas organizações
sociais contratadas para gerir equipamentos e serviços espe
cíficos de uma das áreas prioritárias da ação da administração

18
UMA PALAVRA DOS ORGANIZADORES

pública e também uma das que mais se utiliza desse modelo


de contratação e prestação de serviços, a saúde.
Como afirmamos, conhecer melhor a própria realidade
é fundamental para a promoção de mudanças e reconheci
mento do terreno e contexto em que elas se darão, mas é
muitas vezes necessária a ampliação dos nossos focos de visão
e investigação com um olhar para fora das nossas próprias
organizações, analisando experiências de terceiros que possam,
de alguma forma, inspirar e amadurecer projetos de mudança
válidos também para a nossa realidade. Nesse sentido, são
relevantes as propostas dos capítulos 8, de Maria do Carmo
Meirelles Toledo Cruz, e 9, de Maria Fernanda Alessio, que
tratam, respectivamente, de inovações em gestão de pessoas
em municípios paulistas selecionados e da experiência de
implantação do sistema de alta direção pública do Chile,
um sistema meritocrático para a ocupação e gestão da alta
burocracia federal do país.
Este livro harmoniza-se e colabora para a reafirmação
do modelo conceitual adotado pela UCRH no âmbito do Pro
grama de Aperfeiçoamento de Pessoal em Gestão de Pessoas e
Recursos Humanos – PAP-RH, que desenvolve atividades de
formação e capacitação para gestores públicos e profissionais
dos órgãos de recursos humanos do estado de São Paulo.
Toda a programação do PAP-RH no ano de 2013 foi
estruturada com base em três eixos temáticos:
• Mérito, desempenho e resultados.
• Atratividade, engajamento e identificação de potenciais.
• Cultura brasileira e organizações públicas.

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MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Figura 1. Eixos e dimensões de trabalho do PAP-RH 2013-2014

Fonte: Baseada em diretrizes e documentos do PAP-RH.

20
UMA PALAVRA DOS ORGANIZADORES

O estabelecimento de eixos temáticos de trabalho dá consis


tência à formulação de políticas e projetos estratégicos para a gestão
de pessoas nas organizações do governo do estado de São Paulo.
Em 2013, ocorreu a segunda edição do congresso e, na
sequência, a edição deste livro, ambos com o tema geral “Mérito,
desempenho e resultados: a gestão de pessoas como política pú
blica”, servindo como linha articuladora entre os diversos eixos
temáticos.
A realização de uma segunda edição do Congresso sobre
Gestão de Pessoas no Setor Público Paulista, ainda maior que a
do ano anterior, evidencia a importância que o evento ganhou
no estado de São Paulo, permitindo o debate de questões que
contribuem para o alcance de resultados, favorecendo o desen
volvimento dos servidores e colaborando, portanto, para que os
cidadãos possam, cada vez mais, contar com serviços públicos
de qualidade e que atendam suas necessidades.
Mérito, desempenho e resultados formam uma tríade
sempre presente nas várias abordagens teóricas de administra
ção e nos esforços de modernização e reforma da área pública.
A valorização do mérito é inequívoca nos discursos. Concurso
público, impessoalidade nas compras e critérios objetivos para
promoção são práticas preconizadas pelas leis maiores, normas
e editais de processos específicos.
Ninguém discute a validade e oportunidade dos princí
pios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência. O conjunto parece perfeito, bastaria
aplicá-lo, mas sua consideração nos atos e decisões corriqueiros
dos gestores e servidores não é tão simples. Impessoalidade e
eficiência, por exemplo, resguardam diretamente o mérito e o

21
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

alcance de resultados, mas são conflitantes entre si em diversas


situações com as quais os gestores públicos se deparam. Alega
lidade, a moralidade e a eficiência também se distanciam entre
si na tradição política brasileira. Os servidores percebem que a
ousadia deve ser sepultada: é melhor fazer pouco dentro da lei
do que ousar em uma busca arriscada de eficiência.
Como sempre ocorre na vida organizacional, e de forma
intensa nos grandes sistemas públicos, não há fenômeno técnico
desvinculado de questões pessoais, grupais setoriais e partidárias.
O embate e os conflitos ficam mais evidentes quando tratamos do
interesse das pessoas: desde funcionários de carreira até políticos.
Com os trabalhos que se somam e se complementam de
forma muito feliz nesta coletânea, temos certeza de haver conse
guido uma abordagem bastante abrangente de todas essas questões
que nos acompanham na gestão de pessoas no setor público.
A virtude de um livro como este está em levar algumas
provocações ao leitor, convidando-o à reflexão e a agir com ou
sadia para transformar sua realidade. “Quem deseja e não age
procria a pestilência”,1 escreveu o poeta inglês William Blake.

1 BLAKE, William. O casamento do céu e do inferno e outros escritos. Porto Alegre:


L&PM, 2007.

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CAPÍTULO 1
Uma leitura da gestão de pessoas sob a
perspectiva do mérito, desempenho e resultados

FERNANDO ABRUCIO
Professor, pesquisador em Gestão Pública e
Relações Governamentais. Coordenador do
mestrado e doutorado em Administração
Pública e Governo da Fundação Getulio
Vargas – FGV.
UMA LEITURA DA GESTÃO DE PESSOAS SOB A PERSPECTIVA
DO MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

INTRODUÇÃO

Abrimos este livro com a transcrição da palestra do pro


fessor Fernando Abrucio proferida no Segundo Congresso sobre
Gestão de Pessoas no Setor Público Paulista.1 Optamos por
ajustar o mínimo possível o texto para manter a leveza típica da
linguagem natural e garantir a fidelidade à fala do professor, que
foi, como sempre, dinâmica, agradável e provocativa.
Abrucio, mesmo reconhecendo a dificuldade da gestão
de pessoas no setor público por envolver valores complementa
res, mas que podem frequentemente entrar em conflito, nos dá
indicações importantes sobre como lidar com cinco dimensões,
pautadas em valores, que são essenciais na gestão de pessoas no
setor público.
Neutralidade e impessoalidade, meritocracia, avaliação
de desempenho, relações entre burocracia e corpo político e, por
fim, relações entre burocracia e sociedade são abordadas de forma
profunda e provocativa, com exemplos escolhidos com extrema
felicidade, os quais nos dão aquela sensação comum de que “é
óbvio”, mas só o percebemos depois de ouvi-los.
1 ABRUCIO, Fernando; LEVY, Evelyn. “Mérito, desempenho e resultados: a gestão
de pessoas como política pública.”[Vídeo]. Segundo Congresso sobre Gestão de Pessoas. São
Paulo. 2013. Disponível em: <http://youtu.be/V98-7b4M81w>. Acesso em: abr. 2014.

25
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Muitas vezes, partimos de falsas premissas que acabam


justificando nossa inação em diversos aspectos da gestão pública:
é claro que um professor deve ser contratado também com base
em sua habilidade em sala de aula, mas nossos processos seletivos
continuam, em nome da objetividade, sendo baseados apenas em
“provas e títulos”; é óbvio que a demissão é apenas um último
recurso – inclusive na iniciativa privada –, mas tendemos a nos
escudar na dificuldade de demitir pessoas no serviço público para
justificar candidamente nossa incapacidade de promover e cobrar
a eficiência – estabilidade, aliás, que é um dos fundamentos da
“boa burocracia”.
Adotamos muitos “axiomas paralisantes” e os encaramos
como verdades irrefutáveis. É raro questionarmos essas afirmações
e tentarmos mudar os valores que as sustentam, com isso, os
problemas aumentam e se perpetuam. E assim, não conseguimos
sequer alcançar o patamar de “uma boa burocracia weberiana”.
Abrucio nos leva a repensar essas premissas, como se
nos dissesse: “cara, mexa-se e comece a mudar alguma coisa...”.
É uma ótima provocação para iniciar um livro sobre gestão de
pessoas no setor público.

Boa leitura!

Os organizadores

26
UMA LEITURA DA GESTÃO DE PESSOAS SOB A PERSPECTIVA
DO MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

PALESTRA PROFERIDA EM 17 DE OUTUBRO


DE 2013, NO SEGUNDO CONGRESSO
SOBRE GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR
PÚBLICO PAULISTA

Vou falar sobre gestão de pessoas sob as óticas do mérito,


do desempenho e dos resultados, tanto de um ponto de vista mais
geral (conceitos e experiência internacional), como também na
forma como esses aspectos aparecem no caso brasileiro.
Quando a gente fala, hoje, em gestão de pessoas, na
verdade, está em jogo, no setor público, um conjunto de valores
que são muito importantes, que são complementares, mas, por
vezes, são contraditórios e entram em conflito.
É muito mais difícil mesmo fazer a gestão de pessoas no
setor público do que no setor privado. Por que isso é verdadeiro?
Primeiro, porque um ponto fundamental para o setor público
é ter funcionários públicos que respondam aos princípios de
neutralidade e impessoalidade. Essa é uma ideia clássica da ad
ministração pública e que vem desde o século XIX, de uma série
de reformas iniciadas naquele período. Isso foi colocado original
mente por pensadores como Woodrow Wilson e Max Weber. E o
que significa tratar o público de uma forma neutra e impessoal?
Ser capaz, na verdade, de ter funcionários que possam não be
neficiar ninguém de forma partidária, nem beneficiar a família ou
praticar o “amiguismo”. Classicamente, isso significa ultrapassar
os limites do patrimonialismo, no qual não há uma divisão clara
entre público e privado, de modo que os funcionários respondam
claramente como servidores do público. Daí vêm as origens do
termo “servidor público”, o qual apareceu pela primeira vez num

27
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

discurso de Robespierre, na Revolução Francesa, que disse: “para


acabar com o antigo regime” – ele sempre queria acabar com o
antigo regime, nem que cabeças rolassem – “é preciso substituir
os funcionários da coroa pelos funcionários do público”.
Essa é uma noção muito importante na administração
pública. Fundamental, mas que não é simples. Por que ela não
é simples? Porque, de um lado, para garantir que o servidor
responda de forma neutra e impessoal ao público, é preciso
criar limites para a sua ação – ele não pode beneficiar o amigo,
o colega, a família. Ele tem que ter um limite muito claro para
isso. Por outro lado, quanto mais limites são construídos, maior
a possibilidade de – não é necessário, mas é possível que – o
servidor cada vez mais se distancie do público.
Há um texto clássico de um grande sociólogo americano,
Robert Merton, que, na década de 1940, já dizia: “há um para
doxo na ideia de burocracia, tal como pensada por Weber, que,
para tentar garantir o maior grau possível de impessoalidade e
neutralidade para servir ao público, poderia se chegar a um maior
grau de neutralidade e impessoalidade não servindo ao público”.
Então, se por um lado é necessário ter esse servidor neutro e
impessoal para responder ao público, por outro, dependendo
da maneira como isso se constrói, pode afastar o funcionário do
próprio público. É possível ter um funcionário que respeite todas
as leis do direito administrativo, chegue às oito horas da manhã
na repartição, como se dizia antigamente, vá embora todos os
dias às seis da tarde etc., cumpra sempre os requisitos, e que não
responda ao público. É aquele que normalmente responde da
seguinte forma quando o público chega perto dele: “bom, isso
não é comigo, é com outro, vá ao outro guichê”.

28
UMA LEITURA DA GESTÃO DE PESSOAS SOB A PERSPECTIVA
DO MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Eu me lembro muito do meu querido e saudoso amigo


Celso Daniel. O Celso, certa vez, quis montar um one stop shop
ping, que em São Paulo é o Poupatempo – um serviço, digamos,
de centro de atendimento integrado –, no qual ele queria colocar
ouvidoria, queria fazer uma série de mudanças. Aí ele pensou:
“bom, quem é que vai trabalhar lá? Eu vou premiar os bons
funcionários públicos da Prefeitura de Santo André, então, eu
vou chamar os bons funcionários públicos para trabalhar junto
ao público, vou dar um acréscimo salarial bastante razoável, vou
dar uma capacitação longa” – o que é raríssimo no serviço público
brasileiro – “e ali ele vai trabalhar”. Mandou carta para os mais
bem posicionados na avaliação de desempenho dos funcionários
e a maioria respondeu: “poxa, eu não fiz nada de errado. Vou
direitinho para o trabalho etc. Sempre cumpri as ordens e agora
vão me colocar no guichê?”. Então, esse é o primeiro ponto que
eu queria que vocês pensassem, o da importância e da comple
xidade que é a ideia de neutralidade e impessoalidade de servir
ao público.
O segundo ponto é a ideia de que a administração pú
blica deve ser formada pelos melhores. Isto é, a meritocracia. Isso
também é um tema clássico na teoria da administração pública
desde Weber, Woodrow Wilson e outros, que disseram que era
fundamental selecionar os melhores. Para evitar o quê? O apadri
nhamento, a patronagem. Então, a ideia de selecionar os melhores
significa, de um lado, evitar o patrimonialismo, mas, de outro,
também ter funcionários capazes de produzir as melhores políticas
públicas para o maior número possível de cidadãos. Para isso, foi
pensado um conjunto de medidas ao longo do século XX, em
particular, de seleção de pessoal, de promoção etc.

29
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Só que esse processo envolve contradições, conflitos.


Como selecionar os melhores? Veja, se estivesse aqui um advogado
brasileiro, sobretudo se fosse administrativista, teria a resposta
na ponta da língua: “basta fazer um concurso público”. Eu
diria: “a ideia de concurso é, em si, correta do ponto de vista
da meritocracia”. O Brasil, desde 1988, aumentou o número
de concursos e isso, na média, se a gente olhar para o conjunto
da administração pública brasileira, melhorou a administração
pública. Inegavelmente. Mas será que há uma única forma de
fazer um concurso? Vou dar um exemplo da área de políticas
públicas que eu mais trabalho que é a educação. No Brasil,
nos estados e municípios, geralmente se faz grandes concursos
para selecionar professores. Nesses concursos, há, basicamente,
uma prova escrita e a avaliação dos títulos do candidato. Mas,
na maioria dos estados e municípios, professores passam no
concurso público sem ter dado uma aula sequer para avaliar sua
didática. Portanto, o aprovado tem conhecimentos em Mate
mática, Português etc., é selecionado por esses conhecimentos,
mas ninguém tem a menor ideia se ele é um bom professor. O
governo do estado de São Paulo fará agora um concurso para
59 mil cargos de professor. Obviamente, não haverá aula para
fazer essa seleção. Parece-me que essa não é a melhor forma de
selecionar meritocraticamente.
Estou dando esse exemplo para pensar: se ele vai ser pro
fessor, talvez a métrica mais importante da meritocracia seja saber
se ele “sabe” dar aula. E é interessante notar quando a gente olha os
números do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa Educacional
(Inep) e vê que o turnover de professor é altíssimo no Brasil. E
algumas pesquisas têm mostrado que muitos professores não têm

30
UMA LEITURA DA GESTÃO DE PESSOAS SOB A PERSPECTIVA
DO MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

saído por causa do salário; quando chegaram lá, experimentaram


aquilo, e falaram: “bom, tem nada a ver comigo”. Piores são os
que permanecem por décadas dando aulas ruins.
A meritocracia é algo mais complexo do que ter um
concurso. Além disso, a seleção dos melhores não pode ser apenas
uma seleção dos melhores no que se refere à bagagem acadêmica.
Isso é importante, obviamente. Mas a gente está selecionando
os melhores para certas funções e atividades. Portanto, a gente
supõe que aquela pessoa tenha certas competências e habilidades.
Nem sempre é tão simples fazer uma seleção nesse sentido; saber
quais são as competências específicas para uma determinada
função. E mais difícil ainda é como mensurar e avaliar quem
são os melhores para aquelas competências e habilidades. Esse é
um problema em todo o mundo. Há pessoas que são brilhantes,
obtêm o primeiro lugar nos concursos, mas não necessariamente
são as pessoas competentes para uma determinada atividade.
Sempre conto uma história. Na Suécia, os concursos
são descentralizados por órgãos e, geralmente, esses concursos
não têm uma grande prova. Há uma seleção de currículos e uma
entrevista, às vezes, uma dinâmica de grupo com uma banca
da qual participam funcionários públicos suecos, e sempre há
alguém que não é funcionário público. Está lá, participa. E esses
processos de seleção são processos menores e que tentam olhar
uma competência muito específica. Ademais, estamos falando da
Suécia, que ninguém vai chamar de um país neoliberal, afinal,
no ano passado, o gasto público em relação ao produto interno
bruto (PIB) foi de mais de 50%. Convenhamos que Hayek e
os neoliberais ficariam muito bravos com esse número... Além
disso, os funcionários são constantemente avaliados. E, se eles

31
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

tiverem uma avaliação, digamos, de tempos em tempos, muito


ruim, eles podem ser demitidos. Mas me disse um funcionário
do governo sueco: “não fique preocupado, muitos funcionários
são demitidos, prestam outro concurso, passam e descobrem que
são mais capazes para outra coisa”.
No Brasil, essa é uma ideia estranha. Primeiro porque
concurso, na verdade, é quase uma áurea que vale para qual
quer coisa. É como o vestibular. Como aqueles anúncios de
universidades e de cursinhos: “primeiro lugar da USP e tal”.
E os primeiros colocados no vestibular não necessariamente
serão os melhores profissionais. Concurso não deveria ser visto
como um vestibular.
Além disso, no Brasil, nos questionaríamos sobre a pos
sibilidade de alguém que foi demitido poder ser competente
para outra coisa, inclusive ser muito competente para outra
coisa. Não passa pela nossa cabeça, porque a ideia de demissão
é vinculada, aqui, à punição – quase como ir direto para o in
ferno. Isso é absurdo porque as organizações modernas exigem
competências que, na verdade, não são tão simples de avaliar e só
sabemos bem sobre elas mesmas depois de certo tempo. Então,
a ideia de meritocracia, que é o segundo ponto que eu queria
falar, é muito importante para a administração pública, mas ela
é muito complexa. Não é tão simples.
Um terceiro ponto – são cinco pontos – envolve a ideia
de desempenho. Hoje, grande parte da administração pública
discute o seu papel pensando no desempenho que ela pode
ter, isto é, nos resultados que ela pode trazer aos cidadãos. Isso
é extremamente importante, tal como neutralidade e impes
soalidade; tal como a meritocracia. Vários instrumentos têm

32
UMA LEITURA DA GESTÃO DE PESSOAS SOB A PERSPECTIVA
DO MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

sido criados para aumentar a lógica do desempenho, como


indicadores de políticas públicas. Se não houver indicadores,
não há desempenho em abstrato. E é bom lembrar que, se
você olhar a administração pública brasileira, a maior parte
da avaliação de desempenho ainda é bastante subjetiva, não
tem uma métrica.
Além de indicadores, há todo um processo para pensar
em desempenho envolvendo contratualização. Ou seja, uma
definição de um conjunto de metas e mecanismos para alcançar
essas metas, que vão ser monitorados e avaliados ao final. Essa
é uma ideia importante. Mas a questão do desempenho não é
tão simples assim, embora, tal como as outras duas questões
anteriores, seja extremamente importante para a gestão pública
contemporânea. Porque o desempenho, na verdade, depende
muito, na administração pública, não de um indivíduo, mas de
um circuito organizacional.
A experiência, hoje, de remuneração variável na ad
ministração pública é um exemplo de que é preciso mais
cuidado, sobretudo quando se busca individualizar demais a
remuneração variável. O que a gente tem aprendido cada vez
mais, sobretudo olhando para as políticas públicas de saúde e
educação, é que desempenho governamental é um desempenho
de um circuito governamental, de um conjunto de redes e orga
nizações. E como é que podemos fazer, na gestão de pessoas, um
processo que vincule a atuação delas ao desempenho? Essa é
uma grande questão. E aí, portanto, creio eu que é importante
não só mecanismos de contratualização, mas, sobretudo, meca
nismos motivacionais coletivos. Cada vez mais a gente percebe,
do ponto de vista da administração pública, que o sentimento de

33
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

pertencimento e o sentimento de missão são mais importantes


do que colocar uma banana para alguém sair correndo atrás.
Como construir isso é um enorme desafio.
Isso não implica dizer que métricas e metas não sejam
importantes. Não é isso que estou dizendo, mas sim que elas são
insuficientes. Digo isso para mostrar outra contradição aqui no
terceiro ponto, que é aquilo que a literatura de economia de edu
cação chama de gaming, e que hoje está aparecendo em todas as
áreas de políticas públicas. Outro dia, houve uma apresentação de
dissertação muito boa na Fundação Getulio Vargas (FGV) sobre
gaming em segurança pública. O que é o gaming? Você coloca uma
métrica e todo mundo vai atrás dela. Mas, a partir de certo tempo, as
pessoas aprendem a inventar mecanismos pelos quais elas alcançam
as métricas, mas não necessariamente estão buscando, no sentido
organizacional, o objetivo requerido. Em educação, isso é muito
comum. Nos Estados Unidos, aconteceu em vários estados. No
Brasil, no momento da avaliação, algumas escolas têm um número
muito grande de faltas. Algumas pesquisas etnográficas de estudo de
casos têm acompanhado essas escolas. E o que descobrem? Quem
falta é quem tinha pior desempenho escolar. Que por alguma razão,
naquele dia, “ficou doente”... coisas assim.
Então, repito, não estou dizendo que as métricas não
sejam importantes. Não digo que contratualização não seja
importante, mas se você não constrói isso coletivamente, é um
terreno propício ao gaming.
Um quarto ponto importante é a relação entre admi
nistração pública e políticos. É uma questão clássica também,
que foi definida assim por Woodrow Wilson, intelectual que foi
presidente americano: “políticos formulam as políticas públicas,

34
UMA LEITURA DA GESTÃO DE PESSOAS SOB A PERSPECTIVA
DO MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

e burocratas executam-nas”. Max Weber, de certa maneira, se-


guiu isso, mas Weber era desconfiado e cético. Ele dizia: “é claro
que é importante ter um campo da política e um campo da
burocracia, ambos relativamente autônomos, mas...”, acrescen
tava, “é preciso que políticos controlem burocratas e burocratas
controlem políticos. Se houver apenas uma separação funcional
entre eles na luta pelo poder, políticos vão invadir indevidamente
o terreno dos burocratas e vice-versa”. Portanto, é preciso criar
mecanismos ao mesmo tempo de autonomia relativa das esferas
e de controle mútuo entre elas.
Um texto mais recente, no livro de Aberbach, Putnam e
do Rockman,2 mostra que a relação entre políticos e burocratas
no mundo contemporâneo é muito mais complexa do que no
tempo de Weber. Por quê? Porque políticos cada vez mais foram
buscando a técnica para se legitimar, e burocratas cada vez mais
foram buscando meios políticos para se legitimar. Há um modelo
cada vez mais híbrido, dizem esses autores.
Diante disso, se são modelos mais híbridos, o que a gente
espera da relação entre políticos e burocratas é o seguinte: como
delimitar uma certa autonomia relativa das esferas, mas pensar
como a burocracia pode construir mecanismos legitimadores
junto aos políticos. E não é um processo simples e fácil. Creio
que, nesse sentido, é preciso pensar em como criar mecanismos
para viabilizar essa combinação e que possam fazer com que
burocratas não virem tecnocratas, porque a grande contradição
do modelo do Woodrow Wilson – “políticos formulam, buro
cratas executam” – é que os burocratas vão além da execução das

2 Aberbach, Joel; Putnam, Robert; Rockman, Bert. Bureaucrats and Politicians in


Western Democracies. Harvard: Harvard University Press, 1981.

35
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

políticas públicas. No nível mais alto, vão além porque, digamos,


sobretudo a burocracia de Estado perdura por vários governos e
sabe as manhas das políticas públicas que os políticos não sabem.
E, portanto, há um espaço aí, aquilo que Michel Crozier chamava
de nichos de incerteza, em que os burocratas podem, de alguma
maneira, não só negociar, mas até enganar os políticos.
Mais complexo ainda é quando você sai da esfera mais
alta e vai para o street level bureaucracy, a burocracia do nível
da rua. Porque, ali, há um espaço de discricionariedade muito
grande para o policial, o médico, o professor, e que não vai ser
completamente determinado nem pelas normas e regulamentos,
nem por uma vinculação de hierarquia junto a funcionários ou
políticos. Portanto, aquele mundo ideal do Wilson – “políticos
pensam e burocratas executam” – não é tão simples. É muito
mais complicado. No entanto, contra essa tecnocracia ou uma
discricionariedade indevida da burocracia ao nível da rua, a
solução não deve ser a oposta, ou seja, vamos amarrar cada vez
mais os burocratas de tal modo que eles vão seguir exatamente o
que os políticos querem. Acho isso um horror. Prefiro ter meca
nismos nos quais os burocratas tenham metas a atingir, tenham
processos de certificação, tenham alguma dimensão em que
eles devam responder aos políticos, do que amarrá-los por um
sistema de controles, tal qual funciona muitas vezes no Brasil, a
partir do qual a maior parte da média ou alta burocracia prefere
não tomar decisões.
No caso da burocracia ao nível da rua, se por um lado há
uma discricionariedade complicada, por outro, eu diria, há uma
discricionariedade positiva que ocorre no “chão da fábrica”, para
lembrar a visão da teoria da Qualidade Total, de Deming. Pois não

36
UMA LEITURA DA GESTÃO DE PESSOAS SOB A PERSPECTIVA
DO MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

é possível crer simplesmente na ideia de que o secretário municipal,


ou o formulador maior da Secretaria Estadual, ou o ministro da
educação saibam exatamente o que deve acontecer no “chão da
fábrica”, no caso, na sala de aula. O que valia para os operários
no exemplo do Deming vale para os serviços públicos. Ou seja,
existe um saber do médico, do professor ou, daquilo que eu tenho
estudado, das burocracias de nível médio, que é a do diretor escolar,
do diretor de hospital – e que, se esse saber não for absorvido pela
política pública, ela terá mais erros do que acertos.
O quinto e último ponto, para a gente pensar a gestão
de pessoas, tem a ver com a relação entre os funcionários pú
blicos e a sociedade, que é outro tema fundamental, dado que,
na sociedade contemporânea, acredita-se que o Estado tenha
que ter um grau cada vez maior de accountability, que envolva,
inclusive, participação social, em maior ou menor medida, no
controle das políticas públicas.
É extremamente desejável que a burocracia, nos seus
vários níveis, responda à sociedade. Foi muito interessante, nesse
sentido, a aprovação da lei de acesso à informação, por exemplo.
Uma legislação importantíssima, porque estabelece claramen
te uma forma pela qual a burocracia, a administração pública
responde à sociedade. Do mesmo modo, acho fundamental
que existam conselhos locais de políticas públicas nos quais a
sociedade e os usuários dos serviços públicos possam dialogar e
ver o que está sendo feito pela burocracia.
Mas há riscos. A ideia de que quanto mais aumentar a
participação da sociedade na administração pública tanto melhor
é controversa. Controversa em que sentido? Depende de como é
que você aumenta esse controle. Porque, muitas vezes, o aumento

37
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

do controle pode significar, na verdade, a captura da sociedade


por algum setor. Então, cria-se, por exemplo, uma arena de par
ticipação na política setorial e participam todos os atores daquele
setor. Em tese isso é legítimo e positivo, mas, dependendo da
maneira como isso for feito, toda a política pública poderá ser
capturada por aquele setor. Isso vale também para o plano mais
básico e local da política pública. Quando a gente pensa em
conselhos de políticas públicas, perguntamos: quem são aqueles
que participam como representantes dos usuários? Geralmente
são aqueles mais organizados. A Anatel, por exemplo, tem um
representante dos consumidores dos serviços de telefonia. Alguém
sabe o nome dele? Portanto, é possível que seja criado um tipo
de um neoclientelismo, ou seja, só os mais organizados serão
aqueles que controlarão, de fato, a burocracia.
Para terminar, retomo os cinco pontos para pensar a
gestão de pessoas frente a esses aspectos. No que se refere à
neutralidade e impessoalidade, é fundamental criar um éthos
público capaz, ao mesmo tempo, de fazer com que o funcionário
responda ao público, não apadrinhe ninguém, não tenha relações
privilegiadas, mas não faça isso fugindo do próprio público.
Segundo tema, a meritocracia. Aí a gestão de pessoas passa, pelo
processo seletivo, para aquilo que, por falta de tempo, eu não
quis desenvolver muito, que é a trajetória ao longo da carreira.
Acho que há múltiplas alternativas para pensar gestão de pessoas
e meritocracia ao longo da carreira, pensando que o Estado é um
conjunto de competências múltiplas e não uma tábula rasa de
competências. Esse é um ponto importante para a gente pensar.
Se nós pensarmos no que se refere ao desempenho, aí
eu acho que há um espaço enorme para a gestão de pessoas.

38
UMA LEITURA DA GESTÃO DE PESSOAS SOB A PERSPECTIVA
DO MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Seja no que se refere a capacitar melhor os servidores


públicos, seja no que se refere a pensar em como criar meca
nismos de maior integração e pertencimento à administração
púbica. Acho que a literatura da nova gestão pública foi muito
interessante, muito importante, mas deixou de lado um fato
fundamental: a motivação humana é uma coisa complexa. É
preciso pensar nisso.
O quarto ponto: relação entre políticos e burocratas.
Acho que é preciso, do ponto de vista da gestão de pessoas, tra
balhar com a ideia de que a burocracia tem que responder aos
políticos de alguma maneira sem que perca completamente o
seu espaço de autonomia de decisão técnica. Esse espaço é im
portante. E isso deve ser pensado tanto para o topo como para
a burocracia da ponta do sistema.
E, por fim, e termino aqui, acho que o maior desafio da
gestão de pessoas é como fazer com que os funcionários respon
dam mais à sociedade. A tendência na administração pública,
isso não é só no Brasil, mas no mundo – pelo fato de o Estado
ser um ente muito complexo, que envolve muitos atores e inte
resses –, é de que, ao longo do tempo, a burocracia se encastele
e tente evitar relação com a sociedade. Há o perigo, já falei aqui,
de captura ou neoclientelismo. Como capacitar os funcionários
para evitar esses dois problemas e como fazer o mesmo com os
cidadãos? Acho que essa é a grande questão da gestão de pessoas
do século XXI no setor público.

39
CAPÍTULO 2
O mesmismo e outros ismos
na gestão de pessoas no setor público

HÉLIO JANNY TEIXEIRA


Professor doutor e livre-docente da Faculdade
de Economia Administração e Contabilidade
da Universidade de São Paulo – FEA-USP.
Coordenador de projetos na Fundação
Instituto de Administração – FIA.

SÉRGIO MATTOSO SALOMÃO


Bacharel em Administração pela Faculdade
de Economia, Administração e Contabilidade
da Universidade de São Paulo – FEA-USP.
Pesquisador, professor e consultor de projetos
da Fundação Instituto de Administração –
FIA.

FERNANDO NASCIMENTO
Bacharel em Física e em Administração
de Empresas pela Faculdade de Economia
Administração e Contabilidade – FEA-USP.
Pesquisador, professor e consultor de projetos
da Fundação Instituto de Administração –
FIA.
O MESMISMO E OUTROS ISMOS
NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

DIAGNÓSTICOS E SOLUÇÕES PARCIAIS

“O inferno são os outros”.1 Sartre, com essa afirmação tão


forte e tão repetida, quis marcar a importância do severo olhar do
outro na construção da biografia de cada um de nós. São palavras
que só poderiam sair da forja de um escritor talentoso, mas que,
certamente, contaram muito com outra qualidade do autor: a
de maior expoente do pensamento filosófico conhecido como
existencialismo. No desabafo de “o inferno são os outros”, está
estampada nossa tendência natural a fugir de nossas responsa
bilidades, ao mesmo tempo em que grita o alerta existencialista
de que nossa essência, a essência de cada ser humano – e de
nós como grupo ou sociedade – não precede nossa existência,
como no caso das coisas ou dos animais. Em nossa espécie, e
só na nossa, a existência precede a essência, ou seja, somos nós,
no uso do livre-arbítrio, que a construímos. Somos, portanto,
responsáveis por nossa biografia.
E é claro que o que fazemos no nosso espaço de
livre-arbítrio depende também, e muito, do contexto cultural
em que nos formamos e dos papéis que ocupamos na sociedade

1 Fala de Garcin ao final da peça Entre quatro paredes – ou Huis Clos, no original,
de Jean-Paul Sartre, 1945.

43
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

e no mundo do trabalho. Podemos ser ou ter sido sindicalistas,


políticos, burocratas ou acadêmicos e assumirmos as virtudes e os
vícios inerentes a cada um desses papéis. E papéis sociais, apesar de
carregarem muito das expectativas da sociedade sobre o comporta
mento de cada um, são também, paradoxalmente, uma armadilha
para a alienação e para a diminuição do espaço de exercício do livre
-arbítrio. É inevitável a perda da consciência crítica, e mesmo da
noção do interesse público, quando a adesão aos papéis profissionais
se transformam – o que é mais comum do que se pode imaginar –
em algumas condutas quase caricatas como as que seguem:
• Acadêmicos: tendem a se deixar aprisionar docilmente
pelo Sistema Qualis – Capes de pontuação, passam a gerar
mais quantidade do que qualidade e significado nas pu
blicações; Bertero et al. (2013); Sobral e Mansur (2013);
Mascarenhas e Barbosa (2013) demonstram, de forma
inequívoca, as fragilidades da pesquisa acadêmica no campo
da Administração.
• Sindicalistas: facilmente passam a se preocupar mais com
os níveis salariais e a isonomia, e menos com sistemas me
ritocráticos que valorizem simultaneamente os resultados e
os profissionais mais competentes e dedicados. Exacerbam
a percepção dos direitos, sem clareza dos deveres e da busca
ao interesse público.
• Políticos: preocupam-se mais com a ampliação da base po
lítica acima dos interesses técnico-administrativos. Passam
facilmente, então, ao fisiologismo, descuidados do desencon
tro crescente entre poder e competência na máquina pública.
• Burocratas: contaminados pelo ambiente, correm grande
risco de passar, já nos primeiros anos da carreira, do sonho

44
O MESMISMO E OUTROS ISMOS
NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

meritocrático do concurso público ao corporativismo. Em


função das restrições legais à renovação do funcionalismo,
encontram-se majoritariamente envelhecidos, acomodados
ou frustrados (muitas vezes justificadamente, em função
do ambiente e das experiências anteriores).
• Cidadãos: animados inocentemente por palavras de ordem
que culpam “os políticos” e isentam “a sociedade” (como
se fossem alienígenas impostos por alguma força superior
da qual não participamos), são viciados em crônicos pe
ticionismo (espera de soluções do Estado) e cartorialismo
(manutenção de reservas de mercado e privilégios).
Esse cenário, estereotipado, é claro, não deixa de ser
pessimista quanto às perspectivas e ritmos de evolução da admi
nistração pública no Brasil, e é agravado pelos modelos mentais
implícitos nas propostas de transformação. São diversas as fontes
que dão origem aos diagnósticos mais comuns. Um dos primeiros
exemplos marcantes é o Plano Diretor de Reforma do Aparelho
do Estado, coordenado pelo ministro Bresser Pereira em 1995.
O documento apresenta um diagnóstico da política de recursos
humanos (RH), válido até os dias de hoje. Relacionamos alguns
pontos considerados pelo plano:

a. A legislação que regula as relações de trabalho no setor


público é inadequada, notadamente pelo seu caráter prote
cionista e inibidor do espírito empreendedor.
b. Uniformização do tratamento de todos os servidores da
administração direta e indireta. Limitaram-se os mecanismos
de ingresso ao concurso público, sendo que poderiam ser
também utilizadas outras formas de seleção que tornariam
mais flexível o recrutamento de pessoal sem permitir a volta
do clientelismo patrimonialista.

45
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

c. Os concursos públicos, por outro lado, são realizados sem


nenhuma regularização e avaliação periódica da necessidade de
quadros, fato que leva à admissão de um contingente excessivo de
candidatos a um só tempo, seguida de longos períodos sem uma
nova seleção, o que inviabiliza a criação de verdadeiras carreiras.
d. A inexistência tanto de uma política de remuneração
adequada [...] como de uma estrutura de cargos e salários
compatível com as funções exercidas, bem como a rigidez
excessiva do processo de contratação e demissão do servidor,
tidas como as características marcantes do mercado de trabalho
do setor público, terminam por inibir o desenvolvimento de
uma administração pública moderna, com ênfase nos aspectos
gerenciais e na busca de resultados. (BRASIL, 1995, p. 26-27)

Mesmo mais de 15 anos depois, algumas características


apontadas no plano diretor continuam sendo observadas. Bergue
et al. (2010, p. 14-16), por exemplo, salienta que a gestão de
recursos humanos na maioria das organizações públicas brasileiras
é condicionada pelas seguintes características:
a. Rigidez imposta pela legislação.
b. Desvinculação da visão do cidadão como destinatário
do serviço público.
c. Pouca ênfase no desempenho.
d. Remuneração independente de desempenho.
e. Inércia gerencial.
f. Pouca preocupação com a gestão.
g. Rotatividade na ocupação de posições de chefia.
h. Gratificação distorcida e utilizada como forma de
remuneração.
Marconi (2003), que parte do pressuposto de que o modelo
predominante na área pública é o burocrático, adota linha de argu
mentação semelhante e apresenta o seguinte quadro de problemas:

46
O MESMISMO E OUTROS ISMOS
NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

a. Número excessivo de carreiras baseadas em categorias


profissionais (arquiteto, advogado, engenheiro etc.), e não
de acordo com a atividade a ser desempenhada.
b. Como os cargos são estreitos, a movimentação é reduzi
da, com risco permanente de caracterizar desvio de função.
c. Insuficiência de política de desenvolvimento de fun
cionário por meio de treinamento e progressão na carreira.
d. Valores salariais distorcidos em relação aos praticados
no mercado de trabalho.
e. Grande número de gratificações que mascaram os salá
rios, a transparência e o controle social.
f. Concursos pouco frequentes geram hiatos consideráveis
entre as gerações de funcionários.
g. Atratividade para os funcionários relacionada à estabi
lidade, segurança e ao aumento de salário de acordo com
o tempo de serviço e aposentadoria integral.
h. Consequentemente, um quadro de funcionários antigos,
acomodados, sem motivação para inovar ou melhorar o
desempenho.
Além desses aspectos, o relatório de Avaliação da Gestão
de Recursos Humanos no Governo: Brasil2010 (OCDE, 2010), da
Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico
(OCDE), destaca que cerca de 40% da força de trabalho do
governo federal superam 50 anos e logo vão se aposentar.
O relatório ressalta, ainda, que, atualmente, a gestão
de recursos humanos do governo federal tende a concentrar
mais esforços no controle do cumprimento das regras e normas
básicas, com pouco espaço para a gestão estratégica baseada em
competências e desempenho.

47
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

O texto reconhece, adicionalmente, que existem muitos


impedimentos para a gestão estratégica de recursos humanos no
governo federal, entre eles:

a. o quadro de servidores é bastante rígido e não permite


muita mobilidade;
b. [os
c. servidores]
os servidores sãodevem
contratados
fazerem
concursos para[específica];
uma carreira mudar de

carreira;
d. se forem identificadas novas necessidades, o governo
deve preencher somente com a realização de novos concursos
[ou seja, não é possível a mudança de cargo dos servidores].
(OCDE, 2010, p. 74-75).
e. A mobilidade é limitada pelo fato de que muitas cate
gorias estão estreitamente definidas e são específicas para
ministérios individuais ou agências, até mesmo para funções
semelhantes, sem qualquer sistema de classificação geral que
permitiria determinar posições equivalentes entre os minis
térios.
f. [...] as funções e atributos de cada carreira são definidos
por meio da legislação e tendem a ser interpretados estreita
mente. O resultado é que os servidores públicos têm posse
efetivamente em uma posição individual e é virtualmente
impossível transferir pessoal disponível para outro minis
tério.
g. Os concursos parecem ser relativamente rudimentares na
maioria dos casos devido à interpretação restritiva da cláusula
constitucional relevante. (OCDE, 2010, p. 177)

Para facilitar a compreensão dos aspectos apontados


pelos autores e relatórios destacados anteriormente, elaboramos
um quadro de síntese dos problemas associados à gestão de
pessoas no serviço público (quadro 1). Existem os problemas
associados à legislação que muitas vezes transcendem à gestão

48
O MESMISMO E OUTROS ISMOS
NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

de pessoas, mas que provocam impacto direto na atuação dos


gestores e servidores públicos. Além desses, os demais problemas
apontados foram divididos, basicamente, em três categorias:
remuneração, carreira e comportamental. Os problemas asso
ciados à carreira dos servidores foram subdivididos em dois
grupos: o primeiro relacionado ao acesso das pessoas aos qua
dros da administração pública, ou seja, os concursos públicos
que estão atrelados ao recrutamento e seleção; e o segundo,
associado ao desenvolvimento dos servidores e à mobilidade na
carreira. Já os problemas de natureza comportamental, foram
separados em três subgrupos: engajamento/atitude, desempe
nho e atratividade.

Quadro 1. Relação de problemas associados à gestão de


pessoas no serviço público

Categoria de problema (1995) Autores/relatórios


Brasil (2008)
Marconi (2010) OCDE
Bergue

(2010)
Legislação a, b a f
Remuneração d d, e d
Carreira Recrutamento
seleção
público- consurso
e b, c a,f b, c,
Comportamental Desenvolvimento
/atitude
Engajamento
Desempenho
mobilidade e dba a,
h b,
c c gb, e,
c, f d,
a, e,
gf so
ad
t
n
av
el
s
n
et
I

d, h
Atratividade c g

49
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Uma questão importante que decorre dos pontos obser


vados acima é: como, então, as organizações e gestores públicos
podem prover serviços e atender às necessidades demandadas
sem ter condições adequadas de gerir seu quadro de recursos
humanos?
Surge, nesse cenário, a possibilidade de minimizar os
reflexos de tais impedimentos com a terceirização. Nesse aspec
to, o relatório da OCDE (2010, p. 71) destaca que: “muitos
países membros da OCDE aumentaram a terceirização, dado
que esta é, por vezes, considerada mais eficiente do que a mão
de obra do setor público para determinadas atividades, e mais
flexível”. O mesmo documento ressalta, porém, que, de acordo
com a experiência desses países, devem-se considerar, na decisão
de terceirizar, os “investimentos internos no acompanhamento
dos contratos” e a necessidade de tornar “legível” a prestação de
serviços, para facilitar esse acompanhamento.
Dessa forma, a OCDE coloca que as “decisões sobre
terceirização devem ter participação no planejamento da força de
trabalho e serem descritas nos diversos documentos de prestação
de contas” (OCDE, 2010, p. 84).

[...] a administração federal do Brasil se beneficiaria de


uma política menos restritiva relativa ao uso de prestadores
de serviço externos, mas com planejamento transparente
das atividades a serem terceirizadas e uma lógica clara
exposta [...].
A terceirização não deve ser vista, porém, como uma meta
política em si mesma e não deve haver nenhum objetivo
a este respeito. Ao invés disso, as organizações federais
deverão ser encorajadas e auxiliadas a desenvolverem
políticas organizacionais específicas para maior uso dos

50
O MESMISMO E OUTROS ISMOS
NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

prestadores de serviço externos. Um modo para fazer isto


seria montar uma rede igualitária para a terceirização
dentro da administração federal. Por meio de uma rede
igualitária, as diferentes organizações federais poderiam
trocar experiências e prover apoio mútuo. Há grupos de
trabalhadores que trabalham para prestadores de servi
ço externos chamados de “trabalhadores terceirizados
irregulares”. Parece razoável assumir que, para alguns
postos, o motivador principal não foi o melhor custo ou
patronato, mas a necessidade de acessar competências
especializadas que não podem ser adquiridas pelo atual
sistema de carreiras e concursos. Neste caso, soluções
mais sofisticadas precisam ser estabelecidas para ter acesso
a essas habilidades dado que simplesmente proibir tais
contratações privará as administrações de habilidades
necessárias. (OCDE, 2010, p.184-185)

Consequentemente,

a capacidade do pessoal [...] continua mal gerenciada com


uma gestão muito limitada de competências, sistemas de
seleção por mérito estritos e carreiras rígidas e estreitas que
impedem a alocação ótima de recursos humanos e limitam
as oportunidades para os servidores desenvolverem suas
carreiras por meio de mobilidade lateral ou progressão
vertical. (OCDE, 2010, p. 196)

O trecho supracitado é praticamente um resumo do que


sintetizamos no quadro 1. Isso significa que os diagnósticos são
válidos, se sobrepõem e se completam. Mas falta uma dimensão
importante: a política. É conhecida a dificuldade de se equilibrar
critérios técnicos e políticos nas diversas decisões da administra
ção pública, por exemplo, na escolha de dirigentes.

51
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Segundo Motta (2013, p. 86), “os gestores públicos


têm carreira e cargos mais vulneráveis à política e menos ao
desempenho”. Abrucio (2007, p. 5) fortalece e complementa essa
ideia ao ressaltar que “boa parte do sistema político tem um cálculo
de carreira que bate de frente com a modernização administrativa.
Profissionalizar a burocracia e avaliá-la constantemente por meio
de metas e indicadores são ações que reduziriam a interferência
política sobre a distribuição de cargos e verbas públicas”.
Dessa forma, nosso quadro de síntese dos problemas
apontados na gestão de pessoas da administração pública fi
caria mais completo com a adição de fatores, além dos legais,
comportamentais, de carreira e de remuneração, da dimensão
política. A partir dessa percepção, pode-se começar a encami
nhar soluções que funcionem. Afinal, os diagnósticos, embora
genéricos, são conhecidos e amplamente repetidos. Contudo,
não há responsabilização pela solução e não ficam claros os pesos
ou as dimensões dos problemas. Uma postura mais assertiva é
necessária, no sentido de se definir o que precisa ser feito, por
quem e em quanto tempo.
Sabe-se que as mudanças na gestão pública não envol
vem apenas questões técnicas e administrativas, mas também
dimensões políticas e sociais nem sempre bem compreendidas
e explicitadas, como já abordamos anteriormente (TEIXEIRA;
SANTANA, 1994, p. 7). “Introduzir mudanças na administra
ção pública [...] representa sempre ir de encontro a interesses
estabelecidos” num contexto com múltiplos atores e com posi
ções divergentes, ou seja, os processos de mudança são sempre
sócio-técnico-políticos. Cada grupo, ou, na definição de siste
ma, cada componente ou “parte”, visualizará o sistema e seus

52
O MESMISMO E OUTROS ISMOS
NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

objetivos conforme suas posições e interesses. Ignorar esse aspecto


da natureza da administração pública e supervalorizar soluções
simplistas é meio caminho para a frustração.

DO DEPARTAMENTO DE PESSOAL À GESTÃO DE


PESSOAS: MUDANÇAS DE NOME E ILUSÕES
Tornou-se lugar-comum a afirmação de que o depar
tamento de recursos humanos (DRH) dos órgãos públicos
é atrasado, rotineiro, reativo e sem atuação condizente com a
modernidade. As comparações imprecisas com o setor privado,
sempre idealizado e considerado com base em seus melhores
exemplos – e não pela média, certamente inferior ao que se passa
no setor público –, ajudam a depreciar os DRHs. São descri
tas com galhardia as fases de evolução do assunto no mundo
privado: a administração de recursos humanos calcada nas rotinas
do departamento de pessoal transformou-se agora em gestão de
pessoas.
Nas empresas em que ocorre de fato a transformação, e não
apenas a mudança de nome, os gestores de linha passaram a assumir
ou a compartilhar a aplicação de funções típicas de RH nas suas
equipes: seleção, treinamento, orientação, salários, demissão etc.
Reafirma-se o óbvio: o gerente deve assumir o gerenciamento de
sua equipe, relembrando as sugestões de Fayol conhecidas desde o
início do século XX sobre as funções administrativas: planejamento,
organização, direção, coordenação e controle. As críticas repetidas
à improdutividade dos DRHs são injustas. Esses departamentos
cumprem suas funções rotineiras e custam relativamente pouco
ao Estado. No entanto, não têm poderes para interferir na linha
– são staff ou atividade-meio, conforme a velha teoria clássica da

53
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

departamentalização. A grande falha está no subgerenciamento


praticado pelos gerentes e chefes nos diversos níveis hierárquicos.
O atraso do DRH é útil... como “bode expiatório”.
Nossa vivência no setor público – nas esferas federal,
estadual e municipal – nos faz acreditar que um bom geren
ciamento na linha de frente é muito mais importante do que a
qualidade do DRH para a obtenção de resultados significativos,
e sempre pode superar as difíceis condições de trabalho vigentes
no setor público.
Uma boa visão das propostas para a gestão de pessoas na
área pública pode ser extraída do Programa de Reestruturação e
Ajuste Fiscal (PAF), parte integrante de contrato de confissão e
refinanciamento da dívida paulista com a União, a exemplo dos
que são assinados com muitos outros estados da federação. O
artigo 33 apresenta uma série de compromissos abrangentes, para
resolver boa parte dos problemas apontados na seção anterior e
sintetizados por meio do quadro 1:

O Estado deverá adotar ações voltadas à gestão das des


pesas com pessoal do Poder Executivo, a saber:
1) Sistema Previdenciário:
1.1 – Regime Próprio:
I – aprimorar os instrumentos geradores de informações
gerenciais relativos aos reflexos previdenciários de decisões
inerentes à política de recursos humanos do Estado que
venham a ser implantadas.
[...]
3) Buscar maior eficiência das organizações públicas, me-
lhorando o nível de despesa com pessoal, que no campo
da gestão de recursos humanos compreende:
I – planejamento da força de trabalho, compatibilizando
os quadros de pessoal às estruturas organizacionais;

54
O MESMISMO E OUTROS ISMOS
NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

II – reestruturação das classes e carreiras com caracterís


ticas abrangentes e generalistas, inclusive com amplitude
que se alcance o final em no mínimo 25 anos, e ascensão
funcional por mérito e por competências;
III – ampliação da sistemática de remuneração do Poder
Executivo voltada à gestão de resultados;
IV – revisão da legislação que rege vantagens pecuniárias
específicas e que sejam incompatíveis com as normas
constitucionais, com o mercado de trabalho e/ou com
a LRF, a exemplo do adicional de insalubridade e do
adicional noturno;
V – extinção de cargos e funções-atividades vagos e/ou
considerados não adequados às novas funções do Estado;
VI – implantar ferramenta que possibilite a consolidação
das leis que regem o servidor público estadual, com vistas
à edição do novo estatuto do servidor público estadual;
VII – expansão do processo de certificação ocupacional,
por meio de avaliação e desenvolvimento dos conheci
mentos e habilidades básicas, inerentes ao exercício de
cargos em comissão e funções ou empregos em confiança,
no âmbito da administração direta e autárquica;
VIII – diminuição dos custos com o absenteísmo por
meio de medidas de ordem legal, sobre as ações de saúde
e de gestão, inclusive no que se refere às perícias médicas,
por abranger o ingresso e os afastamentos de servidores,
além da concessão de vantagem a título de insalubridade;
IX – implementação de avaliações por competências ad
quiridas, para fins de progressão funcional para as classes
da área-meio (LC n. 1080/08), no âmbito da adminis
tração direta e autárquica;
X – implementação dos concursos de promoção e pro
gressão para as classes da área da saúde (LC 1.157/11),
no âmbito da administração direta e autárquica. (GO
VERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2012,
p. 9-11)

55
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Medidas dessa natureza são sempre apropriadas, mas


a aplicação exige articulação entre elas e maior clareza dos
impactos na operação das organizações do estado. Devem ser
respondidas questões como: Quantas pessoas estão envolvidas
em cada tipo de medida? Quais cargos? Qual será o impacto
ao longo do tempo? Quais as interdependências entre as solu
ções propostas? Quanto tempo levará, de fato, até haver uma
grande mudança? Quais os custos e quais os benefícios? Qual
o aumento da eficiência?
Dando continuidade ao raciocínio feito na primeira
parte desta seção, colocamos os itens apontados pelo PAF do
governo do estado de São Paulo como possíveis soluções para
os problemas diagnosticados, sintetizados no quadro 1. Dessa
forma, construímos o quadro 2 com essa correspondência.

Quadro 2. Correspondência entre problemas diagnosticados


e o PAF paulista

Categoria de problema Soluções propostas pelo PAF


Legislação 3-IV, 3-VI, 3-IX

Remuneração 1-I, 3-III

Carreira 1-I, 3-I, 3-II, 3-V, 3-VII, 3-IX, 3-X

Comportamental 1-I, 3-II, 3-VIII, 3-IX

As soluções propostas pelo PAF são apenas um exemplo.


De maneira geral, os problemas são amplamente conhecidos

56
O MESMISMO E OUTROS ISMOS
NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

e repetidos, e as soluções não são difíceis de serem propostas.


A dificuldade reside na sua concretização, isto é, na responsabi
lização pela solução. Como dissemos, deve-se estabelecer quem
será incumbido dela e em que prazo vai realizá-la. Pode-se dizer,
portanto, que é uma questão de governança de soluções. Há
medidas gerais que se aplicam a toda a máquina pública e seus
servidores, como mudanças do sistema previdenciário e a elabora
ção de um novo estatuto do servidor público. Mas a maioria deve
considerar a especificidade do setor, da organização em análise e
seu contexto. Ou seja, soluções e encaminhamentos gerais não
bastam. São necessários diagnósticos, soluções mais precisas e
encaminhamentos específicos para cada unidade relevante da
máquina pública.

A NECESSIDADE DE SUPERAÇÃO DE
ABORDAGENS EQUIVOCADAS

Considerando-se o que foi exposto na seção anterior,


há, ainda, quatro pontos a destacar, conforme discutiu-se em
Teixeira et al. (2013). Um conjunto de abordagens que poderia
ser resumido no acrônimo SIMS, a que todos deveriam contrapor
alguns “nãos”, com o perdão ao pobre trocadilho:
• Simplismo.
• Imediatismo.
• Modismo.
• Sectarismo.
Os quatro pontos suportam-se mutuamente numa sín
drome conservadora e imobilista voltada à manutenção do status
quo: as chamadas “reformas administrativas modernizadoras”

57
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

que trocam nomes, geram decretos, mudam estruturas, mas


conservam o atraso e os privilégios.

SIMPLISMO
É comum na área pública a existência de princípios e leis
relevantes que marcam o sentido dos trabalhos nas diversas áreas
da administração. Vamos citar três exemplos marcantes nesse
sentido: a Lei nº- 8.666, de 1993, que representa um marco para
a área de licitações; o artigo 37 da Constituição que direciona a
gestão de pessoas, estabelecendo, por exemplo, a obrigatoriedade
de concurso público; e a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)
que apresenta os limites de gastos e outras referências para as
finanças públicas.
É fácil perceber que, apesar de sua abrangência e alto
grau de detalhe com que consegue tratar as licitações públicas,
a Lei nº- 8.666 não apresenta e nem propõe um sistema de ges
tão de suprimentos integrado, pois trata apenas de licitações e
contratações. Os concursos públicos, essenciais e bem-vindos,
não significam uma política de recursos humanos, mas apenas
uma parte de dois dos seus aspectos: recrutamento e seleção.
Da mesma forma, a LRF nunca teve a pretensão de propor uma
gestão financeira integrada. Mesmo com os seus direcionamentos
e restrições, as leis mencionadas não vedam a concepção e im
plantação de políticas mais abrangentes para as áreas e processos
que procuram regular. Ou seja, as soluções não precisam ficar
restritas ao texto da lei, muito pelo contrário.
Assim, a Lei nº- 8.666 teria mais impacto sobre a qua
lidade das compras e contratações públicas se acompanhada
de previsão bem-feita da necessidade de materiais, análise de

58
O MESMISMO E OUTROS ISMOS
NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

mercados fornecedores, estudo dos padrões de consumo, controle


de estoque, estudo de custos globais e treinamento de comprado
res. Como se pode perceber, a lei não coíbe uma logística pública
integrada. No entanto, poucos a praticam.
O mesmo vale para as outras duas leis citadas. Um con
curso público mal-feito não trará grandes contribuições, mesmo
dentro da lei. Da mesma forma, um concurso bem cuidado, livre
da cobrança restrita do conhecimento acadêmico, perderá força
se os novos funcionários não forem bem integrados, orientados,
treinados, remunerados e motivados. Portanto, não basta cuidar
bem de uma parte, porque, na administração, o que importa é
o conjunto.
No que tange ao setor público, tanto a literatura quanto
a prática da gestão de pessoas ainda tratam das funções típi
cas de RH – recrutamento, seleção, treinamento, análise de
cargos e carreira, avaliação, remuneração e desligamento – de
forma isolada, como mostravam Zaccarelli e Kwasnicka (1978,
p. 47) sobre a gestão de RH em geral há mais de 35 anos, “o
tratamento conjunto desses assuntos é nulo ou insuficiente,
embora, evidente que seja muito importante”. Por um lado, os
autores nos alertam para as relações que devem existir entre as
estratégias organizacionais e as políticas de recursos humanos,
mas, por outro, salientam que a coerência e a complementari
dade devem ser buscadas entre as próprias funções da gestão de
RH. É dessa forma que decisões acertadas no recrutamento e na
seleção tendem a facilitar a formação e o treinamento, os quais,
por sua vez, viabilizam o desenvolvimento de competências e
a implantação de sistemas de carreira e remuneração, e assim
por diante. Usualmente, não é feito o tratamento conjunto das

59
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

partes, o que envolve a visualização das funções e suas articu


lações entre si e com o contexto.
Referenciais não faltam para indicar componentes e
condicionantes da gestão de pessoas. Longo (2003) apresenta
um modelo integrado de gestão bastante difundido nos paí
ses ibero-americanos e que deu origem a uma metodologia de
avaliação também bastante utilizada. Da mesma forma, Levy
(2012) apresenta um quadro amplo sobre a questão. Porém, os
acadêmicos e os estudiosos têm avançado mais do que a prática.
Os atores envolvidos com o mundo real estão dispersos e marca
dos por interesses específicos. Assim, decisões que necessitam de
integração para constituir um todo significativo são tomadas por
grupos distintos, com referenciais particulares e sem visualização
do conjunto.

IMEDIATISMO
Fenômeno bastante abordado na política e na gestão
pública brasileira fica ainda mais grave quando tratamos de gestão
de pessoas com diversos ciclos temporais: diários, mensais, anuais,
eleitorais, plurianuais, os 35 anos desde o concurso público até
a aposentadoria e os tempos de previdência social, incluindo os
herdeiros (pensionistas).
Um bom gestor de pessoas deve pensar no dia seguinte
e nos próximos 50 anos, pelo menos! Não é o que ocorre. Toda
cultura brasileira de solução de problemas é dominada pelo curto
prazo. O orçamento público é anual, o Plano Plurianual (PPA) vale
por quatro anos e muitos problemas não podem ser resolvidos nos
horizontes do calendário político. Revisões das políticas de recur
sos humanos não podem ser feitas sem uma visão abrangente da

60
O MESMISMO E OUTROS ISMOS
NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

força de trabalho e suas perspectivas de evolução. Aposentadorias,


saídas espontâneas (pouco frequentes), transferências e mudanças
nos papéis dos servidores devem compor um grande quadro que
também considere custos, benefícios e produtividade.
As previsões devem considerar as transformações previstas
nas estruturas do Estado, sem as quais é impossível planejar a força
de trabalho. Tudo isso num contexto de revisão da organização so-
cietária (Estado × mercado × sociedade), em que as missões, papéis
e encargos de cada segmento devem ser alterados em função do
interesse público, livre das amarras da tradição e da rigidez ideológica.
É urgente a necessidade de adoção do planejamento
sistêmico multitemporal para a gestão de recursos humanos no
setor público.

MODISMO
A falta de visão sistêmica e o imediatismo facilitam a
adoção de soluções ilusórias. Normalmente, na área pública,
elas vêm do setor privado, dos países estrangeiros considerados
desenvolvidos e dos gurus. Esse assunto já foi analisado em
Teixeira et al. (2010). Modismos, exageros e propaganda enganosa
fazem parte do mundo atual, e a administração não fica de fora
dessa onda. Vivemos numa sociedade do conhecimento, da in
formação, mas também da confusão, da dúvida e dos paradoxos.
Esforços são necessários para identificar o que é relevante e fugir
das armadilhas representadas pelas soluções fáceis e enganosas.
Esse é um dos nossos objetivos neste capítulo. Vale um alerta:
as armadilhas estão mais nas generalizações das soluções sem
análise de contexto do que na pobreza das ideias em si que são
propostas nos textos que entram e saem da moda.

61
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

A extrema complexidade da área pública, aliada à ne


cessidade política de soluções urgentes, acaba valorizando a
adoção de soluções ilusórias e consagradas pela propaganda.
Como dissemos, elas não são ruins em si mesmas. Mas a crença
de que possam ser soluções amplas e “instantâneas” gera frus
trações e equívocos. São conhecidas as adaptações malsucedidas
dos contratos de gestão franceses, as soluções confusas da New
Public Management e a visão “etapista” do Plano Diretor da
Reforma do Estado quando contrapôs a administração buro
crática à gerencial. Soluções bipolares e maniqueístas são tão
abundantes quanto inoportunas, por não corresponderem a um
mundo multipolar e repleto de ambiguidades. Também predo
minam as soluções funcionais e disciplinares inadequadas para
as situações que demandam sinergia e multidisciplinaridade.

SECTARISMO
Embora inexistam diagnósticos claros sobre a adequa
ção do porte da máquina pública, bem como do número de
funcionários públicos, sempre causam admiração os valores de
despesas com pessoal. O orçamento da União para 2013 previu
gastos de R$ 228 bilhões com pessoas, sendo aproximadamente
2 milhões de servidores dos quais 900 mil ativos. No estado de
São Paulo, os números também são impressionantes. Em 2011,
foram gastos R$ 49 bilhões com 1,2 milhão de funcionários,
dos quais 740 mil ativos. Os valores, embora representem, no
período, mais da metade da despesa não financeira do estado,
atingiram 40,33% da receita corrente líquida do Poder Executivo,
ainda bastante abaixo do teto de 49% e do limite prudencial de
46,55% estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

62
O MESMISMO E OUTROS ISMOS
NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

Contudo, estudos (WATANABE, 2013) indicam que, embora


dentro da lei, os percentuais têm crescido em diversos estados
brasileiros. A pergunta crítica é se a eficiência do funcionalismo
tem crescido na mesma taxa de aumento de despesas.
Não há respostas precisas, mas as impressões não são
favoráveis. Em primeiro lugar, não há estudos sistemáticos para
responder à pergunta. Em segundo, a questão é tratada sob uma
perspectiva fiscalista, sem as devidas articulações com as diversas
funções envolvidas na gestão de pessoas. O que se observa é que
as pessoas são tratadas como despesas a serem combatidas, como
se fossem pragas. Com isso, não questionamos as limitações
estabelecidas pela LRF, apenas realçamos a pobreza do diálogo
entre os economistas da fazenda pública – com suas agregações
fiscais – e os gestores de pessoas – com óticas mais particulares.
A preocupação dominante está na limitação de despesas e não
no aumento da eficiência. Se os recursos humanos – as pessoas –
forem sempre tratados como despesas, e não como investimentos,
nunca nos preocuparemos em avaliar o “retorno” desejado sobre
esse – lato sensu – enorme capital público.

ENFOQUE RECOMENDADO

Muitas vezes, o diálogo social referente às grandes questões


de administração pública se fecha em dicotomias empobrecedoras
que não respeitam a evolução e o acúmulo de ideias nos cam
pos do direito, da economia, da administração, da política, só
para citar alguns grandes domínios do conhecimento. Partidos
políticos, candidatos e gestores públicos opõem-se quase como
torcedores de futebol. Contagens simples e ironias substituem

63
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

as análises mais profundas. A favor versus contra a privatização.


Contra versus a favor da contratação de organizações sociais (OSs)
para executar determinados serviços de utilidade pública. A favor
versus contra a terceirização da prestação de serviços. Todos têm
direito à opinião, mas cria-se um processo de contraposições em
que o grande derrotado é o interesse público, pouco defendido e
considerado nas arenas dos interesses corporativos, clientelísticos,
ou simplesmente sectários.
Devemos evitar as polarizações, por meio de uma abor
dagem mais científica. É certo que a gestão pública não é algo
simples e uma “solução ótima” não tem fórmula fixa e universal,
pois exige análise do contexto econômico, social e jurídico, e
envolve, necessariamente, o aprimoramento tanto da máquina
pública – ou seja, das relações internas – quanto das terceiriza
ções, utilização de OSs e outras formas de contratação externa.
Por exemplo, por um lado, não há como terceirizar bem sem
um bom planejamento e controle do processo – portanto, não é
possível, igualmente, terceirizar bem sem carreiras técnicas for
tes no serviço público. Por outro, não se deve realizar concurso
público simplesmente para “completar os quadros”. O conjunto,
envolvendo Estado, mercado e sociedade, deve melhorar suas
articulações para que se efetivem progressos verdadeiros e, de fato,
ocorra a defesa do interesse público, acima de ilusões e ideologias.
Os atores que citamos na abertura deste artigo (acadê
micos, sindicalistas, políticos, burocratas e cidadãos) devem ser
mais bem compreendidos e articulados em seus diferentes papéis
e em defesa de interesses legítimos, evitando-se o empobreci
mento decorrente da mera contraposição de um enfoque mais
tecnocrático a outro, mais político.

64
O MESMISMO E OUTROS ISMOS
NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

De um lado, a visão tecnocrática retira das discussões


todo e qualquer interesse político, considerando-os espúrios:
é a técnica que manda, e a visão política é sempre dominada
por interesses menores. Do outro, temos a visão política, que,
diferentemente, entende que tudo se resume a grandes interes
ses e negociações: a política é a arte de promover o possível, e
as questões técnicas muitas vezes representam obstáculos sem
grande relevância. Estamos diante de um paradigma de pola
rização, partindo-se da ideia de uma escala opondo política e
técnica, na qual as pessoas devem escolher um ponto entre esses
dois extremos para se posicionar, como se fosse uma poltrona a
ser escolhida na fileira de um cinema. E mais, como se cada um
dos atores tivesse de ser designado a uma poltrona com lugar
marcado. Além disso, quem está em um polo considera que
quem está do outro lado está equivocado. Como nos mostra o
prêmio Nobel de Economia Daniel Kahneman, o ser humano
tem mais facilidade em encontrar os equívocos alheios do que
seus próprios (KAHNEMAN, 2012).
O que estamos propondo é uma mudança de visão: sair
de um paradigma de polarização ou de antagonismo para um de
complementaridade (figura 1), em que tanto questões políticas
quanto técnicas têm lugar, em maior ou menor grau, depen
dendo do contexto. Nessa visão, passa-se a ter um espaço amplo
para os diferentes atores se posicionarem e tira-se da discussão a
infantilização que reduz as escolhas a decidir entre o “certo” e o
“errado”. Num novo paradigma, conflitos são normais e as arenas
para negociação devem ser fortalecidas. As decisões mais difíceis
são aquelas que não possuem um “errado”, aquelas nas quais todas
as opções são certas, dependendo de como se olha para a questão.

65
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Figura 1. Mudança de paradigma: trocar a polarização por


complementaridade

(antagonismo)
Paradigma
polarização
de Paradigma de
complementaridade

Político

Político Técnico
Técnico

Esse raciocínio é válido para qualquer outro tipo de


polarização, como sindicalista versus burocrata, acadêmico ver
sus político, cidadão versus burocrata e assim por diante, não se
restringindo aos atores de que falamos no início do artigo.
O interesse público deve ser defendido de forma ampla,
como valor compartilhado que demanda atuação conjunta do
Estado, mercado e sociedade conforme conveniências histó
ricas. Nenhum segmento possui o monopólio das virtudes e
soluções e tampouco dispõe de recursos e energias para aten
der às crescentes demandas sociais. Articulação criativa, novas
contratualizações, coprodução público-privada são essenciais.
Infelizmente, preconceitos, corporativismo, clientelismo, pa
trimonialismo, entre outros “ismos”, têm truncado os debates
e a evolução das ideias e soluções.
Como estabelecer uma política de recursos humanos sem
clareza das perspectivas de evolução das estruturas do Estado?
Mais gente na administração direta ou mais na indireta? Mais
pessoal próprio ou mais terceiros contratados, credenciados ou

66
O MESMISMO E OUTROS ISMOS
NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

conveniados? Ou é melhor privatizar de vez certas atividades?


Quais cargos, quais carreiras permanecem e devem ser fortaleci
das? Quais competências devem ser desenvolvidas? Mal compa
rando, as dúvidas equivalem a ter de renovar um guarda-roupa
desconhecendo o tamanho do corpo e os hábitos de vida que
demandam vestimentas específicas. O indivíduo pratica esportes?
Quais? Natação ou esgrima? Prefere o estilo social ou esportivo?
Roupas claras ou escuras?
O Plano Diretor da Reforma do Aparelho de Estado
(PDRAE), de 1995 (BRASIL, 1995), parte de algumas perguntas
básicas: 1) Qual a missão dessa entidade? 2) O Estado deve se
encarregar dessa missão e das respectivas atividades envolvidas?
3) Quais podem ser eliminadas? 4) Quais devem ser transferidas
da União, para os estados ou para os municípios? 5) E quais
podem ser transferidas para o setor público não estatal? 6) Ou
então para o setor privado? Não parece ser possível responder
a essas perguntas para o Estado ou o governo como um todo,
em qualquer dos níveis ou poderes. Mas, dada uma organização
específica, com autonomia administrativa suficiente para tal,
parece bastante razoável ao menos refletir sobre essas questões
na definição de suas estratégias e estrutura, assim como sobre as
consequências para a gestão de pessoas.
Levando-se em conta os argumentos aqui apresentados,
pode-se fazer uma relação com os quatro tipos de problemas
associados à gestão de pessoas, que foram apontados na primeira
parte deste artigo: legislação, remuneração, carreira e aspectos
comportamentais.
Com relação à legislação, fica claro que mudanças serão
necessárias em algum momento e que, muitas vezes, as normas

67
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

legais são restrições para a boa gestão. No entanto, limitar a


discussão a aspectos atrelados à legislação é cair numa das arma
dilhas que enumeramos acima, o simplismo. O que é necessário
é aumentar o grau de gerenciamento. O subgerenciamento pra
ticado pelos chefes e gerentes contribui para um ambiente mais
suscetível a modismos e imediatismos.
No que diz respeito à carreira, à remuneração e aos aspec
tos comportamentais, as soluções legais não bastam. É mais uma
questão de relações do que de leis. As soluções nesses aspectos
passam por questões de mobilização dos servidores, em todos os
níveis, incluindo posições de gerenciamento. Segundo relatório
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (NEDER, 2013),
o país tem cerca de 8 milhões de empregados na administração
pública. É uma quantidade considerável de pessoas que precisam
ser mobilizadas. E essas questões independem de condicionantes
miraculosos. Uma boa prática de gestão leva ao engajamento, à
eliminação de injustiças e faz as pessoas se sentirem respeitadas.
O que deve estar claro, neste momento, é que qualquer
medida que seja tomada por gestores públicos em diferentes áreas
e níveis, mesmo sendo útil, pode levar a muito pouco se não for
acompanhada de um enfoque sistêmico. O peso do conjunto deve
ser levado em conta. Contudo, muitas vezes, visão sistêmica e
modelos abrangentes são contrários aos interesses corporativos,
seja por questões políticas ou de outra natureza. Em contrapar
tida, quando aplicados por gestores conscientes, são o próprio
antídoto para a transformação da defesa de interesses de poucos
em defesa do interesse público, o qual deve sempre prevalecer.
Dessa forma, concluindo de maneira mais otimista,
afirmamos que temos em nossa sociedade, dentro e fora do

68
O MESMISMO E OUTROS ISMOS
NA GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

setor público, energia e competência para resolver os problemas


citados, que devem ter, progressivamente, seus contornos e pesos
mais bem definidos. É necessário melhorar a articulação dos
diversos atores e torná-los mais conscientes das consequências
dos “ismos” (simplismo, imediatismo, modismo e sectarismo)
e também dos campos de forças inevitáveis quando se fala em
mudanças da administração pública brasileira. Boa gestão é
fundamental e, quanto mais alto o nível hierárquico do admi
nistrador público, maiores são os poderes e as responsabilidades
pela solução das dificuldades da gestão de pessoas. Todos –
acadêmicos, governantes e gestores – temos responsabilidade
por dar à gestão de pessoas no setor público uma biografia da
qual possamos nos orgulhar um pouco mais.

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O MESMISMO E OUTROS ISMOS
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71
CAPÍTULO 3
Um olhar sobre os órgãos de recursos humanos
do governo do estado de São Paulo
GILSON RODRIGUES
DE ALMEIDA
Bacharel em Ciências Sociais e mestre em
Ciência Política, ambos pela Universidade
Estadual de Campinas. Especialista em
Políticas Públicas, atuando na Unidade
Central de Recursos Humanos da Secretaria
de Gestão Pública do Estado de São Paulo.

NANCY ALMEIDA DA SILVA


Licenciada em Letras – português, inglês e
espanhol, e pós-graduanda em Gestão Pública,
ambos pela Faculdades Metropolitanas
Unidas – FMU. Atua como assistente técnica
da Unidade Central de Recursos Humanos
da Secretaria de Gestão Pública do Estado
de São Paulo.

SÍLVIA REGINA GASPAR


Bacharel e licenciada em Dança pela
Universidade Estadual de Campinas. Atua
como executiva pública da Unidade Central
de Recursos Humanos da Secretaria de Gestão
Pública do Estado de São Paulo e é docente
da Faculdade Paulista de Artes.
UM OLHAR SOBRE OS ÓRGÃOS DE RECURSOS HUMANOS DO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

INTRODUÇÃO

Este capítulo tem por finalidade traçar um perfil dos


órgãos de recursos humanos que compõem o sistema de ad
ministração de pessoal do governo do estado de São Paulo.
Empreendemos um mapeamento geral desses órgãos, do seu
funcionamento e das pessoas que neles atuam, de modo a ilumi
nar as características mais marcantes do atual modelo de gestão
de recursos humanos do estado, com suas forças, fraquezas,
ameaças e oportunidades.
O primeiro eixo do perfil consiste em um levantamento
do formato institucional dos órgãos de recursos humanos do
estado, do quantitativo e da distribuição dos servidores que
exercem suas atividades nesses órgãos, bem como do seu nível de
formação, de suas competências, de suas experiências anteriores
e de suas expectativas em relação ao trabalho.
Complementarmente, apresentamos os resultados de
entrevistas realizadas com os dirigentes de recursos humanos
selecionados a fim de captar, com maior riqueza de detalhes, a
percepção dos representantes da área quanto às rotinas de traba
lho, aos processos críticos e aos gargalos existentes nos diferentes
órgãos de recursos humanos do estado.

75
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

METODOLOGIA

O levantamento do formato institucional dos órgãos


de recursos humanos foi realizado por meio de consulta às leis,
aos decretos e às resoluções que formalizam a estrutura de cada
secretaria e autarquia.
A identificação do número de profissionais alocados nos
órgãos setoriais de recursos humanos e na Unidade Central de
Recursos Humanos (UCRH) foi realizada pelos próprios diri
gentes dos respectivos órgãos e informada por meio eletrônico.1
Para mapear o perfil dos servidores de recursos humanos
do estado, foi encaminhado, por intermédio dos órgãos setoriais
de recursos humanos, um formulário eletrônico para ser respondi
do pelos próprios profissionais.2 A taxa de retorno do formulário
preenchido representa 33,12% do universo investigado. Embora
essa amostra tenha um caráter não probabilístico, as respostas
daqueles que efetivamente retornaram o questionário preenchido
– especialmente na administração direta, cuja taxa de resposta
alcançou os 51% – são bastante reveladoras para uma primeira
exploração sobre o tema.
Selecionamos uma amostra representando a diversida
de, em termos de tamanho e natureza, dos órgãos de recursos
humanos, para a realização de entrevistas em profundidade com
os seus dirigentes.3 Para essa etapa da pesquisa, foram escolhidos
representantes dos maiores órgãos de recursos humanos do estado

1 Esses dados são referentes a 26 de fevereiro de 2013.


2 As respostas ao questionário foram recebidas até 7 de dezembro de 2012.
3 As entrevistas foram realizadas entre os meses de julho e agosto de 2013.

76
UM OLHAR SOBRE OS ÓRGÃOS DE RECURSOS HUMANOS DO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

(Secretaria da Educação, Secretaria de Segurança Pública, Se


cretaria de Administração Penitenciária, Secretaria da Saúde,
Secretaria da Fazenda e Centro Paula Souza), de tamanho me
diano (Secretaria de Gestão Pública, Departamento de Águas e
Energia Elétrica, Hospital das Clínicas da Universidade de São
Paulo e Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público
Estadual) e de tamanho mais reduzido (Justiça, Saneamento e
Recursos Hídricos, Desenvolvimento Social, Cultura, Transpor
tes Metropolitanos, Emprego e Relações do Trabalho e Esporte,
Lazer e Juventude).
O roteiro básico das entrevistas trazia questões relativas
a: estrutura formal, estrutura real e necessidade de revisão da
estrutura dos órgãos; adequação do número e perfil dos profis
sionais de recursos humanos em relação às demandas de trabalho;
atividades mais significativas em termos de volume de trabalho;
ações de capacitação desenvolvidas; comunicação interna e ex
terna; participação na tomada de decisões; e, por fim, relativas
aos principais problemas enfrentados e aos desafios do trabalho.

SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO DE PESSOAL

O sistema de administração de pessoal dos servido


res públicos civis da administração centralizada e autárquica
do estado de São Paulo foi instituído pela Lei Complementar
nº- 180, de 12 de maio de 1978. Tal sistema apresentou caracte
rísticas “modernas” ao compartilhar atribuições de planejamento,
coordenação e controle tradicionalmente exercidas pelo órgão
central de recursos humanos do estado com as secretarias e órgãos
descentralizados.

77
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

A descentralização das atividades relativas à administra


ção de pessoal, entretanto, não implicou em um relaxamento do
controle dessas atividades. Para que o sistema descentralizado
permitisse o gerenciamento eficiente dos recursos humanos do
estado, foi estabelecida a seguinte estrutura:
• Órgão central de recursos humanos (UCRH): órgão
incumbido do planejamento, coordenação, orientação técnica
e controle, em nível central, das atividades relativas à área de
pessoal da administração direta e autárquica do estado.
• Órgãos setoriais de recursos humanos: órgãos de recursos
humanos das secretarias, da Procuradoria Geral do Estado e
das autarquias. Esses órgãos são responsáveis pelo planejamen
to, coordenação, orientação técnica e controle e, quando for o
caso, pela execução de atividades de administração de pessoal.
• Órgãos subsetoriais de recursos humanos: unidades
de pessoal descentralizadas, existentes em algumas pastas, às
quais incumbe executar as atividades de administração de
pessoal das respectivas unidades administrativas, observadas
as diretrizes e orientações do órgão setorial e do órgão central.
O governo do estado de São Paulo é composto atualmen
te por 24 Secretarias de Estado, uma Procuradoria e 23 autar
quias.4 Cada pasta possui ao menos um órgão setorial de recursos
humanos, totalizando 49 unidades. A Secretaria da Segurança
Pública é a única pasta que possui mais de um setorial (três).
O total de subsetoriais formalmente constituídos em
decreto é de 599 unidades, estando presentes em 12 Secreta
rias e em 7 autarquias. A grande capilaridade das estruturas da
4 Excluindo as universidades estaduais, autarquias especiais que, por conta da auto
nomia que gozam, não integram o sistema de administração de pessoal do governo do estado
de São Paulo.

78
UM OLHAR SOBRE OS ÓRGÃOS DE RECURSOS HUMANOS DO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Secretaria de Administração Penitenciária, Secretaria da Edu


cação e Secretaria da Saúde no estado (cada unidade prisional,
diretoria de ensino e unidade de saúde possui um subsetorial)
explica por que tais pastas possuem o mais elevado número de
órgãos subsetoriais.
O Decreto nº- 52.833, de 24 de março de 2008, que
estabelece o sistema de administração de pessoal, estabelece que
os órgãos setoriais devem ser organizados de modo a permitir
o pleno exercício das atribuições nas áreas de planejamento e
controle de recursos humanos, análise e estudos salariais, seleção
e recrutamento de pessoal, desenvolvimento e capacitação de
recursos humanos, legislação e expediente de pessoal.

DADOS DO MAPEAMENTO DOS ÓRGÃOS


QUE COMPÕEM O SISTEMA DE ADMINISTRAÇÃO
DE PESSOAL DO ESTADO DE SÃO PAULO

ESTRUTURA DOS ÓRGÃOS SETORIAIS DE


RECURSOS HUMANOS
Os órgãos setoriais de recursos humanos possuem es-
truturas formais, previstas em decretos que organizam as secre
tarias, autarquias e a Procuradoria, muito diferenciadas entre
si. O desenho dessas unidades não segue parâmetros objetivos
identificáveis, sendo fruto da disponibilidade orçamentária das
pastas e de decisões de caráter político. Verificamos, por exemplo,
setoriais similares em termos do tamanho do quadro de pessoal
que administram, e que se apresentam com as mais diferentes
configurações estruturais. A falta de diretrizes para o desenho das
estruturas pode dificultar a distribuição de pessoal nas unidades

79
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

e produzir diferenças injustificadas, com implicações remune


ratórias, entre os órgãos.
A denominação de estrutura mais frequentemente en-
contrada nos órgãos de recursos humanos é a de “centro” (30%),
seguida por “departamento” (24%) e “divisão” (10%). Apenas
dois órgãos setoriais de recursos humanos são organizados sob a
forma de “coordenadoria”: justamente as duas maiores secreta
rias em termos de número de servidores (Secretaria da Saúde e
Secretaria da Educação).
A maioria dos órgãos de recursos humanos analisa
dos possui pouca diferenciação funcional. Onze órgãos não
dispõem de estruturas específicas subordinadas ao órgão de
recursos humanos para a realização de funções especializadas
dos subsistemas de administração de pessoal. Nos setoriais em
que há divisão funcional, encontramos, com frequência, uni
dades específicas responsáveis pelas áreas de cadastro funcional,
controle de frequência, legislação e desenvolvimento de pessoal;
existem ainda, embora em poucos órgãos, áreas especializadas,
no próprio setor de recursos humanos, voltadas à saúde e qua
lidade de vida do servidor ou mesmo unidades de creche e/ou
ambulatório médico.
Alguns dirigentes de recursos humanos acham necessário
promover alterações na estrutura formal de suas unidades. Foram
ressaltadas por muitos dirigentes as dificuldades em lidar com
legislação de pessoal (bem como com a jurisprudência e parece
res da Procuradoria), em razão das especificidades e constantes
atualizações da matéria.
Dois setoriais manifestaram interesse em criar uma área
específica voltada para ações de saúde e qualidade de vida do

80
UM OLHAR SOBRE OS ÓRGÃOS DE RECURSOS HUMANOS DO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

servidor (atualmente essas atividades são desenvolvidas pelo setor


de desenvolvimento de pessoal das respectivas pastas), contudo, a
implantação de novas unidades envolve normalmente a criação de
cargos e o aumento de custos, o que pode ser questionado pelos
dirigentes das secretarias e pelo governo e seus órgãos de controle.
Independentemente da configuração do órgão, do nú
mero de unidades subordinadas e do cargo do dirigente, acredi
tamos que um setor de recursos humanos deve ter uma estrutura
mínima que lhe permita realizar com qualidade e eficiência as
atribuições a ele conferidas: uma área especializada nas rotinas
de administração de pessoal (responsável por toda a rotina de
cadastro da vida funcional, controle de frequência, folha de
pagamento, processamento de vantagens etc.), outra dedicada
a desenvolvimento e capacitação e ainda outra responsável pelo
planejamento e legislação de pessoal.

NÚMERO DE PROFISSIONAIS
DE RECURSOS HUMANOS

Identificamos um número expressivo de profissionais


atuando nos órgãos setoriais e no órgão central de recursos hu
manos: 1.445 servidores. Secretaria da Educação, Secretaria
da Saúde e Secretaria da Fazenda, na administração direta, e
Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual
(Iamspe), Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza
(CEETEPS) e Departamento de Águas e Energia Elétrica
(DAEE), na administração indireta, são as pastas que mais uti
lizam mão de obra em seus respectivos setoriais de recursos
humanos, em números absolutos. Por outro lado, em virtude

81
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

do tamanho reduzido de algumas pastas, encontramos diversos


órgãos setoriais com menos de dez servidores.
O quociente da divisão entre o número de servidores
em atividades de recursos humanos e o total de servidores de
cada secretaria pode ser utilizado para comparar a utilização
da força de trabalho em atividades de recursos humanos entre
diversas organizações. É preciso considerar, porém, que algumas
secretarias, especialmente as “grandes” e que dispõem de maior
capilaridade regional, contam com os órgãos subsetoriais para a
execução de tarefas de administração de pessoal.
Quando analisada em conjunto, a administração direta
mostra uma relação de 0,22% entre o número de servidores dos
órgãos setoriais de recursos humanos e o total de servidores das
secretarias, enquanto nas autarquias esse mesmo indicador é de
1,24%.5 A grande disparidade verificada entre administração direta
e indireta pode ser explicada, em parte, pelo maior número de
atribuições conferidas às autarquias em relação às Secretarias de
Estado. O processamento da folha de pagamento dos servidores,
por exemplo, é feito pelas próprias autarquias, ao passo que, na
administração direta, a Secretaria da Fazenda, por meio do Depar
tamento de Despesa de Pessoal do Estado, é que tem a prerrogativa
de processar a folha de pagamento de todas as secretarias.
Não é possível tirar conclusões acerca da adequação do
número de funcionários de recursos humanos nos órgãos com
base nesses dados quantitativos. Por outro lado, nas entrevistas
realizadas com os dirigentes, somente a Secretaria da Educação
mencionou que realiza estudos sobre o tempo médio de cada

5 Para esse cálculo, foram desconsideradas as pastas para as quais não dispomos do
número de servidores nos órgãos setoriais de recursos humanos.

82
UM OLHAR SOBRE OS ÓRGÃOS DE RECURSOS HUMANOS DO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

tarefa, de modo a estimar, de maneira mais objetiva, a força


de trabalho necessária para cada um dos setores do seu órgão
setorial. Mesmo sem contar com metodologias sofisticadas de
dimensionamento da força de trabalho necessária dentro do
setor de recursos humanos, vários dirigentes declararam que o
número de profissionais disponíveis é insuficiente para atender
ao volume de trabalho.

CARGOS DOS PROFISSIONAIS DE RECURSOS


HUMANOS
No que diz respeito aos cargos ocupados pelos profissio
nais de recursos humanos no estado, verificamos 117 diferentes
classes e carreiras, o que revela a elevada fragmentação ainda
existente na estrutura de cargos da administração pública estadual
paulista, apesar dos esforços de racionalização empreendidos pelo
governo nos últimos anos.
O cargo encontrado com maior frequência nos órgãos
setoriais é o de oficial administrativo (24,36%), classe de nível
médio; seguido de auxiliar de serviços gerais (4,84%), classe de
nível fundamental com previsão de extinção na vacância; assis
tente técnico III (4,78%), cargo comissionado de nível superior;
e assistente de administração e controle do erário (4,15%), cargo
comissionado de nível médio a ser extinto na vacância.
Dentre os cargos existentes nos setoriais de recursos
humanos, encontramos 17 classes cuja natureza claramente
não é de área-meio. Excetuando médico, cirurgião-dentista e
enfermeiro do trabalho, que provavelmente atuam em ativida
des de prevenção e saúde do trabalho nos setoriais de recursos
humanos, 114 dos profissionais que trabalham com recursos

83
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

humanos ocupam cargos típicos de áreas-fim – sinalizando que


determinadas atividades finalísticas do estado estão perdendo
profissionais para o administrativo, o que não é um problema
em si. É importante a presença de profissionais da área opera
cional, de negócio. A questão que deve ser observada é o volume
e a motivação que leva esses profissionais a se moverem para os
órgãos de gestão de RH.
O perfil dos cargos atuais dos setoriais é considerado
adequado por quase todos os entrevistados. Se pudessem esco
lher o profissional mais adequado para compor o seu setor de
recursos humanos, os dirigentes dariam preferência por cargos
que exigem formação de nível superior.

PERFIL PROFISSIONAL DOS SERVIDORES DE


RECURSOS HUMANOS
O perfil dos profissionais que trabalham nos órgãos
de recursos humanos foi traçado com base na declaração dos
próprios servidores que responderam ao questionário eletrônico.
Os resultados do estudo revelam que os profissionais de
recursos humanos no estado são predominantemente do sexo femi
nino (83%), percentual bem acima do verificado no conjunto de
servidores ativos do estado (55%). O setor de recursos humanos,
de fato, tradicionalmente tem sido uma área ocupada por mulhe
res, embora esse padrão esteja se modificando nos últimos anos.6
O nível de formação dos profissionais que responderam
ao questionário é relativamente elevado: 76% deles possuem
formação em nível superior, índice um pouco maior do que
6 A título de exemplo, no Congresso Nacional sobre Gestão de Pessoal (CONARH),
maior evento de gestão de pessoas na América Latina, dos cerca de 12 mil participantes em
2010, mais de 60% eram do sexo feminino (ABRH NACIONAL, 2010).

84
UM OLHAR SOBRE OS ÓRGÃOS DE RECURSOS HUMANOS DO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

o do conjunto de servidores do Poder Executivo (72%).7 Dos


profissionais com nível superior, 16,62% têm pós-graduação8 e
20% são formados em mais de um curso desse nível.
Em relação ao ano de conclusão do curso superior, grande
parte dos servidores se formou recentemente: 41,4% concluíram
o ensino superior entre 2001 e 2010.
Um dado interessante revelado pela pesquisa é que a
maioria dos profissionais (75%) não possuía experiência na área
de recursos humanos antes de ingressar no setor. As respostas
mostram também que uma parte significativa dos profissionais
possui pouco tempo de trabalho nessa área: 46,53% deles pos
suem somente de um a cinco anos de experiência.
A pouca experiência de grande número de servidores
de recursos humanos demanda a ampliação de investimentos
com a oferta de treinamentos e cursos de capacitação para pre
parar esses profissionais recém-ingressantes para lidar com os
desafios da área, além da implantação de uma política de gestão
do conhecimento consistente. Em contrapartida, uma parcela
não desprezível de servidores de recursos humanos possui mais
de 21 anos dedicados ao trabalho nessa área (14,95%), o que
pode representar uma janela de oportunidade para renovar as
práticas de gestão e ampliar as chances de ocupação de cargos
comissionados por profissionais com menos tempo de serviço,
à medida que aqueles se aposentarem.
Quando questionados sobre o interesse em mudar
de área, a maioria dos servidores de recursos humanos (81%)

7 Fonte: Poder Executivo - Recadastramento 2011.


8 A quase totalidade das pós-graduações realizadas é do tipo Lato sensu: apenas três
respondentes têm mestrado e um doutorado. Os cursos de pós-graduação mais encontrados
entre os respondentes são, respectivamente, Administração, Direito e Recursos Humanos.

85
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

respondeu negativamente: querem continuar trabalhando na


área. Apenas 19% manifestaram interesse em mudar de área.
Entre aqueles que gostariam de mudar de área, 44,32%
mencionaram que desejam atuar em algo mais adequado à sua
formação ou perfil profissional, sinalizando a necessidade de o
estado utilizar estratégias para melhor aproveitar o potencial dos
seus servidores; 26,14% responderam que consideram a área de
recursos humanos pouco valorizada; a busca de novas experiências
foi apontada como justificativa por 10,23% dos profissionais;
6,82% consideram complexo o trabalho no setor e, por isso, têm
interesse em mudar de área; e 6,82% simplesmente porque não
gostam de trabalhar na área.
Uma dificuldade enfrentada pelos dirigentes diz respeito
à retenção dos servidores de recursos humanos, sobretudo oficiais
administrativos. De acordo com os entrevistados, os constantes
desligamentos se devem à questão remuneratória, e as transfe
rências entre pastas estão relacionadas às gratificações e a outros
benefícios concedidos por alguns órgãos que acabam gerando
competição dentro do próprio estado. Mesmo investindo em
capacitação e treinamento, os órgãos têm dificuldade para reter
os profissionais mais competentes e eficientes.

PRINCIPAIS ATIVIDADES REALIZADAS PELOS


ÓRGÃOS DE RECURSOS HUMANOS
Fundamentando-nos nas respostas dos entrevistados,
destacamos as atividades que envolvem o maior volume de tra
balho dos órgãos de recursos humanos, em ordem decrescente:
1ª- - Controle de frequência e seu lançamento no sis
tema de folha de pagamento. Ainda realizado essencialmente

86
UM OLHAR SOBRE OS ÓRGÃOS DE RECURSOS HUMANOS DO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

de forma manual,9 com algumas exceções,10 toda a frequência do


servidor é registrada por escrito em uma folha de ponto mensal,
que é submetida à conferência e assinatura do superior imediato.
Em seguida, o órgão de recursos humanos digita a frequência
do mês de cada servidor em uma planilha de Excel11 e faz o seu
lançamento no sistema de folha de pagamentos (E-folha, no
caso das Secretarias).
2ª- - Contagem de tempo de serviço. Essa é uma ati
vidade crítica porque dela deriva a concessão de uma série de
vantagens e adicionais relacionados ao tempo de serviço (como
quinquênios, sexta-parte, licença-prêmio, cada qual com regras de
contagem específicas). A grande dificuldade para os profissionais
que trabalham nessa atividade é efetuar a contagem de tempo
com pouca ou nenhuma automatização. Alguns órgãos utilizam
planilhas em Excel para esse fim, mas a contagem propriamente
dita ainda é feita manualmente. Exceções a esse padrão são en
contradas na Secretaria da Fazenda e no Hospital das Clínicas
da Universidade de São Paulo, que implantaram um sistema
próprio de gestão de recursos humanos, o qual inclui um módulo
específico que automatiza a contagem de tempo para concessão
de vantagens.
3ª- - Contagem de tempo e elaboração de certidão de
ratificação de tempo de serviço para fins de aposentadoria.
Pelo fato de envolver a conferência e revisão da frequência e
vantagens concedidas ao longo de toda a vida funcional do

9 A marcação do ponto é prevista no Decreto nº- 52.054, de 14/8/2007 e disciplina


da pela Instrução UCRH-1, de 16/8/2007.
10 Como é o caso do Iamspe e da Secretaria da Saúde, que recentemente adotaram um
sistema de ponto eletrônico.
11 Nos moldes da ficha modelo Imesp nº- 100.

87
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

servidor, essa é uma atividade minuciosa e que exige conheci


mento profundo da legislação de pessoal e previdenciária.
Alguns órgãos mencionaram também o cumprimento
de ações judiciais como uma das atividades mais representativas
em termos de volume de trabalho do setor de recursos huma
nos. Os dirigentes das autarquias entrevistados relataram que o
maior número de ações judiciais interpostas contra o estado é
referente à equiparação dos celetistas aos estatutários, em termos
de vantagens como adicionais por tempo de serviço.
Os setoriais também são responsáveis pelo registro e
guarda das mais diversas ocorrências da vida funcional do
servidor, desde o momento do seu ingresso até a sua aposenta
doria, atividades estas que demandam um volume de trabalho
significativo.
Em resumo, observamos que as atividades que mais
consomem tempo dos órgãos de recursos humanos são aquelas
típicas de departamento de pessoal, isto é, controle de frequência,
folha de pagamento, contagem de tempo de serviço e processa
mento de vantagens. Com exceção da folha de pagamento, são
atividades ainda executadas de forma essencialmente manual,
pela ausência ou precariedade de sistemas integrados de gestão
de recursos humanos.

INFORMATIZAÇÃO DE PROCEDIMENTOS
Os órgãos mapeados apresentam grande variação quanto
à automatização de seus procedimentos e utilização de tecnolo
gia de informação. Muitos setoriais não contam com nenhuma
ferramenta informatizada específica para a gestão de recursos
humanos além de planilhas em Excel.

88
UM OLHAR SOBRE OS ÓRGÃOS DE RECURSOS HUMANOS DO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Para otimizar os procedimentos de recursos humanos,


alguns setoriais, por iniciativa de seus próprios profissionais
com expertise em programação ou por meio de contratação de
empresa desenvolvedora de software, criaram planilhas em Excel
personalizadas ou sistemas informatizados.
Vários setoriais demonstraram ter muita expectativa em
relação à implantação, pelo governo do estado de São Paulo, de
um sistema integrado de gestão de recursos humanos que abar
que todos os processos de administração e controle dos recursos
humanos, como cadastro dos servidores, controle de frequência,
contagem de tempo de serviço, processamento de vantagens,
publicação de atos e aposentadoria.
Na hipótese de implantação de um futuro sistema de
gestão de recursos humanos que automatizasse grande parte
dos processos que hoje são feitos manualmente pelos servido
res, os diretores dessa área são unânimes em afirmar que não
haveria necessidade de reduzir o tamanho do órgão. Além de
a informatização não significar necessariamente eliminação
do elemento humano, na percepção de alguns diretores, os
profissionais que atualmente trabalham em rotinas mecânicas
poderiam se ocupar de outras atividades, de caráter mais analítico,
que compõem a gestão de recursos humanos.

CAPACITAÇÃO PARA OS SERVIDORES DE RH


Cursos, treinamentos e outras ações de capacitação
voltadas especificamente para a área de gestão de recursos hu
manos são oferecidos diretamente por alguns órgãos setoriais:
Secretaria da Fazenda, DAEE, Secretaria de Administração Pe
nitenciária, Centro Paula Souza, Secretaria da Saúde, Secretaria

89
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

da Educação, Iamspe e Hospital das Clínicas da Universidade


de São Paulo.
A Secretaria da Educação, por exemplo, após detectar
um volume grande de devoluções de processos de aposentadoria
pela São Paulo Previdência (SPPREV), realizou um treinamen
to totalmente prático, fundamentado em processos reais, para
atender a essa demanda crítica. A Secretaria pretende desenvolver
módulos de formação em recursos humanos à distância abor
dando temas como readaptação, licenças e outros aspectos da
legislação de recursos humanos.
Destacamos também a iniciativa da Secretaria da Saúde
em criar um curso básico de formação, com duração de uma
semana, destinado aos novos profissionais ingressantes na área
de recursos humanos, no qual são tratados temas como recruta
mento e seleção, legislação de recursos humanos, treinamentos,
qualidade de vida etc.
O Centro Paula Souza, por sua vez, desenvolveu um
programa intensivo de capacitação em legislação, folha de
pagamento e contagem de tempo de serviço destinado aos
profissionais das “pontas” que trabalham com recursos huma
nos. Os instrutores do programa são os próprios servidores
que, no dia a dia, se dedicam à execução das atividades: “Não
adianta sofisticar, o nosso treinamento é pé no chão, o passo a
passo”, explicou o diretor.
Os setoriais que não desenvolvem ações de capacitação
estruturadas treinam os novos profissionais no próprio ambiente
de trabalho: o servidor recém-ingresso geralmente é colocado sob
a supervisão de um profissional mais experiente, e o processo de
ensino-aprendizagem se dá por meio dessa interação.

90
UM OLHAR SOBRE OS ÓRGÃOS DE RECURSOS HUMANOS DO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Quando questionados sobre as necessidades especí


ficas dos profissionais de recursos humanos que trabalham
nos setoriais, os dirigentes foram unânimes em apontar que
sentem falta de cursos que sejam mais voltados para a práti
ca dos processos, isto é, para as atividades rotineiras de um
órgão de recursos humanos. Cursos na área de legislação de
recursos humanos e de contagem de tempo de serviço também
foram citados por diversos entrevistados como de primeira
necessidade.

AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO
A avaliação de desempenho individual, instituída aos
servidores integrantes das classes da área-meio no âmbito das
secretarias de estado, Procuradoria Geral do Estado e autarquias
pelo Decreto nº- 57.780, de 10 de fevereiro de 2012, também
foi um tema abordado durante as entrevistas. Trata-se de um
processo para aferir as ações do servidor público na execução de
suas atribuições, com a finalidade de identificar potencialidades,
oportunidades e promover a melhora da performance e do apro
veitamento do servidor.
De forma geral, todos os entrevistados concordam com
a sua aplicação na administração pública estadual. No entanto,
muitos dirigentes de recursos humanos criticam o atrelamento
da avaliação ao pagamento do Prêmio de Desempenho Indi
vidual (PDI), nos termos da Lei Complementar nº- 1.158, de
2 de dezembro de 2011. Segundo os entrevistados, o PDI é
frequentemente encarado pelos servidores e gestores como um
complemento salarial, sob a alegação de que não há revisão pe
riódica dos salários da área-meio.

91
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

As chefias, dessa forma, muitas vezes acabam atribuindo


uma nota maior do que deveriam na avaliação para não preju
dicar financeiramente seus subordinados. Ou seja, há maior
preocupação com a recompensa financeira do que com a obje
tividade do processo de avaliação e, consequentemente, com o
desenvolvimento do servidor. Dentro de um mesmo órgão ou
departamento, inclusive, pode haver diferenças substanciais nas
notas dos servidores não pelo seu desempenho efetivo, mas pela
atitude do chefe com relação à avaliação dos seus subordinados,
gerando insatisfação dos servidores que se sentem injustiçados.
Outro fator destacado como desfavorável à aplicação da
avaliação de desempenho no estado é a instabilidade na ocupação dos
cargos de comando. Como o avaliador de hoje pode ser o avaliado de
amanhã, as chefias preferem não se indispor com seus subordinados.
Além dos entraves mencionados, dada a falta de pers
pectiva de crescimento na carreira e obstáculos para desligar o
profissional que apresenta baixo desempenho, os profissionais
de recursos humanos têm dificuldade em convencer os gestores
a realizar uma avaliação de desempenho séria. Ressaltam que
é preciso mais responsabilidade e maturidade, principalmente
das chefias que avaliam, mas também dos subordinados, para
entender os benefícios da avaliação.
Analisando as respostas obtidas nas entrevistas, observa
mos que há ainda um longo caminho a ser percorrido para que o
processo de avaliação seja realmente eficaz no desenvolvimento
e qualificação dos servidores e na melhoria dos serviços públicos
prestados. Uma das maneiras de estimular o gestor a compreender
o seu papel decisivo nesse processo certamente é a ampliação das
ações de capacitação e sensibilização.

92
UM OLHAR SOBRE OS ÓRGÃOS DE RECURSOS HUMANOS DO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

PRINCIPAIS PROBLEMAS E DESAFIOS DOS


ÓRGÃOS DE RECURSOS HUMANOS
DO ESTADO DE SÃO PAULO

Em relação aos principais obstáculos enfrentados no


trabalho com recursos humanos na administração pública pau
lista, as respostas dos gestores ao questionário eletrônico revelam
a preocupação com a falta de preparo dos profissionais (29%),
a resistência a mudanças (28%) e a falta de motivação dos ser
vidores (21%). Outros problemas, como interferência política,
inadequação dos equipamentos, escassez de servidores, dispersão
da legislação e baixa atratividade da remuneração, também foram
apontados pelos dirigentes no questionário.
Para a melhoria do trabalho, 21,27% dos servidores da
área sugerem a ampliação dos treinamentos e capacitações. Os
profissionais também ressaltaram que necessitam de uma maior
clareza das normas de recursos humanos (16,29%), um melhor
entendimento dos objetivos do trabalho (14,93%) e o aumento
do número de funcionários (14,93%).
Nas entrevistas com os dirigentes da área, foram des
tacados os seguintes problemas como os de maior criticidade:
• Número reduzido de servidores para atender a demanda
de trabalho.
• Retrabalho na montagem dos processos de aposentadoria
e dificuldade de comunicação com a SPPREV.
• Excessiva complexidade e fragmentação da legislação de pessoal.
• Ausência de informatização de processos.
• Excesso de burocracia na gestão de recursos humanos.
• Problemas relacionados à estrutura de cargos e salários.

93
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

O maior desafio do trabalho com recursos humanos no


setor público, para as lideranças entrevistadas, é promover uma
mudança de postura dos órgãos e dos profissionais: começar a
entender a área como parte integrante da organização, isto é, uma
área que deve sempre estar alinhada aos objetivos estratégicos
da pasta; ser mais propositivo e trabalhar para vencer os entra
ves da burocracia e, por fim, atuar de fato como um órgão de
recursos humanos, e não simplesmente como o antigo modelo
de departamento de pessoal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo exploratório foi capaz de evidenciar as carac


terísticas gerais e algumas nuances da estrutura e funcionamento
dos órgãos que compõem o sistema de administração de pessoal
do governo do estado de São Paulo. Os gargalos para os quais
existe oportunidade de ação merecem maior atenção por parte dos
gestores envolvidos (diretores das áreas, dos setoriais e da UCRH).
O planejamento de capacitação para os servidores, em
especial, deve considerar o perfil atual dos profissionais e as ne
cessidades atuais e futuras dos órgãos de recursos humanos no
estado identificadas neste mapeamento.
É preciso, no entanto, chamar a atenção para uma
aparente contradição entre a visão que a maioria dos dirigentes
tem de um órgão de recursos humanos, como de uma área que
não deve se restringir às atividades tradicionais de administra
ção de pessoal, mas também se ocupar de atividades de maior
complexidade e estratégicas para a organização, e as necessi
dades percebidas por esses mesmos dirigentes de treinamentos

94
UM OLHAR SOBRE OS ÓRGÃOS DE RECURSOS HUMANOS DO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

e cursos de capacitação voltados para as práticas rotineiras do


setor. O fato de o RH ainda ter que se dedicar, na maior parte
do tempo, a atividades de caráter essencialmente operacional
explica essa posição dos gestores. Acreditamos que a oferta de
cursos diretamente aplicáveis em atividades rotineiras deva ser
acompanhada por ações educativas voltadas para a formação
de profissionais com competências gerenciais e estratégicas, se
o que se deseja de fato é um setor de recursos humanos mais
propositivo e um profissional com capacidade de ir além do
cumprimento das rotinas.

BIBLIOGRAFIA

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE RECURSOS HU


MANOS NACIONAL. Diversidade: as mulheres e o RH. Infor
me da ABRH Nacional nº-1114, ano 23, 4 mar. 2010. Disponível
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Dispõe sobre o horário de trabalho e registro de ponto dos ser
vidores públicos estaduais da Administração Direta e das Autar
quias, consolida a legislação relativa às entradas e saídas no serviço.
Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, Secretaria Geral

95
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Parlamentar, Departamento de Documentação e Informação.


Disponível em: < http://www.al.sp.gov.br/legislacao/norma.
do?id=73532>. Acesso em: mar. 2014.
______. Instrução UCRH - 1, de 16 de agosto de 2007.
Dispõe sobre os procedimentos relativos ao horário de trabalho
e registro de ponto previstos no Decreto nº- 52.054, de 15 de
agosto de 2007. Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo,
Secretaria Geral Parlamentar, Departamento de Documentação
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sp.gov.br/normas/Instrucao/instrucao1_160807.htm>. Acesso
em: mar. 2014.
______. Decreto nº- 52.833, de 24 de março de 2008.
Dispõe sobre os órgãos do Sistema de Administração de Pes
soal, define competências das autoridades. Assembleia Legis
lativa do Estado de São Paulo, Secretaria Geral Parlamentar,
Departamento de Documentação e Informação. Disponível
em: <http://www.al.sp.gov.br/legislacao/norma.do?id=76584>.
Acesso em: mar. 2014.
______. Lei Complementar nº- 1.158, de 02 de dezem
bro de 2011. Dispõe sobre a reclassificação dos vencimentos e
salários dos servidores integrantes das classes regidas pela Lei
Complementar nº- 1.080, de 17 de dezembro de 2008, institui
o Prêmio de Desempenho Individual – PDI, e dá providências
correlatas. Governo do Estado de São Paulo. Disponível em:
<http://www.legislacao.sp.gov.br/legislacao/dg280202.nsf/5896
53da06ad8e0a83256cfb0050146b/2d428d21d335593983257
95d004b933e?OpenDocument>. Acesso em: mar. 2014.
______. Decreto nº-57.780, de 10 de fevereiro de 2012.
Institui no âmbito das Secretarias de Estado, Procuradoria

96
UM OLHAR SOBRE OS ÓRGÃOS DE RECURSOS HUMANOS DO
GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO

Geral do Estado e Autarquias a Avaliação de Desempenho


Individual aos servidores integrantes das classes abrangidas pela
Lei Complementar nº- 1.080, de 17 de dezembro de 2008, e
dá providências correlatas. Assembleia Legislativa do Estado
de São Paulo, Secretaria Geral Parlamentar, Departamento
de Documentação e Informação. Disponível em: <http://
www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2012/
decreto-57780-10.02.2012.html>. Acesso em: mar. 2014.

97
CAPÍTULO 4
Gestão de pessoas nas organizações sociais:
uma abordagem estadual

DANILO CESAR FIORE


Bacharel em Relações Internacionais. Atua como
especialista em Políticas Públicas na Secretaria de
Gestão Pública do Estado de São Paulo.

TIAGO SILVA BIRKHOLZ DUARTE


Bacharel em Ciências Sociais. Atua como
especialista em Políticas Públicas na Secretaria
de Gestão Pública do Estado de São Paulo.
GESTÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS:
UMA ABORDAGEM ESTADUAL

O real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a


gente é no meio da travessia. Riobaldo, Grande Sertão: Veredas
João Guimarães Rosa

INTRODUÇÃO

Este capítulo pretende contribuir com o debate acerca


das organizações sociais (OS) – modelo adotado no estado de
São Paulo desde 1998, pelo qual o Estado transfere a execução
de serviços em equipamentos públicos de algumas áreas para
entidades privadas sem fins lucrativos, previamente qualificadas
pelo poder público,1 mediante um contrato de gestão (CG)
que define indicadores de produção e de qualidade e também
metas a serem alcançadas. Para além da dicotomia entre ad
ministração pública (morosa, ineficiente, focada nos meios) e
administração privada (célere, eficiente, direcionada aos fins) que
permeia o debate acadêmico e ideológico acerca do modelo de

1 No estado de São Paulo, as áreas de saúde, cultura, esporte e atendimento ou pro


moção dos direitos das pessoas com deficiência foram autorizadas a firmar contratos de gestão
com OS, segundo a Lei Complementar nº- 846/1998 e alterações posteriores. No entanto, so-
mente as duas primeiras qualificaram OS e assinaram contratos de gestão: a saúde desde 1998,
e a cultura desde 2004.

101
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

OS,2 dedicamos aqui um olhar sobre a dinâmica do funciona


mento do modelo em São Paulo – suas especificidades, vanta
gens, dilemas e implicações decorrentes da experiência histórica.
Partimos do seguinte ponto: a mudança na forma de gestão de
serviços pode resolver alguns problemas, mas, consequentemente,
traz à luz novas questões.
Nossa abordagem, em consonância com o conjunto de
artigos desta coletânea, restringe-se às questões concernentes
à gestão de pessoas nas OS e o que a mudança no modelo de
administração pode significar para esse tema. Além disso, exa
minaremos adiante o caso da saúde, experiência mais antiga e
com fontes de dados mais organizadas – logo, falaremos princi
palmente sobre organizações sociais de saúde (OSS).
Quanto à metodologia, cabe breve comentário. Os dados
apresentados na próxima seção foram coletados majoritariamente
no Sistema Gestão em Saúde, ferramenta de monitoramento da
Coordenadoria de Gestão de Contratos de Serviços de Saúde da
Secretaria Estadual de Saúde (CGCSS/SES), unidade responsável
pela contratualização com OS no âmbito da saúde.3 Para a maior
parte das análises, foi selecionada uma amostra – cujo recorte
temporal restringe-se aos últimos cinco anos (2008 a 2012) – de

2 A literatura sobre a “nova gestão pública”, corrente teórica que deu sustentação
para o surgimento do modelo de organizações sociais, e o Plano Diretor da Reforma do
Aparelho do Estado, estratégia do governo federal que visava criar um modelo em que
associações civis sem fins lucrativos qualificadas como OS, trabalha majoritariamente com
esses pressupostos. Um dos principais pontos valorizados por essa corrente é a contra
tualização de resultados. Sobre o Plano Diretor, ver Brasil (1995) e Brasil (1997). Sobre
contratualização de resultados, ver Pacheco (2004, 2006), Alcoforado (2005). Para uma
desmistificação da natureza das entidades da sociedade civil e uma análise sofisticada da
complexa relação entre Estado e sociedade civil, em outra área de política pública, sob uma
visão relacional, ver Silva (2006).
3 Agradecemos a toda a equipe da CGCSS (especialmente ao coordenador, Eduardo Ri
beiro Adriano, e às diretoras Eliana Radesca Alvares Pereira de Carvalho e Lilian Helena Billi Falcão)
pelo acesso às bases de dados e o auxílio para a compreensão dos mesmos, além dos muitos diálogos
e conversas esclarecedores sobre diferentes aspectos do modelo de OS.

102
GESTÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS:
UMA ABORDAGEM ESTADUAL

65 equipamentos de saúde (hospitais gerais, hospitais especiali


zados, ambulatórios de especialidades, centros de referência do
idoso e de reabilitação) da Rede Lucy Montoro.
Além da análise quantitativa, na terceira e quarta seções deste
capítulo, algumas reflexões serão elaboradas com base nos dilemas
decorrentes da escolha de administrar unidades de saúde por meio
de entidades privadas, cuja contratação de mão de obra não segue
a lógica estatutária do setor público. Tais reflexões foram elaboradas
baseadas na experiência profissional dos autores em diversos projetos
na área de gestão de organizações sociais e de contratos de gestão
junto ao governo do estado de São Paulo ao longo dos últimos anos.

PANORAMA DOS RECURSOS HUMANOS DAS


ORGANIZAÇÕES SOCIAIS DE SAÚDE EM SÃO PAULO

Nesta seção, apresentaremos algumas tendências e com


portamentos recentes das unidades de saúde geridas por OSS por
meio da análise de dados quantitativos.
Primeiramente, um quadro atual do universo sobre o qual
estamos tratando: em julho de 2013, 24 OSS eram responsáveis por
73 equipamentos públicos de saúde (entre hospitais e ambulatórios).4
Para tanto, as OSS contaram com uma força de trabalho da ordem

4 Excetuam-se aqui as seguintes unidades e serviços: três Centros Estaduais


de Análises Clínicas (Ceac), três Serviços Estaduais de Diagnóstico por Imagem (Sedi),
o Centro de Armazenamento e Distribuição de Insumos de Saúde (Ceadis) e a Central
de Regulação de Ofertas de Serviços de Saúde (Cross). Além disso, o modelo de ges
tão por resultados aplicado às OSS encontra, no âmbito da CGCSS/SES, simetria nos
convênios considerados “análogos” aos contratos de gestão. A lógica de contratação dos
serviços de saúde e do acompanhamento é a mesma entre CGs e convênios análogos,
porém não incorporamos as unidades geridas pelo segundo instrumento em razão de uma
escolha conceitual, a de debruçarmo-nos apenas sobre o que é administrado por OSS
mediante contrato de gestão.

103
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

de 46,3 mil funcionários, com unidades geridas sob esse modelo em


12 dos 17 Departamentos Regionais de Saúde do Estado.
À medida que o modelo expandiu o número de contratos
– majoritariamente por meio da inauguração de novas unidades
de saúde no estado de São Paulo –, cresceram as despesas reais
com pessoal, como mostra o gráfico 1.

Gráfico 1. Despesa com pessoal nas OSS 2008-2012 (valores


corrigidos pelo IPCA)
R$ 1.400 70

R$1.000
R$ 1.200 60

50

R$ 600
800 40

30

R$400
R$R$
200
0 20

10

0
2008 2009 2010 2011 2012
Despesa com pessoal R$ 708.175 R$ 928.041 R$ 1.113.104R$ 1.201.091R$ 1.289.174
Unidades de saúde 25 36 54 62 65

Fonte: Elaboração dos autores, com dados da CGCSS/SES.

No período de cinco anos, as unidades administradas por


OSS aumentaram em 160%, enquanto a despesa com pessoal
cresceu 82%. A grande diferença entre os números se explica pela
maior quantidade de unidades ambulatoriais inauguradas em de
trimento de unidades hospitalares – estas contratam muito mais
funcionários que os ambulatórios de especialidades.
Um olhar sobre o crescimento do número de médicos
– o principal e mais caro dentre os profissionais em unidades de
saúde – é apresentado no gráfico 2.

104
GESTÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS:
UMA ABORDAGEM ESTADUAL

Gráfico 2. Total de médicos nas OSS 2008-2012

1000
2000
3000
4000
5000
6000
7000
8000
9000
0 45
5293 6628 7655 8182 8380
40

35

30

25

20

15

10

Hospitais
Ambulatórios
Casos (hospitais)
(ambulatórios) 2008
4430
863
16
9 2009
5305
1323
15
20 5461
2194
2010
28
23 5800
2382
2011
31
25 2012
2631
5749
25
40

Fonte: Elaboração dos autores, com dados da CGCSS/SES.

Assim como as despesas com pessoal subiram com o


passar do tempo, acompanhando o crescimento da oferta de
serviços de saúde, o número de médicos cresceu. No período,
o número de médicos contratados para prestar assistência à
saúde em unidades públicas administradas por OSS cresceu
58%. Aqui, cabe assinalar a diferença fundamental entre o
modelo de OSS e a administração direta no que tange ao
pessoal. Enquanto nesta a contratação faz-se por meio de con
cursos e fixam-se quadros sob o regime estatutário, naquela a
contratação é por meio da Consolidação das Leis do Trabalho
(CLT) ou por outras formas comuns ao mercado de saúde.

105
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Acompanhando a tendência desse mercado, muitos médicos


são contratados como prestadores de serviços por meio de
pessoas jurídicas (PJ), tanto na forma cooperada, quanto
empresarial. Em que pese a discussão recente sobre terceiri
zação da chamada atividade-fim,5 a contratação de médicos
por meio de PJ pelas OSS é uma realidade, particularmente
quando da necessidade de certas especialidades médicas.6 Os
dados no gráfico 2 apresentam o número total de médicos
em dezembro de cada ano, ou seja, todo profissional médico
contratado por OSS que atua na assistência direta aos pacien
tes, independentemente da forma de contratação.
A evolução aponta, como esperado, tendência de am
pliação de profissionais contratados nos Ambulatórios Médicos
de Especialidades (AMEs), equipamentos em constante cresci
mento no estado e manutenção do número de profissionais nos
hospitais na comparação entre os dois últimos anos. Frisamos
que não houve nova unidade hospitalar contratualizada entre
2011 e 2012.
A Demografia médica no Brasil (SCHEFFER, 2011) traça
um retrato do mercado de trabalho médico brasileiro recente.
O suplemento relativo ao estado de São Paulo (SCHEFFER,
5 Discussão suscitada pelo avanço na tramitação do Projeto de Lei Federal
nº- 4.330/2004, que regula a terceirização de serviços.
6 O estado de São Paulo tem 1,27 médicos especialistas para cada médico genera
lista. No Brasil, a razão é de 1,23 (SCHEFFER, 2011). Essa preponderância de especialistas
sobre generalistas, no entanto, não significa que certos serviços de saúde especializados estejam
sem deficit de profissionais. Estudos nos âmbitos do estado de Minas Gerais (EPSM, 2011) e
dos hospitais privados por todo o país (EPSM, 2012) comprovam essa carência de médicos
especializados. Segundo os gestores privados, é difícil contratar pediatras, intensivistas, neu-
rologistas, anestesiologistas e neurocirurgiões (EPSM, 2012). O preenchimento de um posto
nas especialidades pediatria, neurologia e neurocirurgia demora, em média, mais de um ano
(EPSM, 2012). A taxa de vacância (razão entre postos vagos na especialidade e quantidade
de vagas ofertadas na especialidade) na Região Sudeste chega a 19,27% para neurologistas e
14,72% para neurocirurgiões (EPSM, 2012).

106
GESTÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS:
UMA ABORDAGEM ESTADUAL

2012) traz valiosas informações sobre o perfil e a distribuição


regional desses profissionais. No que tange à regionalização,
há dados sobre o número de profissionais residindo em cada
Departamento Regional de Saúde (DRS) do estado (divisão
territorial administrativa da SES). A tabela 1 indica o número
de médicos contratados pelas OSS em cada DRS e o número de
médicos em cada uma dessas regiões.
Podemos constatar que, em certos DRS, as OSS repre
sentam empregador relevante da força de trabalho médica na
região. Em Araçatuba, Barretos e Grande São Paulo, mais de
10% dos médicos são contratados por OSS. Chama atenção
o caso de Presidente Prudente, em que praticamente 40% dos
médicos da região trabalham em OSS.
Ainda que consideremos por “médico nas OSS” o
vínculo de trabalho de cada médico com uma unidade (o que
pode incorrer em dupla contagem de médico, haja vista que
um profissional possa trabalhar em mais de um equipamento
de saúde), a comparação é válida para notarmos a relevância
que as OSS têm no mercado de trabalho da saúde.7 Mais que
gestores privados de equipamentos públicos, hoje o conjunto
de OSS participa significativamente desse “mercado” no es-
tado de São Paulo (8,3% dos médicos), ainda que se trate de
uma oferta de serviços públicos de saúde (cabe lembrar que o
atendimento nos equipamentos de saúde estaduais adminis
trados dessa forma é 100% SUS – Sistema Único de Saúde).

7 Por exemplo, a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina – SPDM,


OSS que atualmente gerencia 11 unidades do estado de São Paulo e tem contratos em outros
estados e municípios (além de serviços próprios de assistência à saúde), era, segundo a revista
Exame Melhores &Maiores 2012, o 16º- empregador do Brasil, com mais de 34 mil funcionários
em 2011.

107
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Tabela Médicos nos DRS do estado de São Paulo


em 20111.

*Dados sobre médicos foram retirados do banco Cremesp de outubro de 2011 | **Indicador elabo-
rado pelo Cremesp/CFM, 2012. Fonte: Sistema Gestão de Saúde e Cremesp/CFM, 2012
108
GESTÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS:
UMA ABORDAGEM ESTADUAL

Esses médicos, como afirmado anteriormente, são


contratados pelas OSS por meio de vínculos diversos. A seguir,
demonstramos, nos gráficos 3 e 4, como o custo desse contin
gente médico divide-se entre as contratações CLT (que incluem
também residentes, estagiários, bolsistas e profissionais autôno
mos) e PJ.8

Gráfico 3. Proporção entre vínculos de trabalho no custo de


médicos em hospitais OSS 2011-2012

90%
80%
70%
49% 51% 52% 48%
60%
50% %CLT
40% % terceiros
30%
20%
10%
0%
2011 2012

Fonte: Elaboração dos autores, com dados da CGCSS/SES.

8 O único dado disponível para avaliarmos as contratações é o de custo da mão de


obra médica, obtido pelo sistema de gerenciamento de custos por absorção plena desenvolvido
pela CGCSS/SES para as unidades contratualizadas. Dessa forma, os gráficos comparam valo
res monetários equivalentes ao trabalho médico consumido na operação das unidades. Nada
se pode afirmar sobre o perfil das contratações (quantidade de médicos, especialidades etc.),
sobretudo pela demonstração agregada de todas as unidades como a disposta nos gráficos 3 e 4.

109
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Gráfico 4. Proporção entre vínculos de trabalho no custo de


médicos em ambulatórios OSS 2011-2012

83% 87%
90%
80%
70%
60%
50% % CLT
40% %terceiros
30% 17% 13%
20%
10%
0%
2011 2012

Fonte: Elaboração dos autores, com dados da CGCSS/SES.

Os dados permitem afirmar que o comportamento entre


hospitais e ambulatórios de especialidades, no que se refere ao
custo da mão de obra médica, é bastante distinto. Enquanto nos
hospitais o custo total divide-se em parcelas iguais de médicos ce-
letistas e prestadores de serviços, nos AMEs, o custo do médico é
concentrado em contratos com terceiros. Uma explicação possível
para essa variedade é a disposição geográfica dos ambulatórios:
grande parte dos hospitais localiza-se na Grande São Paulo (84%),
já os AMEs são equipamentos distribuídos regionalmente (65%
no interior). Como pode ser constatado por meio da tabela 1,
em algumas regiões a quantidade de médicos por mil habitan
tes é bem baixa, e a de especialistas, supomos, muito menor.

110
GESTÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS:
UMA ABORDAGEM ESTADUAL

Os AMEs são equipamentos de atenção especializada, e a fixação


dos quadros necessários para esse atendimento requer soluções
que podem fugir ao usual. Possivelmente, a contratação por
hora de profissionais terceiros foi uma solução encontrada por
significar menores custos de contratação e possibilidades de maior
remuneração aos profissionais – em que pesem as diferenças
relacionadas a direitos trabalhistas no âmbito da CLT e formas
de fixação menos estáveis dos profissionais.
Na teoria da administração, um indicador clássico que
mensura a saúde organizacional é a rotatividade de pessoal (turn
-over). “A rotatividade refere-se ao fluxo de entradas e saídas de
pessoas em uma organização, ou seja, às entradas de pessoas para
compensar as saídas de pessoas das organizações” (CHIAVE
NATO, 1999, p. 69). Uma organização cujo quadro de pessoal
tem grandes oscilações gasta mais (crescimento dos custos de
admissão, treinamento e demissão) e perde, por vezes, conheci
mento organizacional com tais saídas. A tabela 2, apresenta esse
indicador9 em uma amostra de nove hospitais administrados por
OSS (amostra definida pelos autores de forma a contemplar as
variedades de região e de gestor responsável). A autonomia de
cada OSS para gerir seus recursos e a região em que a unidade
está inserida remetem a comportamentos diferentes nessa taxa.
Feitas essas ressalvas e apenas para fins de referência, a média
mensal de rotatividade dos hospitais privados nacionais em 2012
foi de 2,3% (ANAHP, 2013, p. 45).

9 Chegamos aos valores anuais desta tabela por meio da média simples do índice de
rotatividade mensal de cada equipamento. Ressalte-se que a alta rotatividade no Instituto do
Câncer do Estado de São Paulo (Icesp), em 2009, refere-se ao primeiro ano de funcionamento
do equipamento; logo, sua equipe estava em vias de composição. Portanto, o dado de turnover
em 2009 para esse equipamento é pouco significativo.

111
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Tabela 2. Índice de rotatividade de pessoal em hospitais

Hospital 2008 2009 2010 2011 2012 Média Mediana


Carapicuíba 2,26% 2,63% 1,81% 2,37% 2,23% 2,26% 2,26%
Diadema 2,51% 1,91% 1,90% 1,98% 1,84% 2,03% 1,91%
Grajaú 2,14% 1,92% 2,01% 1,82% 1,43% 1,86% 1,92%

Guarulhos 1,45% 1,61% 1,50% 1,64% 1,71% 1,58% 1,61%

Icesp - 5,84% 2,47% 2,19% 2,14% 3,16% 2,33%


ItaimPaulista 1,58% 1,53% 1,57% 1,19% 1,31% 1,44% 1,53%
PortoPrimavera 1,59% 1,90% 0,78% 1,09% 1,59% 1,39% 1,59%
SantoAndré 2,57% 2,04% 4,25% 4,47% 2,04% 3,07% 2,57%
VilaAlpina 2,84% 3,04% 2,76% 3,76% 3,06% 3,09% 3,04%

Pode-se verificar que há grande variedade na rotativi


dade de pessoal entre os hospitais listados. Uma comparação
entre unidades não cabe por conta de fatores como porte,
localização e perfil dos serviços contratados em cada hospital;
porém, faz-se útil um acompanhamento temporal do com
portamento desse indicador por unidade. À primeira vista, as
OSS, na condição de administradoras da unidade de saúde,
deveriam ser as únicas a se preocuparem com a rotatividade.
Entretanto, o acompanhamento desse indicador por parte
do governo do estado (especialmente se combinado ao mo
nitoramento de outras variáveis, como o custo dos serviços
e a eficácia dos resultados contratados) pode servir de alerta
para os casos em que uma OSS utiliza de maneira ineficiente
os recursos públicos repassados ou para um problema maior
relacionado à estrutura do mercado de trabalho da saúde em
certa região.

112
GESTÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS:
UMA ABORDAGEM ESTADUAL

DIFERENTES ABORDAGENS SOBRE


QUESTÕES TRABALHISTAS NO MODELO DE OS

Feito esse panorama geral quantitativo, nesta seção, abor


daremos de maneira sucinta determinadas questões de gerencia
mento dos contratos de gestão com organizações sociais no que
tange à gestão da força de trabalho.
Primeiro, tratemos da questão da sucessão trabalhista.
Se teoricamente é possível imaginar a manutenção indefinida
de um equipamento sob gestão de uma mesma OS, na práti
ca, é comum a troca de gestores por distintas razões (decisões
político-administrativas por parte da OS ou do poder público,
encerramento das atividades da OS, baixo desempenho da
OS, entre outros). A ocorrência de situações desse tipo enseja
a questão dos trabalhadores vinculados ao objeto de contrato
(hospital, ambulatório ou equipamento público de qualquer
outro tipo): sendo funcionários de uma determinada OS, como
deverão ser absorvidos pela nova entidade gestora? Ou ainda:
o quadro de funcionários anterior deveria ser absorvido pelo
novo administrador do equipamento?
Com efeito, a CLT, em seus artigos 10 e 448, prevê a
sucessão de empregadores sem quaisquer ônus aos contratos de
trabalho vigentes desde que cumpridos dois requisitos: a trans
ferência do “negócio” de um titular a outro e a continuidade
da prestação de serviços pelos funcionários (SARAIVA, 2009).
Tendo em vista a manutenção das atividades previstas, por exem
plo, para um hospital ao longo do tempo, vê-se que, do ponto
de vista formal, não há maiores dificuldades para a sucessão de
empregadores.

113
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Resta, porém, a questão dos passivos trabalhistas.


As fontes consultadas (SARAIVA, 2009; RESENDE, 2011)
apontam para a responsabilidade do sucessor para com o
passivo trabalhista herdado da sucedida, com as seguintes ex-
ceções: desde que haja acordo prévio entre as partes, mediante
contrato que estabeleça a não responsabilidade da sucessora
nos passivos prévios à sucessão [denominada “cláusula de
não responsabilização”, segundo Saraiva (2009)]; em casos
de intenções dolosas da sucedida (quando a sucessão teve o
intuito apenas de lesar direitos trabalhistas, por exemplo); ou
quando da incapacidade financeira da sucessora para a qui
tação de compromissos prévios. Nestes dois últimos casos, a
sucedida pode vir a integrar subsidiariamente o polo passivo
de eventuais reclamações trabalhistas.
Ocorre que, em se tratando de contratos de gestão, os
recursos despendidos para a quitação de eventuais passivos tra
balhistas são oriundos essencialmente do orçamento repassado
pelo órgão público para custeio das atividades do equipamento
– ou seja, recursos do Tesouro. A equação, assim, torna-se mais
complexa e foge do campo estritamente jurídico. Em situações
como essa, como lidar com a “troca de guarda” no equipamento
público?
No estado de São Paulo, a mudança de OS gestoras
é acompanhada, via de regra, pela sucessão trabalhista. Os
eventuais passivos, assim, são assumidos pelas novas entidades
gestoras no âmbito de um novo contrato. Há experiências
distintas em outros entes federativos. No estado da Bahia, por
exemplo, à “troca” de gestores, segue-se a demissão coletiva de

114
GESTÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS:
UMA ABORDAGEM ESTADUAL

todos os funcionários então vinculados ao equipamento e a


contratação de novos trabalhadores.10
Em ambos os casos, não há qualquer óbice legal. Trata
-se, sobretudo, de escolha gerencial do estado e da OS sucessora,
ainda que com implicações importantes para o custeio das ati
vidades. Resta claro que a opção pela demissão coletiva traz um
dispêndio financeiro imediato (para além do impacto emocional
para o corpo de funcionários, somado às dificuldades inerentes
a uma transição gerencial de tal envergadura), que deverá ser
previsto em contrato – e, portanto, onerará adicionalmente o
estado. Em contrapartida, tal opção tende a “zerar” o estoque
de passivos trabalhistas de determinado equipamento, legando
à sucessora e ao próprio estado situação mais confortável, em
termos financeiros, para a gestão de pessoal do equipamento
em curto prazo.
Como forma de lidar com esse impacto financeiro, mui
tos entes federativos estipulam um fundo de contingência para
eventuais despesas trabalhistas. Novamente no estado da Bahia,
os contratos de gestão preveem a reserva de 10% dos recursos
repassados apenas para esse fim. Em São Paulo, não há tal reserva
de recursos no âmbito do contrato com essa finalidade, de forma
que a gestão de eventuais passivos trabalhistas é específica para
cada situação.
Por um lado, a reserva de recursos do contrato de ges
tão para eventuais despesas trabalhistas dá maior segurança

10 As informações referentes à Bahia foram transmitidas aos autores por gestores pú


blicos de órgãos do governo daquele estado em ocasião de visita técnica ocorrida em outubro de
2012. Os autores agradecem mais uma vez a prestatividade dos servidores baianos, sobretudo
da Coordenadoria de Programas e Parcerias de Gestão (CPPG) da Secretaria de Administração
do Estado da Bahia (Saeb).

115
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

financeira ao estado e à OS parceira, por outro “imobiliza”


soma considerável de recursos que poderiam ser aplicados di
retamente no serviço público. Além disso, tal reserva pode criar
eventual desincentivo à gestão diligente dos recursos humanos
por parte da OS parceira, dado o aporte garantido de recursos
para passivos trabalhistas. De acordo com cálculos efetuados
pela Secretaria de Gestão Pública, a constituição de tal fundo
(10% por contrato) pelo estado de São Paulo nos contratos de
gestão vigentes em 2012 somaria recursos da ordem de 280
milhões de reais (SGP, 2012) – valor de custeio de três gran
des hospitais na Grande São Paulo em 2012 (Pedreira, Itaim
Paulista e Carapicuíba). Percebe-se, assim, que a mitigação de
riscos11 pode ser encarada sob diferentes estratégias gerenciais
por parte do poder público.
Outro elemento de custo considerável no que se refere às
OS (neste caso, especificamente na área da saúde) são os encar
gos trabalhistas. De acordo com a Lei Federal nº- 12.101/2009,
as pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos e que
prestem serviços na área da saúde poderão ser certificadas como
entidades beneficentes de assistência social (Cebas). Com esse
certificado, concedido e/ou renovado pelo Ministério da Saúde,12
as entidades fazem jus à isenção das contribuições à seguridade
social definidas pela Lei Federal nº- 8.212/1991. Assim, tornam
-se isentas de pagamento da cota patronal à Previdência Social
(20% da folha salarial) e de outros tributos, tais como Contri
buição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins),

11 Para uma definição básica do conceito, ver IBGC (2007, p. 11-12).


12 De acordo com a mesma lei (art. 21), as entidades voltadas à educação e à assis
tência social serão certificadas pelos respectivos ministérios (a saber, Ministério da Educação e
Ministério do Desenvolvimento Social). Sobre a certificação na área da saúde, ver os artigos 3º- a
11 da referida lei.

116
GESTÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS:
UMA ABORDAGEM ESTADUAL

Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e Programa


de Integração Social (PIS).
Como se vê, a quantidade de isenções previstas tem um
impacto financeiro significativo. Um exemplo hipotético ilustra
tal situação. Uma OSS gerencia um hospital público por meio
de contrato de gestão no valor de100 milhões de reais anuais.
Sua folha salarial corresponde a algo em torno de 70% de seu
orçamento, ou seja, 70 milhões de reais anuais. Sua cota patronal
seria, assim, de 14 milhões de reais ao ano. Logo, percebe-se que
a certificação permitiria, em sete anos, uma economia de recursos
(apenas em contribuições patronais) da ordem de 98 milhões de
reais13 – em outras palavras, praticamente um ano adicional de
financiamento desse equipamento de saúde.
Atualmente, das 33 entidades qualificadas como or-
ganizações sociais de saúde paulistas, 31 são certificadas.14
Seria oportuna, tendo em vista o volume expressivo de re-
cursos envolvidos, a exigência de certificação para assinatura
dos contratos de gestão na área da saúde? Antes com o fim
de suscitar o debate do que responder à questão, vale aqui
a referência a um tema que tangencia os temas discutidos
neste capítulo. No momento, as parcerias público-privadas
(PPP) têm sido apontadas como solução importante para

13 É certo que esta conta é de extrema simplificação. Não leva em conta, por um lado,
o caráter “giratório” das contribuições sociais (despesas em termos de contribuições patronais
podem tornam-se receitas em termos do Orçamento da Seguridade Social); por outro, não
se aprofunda no debate sobre as relações entre público e privado na saúde, tema no qual as
entidades filantrópicas (e, consequentemente, as OS) estão essencialmente envolvidas. Ver os
diferentes trabalhos apresentados em Santos e Amarante (2010).
14 Fontes: Ministério da Saúde (disponível em: <http://portal.saude.gov.br/portal/
arquivos/pdf/CEBAS_Publ_24_09_2013.pdf>; acesso em: 25 set. 2013), Portal da Trans
parência do Estado de São Paulo (disponível em: <http://www.portaldatransparencia.saude.
sp.gov.br/>; acesso em: 25 set. 2013) e CGCSS/SES (informação repassada aos autores pelos
gestores públicos do órgão).

117
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

investimentos públicos. Na área da saúde, já há algumas


experiências de implantação de equipamentos por essa moda
lidade de gestão (tais como o Hospital do Subúrbio na Bahia,
já em funcionamento, e o projeto para a construção de três
complexos hospitalares no estado de São Paulo, cujo edital
foi recentemente lançado). Nesses casos, o elemento lucro
está envolvido na parceria com o setor privado e, portanto,
as contribuições trabalhistas desse setor serão custos inerentes
da prestação dos serviços – devem ser incluídos, assim, nas
projeções financeiras estimadas pelo poder público.

OUTROS ASPECTOS RELEVANTES

A implementação de novas modalidades organizacionais


para a prestação de serviços que não a administração direta encerra
ainda questões significativas no que se refere à gestão de pessoal.
Com efeito, tais questões não se circunscrevem apenas ao âmbito
das OS, abrangendo também os diferentes tipos de arranjo or-
ganizacional de execução de políticas públicas hoje vigentes (tais
como parcerias público-privadas, fundações estatais, organizações
da sociedade civil de interesse público – OSCIPs – e até mesmo
entidades da administração indireta, como autarquias e empresas
públicas). Essa multiplicidade de arranjos reflete-se em formas dis
tintas de contratação de pessoal (estatutários, celetistas “privados”,
celetistas “autárquicos”, entre outros), com características diversas
em uma série de aspectos. Um deles refere-se à remuneração.
Sendo empregadoras privadas (ainda que sem fins
lucrativos) e com contratos de trabalho regulamentados pela CLT,
as OS estão sujeitas a convenções, acordos coletivos e datas-bases

118
GESTÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS:
UMA ABORDAGEM ESTADUAL

de reajustes salariais para as categorias de profissionais integrantes


de seus quadros de pessoal (SARAIVA, 2009). Como aponta
mos na segunda seção deste capítulo, o número de funcionários
contratados por OSS cresce expressivamente a cada ano. Portan
to, é mister a previsão pelo estado de recursos para esses ajustes
futuros nos contratos de trabalho com funcionários – dispêndio
“extra” decorrente da escolha pelo modelo privado de adminis
tração de pessoas –, sob pena de descontinuidade de serviços ou
corte de outros itens de despesa. Na administração direta, todavia,
o fluxo de reajustes salariais de servidores públicos responde a
lógica distinta, cuja periodicidade depende de negociações ad hoc
ou direitos trabalhistas distintos.15
Para além do componente financeiro, a diversidade de
modelos de gestão possui consequências significativas no campo
gerencial. Se, por um lado, possibilita à administração pública a
oportunidade de contar com formas distintas de execução de po
líticas públicas – adaptáveis a contextos específicos –, por outro,
traz desafios significativos em termos regulatórios para o gestor
público (que lidará com diferentes realidades administrativas
para a prestação do mesmo serviço).16

15 No Caso do estado de São Paulo, por exemplo, o Estatuto dos Servidores Públicos
Civis (Lei nº- 10.261/1968) prevê, entre os direitos e vantagens pecuniárias dos funcionários, o
adicional por tempo de serviço, conhecido como quinquênio (arts. 127 e 128), e o acúmulo da
sexta-parte dos vencimentos após vinte anos de efetivo exercício (art. 130).
16 Há também a questão da presença, no mesmo equipamento público, de servidores
públicos estatutários vinculados à administração pública e celetistas contratados pela OSS ges
tora – situação prevista pela Lei Complementar nº- 846/1998 (art. 16). Por ser residual no
estado de São Paulo (de acordo com informações da CGCSS/SES, tal situação ocorre apenas
no âmbito de um contrato de gestão e, ainda assim, o quadro estatutário é relativamente muito
menor que o quadro contratado pela OSS), não abordaremos essa situação neste capítulo – a
despeito da inequívoca relevância do tema. Outro ponto que não trataremos é a obrigação
de limitar o gasto de pessoal a até 70% do orçamento, regra cujo espírito remonta à Lei de
Responsabilidade Fiscal. Tal imposição, geral e homogênea para contratualizações dos serviços
mais distintos, pode ter consequências pouco racionais, mas, por questão de espaço, não nos
aprofundaremos nesse tema.
119
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Ademais, há ainda a questão da continuidade da pres


tação dos serviços públicos. Se, por determinada razão (polí
tica, administrativa ou financeira), o poder público pretender
executar diretamente serviços outrora gerenciados por OS, a
transição de modelo de gestão não poderá prescindir de análise
acurada dos cenários e questões expostos anteriormente – a
saber, a estrutura do mercado de trabalho e as diferentes nor
mas que regulam a contratação de pessoas no serviço público.
Essa hipótese do “retorno” da administração de uma unidade
gerida por parceiro OS ao Estado permanece no horizonte da
administração pública, haja vista a tramitação, no Supremo
Tribunal Federal, de Ação Direta de Inconstitucionalidade
contra a instituição de organizações sociais desde 1998.17 Ainda
que os últimos debates na Suprema Corte sugiram julgamento
pela legalidade do modelo, a apreciação não conclusa da matéria
se traduz em insegurança jurídica e necessidade de atenção,
por parte do Estado, para eventuais consequências de possível
decisão contrária à legislação vigente.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Cabe, por fim, um último exercício para elucidar a im


portância de se atentar para novas questões no modelo de OSS
– no caso, a dimensão “pessoal”. No gráfico 5, apresentamos
as despesas de pessoal em relação ao orçamento da Secretaria
Estadual de Saúde realizado em cada exercício.

17 Ação Direta de Inconstitucionalidade nº- 1923, de 1998.

120
GESTÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS:
UMA ABORDAGEM ESTADUAL

Gráfico 5. Porcentagem de despesa com pessoal no orçamento


da SES 2008-2012

35%

30%

25%

20%
15%

10%

0%
5%

2008 2009 2010 2011 2012


Pessoal OSS 6,12% 7,40% 8,47% 8,97% 9,68%
Pessoal AD SES 23,27% 22,38% 22,42% 20,53% 21,76%
Pessoal total 29,39% 29,79% 30,89% 29,50% 31,44%

Nota-se que, diante de certa constância no gasto total


com pessoal, paulatinamente a despesa com pessoal nas OSS ga
nha peso no orçamento geral da SES – entendemos aqui “pessoal”
como o conjunto de profissionais que atua no serviço público,
independentemente do modelo de gestão, ou seja, funcionários
da administração direta da pasta18 e funcionários contratados
por OSS para as unidades públicas de saúde contratualizadas.
Apesar de estarmos diante de dados meramente orçamentários,
podemos sugerir – enquanto hipótese – que há uma tendência
de o serviço estadual de saúde ser, cada vez mais, executado por
funcionários não contratados diretamente pelo governo estadual.
18 Ressalte-se que esses funcionários são todo o quadro da SES, incluindo aqueles que
não trabalham diretamente com assistência à saúde (servidores das áreas administrativas, de
regulação em saúde, de vigilância à saúde, do gabinete da SES etc.).

121
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Nesse contexto, procuramos abordar alguns elementos


referentes ao modelo de gestão por organizações sociais comu
mente negligenciados na literatura. Com efeito, grande parte das
referências bibliográficas relativas ao tema analisa aspectos con
ceituais do modelo e, sobretudo, com foco nos instrumentos de
pactuação entre governo e OS: o contrato de gestão. As análises de
experiências com a implementação do modelo estão centradas ora
nos resultados alcançados vis-à-vis as metas pactuadas (podemos
falar em uma “endoavaliação”, isto é, avalia-se o modelo como
bem-sucedido utilizando-se um critério de eficácia cujas regras
foram estipuladas pelo próprio modelo), ora nas características
“formal-jurídicas” dos contratos de gestão e dos marcos regula
tórios do modelo, ora na tentativa de comprovar que unidades
de saúde gerenciadas por OS são mais eficientes e eficazes do que
unidades administradas diretamente pelo Estado.19
Ainda não é expressivo o volume de produções acadêmi
cas ou de avaliações de política pública centradas nas experiências
dos gestores (públicos ou privados); nos dilemas não previstos de
correntes do histórico da vigência do modelo de OS; na interação
entre esse modelo e o ambiente que o cerca; nas implicações de
sua implementação para as políticas públicas nas respectivas áreas
temáticas (saúde, cultura, entre outros);20 na comparação entre

19 Conforme mencionado na Introdução, muitas análises sobre o modelo são carrega


das de forte caráter normativo, seja em tom elogioso, seja em tom depreciativo. É conhecida a
alta voltagem ideológica dos debates políticos acerca das organizações sociais – debate saudável,
natural e bem-vindo em um ambiente democrático. Não se trata, portanto, de buscar a supera
ção de tais controvérsias, mas, contrariamente, trazer novos elementos para discussão e crítica
para além das dicotomias simplistas usualmente propostas.
20 Com referência à área da saúde, há gama considerável de trabalhos sobre as
complexas relações entre o setor público e as distintas formas de prestação privada de serviços
(complementar ou suplementar, lucrativa ou filantrópica, entre outros). Ver a coletânea de
Santos e Amarante (2010) supracitada.

122
GESTÃO DE PESSOAS NAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS:
UMA ABORDAGEM ESTADUAL

unidades similares administradas por OSS com características


distintas (é importante recordar que as entidades qualificadas
como OSS não são iguais); e na interação complexa entre Estado
e mercados, na qual as OS possuem papel significativo enquanto
sujeitos e objetos.21
Sendo antes uma abordagem preliminar do que uma
pesquisa abrangente, foge ao escopo deste trabalho analisar as
razões teóricas e epistemológicas dessa constatação. Nesse sentido,
buscamos tão somente apresentar dados inéditos, apontar para
elementos preliminares de avaliação e discutir questões trazidas
pela experiência histórica – mais como sugestões e hipóteses
para futuros roteiros de pesquisa, acadêmica ou governamental.
É essencial, assim, aprofundar-se na fundamentação
teórica sobre os temas abordados, com o intuito de tornar o
tratamento dos mesmos mais robusto e comparável, bem como
servir de informação qualificada para o poder público decidir
melhor sobre os instrumentos de gestão ao seu alcance. Mais
uma vez, resta o desafio de superar a visão conceitual do Plano
Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (BRASIL, 1995;
BRASIL, 1997) – estabelecida na tríade Estado/contrato de
gestão/organização social – para construir novos olhares sobre
o modelo de OS. Quinze anos após seu surgimento, é natural
uma atualização de agenda que permita incorporar questões não
previstas anteriormente.
Vista sob o prisma dos marcos conceituais clássicos, con
cluir-se-á que a ideia de analisar o tema de gestão de pessoas nas

21 Alguns trabalhos importantes que compõem a bibliografia sobre organizações so-


ciais em São Paulo – e parte de nossas críticas – são Ibañez et al. (2001), Ferreira Junior (2003),
Sano (2003), Gomes (2005), World Bank (2006), La Forgia et al. (2008), Sano e Abrucio
(2008), TCE-SP (2011), Costin (2005), Ferraz (2008), Fiore et al. (2011).

123
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

OS do ponto de vista do Estado é inconcebível, considerando ser


essa responsabilidade única e exclusiva do parceiro privado. Os
dados e os pontos discutidos neste capítulo ensejam, no entanto,
perspectiva que vai de encontro a afirmações dessa natureza.
O fato de o Estado não ser o responsável direto pela
contratação de pessoas no âmbito das OS não significa que deva se
eximir de compreender criticamente a dimensão “pessoas” (em suas
múltiplas facetas). Ao construir uma visão estratégica sobre esse tema,
o Estado passa a antever e precaver-se das distintas consequências
do modelo paulista no que tange a essa dimensão, em seus aspec
tos financeiros, jurídicos e socioeconômicos – especialmente nos
impactos e interações com os mercados de trabalho de cada área.

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127
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

SECRETARIA DE GESTÃO PÚBLICA (SGP). Rela


tório de visita técnica ao estado da Bahia– outubro de 2012.
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Rendered/PDF/356910BR.pdf>.

128
CAPÍTULO 5
Serviço público: o cemitério da motivação?
Em defesa de um choque de humanização na administração
pública brasileira

HAMILTON COIMBRA CARVALHO


Bacharel em Administração pela Fundação
Getulio Vargas – FGV-SP e mestre em
Administração pela Universidade de São
Paulo – USP. Servidor público estadual e
criador do site Procurando Respostas (www.
procurandorespostas.com), dedicado a temas
sociais e de gestão.
SERVIÇO PÚBLICO: O CEMITÉRIO DA MOTIVAÇÃO?

INTRODUÇÃO

Na minha experiência de 15 anos no setor público


(federal, estadual e municipal), assisto com frequência a uma
conhecida sequência de eventos, a cada ingresso de servidores
por meio de concurso. Muitos dos ingressantes têm um ine
gável brilho nos olhos, uma vontade de dar um algo a mais,
que se perde depois de alguns anos. O que faz com que isso
aconteça? Antes de oferecer uma resposta, todavia, vamos
considerar o que se tem exigido do setor público no Brasil e
no mundo.
Em diagnóstico publicado em 2012, o governo britânico
constatou que seu serviço público é focado em meios e não em
resultados e que sua cultura tende a ser burocrática, hierárquica
e resistente à mudança (HM GOVERNMENT, 2012). Na ad
ministração pública, diz o relatório, há poucos incentivos para
que os servidores busquem melhorias e inovações, e aqueles que
o fazem colocam sua carreira em risco. Assim, o caminho natural
para os servidores é a acomodação ao status quo.
Esse diagnóstico do governo britânico é aplicável ao
serviço público de outros países e, evidentemente, ao brasileiro.
A proposição é forte, mas inescapável: a burocracia que orienta

131
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

o funcionamento dos governos asfixia a iniciativa, a inovação,


a motivação e, por consequência, o desenvolvimento do capital
humano nela empregado. O resultado disso é que a geração de
valor para a sociedade tende a ficar, em diversos graus (depen
dendo do país e do órgão), aquém do seu potencial.
O setor público será cada vez mais cobrado por resultados
melhores. É necessário desenvolver uma gestão mais eficiente e
eficaz, sem dúvida, mas somente um “choque de humanização”
é capaz de ativar o recurso mais abundante, mas também o mais
subaproveitado nas organizações, como afirma Dee Hock (2005),
fundador da Visa: o talento humano. Esse precioso recurso só
pode ser ativado se as necessidades humanas inatas tiverem espaço
para expressão – algo que o sistema burocrático brasileiro não
favorece, como será visto.

COBRANÇA POR MELHORES RESULTADOS


E O CREMATÓRIO DA MOTIVAÇÃO

Há pouco tempo, o economista canadense Don


Drummond listou uma série de recomendações para o serviço
público da província de Ontário (BRENT, 2012). Entre essas
recomendações, cortes agressivos de serviços. O objetivo das
recomendações era tornar o serviço público canadense financei
ramente sustentável e com o mesmo padrão de competitividade
do setor privado. Tanto naquele país quanto no Brasil, daqui a
menos de duas décadas, uma população mais idosa vai depender
cada vez mais dos serviços públicos. Mas será que é possível obter
eficiência e eficácia no serviço público comparáveis ao que se
obtém no setor privado?

132
SERVIÇO PÚBLICO: O CEMITÉRIO DA MOTIVAÇÃO?

Em primeiro lugar, é preciso ressalvar que comparações


com o setor privado frequentemente são imperfeitas, pois con
sideram apenas práticas de uma pequena amostra de empresas
bem-sucedidas, ignorando-se a maioria de empresas com desem
penho e práticas inferiores. Quem nunca sofreu com os serviços
de uma empresa de telefonia? Feita essa ressalva, é necessário,
todavia, dar razão às demandas sociais por maior competitividade
e maior agregação de valor no setor público.
O mesmo artigo de jornal que trouxe a recomendação
de Drummond trouxe a resposta do executivo público Peter
Nicholson. Segundo ele, o serviço público não está preparado
e/ou não é motivado a inovar como o setor privado e, além disso,
os governos, tradicionalmente, nunca demandam inovação de
seus servidores. Nicholson acrescentou que a inovação ou o au-
mento de produtividade são mais difíceis no setor público, pois
os serviços nesse setor são difíceis de ser medidos e não sofrem a
pressão competitiva do mercado. A solução, para o executivo, é
fazer como os governos de outros países, e buscar medidas úteis
de resultado do esforço governamental.
Nicholson, em seu diagnóstico, identifica pontos que
também são comuns ao setor público brasileiro. A ênfase na busca
de indicadores de impacto e de produto é necessária, não obstante
o risco de adoção de soluções ruins que favoreçam o gaming– isto
é, a adoção de comportamentos ruins para a organização, apenas
para favorecer os indicadores (RADNOR, 2008) e a ocorrência
de efeitos diferentes dos pretendidos. Porém, há um elemento
central na geração de valor do serviço público, que parece ser
apenas tangenciado em modelos mais recentes de administração
pública (por exemplo, MINISTÉRIO DO PLANEJAMENTO,

133
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

2008): o elemento humano. A concepção de motivação que em


basa modelos que têm sido aplicados no Brasil e em outros países
tem origem na velha previsão comportamental associada com o
homo economicus (que supunha-se enterrado após o advento da
economia comportamental): ajustem-se os incentivos, e o com
portamento desejado acontecerá. Medidas como o oferecimento
de bônus por desempenho são, porém, insuficientes (quando
não inadequadas – ver CARVALHO, 2012) para estimular o
comprometimento verdadeiro dos profissionais. O que falta?
O setor público brasileiro precisa lidar com um parado
xo. De um lado, seu funcionamento é guiado pelo tradicional
modelo burocrático weberiano, que lhe garante uniformidade
de procedimentos, padronização de regras, previsibilidade e
estruturas hierárquicas rígidas. De outro lado, nas últimas
décadas, a gestão pública sofre cada vez mais pressão para en-
tregar melhores resultados e responder com agilidade às justas
e crescentes demandas da sociedade. Cobra-se inovação do
setor público, cobra-se a adoção de modelos e sistemas com
origem na administração privada. O paradoxo surge na medida
em que as características do modelo weberiano não permitem
atender às demandas por agilidade, inovação e maior eficiência
– o que resulta, com frequência, na gestão apenas simbólica de
signos típicos do mundo empresarial. Órgãos públicos adotam
painéis de indicadores, afirmam ser geridos por resultados e
assim por diante. Porém, o cerne do paradoxo geralmente
permanece debaixo do tapete. Esse cerne é, enfim, a incom
patibilidade do modelo burocrático adotado no Brasil com as
condições que favorecem a autêntica motivação humana no
trabalho de forma permanente e sustentável.

134
SERVIÇO PÚBLICO: O CEMITÉRIO DA MOTIVAÇÃO?

Tem-se, assim, quase uma tempestade perfeita para


solapar a motivação dos servidores públicos: pressões externas
crescentes, geralmente legítimas, para maior competitividade
do governo, traduzidas em soluções gerenciais ruins ou que
não criam raízes; peso esmagador da inércia nos processos
e produtos existentes; culturas organizacionais fechadas e
resistentes à mudança; sistemas de incentivos implícitos que
“premiam” o desempenho fraco; e predominância de mode
los mentais que atribuem a culpa pela ineficiência do Estado
aos servidores, replicando o fenômeno do “erro fundamental
de atribuição”, conhecido pela Psicologia Social há algumas
décadas. A consequência é o baixo aproveitamento do capital
humano existente, levando os servidores, em muitos casos,
à apatia, ao desligamento emocional do trabalho, ao baixo
comprometimento e ao desempenho abaixo do desejável.
Cria-se, assim, uma multidão de zumbis, que trabalham no
piloto automático e reproduzem o fenômeno da desespe
rança aprendida (learned helplessness), em que, após certo
tempo lidando com condições que parecem incontroláveis,
a conformidade é a regra (ABRAMSON et al., 1978). Não
é exagero, assim, batizar o serviço público como o cemitério
da motivação, tendo em vista o desperdício de um oceano de
talentos e potencialidades.
Onde buscar modelos para motivar servidores públicos?
As empresas ainda hoje não sabem motivar profissionais do co-
nhecimento. O percentual de profissionais que se declaram moti
vados em diversas pesquisas, tanto no mercado norte-americano
quanto no brasileiro, é baixo, girando em torno de 20% a 30%
(por exemplo, GALLUP, 2013). A matriz de modelos gerenciais

135
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

de motivação são os Estados Unidos, um país profundamente


marcado pelo valor da autonomia individual e por alto escore na
dimensão cultural de individualismo proposta por Hofstede et al.
(1991). A motivação na maioria das empresas norte-americanas
ainda parece fortemente centrada na sua faceta extrínseca (re
muneração). Como afirma Amabile (2011), o trabalho deveria
enobrecer (e não matar) o espírito humano, mas a maioria dos
gestores de empresas (norte-americanas, no caso) não consegue
identificar quais são os fatores que propiciam o ótimo desem
penho de trabalhadores do conhecimento.
Por sua vez, o conceito de profissional integrante das
culturas organizacionais públicas brasileiras parece ser aquele
da antiga Teoria X (McGREGOR, 1960). De acordo com essa
visão, o trabalho é aversivo, as pessoas precisam ser controladas
e não querem assumir maiores responsabilidades. Dependendo
do órgão público, esse elemento de sua cultura se manifesta com
maior ou menor força, mas sua presença é facilmente discernível.
O servidor deve ser objeto de desconfiança sempre: por exemplo,
se vai a um congresso, pode-se mandar uma lista de ponto para
o local para comprovar que ele não gazeteou; se precisa utilizar
um táxi a trabalho, poderá ser exigida a indicação do trajeto e
o nome do motorista no recibo – caso contrário, o gasto corre
o risco de não ser ressarcido. Os exemplos encheriam diversas
páginas. A regra parece ser a desconfiança praticamente absolu
ta, em nome de um pretenso controle total e do atendimento
de um princípio não escrito de exclusão de responsabilidade
profissional de quem controla. Tudo precisa ser regulado. Esse
elemento cultural ganha ainda mais força no Brasil por conta de
seu perfil, um tema a que voltaremos adiante.

136
SERVIÇO PÚBLICO: O CEMITÉRIO DA MOTIVAÇÃO?

A concepção de ser humano nas culturas organizacionais


públicas alimenta, por sua vez, o conhecido e comprovado efeito
Pigmalião: o comportamento organizacional passa a ser reflexo
das expectativas embutidas na cultura. Como observou Cialdini
(1996), sistemas de controle e vigilância comunicam automa
ticamente aos empregados que eles não são objeto de confian
ça. Quando as pessoas se sentem coagidas a adotar determinado
comportamento, elas podem burlar esse comportamento quando
acreditam que o controle é imperfeito e que podem escapar impu
nes. Por causa do fenômeno psicológico conhecido como reactance
(reação automática a tentativas de controle), mesmo empregados
honestos podem burlar ou sabotar sistemas de monitoramento.

TRABALHO, NECESSIDADES
INTRÍNSECAS E CULTURA

Em sua concepção moderna, o trabalho é central na ex


periência humana. Ele estrutura a passagem do tempo, permite
a satisfação de necessidades sociais e psicológicas, cria identidade
e dá significado à vida. Mas, para que o desempenho humano
seja otimizado no trabalho ou em qualquer contexto, diversas
necessidades devem ser atendidas simultaneamente. À medida
que as organizações públicas se tornam um ambiente hostil ao
atendimento dessas necessidades, não há sistema de gestão que
consiga favorecer o comprometimento efetivo e o desempenho
ótimo dos servidores.
Uma amostra representativa dessas necessidades (aplica
das ao trabalho) é listada a seguir (baseada em BAUMEISTER;
LEARY, 1995; DECI; RYAN, 2002; GREENBERG, 1987;

137
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

LOEWENSTEIN, 2009; MOLLER et al., 2006; OLIVER,


2009; RYAN; DECI, 2000; SELIGMAN, 2011; STEGER, 2009;
VIGNOLES, 2009; WRIGHT, 1994). Os profissionais:
• Querem se sentir ouvidos. Querem sentir que são respei
tados, que sua opinião é levada em conta, que existem canais
imparciais para a tomada de decisão e que esta ocorre baseada
em informações objetivas (e contestáveis) e princípios coerentes.
• Querem perceber justiça no relacionamento com o empre
gador e com os líderes, em suas diversas facetas (transparência
e justiça nos procedimentos, na distribuição de recursos e
informações, no tratamento interpessoal).
• Precisam sentir progresso nas dimensões importantes do
relacionamento com seu empregador (por exemplo, avanço
na carreira e indicadores de progresso no trabalho).
• Querem se sentir parte de algo maior, sentir que seu tra
balho tem um propósito nobre.
• Querem espaço para se desenvolver, para aprender e en
frentar desafios.
• Querem manter um estado de humor positivo e, quando
possível, se divertir.
• Querem se conectar com outras pessoas e desenvolver
relacionamentos sociais saudáveis.
• Querem conveniência e facilidade no seu cotidiano de
trabalho, por meio de processos de trabalho bem desenhados,
entre outros pontos.
• Querem ter autonomia e controle sobre seus atos, não se
sentindo controlados em excesso por outras pessoas.
Porém, o sistema burocrático tradicional, de inspiração
weberiana e focado em cargos, linhas de comando e estruturas

138
SERVIÇO PÚBLICO: O CEMITÉRIO DA MOTIVAÇÃO?

hierárquicas rígidas é, por si só, um terreno árido para o aten


dimento dessas necessidades, dificultando, assim, o alcance
pleno dos objetivos dos órgãos governamentais. Além disso,
no Brasil (e possivelmente em países latinos que tenham um
perfil cultural similar), o sistema burocrático tende a ser mais
disfuncional.
Que perfil cultural é esse? Basicamente duas das di
mensões de Hofstede et al. (1991) vêm ao caso: intolerância
à incerteza e distância do poder. Quando a primeira é baixa,
como no caso brasileiro, a tendência é a produção em excesso
de normas. Como não se consegue conviver com a incerteza e a
ambiguidade, tudo – absolutamente tudo – precisa ser regulado
por normas estatais (exemplos banais: obrigar comerciantes a
exibir o Código de Defesa do Consumidor; obrigar, por decre
to, os secretários de Estado a utilizarem o transporte coletivo).
Com isso, é gerada uma avalanche de normas que, muitas vezes,
deságuam no não cumprimento e no descrédito – gerando a
necessidade de novas normas. Já no caso da dimensão cultural
“distância do poder” com alto escore (como no Brasil), relações
hierárquicas são muito valorizadas e não podem ser quebradas:
“manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Com isso, existe
a tendência de criação de um ambiente de trabalho autoritário,
injusto e hostil à motivação e ao comprometimento.
Como consequência de um sistema de organização do
governo (burocracia weberiana) que tende a levar a arquite
turas e culturas organizacionais rígidas, com efeitos negativos
potencializados pela expansão irrefreada de normas (inclusive
as intraorganizacionais) e por relações de poder autoritárias,
não é surpresa que tenhamos organizações públicas que geram

139
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

baixo valor ao cidadão, que têm fortíssimo “sistema imuno


lógico” contra a mudança e a inovação e que sejam fábricas
de desmotivação em série. O setor público, além disso, tende
a gerar o que se conhece na literatura de psicologia como foco
regulatório (crônico) de prevenção (HIGGINS, 1998), no qual o
objetivo implícito no ambiente de trabalho é cumprir estritamente
as regras e evitar qualquer problema possível. Com isso, a inovação
e a exposição ao risco (típicas do foco regulatório oposto, o de
promoção) não são incentivadas.
Além disso, nem mesmo o setor público está imune
a um macroambiente cada vez mais mutável e dinâmico. A
realidade com que qualquer organização se depara, interna
e externamente, é multifacetada e exige do gestor uma pre
paração para superar a natural tendência humana a buscar e
aceitar soluções fáceis, prontas e frequentemente ruins. Toda
organização lida com diversos paradoxos, cujo enfrentamento
requer a superação de tendências individuais automáticas e
incrustadas (como o dogmatismo). Esse é um perfil que se
exige cada vez mais dos gestores e líderes: a aceitação e a gestão
de situações ambíguas, que carregam frequentemente pontos
de vista contraditórios.
Enfrentar os paradoxos organizacionais envolve ainda o
desenvolvimento de determinadas competências organizacionais,
como a tolerância ao risco – há caminhos conhecidos para isso,
como os comitês de risco para o desenvolvimento de inovações.
Mas tanto as competências individuais quanto as organizacio
nais desejáveis tendem a ser sufocadas em uma cultura como a
brasileira, com baixíssima tolerância à ambiguidade e relações
de poder bastante assimétricas.

140
SERVIÇO PÚBLICO: O CEMITÉRIO DA MOTIVAÇÃO?

FALTA DE CONTROLE E DE MECANISMOS


DE PARTICIPAÇÃO: OS EFEITOS NA SAÚDE

O terreno árido para a satisfação das necessidades hu


manas inatas, representado pelo ambiente que se encontra nas
repartições públicas brasileiras, não tem efeito apenas na baixa
geração de valor do setor público. O epidemiologista britâni
co Michael Marmot, professor na área de saúde pública em
Harvard, estudou por várias décadas os funcionários do serviço
público inglês. Marmot (2005) resume as descobertas de sua
pesquisa científica e as de vários outros autores compreenden
do o estudo de populações de países como Japão, Inglaterra,
Estados Unidos e Finlândia. Os achados têm profundas im
plicações para políticas sociais e para o mundo do trabalho,
mas as evidências trazidas pelo seu trabalho ainda são pouco
conhecidas no mundo corporativo norte-americano e brasileiro.
E, por isso, essas implicações ainda não fazem parte do radar
dos administradores públicos no Brasil.
Marmot, em sua longa carreira de pesquisas, produziu e
reuniu um grande conjunto de evidências que comprovam que,
quanto mais controle temos sobre o trabalho e os outros aspectos
da vida e quanto mais participação temos nas diversas esferas da
nossa vida social, maior a nossa longevidade e menor a incidência
de doenças graves, como as cardiovasculares e o câncer. A dife
rença torna-se brutal conforme se avança na hierarquia social, e
não é explicada por hábitos de vida. Isto é, hábitos alimentares,
tabagismo, estilo de vida e acesso a um bom sistema de saúde têm
influência sobre a incidência de doenças e a mortalidade, mas
o efeito é pequeno quando comparado à ausência desses fatores

141
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

psicossociais (autonomia e participação social). Baixos níveis


de autonomia e participação social levam, comprovadamente,
à incidência de estresse crônico entre os indivíduos. Por isso,
Marmot classifica os problemas decorrentes da ausência desses
fatores como síndrome. Mais ainda, trata-se de um gradiente, de
modo que o segundo grupo de pessoas com melhor posição social
vive menos do que o primeiro grupo e, assim, sucessivamente,
até o grupo mais baixo na hierarquia social.
Evidentemente, todas as sociedades têm um gradiente
na hierarquia social e não há como abolir isso. O que se pode
fazer é diminuí-lo, e há meios práticos para isso. A pesquisa de
Marmot mostra que, em se tratando de trabalho, é importante:
1. O balanço entre demandas feitas ao indivíduo e
o controle que ele tem sobre seus recursos (tem
po, autonomia para decisões) para atender essas
demandas. A medida prática é o incremento da
autonomia dos funcionários – lembrando que
autonomia não é independência: requer regras
claras, estrutura e oportunidade de escolha, e não
é compatível com um erro comum dos gestores,
que é o microgerenciamento.
2. As oportunidades para engajamento existentes – es-
paço para participação social, como voz na tomada
de decisões que impactam sua vida, e para desenvol
vimento pessoal e profissional.
3. O balanço entre esforço e recompensas – não apenas
recompensas monetárias, mas também as sociais,
como autoestima e recompensas relacionadas às
oportunidades de carreira.

142
SERVIÇO PÚBLICO: O CEMITÉRIO DA MOTIVAÇÃO?

As evidências reunidas por Marmot mostram o efeito


devastador de ambientes sociais que não dão espaço para a satis
fação das necessidades psicológicas inatas dos indivíduos.

CHOQUE DE HUMANIZAÇÃO
E CAMINHOS POSSÍVEIS

O problema enfrentado pelo setor público brasileiro no


tocante à baixa geração de valor decorrente do baixo aproveita
mento de seu capital humano é, enfim, o que se chama de um
problema hipercomplexo (wickedproblem) – com diversas facetas
e com soluções abertas. As soluções terão de ser construídas e
testadas sob uma abordagem de gerenciamento por descobertas
(KLEIN, 2009): mudanças introduzidas aos poucos, em um
processo de contínua experimentação e aprendizagem, sem saber
exatamente onde se vai chegar, mas sabendo a direção a seguir.
Como afirma Marmot (2005), no conceito tradicional
de trabalho – e isso parece ainda mais verdadeiro no setor públi
co brasileiro –, as pessoas (em especial as que ocupam posições
inferiores na hierarquia) morrem um pouco todos os dias: há
pequeno uso de suas habilidades e conhecimentos, as tarefas são
completamente determinadas por outras pessoas e há pouca ou
nenhuma recompensa em termos financeiros, de autodesenvol
vimento ou em elevação da posição social.
Apresentamos, a seguir, algumas abordagens que parecem
promissoras para enfrentar os problemas delineados neste capítulo
e que se adéquam a um conceito que nomeamos como “choque
de humanização”, em referência aos “choques de gestão” comu
mente apregoados como soluções para a administração pública.

143
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

O caminho para superar os desafios aqui apresentados


parece ser a flexibilização do modelo burocrático, buscando-se ar-
quiteturas organizacionais focadas na busca de resultados claros,
organizadas em torno do eixo propósito-princípios-pessoas e com
um novo balanço na relação de poder entre chefes e subordinados
– ou líderes e seguidores –, em uma nomenclatura mais adequada
a um momento histórico em que as relações de poder precisam ser
cada vez menos assimétricas para que os relacionamentos produzam
melhores resultados (KELLERMAN, 2012). Há limites claros,
como os princípios do direito administrativo (que provavelmente
também precisam ser flexibilizados), e há requisitos necessários,
como a existência de métricas de impacto minimamente adequadas.
Uma proposta promissora vem do que Kotter (2012)
chama de sistemas operacionais duplos: a existência de uma
hierarquia tradicional para cuidar dos processos operacionais
tradicionais, associada a um pool de voluntários, que compõem
outra estrutura, informal, para cuidar da resposta estratégica da
organização em face das ameaças e oportunidades do macroam
biente. Essa estrutura informal permite “montar” e “desmontar”,
de forma ágil, equipes de trabalho temporárias. Como Kotter
reconhece, os sistemas hierárquicos presentes nas empresas não
têm agilidade suficiente para enfrentar esses desafios e não favo
recem o vital questionamento do status quo.
Entendemos que o conceito de pool poderia ser apli
cado no serviço público de forma ainda mais interessante. E
aqui fazemos mais uma proposição: mudanças em arquiteturas
organizacionais e em processos de trabalho são condição ne-
cessária para contornar o enorme obstáculo à motivação dos
servidores representado pelas relações hierárquicas autoritárias

144
SERVIÇO PÚBLICO: O CEMITÉRIO DA MOTIVAÇÃO?

que são típicas da cultura brasileira. O senso comum indicaria


uma outra solução, o investimento na formação de lideranças.
Mas, de acordo com a professora de liderança de Harvard, Bar
bara Kellerman, há escassas evidências de que a indústria da
liderança (com seus cursos, seminários etc.), que se desenvolveu
enormemente nas últimas décadas, entrega o que promete. Isto
é, não apenas não há evidências convincentes de que é possível
formar bons líderes pelo caminho educacional, como também
essa indústria não consegue atender dois objetivos que deveriam
ser primordiais. Esses objetivos são evitar a ascensão de líderes
ruins e desenvolver seguidores, superando o conceito passivo
usualmente atribuído a quem deveria estar “subordinado” aos
líderes (KELLERMAN, 2012).
Hierarquias são inevitáveis, mas é preciso buscar dese
nhos de organização que possibilitem aos profissionais de todos
os níveis mais envolvimento nos processos de trabalho e menos
sentimento de serem totalmente controlados por outras pessoas.
Nesse sentido, o conceito de pool de profissionais poderia ser
desenvolvido mesmo para atividades operacionais, dependendo
da organização. Isso permitiria, por um lado, o estabelecimento
de uma nova relação de poder, centrada na entrega dos resultados
pactuados e na relativa autonomia, mas exigiria, de outro lado,
o trabalho gerencial de definição dos resultados esperados, prio
rização de atividades, comunicação e avaliação. Nesse conceito,
os profissionais poderiam ser facilmente alocados em núcleos
geradores de trabalho de acordo com sua escolha e desempenho
prévio, compondo seu cardápio de atividades de acordo com seu
perfil e com as demandas operacionais e estratégicas do núcleo
de trabalho e da organização. O conceito exige a avaliação de

145
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

desempenho. Ao mesmo tempo, favorece a satisfação das neces


sidades humanas inatas ao lidar com a confiança e ao exigir a
entrega de resultados claramente definidos.
Em uma arquitetura organizacional flexível também
não há empecilho para que atividades que hoje são separadas
por barreiras geográficas sejam distribuídas e realizadas isolada
ou conjuntamente por profissionais que façam parte da mesma
rede de atuação (no conceito de comunidade de prática, descrito
adiante), ainda que separados por centenas de quilômetros. Isso
envolve a redefinição de processos e estruturas organizacionais e
a institucionalização do conceito de redesenho do trabalho (job
crafting), mas é possível.
Outros aspectos além da redefinição do trabalho e das
estruturas organizacionais precisam ser enfrentados em um cho
que de humanização.
Para que os profissionais percebam um tratamento justo
por parte de chefes e da organização, é necessário reestruturar
processos de decisão e de trabalho para que os requisitos da justiça
organizacional (GREENBERG, 1987) sejam atendidos. Avaliação
de chefes e pesquisas periódicas de satisfação no trabalho (e seus
determinantes) também são recomendáveis. Não se trata apenas
de medir felicidade ou emoções positivas no trabalho. É preciso
considerar as demais vertentes de uma vida plena (SELIGMAN,
2011), como oportunidades para construção de relacionamentos
sociais significativos e realização profissional, entre outras, além de
haver mecanismos para agir sobre os fatores insuficientes.
A pesquisa de Marmot (2005) mostrou que uma rede
forte de relações sociais protege a saúde e previne doenças. Nesse
sentido, quanto mais saudáveis e produtivos os relacionamentos

146
SERVIÇO PÚBLICO: O CEMITÉRIO DA MOTIVAÇÃO?

no trabalho, melhor. Um conceito que tem muito espaço para


desenvolvimento no serviço público é o de comunidades de
prática (PERKINS, 2009). Trata-se de um conceito com origem
no campo da educação e que requer redes horizontais de comu
nicação e colaboração, que tendem a ser possíveis na medida em
que o profissional possua um grau adequado de controle em seu
ambiente de trabalho. O conceito também tende a ter bastante
aderência em arquiteturas organizacionais flexíveis.
Em um choque de humanização, é preciso reconhecer
ainda que o profissional de qualquer organização, pública ou
privada, desempenha outros papéis em sua vida. As pessoas são
filhos, pais, irmãos, condôminos, consumidores, estudantes,
pacientes. O conceito tradicional de trabalho é ancorado em
uma premissa bastante questionável: a de que a presença física
significa desempenho. Mas a miríade de papéis que os indiví
duos têm em sua vida não desaparece quando se cruza a porta
de entrada da organização. Pelo contrário, eles tendem a gerar
ansiedade, ausência mental do trabalho e outras consequências
negativas, especialmente quando há pouco ou nenhum espa
ço no cotidiano profissional para atendimento das inevitáveis
demandas decorrentes desses papéis. Nesse sentido, é preciso
estimular mecanismos que reconheçam essa realidade e permitam
seu enfrentamento eficaz, como horários flexíveis e ambientes
de trabalho focados exclusivamente em resultados (Results Only
Work Environment– ROWE) (RESSLER; THOMPSON, 2010),
que eliminem a natureza paternalista da relação entre chefes e
subordinados, comum no paradigma tradicional, e tratem os
profissionais como adultos.1

1 Para saber mais sobre o conceito de ROWE, ver Ressler e Thompson, 2010.

147
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Buscar novos caminhos envolve, todavia, um grande


desconforto. Qualquer solução de gestão de pessoas no ser
viço público precisa atender bem, e simultaneamente, a três
públicos: os profissionais, as próprias organizações e a socieda
de. Um exemplo simples, que tende a gerar desconforto: por
que recompensar, em sistemas de promoção de carreira, por
capacidade (como cursos feitos), assiduidade ou antiguidade,
em vez de recompensar por contribuição ao propósito da or
ganização? Além disso, medir produtividade de trabalhado
res do conhecimento não é fácil e preciso. Grandes empresas
cometem erros banais e, por vezes, de grandes consequências
negativas (KNOWLEDGE AT WHARTON, 2013). Esse é
um desafio que organizações privadas e públicas comparti
lham. Para lidar com ele, não há soluções prontas e simples.
Mas há caminhos que podem servir de inspiração: são soluções
gerenciais baseadas no atendimento das necessidades humanas
inatas, como o bem-sucedido exemplo do sistema educacional
finlandês (SAHLBERG, 2011).
Talvez o setor público seja sempre hostil, em algum grau,
à motivação. Utilizando a interessante metáfora de uma horta
(TREMBLAY, 1999), em um terreno fértil a maioria das plantas
vai atingir seu potencial de florescimento – o mais importante
é seu genótipo. Mas em um terreno árido, poucas plantas ten
derão a florescer, e o que faz a diferença não é o genótipo, mas
os cuidados, como o fornecimento de água e nutrientes. Se a
administração pública brasileira pode ser comparada de alguma
forma a um terreno árido, é importante, então, que sejam bus
cadas as condições de nutrição e desenvolvimento da motivação
humana para que o enorme potencial existente seja efetivamente

148
SERVIÇO PÚBLICO: O CEMITÉRIO DA MOTIVAÇÃO?

aproveitado. Quem sabe, assim, os servidores consigam recuperar


o brilho nos olhos. Quem ganha é a sociedade.

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152
CAPÍTULO 6
Pressões culturais e comportamentais na gestão
de pessoas no setor público

MOACIR CARLOS SAMPAIO SILVA


Psicólogo social, especialista em comportamento
organizacional. Professor associado da Fundação
Dom Cabral nas áreas de Comportamento e
Gestão e professor convidado da Fundação
Instituto de Administração – FIA e do Programa
de Educação Continuada da Fundação Getulio
Vargas – GVPEC. Titular da cadeira de Psicologia
Social e coordenador da pós-graduação em
Psicologia Social das organizações do Instituto
Sedes Sapientiae.
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

Quais são as complexidades que você encontra ao fazer


a gestão de pessoas no serviço público?
Fizemos essa pergunta como mote de aquecimento para
os participantes de inúmeras turmas de programas de Preparação
e Desenvolvimento de Gestores que tivemos a oportunidade de
conduzir nos últimos quinze anos. Nessas andanças, pudemos
conhecer as agruras que enfrentam pequenos grupos de idealistas
e abnegados gestores, nos mais variados segmentos da gestão
pública: no Executivo Federal – naquela faixa de gestores que
“fazem a máquina andar” em vários Ministérios –; no Judiciário
– na força de trabalho que tenta fazer os tribunais funcionarem,
apesar das morosidades regimentais institucionalizadas –; nos Tri
bunais de Contas – que assessoram as casas legislativas (estaduais,
municipais e federal) e tanto se esforçam para manter o prumo
técnico e ético não só na sua atuação, como também na gestão do
Executivo. Também interagimos com gestores das Secretarias de
Estado que cuidam da gestão da saúde, da educação, das obras,
das finanças e da segurança pública, assim como ouvimos gestores
de instâncias municipais de várias especialidades.
Quem trabalha com desenvolvimento humano encontra
sua parcela de realização quando interage com pessoas efetivamen
te interessadas, com pessoas que acham que faz sentido estudar.

155
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Esse é o caso dos gestores que se inscrevem espontaneamente em


cursos e seminários, muitas vezes abrindo espaço com os cotovelos
para conseguir uma vaga. Quando isso acontece, temos o melhor
dos mundos para um processo de desenvolvimento, temos uma
postura produtiva tomada por uma classe daqueles idealistas e
abnegados que querem fazer a diferença e dar uma contribuição
para a melhoria do serviço público, mesmo sabendo que será uma
migalha, um trabalho da empenhada formiguinha que não se
omite na hora de fazer a sua parte. Essa postura contrasta muito
com as formações de turma pela via da “convocação compulsória”
ou pela via da malfadada “contagem de horas-classe” para somar
pontos em metas formais de interesses meramente fisiológicos,
uma situação desagradável e improdutiva. E como faz sentido
trabalhar com pessoas que acham que faz sentido estudar! Essa
questão, relacionada com a natureza da participação, já é algo
que ilustra o tema deste capítulo.
As queixas e o mapeamento de dificuldades obedecem
a um padrão. Um padrão de complicações causadas pelo com
portamento das pessoas, um padrão que tem origem em raízes
culturais históricas.
Queixa-se da estabilidade, dos poucos mecanismos de
pressão, da falta de comprometimento, das ferramentas de gestão
que se tornam meras formalidades inócuas, da dificuldade de se
conseguir fazer uma avaliação de desempenho objetiva, da dificul
dade de se dar feedback... Gestores do serviço público acreditam
que, no setor privado, é muito mais fácil se fazer “a tal da gestão”.
Então, vamos fazer um sobrevoo sobre o que seria, na
prática, fazer a gestão de pessoas, vamos olhar esse processo do
ponto de vista das responsabilidades de um gestor e tentaremos

156
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

entender melhor as raízes culturais e históricas que explicam


certas expectativas e comportamentos do servidor público.
A população em geral está acostumada a lidar com o ser
viço público por meio de um clichê extremamente depreciativo.
Enxergam o servidor como um ser preguiçoso, um profissional
que atende com má vontade, um ser egoísta e insensível, que
só está preocupado com suas vantagens pessoais. Essas mesmas
pessoas encaram o cargo público concursado como um oásis de
estabilidade, conforto e segurança em meio a um mundo hos
til, inseguro e instável. Desemprego é preocupação dos “pobres
mortais”. Funcionários públicos têm estabilidade. Além disso,
ganham bem, trabalham mal e não são punidos por isso.
Quando esbarramos nesse tipo de crença, sentimos ne
cessidade de entender melhor por que se pensa assim e qual a
origem dessa imagem.
As respostas parecem ter raízes na cultura nacional.

ASPECTOS CULTURAIS DA GESTÃO

O ÉTHOS NACIONAL
O que é éthos? Segundo o Dicionário Aurélio, é palavra
que vem do grego, e possui três significados:

1. Modo de ser, temperamento ou disposição interior, de


natureza emocional ou moral.
2. O espírito que anima uma coletividade, instituição etc.
3. Sociologia/Antropologia: aquilo que é característico e pre
dominante nas atitudes e sentimentos dos indivíduos de um
povo, grupo ou comunidade, e que marca suas realizações ou
manifestações culturais. (FERREIRA, 2008-2014)

157
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

O professor Gaudêncio Torquato, da Escola de Comuni


cação e Artes da Universidade de São Paulo, discorre de maneira
muito interessante sobre o éthos nacional. Ele analisa o modo
como o nosso país é visto pelos estrangeiros que nos visitam
ou que nos conhecem de fama. Torquato comenta que somos
vistos por três diferentes ângulos, que compõem os três mitos
que justificam a nossa personalidade como povo.
O primeiro mito: “O paraíso tropical”.
Somos vistos como o Jardim do Éden: o espetáculo da
natureza, com praias ensolaradas, mulheres lindas e sensuais, pes
soas bonachonas e acolhedoras, prazeres à mesa. Um verdadeiro
paraíso em plena Terra. Mas também somos vistos como um
país não muito sério. Aqui tem senso de humor, informalidade,
leviandade, ócio, indolência, preguiça. As pessoas sentem que
trabalho não é algo que combine muito com paraíso. Existe uma
forte pressão cultural que valoriza o ócio. A chegada da sexta-feira
é o sonho de consumo do indolente. As redes sociais são pródigas
em postagens que enaltecem o fim de semana prolongado. As
pessoas enfrentam filas e congestionamentos para umas poucas
horas de lazer. Trabalho? É um horror! Que bom quando o
chefe não está! Há um verdadeiro culto à irresponsabilidade. As
pessoas só trabalham quando precisam e só se dedicam quando
a autoridade observa e cobra. O sonho? Ganhar na loteria e não
fazer nada.
O segundo mito: “O inferno verde”.
Também somos vistos, por outros, como o país que tem
um ambiente hostil: aAmazônia selvagem, índios ferozes, cobras
e macacos pelas ruas das cidades. Em um episódio de Os Simpsons
(série de desenho animado norte-americano), Homer, um dos

158
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

personagens, é atacado por uma horda de macacos selvagens ao


desembarcar no aeroporto do Rio de Janeiro.
Somos notícia no exterior por causa da violência urbana:
assaltos, assassinatos, tráfico de drogas, população atemorizada,
prostituição, estupro, inclusive de turistas, entre outras.
Somos notícia por conta da corrupção: políticos fisioló
gicos aderem a qualquer governo. O tráfico de influência é um
valor natural, da mesma forma que é uma questão naturalíssima
usufruir das benesses do cargo e aproveitar-se da oportunidade
para o enriquecimento ilícito.
No “inferno verde”, as pessoas lutam pela sobrevivência.
É o país dos contrastes e das injustiças sociais. É a terra da de
sorganização, miséria, sujeira, exploração, prostituição infantil,
dos menores abandonados.
O terceiro mito: “O Eldorado”.
Somos também a terra das oportunidades: a miragem
do ouro, o solo fértil, a conquista do interior, o potencial de
mercado. Somos o eterno país do futuro!
O Brasil é o país onde o aventureiro lança mão: somos
vítimas da exploração predatória, da cobiça, dos negócios mal
feitos que beneficiam os poderosos, do oportunismo imediatista.
E, ao mesmo tempo, somos o talento mal explorado: pes
soas hábeis e criativas, que abrem espaço com os cotovelos, apesar
dos obstáculos educacionais. Temos versatilidade, adaptabilidade;
superamos os problemas e alcançamos resultados surpreendentes.
No futebol, nas artes, no artesanato, na mão de obra manufatureira,
no senso de improviso que contorna as complicações. Temos o
“jeitinho brasileiro” que dribla as dificuldades e o talento indisci
plinado que surpreende, encanta, e também decepciona.

159
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

RAÍZES HISTÓRICAS DA NOSSA CULTURA


A maneira como se ensinou História do Brasil durante
muitas décadas trazia um pouco dessas marcas culturais do nosso
éthos. O que aprendíamos sobre nós mesmos explica muito das
nossas crenças e valores.
O descobrimento havia sido um suposto acidente. Mas
foi intencional, é claro. Pedro Álvares Cabral tinha a meta de
encontrar um novo caminho para as Índias, mas buscava, na
verdade, um “novo mundo” que se tornasse celeiro de riquezas
para a Europa.
O processo de colonização teve marcas sintomáticas. O
Brasil teria sido, no início da colonização, um lugar para instalar
criminosos e degredados. A maneira brutal como a “civilização” se
impôs sobre os habitantes da terra (chamados de selvagens) teria
dado origem a certa passividade contemplativa de quem acredita
que seria uma luta insana se rebelar contra a autoridade do poder
e da força. Isso teria acontecido com os índios e com os escravos.
Mais tarde, com a criação das capitanias hereditárias, começa a
se instaurar a cultura do privilégio, afinal de contas, os “amigos
do rei” ganharam terras em troca de sua gestão e produção.
Apenas no século XIX, fugindo das guerras napoleônicas,
a família real anuncia sua vinda para o Brasil, juntamente com a
corte portuguesa, e Brasil é elevado à categoria de Reino Unido
de Portugal, Brasil e Algarves. Mais amigos do rei chegavam ao
país e precisavam se acomodar na capital, que agora era o Rio de
Janeiro. Residências confortáveis, de propriedade da burguesia
nativa, eram desapropriadas para duques, condes e outros nobres
poderem nelas residir. Quando o emissário da corte encontrava
uma casa bonita e confortável, pintava na porta a sigla “P.R.”

160
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

(Príncipe Regente), que, em pouco tempo, o humor carioca


traduziu como “Ponha-se na Rua”.
As práticas de gestão no novo Reino reproduziam Lis
boa. A burocracia cartorial é instituída com as bênçãos de D.
João VI. Com o cartorialismo, também se instaura a cultura do
protecionismo e do cumprimento de formalidades. Amigos do
rei tornam-se donos de cartórios – as vantagens das capitanias
hereditárias em “novo formato”.
A cultura do bacharelismo se incrementa com os filhos da
burguesia indo estudar direito em Coimbra. Esses representantes
das elites no século XIX influenciam a estrutura normativa do
país. O Legislativo se torna uma casa de bacharéis. Os códigos
e leis são produzidos, em parte, sob inspiração de práticas uni
versais; em outra parte, para atender interesses dos poderosos e
instituir a lógica da discriminação. Juridicamente, somos um
país onde a prática do crime será penalizada dependendo de
quem for o criminoso.
Os próximos passos da história foram a independência
e a proclamação da república. Esses eventos não eram estudados
nos bancos escolares como um processo. O jeito de se ensinar
História dava uma conotação voluntarista para esses fatos. Na
perspectiva do voluntarismo histórico, alguém (um grande pai?)
montava num cavalo branco, desembainhava a espada e “fazia
acontecer” um Brasil independente. Achávamos que a indepen
dência se resumiu num grito, e não num processo que envolveu
batalhas e negociações durante anos. Assim, começava-se a fundar
a cultura de que se pode ganhar “no grito”.
O mesmo aconteceu em relação à proclamação da re-
pública. As elites ou forças econômico-sociais conduziram o

161
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

processo segundo seus interesses. Num determinado momento,


para impactar a opinião pública, tirou-se da cartola um factoide
voluntarista. Consta que o monarquista Marechal Deodoro
da Fonseca foi retirado do seu leito, onde convalescia de uma
doença, vestiram-lhe a farda, colocaram-no num cavalo e o
fizeram desfilar em praça pública. Crescemos acreditando que o
governante faz “se ele quiser”, se ele montar no cavalo e desem
bainhar a espada. Queremos acreditar em lideranças persona
listas, populistas, que são capazes de fazer coisas espetaculares,
se estiverem no poder. Nossa infantilidade sociopolítica precisa
acreditar na possibilidade da ação personalista, mais do que
no processo de conquista pela via do trabalho, da negociação,
da influência e da pressão dos grupos sociais que constroem a
realidade e fazem acontecer.
Fazem parte, também, de nossas mazelas históricas, uma
série de tentativas para nos parecermos com “eles”, sejam lá quais
forem essas “referências”, comumente do “primeiro mundo”.
Sempre cultivamos a ilusão de que as leis resolveriam
nossos problemas. Praticamos um legislacionismo temperado
com fantasias constitucionalistas por seis vezes: criamos as Cons
tituições 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988. Sempre
com a sensação de algo definitivo.
Nos 513 anos da história pós-descobrimento, a democra
cia plena é um exercício recente, dos últimos vinte anos, e ainda
engatinha como prática. A representatividade é deformada pelas
regras vigentes. O fisiologismo é uma prática que decepciona o
eleitor idealista. O “grupismo”, o “caciquismo” e o “cabresto”
são realidades explícitas nas regiões mais pobres do país e uma
realidade camuflada nos grandes centros.

162
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

Os governos, das várias colorações ideológicas, se al


ternam no poder. Todos com propostas reformistas. Reforma
tributária e reforma política estão sempre no cardápio, mas nunca
vêm à mesa. Os governos padecem de voracidade tributária. Por
décadas, praticaram o experimentalismo desenvolvimentista,
que pariu dezessete planos econômicos entre 1930 e 2005. O
Judiciário é lento, mas a reforma do “terceiro poder” também
está sempre no cardápio. E a cereja do bolo é a corrupção em
larga escala, em vários níveis, e nos três poderes do Estado, para
espanto e negação de eleitores mais politizados que sempre se
julgam com o monopólio da decência.
Para entendermos o éthos nacional, os mitos que o com
põem e os traços da nossa cultura é fundamental a leitura da
História com olhos menos tensos e menos contaminados. Para o
observador da História, é nítido o desenvolvimento, a evolução, o
crescimento e as melhorias se compararmos blocos de cinquenta
anos. Para o sujeito que vive a História, só resta a indignação
transformadora.

FATORES DETERMINANTES DO ÉTHOS NACIONAL


Um fator que certamente influencia sobremaneira a
formação do nosso éthos nacional é a baixa autoestima. Nel
son Rodrigues chamava essa baixa autoestima, no contexto do
futebol, de “complexo de vira-latas”, que era uma inexplicável
inibição da nossa capacidade de jogar quando enfrentávamos
as potências internacionais. Isso prevaleceu até 1958, quando
ganhamos a primeira Copa do Mundo, na Suécia, num cenário
de crescimento da economia, de industrialização do país e de
resgate da nossa autoestima.

163
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Mas a baixa autoestima ainda se manifesta quando evi


denciamos crenças como:
• A ideia de que “eles” são bem melhores do que “nós”. Os
produtos importados, a cultura do primeiro mundo e as expres
sões estrangeiras, por exemplo, são objetos de alta admiração.
• A crença de que seríamos herdeiros de uma suposta passivi
dade escrava e de um reducionista contemplativismo indígena.
Diz-se que eram grupos subjugados porque não sabiam a força
que tinham para se rebelar, fato contestado por inúmeros
estudos que relatam diversos movimentos de resistência à
dominação do colonizador.
• O temor reverencial e a omissão justificada. As figuras
de autoridade inibem a capacidade de expressão, e sua ima
gem de poder estimulou o desenvolvimento, no brasileiro
médio, de um modelo mental de ambiguidade em relação à
autoridade bastante peculiar. O sentimento de realização ao
desafiar o poder da chefia convive com a cultura do “nós” aqui
e “Ozómi” (aquela entidade mítica que representa o poder e
a autoridade) ali. Desafio e resistência velados escondem-se
sob o poder pessoal acima dos regulamentos. Aceitam-se, com
certa naturalidade, o privilégio do poderoso e a pretensão
deste de sobrepujar as normas.
A gestão casuística e a cultura da inconsequência confi
guram outro fator de influência para a formação do éthos nacio
nal. Junto com a prevalência do poder pessoal sobre a norma,
outras crenças e práticas ajudam a compor a chamada “cultura
do privilégio”:
• O protecionismo e o apadrinhamento.
• A regra formal usada somente para atender conveniências

164
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

e salvar aparências. O mundo do futebol é um ótimo exemplo


de como é possível usar o direito e os tribunais para afrontar
a justiça em nome da pretensa “legalidade” regulamentar.
• Os casos de exceção, tão frequentes no Brasil e que aca
bam por significar, na verdade, privilégios (“dois pesos e duas
medidas”).
• A impunidade.
Tanto o éthos nacional como as raízes históricas e os
nossos traços culturais mais marcantes influenciam as culturas
de gestão no setor público e no setor privado.
Vivenciamos práticas e crenças que justificam a cultura
do “mais ou menos”: a lealdade a pessoas (e não a princípios); as
relações de trabalho permeadas por desconfiança; desempenhos
que são mero cumprimento de formalidades; a imitação descarada
(na forma de culto da aparência); a síndrome da verba compro
metida (“vamos gastar porque está orçado; se não gastarmos,
perdemos a verba”); a paranoia competitiva (em que o foco no
concorrente é mais importante do que a qualidade do serviço); a
“delargação”, se me permitem o neologismo, ou seja, a delegação
feita farta e irresponsavelmente, na forma de terceirização de
serviços que representam “momentos da verdade” (serviços de
“linha de frente” e que são decisivos para a formação da opinião
do consumidor/cidadão sobre a qualidade da sua experiência
de “consumo”).
A gestão no serviço público tem peculiaridades e comple
xidades. A gestão no setor privado tem outras tantas. Os gestores
precisam saber lidar com as circunstâncias, e o primeiro passo
para isso é ter consciência do tipo de situação com que se lida e
quais as implicações que isso tem.

165
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

A ARTE DE MOBILIZAR PESSOAS

O DESAFIO DE SE TORNAR GESTOR


“Pessoas com bom perfil técnico nem sempre apresen
tam bom perfil de gestor.” Essa afirmação é uma conhecidíssima
manifestação do senso comum. Sabemos que as competências
necessárias para o exercício da função de gestor são muito
diferentes das exigidas no desempenho das funções burocráti
cas, técnicas ou especializadas. Um profissional promovido ou
nomeado gestor migra do contexto do fazer para o contexto
do criar condições para todos fazerem. Alguns não conseguem
abandonar o conforto do perfil “fazedor”. Uma reação comum
do recém-promovido é demonstrar certo banzo na nova si
tuação, bastante diferente da realidade anterior, em que era
“apenas um técnico”. “Como era confortável a minha função”,
pensa ele. “Tinha domínio das tarefas. As contribuições eram
bastante focadas. Os limites eram claros. A interdependência
era controlada. A responsabilidade extremamente limitada.”
Trabalhava em sintonia com os padrões culturais. O foco era
só em “fazer”. E isso era muito realizador.
Como gestor, o profissional passa a ter de orientar o tra
balho da equipe. Além disso, precisa desenvolver novos valores
como a importância de ouvir as pessoas, convencê-las e ajudá-las
a encontrar sentido nos propósitos trazidos por ele, gestor. Este
precisa também alocar melhor o tempo e trabalhar e ensinar a
trabalhar com prioridades; desenvolver maior visão de conjunto
e focalizar a eficiência dos processos; otimizar as contribuições
e fazer a equipe fazer. Enfim, o gestor precisa desenvolver um
novo modelo mental: o de facilitador.

166
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

E essas complexidades tendem a aumentar confor


me o gestor evolui na carreira. Depois de ser gestor de uma
equipe, vem a complexidade de ser gestor de gestores, o que
vai demandar o desenvolvimento de outra visão de mundo,
outros valores e outras prioridades. E por aí vai. Subir na
hierarquia implicará mudanças de modelo mental a cada
degrau conquistado.
“Hoje, o profissional ‘está gestor’; amanhã ele volta a ser
técnico e passa a se reportar a um ex-subordinado. Por isso são
criados acordos de convivência.” Em alguns setores do serviço
público, essa é outra situação bastante comum, principalmente
em áreas constituídas de quadros de funções muito especiali
zadas, contratadas por concurso e estáveis. Por uma série de
especificidades técnicas, muitas das funções de gestão precisam
ser exercidas por gente do próprio quadro, então, nas mudanças
de governo, buscam-se gestores nos quadros existentes. Assim,
começa a “dança das cadeiras”, alguns grupos perdem poder e
visibilidade e outros ascendem à evidência. Entretanto, faz parte
da cultura nacional buscar a solução dos problemas pela via da
acomodação. Dessa forma, muitas vezes os profissionais fazem
os chamados acordos de convivência. “Eu não faço marola hoje
– não agito o ambiente, mudo regras ou cobro demais –, e você
não fará marola amanhã.” Alguns gestores mais críticos, entre os
que vivenciam essa situação num determinado órgão público,
denominam esse jogo de “pacto da mediocridade”.

OS PAPÉIS COMPLEMENTARES DO GESTOR


Para o gestor conseguir mobilizar pessoas, ele precisa
desenvolver três papéis complementares:

167
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

• De educador.
• De formador de opinião.
• De agente de mudanças.
E os seus exemplos serão a referência para fazer acontecer!
Os vários papéis que o gestor precisa desempenhar e o
desafio de mobilizar pessoas convergem para um objetivo básico:
conseguir que a equipe de colaboradores trabalhe de maneira
dedicada e comprometida.
Cada trabalho tem a sua razão de ser, a sua contribui
ção específica. A razão de ser do serviço público é servir à so-
ciedade. A razão de ser de um gestor é alinhar os esforços e o
trabalho dos servidores nessa direção. Mas a grande queixa da
maioria dos gestores esbarra justamente na questão do com
portamento das pessoas. O propósito de “servir à sociedade” é
prejudicado por questões de atitude.
Do que se queixam os gestores? Queixam-se da falta de
compromisso, da postura individualista e pouco colaborativa.
Queixam-se do desempenho fraco, da preocupação em cumprir
formalidades e se livrar das cobranças. Queixam-se da postura
de “se-servir” do cargo. O gestor queixa-se daquele “se-servidor
público”, que se foca nas suas vantagens, nos seus benefícios, en-
fim, em tudo que possa representar mais ganho e menos esforço.
Tudo isso da maneira correta e legal, graças às regras. Como são
boas as regras estabelecidas por gente que pensa “como nós”!

A RELEVÂNCIA DO COMPORTAMENTO DO
GESTORO gestor tem muito mais influência na saúde de um am

biente de trabalho do que imagina. Ele influi não só na eficiência

168
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

da equipe, mas também no clima motivacional, no entusiasmo


e no compromisso de cada integrante.
James C. Hunter (2004), que escreveu o sucesso de
vendas O monge e o executivo aponta um aspecto crucial da
relevância do gestor, quando comenta em entrevista (VALOR
ECONÔMICO, 2005) que “cerca de dois terços das pessoas
que mudam de emprego saem por causa de seus chefes e não por
problemas na empresa”. Tal afirmação pode ser um tanto exage
rada, é uma força de expressão sem base estatística, mas expressa
um senso comum que se respalda na impressão e na sensibilidade
da maioria das pessoas. Quando esse assunto é discutido em aula,
com grupos de gestores, geralmente a maioria não só valida a
afirmação, como mostra exemplos da sua experiência.
Em 2008, conduzimos um ciclo de workshops chamado
Alinhamento e Compromisso com Mudanças. Em um órgão
público federal, numa determinada etapa dos trabalhos, optamos
por realizar uma pesquisa aberta junto aos servidores e profissio
nais de nível superior de altíssima qualificação, como estratégia
de levantamento de pontos para reflexão que pudessem ser úteis
na formatação dos planos de trabalho e nas agendas de mudança
que gestores e alta direção daquele órgão iriam precisar assumir.
Nesse levantamento, foram ouvidos cerca de 80% dos
servidores da secretaria executiva da mais importante regional
daquele órgão. Os profissionais responderam anonimamente
ao seguinte estímulo: “Em minha opinião, nesta Secretaria, nós
seríamos mais produtivos se...”.
Numa pesquisa aberta, não se dão notas, não se atribuem
graus, nem se assinalam quadrinhos com alternativas. Cada um
responde por livre associação, com as respostas que lhe ocorrem

169
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

no momento. Cada pessoa deveria apontar três respostas para a


questão. Isso reflete o que cada um prioriza e expressa o nível de
preocupação em relação ao assunto, ao problema ou à solução
que entende como relevante. Nesse processo, a tabulação das
respostas é mais difícil. O procedimento da equipe de analistas
foi o de agrupar as respostas dadas por natureza e tema, formando
pequenos agrupamentos temáticos que compuseram áreas-chaves,
numa espécie de guarda-chuva temático.
Para ilustrar o que estamos comentando, analisaremos
a seguir como se apresentaram as respostas à questão-estímulo
mencionada:

Gráfico 1. Percepção dos participantes sobre fatores de


produtividade

Comportamento Diretrizes gerais


do servidor 11% e desenho de
15% processos

Ambiente �ísico 9%
e infraestrutura

3%
Treinamento e
desenvolvimento
5%
Políticas e
bene�ícios

57%
Atitudes e
critérios do
gestor

170
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

De acordo com os resultados registrados no gráfico, os


servidores vislumbraram os caminhos para melhoria da eficiência
e da produtividade da seguinte forma:
Treinamento e desenvolvimento (3%)
Nesse tema, as respostas expressaram a crença de que
com maior qualificação, informação e atualização profissional,
gestores e servidores podem melhorar a sua capacidade de resposta
e, assim, trazer melhorias para a área em que atuam.
Políticas e benefícios (5%)
Aqui as demandas e sugestões falaram de melhoria das
condições de contratação, da possibilidade de se fazer o trabalho
em casa e da ampliação de benefícios ou vantagens como fator
de aumento da satisfação, expressando a crença no trio: maior
satisfação, maior motivação, maior produtividade.
Ambiente físico e infraestrutura (9%)
Nessa categoria, foi expressa a crença de que melhores
condições no ambiente físico e nos equipamentos e recursos
trazem maior rendimento e eficiência. Foram abordadas ques
tões como falta de integração entre sistemas, computadores
obsoletos, layout inadequado, falta de privacidade para a
execução de atividades técnicas e sigilosas que demandam
concentração, falta de acesso a ferramentas (de informática)
mais modernas, mais banheiros, copa mais adequada e cadeiras
mais confortáveis.
Diretrizes gerais e desenho de processos (11%)
Os focos dessa área-chave passaram por regras e decisões
da alta cúpula e extrapolaram os limites da relação entre gestor
e servidor. São demandas e sugestões que vão desde a remo
ção de determinados gestores até a instituição de Avaliação de

171
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Desempenho em 360°, implantação de incentivos meritocráticos,


revisão e simplificação de determinados processos específicos e
mudança de normas e regulamentos.
Comportamento do servidor (15%)
Aqui, na visão dos participantes, a melhoria da eficiência
e a maior produtividade são resultado de uma interessante au-
tocrítica. Falou-se da necessidade de maior dedicação, demons
tração de interesse e espírito colaborativo; de mais empenho na
superação de conflitos e menor preocupação com problemas
de relacionamento interpessoal (percebidos pela maioria com
um expressivo fator de improdutividade e dreno de energia
produtiva). Muitas respostas sugeriram maior entrosamento e
integração e mais disciplina e empenho para o cumprimento de
Acordos de Níveis de Serviço (combinações formais da relação
fornecedor–cliente entre áreas).
Atitudes e critérios do gestor (57%)
A maior incidência de respostas espontâneas dos servido
res se concentrou nessa outra área-chave, que engloba as questões
relacionadas com o comportamento do gestor e a qualidade
da gestão: a maneira como ele conduz a gestão de processos e
pessoas, suas decisões e os critérios que adota para tomá-las. As
respostas dos servidores questionaram a divisão das tarefas; a
distribuição da carga de trabalho; o estabelecimento de prazos;
a maneira como o gestor utiliza as competências ou habilidades
dos integrantes da equipe; sua falta de clareza, de sensibilidade
e de visão de conjunto; a falta de diálogo, de critérios justos e,
finalmente, a falta de competência em gestão.
Como vemos, a afirmação de James C. Hunter é perfei
tamente justificada, ao menos pelo grupo pesquisado no trabalho

172
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

citado. Depoimentos de servidores confirmam que eles muitas


vezes pediram remoção ou transferência por causa das suas difi
culdades em conviver com determinados gestores.
Mas o próprio Hunter faz outra reflexão preciosa ao afirmar
que o bom líder faz o que as pessoas precisam, não o que elas querem.
O gestor educador, por meio de seus exemplos, atitudes
e postura, é o mais eficaz e legítimo disseminador da qualidade
na performance e de atitudes maduras e produtivas. Ele precisa ter
discernimento e perspicácia na maneira como avalia as situações
e toma suas decisões. Há queixas e “queixas”... Há problemas e
“problemas”... Atender aos “caprichos” dos colaboradores cria
um ambiente de “crianças birrentas e mimadas”.
As pessoas são, ao mesmo tempo, causa e solução dos
problemas no ambiente de trabalho. Existe uma máxima em
educação de adultos que diz o seguinte: “Trate as pessoas como
crianças e elas se comportarão como crianças. Trate-as como
adultos responsáveis, e elas se comportarão como adultos res
ponsáveis”. Comportamentos inapropriados, típicos de crianças
mimadas que se recusam a amadurecer, demandam limites ri
gorosos e disciplinadores. Nesse momento, o gestor educador
precisa adotar a ação de um “pai severo”. Para crianças inseguras,
a atitude firme e assertiva dos pais funciona como um referencial
de segurança. A “birra” e o “chororô”, muitas vezes, são apenas
manifestações de medo mal assumido ou insegurança.
A noção de limites também é base para a conduta ética, para
a consistência das relações e para a cidadania, ajudando a harmonizar:
• O que eu quero.
• O que eu posso.
• O que eu devo.

173
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Possuir noção de limites significa:


• Consciência sobre o que quero fazer – porque tenho cla
reza quanto ao sentido e a consistência de minhas aspirações
e desejos, de meus projetos e minha vontade.
• Consciência sobre o que posso fazer – porque está dentro
da minha capacidade ou alçada.
• Consciência sobre o que devo fazer – porque está no meu
contrato de desempenho, nas expectativas do outro e nos
compromissos que assumo.
• Consciência sobre o que devo evitar fazer – porque con
traria leis, regras, regulamentos, princípios éticos e morais,
ou invade o limite do outro.
A noção de limites forma atitudes consequentes, uma
vez que o processo educativo sinaliza que para qualquer ação
existem consequências. Além disso, a noção de limites nos
possibilita administrar com discernimento o que é agradável
versus o que é necessário. Muitas vezes, é preciso saber di
zer não. Inclusive para nós mesmos! E frente a esse quadro
de referenciais e desafios é que se manifestam os discursos
relacionados com as complexidades para se fazer gestão no
serviço público.
Um primeiro argumento, que se configura num clássico
mecanismo de defesa, misto de racionalização e de busca de ate
nuantes compara o contexto do serviço público com o contexto
da iniciativa privada. No imaginário desses gestores, “no setor
privado é que é possível se fazer gestão para valer!”.
Algumas complexidades comumente relatadas na gestão
de pessoas no serviço público:
• O gestor não escolhe a equipe.

174
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

• Pessoas com bom perfil técnico nem sempre apresentam


bom perfil de gestor.
• Hoje, o profissional “está gestor”; amanhã, ele volta a ser
técnico e passa a se reportar a um ex-subordinado. Por isso
são criados acordos de convivência.
• As pessoas são pouco engajadas por terem vínculos tran
sitórios. (Outros projetos são a prioridade.)
• Cultura do privilégio: o bônus sem ônus e o modelo das
ações inconsequentes.
Algumas dessas queixas são muito realistas e exigem
atenção especial ao serem tratadas como pauta do gestor. Outras
queixas exageram o quadro de dificuldades.

OS RISCOS DA CULTURA DO PRIVILÉGIO


A crença de que privilégio é algo legítimo e natural em
posições de poder é algo impregnado na nossa cultura. É uma
crença associada ao poder ou à sorte. A cultura do usufruto
do prazer se sobrepõe à cultura do exercício do dever, o que
artificializa responsabilidades, deturpa atuações e compromete
resultados. As pessoas cultivam uma “ilusão lotérica”: acreditam
que o bafejo da sorte acontecerá e, assim, todos os problemas
serão solucionados.
A mitologia grega poeticamente já falava sobre isso. O
mito da cornucópia fala exatamente desse sonho. Consta que os
chifres da cabra que amamentou Zeus, o deus dos deuses, tinha
o mágico poder de prover a fartura. Da cornucópia jorravam
riquezas, na forma de moedas de ouro ou de iguarias para grandes
banquetes de maneira inesgotável. A cornucópia era administra
da pela deusa da fortuna. Ela andava pelo mundo distribuindo

175
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

aleatoriamente as benesses da cornucópia, mas, por ser cega, não


via a quem dava a fortuna. Bafejava sorte para quem precisava
e também para quem não precisava; para quem merecia e para
quem não merecia. Mas poucos eram os escolhidos pela Fortuna.
Esse é o princípio lotérico. A fortuna pode vir, mas contraria
qualquer dos cálculos mais otimistas de probabilidade.
Entretanto, algumas culturas criam portas de acesso para
a fortuna. A crença de que alguns cargos são mais afortunados
é muito forte. Daí, “quando acessamos uma dessas posições,
devemos mais é usufruir”. Essa é a dinâmica mental que sustenta
a cultura do privilégio.
Uma cultura de privilégios se sustenta sobre compor
tamentos perversos, imaturos e infantis, e se fundamenta em
algumas crenças:
• Do favoritismo: “aos amigos, tudo; aos inimigos, a lei!”.
(“Vou-me embora pra Pasárgada, lá sou amigo do Rei.” –
Manuel Bandeira.)
• Do elitismo: “nós somos pessoas melhores que as outras”.
• Do oportunismo: “temos de tirar vantagens pessoais da
posição ou da situação”.
• Da prepotência: acreditar que dinheiro e influência remo
vem qualquer obstáculo.
• Da corrupção: “todo mundo tem seu preço. E se não se
vendeu é porque não chegaram no preço!”.
• Da impunidade: a ideia de que só pobre vai para a cadeia.
• Da tendenciosidade: qual a versão que vai prevalecer?
Se o panorama é tão irremediavelmente negativo, como
é que o serviço público ainda não entrou em colapso? A resposta
está no contingente de pessoas éticas e comprometidas que fazem

176
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

as coisas funcionarem, apesar da falta de recursos, da falta de


empenho de alguns colegas. Não obstante todas as dificuldades,
existem pessoas decentes, interessadas em dar o seu melhor para
deixar um legado para a sociedade. São gestores e servidores que
fazem acontecer, apesar dos cenários adversos.

ASPECTOS PRÁTICOS DA GESTÃO


DO DESEMPENHO

O CONTRATO DE EXPECTATIVAS
Um ciclo de gestão do desempenho sempre se inicia com
o estabelecimento de um contrato de expectativas. Nele, o gestor
deixa claro o que espera do desempenho do colaborador. Que
resultados são esperados? Por que meios? De que forma? Com
que nível de detalhamento? Com o uso de quais recursos? Com
que apoio? Com que compromisso de prazo, produtividade e
qualidade? É muito mais fácil e mais natural o processo de moni
toramento e cobrança de um profissional que sabe o que se espera
dele. Essas expectativas definem o que e os parâmetros do como
e de quando um conjunto de resultados será construído e devem
ser balizadas por indicadores claros e objetivos. É premissa básica
que o porquê esteja absolutamente claro e assimilado antes do
contrato de expectativas ser estabelecido. É isso que dá garantia
do sentido do compromisso.
Existe uma deformação dos processos informais de ges
tão do desempenho em que o gestor supõe que existe clareza
em relação ao que se espera do colaborador. Trata-se da comum
armadilha do “implícito”. Constar numa descrição de função
ou fazer parte de algum documento formal de nomeação não

177
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

garante clareza de expectativas. A conversa de feedback ocorrerá


quando gestor e colaborador puderem analisar o que conseguiu
ser realizado com base naquele quadro de referências que foi
combinado.
O contrato de expectativas, ou feedforward, é o momento
em que gestor e colaborador combinam como será o próximo
ciclo de desempenho, isto é, definem qual será a pauta da próxima
conversa, na qual farão um balanço sobre o realizado. O foco do
contrato de expectativas deve estar em sugestões e referenciais para
o desempenho futuro. Assim, em tal contrato, os profissionais:
• Definem papéis a serem desempenhados e competências
a serem desenvolvidas.
• Configuram um plano de ação pessoal de acordo com as
recomendações recebidas.
• Parametrizam e configuram os resultados que deverão ser
buscados: quais são as prioridades e como serão atendidas.

A PRÁTICA DO FEEDBACK
A conversa de feedback é um recurso que deve ser utiliza
do durante o processo de acompanhamento e monitoramento do
desempenho das pessoas. De maneira alguma deve se restringir
ao encontro solene, a portas fechadas, que acontece uma vez
por ano, após o preenchimento do formulário de avaliação de
desempenho. Se o gestor acha que a missão de gerir uma equi
pe se resume no cumprimento de uma formalidade como essa,
ele está literalmente perdido. Dar feedback é algo muito mais
natural e integrado às conversas coloquiais sobre as questões do
dia a dia do trabalho. Faz parte de um acompanhamento bem
feito. Em termos práticos, o feedback consiste em um retorno

178
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

de informações construtivas sobre um desempenho percebido,


com base num quadro de referências pré-estabelecido. Portanto,
a base que fundamenta a honestidade de propósitos do feedback
está no fato de que se trata do confronto do desempenho obser
vado com expectativas claramente explicitadas em um quadro
de expectativas claramente pré-estabelecidas.
Muitos gestores consideram o feedback uma crítica ou
admoestação, como se necessariamente fosse uma “bronca” ou
uma forma de pressão dirigida contra quem não trabalha direito.
Esse é mais um clichê que torna difícil, incômoda e desconfortável
a tarefa de dar feedback. Tudo fica mais fácil e mais produtivo para
o gestor se ele tiver a convicção de que essa conversa se trata de
uma preciosa ferramenta para trazer melhorias no desempenho
e crescimento para as pessoas, de que é um momento para pro
porcionar clareza e obter alinhamento de compromissos.
O feedback, além de ser um valioso apoio ao processo de
gestão, tem como finalidade contributiva:
• Mostrar que existe importância. Deixar claro que a pessoa,
assunto ou situação é fundamental e precioso. O feedback
evidencia a relevância do profissional, em que medida ele é
importante num processo de trabalho, revela também porquê
determinadas tarefas sob sua responsabilidade são importantes
e por que há tanta atenção e cuidado para com o trabalho
que ele faz. Sua importância é tanta que merece uma conversa
especial sobre seu desempenho.
• Ampliar a consciência. O feedback deve fornecer infor
mações, mostrar a realidade que permeia a entrega de um
trabalho, apontar inconformidades e possibilitar o redire
cionamento de escolhas por parte do colaborador. Qualquer

179
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

processo de desenvolvimento se inicia no momento da tomada


de consciência. Tornar um problema consciente é o primeiro
passo para que se inicie um processo de solução.
• Dar clareza de expectativas. O feedback deve deixar evidente
o que se espera da pessoa, além de deixar claro que aquilo que
se espera dela se justifica na plena capacidade que ela tem de
executar determinada função. Essa conversa, inclusive, ajuda
a fortalecer a autoestima.
• Fornecer uma diretriz para o desempenho. É a melhor
oportunidade para se dizer o que fazer e como fazer, deter
minando processos, nível de qualidade, prazos, recursos e
tipos de apoio.
• Reforçar um comportamento positivo ou modificar um
comportamento negativo. Esse é um dos principais objetivos
do feedback. Aquilo que está sendo bem executado, o lado bom
de um desempenho, precisa ser ressaltado. É uma questão de
reconhecimento. E as atividades que mostram resultados incom
pletos ou desviantes, precisam ser realinhadas. É o momento
de corrigir. E como diz o filósofo Mário Sérgio Cortella em
suas palestras, “elogie no público, mas corrija no particular”.
• Obter compromisso. O momento final de uma conversa
de feedback deve convergir naturalmente para o estabeleci
mento de um compromisso. O diálogo final entre gestor e
colaborador deve se direcionar para uma pergunta definitiva:
“Combinado?” E para uma resposta afirmativa e enfática:
“Combinado!”.
As armadilhas mais comuns para um gestor estão em algu
mas de suas práticas realizadas no “piloto automático” quando das
relações com os colaboradores e manejo das questões cotidianas.

180
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

Uma das principais armadilhas, também especialmente para


um gestor, é o mau gerenciamento das competências da equipe.
Isso ocorre quando o gestor sobrecarrega aqueles que demonstram
bom desempenho na realização de uma tarefa e são mais confiáveis,
mostrando-se tolerantes para com desempenhos fracos. Quem tem
baixo desempenho e é pouco confiável acaba sendo “premiado”
com “refrescos” de performance, já que o sobrecarregado é o outro.
Essa deturpação é complementada com outra crença
distorcida da gestão. O gestor acredita que precisa julgar as pes
soas que integram a equipe, em vez de julgar o trabalho delas.
A maior dificuldade para se dar feedback é acreditar que se trata
de um julgamento pessoal. Não se trata disso! O gestor analisa
o trabalho realizado e entregue.

O FEEDBACKSEM CRÍTICAS
Se o gestor vai avaliar um trabalho realizado e não a pessoa
que o realizou, então, no processo de feedback, não cabe direcionar
nenhum adjetivo para o colaborador. Qualquer qualificativo que
tenha de ser utilizado deve, sim, aplicar-se ao trabalho em pauta.
Não tem sentido chamar a pessoa de “irresponsável”, “desatenta”,
“pouco caprichosa”, e muito menos usar termos ofensivos. Dizer
o que você realmente pensa de uma pessoa pode, quando muito,
ajudá-lo a desabafar, mas não irá agregar nada de produtivo para
o indivíduo ou a situação. E muito menos irá funcionar como
fator de melhoria. Se o feedback tiver como finalidade conseguir
uma mudança para melhor em um comportamento apresentado,
a crítica, a ofensa ou o xingamento não terão a menor eficácia. A
referência aqui não é a do senso comum sobre crítica como o ato
de falar mal, falar “boas verdades”, apontar defeitos. Referimo-nos

181
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

ao pensamento crítico, fundamental para formular articulações de


conhecimento e dar consistência a avaliações.
O gestor deve usar o raciocínio para avaliar o desempenho
evitando a armadilha de ser contaminado pelo calor dos aconteci
mentos. Outro fator a ser evitado é o efeito halo, que faz com que
tenhamos a tendência a estender um conceito que se tem sobre um
aspecto do desempenho para outros aspectos. O gestor deve ainda
mostrar pensamento crítico para não se envolver com as chantagens
afetivas e outras armadilhas do relacionamento pessoal advindas
de uma eventual proximidade com o colaborador, e, assim, não se
impressionar com as atenuantes. Por exemplo, ter uma boa razão
para a pessoa faltar inúmeras vezes ao trabalho não faz com que ela
esteja presente. Justificativa é uma coisa, o fato observado é outra.
Nesse exemplo, se, de fato, a pessoa esteve ausente, não merece
avaliação como “assídua”. Mas isso também não significa que a
pessoa será taxada de “faltosa” ou “preguiçosa”. Na apreciação sobre
o seu trabalho, será mostrado a ela que, de acordo com o controle
de presenças, ela faltou “X” dias, no período em avaliação. As faltas
podem ter justificativas comoventes, mas ela faltou.
Julgamentos tendem a ser percebidos como acusação,
má-fé ou arrogância, mesmo quando tentamos revesti-los com
simpatia e eufemismos. Julgamentos geralmente são entendidos
como recados negativos e sempre colocam o julgador numa
posição superior à do julgado. Relações profissionais saudáveis
se sustentam em duas premissas básicas. Uma diz que “respeito
e consideração são atitudes indispensáveis”; a outra reforça que
“integridade e honestidade de propósitos são valores fundamen
tais”. E não será com julgamentos pessoais que vamos conseguir
atender às recomendações dessas premissas.

182
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

As necessidades humanas mais básicas e universais são


de segurança e afeto. Todos nós, desde um recém-nascido a
alguém de avançada idade, precisamos nos assegurar de que
nossa sobrevivência está garantida, assim como queremos ter
certeza de sermos amados. As teorias motivacionais baseadas nas
necessidades humanas costumam variar sobre esse tema, mas, no
geral, enfatizam que o que importa para uma pessoa é sentir que
não está ameaçada de destruição (nas mais variadas metáforas
que o ser humano consegue estabelecer para isso), assim como se
sentir querida, seja esse gostar manifestado na forma de carinho
e afeto, seja na forma de aceitação, interesse, respeito, atenção,
consideração ou admiração.
Se refletirmos melhor sobre as consequências das críticas
indevidas, vamos perceber que elas:
• Abalam a autoestima. A pessoa criticada tende a se sentir
incapaz de reverter essa avaliação, além de se sentir desesti
mulada e sem condições para melhorar.
• Costumam gerar bloqueio defensivo. Ao ouvir uma crítica,
a primeira tendência da pessoa é negar. Isso gera um contra
producente jogo de acusação versus negação.
• Drenam a energia e a disposição para agir. Sentir-se cri
ticado faz a pessoa sentir que a relação com aquele que fez
a crítica já está irremediavelmente prejudicada, e que não
vale a pena se empenhar em mudar nada, pois o crítico “está
de má vontade”.
• Incita retaliações. A pessoa criticada pensa consigo mesma:
“Me aguarde. Vai ter volta!”, e passa mais a despender energia
com a possibilidade de revanche do que a direcionar energia
produtiva para melhorar seu desempenho.

183
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

• As críticas são absolutamente inócuas quando as pessoas


“acham que estão certas!”. E também são inúteis quando
pensam que “fizeram de propósito!”.

A EFICÁCIA DO FEEDBACK
Para ter eficácia e cumprir a sua finalidade de mobilizar
um comportamento, o feedback precisa ser:
• Oportuno. O assunto a ser tratado deve ser apropriado
para aquele momento.
O senso de oportunidade cria a necessária moldura de
relevância para se tratar de um assunto. Se a questão é sobre
“tarefas fora do prazo”, por exemplo, será perto da data de
entrega o melhor momento para se tratar da importância
do prazo e quais os motivos dos atrasos. É o momento em
que o gestor consegue fazer uma importante distinção entre
desempenho e circunstância. As atividades em atraso estão
na alçada de decisão e ação do avaliado? Ou decorrem de
outros aspectos do processo? Uma vez confirmada a questão
do desempenho e entendidos os porquês do prazo estipulado,
o colaborador assume um compromisso com o gestor de que,
daí para frente, o prazo será cumprido.
• Focado em fatos. O feedback deve ser descritivo, ou seja, as
inconformidades do trabalho apresentado precisam estar visíveis.
Se o tema do feedback forem os constantes erros de lança
mento de valores numa planilha, por exemplo, a maneira mais
objetiva de se falar do trabalho entregue será mostrando os erros
constatados. A crítica equivocada e improdutiva direcionada
à pessoa seria: “Pô, Pereira, você vive errando os lançamentos
da planilha. Se liga, meu!” Embora esse seja o enunciado do

184
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

discurso da vontade, se o gestor estiver focado na eficácia do


feedback, ele adotará outra tática: “Pereira, eu pedi para fazerem
uma conferência nos valores lançados na planilha que você fez e
constatei alguns erros. Eu marquei em amarelo os números que
não bateram. O que aconteceu?”.
O gestor pode se dar ao trabalho de mostrar as planilhas
anteriores, com os erros assinalados. Se o ditado popular diz que
“contra fatos não há argumentos”, o funcionário em questão terá
de se esforçar muito para justificar cada erro. Para se fazer uma
gestão de desempenho justa, é necessário, o tempo todo, tentar
separar o desempenho da circunstância. Deixar claro e constatado
o que é responsabilidade do colaborador e o que é problema do
processo. Uma boa conversa de feedback consegue evidenciar a
responsabilidade de cada um.
• Específico. O feedback não pode ser genérico.
Não é justo dizer que o “Pereira vive errando”. Essa é uma
generalização típica das relações amorosas, pessoais: “Você vive
esquecendo as datas importantes para nós”. Por mais frequentes
que sejam os erros, o gestor deve ser específico em apontá-los,
planilha a planilha, lançamento a lançamento. As inconfor
midades destacadas em amarelo ajudam a deixar evidentes os
problemas. Como dissemos anteriormente, nada de errado com
o Pereira. Os problemas estão na planilha que o Pereira fez.
• Isento de julgamentos pessoais. O feedback não avalia a
pessoa, mas o trabalho que ela fez.
• Direto. Sem intermediários. O gestor não manda recados,
muito menos manda indiretas por meio de avisos afixados no
quadro. A melhor estratégia sempre será a conversa olho no
olho com o colaborador que precisa ouvir o recado.

185
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

• Natural. Não imposto. Se é oportuno, se faz sentido con


versar sobre o assunto e se o gestor tem todas as bases objetivas
para comentar um trabalho realizado, a conversa irá fluir
naturalmente.
• Direcionado para um comportamento que o receptor possa
modificar. É uma questão de honestidade de propósitos. Não
seria honesto demandarmos algo totalmente fora do alcance
ou das possibilidades de realização do colaborador.

FEEDBACK SOBRE ATITUDES


E quando o assunto do feedback for uma questão comporta
mental? Quando não for uma objetiva planilha pintada de amarelo?
A melhor maneira de se objetivar um feedback sobre
atitudes é mostrar as consequências que tais comportamentos
provocam nos outros, como sentimentos e reações. Às vezes,
temos de chamar a atenção de um colaborador que se mostra
excessivamente agressivo e grosseiro no trato com seus cole
gas de trabalho. Cabe ao gestor mostrar que tipo de reflexos
esse comportamento está provocando. Não é admissível, em
nome da boa educação, que colegas se destratem no ambiente
de trabalho. Nesse sentido, o feedback é também o momento
adequado para se deixar claro que chamar a atenção de alguém
é prerrogativa do gestor. Os referenciais para esse feedback são
os princípios éticos, a boa educação, o respeito e a consideração
para com os outros.
Um feedback eficaz tem impactos extremamente cons
trutivos, que vão não apenas melhorar o desempenho em si, mas
também ajudarão a fortalecer uma relação de confiança entre gestor
e colaborador, e trará reflexos positivos no ambiente de trabalho.

186
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

O feedback eficaz é produtivo porque:


• Alerta e estimula.
• Proporciona autoconfiança.
• Incentiva a atitude responsável.
• Aprimora o desempenho.
• Sinaliza consequências.
Se a conversa de feedback serviu para delinear um novo
contrato de expectativas, é muito natural que também tenha
deixado claras quais podem ser as consequências de não se
cumprir o combinado.

OS RISCOS DO PERSONALISMO NA GESTÃO


É comum utilizar-se o termo “personalismo” em opo
sição a “profissionalismo”. Uma cultura personalista sugere que
aspectos mais subjetivos preponderam sobre os objetivos. Diz-se
que, em matéria de comportamento humano, é difícil separar
objetividade de subjetividade. Vamos refletir um pouco sobre o
que seria uma gestão personalista.
Personalista é a pessoa que se julga mais importante do
que a sua obra; acha-se mais significativa do que a sua capacida
de de contribuir. E contribuir significa deixar um legado. Seja
esse legado material, de conhecimento, no plano das ideias, nas
artes, nas conquistas esportivas ou em qualquer outra esfera das
atividades humanas. O personalista se arroga uma relevância
grandiosa, fantasiosa e artificial. A isso se costuma dar o nome
de arrogância.
Pessoas arrogantes tendem a não ouvir as outras pessoas,
ignorando-as, e até acham graça do que os outros têm a dizer,
afinal o arrogante já sabe tudo. Esses indivíduos gostam de se

187
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

exibir. Apegados a símbolos de poder, valorizam muito tudo


aquilo que representa ter, para compensar o que não conseguem
ser. Além disso, tendem a intimidar os outros e acreditam que a
censura ou a repreensão são as melhores maneiras de contornar
contrariedades. Arrogantes reclamam, ameaçam, falam alto. Eles
costumam se considerar superiores, violam regras e procedimen
tos por se acharem um “caso de exceção”. O arrogante se sente
especial e não se conforma em receber um tratamento comum.
Pessoas personalistas e arrogantes buscam concordância.
Assim, ideias, propostas e conclusões de especialistas que possam
contrariar a sua expectativa são rechaçadas, deixadas de lado e,
até mesmo, ocultadas dos demais. Se a tese que defendem não
for apoiada por especialistas, que se danem os especialistas! Os
arrogantes ancoram-se em preconceitos.
Na gestão, o personalismo traz sérios riscos. O perso
nalismo paternalista tende a gerar atitudes dependentes, pouco
questionadoras, de baixo nível de crítica e muita insegurança, o
que resulta em inibição das iniciativas, excessivo foco na rotina
e preocupação em cumprir formalidades. Ficar “de bem” com
os chefes é mais importante do que dar resultado.
O personalismo autoritário, além de potencializar as defor
mações já comentadas, infantiliza a relação profissional. O temor
reverencial gera um ambiente de ocultação de problemas, tolhe
qualquer possibilidade de manifestação proativa de prevenção de
dificuldades e de sugestões para a melhoria de processos. As pessoas
não externam o que pensam e sentem. Elas torcem para o gestor
personalista “se dar mal”. Em vez de cultivarem atitudes positivas,
manifestam uma reação infantil, mobilizada por um sentimento
de vingança que está enraizado numa relação de medo.

188
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

Algumas pessoas se identificam e se deixam seduzir pelos


encantos das figuras personalistas. Geralmente são os inseguros,
os infantilizados e aqueles com baixa autoestima. Os oportunis
tas, bajuladores e interessados nas vantagens da proximidade do
poder também se beneficiam dos gestores personalistas.
Uma cultura de gestão pautada por profissionalismo
pressupõe lealdade a princípios. Pressupõe alinhamento com
um projeto baseado em um propósito claro e que faz sentido,
orientado por objetivos e pautado por valores.
Na “ética da gestão”, a cobrança de lealdade pessoal não
é um valor aceitável. Os colaboradores devem ser leais àquilo que
o gestor representa como princípios e como valores. Lealdade
pessoal, no absoluto, enseja a possibilidade de cumplicidade
naquilo que não é tão honesto ou moral.
Gestores que representam valores duvidosos não carecem
de lealdade. Deviam ser removidos do seu cargo.

A BUSCA DO SENTIDO

O gestor público tem a ilusão de que, no setor privado,


os gestores têm total liberdade para formar suas equipes do
jeito que bem entenderem. Não é assim. Modelos mais pro
fissionalizados de gestão tendem a, cada vez mais, direcionar
as decisões sobre contratação, promoção e remanejamento
de profissionais a consensos colegiados, para que, assim, pre
valeçam abordagens mais objetivas, sintonizadas com com
petências, indicadores de desempenho e adaptação à cultura
organizacional, em detrimento de decisões individualistas. Faz
parte do desafio da liderança envolver e mobilizar as pessoas

189
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

que integram a equipe, e não, necessariamente, trabalhar com


um grupo de apaniguados.
No setor público, a queixa geralmente se fundamenta
nas inevitáveis formulações relacionadas com vínculos político
-partidários. Um novo governo assume, na democrática situação
de alternância no poder, e vira um problema trabalhar com
“eles”. Esse “eles” geralmente vem acompanhado de uma série
de qualificativos, do tipo: acomodados, pouco comprometidos,
desinteressados, que privilegiam uma agenda de interesses pes
soais, cumprem formalidades e mostram muito rigor para cobrar
e fazer valer direitos e privilégios.
Gestores dedicados querem trabalhar com pessoas com
prometidas. Mas talvez não esteja na possibilidade da livre escolha
dos integrantes de uma equipe a garantia de se conseguir uma
equipe de engajados. As pessoas se engajam quando faz sentido.
O sentido que elas mesmas encontram nos propósitos que se apre
sentam a elas. Sentido pode ter a conotação de direção, de rumo:
“sabemos aonde isso vai nos levar”. Sentido pode ter a conotação
de significado, nexo: “sei o que isso quer dizer”; neste último
significado, pode proporcionar mais autonomia, simplificação do
trabalho e economia de tempo. E sentido (o particípio do verbo
sentir) pode ter a conotação de sentimento experimentado: “isso já
foi sentido antes e eu achei bom”. Se encontram sentido, as pessoas
se engajam! O grande desafio do gestor é atuar como uma espécie
de facilitador nesse processo de busca de sentido.
O gestor tem a árdua tarefa de ajudar as pessoas a encon
trarem sentido na dedicação e no compromisso e de inspirar as
pessoas a serem consequentes. Todos têm liberdade para fazer o
que quiserem, desde que arquem, de maneira responsável, com

190
PRESSÕES CULTURAIS E COMPORTAMENTAIS NA
GESTÃO DE PESSOAS NO SETOR PÚBLICO

as consequências. Recursos são escassos e as necessidades são


ilimitadas. Fazer gestão significa estabelecer prioridades!
Sabemos que há um grande número de profissionais,
gestores e servidores, que são movidos por idealismo e que ten
tam construir algo de contributivo para a sociedade, apesar das
dificuldades e das adversidades que encontram. O trabalho destes,
no entanto, muitas vezes pouco aparece para a população, porque
perde visibilidade para os antiexemplos que demonstram desin
teresse, oportunismo, corrupção e safadeza. Antiexemplos que
povoam a mídia e os comentários críticos do público em geral.
É importante lembrar que pessoas éticas, preocupadas
e interessadas apenas gostariam de fazer bem o trabalho delas;
gostariam que o seu melhor pudesse se tornar um legado. Para
os grandes profissionais, é o legado que faz sentido.
E só no dicionário sucesso vem antes de trabalho!1

BIBLIOGRAFIA

BUARQUE DE HOLANDA, S. Raízes do Brasil. São


Paulo: Companhia das Letras, 2008.
CHARAN, R.; DROTTER, S.; NOEL, J. Pipeline de
liderança: o desenvolvimento de líderes como diferencial com
petitivo. Rio de Janeiro: Elsevier – Campus, 2009.
FERREIRA, A. B. H. Dicionário Aurélio Online.
Curitiba: Positivo, 2008-2014. Disponível em: <http://www.
dicionariodoaurelio.com/>. Acesso em: mar. 2014.
FURTADO, C. Formação econômica do Brasil. 34.
ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

1 Frase atribuída – sem comprovação – a Albert Einstein.

191
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

GRIMAL, P. Dicionário da mitologia gregae romana.


São Paulo: Bertrand Brasil, 2005.
HUNTER, J. C. O monge e o executivo – uma história
sobre a essência da liderança. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.
MORIN, E. Complexidade e liberdade. RevistaTHOT,
São Paulo, n. 67, p. 12-19, 1998.
PRADO JUNIOR, C. História econômica do Brasil.
São Paulo: Brasiliense, 2006.
SAMPAIO SILVA, M. C. Crise, trabalho e saúde men
tal no Brasil – crise social e cultura em transição. São Paulo:
Traço, 1986.
SODRÉ DÓRIA, C. (Madre Cristina). Psicologia do
ajustamento neurótico. Rio de Janeiro: Vozes, 1974.
TORQUATO, G. Radiografia do Brasil: o que somos e
para onde vamos? In: XXV FÓRUM DO GERH – Grupo de
Estudos em Recursos Humanos, Itu, 30 set. 2005.
VALOR ECONÔMICO. São Paulo. 18 ago. 2005.
Caderno Eu&Investimentos.

192
CAPÍTULO 7
Gestão do desempenho no setor público:
dificuldades e alternativas de solução

ADEMAR ORSI
Doutor em Administração pela Universidade
de São Paulo – USP. Sócio da Cedro Pesquisa,
Ensino e Consultoria. Professor da Fundação
Instituto de Administração – FIA, da
Universidade Anhembi Morumbi – UAM e
da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

CASSIANO MACHADO SILVA


Mestre em Administração de Empresas pela
Faculdade de Economia, Administração e
Contabilidade – FEA-USP. Sócio da Growth
Desenvolvimento de Pessoas e Organizações,
empresa de consultoria em gestão estratégica de
pessoas. Docente em cursos de pós-graduação
da Fundação Instituto de Administração – FIA.
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

Os sistemas formais de avaliação do desempenho não são


inúteis nem prejudiciais, segundo alguns críticos concluíram,
como também não são panaceia conforme muitos adminis
tradores desejariam que fossem. Um sistema formal de ava
liação é, no mínimo, uma tentativa recomendável de tornar
visível um conjunto de atividades organizacionais essenciais.
(HESKETH 1978, apud GRILLO, 1982, p. 30-31)

INTRODUÇÃO

O objetivo deste capítulo é contribuir para o debate


sobre as dificuldades de se valorizar e estimular uma “cultura do
mérito” na gestão pública brasileira, com foco na identificação
de manifestações de tais dificuldades nos processos de gestão de
desempenho e em como elas podem ser tratadas.
A identificação desses fatores dificultadores pode ajudar
gestores e funcionários públicos a enfrentarem seu contexto de
forma mais completa e abrangente, utilizando os instrumentos
de gestão de desempenho com consciência das eventuais limi
tações e restrições do “mundo real”. Inicialmente, abordaremos
alguns aspectos centrais da gestão de desempenho: conceitos
básicos e propósitos; histórico; erros e dificuldades mais comuns;
e dimensões (ou tipos) de avaliação de desempenho individual.

195
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Em seguida, serão abordados os fatores do contexto que


afetam a aplicação dos instrumentos de gestão de desempenho,
com ênfase em algumas especificidades do setor público. Além
desses fatores, também será discutido o conceito de meritocracia
e como ele pode estar ligado à gestão do desempenho.
Nas considerações finais, serão propostas algumas abor
dagens alternativas para lidar com as dificuldades da gestão
do desempenho no setor público, com o propósito de inspirar
gestores e funcionários públicos a tratarem essa questão de
forma mais efetiva.

GESTÃO DE DESEMPENHO –
ASPECTOS CENTRAIS

CONCEITOS BÁSICOS E PROPÓSITOS DA GESTÃO


DE DESEMPENHO
Vários autores conceituam a gestão de desempenho de
forma semelhante, às vezes enfatizando mais a avaliação em si
do que outros passos importantes do processo. Por exemplo,
para Latham e Wexley (1994), a avaliação de desempenho é
um instrumento que visa mensurar e verificar a adequação dos
funcionários aos objetivos da empresa, bem como às demandas
do trabalho, de modo a contribuir para a melhoria integral
e contínua do desempenho e produtividade das pessoas na
organização.
A gestão de desempenho pode ser resumida, no nosso
entender, como o processo de administrar expectativas sobre a
atuação e/ou resultados da organização, de suas unidades cons
tituintes e dos indivíduos. Esse processo estrutura formas para

196
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

identificar e eliminar as lacunas entre o desempenho atual e o


pretendido, por intermédio da avaliação da situação encontra
da, do planejamento das ações para atingir as expectativas e do
acompanhamento do funcionário na realização do planejado
por meio de feedback constante.
A avaliação é mais do que uma formalização do pro
cesso; ela é parte importante do sistema de gestão do desem
penho, uma vez que este é altamente interconectado com as
demais dimensões da gestão de pessoas (HIPÓLITO; REIS,
2002). Em outras palavras, costumam estar associados aos
resultados das avaliações de desempenho, além do propósito
intrínseco de identificar e eliminar lacunas: identificar ne-
cessidades e ações de treinamento e desenvolvimento; apoiar
decisões de reconhecimento/remuneração; apoiar decisões de
carreira e sucessão; auxiliar em processos de recrutamento e
seleção internos; servir de documentação que justifique des
ligamentos; entre outros.
A relevância do sistema de avaliação de pessoas na orga
nização ultrapassa os limites da área de gestão de pessoas, pois
exige uma divisão de papéis e responsabilidades. Dessa forma,
ainda que a área de gestão de pessoas seja responsável pelo
gerenciamento e apoio ao processo de avaliação, os principais
incumbidos dessa tarefa são o avaliador e o avaliado (HIPÓ
LITO; REIS, 2002). Ressalta-se, portanto, que a gestão de
desempenho deve ser um processo de gerenciamento e ajustes
de expectativas, não se restringindo à avaliação como um passo
final, conforme indica a figura 1.

197
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Figura 1. Ciclo de gestão do desempenho

1) Estabelecer
expectativas e plano
de ação

3) Autoavaliação e avaliação formal. 1) O que deve ser


Apurar os resultados e avaliar a forma alcançado? Discutir
como foram alcançados. Avaliar o prioridades e expectativas.
Obter comprometimento
desempenho em relação à área, aos
pares e à organização. Ações de individual ecoletivo.
desenvolvimento (PDI) e carreira. PAPEL DA
Construção do termo de compromis LIDERANÇA
Retomar passo de
so de melhoria 1. desempenho.

2) Acompanhar
3) Avaliar
e orientar

2) Feedback do desempenho e
evidências. Verificar se os
objetivos/expectativas precisam
ser ajustados ou substituídos.
Compromisso de melhoria do
desempenho.

Fonte: Adaptado de Latham e Wexley (1994).

Muller (2003), ao destacar a importância do feedback


contínuo, enfatiza que um processo de gestão do desempenho
sem feedback é inútil porque se despende esforço para fazer
a medição, mas não se dá à pessoa que realizou a atividade a
oportunidade de melhorar. Assim, é importante que o assunto
desempenho seja tratado como um ciclo, que se inicia com o
estabelecimento inicial de expectativas, que contemple acompa
nhamento e orientação e, por fim, que tenha a avaliação como
um instrumento para se estabelecerem novas expectativas.

198
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

HISTÓRICO DA AVALIAÇÃO DE DESEMPENHO


INDIVIDUAL
Em sua origem, a gestão de desempenho se limitava à
avaliação do cumprimento dos deveres, atividades e tarefas de
um cargo ou da conduta nas relações de trabalho, abordando
aspectos como assiduidade, pontualidade e obediência. As bases
históricas da prática de avaliação de pessoas estão na adminis
tração científica, na qual a avaliação era usada como forma de
controle e disciplina do desempenho do funcionário e era voltada,
principalmente, ao contexto da produtividade ligada à teoria de
tempos e movimentos (BRANDÃO; GUIMARÃES, 2001). No
entanto, com o processo evolutivo das próprias teorias da admi
nistração, a avaliação de pessoas também progrediu, adquirindo
um peso maior para o desenvolvimento de pessoas, pretensão de
conexão com o desempenho organizacional e maior interatividade
entre avaliadores e avaliados (HIPÓLITO; REIS, 2002).
Desde as primeiras experiências até hoje, a prática da
avaliação de desempenho recebeu contribuições de diversos es-
tudos nos campos de comportamento e gestão. Hipólito e Reis
(2002) destacam as mais relevantes:
• Da psicologia cognitiva e de teorias de motivação: essas
teorias, principalmente a teoria de fixação de objetivos, desta
caram que, para promover melhor desempenho, são necessários
objetivos claramente definidos, específicos e desafiadores, bem
como feedbacks constantes (LATHAM; YUKL, 1975); a teoria
das expectativas também reforça que o desempenho em uma
atividade vai ser influenciado pela expectativa de efetividade
no alcance de objetivos e pela expectativa de que benefícios
possam ser alcançados com tal desempenho (VROOM, 1964).

199
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

• Da psicologia comportamental: essa corrente psicológica


argumentou que comportamentos desejados pela organiza
ção devam ser vinculados a resultados positivos como forma
de estimulá-los, desde que essa relação seja mensurável e
observável.
• Da administração por objetivos (APO): a APO ressalta
a importância de que objetivos e metas sejam previamente
negociados e regularmente acompanhados de modo a facilitar
seu alcance.
• Do desenvolvimento organizacional (DO): as ações
de DO reforçaram a necessidade de troca de feedbacks de
diferentes fontes como um novo instrumento para promo
ver mudanças comportamentais por meio das dinâmicas
dos grupos.
Como fruto dessa evolução, houve a intensificação da
avaliação de pessoas nas décadas de 1960 e 1970. No entanto, o
final dos anos 1980 foi marcado por muitas críticas, que podem
ser resumidas em quatro pontos, conforme se observa nos estudos
de Vicere e Fulmer (1998) e de Hipólito e Reis (2002):
I. A avaliação acaba por atribuir às pessoas problemas que
muitas vezes são gerados por falhas do próprio sistema, e não
frutos de variações individuais de desempenho.
II. As avaliações adquirem, em algumas situações, caráter
burocrático e pouco prático.
III. Pode haver interferências decorrentes de distorções per
ceptivas de avaliadores e avaliados.
IV. Diversas dimensões de avaliação podem não ser conside
radas ou pode ocorrer a sua “mistura” em apenas uma única
ferramenta de avaliação.

200
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

As justificativas para essas críticas têm suas raízes na


lógica hierárquico-funcional em que o processo de avaliação
foi concebido, no qual a principal referência de avaliação era o
cargo. A situação se modifica com o ambiente organizacional
cada vez mais voltado para relações multidirecionais e hierarquias
menos rígidas e evidentes. Nesse novo contexto, a referência
para a realização da estratégia organizacional não são os cargos,
mas os indivíduos e seus recursos e competências (HIPÓLITO;
REIS, 2002).
Ao final dos anos 1990, houve o reaquecimento do tema
em razão da preocupação em diferenciar as avaliações e suas con
sequências baseando-se nos objetivos e na natureza envolvidos
em cada caso (VICERE; FULMER, 1998), além da disponibi
lidade de meios ágeis de acesso aos instrumentos de avaliação e
ao controle e do armazenamento e organização das informações
geradas, facilitando a gestão do processo e o planejamento de
ações fundamentadas.
O reaquecimento do tema e as facilidades dos meios e
sistemas informatizados não eliminaram, porém, os problemas
e dificuldades inerentes à gestão de desempenho, tema discutido
a seguir.

ERROS MAIS COMUNS NA GESTÃO DE


DESEMPENHO E SOLUÇÕES POSSÍVEIS
Na literatura sobre a gestão de desempenho, é frequente
a discussão sobre os erros típicos de avaliação que podem se
manifestar, independentemente de a organização ser pública ou
privada. Também são recorrentes algumas sugestões para mini
mizar esses problemas e melhorar a efetividade do processo. Por

201
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

exemplo, Dessler (2000) e Bohlander, Snell e Sherman (2003)


apontam alguns erros comuns:
• Padrões não claros – os fatores de avaliação não são su-
ficientemente descritos de forma observável e/ou objetiva.
• Efeito halo e horn – o efeito halo ocorre quando uma ca
racterística ou uma impressão geral positiva sobre um avaliado
impacta na avaliação de características específicas e diferentes
da impressão geral. O lado oposto do efeito halo é o efeito
horn, em que uma impressão geral negativa acaba por afetar
itens específicos não relacionados.
• Distribuição – o avaliador adota uma das seguintes posi
ções: tendência central, pela qual evita usar os extremos da
escala de avaliação; complacência ou superavaliação, quando
utiliza apenas os pontos mais altos da escala; ou excesso de
exigência, o oposto da complacência.
• Tempo – imediatismo: o avaliador usa apenas os fatos mais
recentes como base para a avaliação, e não todo o período;
primeira impressão: envolve a não observância da evolução
do profissional ao longo de todo o período avaliado.
• Semelhança – o avaliador se identifica com alguma caracte
rística biográfica, curricular ou outra qualquer do profissional
e, por isso, este acaba por ser mais bem avaliado. Pode ocorrer
ainda de as relações pessoais positivas com algum subordinado
elevarem sua nota.
• Estereótipos e vieses – características como idade, etnia e
gênero afetam mais a nota de avaliação do que o desempenho
real, ou seja, do que fatores como atuação e resultados.
• Foco excessivo no número ou nota e não na pessoa ou
conceito – o avaliador acaba por utilizar erroneamente os

202
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

conceitos de avaliação, atribuindo notas diretamente sem


embasar a aplicação da escala no acompanhamento feito e
nos fatos e dados acumulados.
Podem ser listados, ainda, mais dois erros comuns:
• Fadiga/rotina – propensão a não prestar muita atenção
ao processo de avaliação quando se tem de avaliar muitos
funcionários em curto espaço de tempo. Essa situação pode
distorcer consideravelmente a avaliação. Uma forma de evitar
tal erro é procurar planejar o processo de forma a concentrar
-se num pequeno número de funcionários de cada vez, além
de destacar a importância dos demais passos da gestão de
desempenho (contratação de expectativas e monitoramento
regular do desempenho).
• Incompreensão do significado dos fatores – apreciação
de qualidades diversas das desejadas por incompreensão ou
distorção do conceito que define determinado fator de ava
liação. Esse erro pode ser corrigido por meio de testes prévios
do entendimento dos significados de cada fator de avaliação
quando da elaboração do instrumento e pela realização de
esforços de formação dos avaliadores que inclua interpretação
e discussão de cada fator.
No entanto, mais do que problemas de instrumento ou
método, os pontos relatados em estudo de Longenecker e Goff
(1990) dizem respeito a como os gestores e avaliados realizam o
processo. Nesse estudo, realizado em uma grande empresa ameri
cana, a questão principal era: “por que a avaliação de desempenho
ainda falha?”. Interessante notar que os resultados variaram entre
avaliadores e avaliados, e os cinco problemas de cada grupo que
se mostraram mais presentes foram esquematizados no quadro 1:

203
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Quadro 1. Problemas mais presentes nas avaliações

Para os avaliadores Para os avaliados


1. Falta de informação sobre o 1. Processo não levado a sério pelo
desempenho real do avaliado. gerente.

avaliado.negativa ou defensiva 2. Falta de clareza quanto aos


2. Atitude
do
padrões para julgar o desempenho.

para
3. Não dedicar tempo suficiente 3. Falta de conhecimento do
a preparação.
gerente sobre o desempenho real
do avaliado.

4. Desonestidade para com o 4. Falta de acompanhamento e


subordinado.
feedback frequentes.

5. Faltapara
padrões de julgar
clareza quanto aos 5. Ausência de honestidade/
o desempenho.
sinceridade por parte do gerente.

Fonte: Baseado em Longenecker e Goff (1990).

Longenecker e Goff (1990) também resumiram algumas


dicas de como os gerentes e a área de recursos humanos (RH)
podem evitar esses erros (quadro 2).
Dessler (2000) também discute formas para minimizar os
impactos dos erros de avaliação. A primeira sugestão é entender bem
os problemas e diagnosticar quais deles de fato ocorrem na organi
zação. O segundo é escolher o método correto, dadas as finalidades
e objetivos. Um terceiro ponto é o treinamento para evitar os erros.
E o último é manter alguma forma de registro regular, que promova
um real acompanhamento do desempenho e das expectativas.

204
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

Quadro 2. Formas de evitar os erros na gestão do desempenho

Para a área de RH, Já para os gestores,


os autores enumeram: os autores sugerem:
• O formulário é importante, • Levar o processo a sério,
mas é apenas parte do processo. para evitar problemas como
É um erro crer que existe a perda de credibilidade e
formulário ideal. de confiança da equipe em
• O exemplo da alta relação ao avaliador.
administração é fundamental. • Reservar tempo para
• O treinamento deve enfocar comunicar e reforçar
tanto a habilidade (o como expectativas.
fazer) quanto a atitude (é • Conduzir pequenas
positivo e importante fazer) avaliações regulares.
e deve estar conectado ao • Reservar tempo para
desenvolvimento gerencial, a avaliação e feedback
não a algo episódico. Assim, (registros, preparação).
o treinamento deve preceder • Não omitir fatos relevantes
o processo formal de avaliação. com a intenção de evitar
• É recomendável a existência conflito: pesquisas indicam
de autoavaliação, para que que as pessoas querem saber
o avaliado de fato participe, a verdade.
facilitando o entendimento • Em uma conversa entre as
de que as ações decorrentes partes, enfocar a melhoria e
da avaliação são importantes e o desenvolvimento.
positivas para seu desempenho. • Separar decisões absolutas
• É importante manter claras as das comparativas.
consequências e o que as partes
ganham com esse processo.
Fonte: Baseado em Longenecker e Goff (1990).

Muitas das dificuldades com os sistemas de avaliação


têm sido relatadas como consequência de instrumentos ou

205
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

políticas padronizados e centralização dos procedimentos, falta


de participação do avaliado no processo avaliativo, despreparo
dos gestores para lidar com avaliação e transitoriedade das che
fias e, principalmente, pela associação direta entre avaliação e
promoção funcional (OLIVEIRA-CASTRO et al., 1996). Com
relação a esse último aspecto, Jawahar e Williams (1997), com
base em revisão bibliográfica de outros 22 estudos, apontam que,
quando a finalidade da avaliação é apenas o desenvolvimento e
melhoria, as notas atribuídas costumam ser significativamente
menores do que quando as finalidades são “administrativas”, tais
como subsidiar aumentos por mérito e promoções.
Outro aspecto evidenciado por Oliveira-Castro et al.
(1996) é o da utilização de instrumentos baseados unicamente
em traços de personalidade, como iniciativa, urbanidade etc., os
quais seriam, segundo as autoras, mais suscetíveis a erros de ava
liação do que fatores relativos à produtividade ou à qualidade do
trabalho. Essas autoras defendem que os fatores de avaliação devem
ser claramente definidos e os instrumentos devem exemplificar
ações observáveis, de maneira que possam servir como indicadores
de desempenho e referenciais seguros para atribuição de escores.
Portanto, cabe reforçar a importância do uso adequado
das ferramentas e dimensões de avaliação e os cuidados com as
finalidades atribuídas a cada uma delas como um dos aspectos
iniciais a ser observado, o que será destacado no próximo item.

DIMENSÕES DE AVALIAÇÃO
Hipólito e Reis (2002) alertam que não existem soluções
únicas nem respostas definitivas quando o assunto é avaliação, e
que o resgate de processos formais de avaliação nas organizações

206
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

reflete uma busca por instrumentos alinhados às suas caracterís


ticas, cultura e necessidades.
Um dos pontos importantes a se considerar é a utiliza
ção de algumas ferramentas de avaliação, cada qual muito bem
definida quanto ao foco e aos resultados pretendidos, de modo
a evitar confusões quanto ao conteúdo e uso dos resultados.
Os autores mencionados propõem uma estrutura com quatro
dimensões de avaliação de desempenho possíveis: avaliação do
desenvolvimento profissional, análise de potencial, análise com
portamental e avaliação de resultados.
As três primeiras dimensões têm natureza predominan
temente qualitativa, enquanto que a avaliação de resultados
é fundamentalmente quantitativa. As avaliações qualitativas
costumam se referir a como o resultado é atingido – e acabam
por afetar o nível de desafio que é colocado para cada profissio
nal conforme seu patamar de desenvolvimento e capacidade de
abstração –, já a avaliação quantitativa costuma enfocar o que é
atingido e qual o resultado obtido.
As três dimensões qualitativas apontadas por Hipólito e
Reis (2002) são resumidas a seguir:
• A avaliação do desenvolvimento profissional observa o
grau de desenvolvimento e maturidade do indivíduo como
subsídio a distribuição de responsabilidades, definição de
ações de capacitação e movimentações salariais e de carreira.
• A avaliação de potencial procura predizer a adequação futura
do profissional a determinada situação ou objetivo de traba
lho. Portanto, ela não se trata exatamente de uma gestão de
desempenho no presente, mas sim de uma tentativa de prever o
desempenho futuro, normalmente em outra posição e/ou cargo.

207
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

• A análise comportamental se propõe a promover auto


conhecimento e contribuir para a identificação de pontos
fortes e oportunidades de melhoria em aspectos considerados
críticos para a empresa, relacionados aos seus valores, missão
e objetivos. Segundo os autores, essa dimensão é a que pode
ser objeto de uma avaliação 360°, ou avaliação de múltiplas
fontes, aquela em que se fornece ao indivíduo pareceres de
outros profissionais, por vários ângulos: chefia direta, colegas,
subordinados, clientes e outros.
Nos três tipos de avaliações qualitativas, é cada vez mais
comum, nas organizações públicas e privadas, o uso do conceito
de competências como estruturador dos conteúdos das avaliações.
As competências, quando descritas em padrões crescentes
de complexidade (DUTRA, 2001), permitem a construção de
instrumentos de mensuração do desenvolvimento profissional,
a primeira dimensão apontada por Hipólito e Reis (2002).
Na avaliação de potencial, as competências definidas no
perfil das posições para as quais se tenta prever o desempenho
futuro se constituem em referência fundamental para a compa
ração com os resultados das mais variadas ferramentas de análise
de potencial e perfil psicológico. Ainda, as competências também
podem ser observadas por meio de indicadores comportamentais
e serem utilizadas na terceira dimensão qualitativa apontada por
Hipólito e Reis (2002).
Mas, o que se entende, afinal, por competência? Para
Dutra (2002, p. 22), “atualmente, os autores procuram pensar
a competência de a somatória de duas linhas, podendo ser vista
como a capacidade de ‘entrega’ da pessoa e, também, como o
conjunto de qualificações que a pessoa possui para entregar”.

208
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

A capacidade de entrega é análoga à competência de mobilização


do repertório de conhecimentos e habilidades de uma pessoa
frente ao seu contexto de trabalho, enquanto que o conjunto de
qualificações refere-se à competência como um repertório que,
se mobilizado, auxilia no alcance do desempenho.
Ao discutir a formação de competência, Le Boterf (1994,
p. 275) argumenta que ela não é um estado ou um conhecimento
que se tem e nem é resultado de treinamento. Competência é,
na verdade, colocar em prática o que se sabe em determinado
contexto marcado por diversos fatores, como relações de tra
balho, cultura organizacional, estrutura de trabalho e recursos
disponíveis. A competência do indivíduo, portanto, se situa na
intersecção de eixos formados pela pessoa (sua biografia, socia
lização), por sua formação (educacional e profissional) e pela or
ganização do trabalho. Assim, quanto maior for essa intersecção,
ou seja, o ajustamento desse tripé, maior será a competência e,
consequentemente, o desempenho.
Na dimensão quantitativa apontada por Hipólito e
Reis (2002), encontra-se a avaliação de resultados. Esse tipo de
avaliação se origina na administração por objetivos (APO)
estabelecida ainda na década de 1950 por Peter Drucker. No
campo da administração, Drucker foi um dos pioneiros na dis
cussão de que uma empresa deveria ter estratégia, missão, visão
e objetivos organizacionais que a impulsionassem a mudar e
melhorar para ser mais competitiva.
Considera-se que, segundo Robbins (1999, p. 130),
“nenhuma apresentação dos conceitos básicos de administração
estaria completa sem uma discussão da APO”. Para esse mesmo
autor, o que torna aAPO atrativa para as empresas é seu foco em

209
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

desdobrar objetivos organizacionais gerais em objetivos especí


ficos para unidades organizacionais e membros individuais. Em
outras palavras, a APO operacionaliza o conceito de objetivos
por meio de um processo em que objetivos gerais são desdobra
dos e traduzidos em objetivos e ações específicos para cada nível
subsequente. O resultado é uma hierarquia que liga os objetivos
e contribuições esperadas entre os diversos níveis organizacionais
da empresa, até chegar ao nível do indivíduo.
Assim sendo, a avaliação de resultados é realizada por
meio da definição e acompanhamento do cumprimento de metas
pré-definidas para determinado período. Para o alcance das metas,
devem ser definidas e executadas ações que levem à melhoria.
Tais ações podem ser estabelecidas no âmbito da organização,
área, equipe e, em alguns casos, chegar ao nível individual, de
pendendo, para isso, de algumas pré-condições como: a existência
de uma cultura organizacional favorável; a possibilidade de se
acompanhar a interferência individual no cumprimento das
metas, o que é mais difícil em algumas posições e/ou setores
de atuação; e, normalmente, a disponibilidade de um período
suficiente para a maturação dessa prática na organização.
Em especial, a avaliação de resultados propõe uma conexão
articulada entre os objetivos empresariais ou institucionais e os objeti
vos de áreas e indivíduos. Por isso, a avaliação de resultados, ressalta
-se, nada mais é do que a expressão da APO no nível individual.
Em linhas gerais, o termo APO quase sempre se refere a
um programa abrangente de gestão do desempenho, de cunho
participativo, de âmbito organizacional, mas, também, indivi
dual, envolvendo a definição de objetivos, o acompanhamento
e a avaliação ao final de um dado período (DESSLER, 2000).

210
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

Ao longo do tempo, a aplicação da APO encontrou


diversas derivações, algumas delas relacionadas à constatação
de que as empresas aplicavam a APO com um olhar restrito aos
indicadores contábeis e financeiros, que, porém, são insuficientes,
pois não conseguem medir a capacidade da organização de criar
valor econômico futuro. Muller (2003) ressalta que medidas
financeiras e contábeis podem refletir apenas o curto prazo e o
valor gerado no passado, e não indicam tendências para a orga
nização no futuro, ou seja, para a sustentabilidade do negócio.
Entre os modelos que vão além das medidas financeiras,
tem ganhado força nas empresas o Balanced Scorecard– BSc. O
BSc é uma abordagem mais recente da APO, e propõe que os
objetivos a serem perseguidos pela organização devem ser de
diferentes naturezas. Com o passar do tempo, tornou-se um
forte aliado das empresas na estratégia, ao oferecer uma visão
de futuro e do caminho para se chegar até ele.
Um dos principais motivos de sua intensa utilização é
que o BSc pressupõe que a escolha dos indicadores para a gestão
de uma empresa não deve se restringir a informações econômicas
ou financeiras, já que, por exemplo, a geração de lucro em um
ano não garante o mesmo resultado no ano seguinte. Além disso,
esses indicadores podem direcionar a gestão do desempenho até
o nível de equipes e, em alguns casos, até o nível individual.

ASPECTOS DO CONTEXTO QUE AFETAM A


GESTÃO DE DESEMPENHO

Nas discussões anteriores sobre problemas e erros da


gestão de desempenho, vê-se que muitos deles referem-se a

211
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

dificuldades ligadas à não observação de variáveis presentes no


contexto de trabalho. O desempenho é decorrente de múltiplas
variáveis, não podendo ser atribuída exclusivamente ao funcio
nário a responsabilidade por problemas de desempenho. Além
das características pessoais do avaliado, tais como habilidades,
atitudes, personalidade, escolaridade, também o suporte orga
nizacional para o desenvolvimento das atividades, expresso (ou
não) em várias particularidades do contexto, pode interferir no
desempenho do funcionário (OLIVEIRA-CASTRO et al., 1996).
No quadro 3, estão listados alguns dos fatores que podem afetar
esse desempenho.

Quadro 3. Fatores que podem afetar o desempenho no trabalho

organizacionais
Características ambiente
Características
de tarefas
do Características do
indivíduo

• Cultura e clima • Qualidade e • Conhecimentos e


• pessoas
desenvolvimento
de
Políticas
administração
e práticas
de
e • recursos
disponibilidade
comunicação
Qualidade da e de
das habilidades
• História funcional
• Idade, sexo,
escolaridade
• organização
Imagem da • relações
Características
interpessoais
e • Motivação
• Personalidade
escopo do trabalho
• Clareza de objetivos
• Adequação de prazos
• Qualidade do
gerenciamento do
desempenho

Desempenho no
trabalho

Fonte: Oliveira-Castro et al. (1996, p. 44).

212
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

Assim, a seguir, serão enfocados alguns aspectos críticos


típicos do serviço público, que devem ser agregados aos fatores
de caráter geral apontados anteriormente. Cabe a ressalva de
que não é nossa intenção discutir as diferenças entre o contexto
nacional e o de outros países, mas dar mais luz ao caso brasileiro.

FORMAÇÃO DO QUADRO DE PESSOAL


Uma característica básica do quadro de pessoal das
administrações públicas é a baixa rotatividade dos funcionários e,
consequentemente, o elevado tempo médio de casa. Se por um
lado esse fator é importante para a formação de profissionais em
áreas específicas, dadas as peculiaridades dos serviços públicos,
por outro, essa característica pode ser a base de um processo de
acomodação decorrente de estabilidade proporcionada, vanta
gens adquiridas, falta de cobrança de desempenho e frequência,
entre outros.
Alia-se, como aspecto negativo, uma questão crítica no
processo de gestão no setor público, relativa à formação de uma
cultura marcada pela expectativa de rotação rápida dos principais
dirigentes, é a grande possibilidade de se ter situações como:
alterações radicais na condução da atuação da organização, revi
são ou arquivamento de planos e programas já em andamento,
promoção de ações que sejam consideradas como injustiças
funcionais, entre outras. Essas situações interferem sobremaneira
no clima organizacional e na satisfação profissional, acabando
por transformar a relação entre o funcionário e a organização
em uma relação de emprego, baseada na manutenção do status
e da remuneração e não nos resultados da organização e no de
senvolvimento profissional e pessoal.

213
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

TENDÊNCIA A UMA POSTURA REATIVA


A falta de um processo sólido e participativo de planeja
mento nessas organizações acentua a situação abordada no item
anterior e inibe posturas proativas, dado que os funcionários não
se sentem responsáveis pelos resultados, esperando, apenas, pelas
decisões da direção. Ainda, a falta de planejamento minimiza
um dos efeitos positivos do possível aproveitamento de pessoal
interno para cargos de gestão, o que poderia equilibrar alterações
bruscas de planos de ação uma vez que os resultados de trabalho
de cada unidade/indivíduo não são definidos e cobrados objetiva
e adequadamente. Tal fato concorre para uma transferência de
responsabilidade aos níveis superiores quanto à busca de solu
ções para problemas específicos e ao desencadeamento de ações
necessárias.

EFETIVIDADE DA POSIÇÃO DE GESTÃO


O aproveitamento de funcionário efetivo para atender
encargos de gestão pode trazer aspectos positivos, como mencio
nado anteriormente, bem como proporcionar maior possibilidade
de ascensão funcional – ação que se reveste de indiscutível fator
motivacional. Entretanto, a transitoriedade dessas funções inibe,
em geral, posturas mais rígidas, principalmente na cobrança de
desempenho, porque, entre outros motivos, o gestor pode ser
destituído da posição hierárquica em um segundo momento.
Essa situação cria uma cultura de excessiva prudência nas deci
sões com respeito aos subordinados e de acobertamento mútuo.
Oliveira-Castro et al. (1996) acrescentam o que elas
chamam de culturas de leniência, nas quais o competente, o
indiferente, o descomprometido e o incompetente, todos, sem

214
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

distinção, recebem avaliações máximas. Tal situação leva a senti


mentos de injustiça e iniquidade que podem resultar em desmo
tivação e redução da produtividade, principalmente dos funcio
nários mais eficientes e mais comprometidos com a organização.

A prática da leniência ou superavaliação, bastante comum


no serviço público, pode ser muito danosa e prejudicial à
organização como um todo, devendo-se, portanto, eliminá
-la ou minimizar a influência que exerce sobre as avaliações
de desempenho. As chefias, sob a influência das pressões
culturais, praticam a superavaliação, contribuindo dessa
forma para a sua perpetuação. (OLIVEIRA-CASTRO
et al., 1996, p. 39)

Mesmo durante o estágio probatório, único período


durante o qual os que não atingem o desempenho necessário
podem ser demitidos, a avaliação não é realizada satisfatoriamen
te, como sugere a ínfima quantidade de demissões durante e ao
final desse momento. Observa-se, também, que a possibilidade
de retorno ao cargo inicial sem a função, mas com os respectivos
vencimentos incorporados integralmente, situação muito comum
nas organizações do setor público, pode levar a uma falta de
comprometimento com o desempenho.

REMUNERAÇÃO
Os planos de cargos e salários seguidos no serviço pú
blico, principalmente na administração direta, baseiam-se quase
que exclusivamente na formação escolar para hierarquização da
remuneração. Principalmente nos cargos que exigem formação
em nível superior, não são adequadamente ponderados fatores
como complexidade das atividades e outros fatores necessários ao

215
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

desempenho das atribuições. Esse sistema acaba por nivelar os


salários de funcionários com atividades completamente distintas
quanto à complexidade, unicamente por se fazer necessária, para
esses cargos, a formação em nível superior.
Pode ocorrer progressão salarial em uma mesma classe,
porém, em geral, as diferenças não são significativas a ponto de
incentivar melhorias do desempenho. Ainda, dadas as dificulda
des para avaliação do mérito, é praxe a utilização de fatores que
nem sempre estão correlacionados com a eficiência, tais como
antiguidade e pontuações, que levam em conta aspectos objeti
vos, mas não proporcionais à contribuição para o atendimento
dos objetivos da organização e do próprio desenvolvimento
profissional.
A alternativa para uma remuneração maior vem a ser,
então, a ascensão a funções de confiança, motivo pelo qual se
observa uma multiplicação de unidades organizacionais para
viabilizar o pagamento de gratificações por função. Ocorrendo
o retorno de um ocupante de função gratificada ao seu cargo
original, após a incorporação da gratificação, cria-se uma situa
ção de remuneração diferenciada desmotivadora para os demais
funcionários dada a falta de equidade entre salário, atribuições
e desempenho.
Proliferam, ainda, gratificações diferenciadas para cate
gorias com maior poder de barganha e/ou capacidade de mo
bilização e influência, gerando distorções com reflexos muitas
vezes graves na política de recursos humanos como um todo e
no sentimento de justiça organizacional.
Todas essas características influenciam negativamente o
atendimento dos objetivos de eficiência e eficácia buscados pelas

216
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

organizações públicas, e estabelecem para os funcionários um


sentimento de impotência frente a problemas que se eternizam
e que são apenas contornados por várias administrações, o que,
certamente, tem impacto sobre a gestão do desempenho.

MERITOCRACIA: DISCURSO E PRÁTICA NO


CONTEXTO PÚBLICO
O debate sobre a meritocracia na gestão de organizações
ressurge com força nos dias atuais, tanto no setor público como
no setor privado. Nem sempre seu entendimento é correto, sen
do frequente uma compreensão limitada de que meritocracia se
restringe a simples aplicação de técnicas e ferramentas de gestão
isoladas, como se fossem as melhores práticas a serem aplicadas
em qualquer contexto organizacional.
As técnicas e ferramentas da meritocracia têm seu papel,
pois podem instrumentalizar e normatizar processos que tenham
como objetivo reconhecer o mérito em uma organização. Mas
o conceito de meritocracia, conforme discute Barbosa (1999),
não é uma novidade e vai bem além da aplicação das técnicas.
Envolve aspectos políticos e culturais, não apenas no Brasil, mas
em outros países.
A aplicação de normas e sistemas com intenção meri
tocrática não é a questão central do tema, “mas sim a sua legi
timidade na prática social [...], a transformação deste sistema
meritocrático existente no plano formal e no plano do discurso
em uma prática social meritocrática” (BARBOSA, 1999, p. 59).
Barbosa aponta ainda que outros valores fundamentais da so-
ciedade e de sua dinâmica de funcionamento acabam por afetar
nossas práticas sociais, muitas vezes de forma contraditória à

217
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

meritocracia, como a antiguidade, a lealdade, a dedicação e as


relações pessoais e, acrescente-se, um excesso de legalismo nas
relações de trabalho no setor público brasileiro. Assim, a ideologia
da meritocracia, em qualquer sociedade, acaba por se confrontar
com os demais valores, principalmente com aqueles considerados
mais legítimos na prática social.
Barbosa (1999) também faz uma síntese de como é
polêmica a questão da avaliação de desempenho na mate
rialização da meritocracia, tanto no setor privado como no
público. Para isso, cita tanto autores que consideram negativos
esses sistemas, por exemplo, aqueles vinculados à Escola de
Gestão de Qualidade Total, quanto outros que reconhecem
as dificuldades e limitações inerentes a essa prática, mas que
defendem a necessidade de sua existência, seja para minimizar
exageros e dissonâncias no uso do poder discricionário, seja
pelas necessidades de qualquer empresa em selecionar, encar
reirar, reconhecer ou desligar seus componentes. Outro fator
favorável à avaliação de desempenho que a autora identifica é
a questão motivacional, que pode potencializar ou minimizar
o engajamento dos profissionais.
Ao propor a combinação de meritocracia e flexibilidade
como principais direcionadores para gestão de pessoas no setor
público, Longo (2007, p. 11-12) também aborda a diferen
ça entre a meritocracia formal e a substantiva (material). O
autor discute essas duas visões: na primeira visão, a formal, a
meritocracia deve passar pelo cumprimento estrito das normas,
o que a opõe à flexibilidade. Em uma segunda visão,
chamada pelo autor de “substantiva”, a meritocracia, na medida
em que pressupõe observar e reconhecer o desempenho, os

218
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

comportamentos e os resultados em contextos em mudança, é,


então, uma aliada da flexibilidade. Longo (2007, p. 14) é um
exemplo dos que defendem a necessidade da existência de uma
gestão de desempenho, ainda que reconhecendo as dificuldades
inerentes e comparando suas propostas muito mais com um
“mapa de navegação” do que com uma fórmula pronta, como
se observa no fragmento a seguir:

Para o bem ou para o mal, o comportamento humano nas


organizações é uma variável sobre a qual é difícil influir.
Ao mesmo tempo, exercer essa influência constitui uma
questão central para a eficácia, eficiência e efetividade das
organizações, que se acentua nos serviços públicos e que,
portanto, se torna irrenunciável para os inovadores e re-
formadores da gestão pública.

Em uma abordagem complementar, e com base em


extensa revisão bibliográfica, Pacheco (2010) discute a profissio
nalização, o mérito e a proteção da burocracia na administração
pública brasileira. A autora destaca três regras que, até mesmo
antes de 1930, mas com maior força desde então, foram in
troduzidas no modelo institucional da administração pública:
• o concurso público como forma de provimento;
• a estabilidade; e
• a organização de carreiras.
Um ponto fundamental explorado pela autora em sua
pesquisa é que, por diversos motivos (clientelismo, corporati
vismo, entre outros), essas regras, características da burocracia
weberiana, não foram completamente implantadas e coexistem
com formas alternativas de ingresso e permanência no serviço
público e, quando implantadas, o foram de forma rígida.

219
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Como legados dessa coexistência, Pacheco (2010) sintetiza:


• Estabilidade rígida: não há prática de demissão por desem
penho, apenas em casos de fraude apurados por pares, o que
também é raro. Embora não se reduza a isso, do ponto de vista
normativo, ainda não houve aprovação de lei complementar
prevista na Constituição Federal de 1998, que regulamenta
aplicação da perda de estabilidade por baixo desempenho. A
autora também cita o entendimento do Supremo Tribunal
Federal sobre a existência de um regime único de relações de
trabalho com os funcionários, o que enrijece tais relações.
• Número excessivo de carreiras e proliferação de desvios
de função.
• Concursos públicos que, em nome da objetividade, con
sideram apenas o conhecimento formal.
• Grande força dos preceitos de isonomia e direitos adqui
ridos, mas com aplicação enviesada.
• Os confrontos entre profissionalização, politização e cor
porativismo, que não se resumem apenas à discussão entre
ocupação de cargos por funcionários efetivos ante a ocupação
por indicados de fora do quadro. Além disso, a profissiona
lização com significado prático muito mais forte no sentido
da proteção da burocracia do que para o reconhecimento
do mérito.
O contexto das organizações públicas traz dificuldades
adicionais para a efetividade da gestão de desempenho, o que
não justifica, no entanto, uma postura acomodada e o simples
abandono do tema. Nesse sentido, a seguir serão levantadas
algumas alternativas de abordagem dos problemas da gestão
de desempenho no setor público, sem a pretensão de chegar a

220
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

respostas definitivas, mas de indicar caminhos plausíveis para os


gestores públicos lidarem com seus contextos específicos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS – ALTERNATIVAS


PARA A GESTÃO DE DESEMPENHO
NO SETOR PÚBLICO

Apresentamos a seguir algumas alternativas para lidar


com as dificuldades da gestão de desempenho no setor público,
considerando os problemas típicos da gestão de desempenho
abordados anteriormente.

TRATAR A GESTÃO DE DESEMPENHO COMO UM


PROCESSO, E NÃO COMO UM EVENTO DE AVALIAÇÃO
É importante reforçar que o desempenho deve ser tratado
como um processo de gestão, e não apenas como uma avaliação.
Se a avaliação de desempenho for tratada como um evento isolado
no tempo, ela será tida apenas como um julgamento, enfatizando
a relação punição e/ou recompensa e tornando o momento da
avaliação uma mera negociação por notas mais altas, mesmo
que isso não signifique automaticamente um aumento salarial.
Quando o gestor dedica-se somente ao evento de
avaliação, sua legitimidade tende a se fragilizar, pois, em curto
tempo, precisa colher e analisar elementos para fazer a ava
liação. Isso aumenta o risco de incorrer em uma barganha de
notas, se quiser ser mais rigoroso, ou de ser a chave para uma
postura amena, ao contemporizar os problemas, justificar os
desempenhos e tentar ficar “bem” com todo mundo – ou seja,
uma fuga do tratamento da questão do desempenho.

221
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Por outro lado, se respeitados os passos definidos no


ciclo de gestão, as cobranças do gestor sobre o desempenho
da equipe tendem a ser legítimas, pois serão de conhecimento
mútuo no início e passíveis de monitoramento ao longo do
ciclo, o que dará oportunidades para que o funcionário tente
melhorar o seu desempenho gradualmente. Observar os pas
sos do ciclo ajuda a realizar avaliações criteriosas, que tenham
como base fatos e dados reais e que permitam a diferenciação
dos que têm desempenho satisfatório daqueles que ainda não
têm, bem como facilita a decisão sobre quais providências serão
adotadas para cada caso.

DESENVOLVER INSTRUMENTOS DE GESTÃO


DE DESEMPENHO COERENTES E COM FINALIDADES
CLARAS
O uso de instrumentos que privilegiem situações ob
serváveis no trabalho e minimizem percepções individuais
do avaliador pode colaborar para a legitimidade do processo.
Muitas vezes, nas organizações públicas, os sistemas de avaliação
de desempenho são elaborados sem o refinamento necessário
para embasar as decisões decorrentes de um processo dessa
natureza, o que gera dificuldades de entendimento dos gestores
e demais profissionais.
Cabe lembrar as dimensões de avaliação citadas neste
capítulo como guia orientador dos propósitos e finalidades.
Por exemplo, uma avaliação de desenvolvimento pode apoiar
decisões de carreira e remuneração fixa, mas avaliações pura
mente comportamentais não devem ser diretamente ligadas
a esse tipo de decisão. A análise de potencial pode ajudar na

222
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

escolha dos gestores ou mesmo na alocação de profissionais


recém-concursados, mas não deveria ser utilizada para remune
ração variável, mais comumente associada à avaliação de resul
tados. Assim, é preciso que, antes de qualquer implantação, a
organização – seus dirigentes e área de RH – reflita sobre quais
os propósitos prioritários e, então, possa escolher e elaborar os
instrumentos mais adequados.
Também é importante que os instrumentos consigam,
em alguma medida, traduzir como o merecimento pode ser
observado e reconhecido no contexto específico. À medida que
os propósitos estejam claros e que os instrumentos consigam
comunicar os critérios de merecimento, o gestor tem maior
clareza de como exercer seu papel na gestão de desempenho.

ZELAR PELO CUMPRIMENTO DOS PROPÓSITOS


DEFINIDOS E RELACIONAR OS RESULTADOS DA
GESTÃO DE DESEMPENHO COM O ATENDIMENTO
AOS OBJETIVOS DA UNIDADE E DOS GESTORES
Além de comunicar ou “vender” a ideia de que a gestão
de desempenho é necessária e útil, cabe à organização, ao longo
do tempo, zelar pelo cumprimento dos seus propósitos e finali
dades, bem como reconhecer como os instrumentos ajudaram no
alcance de objetivos e resultados empresariais. Os gestores, ainda
que com intensidades e formas diferentes, costumam ser cobrados
pelos seus superiores em termos dos resultados esperados de sua
área. Assim, mostrar a ligação entre a gestão de desempenho e
os resultados das áreas e da organização, ajudará profissionais da
gestão a perceberem que o esforço vale a pena.

223
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

CONSIDERAR A SEPARAÇÃO DAS FINALIDADES


QUE DEMANDAM DECISÕES ABSOLUTAS DAQUELAS
QUE DEMANDAM COMPARAÇÕES ENTRE PESSOAS
A questão das consequências das avaliações é funda
mental, pois, muitas vezes, algumas finalidades das avaliações
podem ser contraditórias, ou tão fortes, que acabam por preju
dicar outros fins. O caso típico é o falso paradoxo entre duas das
finalidades principais do processo: desenvolvimento e melhoria
versus remuneração e reconhecimento. Um sistema de avaliação
pode ter os dois propósitos, desde que tratados de forma distinta
e utilizados em momentos apropriados.
Muitas vezes, porém, a interpretação estreita de princí
pios como objetividade e impessoalidade leva alguns sistemas
de gestão de desempenho a fazerem ligações diretas entre notas
obtidas e possibilidades de aumento. Como a força da conse
quência “reconhecimento financeiro” é grande, a consequência
“desenvolvimento profissional” fica esquecida nesse modelo,
que se baseia numa visão simplista de que as notas obtidas per
mitirão uma comparação justa entre os melhores e os piores.
Tanto por conta de erros, intencionais ou não, de avaliadores,
quanto pelas próprias diferenças existentes entre as atividades e
processos de cada área, deve-se tomar cuidado com o uso direto
e automático de resultados de avaliação para o estabelecimento
de recompensas financeiras.
Como os sistemas de avaliação de desempenho acabam
por incentivar a complacência, também é comum a solução de
adotar curvas forçadas de avaliação, que criam limites para a
complacência ao inibir que um grande número de pessoas seja
muito bem avaliado, mas que acabam por gerar outros erros de

224
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

avaliação, em muitos casos, prejudicando as melhores áreas e os


melhores desempenhos, ou até promovendo rodízios combina
dos entre gestores e equipe: “neste ano, o fulano fica como alto
desempenho, no outro, será sicrano” e assim por diante.
As abordagens quantitativas podem ser úteis, não de for
ma automática e rígida, mas como base para análises qualitativas
que confirmem os resultados ou que mostrem que correções de
rumo são necessárias.
Neste ponto, cabe a reflexão quanto à preservação do pa
pel do gestor como orientador do desenvolvimento e desempenho
da equipe: se a decisão de remuneração estiver nos “corações e
mentes” no momento do feedback individual, fica muito difícil
para o gestor trazer para o debate o assunto desenvolvimen
to. Assim, como alternativa, algumas organizações separam as
discussões e decisões que não demandam que o gestor compare
os profissionais entre si, como no caso das ações de desenvolvi
mento, daquelas que demandam comparações, como é o caso
das ações de reconhecimento.
Por exemplo, o momento do feedback individual para
a melhoria e desenvolvimento, que não demanda comparações
entre pessoas, deve ser utilizado exclusivamente para tratar desse
assunto e para o alinhamento de expectativas individuais. Já as
decisões de reconhecimento financeiro, por envolverem recursos
escassos e demandarem comparações entre o desempenho das
pessoas, podem ser feitas em colegiado, de modo a permitir que
haja oposição de ideias e que a decisão de promoção não fique
apenas sobre os ombros de um gestor e nem seja resultante de
um sistema de regras pré-definido, mas seja compartilhada por
um conjunto de gestores.

225
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Ainda que os pares não interfiram nas propostas indivi


duais de um dado gestor, em um colegiado, a relativa publicidade
da decisão pode ter um efeito interessante na minimização de
favorecimentos pessoais e nas decisões de reconhecimento finan
ceiro. O colegiado ajuda a zelar para que os critérios que de fato
embasam os tomadores de decisões sejam os de merecimento pre
vistos nos instrumentos de gestão de desempenho adotados. Em
uma decisão colegiada, cada gestor deve sustentar suas propostas
e, à medida que os critérios de decisão sejam explicitados, é im
portante saber localizar aqueles que contradigam o merecimento,
como tempo de casa, relações pessoais, afinidades partidárias e
familiares, fidelidade etc., para que sejam evitados como funda
mentadores das decisões. O colegiado também pode ajudar no
ganho em termos de entendimento comum dos critérios e no
próprio aprimoramento dos instrumentos ao longo do tempo,
pois permite que se compartilhem as experiências dos avaliadores.

APERFEIÇOAMENTO NOS CRITÉRIOS E


PROCESSOS DE SELEÇÃO GERENCIAL
Uma das oportunidades de melhoria está nos critérios
de seleção de profissionais do quadro para assumirem posição
gerencial. Ainda é rara a prática de processos de gestão de su
cessão e de avaliação de potencial ou perfil para ocupação de
posições gerenciais no setor público. Isso demanda definir um
perfil gerencial minimamente formalizado e trabalhar as escolhas
sobre designações de forma a buscar a melhor aderência ao perfil
idealizado. Com um processo institucionalizado de escolha, fica
mais difícil para um novo dirigente simplesmente trocar os ges
tores em massa. Nas instituições públicas com que interagimos em

226
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

nossas atividades profissionais, não é raro escutar, dos principais


dirigentes, reclamações de que é difícil “prestigiar” o quadro nas
nomeações para posições gerenciais, pela ausência de informações
sobre os perfis dos gestores atuais e dos demais profissionais que
poderiam ocupar as posições.
É perigoso afirmar que a ocupação exclusiva de posi
ções gerenciais por membros dos quadros efetivos seja uma
solução universal, pois pode redundar em grau indesejado de
corporativismo e conservadorismo. Essa definição não é sim
ples, e a origem do ocupante não é o único determinante de
sua competência ou sucesso. Entretanto, se uma das questões a
ser tratada é a rotatividade da alta administração, é necessário
buscar uma proporção adequada entre ocupantes de posição
gerencial advindos do quadro efetivo e os provenientes de fora,
com alguma predominância do quadro efetivo. Normalmente,
o profissional do quadro efetivo, concursado, costuma ter uma
relação de longo prazo com a instituição, o que tende a diminuir
descontinuidades. Combinado a um processo de seleção gerencial
criterioso e de gestão de desempenho institucionalizado e regular,
cria-se um contexto em que a troca aleatória e maciça dos gestores
é desestimulada.

PATROCÍNIO DA ALTA ADMINISTRAÇÃO


VERSUS INSTITUCIONALIZAÇÃO DA GESTÃO

O papel da alta administração é crucial em vários proces


sos e também o é na gestão do desempenho. Assim, o patrocínio
da alta administração é condição importante para a efetividade
da gestão do desempenho. Cabe relembrar que a rotatividade da

227
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

alta administração pode dificultar uma continuidade coerente


dos esforços de gestão de desempenho, mas, se as recomendações
anteriores forem observadas, a tendência é de maior instituciona
lização da gestão de desempenho, por meio do reforço do papel
gerencial também no nível tático e da comunicação dos ganhos
com o processo. No momento de mudança de gestão, esses são
elementos que podem influenciar os novos dirigentes no sentido
da continuidade dos esforços.

ESTIMULAR UMA POSTURA PROATIVA DOS


FUNCIONÁRIOS
Aqui, a sugestão é criar meios e estímulos para que os
funcionários assumam uma postura mais proativa e engajada
em busca de seu desenvolvimento e resultados. Muitas vezes, as
definições estreitas dos cargos e o olhar apenas para a escolari
dade acabam por ignorar que, ao longo de sua vida profissional,
um funcionário pode, gradualmente, assumir atividades mais
complexas e de maior responsabilidade.
Os planos de cargos tradicionais do setor público não
estimulam o engajamento, principalmente se o gestor avalia todos
da equipe de forma igual ou complacente. Assim, uma oportuni
dade de melhoria ligada ao tema da gestão de desempenho está
na utilização de ferramentas de avaliação de desenvolvimento
que ajudem a observar e diferenciar as atuações dos profissionais
conforme a complexidade de atuação e, assim, permitam com que
essa situação possa ser reconhecida e recompensada. Essa medida
também cria uma forma alternativa de crescimento à assunção de
funções gratificadas, o que pode ajudar no melhor aproveitamento
dos perfis individuais, mais gerenciais ou mais técnicos.

228
GESTÃO DO DESEMPENHO NO SETOR PÚBLICO:
DIFICULDADES E ALTERNATIVAS DE SOLUÇÃO

Além disso, como muitos avaliados podem ter receio


quanto ao que realmente está por trás das avaliações, cabe
identificar o que os indivíduos podem ganhar com o proces
so, comunicar com intensidade tais fatores e valorizar aqueles
profissionais que obtêm tais ganhos. Novamente, a necessidade
de zelar pelo cumprimento dos propósitos da gestão de desem
penho aparece como fonte de sua credibilidade e condição para
sua efetividade.
Neste capítulo, procurou-se discorrer sobre os conceitos
básicos da gestão de desempenho, bem como a respeito dos pro
blemas e dificuldades típicos desse processo, com ênfase no con
texto do setor público. Ao final, algumas sugestões de tratamento
dos problemas foram apontadas, sem a pretensão de se traduzirem
em fórmulas mágicas ou universais, mas como inspiração para
que os gestores públicos lidem com seu contexto específico e
possam obter maior efetividade na gestão do desempenho.

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233
CAPÍTULO 8
A prática e os embates das avaliações de
desempenho em municípios paulistas

MARIA DO CARMO MEIRELLES


TOLEDO CRUZ
Doutoranda em Administração e Governo pela
Escola de Administração de Empresas de São
Paulo da Fundação Getulio Vargas (Eaesp
-FGV). Administradora pública, técnica da
Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam/SP.
NOTA: Versão revista de trabalho apresentado no VI Consad de Gestão Pública, realizado em
Brasília/DF, de 16 a 18 de abril de 2013. O estudo contou com contribuições da professora
Regina S. Pacheco e dos técnicos Fátima Fernandes de Araújo e Fernando Montoro.
A PRÁTICA E OS EMBATES DAS AVALIAÇÕES DE
DESEMPENHO EM MUNICÍPIOS PAULISTAS

INTRODUÇÃO

A crise da burocracia pública e a necessidade de po


líticas voltadas para a profissionalização dos serviços públicos
brasileiros têm sido preocupação e motivo de discussão nas
últimas décadas. Faltam ações efetivas na gestão de pessoas, área
que deveria ser estratégica numa gestão voltada para resultados
com foco nos cidadãos.
A atenção à gestão de pessoas existe há muitos anos, mas,
recentemente, o foco vem se diferenciando, principalmente com
o objetivo de assegurar a sua melhoria. A Constituição Brasi
leira de 1988 dedicou um capítulo específico à administração
pública, no qual são garantidos direitos aos servidores (plano de
carreira; adicional de remuneração para as atividades penosas,
insalubres ou perigosas; licença-paternidade; previdência etc.),
foram instituídos o Regime Jurídico Único e o ingresso no ser
viço público por meio de concurso, garantindo os princípios da
legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência e publicidade
(ENAP, 1993).
Após a sua promulgação, teve início uma discussão entre
pesquisadores e gestores sobre a necessidade de profissionaliza
ção e flexibilização na gestão. O Plano Diretor de Reforma do

237
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Aparelho do Estado de 1995, concebido na gestão do ministro


Luiz Carlos Bresser-Pereira, propôs um conjunto de normas para
modernizar a administração burocrática, no âmbito federal, por
meio de uma política de profissionalização do serviço público.
Ganhou destaque na agenda de discussão uma proposta de mu
dança em direção a uma cultura gerencial.
Com a Emenda Constitucional 19/1998, modificou-se
o regime jurídico e apresentaram-se os princípios e as normas da
administração pública para os servidores e agentes políticos, entre
outros pontos. Entretanto, alguns aspectos, como estabilidade,
sistema de aposentadorias, concurso público como único critério
de ingresso e aferição de mérito, carreiras estreitas e inflexíveis,
aliados aos argumentos da isonomia e dos direitos adquiridos,
ainda são temas que permeiam o debate sobre profissionalização
no setor público brasileiro.
Assim, desde a década de 1990, ganham espaço na
agenda pública questões relacionadas à necessidade da pro
fissionalização do serviço público, visando combater a “ad
ministração patrimonial e burocrática” e ampliar a qualidade
dos serviços prestados. Mérito e flexibilidade passam a ser
chaves para a gestão de pessoas das instituições públicas. Na
visão atual, a gestão de pessoas deve significar um sistema in
tegrado, colocado a serviço da estratégia organizacional, cujo
objetivo é produzir resultados que estejam de acordo com ela
(LONGO, 2007). É necessário que o gestor público busque
identificar todos os elementos que relacionam as pessoas com
os resultados e atente para o dimensionamento do pessoal e o
comportamento dos indivíduos. A ideia do mérito e a neces
sidade de garanti-lo ao longo de toda a carreira do servidor

238
A PRÁTICA E OS EMBATES DAS AVALIAÇÕES DE
DESEMPENHO EM MUNICÍPIOS PAULISTAS

são fundamentais nas administrações profissionais. Portanto,


a gestão do desempenho profissional passa a ser vista como
instrumento para estimular as competências e a motivação
dos servidores, a fim de obter deles melhor desempenho (PA
CHECO, 2009).
A avaliação de desempenho é uma das ferramentas uti
lizadas para aferição de mérito e visa aperfeiçoar a prestação de
serviços externos e internos, democratizar o ambiente de tra
balho, instituir novas práticas na gestão de pessoas, otimizar os
processos de gestão na área de recursos humanos, identificar as
limitações do sistema organizacional (individual, institucional
e de atendimento à população) e subsidiar o planejamento de
contratação de pessoal.
As experiências de mensuração de desempenho e de
contratualização de resultados têm se ampliado no Brasil e em
outros países (PACHECO, 2009). É importante que gestores e
estudiosos analisem as iniciativas de avaliação de desempenho que
buscam a melhoria da gestão e aquelas que dispõem de sistemas
de premiação e sanções baseados nos resultados da avaliação.
Nesse contexto, é importante observar se a remuneração (variá
vel ou incremental) passa a se vincular à consecução de metas
de desempenho individual ou institucional como incentivo ao
esforço. Conhecer em que contextos são implementadas essas
novas formas de remuneração, os mecanismos adotados, os ins
trumentos de gestão utilizados conjuntamente, os problemas
enfrentados e os resultados obtidos é essencial para a melhoria
dessas iniciativas.
Vários teóricos defendem a avaliação de desempenho
e o sistema meritocrático para definição de incremento na

239
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

remuneração, mas sua adoção não é simples. Além disso, ainda


não é conclusivo o real papel que o incentivo financeiro exerce
sobre a motivação do servidor (IPEA, 2011). É necessário
refletir se esse instrumento pode ser disseminado aos entes
subnacionais e quais os pontos positivos e desafios enfrentados
na gestão de pessoas perante a necessidade de flexibilização
dos mecanismos de gestão de pessoas e de profissionalização
dos servidores.
Algumas experiências federais e estaduais rompem os
critérios tradicionais de avaliação dos funcionários, como os
relacionados com pontualidade, participação no grupo, inicia
tiva e frequência, para introduzir metas individuais e/ou orga
nizacionais. Esse processo está vinculado à política de gestão de
pessoas e da própria organização. A União e estados brasileiros,
como São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Pernambuco,
têm aplicado esses princípios e inovado com a introdução da
remuneração por desempenho como estratégia de melhoria da
qualidade dos serviços públicos (ASSIS, 2012).1
Este artigo aborda a avaliação de desempenho em
municípios paulistas e a necessidade de flexibilizar as políti
cas remuneratórias, com base na avaliação de desempenho dos
servidores. Apresentamos alguns municípios paulistas que ins
titucionalizaram as avaliações de desempenho e de resultados
para estabelecimento da remuneração e examinamos os dados
disponibilizados pelos municípios participantes da pesquisa in
titulada Fortalecimento Institucional e Qualificação da Gestão

1 Minas Gerais é o estado mais abrangente, tendo, em 2008, expandido o programa


de remuneração variável para mais de 90% dos servidores do executivo estadual (ASSIS; REIS
NETO, 2013).

240
A PRÁTICA E OS EMBATES DAS AVALIAÇÕES DE
DESEMPENHO EM MUNICÍPIOS PAULISTAS

Municipal2 – realizada no âmbito do projeto Rede Ipea–Anipes,


em 2010 –, que informaram possuir avaliação de desempenho,
identificando similaridades e diferenciações. Além disso, fize
mos breves considerações sobre o município de Tarumã, que
se destaca por possuir planejamento estratégico, avaliação de
desempenho e remuneração variável. E finalizamos discutindo
questões para aprofundar o debate da avaliação de desempenho
na esfera municipal.

METODOLOGIA DO TRABALHO

Este trabalho partiu da pesquisa Fortalecimento Ins


titucional e Qualificação da Gestão Municipal, realizada pelo
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por meio do
Programa ProRedes, em 2010, em parceria com o Centro de Es
tudos e Pesquisas de Administração Municipal (Cepam). Foram
analisados 50 municípios (8% do total do estado de São Paulo)
que participaram da pesquisa. Desses, 41 declararam possuir
mecanismos de progressão funcional (81% da amostra), mas

2 A pesquisa teve por objetivo apresentar um diagnóstico da gestão pública nos


municípios paulistas e identificar os entraves ao seu fortalecimento institucional. O trabalho
foi realizado a partir dos marcos conceituais do Government Performance Project (GPP), me-
todologia aplicada há vários anos nos Estados Unidos para medir capacidade de gestão dos mu
nicípios e estados. Focou-se em processos, e não em resultados, e analisou áreas-meio das pre
feituras que constituem um núcleo de funções administrativas encontradas nas administrações:
gestão financeira, gestão de capital e infraestrutura, gestão de pessoas e gestão de tecnologia da
informação. Essa é a base para uma gestão voltada a resultados. O GPP foi adaptado à realidade
brasileira, aos princípios da Administração Pública brasileira e alguns pressupostos orientaram
a pesquisa. Participaram do trabalho as seguintes instituições regionais: Fundação Centro Es
tadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (Ceperj
– RJ), Instituto de Desenvolvimento Econômico e Social do Pará (Idesp – PA), Instituto de
Desenvolvimento Municipal e Estadual da Paraíba (Ideme – PB), Instituto Jones dos Santos
Neves do Espírito Santo (IJSN – ES), Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico
e Social do Paraná (Ipardes – PR), Secretaria de Estado do Planejamento e do Orçamento de
Alagoas (Seplan –AL) e Fundação Prefeito Faria Lima de São Paulo/SP (Cepam).

241
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

apenas 11 localidades (16% da amostra), à época, informaram


possuir instrumento de avaliação de desempenho.
Buscou-se identificar, por meio de análise documental da
pesquisa, se a avaliação de desempenho, nesses 11 municípios, foi
adotada para toda a prefeitura ou para carreiras específicas. Foi levan
tada a legislação municipal que regulamenta a temática, para permitir
o aprofundamento da análise dos aspectos abordados (assiduidade,
cursos de atualização ou aperfeiçoamento, atendimento de metas
etc.) e a identificação de similaridades e diferenciações existentes. Em
seguida, efetuou-se um estudo documental deTarumã (planejamento
estratégico, metas estabelecidas para as diversas áreas municipais, sis
tema de monitoramento etc.), bem como entrevistas com prefeitos e
membros das equipes que compõem as gestões municipais.
A escolha dessa localidade deve-se ao fato de:
• Ser um pequeno município,3 como a maioria das locali
dades brasileiras.
• Possuir planejamento estratégico, uma unidade gerencial
básica de recursos humanos e um comitê de qualidade.
• Possuir plano de carreira, avaliação de desempenho e prê
mio de participação nos resultados.
Com base nessas etapas, foram levantadas questões para
aprofundar o debate.

RESULTADOS DO ESTUDO

Dos 50 municípios que participaram da pesquisa For


talecimento Institucional e Qualificação da Gestão Municipal,

3 Na pesquisa do Ipea, foi considerado pequeno município aquele com até 20 mil
habitantes.

242
A PRÁTICA E OS EMBATES DAS AVALIAÇÕES DE
DESEMPENHO EM MUNICÍPIOS PAULISTAS

foram identificadas 11 localidades que possuem avaliação de


desempenho (tabela 1). A maioria possui menos de 50 mil ha
bitantes, enquanto quatro municípios têm menos de 20 mil. A
amostra foi bastante diversificada, incluindo municípios com
porte populacional que varia de 4.105 habitantes (Buritizal) a
646.139 habitantes (São José dos Campos).
A progressão funcional dos servidores está instituciona
lizada na legislação que cria o Quadro de Pessoal, ou o Plano
de Cargos e Salários (PCS), ou o Plano de Cargos, Carreiras e
Salários/Remuneração (PCCS), conforme a denominação uti
lizada na respectiva legislação municipal. O Quadro de Pessoal
é o instrumento mais simples, e o PCCS deveria demonstrar
melhor capacidade de gestão, pois confere mais estímulo ao
desenvolvimento das capacidades dos servidores, uma vez que
institui formalmente carreiras e critérios de progressão funcional,
bem como garantias de salários e benefícios.

Tabela 1. Municípios participantes da pesquisa Fortalecimento


Institucional e Qualificação da Gestão Municipal que possuem
avaliação de desempenho
Município População
(2012) * Instrumento Mecanismo de progressão
Quadro PCS PCCR Data da Lei Geral Educação Guarda
Altinópolis 15.588 Sim
educação)
(geral e Sim e2005
2007 (edu
(geral) Sim

cação)

Areiópolis 10.619 Sim 2009 (geral) Sim

Buritizal 4.105 Sim (geral e


educação) 2002e(educa-
ção) 2009 Sim Sim

(geral)
Guararema 26.518 Sim 2010 (geral) Sim

243
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Município População Instrumento Mecanismo de progressão


(2012) * Quadro Educação
PCS PCCR Data da Lei Geral Guarda
Monte Mor 50.949 Sim 2008 (geral) Sim
e 2007 (saú
de e guarda)
Rancharia 28.802 Sim (geral) Sim (educa 1993 (geral) Sim Sim
ção) e 2005 (edu
cação)
São José dos 646.139 Sim 1992 (geral), Sim
Campos 1986 (edu
cação), 2008
(guarda), e
2010 (fiscal
de postura
e estética
urbana)
São Sebastião 76.542 Sim (geral, 2006 (geral e Sim Sim Sim
educação e educação) e
guarda) 2007 (guar
da)
Tarumã 13.261 Sim 2001 (educa Sim
(geral ção) e 2007
e edu (geral)
cação)

Vinhedo 66.383 Sim (geral e 1993 (geral) Sim Sim Sim


educação) e 1998 (edu
cação)
Votorantim 110.957 Sim Sim 1990 (geral) Sim
e 2005/2009
(educação)

*Fundação Seade. Perfil Municipal, 2012.


Fonte: Elaboração da autora, com base na pesquisa Ipea/Cepam, 2012

Dos 11 municípios que possuem a avaliação de desem


penho, cinco informaram ter mecanismos diferenciados para a
área de educação; dois, para a guarda municipal (São José dos
Campos e São Sebastião); e, um, para a fiscal de postura e estética
urbana (São José dos Campos).

244
A PRÁTICA E OS EMBATES DAS AVALIAÇÕES DE
DESEMPENHO EM MUNICÍPIOS PAULISTAS

Entre as cidades que realizam avaliação de desempenho


como mecanismo de progressão funcional, o fator antiguidade
ainda é o mais frequente (tabela 2) e não está vinculado ao de
sempenho individual, institucional ou a resultados de gestão.
Percebe-se que a realização de curso de aperfeiçoamento e prova
de qualificação começam a fazer parte do processo de promoção,
fatores importantes para a atualização dos servidores. Também
se observou que a avaliação do estágio probatório, prevista na
Constituição Federal, ainda não é realizada de forma sistemática
e estruturada em todas as localidades.
Em São José dos Campos, a carreira de guarda municipal
considera também a qualidade do trabalho, liderança, iniciativa,
presteza, pontualidade, o uso adequado dos equipamentos e das
instalações de serviço, a capacidade de trabalho em equipe e o
aproveitamento em programa de capacitação. Já na carreira do
fiscal de postura e estética urbana, observam-se o desempenho
funcional, a assiduidade, a pontualidade, o comparecimento, a
disciplina e o autodesenvolvimento.
Apenas em Tarumã, na época da pesquisa, havia cri
térios de meta, produção profissional, satisfação do usuário e
assiduidade. Também é o único município que pagava prêmio
de remuneração variável seguindo esses critérios. Essa frequência
tão pequena exigiria um aprofundamento para identificar os fa
tores que influenciam a opção dos municípios de não trabalhar
com critérios dessa natureza. São José dos Campos, Votorantim
e Diadema estavam implantando a avaliação por meio de metas e
a remuneração variável.

245
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Tabela 2. Fatores identificados na promoção horizontal

Fonte: Elaboração da autora, com base na pesquisa Ipea/Cepam, 2012.

246
A PRÁTICA E OS EMBATES DAS AVALIAÇÕES DE
DESEMPENHO EM MUNICÍPIOS PAULISTAS

A periodicidade das avaliações de desempenho, segundo os entre


vistados, varia desde trimestral até a cada três anos. Cinco localida
des informaram realizar uma vez ao ano (Guararema, Rancharia,
São José dos Campos, Tarumã e Votorantim); e uma não possuía
periodicidade estabelecida (tabela 3). Observa-se, ainda, que não
há correlação entre a periodicidade e o porte do município.
Tabela 3. Periodicidade da avaliação de desempenho
dos municípios participantes da pesquisa

Municípios (2012)*
População Periodicidade

Buritizal 4.105 3 em 3 meses

Areiópolis 10.619 Sem periodicidade

Tarumã 13.261 1vez ao ano

Altinópolis 15.588 2 vezes ao ano

Guararema 26.518 1 vez ao ano

Rancharia 28.802 1 vez ao ano

Monte Mor 50.949 2 vezes ao ano

Vinhedo 66.383 1 vez a cada 2 anos

São Sebastião 76.542 1 vez a cada 3 anos

Votorantim 110.957 1 vez ao ano

São José dos Campos 646.139 1 vez ao ano

*Fundação Seade. Perfil Municipal, 2012.


Fonte: Elaboração da autora, com base na pesquisa do Ipea/Cepam, 2012

247
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Na promoção horizontal, o cumprimento de metas pac


tuadas, a produção profissional e a avaliação do usuário dos
serviços públicos são práticas restritas a poucas municipalidades.
Nesse contexto, optou-se por realizar um estudo de Tarumã, que
utiliza esses fatores.
Tarumã
Pequeno município paulista, com 13.261 habitantes,
situado na região administrativa de Marília, foi desmembrado
de Assis e, nas últimas gestões, houve uma sequência de prefeitos
comprometidos com a melhoria de gestão.4 O planejamento
estratégico e o sistema de qualidade são instrumentos de gestão
utilizados no município.
Em Tarumã, o primeiro escalão participa do planejamen
to e de capacitações, o processo orçamentário é descentralizado,
há estruturação organizacional e busca pela melhoria da gestão,
além disso, o mesmo grupo político está na administração do
município há cinco mandatos.
Segundo gestores e os dois prefeitos das últimas gestões,
o planejamento estratégico introduziu uma preocupação institu
cional em mensurar a atuação das secretarias e a produtividade
dos servidores. A prática instituída proporciona uma avaliação
sistemática e é um instrumento de gestão.
A política local de gestão de pessoas prevê a progressão
horizontal, com critérios objetivos, e há programa de remu
neração por desempenho baseado no cumprimento de metas
e na assiduidade dos funcionários. Na promoção horizontal,
os fatores considerados são: as metas, pactuadas anualmente;
assiduidade; antiguidade; atualização do servidor; satisfação do

4 Em 2004 iniciou-se o Programa de Gestão para Resultados.

248
A PRÁTICA E OS EMBATES DAS AVALIAÇÕES DE
DESEMPENHO EM MUNICÍPIOS PAULISTAS

usuário;5 e produção profissional. A avaliação de desempenho inicia


o rompimento da cultura institucional existente para uma preo
cupação com os resultados. Há medidas para capacitar o servidor
e o gestor e, no processo, não há punição ou demissão.
Em Tarumã, a área de recursos humanos é responsável
por dar suporte para operacionalizar a sistemática de avalia
ção de promoção horizontal, contribuir para a capacitação dos
avaliadores e avaliados, criar canais de comunicação da gestão
com os servidores, analisar os resultados obtidos, criar ações para
a melhoria do desempenho, entre outras atribuições.
Nesse município, há também o prêmio de participação
nos resultados (PPR), instituído em 2007 para o Executivo
municipal. O PPR é produto do Programa de Gestão para Re
sultados, antigo Programa de Qualidade, que visa organizar
as rotinas de trabalho das unidades, estabelecendo padrões e
metas a serem cumpridas (PREFEITURA MUNICIPAL DE
TARUMÃ, 2013). O objetivo do PPR é estimular a participação
dos funcionários públicos municipais nos resultados da gestão
político-administrativa.
A premiação anual de produtividade segue dois critérios:
desempenho alcançado e assiduidade. Tal premiação é paga
uma vez ao ano, podendo atingir até 50% do salário-base de
cada servidor e não se incorporando ao salário. Para participar
do PPR, é necessário que a secretaria à qual o servidor esteja
vinculado atinja, no mínimo, 75% das metas estabelecidas no
planejamento estratégico. Portanto, o PPR está vinculado ao
desempenho da equipe.

5 A população é consultada, anualmente, para avaliar os serviços prestados. É reali


zada pesquisa de opinião pública quantitativa por empresa contratada. A satisfação das ativida
des-meio é avaliada por pesquisa interna.

249
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

As áreas de recursos humanos e o comitê de qualidade


avaliam o processo, dão publicidade interna e externa e identi
ficam sugestões de melhoria. Há sistemas informatizados para
monitorar mensalmente as metas do planejamento estratégico
(na internet) e de gestão de pessoas para o pagamento do prêmio.
Em 2012, foram pagos R$ 449.202,70 como PPR. Sua criação
proporcionou que as metas fossem mais difundidas e todos
passaram a buscar os resultados em conjunto.
No início, houve resistência dos gestores em estabelecer
metas desafiadoras e preencher os dados solicitados, por per
ceberem que teriam seus resultados monitorados. Os gestores
entrevistados avaliam que o PPR, para alguns funcionários,
passou a ser o fim máximo do Programa de Gestão, uma vez
que parte deles visa o recebimento do prêmio, mais do que o
cumprimento das metas em si. Alguns têm dificuldade de en-
tender que o PPR é um método com uma série de ferramentas
para melhorar o resultado do trabalho executado, reduzindo
custo, tempo e energia.
Há vários resultados positivos, como a redução do
absenteísmo6 de 1,73, em 2009, para 0,017 em 2013. Ou
tras melhorias podem ser observadas, como o Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), passando de 4,3,
em 2005, para 5,7, em 2011. O Índice de Desenvolvimento
Humano (IDH-M) passou, de 0,469 em 1990, para 0,753,
em 2010. Para a equipe, o planejamento, o monitoramento
e a avaliação permanente, com o PPR, estão influenciando a
mudança de cultura institucional.
6 Número absoluto de faltas / (número de colaboradores × dias úteis) × 100.

250
A PRÁTICA E OS EMBATES DAS AVALIAÇÕES DE
DESEMPENHO EM MUNICÍPIOS PAULISTAS

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A gestão de pessoas é uma área fundamental da adminis


tração municipal. Os servidores são essenciais para proporcionar
qualidade de vida aos cidadãos. Atrair a força de trabalho e
contratá-la, remunerá-la adequadamente, desenvolvê-la para
as novas atribuições e competências municipais e mantê-la
motivada são desafios colocados ao poder público. Entretanto,
é preciso que a discussão de desempenho e a necessidade de
flexibilidade passem a fazer parte da agenda local para atingir
os resultados.
Com relação à gestão de pessoas, na maioria dos muni
cípios pesquisados, essa área não goza de posição estratégica e
tem perfil executor de rotinas voltadas à geração e manutenção
da folha de pagamento. Poucas prefeituras, como a de Tarumã,
atuam na gestão do desempenho, com contratualização de re-
sultados e remuneração variável aos servidores.
Seria interessante analisar com mais profundidade as
carreiras criadas nas 11 localidades identificadas na pesquisa
Ipea/Cepam e verificar se os municípios com carreiras específi
cas (educação, guarda e fiscal) estão rompendo com o princípio
da uniformização para todos os servidores. Algumas carreiras
estratégicas necessitam de tratamento diferenciado. É impor
tante identificar se essa diferenciação tem gerado flexibilidade e
autonomia, proporcionando melhor desempenho, ou se é uma
alternativa encontrada para pagar distintamente aqueles com
salários defasados.
Na educação, novo estudo deveria ser realizado para veri
ficar se as mudanças na carreira visam o cumprimento de diretrizes

251
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

nacionais7 estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Base da Educação


Nacional (LDB) e normatizações que a regulamentam, e cujo prin
cípio é incluir incentivos que contemplem titulação, experiência,
desempenho, atualização e aperfeiçoamento profissional.8
Tarumã é o único caso que mostra que metas e incen
tivos financeiros podem ser adotados em pequenos municípios
e podem transformar as práticas já estabelecidas. As avaliações
identificadas são claras e objetivas, com variáveis quantitativas
observáveis e levam em consideração a satisfação dos cidadãos.
Tal constatação aponta que a remuneração variável por desem
penho, com contratualizações, tem se ampliado nos governos
federal e estadual (PACHECO, 2010), mas não é frequente em
municípios paulistas.
O município inova ao remunerar o bom desempenho
utilizando as metas do planejamento estratégico. Seria impor
tante analisar esse município com mais profundidade e verificar
as modificações no padrão de comportamento dos servidores e
os efeitos da cobrança de metas e da premiação entre funcioná
rios e no ambiente de trabalho, bem como a contribuição de
cada um no cumprimento da missão da prefeitura. Observa-se
que houve ações simultâneas de melhoria (capacitações per
manentes, planejamento, criação de sistemas informatizados,
monitoramento etc.) e, como resultado, houve a redução do
absenteísmo e a melhora de indicadores sociais.

7 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB); a Lei federal 10.172/2001, que


institui o Plano Nacional de Educação; a Lei federal 11.738/2008, que institui o piso sala
rial profissional nacional para os profissionais do magistério público da educação básica; e a
Resolução 2/2009, do Conselho Nacional da Educação (CNE), preveem que os municípios
organizem legislação que estabeleça as normas do magistério (Estatuto do Magistério) e o plano
de carreira e remuneração para os profissionais da área.
8 Resolução 2, do Conselho Nacional de Educação.

252
A PRÁTICA E OS EMBATES DAS AVALIAÇÕES DE
DESEMPENHO EM MUNICÍPIOS PAULISTAS

Além de Tarumã, outros municípios que estão introdu


zindo os princípios de promoção horizontal e PPR necessitam
ser estudados, para que se possa identificar se essas inovações são
um instrumento de mudança organizacional e motivacional para
todos os servidores ou apenas para algumas funções. É preciso
acompanhá-los, em médio prazo, para identificar se as iniciati
vas serão um sucesso ou um fracasso, como muitas experiências
analisadas na literatura (ASSIS; REIS NETO, 2013).
A avaliação de desempenho e o PPR podem ser transfor
madores, mas devem estar inseridos dentro dos princípios de uma
boa gestão com planejamento e monitoramento permanentes.
Novas iniciativas como a de Tarumã estão sendo implementadas,
mas ainda é preciso um conjunto de ações para que a gestão de
pessoas seja estratégica em todos os municípios.

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255
CAPÍTULO 9
Tecnocracia, política e modernização do Estado:
uma análise dos dirigentes públicos chilenos

MARIA FERNANDA
Mestre e doutoranda ALESSIOPública
em Administração

e Governo pela Fundação Getulio Vargas – FGV.


Especialistas em Políticas Públicas de São Paulo,
atua como assessora técnica no gabinete da
Secretaria de Planejamento e Desenvolvimento
Regional.
NOTA: O presente trabalho baseia-se na dissertação de mestrado, do curso de Administra
ção Pública e Governo, aprovada pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da
Fundação Getulio Vargas, em fevereiro de 2013. Metodologicamente, foi realizada pesquisa
qualitativa com base na análise documental de dados oficiais do governo chileno e na realização
de entrevistas semiestruturadas com dez dirigentes públicos daquele país, durante a semana de
27 a 31 de agosto de 2012. O grupo de entrevistados representa tanto dirigentes atuantes nos
dois diferentes níveis organizacionais do sistema de alta direção, como atores diretamente rela
cionados a esse sistema, atuantes no Conselho de Alta Direção, na Direção Nacional, membros
da academia, entre outros.
TECNOCRACIA, POLÍTICA E MODERNIZAÇÃO DO ESTADO:
UMA ANÁLISE DOS DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS

INTRODUÇÃO

Recentemente, a literatura vem discutindo a emergência


e relevância de um grupo específico de atores nas organizações
públicas, que atuam com orientação à eficiência, aos resultados
e à criação de valor público. Para tanto, são atribuídas compe
tências específicas de direção a esses atores, que lhes permitem
atuar estrategicamente, com visão de longo prazo, relacionando-se
com diferentes atores para implementação de suas ações e atuan
do com significativa liderança junto aos funcionários públicos
na condução das organizações que dirigem. Segundo Arantes
et al. (2010, p. 112), os dirigentes públicos podem ser definidos
como ocupantes dos

[...] cargos no alto escalão governamental, com responsa


bilidade significativa pelas políticas públicas. Oriundos ou
não das carreiras do funcionalismo, eles dirigem organiza
ções públicas, procurando alinhá-las às políticas de governo
e mobilizando recursos para maximização dos resultados.
São integrantes de uma equipe de governo e podem ser
responsabilizados perante os políticos que os nomearam
e, em certas circunstâncias, perante a própria sociedade.
(ARANTES et al., 2009, p. 112)

259
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

O debate sobre tais atores costuma estar associado ao


debate sobre a consolidação de sistemas de alta direção pública
que vêm adotando instrumentos mais flexíveis para recrutamento
e gestão dos dirigentes. Conforme estudo de Kuperus e Rode
(2008), os elementos mais comuns observados nas regras do alto
serviço civil são: seleção de dirigentes baseada em competên
cias gerenciais e experiências anteriores, contratos com duração
determinada, avaliação por desempenho, candidatos internos
e externos ao serviço público e desejo de atrair os melhores
profissionais. Tais elementos são encontrados no Chile, caso de
destaque na América Latina, caracterizado como um sistema de
emprego, de acordo com a tipologia proposta pela Organização
para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
segundo a qual o processo de recrutamento e seleção de candi
datos se dá de modo aberto, permitindo a entrada de profissio
nais do setor privado. Nesse processo, a contratação é realizada
para o desempenho das atribuições de um cargo específico, que
define as competências e conhecimentos técnicos necessários ao
futuro ocupante (IACOVELLO; LLANO; STRAZZA, 2011;
KUPERUS; RODE, 2008; OCDE, 2003).
Em geral, são escassos os estudos que discutem os
dirigentes públicos empiricamente, assim, mostraremos os
papéis que tais gestores desempenham, argumentando que
são atores fundamentais para a formulação e implementação
das políticas públicas, uma vez que são capazes de dialogar
tanto com a esfera política quanto com a esfera da gestão. Para
isso, analisaremos o sistema de alta direção pública chileno,
experiência bastante consolidada e que reconhece o dirigente
público como ator distinto dos demais, regido por regras

260
TECNOCRACIA, POLÍTICA E MODERNIZAÇÃO DO ESTADO:
UMA ANÁLISE DOS DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS

específicas de recrutamento, seleção, nomeação e gestão, todas


elas orientadas a resultados.
Apresentaremos uma análise dos dirigentes chilenos ba
seada em uma perspectiva histórica tanto sobre o surgimento
e consolidação do sistema de alta direção pública como em
relação às tensões e complementaridades entre tecnocratas e
políticos que marcaram os governos do Chile no período que
compreende desde a redemocratização até os dias atuais. Mostra
remos as principais atribuições dos dirigentes públicos chilenos,
demonstrando que os elementos da política e da gestão estão
fortemente presentes nos trabalhos desenvolvidos e refletidos
em suas competências gerenciais.
A presente investigação, portanto, apresenta caráter qua
litativo e exploratório, e adota o caso chileno como estudo de
caso em razão do sucesso e reconhecimento internacional dessa
experiência, tida como um dos principais avanços da reforma
gerencial daquele país. Em outros países, como o Brasil, há grande
dificuldade de operacionalizar o conceito de alta direção pública,
dada a baixa formalização de sistemas como esse.
Por essa razão, embora não seja objeto deste trabalho,
buscamos também estimular a reflexão sobre a implementação,
para o caso brasileiro, de inovações na gestão do alto escalão go
vernamental, visando sua profissionalização, entendida como o
aprimoramento da capacidade desses atores de atuar numa esfera
que combina os elementos da política e da gestão; e o estímulo
para que os dirigentes brasileiros atuem com orientação aos re-
sultados governamentais, definidos por meio dos mecanismos
democráticos.

261
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

O SISTEMA DE ALTA DIREÇÃO PÚBLICA


SOB UMA PERSPECTIVA HISTÓRICA

A análise da relação entre burocracia e política no contex


to de reforma do Estado no Chile, baseada em uma perspectiva
histórica, é fundamental para orientar a compreensão sobre os
principais paradigmas que nortearam as escolhas institucionais
desse país na construção e implementação do sistema de alta
direção pública (SADP). Nesta seção, mostraremos, com base
na análise de Silva (2010) sobre a composição dos gabinetes
presidenciais, o processo de “tecnificação” da política no Chile
a partir do Governo Pinochet. Nessa análise, mesclaremos os
principais elementos da reforma do Estado no país, destacando
as ações na área de recursos humanos.
Durante o período do Regime Pinochet (1973-1990),
o Chile passou por um processo de reformas caracterizadas pela
adoção de medidas para redução do tamanho e importância do
Estado na economia. Esse regime defendeu fortemente a ocupa
ção dos cargos com base em competências técnico-profissionais
e contou com um preparado corpo técnico, conhecido como
Chicago Boys (SILVA, 2010). Em relação à função pública,
foi um período de grande desprestígio, dada a desvalorização
das remunerações e escassas oportunidades de desenvolvimento
profissional, formação e incentivos ao desempenho (ARMIJO,
2001).
No período de transição democrática (1988-1990) e
início do governo de Concertación,1 o desafio foi garantir que

1 Foram quatro os governos de Concertación: Patricio Aylwin (1990-1994), Eduar


do Frei (1994-2000), Ricardo Lagos (2000-2006) e Michelle Bachelet (2006-2010).

262
TECNOCRACIA, POLÍTICA E MODERNIZAÇÃO DO ESTADO:
UMA ANÁLISE DOS DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS

a restauração à democracia não conduzisse à eliminação da eco


nomia de livre mercado e a uma politização total das políticas
públicas. O presidente Alwyin declarou que “no tenía la inten
ción de repartir cargos sobre la base de ‘cuotas de partido’”, mas
sim que os cargos seriam ocupados pelos mais capazes (SILVA,
2010, p. 195).
Foram desenvolvidas iniciativas para o fortalecimento
do Estado na regulação dos setores privatizados e melhoria da
qualidade das instituições públicas por meio de processos de
modernização de alguns serviços específicos (SILVA DURÁN,
2011). Segundo Armijo (2001), foram realizados esforços para
reajustar remunerações, dotar as organizações de capacidade em
implantar políticas públicas, desenvolver e fortalecer instrumen
tos de coordenação intergovernamentais e melhorar o funcio
namento dos serviços públicos. Em relação ao funcionalismo
público, houve avanço tanto na formalização das relações entre
governo e associações de funcionários, como no desenvolvimento
de ações de valorização salarial.
Já no governo seguinte (1994-2000), Eduardo Frei bus
cou corrigir as falhas de coordenação e cooperação das relações
entre setor público e privado na prestação de serviços públicos,
por meio do fortalecimento dos mecanismos contratuais. Nesse
período, o tema da modernização da gestão pública ganhou
destaque e foi assumido como um dos principais compromissos
do governo: “Estado como un Instrumento al Servicio de la Gente”
(DNSC, 2001a).
Politicamente, esse período representa a superação,
pelo governo anterior, dos receios dos setores opositores de
uma eventual crise econômica (SILVA, 2010). O discurso da

263
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

modernização foi muito recorrente e marcado pela defesa da


criação de um corpo técnico capaz de realizar as reformas: “Asig
naremos la máxima importancia a la calidad de las personas que
ocupen posiciones de responsabilidad dentro del Estado. Establecere
mos un sistema de designación de cargos directivos que contemple la
idoneidad técnica” (SILVA, 2010, p. 201).2 Esse parece ter sido
um dos primeiros indícios que marca o surgimento do SADP.
Para enfrentar um maior nível de descontentamento dos
setores populares e pressão política daqueles que queriam participar
das conquistas econômicas do governo anterior, Frei foi obrigado
a reforçar a área política de seu gabinete. Além disso, a base go
vernista foi criando divergências internas, de modo que Frei teve
dificuldades em lidar com as diferenças políticas de seu governo
(SILVA, 2010). Ainda assim, conseguiu estruturar uma forte equipe
técnica. Alguns avanços desse período foram alcançados por causa
das iniciativas específicas dos dirigentes de algumas organizações.
Merece destaque a criação da Diretoria de Presupuestos (orçamen
to) em 1993, no Ministério da Fazenda, como iniciativa piloto do
Programa de Modernización de la Gestión (PMG), que consistiu
na introdução de instrumentos como planejamento estratégico,
uso de metas e indicadores de desempenho e sistemas de avaliação
nas organizações públicas chilenas (ARMIJO, 2001).
Entre os objetivos da reforma, merece destaque a área
de recursos humanos, na qual a preocupação era constituir uma
rede de servidores que liderassem e se comprometessem com um
Estado a serviço das pessoas (ARMIJO, 2001; DNSC, 2001a;
SILVA DURÁN, 2011). No governo de Eduardo Frei, também
2 Baseado no programa eleitoral de Eduardo Frei, intitulado “Un Gobierno para los
Nuevos Tiempos: Bases Programáticas del Segundo Gobierno de la Concertación de Partidos
por la Democracia”.

264
TECNOCRACIA, POLÍTICA E MODERNIZAÇÃO DO ESTADO:
UMA ANÁLISE DOS DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS

houve o fortalecimento da Asociación Nacional de Empleados


Fiscales (ANEF), que conquistou espaço de constante interlo
cução com o governo e estabeleceu acordos importantes na área
de recursos humanos (ARMIJO, 2001).
No governo seguinte, Lagos (2000-2006) desenvolveu
ambiciosa agenda visando consolidar um processo mais amplo
de reforma política que abrangia instituições públicas, descen
tralização, gestão pública, participação cidadã e transparência
(BAU AEDO, 2005). Mais do que os governos anteriores, Lagos
manteve uma postura ambígua em relação à tecnocracia, menos
favorecida na composição de seu primeiro gabinete, repartido
para acomodação política. Segundo Silva (2010), tal acomoda
ção deveu-se mais à necessidade de apaziguar os ânimos entre
os membros da Concertación do que de formar propriamente
um governo conjunto com os partidos políticos. A presença dos
tecnocratas foi mais presente na área econômica.
Entre as reformas realizadas, destacamos aquelas relacio
nadas à profissionalização dos funcionários públicos, em espe
cial da alta direção. Elas foram impulsionadas quando o Chile
enfrentou uma crise político-institucional, que se iniciou em
2001 e teve origem em uma série de escândalos relacionados ao
pagamento de remunerações abusivas a funcionários nomea
dos politicamente (LONGO, 2009). Tal escândalo gerou uma
onda de insatisfação popular, descrença e falta de legitimidade
do governo (IACOVIELLO; LLANO; STRAZZA, 2011) e
representou fator motivador para que a coalizão (de orientação
centro-esquerda) estabelecesse um pacote de medidas de reforma
institucional em consenso com a oposição (de centro-direita)
(LONGO, 2009).

265
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

A existência de número significativo de dirigentes de


exclusiva confiança convivendo com uma carreira pública estag
nada, pouco premiada pelo mérito, com escassas possibilidades
de ascensão e formas irregulares de contratação estimulou o
desenvolvimento de propostas para criar um estatuto específico
para o alto escalão, considerado como um grupo especial (SILVA
DURÁN, 2011; DNSC, 2001b), bem como para profissionalizar
a carreira pública como um todo.
Assim, foi firmado, em 30 de janeiro de 2003, o Acuer
do Político-Legislativo para la Modernización del Estado, la
Transparencia y la Promoción del Crecimiento, pacto que
significou um grande acordo entre governo e oposição, orien
tado a implementar as agendas de modernização, transparência
e crescimento econômico do Chile e desenvolver um Estado
capaz de responder com eficiência e eficácia aos interesses de
seus cidadãos (BAU AEDO, 2005). Como parte desse acordo,
foi aprovada uma nova lei para os funcionários públicos, pa
ralelamente à criação do SADP. Além disso, foram aprovadas
medidas para melhoria da remuneração dos funcionários públi
cos, criadas políticas de capacitação e promoção com base no
mérito e implementadas políticas de bonificação institucional
por desempenho (CEGADES, 2003).
Merece destaque a criação do SADP, sistema que vem
incorporando, gradualmente, cargos de organizações públicas
descentralizadas (diretamente vinculadas aos ministérios)3 numa
nova sistemática de seleção e nomeação de dirigentes. O SADP
representou a redução do número significativo de cargos de
3 Num primeiro momento, as organizações são inscritas paulatinamente nesse
sistema conforme os vagos vão tornando-se vagos; hoje, dez anos após sua implementação,
há consenso de que todas as organizações devem ser incorporadas.

266
TECNOCRACIA, POLÍTICA E MODERNIZAÇÃO DO ESTADO:
UMA ANÁLISE DOS DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS

direção, até então providos exclusivamente por livre nomeação


política (SILVA DURÁN, 2011). Por meio da figura 1, é possível
visualizar esses estratos do emprego público chileno:

Figura 1. Estrutura do emprego público no Chile.4


Autoridades do Governo + dirigentes
públicos não pro�issionais
(1.283/0,6%)

ADP I (185)

SADP(1.049/0,5%)
ADP II (864)

Terceiro nível hierárquico


(5.632/2,7%)

Carreira pública (199.320/96%):


pro�issionais (81.973)
técnicos (56.759)
administrativos (39.705)
auxiliares (20.883)

Fonte: Adaptado de Chile (2012a; 2012b).

Os governos seguintes à implantação do SADP foram


continuamente propondo seu fortalecimento. Michele Bachelet,
(2006-2009) embora tenha apresentado discurso fortemente antitec
nocrático em sua campanha eleitoral,5 compôs o gabinete mais tec
nocrático do Chile desde a restauração democrática (SILVA, 2010).
Em relação ao SADP, Bachelet propôs um conjunto de medidas ao
Congresso (CHILE, 2006; 2009), visando o seu fortalecimento.
Já o governo seguinte representou a primeira vitória
da direita chilena em uma eleição presidencial desde 1958.

4 A representação considera Pessoal Civil do Governo Central (Administração


Central, Controladoria Geral da República, Poder Judiciário, Congresso Nacional e Mi
nistério Público); e exclui Forças Armadas, empresas públicas, funcionários municipais e
serviços municipalizados, assim como deputados e senadores.
5 Seu lema era “No a los tecnocratas, sí a la gente” (SILVA, 2010, p. 221).

267
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Sebastián Piñera (2010-2013) adotou estilo de governar caracte


rizado pelo distanciamento dos partidos políticos,6 o que, asso
ciado à composição de equipes fortemente técnicas, gerou duras
críticas. Por um lado, há quem defenda7 que o governo Piñera
orientou-se à gestão e não à governabilidade (SILVA, 2010). De
outro lado, defensores8 argumentam que os técnicos também são
capazes de diagnosticar as necessidades da população e executar
políticas públicas orientadas a satisfazê-la (SILVA, 2010).
Retomando a discussão sobre o SADP, cabe mencionar
que o governo Piñera continuou buscando seu aprimoramento
por meio de projetos de lei enviados ao Congresso, alguns veta
dos e outros em tramitação (CHILE, 2003). Apesar das duras
críticas a esse presidente pela elevada renovação de dirigentes,
observamos que há, no país, forte consenso sobre a relevância do
SADP; a cada ano, o sistema vem incorporando maior número de
organizações e os concursos vêm tornando-se mais competitivos,
demonstrando seu fortalecimento como instrumento legítimo
para a seleção e gestão do alto escalão governamental. O prin
cipal desafio, do ponto de vista do governo chileno, parece ser
o de equilibrar as competências da nomeação exclusivamente
política (necessárias no contexto do presidencialismo de coalizão
chileno) com a nomeação de dirigentes profissionais na busca
pela governabilidade, mas também pelo melhor desempenho das
políticas públicas do país.
6Umdosaspectos mais destacados dessa composição é a grande quantidade de
ministros independentes: 14 dos 22 ministros não atuam nos partidos da Coalición por el
Cambio; os outros cargos dividem-se igualmente entre a Unión Demócrata Independiente
(UDI) e a Renovación Nacional, partidos da base governista.
7 Baseado em: Robinson Esparza, Gabinete de Sebastián Piñera: Ingenuidad de
cómo lós Gerentes Volverán a Casa y lós Políticos al Gobierno, El ConceCuente, 10 fev.
2010.
8 Baseado em: Ricardo Manzi, Políticos Profesionales, Tecnócratas y Grupos de
Presión, El Mostrador, 2 abr. 2010.

268
TECNOCRACIA, POLÍTICA E MODERNIZAÇÃO DO ESTADO:
UMA ANÁLISE DOS DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS

DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS: ATUAÇÃO


ORIENTADA A RESULTADOS
Neste tópico apresentamos as principais atividades de
sempenhadas pelos dirigentes públicos chilenos, destacando
características que são próprias e específicas desse grupo, bem
como semelhanças e diferenças existentes entre eles. Mostrare
mos, por meio da análise dos dirigentes públicos entrevistados,
que sua atuação se dá num espaço marcado pelas dimensões da
política e da gestão.
De modo geral, os dirigentes públicos chilenos são
responsáveis pela direção de organizações públicas descen
tralizadas e/ou desconcentradas, orientados por convênios
de desempenho, e devem subordinação direta aos políticos
eleitos, Ministros de Estado e Presidente da República. Esses
dirigentes ocupam as mais altas posições governamentais,
sendo nomeados pela combinação de critérios técnicos, com
petências gerenciais e discricionariedade política, elementos
que configuram um diferenciado espaço de atuação, de modo
que o desafio desses atores está justamente no equilíbrio entre
a capacidade de gestão e a de atuação responsiva aos interesses
democráticos, segundo orientação dos agentes políticos. Os
dirigentes podem ter origem tanto no próprio setor público,
como no setor privado, e representam um grupo distinto, regi
do por regras próprias e específicas, que permitem diferenciá
-los dos grupos profissionais tradicionais (o que denominamos
de “funcionários de carreira”).
Considerando que a atuação dos dirigentes públicos
ocorre em um espaço que mescla a combinação dos elementos da
gestão e da política, notamos que essa atuação diferencia-se tanto

269
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

em termos da posição institucional ocupada (níveis hierárquicos


I e II), como em relação à forma de gestão dos trabalhos.
Os dirigentes cuja organização está inscrita no SADP são
recrutados pelo mesmo sistema e atuam segundo a totalidade de
suas regras (celebração de convênios de desempenho, remune
ração variável, tempo definido de permanência no posto, entre
outras); por outro lado, observamos a existência de um grupo
composto por dirigentes que são selecionados via SADP, mas
que não atuam segundo as regras anteriormente mencionadas
(esses últimos atuam nos denominados serviços públicos não
inscritos).9 A principal diferença na atuação desses atores refere
-se à celebração dos acordos de desempenho apenas para aqueles
responsáveis por organizações incorporadas completamente ao
SADP, o que consideramos principal elemento que caracteriza a
atuação do dirigente público, ou seja, a orientação a resultados.
Há outra diferença entre dirigentes públicos de nível
hierárquico I e II. Enquanto os primeiros atuam liderando deter
minada organização como um todo, os últimos são responsáveis
pela gestão de uma unidade específica dessa organização (por
exemplo, Departamentos de Recursos Humanos, Financeiro,

9 Este segundo grupo não foi considerado no escopo da pesquisa,


mas consideramos relevante mencionar essa diferença existente no sistema
chileno, para melhor delimitar o escopo da pesquisa e para indicar caminhos
possíveis para futuros estudos sobre o tema. Desconhecemos a causa de tal
diferenciação, mas imaginamos que pode se relacionar à dificuldade de cada
organização de aderir integralmente às novas regras criadas para a gestão
dos altos funcionários públicos, de modo que essa pode ser uma opção para
uma entrada paulatina no sistema, ou mesmo uma forma de aproveitar a
estrutura já instalada para seleção profissional do alto escalão, sem a neces
sidade de se fazer uso das demais regras existentes como a dos convênios de
desempenho.

270
TECNOCRACIA, POLÍTICA E MODERNIZAÇÃO DO ESTADO:
UMA ANÁLISE DOS DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS

entre outros). Por essa razão, segundo entrevista com empresa


de headhunting, o dirigente de nível II teria perfil mais técnico
e foco nas atividades de gestão, enquanto o de nível I teria mais
foco nos resultados, atuando para influenciar o alcance das metas
e tendo, assim, uma natureza de atuação mais política e voltada
para uma perspectiva de mais longo prazo.
Diversos atores entrevistados apontaram essa diferença
entre os níveis hierárquicos: o primeiro sendo mais político e o
segundo mais técnico. Para o alto funcionário da Direção Nacio
nal entrevistado, o primeiro nível estaria muito mais associado à
confiança política, enquanto o segundo ao desempenho; nesse
mesmo sentido, o conselheiro de alta direção entrevistado afirmou
que os primeiros seriam “os melhores dirigentes do governo”
enquanto os dirigentes II seriam “os melhores do Chile”: “hoy
en día yo diría en el primer nivel hay bastante consenso que es para
seleccionar a los mejores del gobierno de turno, no es asi en el segundo
nivel, el segundo nível es mucho mas tecnico”.
Em relação aos dirigentes de nível I, o conselheiro de
alta direção pública entrevistado trata da importância de sua
habilidade de gestão operacional (MOORE, 1995), uma vez que
esse gestor deve compreender os objetivos a serem alcançados
e traduzi-los para toda a organização, fazendo com que cada
funcionário entenda o significado e o valor de seu trabalho para
o alcance daqueles objetivos.

[…] O sea, son los directivospúblicos de primer nivel jerárquico


que, a mi juicio, dependiendo de la dimensión del cargo, son
bien ‘‘superhombre’’ o “super persona”, porque hay que ser tre
mendamente completo, muy empático, poder relacionarse bien
con las autoridades hacia arriba, con los subalternos, hay que

271
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

convencer a la gente, porque lo quepasa en la administración


pública es que todo el administrativo, el profesional que está en
la administración pública está acostumbrado a que pasen estos
directivos, entonces llega uno con buenas ideasy con ganas de
hacer cosas y la gente lo mira y dice “yo estoy aquí hace veinte
años y este llegó hace seis meses, ¿por qué voy a cambiar?”,
entonces convencer a este señor de que hay que trabajar de otra
manera… Lo que atiende mucha gente, por ejemplo [...], ese
señor que está todos los días timbrando papel y que se pone el
mismo uniforme azuly que lleva 20 años timbrando elpapel,
la persona que llega la tiene que convencer de que su trabajo de
timbrar el papel es lo más relevante delplanetay eso se requiere
ser bien un “superhombre”para conseguirlo. Eso deprimer nivel.
En el segundo nivel el conocimiento técnico es más relevante a
mijuicio en los cargos de menos exposición; [...] en los cargos
regionales, probablemente la exposición es similar a la nacional,
pero en una dimensión más chica. [Entrevistado do conselho
de alta direção pública.]

Sobre as diferenças entre os dirigentes I e II, também


cabe mencionar que os primeiros são mais generalistas, uma vez
que devem conduzir diferentes áreas da organização e ter com
petências de integrá-las e coordená-las na busca por resultados,
enquanto que os segundos são mais especialistas, pois devem
conduzir assuntos específicos e possuem contato mais próximo
com as equipes técnicas das organizações. Segundo o dirigente
entrevistado do Parque Metropolitano:

Creo que los segundo nivel son mucho más técnicos, profe
sionales, para resolver problemas concretos de sus áreas e sus
profesiones. Por ejemplo: en el Zoológico, hay un veterinario; en
la División Jurídica, hay un abogado; en la División Técnica,
un arquitecto; la de Jardines, un ingeniero agrónomo; entonces
resolveproblemas que están muy asociados a su competencias

272
TECNOCRACIA, POLÍTICA E MODERNIZAÇÃO DO ESTADO:
UMA ANÁLISE DOS DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS

profesionales. Y creo que en primer niveljerárquico, si bien la


profesión es importante, es mucho más importante lagestión
y la visión de la institución; entonces yo creo que el primer
niveljerárquico tiene que si tener conocimientos técnicos, pero
sobretodo tener una muy buena capacidad de gestión, tiene
que tener un claro liderazgo también, saber conducir, poder
proponer al ministerio distintas iniciativas, tener políticas
internas y también bajar las políticas del Estado, de la insti
tución. [Dirigente do Parque Metropolitano de Santiago.]

Também cabe mencionar a existência de uma importan


te diferença entre dirigentes de nível II relacionada ao fato de
alguns desempenharem atribuições no âmbito de determinadas
unidades das estruturas organizacionais nacionais, ao passo que
outros são responsáveis pela liderança de organizações regionais.10
Segundo o diretor do Servicio de Registro Civil e Identificación
entrevistado, os diretores regionais, embora hierarquicamente
localizem-se abaixo dos dirigentes de nível hierárquico II dessa
organização, possuem atuação mais similar à do diretor nacional,
porém com escopo reduzido para a região administrativa corres
pondente. A mesma opinião é compartilhada pelo conselheiro
de alta direção pública, que entende tal diferença atrelada ao
tipo do serviço público.
Embora o diretor regional tenha uma atuação voltada
mais para o ambiente externo da organização (diferentemente
de um chefe jurídico, por exemplo, que atua internamente),
seu escopo de atuação (orçamento, equipe, território) é muito
menor que o de um diretor nacional. Segundo esse conselheiro,

10 Não foi possível a realização de entrevistas com dirigentes de nível II atuantes no


âmbito regional; ainda assim, podemos apontar algumas considerações iniciais baseadas nas
entrevistas realizadas.

273
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

há uma discussão presente no país sobre cargos de nível I que


deveriam ser de nível II e vice-versa; tal discussão é baseada nos
diferentes níveis de responsabilidade que cada dirigente possui
no âmbito de sua organização.
Independente do nível hierárquico, todos os dirigentes
públicos chilenos devem preencher requisitos legais de titulação
de carreira e experiência profissional que garantam competências
técnicas mínimas para assumir o cargo. Eles também devem
possuir um conjunto de competências gerenciais, cujos pesos são
diferenciados para o desempenho das diferentes funções. Essas
competências são definidas segundo uma matriz composta por
sete dimensões, tais como liderança, inovação e gestão de redes,
que constituem o eixo central para a seleção e gestão desses
dirigentes.
Para ilustrar as atividades desempenhadas pelos diri
gentes chilenos, apresentamos os casos do dirigente do Parque
Metropolitano de Santiago (nível I) e do dirigente jurídico do
Servicio Agrícola y Ganadero (nível II).

PARQUE METROPOLITANO DE SANTIAGO

O dirigente do Parque Metropolitano de Santiago,11


responsável por sua direção, relaciona-se diretamente com a
Dirección de Proyectos de Ciudad, unidade que representa essa

11 O dirigente do Parque Metropolitano trabalha nessa organização desde 1999,


quando foi contratado como veterinário temporário do Zoológico Nacional. Em 2003, foi
nomeado em um posto de confiança como diretor do zoológico; em 2009, prestou con
curso para o próprio cargo quando este foi incorporado ao SADP (nível hierárquico II).
Em 2012, assumiu como diretor provisório, quando o cargo esteve vago; postulou ao
concurso para essa posição e foi nomeado como dirigente público I no mesmo ano
(dirigente entrevistado).

274
TECNOCRACIA, POLÍTICA E MODERNIZAÇÃO DO ESTADO:
UMA ANÁLISE DOS DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS

organização no Ministério de Habitação e Urbanismo e, indi


retamente, relaciona-se com o ministro, com o qual estabelece
seu convênio de desempenho. De modo a atender às diretrizes
do referido Ministério, deve promover a manutenção, conser
vação e desenvolvimento do maior parque urbano do Chile e
um dos maiores do mundo, incluindo o Zoológico Nacional,
bem como de outros 18 dezoito parques distribuídos na Região
Metropolitana de Santiago. O dirigente deve, ainda, desenvolver
ações de educação ambiental para os seus visitantes, bem como
atividades culturais, artísticas e desportivas (CHILE; 2012c).
Segundo palavras do próprio dirigente sobre sua função:

Cumplimos un rol, una misión muy importante, en una ciu


dad tan grande como la es Santiago, de traer naturaleza […]
y junto con traer la naturaleza, o devolver la naturaleza a las
personas de la ciudad, entregamos posibilidades de mejorar
la calidad de vida a estas personas, primero por los servicios
eco sistémicos[...], la captación de polvo en suspensión, […]
capturamos mucho polvo en nuestros bosques, producimos oxí
geno, retenemos CO2; adicionalmente, porque la gente puede
aprender, tenemos una labor muy importante en educación
medioambiental […]; adicionalmente, también entrega
mos oportunidades de cultura […] y adicionalmente, es una
excelente oportunidad para hacer deporte. [Entrevistado B,
Parque Metropolitano de Santiago, grifo nosso.]

Destacamos avisão que o dirigente apresenta de seu pró


prio trabalho. Quando define suas principais atividades, ele não
menciona ações rotineiras ou produtos específicos que entrega,
mas tem sua atenção voltada aos impactos mais amplos resul
tantes de sua atuação, relacionados à melhoria da qualidade de
vida que proporciona à sociedade. De modo mais específico, esse

275
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

profissional deve dirigir a organização como um todo, admi


nistrando seus recursos financeiros, materiais e humanos, pro
movendo o desenvolvimento de seus funcionários e garantindo
a entrega de serviços de qualidade. Para o desempenho de tais
atribuições, ele deve possuir competências técnicas específicas de
planejamento, avaliação e execução de projetos (CHILE, 2012d).
Os principais desafios aos quais esse dirigente deve res
ponder relacionam-se ao desenvolvimento de ações para: a)
incrementar a superfície de áreas verdes por habitante, por meio
da gestão eficiente e eficaz da rede de parques urbanos; b) gerar e
potencializar alianças estratégicas com atores públicos e privados
em apoio a processos de melhoria contínua; e c) gerar e imple
mentar propostas inovadoras e eficientes em relação aos recursos
naturais limitados, como a água (CHILE, 2012d).
Em relação a tais projetos, destacamos a forte inter
-relação do dirigente com demais atores externos à organização,
tais como entidades privadas para o estabelecimento de parcerias.
Entre as atribuições, notamos que esse dirigente deve, para gerir
com êxito essa organização, atuar em constante interação com
sua equipe interna, bem como com diversos atores externos, tais
como associações de funcionários, organismos internacionais
relacionados com as áreas de zoológicos e parques, organizações
públicas nas áreas de agricultura, turismo, educação e outras.

SERVICIO AGRÍCOLA Y GANADERO

O Servicio Agrícola y Ganadero é entidade dependente


do Ministério de Agricultura. Essa entidade tem por desafio

276
TECNOCRACIA, POLÍTICA E MODERNIZAÇÃO DO ESTADO:
UMA ANÁLISE DOS DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS

contribuir para o desenvolvimento produtivo do país e para


a melhoria da competitividade do setor agrícola, pecuário e
florestal, em concordância com o desenvolvimento nacional,
seu potencial produtivo e o entorno internacional (CHILE,
2012c).
Ao chefe de divisão jurídica, dirigente entrevistado,
corresponde prestar assessoria jurídica ao diretor nacional, re-
presentar a organização em assuntos jurídicos e ditar resoluções
necessárias ao cumprimento dos objetivos da organização, além de
velar pelo cumprimento e aplicação de suas normas. Destacamos
a importância da atuação desse dirigente no desenvolvimento de
trabalho legislativo voltado à consolidação de modelo agroexpor
tador, bem como à revisão das normas sanitárias do país. Além
disso, esse profissional deve promover uma gestão organizacional
eficiente no âmbito de sua divisão, promovendo sua moderniza
ção (redefinição de papéis e funções) (CHILE, 2012d).
Constituem entregas do serviço jurídico, segundo o di
rigente entrevistado, o resguardo legal às atuações realizadas pela
organização, a participação na geração de serviços que busquem
prevenir problemas e não apenas resolvê-los, dar fundamento
jurídico às decisões que precisam ser tomadas, entre outros.
Segundo o entrevistado:

Mi trabajo en particular es revisar lo que hacen las personas,


[…] orientarlesy darles criterios, ellos hacen el trabajo y luego
me lo presentan yyo lo reviso; y también me toca […] ser el
vocero hacia fuera dela división, es decir, cuando hay reunio
nes o situaciones cuando el Director u otro me toca a mí poder
orientar oparticipar de las decisiones […]. Gran parte de mi
función también es aconsejary en esto de aconsejar, aconsejo,
y eso podrá o no ser coincidente con elgobierno de turnoy en

277
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

eso me considerarán o no me considerarán, pero mi lealtad, mi


trabajo, mi obligación es decirle a mi jefe “oigajefe, perfecto,
yo ejecuto lo que usted quiera, pero permítame decirle queyo
creería que quizá esto es lo que yo haría” […]. [Dirigente
jurídico do Servicio Agrícola y Ganadero.]

Internamente, o diretor jurídico deve relacionar-se com


sua equipe e com as diretorias regionais, orientando sua atuação
em temas jurídicos. Externamente, atua em contato com as di
visões jurídicas de diversas organizações públicas, Controladoria
Geral da República, organismos exportadores e importadores,
entre outros (CHILE, 2012d). Em relação aos convênios de
desempenho e aos resultados que deve entregar, esse entrevistado
afirma que:

[…] pero creo que lo que se espera de mí es queyo no


sea un expertojurídico, lo que yo creo que se espera de
mí es que tenga la habilidad directiva de poder condu
cir los aspectos jurídicos y yo esperaría lo mismo del jefe de
salud animal […]entonces te diría que nuestro compromiso
directivo de desempeño tengan que reflejar nuestra capacidad
gerencial, nuestra capacidad de dirección, más que nuestra
expertise jurídica. [Dirigente jurídico do Servicio Agrícola y
Ganadero, grifo nosso.]

Constituem metas que devem alcançar a entrega de pro


dutos de apoio jurídico ao restante da organização, assegurar a
melhoria contínua dos processos de responsabilidade da divisão,
segundo sistema de gestão da qualidade; melhorar o clima de
trabalho de acordo com o Código de Boas Práticas Laborais
existente; e aumentar a eficácia das atividades de controle interno
(orçamentário e de gestão) (CHILE, 2012c).

278
TECNOCRACIA, POLÍTICA E MODERNIZAÇÃO DO ESTADO:
UMA ANÁLISE DOS DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS

Notamos, assim, que esse dirigente tem responsabilidades


restritas à sua divisão e aos temas jurídicos, devendo ser mais espe
cialista nesse tema do que se fosse um dirigente de primeiro nível
hierárquico. Apesar disso, e segundo palavras do próprio dirigente,
mais do que o saber técnico, sua atuação requer habilidades de
gestão para conduzir processos de mudança, orientar a equipe,
aconselhar seu diretor nacional, relacionar-se com o público interno
e garantir que seus objetivos possam ser alcançados.
Com base nos perfis e atribuições dos dois casos desta
cados e das demais entrevistas realizadas, podemos afirmar que
tanto os dirigentes de nível I como os de nível II são responsáveis
pela gestão da organização, ou de uma unidade organizacional,
devendo responder por sua equipe e orçamento, bem como pelo
desenvolvimento de projetos de modernização e melhoria insti
tucional, entregando melhores serviços aos cidadãos em termos
de eficiência e qualidade. Assim, tais atores de fato atuariam nas
três esferas propostas por Moore (1995), relacionadas à gestão
operacional, estratégica e política, porém com diferentes inten
sidades conforme cada situação vivenciada (LONGO, 2007).
Notamos que os dirigentes atuam voltados internamente
e externamente à organização, devendo gerenciar habilmente
suas redes, possuir perfil de liderança e gerenciar equipes em
busca do alcance de objetivos estratégicos; porém, dirigentes de
nível I o fazem para assuntos mais amplos, relacionados ao ne-
gócio como um todo, enquanto dirigentes de nível II possuem
atuação mais restrita à sua divisão e devem ser ainda mais técni
cos e especialistas em sua área de formação. Os profissionais de
nível II também atuam em escala mais reduzida, gerenciando
orçamentos e equipes menores.

279
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Embora a celebração dos convênios de desempe


nho ainda precise ser aprimorada, segundo atores entrevistados,
tal celebração representa importante instrumento para orientar
sua atuação aos resultados desejados. A título de conclusão, cita
mos as definições que os próprios atores entrevistados atribuem
aos dirigentes públicos chilenos:

Claramente es un articulador entre el Ejecutivo y la ciu


dadanía. […] en relación a su rol es un motivador, es un
movilizador de su organización [...]; el directivo es más que
un burócrata, el directivo [...] le da perspectiva a la realidad,
alpolítico [...], el directivo aparte dirige, moviliza [...]; hoy
ya tenemos un ciudadano con otras características, más exi
gentes, y creo que el directivo con este cambio de realidad, con
el cambio del Estado, con las alternativas privado-públicas
[...] ahí nasce un nuevo marco y en ese nuevo marco
puede ser que aparezca el directivo. [Alto funcionário
da Direção Nacional, grifo nosso.]

Yo creo que el directivo público es un agente de alguna forma


transformador de cambio de los organismos públicos, un
gestor altamente especializado con alta capacidad técni
ca para dirigir, gestionar al interior de los organismos
públicos, con una mirada fuertemente técnica, profesional
[...], que participen […] con una mirada estratégica, digamos,
de lasfuncionesy misiones que le corresponden al rol de cada
organismo público entregar en beneficio de la ciudadanía,
con un alto estándar de probidad. [Dirigente II, que acumula
o exercício das atribuições de dirigente público I – Chile
Compra, grifo nosso.]

Un directivo público yo te diría que es un actor […] instalado


entre el político y entre el burócrata, que tiene que ter
la capacidad de interactuar con lógicas para producir

280
TECNOCRACIA, POLÍTICA E MODERNIZAÇÃO DO ESTADO:
UMA ANÁLISE DOS DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS

resultados que respondan tanto a la legitimidad técnica


como a la legitimidad política. [Acadêmico da Universi
dad Alberto Hurtado, grifo nosso.]

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme demonstrado na análise histórica do sistema


de alta direção, a preocupação das reformas sempre foi acompa
nhada da constituição não de corpos meritocráticos permanentes,
como no caso brasileiro, mas do fortalecimento de lideranças
que conduziriam processos específicos de modernização. A pró
pria constituição do SADP tem origem nos movimentos re-
formadores conduzidos em áreas específicas por dirigentes de
algumas organizações específicas. Essa característica é bastante
relevante para a compreensão da escolha do Chile em constituir
um sistema que trata o alto escalão como um grupo distinto e
valoriza a atuação individual de cada liderança.
As análises trazidas por Silva (2010) são relevantes para
ajudar a compreender, paralelamente, que o país sempre valorizou
a formação de equipes técnicas para a condução das políticas
públicas, com destaque para as políticas macroeconômicas, como
forma de legitimar a atuação do governo frente à sociedade. A
ocupação política dos cargos, vista como um dos fatores que levou
ao fracasso da democracia e à ocupação do governo pela ditadura
de Pinochet, sempre foi evitada pelos governantes, que recorriam
a tais nomeações na busca pelo apoio político necessário para
governar, mas sempre protegendo da interferência política as áreas
econômicas (similarmente ao que ocorre no caso brasileiro). Tal
combinação da nomeação política e técnica, no entanto, vem
crescentemente valorizando a segunda em detrimento da primeira

281
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

e vem exigindo dos partidos políticos a constante busca por seu


fortalecimento técnico (SILVA, 2010).
Nesse contexto, ganha relevância o debate sobre a profis
sionalização do serviço civil, com destaque para aqueles funcio
nários que compõem o alto escalão governamental. Para Longo
(2003), os dirigentes públicos não apenas ganham importância
nesses movimentos de modernização, como também são condição
necessária para conduzir tais processos com orientação a resulta
dos. É interessante observar que a experiência chilena parece ter
caminhado exatamente nessa direção, uma vez que em todos os
documentos oficiais analisados, a direção pública aparece como
ação prioritária de governo e, mais do que isso, a própria imple
mentação do SADP representa, ao lado do destacado sistema de
compras públicas chileno, o mais importante e conhecido avanço
do país em termos de reforma gerencial.
Vimos que a criação do sistema de alta direção teve origem
na nova lei de funcionários públicos, à qual é atribuída importância
fundamental por normatizar e consolidar uma nova política de
pessoal para todo o Estado chileno, baseada no mérito e nas compe
tências de gestão. A principal característica e inovação desse sistema
representa, conforme apresentado, a combinação das dimensões
da política e da gestão como pilares centrais, com destaque para
a seleção de seus dirigentes. Uma vez selecionados pelo critério
do mérito e da competência técnica e gerencial, os dirigentes
chilenos relacionam-se com seus superiores hierárquicos segun
do uma relação de confiança. Tal experiência representa, assim,
uma importante mudança tanto nas instituições como na cultura
política chilena, anteriormente marcada por uma carreira estagna
da e uso político dos cargos púbicos (IACOVIELLO; LLANO;

282
TECNOCRACIA, POLÍTICA E MODERNIZAÇÃO DO ESTADO:
UMA ANÁLISE DOS DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS

STRAZZA, 2011). Além disso, vem buscando um patamar de


profissionalização, transparência, probidade, competência e mé
rito dos seus quadros de direção como primeiro passo para uma
mudança mais ampla em toda a sua estrutura de emprego.
Especificamente em relação à atuação dos dirigentes chi
lenos, notamos que eles atuam voltados interna e externamente
à organização, devendo gerenciar habilmente suas redes, possuir
perfil de liderança e gerenciar equipes em busca do alcance de ob
jetivos estratégicos. A atuação desses profissionais é marcada pela
busca por resultados em atendimento às diretrizes ministeriais,
bem como pela orientação aos cidadãos e aos funcionários pú
blicos de sua organização. Além das responsabilidades gerais que
cada dirigente deve assumir, relacionadas à gestão organizacional
e à eficiência (orçamentária, de equipes, entre outras), também
são responsáveis por liderar projetos específicos relacionados à
melhoria e modernização organizacional.
Entendemos, desse modo, que os dirigentes públicos
chilenos diferenciam-se dos tipos ideais weberianos atuando
em um contínuo de atribuições que mesclam aspectos políticos
e gerenciais, à medida que se localizam mais próximos ou mais
distantes dos atores políticos. Embora tenhamos observado que os
convênios de desempenho ainda precisam avançar na experiência
chilena, sabemos que tais atores orientam suas ações aos objetivos
estratégicos dos ministérios e do Governo, devendo gerir eficien
temente suas organizações. Os dirigentes possuem autonomia
para tanto, já que são responsáveis pela gestão orçamentária,
financeira e de recursos humanos e são responsabilizados por
resultados, diferentemente da responsabilização burocrática,
baseada em procedimentos.

283
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Também entendemos o dirigente público chileno como


distinto dos demais funcionários públicos porque sua relação com
o Estado é temporária, desvinculada de qualquer possibilidade de
estabilidade, e sua relação com seu superior hierárquico se dá em
relação ao alcance de resultados, e não ao cumprimento de regras.
No entanto, sabemos que tais dirigentes podem ter origem nos
cargos de carreira; porém, devem abrir mão de seu cargo anterior
para assumir os desafios dos cargos de direção, devendo atuar
segundo um éthos completamente diferente, voltado a resultados
e à criação de valor público, promovendo a integração entre as
diretrizes políticas e as ações desenvolvidas pelos burocratas.
Assim, esse éthos constitui seu principal elemento diferenciador,
pois o que motiva tais atores são os desafios que estão dispostos
a assumir e as melhorias que podem implementar na busca pela
construção de um Estado mais moderno e responsivo.
A discussão sobre os dirigentes públicos e a difícil deli
mitação entre as esferas da política e da gestão permitem, com
a análise do caso chileno, levantar algumas comparações com
o caso brasileiro e com a experiência do governo do estado de
São Paulo. Consideramos relevante mencionar, inicialmente,
que esse debate, no Brasil, é diferente do realizado sobre o caso
chileno, uma vez que o primeiro não apresenta as mesmas carac
terísticas de um sistema formalmente institucionalizado e com
regras específicas para recrutamento e gestão dos funcionários de
alto escalão.
No Brasil, o debate sobre os dirigentes públicos está
associado às discussões das elites no poder (ABRUCIO;
LOUREIRO; ROSA, 1998; D’ARAÚJO, 2007), aos diferentes
padrões observados para nomeações em cargos de confiança ou

284
TECNOCRACIA, POLÍTICA E MODERNIZAÇÃO DO ESTADO:
UMA ANÁLISE DOS DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS

comissão (PACHECO, 2008; 2011) ou, ainda, às discussões


sobre as competências gerenciais que caracterizam tais atores
(PACHECO, 2002).
Em relação aos espaços institucionais, são discutidas
diferentes formas de seleção e ocupação de cargos de alta direção
públicos. Historicamente, predomina a visão de que as nomea
ções políticas foram e ainda são, em geral, baseadas em práticas
clientelistas e patrimonialistas. Entretanto, estudos recentes vão
mostrar diferentes combinações de critérios que mesclam téc
nica e política, visando a nomeação de dirigentes que possam
atender a interesses específicos dos políticos, ora mais voltados a
assuntos técnicos, ora à elaboração de alianças que garantam sua
governabilidade política (PACHECO, 2008; 2008b). Em outros
momentos, tais cargos de livre provimento são discutidos como
alternativas mais ágeis para contratação de servidores ou, ainda,
como instrumentos para sua valorização, dada a possibilidade
de aumento na remuneração com a ocupação dos cargos em
comissão (PACHECO, 2008a).
Desse modo, o debate sobre o dirigente público no Bra
sil ora é pautado pela discussão sobre a ocupação de cargos em
comissão por funcionários de carreira, ora pela discussão das
competências gerenciais que lhe são características. Observa-se,
ainda, que a atenção está mais voltada às formas de ocupação dos
cargos de livre provimento e ao combate a práticas clientelistas
do que em analisar que perfis de direção e que formas de seleção
seriam mais adequadas para se garantir que, de fato, os melhores
servidores ocupem os cargos de alto escalão brasileiros.
Também são pouco conhecidos estudos que analisem
o caso brasileiro à luz das discussões realizadas por Kuperus e

285
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Rode (2008) e pela OCDE (2003), que chamam a atenção para a


relevância da institucionalização de um conjunto de mecanismos
de gestão de pessoas que permita ao alto escalão o alcance dos
resultados pretendidos, entre eles a possibilidade de celebração
de acordos de resultados. A literatura no Brasil, portanto, avança
pouco nessa questão.
Em relação à experiência do estado de São Paulo, estudos
específicos sobre o tema são ainda mais escassos. Ressaltamos,
entretanto, a experiência recente de implementação da Certifica
ção Ocupacional, a exemplo do que vem sendo feito por outros
estados, como Bahia e Minas Gerais. Por meio da certificação
de profissionais ocupantes de cargos de direção, vêm sendo re-
definidas as formas de recrutamento e seleção de alguns cargos
de livre provimento e exoneração. Tais discussões vêm buscando
dialogar, ainda preliminarmente, com o debate sobre dirigentes
públicos (ALESSIO, 2012).
A experiência da Certificação Ocupacional em São Paulo
já foi adotada para seis diferentes cargos de livre provimento e
exoneração, entre eles os de dirigente regional de ensino.12 O
objetivo da certificação é acreditar profissionais tecnicamente
capazes para ocupar os referidos cargos.
A lista dos servidores certificados alimenta um banco de
talentos, utilizado como instrumento gerencial pelos políticos
para nomear, a qualquer momento, quaisquer servidores que
sejam de sua confiança. Esse modelo, ao combinar critérios
meritocráticos e políticos para seleção e nomeação de servidores,
12 Os demais cargos que exigem a certificação são: gerentes de organização es-
colar, diretor regional de saúde, diretores de unidades hospitalares, diretores de Centros de
Atendimento Médico-Ambulatorial (CEAMAS) e diretores técnicos III do Departamento
Estadual de Trânsito (Detran).

286
TECNOCRACIA, POLÍTICA E MODERNIZAÇÃO DO ESTADO:
UMA ANÁLISE DOS DIRIGENTES PÚBLICOS CHILENOS

pode ser discutido como avanço fundamental para a profissio


nalização do serviço público. Apesar de os avanços do modelo,
podem ser discutidas possibilidades para seu aprimoramento, de
modo a permitir a efetiva atuação de tais atores como dirigentes
públicos na busca constante por resultados, como a contratua
lização dos objetivos por meio de acordos de desempenho, a
exemplo do caso chileno.
Diferentemente do governo chileno, que apresenta uma
carreira pública recente e uma política de gestão de pessoas des
centralizada, o Brasil e o caso paulista possuem uma estrutura
de emprego mais similar a um modelo de carreira, que valoriza
a ocupação de cargos de direção por funcionários com trajetória
no setor público, marcados pela atuação ainda pouco orientada
a resultados. No entanto, experiências que exigem algum tipo
de requisito técnico ou um conjunto de competências geren
ciais são ainda escassas e específicas, definidas por algumas
organizações, como o caso mencionado da certificação em São
Paulo, não existindo um modelo centralizado que defina uma
seleção para os cargos de direção públicos como observamos
no caso chileno.
Em São Paulo, tal experiência poderia ser pensada no
âmbito das entidades descentralizadas, como as fundações, au-
tarquias e empresas públicas, e sua implementação poderia dar-se
de maneira gradual, de modo que os aprendizados pudessem
contribuir para o aprimoramento do modelo e sua adaptação
às peculiaridades do caso paulista. A principal relevância na
implementação de uma medida como essa, no entanto, não
pode perder de vista seu principal elemento: a possibilidade de
atrair para o governo os melhores profissionais, capazes

287
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

de conduzir processos de modernização e inovação em governo,


porém de modo alinhado aos interesses democráticos, além de
responsivo às demandas dos cidadãos.
Para concluir, retomamos a análise do caso chileno ar-
gumentando que, a partir da reconstrução histórica realizada, o
reconhecimento desses atores como dirigentes públicos representa
um grande avanço para a democracia chilena, à medida que va
loriza o conhecimento técnico e as competências de gestão dos
ocupantes dos altos escalões governamentais. Vimos que todos
os governos de Concertación buscaram, em maior ou menor
medida, equilibrar a composição de seus governos, dando ênfase
a equipes preparadas tecnicamente.
O sistema de alta direção pública vem inspirando novas
discussões na academia e vem demonstrando que, embora o
elemento da competência técnica e gerencial seja importante
instrumento de legitimidade dos governos para a implementação
de suas agendas reformadoras, o elemento político está necessa
riamente presente e é igualmente legítimo.

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292
CAPÍTULO 10
Ética e compromisso público

ROBERT HENRY SROUR


Doutor em Sociologia pela Faculdade de
Filosofia, Letras e Ciências Humanas da
Universidade de São Paulo – FFLCH.
ÉTICA E COMPROMISSO PÚBLICO

O QUE É A ÉTICA CIENTÍFICA?

Vamos descomplicar as coisas sem cair num simplismo


vulgar. A Ética, à semelhança de outras ciências – tais como
a Biologia, a Física, o Direito, a Administração, a Psicologia,
a Sociologia etc. –, tem um claro objeto de estudo. Qual? Os
fatos morais.
Ora, o que são fatos morais? São fatos sociais que se
distinguem dos demais fatos sociais por algumas características
próprias. Não são fatos econômicos, políticos, administrativos,
científicos, estéticos, técnicos ou religiosos. São fatos que dizem
respeito às decisões tomadas e às ações praticadas por agentes
sociais que afetam os demais agentes sociais. Seus dois traços
distintivos são: 1) decorrem de escolhas que os agentes fazem;
2) provocam efeitos sobre os outros agentes. Esses efeitos têm
caracteres opostos, podendo: ser positivos ou negativos; beneficiar
ou prejudicar os outros; respeitar ou desrespeitar os interesses
alheios; gerar ganhos (o bem) ou causar danos (o mal).
Os fatos morais são evidências objetivas como o são,
por exemplo, as externalidades produzidas por empresas sobre
a sociedade ou sobre o meio ambiente: externalidades positivas
(geração de empregos, pagamento de impostos, fornecimento de

295
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

bens e serviços, atendimento de novas necessidades, valorização


imobiliária, uso de energias renováveis, inovações tecnológicas
etc.) ou externalidades negativas (desperdício de recursos naturais,
desmatamentos irresponsáveis, escavações predatórias, gases po
luentes, lixo tóxico, contaminação dos lençóis freáticos, resíduos
industriais, redução da biodiversidade etc.). São fatos que podem
ser observados, descritos, medidos, investigados.
Por exemplo, quando você descobre que o concurso
público que você prestou foi fraudado, beneficiando alguns
protegidos pela autoridade de plantão, você se dá conta de
que foi lesado. Alguns levaram vantagem em relação a você
de forma abusiva e, portanto, desrespeitaram seus interesses.
O evento do qual você participou se converteu em fato mo
ral negativo depois de comprovada a denúncia da fraude. E
isso não é mera presunção subjetiva. Como seria a situação
inversa? Participar de um concurso público sem manipulação,
sem sigilo quebrado, sem cartas marcadas, regido por medidas
eficazes que previnam brechas e vazamentos. Esse seria um
fato moral positivo que, ao impedir falcatruas, respeita os
interesses de todos os participantes.
A mesma situação vale para quem estiver teclando o ce-
lular ao volante de um carro. Pesquisas indicam que esse tipo de
conduta multiplica os riscos de acidente, uma vez que os reflexos
do motorista são afetados, ficando quase equivalentes aos de um
sujeito bêbado. Implicação? Tal tipo de ação pode provocar con
sequências danosas aos outros motoristas e transeuntes (ameaça
potencial) e, portanto, configura fato moral negativo.
Vejamos ainda o caso de uma viatura de bombeiros, sire
nes ligadas, deslocando-se para o atendimento de um incêndio, de

296
ÉTICA E COMPROMISSO PÚBLICO

um desabamento ou de um afogamento. O motorista perde um


tempo precioso manobrando e buzinando por causa de veículos
que trafegam no acostamento da rodovia, empenhados em driblar
o congestionamento... Os espertalhões, que se gabam de não
serem trouxas como os demais condutores, estão ou não pondo
em risco pessoas e patrimônios? Não há dúvida: estão atrasando
os atendimentos emergenciais de ambulâncias, bombeiros, poli
ciais ou guinchos. Contrário senso, o fato moral positivo seria o
de motoristas que, cientes dos efeitos perniciosos que poderiam
provocar, resistem à tentação e se recusam a usar o acostamento,
ainda que não haja guarda rodoviário algum vigiando a rodovia.
Por que será que esses motoristas não quiseram levar vantagem
como aqueles outros? “Cumprem” as normas de trânsito por
temor das sanções (multa e perda de pontos na carteira)? Não:
“compraram” as normas que procuram assegurar aos cidadãos
serviços rápidos de emergência.
Assim sendo, a abordagem científica se atém a constatar
ocorrências. Não é seu ofício prescrever quais seriam os com
portamentos apropriados. Ela não determina o que você deve
ou não fazer (isso a ética filosófica faz). A ética científica mapeia
e classifica tão somente a situação, cabendo a quem conhece os
fatos e suas implicações decidir o que tem de ser feito. A ética
científica não emite juízos de valor do tipo certo/errado, bom/
ruim, agradável/desagradável, superior/inferior, virtuoso/vicioso
– juízos esses que são variáveis no tempo e no espaço –, emite,
isso sim, juízos de realidade do tipo benefício/prejuízo, público/
privado, pessoa física/pessoa jurídica, geral/específico, maioria/
minoria, includente/excludente – juízos esses que são factuais e
universalmente comprováveis.

297
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Façamos uma analogia. Dizer que o ato de fumar é bom


ou ruim, agradável ou desagradável, bonito ou feio corresponde
a um juízo de valor, a uma avaliação ou a uma apreciação que
varia segundo as sociedades e os indivíduos – é uma postura
vulgar que remete ao fato moral como fenômeno empírico, real,
concreto. Em contrapartida, conhecer os efeitos do fumo sobre
a saúde humana, não importando época ou lugar, corresponde a
um juízo de realidade, a uma constatação objetiva das ocorrên
cias, a despeito do que os agentes sociais pensem a respeito – é
a postura científica que a análise ética assume.
Posto isso, surge uma dúvida. Em nossa linguagem cor
rente, o vocábulo “ética” não é utilizado no sentido indicado, qual
seja, como disciplina teórica, ciência, corpo de conhecimentos.
Quais são suas acepções corriqueiras? Fala-se, primeiramente, em
“falta de ética” quando alguém lesa outra pessoa. Qual o sentido
que se empresta aqui ao termo? O de valor cultural. Usa-se “ética”
no lugar de integridade pessoal, decência, retidão, honestidade
ou, em termos populares, “vergonha na cara” – e reduz-se a ética
a um sinônimo de boas condutas.
Há uma segunda acepção de senso comum. Fala-se de
“condutas pautadas pela ética” numa referência ao sistema de
normas morais que é adotado ou praticado por uma organização
determinada ou por um indivíduo qualquer. No caso, “ética” e
“moral” se tornam intercambiáveis. Acontece que normas mo
rais mudam ao longo do tempo e dependem das coletividades
que as adotam, de sua história peculiar e das suas condições de
existência. Todavia, se assim for, qual seria a disciplina que es-
tuda os fenômenos morais? Nenhuma, uma vez que o estatuto
da ética ficaria equiparado ao de uma moral histórica. Então,

298
ÉTICA E COMPROMISSO PÚBLICO

pergunta-se: como os fatos morais conhecerão a si mesmos sem


o distanciamento da análise científica?
Finalmente, há uma terceira acepção bastante recorrente.
Faz-se menção à “ética” dos médicos ou dos administradores, dos
engenheiros ou dos auditores, dos magistrados ou dos policiais
etc., numa referência explícita aos códigos de conduta profissional
dessas categorias, aos deveres e direitos que guiam (ou deveriam
guiar) seus membros.
Essa polissemia tem consequências, é claro, porque torna
confuso o entendimento do assunto, além de esvaziar ou desco
nhecer o sentido teórico da ética.

UM OLHAR SOBRE AS FILOSOFIAS MORAIS

Um esclarecimento agora se impõe. A abordagem filo


sófica da ética não é a abordagem consagrada? Sem dúvida é.
Essa abordagem tradicional não só prevaleceu no tempo (suas
origens remontam aos gregos antigos, há 2.500 anos), mas é,
ainda hoje, hegemônica. Isso quer dizer que poucos autores
adotam a abordagem científica que se desenvolveu juntamente
com o surgimento das ciências sociais. A ética científica ganhou
corpo como ciência social entre o final do século XIX e o início
do século XX com Émile Durkheim e Max Weber. E quais as
diferenças entre as duas abordagens?
A ética filosófica reflete sobre a melhor maneira de viver
uma vida digna ou sobre “o dever ser”. Ela opera com ideais morais
e tende a ser normativa e prescritiva, quer dizer, tende a ditar con
dutas. Nessa toada, presta-se a fazer sermões ou serve de base para
discursos moralizadores que exortam as pessoas a serem virtuosas

299
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

ou as repreende para que se emendem. Notemos que dois juízos


de valor repontam na definição filosófica: “melhor maneira” e
“vida digna”. Ora, qual é “a melhor maneira” dentre outras? Como
caracterizar o que é uma “vida digna” dentre outras vidas que não
o seriam? As respostas variam, se multiplicam e se confrontam
ao sabor dos pensadores. Isto é, trilham caminhos doutrinários,
alinham evidências que não são demonstráveis e que dependem
das diversas visões de mundo dos autores. Afinal, em face da per
gunta crucial “qual vida merece ser vivida?” ninguém escapa das
determinações histórico-culturais ou das armadilhas ideológicas.
De fato, diferentes filosofias morais se digladiam ao longo
da história do pensamento ético, todas igualmente justificáveis
e todas mutuamente excludentes. Apenas para citar as mais
importantes, vamos delineá-las no quadro 1.
Toda filosofia moral tem um princípio moral de base, a
saber, uma justificação necessária para qualificar uma ação como
sendo moral ou certa, de modo que toda ação que não realize o
princípio moral enunciado carece de justificação.
Não é nosso propósito analisar e comentar essas filoso
fias. Apontamos para elas tão somente a título ilustrativo. Mas
caberia ressaltar que, visto que as filosofias morais competem
entre si, os princípios que pretendem justificar o que é certo fazer
e, por via de consequência, o que não é certo fazer, adquirem
estatutos equivalentes. Trata-se de um grave desdobramento,
pois compromete os fundamentos das ações morais. Porque, na
ausência de um padrão universal de aferição, sobram as orien
tações idiossincráticas dos agentes morais: cada cabeça, uma
sentença; a cada qual uma fundamentação moral diversa; o que
vale para uns pode não valer para outros. Resultado? Patinamos

300
ÉTICA E COMPROMISSO PÚBLICO

no relativismo cognitivo e desembocamos em um beco sem saída:


ficamos sem instrumentos de análise universais e consensuais.
Fraqueza congênita.

Quadro 1. Princípios morais e visões sobre o “proceder para


uma vida digna”, segundo expoentes da ética filosófica

Filosofia Princípio Como Expoente


moral moral proceder?
divino
Mandamento Deus
Vontade de designios divinos
Submeter-se aos Bispo Robert
Mortimer

Ética das
virtudes Ação virtuosa Adotar
-termo ou
o meio-
a justa Aristóteles

medida
Ética do
dever categórico
Imperativo incondicionalmente
deveres
Cumpriruniversais Immanuel
Kant

moral
Relativismos partilhados
socialmente
Juízos Conformar-se
padrões culturais
com Ruth Benedict

Utilitarismo Consequências
são boas
presumidas Maximizar
para
número
o maior
o bem John Stuart
Mill

Egoísmo
ético do próprio
interesse
Satisfação própria
Maximizar
felicidade
a Ayn Rand

moral
Subjetivismo Juízos
subjetivos
morais seus próprios
Examinar Davis Hume

sentimentos

301
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

Em contraposição, a ética científica fornece um aparato


conceitual preciso e estabelece parâmetros objetivos para uma
orientação consistentemente fundamentada. A ética científica é
uma abordagem, um campo de estudo, que estabelece um voca
bulário testável que alcança consenso e tem valor universal. Com
quais vantagens? Tornar inteligíveis os eventos que impactam
outros agentes sociais, captar a lógica dos fenômenos morais – a
despeito da diversidade histórica – ao apreender regularidades
e ao formular padrões. Em termos sintéticos, a ética científica
estuda os fatos morais. A saber: observa, descreve, investiga e
explica “o que é” (e não o que deveria ser ou o que se imagina
como sendo o ideal a atingir) e opera, portanto, com evidências
objetivas, fornecendo conceitos rigorosos para analisar a realidade.
Enquanto o discurso filosófico prescinde de provas em
píricas, o discurso científico é necessariamente demonstrativo,
portanto, verificável, submetido à constante validação. Ademais,
dada a neutralidade de sua natureza, não prescreve aos agentes
o que devem ou não fazer. A utilidade do discurso científico,
porém, é inegável. Ele caracteriza com precisão os fatos morais e,
uma vez que faz um diagnóstico, permite prever em boa medida
as implicações das ações, contribuindo, assim, para prevenir os
danos que poderiam ser causados e minimizando, quando não
elimina, os riscos prováveis das decisões tomadas. Não é essa
uma extraordinária vantagem comparativa?

O MAPA DOS SETORES SOCIAIS

Para resgatarmos a especificidade do setor público, va


mos nos valer de uma tipologia relativamente recente, bastante

302
ÉTICA E COMPROMISSO PÚBLICO

vulgarizada, que procura dar conta da diversidade das organiza


ções. Estamos nos referindo à divisão tripartite em primeiro setor
(público, estatal), segundo setor (privado, lucrativo) e terceiro
setor (voluntário, sem fins lucrativos).
O quadro 2 resume parte dos caracteres essenciais dos
três setores:

Quadro 2. Mapa da lógica que guia a ação dos setores sociais

Setor Razão
de ser Produção Objetivo Lógica

(público)
1º- Regulação
social públicos
Bens e serviços Atendimento
universal Proteção e
espírito de
corpo
(privado)
2º- Lucro Bens serviços
privados
e econômico
Retorno Risco e
realização
individual
(voluntário)
3º- causas
Boas Serviços
assistenciais humanitária
Ajuda Fé e devoção

Como se sabe, os bens públicos são não rivais, indivi


síveis e não excludentes. O que isso significa? Que são bens de
consumo coletivo cuja apropriação não diminui a quantidade
a ser consumida por outros. Tomemos, por exemplo, a ilumi
nação pública das ruas ou as emissões radiofônicas. O fato de
você passear numa praça iluminada por postes não impede que
outros usufruam a mesma claridade fornecida pelas lâmpadas;
o fato de você sintonizar uma emissora de rádio não impede
outros de ouvir músicas ou de escutar notícias difundidas pela
mesma emissora.

303
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

De forma oposta, os bens privados são bens rivais, divi


síveis e excludentes. Quer dizer, seu consumo é pessoal e impede
automaticamente que outros possam consumi-los ao mesmo
tempo. A calça que você veste não pode ser usada por outra pessoa
no mesmo instante, nem os sapatos que você calça. Trata-se de
uma impossibilidade prática.
Voltemos aos bens e aos serviços públicos. Estes são de
interesse social porque satisfazem necessidades essenciais ao fun
cionamento, à coesão e à reprodução das sociedades humanas.
Além da iluminação pública já citada, temos o abastecimento
de água potável; os meios de comunicação (TV, internet, cor
reios, rádio, telefones); o poder judiciário; a segurança pública;
a detenção de criminosos; a energia elétrica; o gás natural; o
sepultamento ou a cremação de mortos; as rodovias, pontes e
hidrovias; os transportes coletivos sobre trilhos ou pneus; os por
tos, os aeroportos, as rodoviárias e as hidrelétricas; os museus de
artes e ciências; as bibliotecas públicas; as estações de tratamento
de esgoto; as praças e os parques públicos...
E, somente para exemplificar quão indispensáveis são
esses bens ou serviços, imagine uma capital como São Paulo, com
mais de 11 milhões de habitantes, sem abastecimento de água
potável durante quarenta dias... Não inviabilizaria a convivência
social? Não obrigaria a uma migração maciça? O mesmo vale para
os serviços de engenharia de tráfego: são indispensáveis para re-
gular a mobilidade urbana, pois, sem eles, o caos se estabeleceria.
Eis então avocação típica do primeiro setor, sua razão de
ser: a de regular as atividades coletivas. O segundo setor, por sua
vez, tem o lucro por razão de ser. Os capitais (recursos financeiros)
procuram obter remuneração porque, na ausência de estímulos,

304
ÉTICA E COMPROMISSO PÚBLICO

ficariam sem função, escondidos embaixo do colchão. O terceiro


setor, finalmente, tem por vocação dedicar-se às boas causas,
defender interesses humanitários, ajudar os semelhantes em si
tuações de extrema vulnerabilidade ou em situações emergenciais.
O que produzem e o que objetivam cada um desses setores
sociais? O primeiro setor produz bens e serviços públicos, e visa
um atendimento universal. O segundo setor produz bens e serviços
privados, e visa o retorno econômico dos investimentos. O terceiro
setor produz serviços assistenciais, suprindo as falhas do Estado,
e visa aliviar o sofrimento de necessitados (ajuda humanitária) e
ajudar pessoas carentes (entre outras boas causas de interesse geral).
A lógica que permeia cada um desses setores é essencial
mente diversa. O segundo setor serve de eixo para a comparação.
Nele, tudo opera sob a égide do risco e da realização individual:
risco de perder o capital investido nos empreendimentos caso não
sejam geridos com competência; risco de perder o cliente para
o concorrente caso não fique satisfeito por alguma razão; risco
de perder o emprego caso não preencha os requisitos exigidos
de desempenho; risco de perder parte ou até todo o capital de
reputação caso sejam cometidas ações irresponsáveis. De forma
simétrica, contrabalançando essas ameaças, os agentes sociais se
empenham em coroar de êxito seus projetos de vida ao adotar
ações preventivas e corretivas.
O terceiro setor, em contrapartida, opera sob a égide
da fé e da devoção: é movido por um ativismo idealista alimen
tado pela esperança de um mundo melhor. No essencial, esse
setor mobiliza uma militância desprendida e benemérita, capaz
de múltiplas doações – tempo, recursos materiais, sacrifícios
pessoais que, no limite, põem em perigo a própria integridade

305
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

física. Em função dessa generosidade e dos variados atos de


abnegação, o setor corre o risco de considerar-se guardião da
virtude e derivar para a intransigência e o sectarismo.
Finalmente, o primeiro setor opera sob a égide da pro
teção e do espírito de corpo. Como a função do setor público é
zelar pelo bem-estar da população, o servidor público distingue
-se do trabalhador das empresas privadas à medida que colabora
para melhorar a vida da sociedade como um todo. Sua dedicação
é uma escolha de vida vocacionada a prestar serviços de interesse
geral, razão pela qual costuma ter garantia de emprego e re-
muneração usualmente superior aos trabalhadores da iniciativa
privada (se incluirmos o benefício da aposentadoria integral).
Os riscos que assombram o primeiro setor são a acomodação
(a inapetência administrativa e os desempenhos medíocres) e o
corporativismo (a apropriação corporativa de recursos públicos
por meio de mordomias e privilégios).

Quadro 3. Os três setores sociais: os atores da organização


societária e os benefícios sociais que eles geram

Setor Recursos Benefícios Espaço Protagonistas

(público)
1º- Tributos Bem comum
(interesses
sociais) Estado Órgãos

Diferencial
(privado)
2º- Capitais grupais)
Bem restrito
(interesses Empresas
Mercado

(voluntário)
3º- Doações Bem comum Sociedade
humanitários)
(interesses civil ONGs

306
ÉTICA E COMPROMISSO PÚBLICO

Quais as fontes que suprem e sustentam cada um dos


três setores sociais? O único efetivo criador de riquezas é obvia
mente o segundo setor, que desenvolve suas atividades no espaço
do mercado, onde empresas produzem e intercambiam valores
de troca. Em contrapartida, o primeiro setor, ou o Estado, por
meio de seus diversos órgãos, taxa o setor privado e se apropria
dos impostos indispensáveis para custear os bens e serviços es-
senciais. Já o terceiro setor, notadamente as organizações não
governamentais, vive de doações, provindas tanto da sociedade
civil como, eventualmente, de fontes públicas.
Eis por que o setor privado se distingue de forma mar
cante dos demais setores: o bem que gera é restrito, pois visa
beneficiar os agentes diretamente envolvidos em suas operações
(interesses particulares), e não a sociedade como um todo ou a
humanidade (interesses gerais). Isso traça uma linha divisória
relevante, uma vez que o bem gerado pelos demais setores é o
bem comum: o primeiro setor satisfaz interesses sociais indispen
sáveis e o terceiro setor satisfaz interesses humanitários também
imprescindíveis.

PARTICULARISMO VERSUS
UNIVERSALISMO

Neste tópico, cabe esclarecer um tema central: o da re-


lação entre agentes sociais, seus interesses objetivos e o tipo de
bem gerado. De forma simplificada, os agentes sociais podem
ser distinguidos à luz de quatro tipos principais de articulação:
a. indivíduos movidos por interesses pessoais;
b. grupos movidos por interesses grupais;

307
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

c. sociedades movidas por interesses sociais; e


d. a humanidade movida por interesses humanitários.
De forma geral, podemos dizer que os interesses pessoais
e grupais reúnem interesses particulares voltados para a produção
do bem restrito, uma vez que se restringem aos agentes individuais
ou aos agentes grupais (organizações, categorias sociais e classes
sociais). Não abrangem, portanto, as coletividades inclusivas –
as sociedades e a humanidade – que buscam satisfazer interesses
gerais voltados para a produção do bem comum.
É fundamental, no entanto, termos claro que a geração
do bem restrito pode assumir um caráter particularista quando
prejudica outrem, ou um caráter universalista, quando interes
sa a todos. Naturalmente, o bem comum sempre tem caráter
universalista, pois, por definição, satisfaz os interesses de todos.
Assim sendo, caso os agentes sociais causem danos a
outros, as práticas que utilizam são abusivas e particularistas.
Caso os agentes sociais gerem ganhos a outros, as práticas que
utilizam são consensuais e universalistas, porque interessam
a todos. De modo que é possível traçar uma grande linha de
demarcação no campo da ética aplicada, uma linha que con
trapõe duas lógicas:
1. Uma lógica de inclusão – o universalismo que funda
menta a razão ética –, já que o bem gerado interessa a todos
os seres humanos.
2. Uma lógica de exclusão – o particularismo que procura
justificar a racionalização antiética –, já que o bem de uns
causa mal a outros.
Exemplifiquemos. Em abril de 2013, a produção de rou
pas com baixos custos em Bangladesh provocou uma tragédia.

308
ÉTICA E COMPROMISSO PÚBLICO

Um prédio de oito andares que abrigava fábricas em um centro


comercial de Daca, capital de Bangladesh, desabou. Nesse episódio,
morreram 1.127 pessoas. Apesar das visíveis rachaduras, ampla
mente rastreadas no dia anterior, os donos das fábricas ignoraram
todas as advertências para evitar o uso do edifício e deram ordens
expressas para que seus trabalhadores cumprissem sua jornada de
trabalho. As consequências não poderiam ter sido piores. E con
figuraram um claro abuso particularista pelo flagrante desrespeito
à vida humana.
Outro exemplo. A costumeira compra de produtos clo
nados, piratas ou contrabandeados por expressiva parcela da
população brasileira, com a justificativa de que “ficam mais em
conta” ou de que “todo mundo faz isso”, fere os interesses uni
versalistas dos produtores de conteúdo, das empresas que operam
legalmente e dos cofres públicos. Trata-se de outra ação de caráter
particularista que submete os interesses gerais aos desígnios dos
interesses particulares e do bem restrito excludente.
Inúmeras situações podem ser assim classificadas. Poluir
o meio ambiente, medir e pagar serviços mal realizados mediante
propina, dar calote em fornecedores, fazer conluio com concor
rentes em licitações, desmatar áreas de preservação permanente,
entre outras tantas, são práticas particularistas. Já dar aumento
real de salários a todos os funcionários, bancar o seguro-saúde
dos funcionários, melhorar as condições de trabalho na empresa,
capacitar regularmente o pessoal, repassar aos clientes ganhos de
produtividade, entre outras tantas, são práticas universalistas.
No anseio de satisfazer seus interesses, os agentes sociais
podem optar por orientar-se por valores universalistas (includen
tes) ou por valores particularistas (excludentes). Mas o que são

309
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

valores culturais? São orientações de base, qualidades socialmente


apreciadas, diretrizes pontuais que guiam os agentes sociais em
suas relações com os outros e com o mundo. Valores mudam ao
sabor das épocas, embora sempre possam ser distinguidos pelos
dois vetores do universalismo e do particularismo.
Exemplos de valores universalistas contemporâneos são:
integridade, justiça, dignidade, liberdade, idoneidade, competên
cia, privacidade, solidariedade, equidade, pluralidade, isenção,
confiança, imparcialidade, reciprocidade, honestidade, impessoa
lidade, individualidade, veracidade, diligência, coerência, mérito,
efetividade, prudência, transparência, credibilidade.
Exemplos de valores particularistas contemporâneos são:
oportunismo, esperteza, manha, ganância, malícia, caradurismo,
mesquinharia, jeitinho, lábia, permissividade, desconfiança, ma
landragem, egotismo, pessoalidade, leniência, favorecimento,
hipocrisia, artimanha, matreirice para sonegar, subornar, fraudar,
contrabandear, falsificar. Com a decisiva ressalva que esses valores
jamais são comentados em público. Por que será?

A ESPECIFICIDADE DO SERVIDOR PÚBLICO


No campo das ações morais, qual é a moeda corrente no
Brasil? A integridade moral com suas práticas idôneas ou a malícia
oportunista com suas práticas espertas? A resposta não poderia ser
outra senão uma que nos surpreende: ambas! E por que isso? Por
que impera entre nós a duplicidade secular dos padrões morais...
Dois códigos coexistem às turras. A moral da integridade
celebra a inteireza e faz a apologia da virtude, pois sentencia:
“seja uma pessoa de bem!”. Tal moral constitui um código ofi
cial, público e altruísta, e visa obter um bem universalista que

310
ÉTICA E COMPROMISSO PÚBLICO

interessa a todos. Ao mesmo tempo, e de forma absolutamente


contraditória, a “moral do oportunismo” celebra a malícia e faz a
apologia da esperteza, pois prega: “leve vantagem em tudo!”. Essa
moral constitui um código oficioso, clandestino e egoísta, e visa
obter um bem particularista que prejudica os outros. Dualismo e
ambivalência marcam os padrões morais brasileiros por variadas
razões históricas. Citemos, entre outros:
• A dissociação entre a retórica missionária dos senhores de
escravos e a brutal desumanização desses mesmos escravos
tratados como gado.
• O descompasso entre as declarações públicas, bombásticas
e honoráveis (todos são “homens bons”, herança do período
colonial), e os atos praticados por brasileiros desbravadores,
gananciosos, matreiros e espoliativos.
• A disjunção entre a doutrina católica, que hostiliza a rique
za e enaltece a pobreza, e algumas práticas clericais de apego
aos bens materiais.
• O sincretismo religioso e cultural que, ao tentar conectar
domínios substancialmente distintos (os mundos sobrenatu
ral e natural, as esferas pública e privada), invoca entidades
mediadoras – orixás e “cavalos”; espíritos e médiuns; anjos,
santos, “Nossas Senhoras” e padres; patronos, coronéis,
patriarcas, padrinhos, cabos eleitorais, despachantes –, es-
ses intermediários que justamente denunciam a polaridade
desses domínios.
O oportunismo entre nós não constitui mero desvio das
normas morais oficiais, mas conjunto articulado de justificações
para variados malfeitos. Situação agravada por mecanismos de
blindagem bastante peculiares:

311
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

1. A solidariedade no pecado: o círculo íntimo propicia


apoio, acoberta os abusos pela complacência, permissivida
de, lassidão ou leniência, estimula os deslizes e multiplica
sua frequência.
2. A armadilha da hipocrisia: prevalece um jogo de faz de
conta com seu moralismo de fachada e seu fingimento
público – “roupa limpa por cima; roupa suja por baixo” –
em que quase todos proclamam uma honestidade retórica,
ao mesmo tempo em que dissimulam sorrisos coniventes
ou cínicos.
3. Os eclipses de decência: diante da oportunidade “imper
dível” de ganhar um bom dinheiro, embora ilícito, apela-se
para a sentença “às favas com a ética!”.
Nessas circunstâncias, para que ética no serviço público?
Uma vez que a finalidade do Estado é realizar o bem comum – a
respublica –, o servidor público se distingue do trabalhador das
empresas privadas pelo compromisso que tem com a sociedade
como um todo. E os valores que o orientam têm caráter univer
salista (includentes), com destaque para quatro:
• A dignidade do cargo (consciência da própria relevância).
• O zelo pela coisa pública (diligência e cuidado no trato).
• A honestidade (decência e seriedade).
• A eficácia (produção de resultados).
Entretanto, quais riscos assombram o serviço público e
tolhem sua eficiência?
• O apadrinhamento – a lealdade a um político e não ao
interesse público –, porque tende a rebaixar o servidor e a
amesquinhar seu trabalho.
• O desempenho deficiente, quando recorrente, porque

312
ÉTICA E COMPROMISSO PÚBLICO

provoca animosidade ou hostilidade por parte da população.


• O formalismo burocrático, porque esteriliza as iniciativas
e protege os acomodados.
• A tentação voluntarista, porque faz com que objetivos
político-partidários suplantem critérios técnicos.
• Os conluios em licitações, porque facultam a quadrilhas
locupletar-se à custa do erário.
• A inapetência administrativa, porque nega propriamente aos
cargos públicos seu caráter de encargos e os converte em butim.
O quadro parece desesperador e desestimula bons pro
fissionais. Muitos deles se tornam descrentes e desabusados. O
que fazer? Cruzar os braços ou entrar no jogo? Nenhuma das
duas opções respeita o compromisso dos servidores para com a
cidadania.
Experiências bem-sucedidas na administração pública,
algumas enfeixadas sob o rótulo de “choque de gestão”, mostram
que não cabe esperar que todos mudem para mudar (um eufe
mismo para nada fazer). Cada qual pode “fazer a diferença em
seu pedaço” e batalhar para constituir um nicho de excelência.
Há exemplos admiráveis em curso, como o da rede dos Poupa
tempo no estado de São Paulo. Verdadeiro hino à autonomia
dos cidadãos, essa iniciativa elimina os intermediários. Modo
eficaz de combater os jeitinhos, os achaques e a dependência
doentia de despachantes, ela destrava gargalos – às vezes artifi
ciais ou deliberados – e simplifica o emaranhado burocrático.
Operações desse tipo, cobertas de elogios pela população, tornam
realidade o bem comum e orgulham aqueles que fizeram do
serviço público sua vocação.

313
MÉRITO, DESEMPENHO E RESULTADOS

BIBLIOGRAFIA

SROUR, R. H. De boas intenções, as empresas estão


cheias! Uma história envolvente sobre o dilema ético dos negó
cios. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009.
SROUR, R. H. Casos de ética empresarial. Chaves para
entender e decidir. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
SROUR, R. H. Poder, cultura e ética nas organizações.
3. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
SROUR, R. H. Ética empresarial. 4. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2013.

314
Saiba mais sobre o PAP RH em:
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l ii
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