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REGISTROS DE AULA: SIGNIFICADOS CONSTRUÍDOS COM A PRÁTICA

Ana Carla Ramalho Evangelista Lima - Escola Despertar – FSA/BA - PEC/UNEB

Resumo

A busca por alternativas metodológicas que permitam ao professor tematizar a sua prática,
discutir suas dificuldades, tomar consciência do que é válido em seu trabalho e dos aspectos que
precisam ser melhorados, são ações que permeiam todo o projeto de formação dos educadores
da Escola Despertar. A formação do professor enquanto pesquisador da sua própria ação e
escritor de sua trajetória, registrando os significados construídos com a prática, foram os eixos
do Projeto de Formação Docente ao qual se refere esse relato de experiência.

“O registro é História, memória individual e coletiva eternizadas na palavra grafada.


É o meio capaz de tornar o educador consciente de sua prática de ensino,
tanto quanto do compromisso político que a reveste.”
(Madalena Freire)

Um pouco da história: os caminhos trilhados

Este estudo relata, analisando, o processo de formação docente, continuada, envolvendo a


escrita de registros de aula, relatos e artigos, a partir da investigação da própria prática, dos
professores da Educação Infantil e séries iniciais do Ensino Fundamental da Escola Despertar –
situada em Feira de Santana/BA - Brasil - nas diversas áreas de conhecimento que compõem o
currículo (Matemática, Língua Portuguesa, Ciências Sociais e Naturais), tendo a colaboração dos
Coordenadores Pedagógicos/Formadores Docentes e de professores especialistas nas áreas
trabalhadas.

A proposta de trabalho teve início há seis anos. Os quatro primeiros anos envolveram a
formação de grupos de estudos voltados para as didáticas específicas. A cada ano, o professor
elegia um eixo dentro da área escolhida, ou mesmo, uma área a investigar. À medida que foram
se apropriando das especificidades do trabalho, planejaram e desenvolveram projetos didáticos
em seus grupos, atrelados aos seus estudos. As aulas eram registradas e tematizadas, discutidas
e analisadas conjuntamente, contribuindo para o desenvolvimento da capacidade reflexiva.

No quinto e sexto ano, os estudos e registros dos professores, foram sistematizados por meio
da produção de artigos, tendo apoio de professores especialistas tanto na revisão teórica, como
na revisão técnica, vislumbrando a elaboração de um livro, que será lançado brevemente.

Aprendendo a olhar: articulando a prática com a investigação


As escolas como responsáveis pela formação dos sujeitos que atuam nesta sociedade precisam
modificar-se para contribuir com a formação “de cidadãos capazes de se informar, de ampliar
esta informação, de situar-se e de mover-se no mundo do trabalho, dentro de um viver ético,
com responsabilidades partilhadas” (GATTI, 1997, p.90), por isso, considerando que, na
formação dos professores é que está a possibilidade de se efetivar a sua proposta pedagógica
de construir e compartilhar conhecimento, a Escola Despertar desde 1999, passou a desenvolver
junto ao grupo de formação docente, estudos voltados para as didáticas específicas (Língua
Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais e Sociais). O objetivo da proposta era de que o
professor percebesse suas necessidades, detectasse as “carências do olhar” e pudesse investigar
a área em que encontrasse maiores dificuldades no desenvolvimento da sua prática: observar,
registrar e refletir, para que pudesse fazer intervenções no trabalho em sala de aula.

Quando a idéia foi lançada pela primeira vez, o grupo era pequeno, cerca de quinze professores
em toda a Escola. Não se tinha muito bem a dimensão de como repercutiria esse estudo nos
anos seguintes, mas se sabia que era necessário investir nesse campo de investigação que é
muito complexo, principalmente quando esta se refere à prática do professor polivalente, como
é o caso daqueles que atuam na Educação Infantil e Ensino Fundamental. Estudar no espaço de
trabalho, não era novidade para o grupo, essa, já era na época, uma atividade semanal da qual
participavam lendo livros e outros textos que ajudassem a refletir e encaminhar melhor a ação,
com os projetos didáticos desenvolvidos – modalidade organizativa adotada pela Escola.

Toda essa mobilização em função de melhor se apropriar das áreas de conhecimento, foi
proveniente da aprovação de dois projetos desenvolvidos na Escola, em um evento no sudeste,
que envolvia escolas de todo o país. Entre inúmeros trabalhos enviados para a seleção, a Escola
pôde fazer o relato de duas experiências: uma de Língua Portuguesa e outra de Matemática,
com a supervisão de pesquisadores renomados nas didáticas das respectivas áreas. A
repercussão dos trabalhos foi muito positiva, indicando que a trajetória da Formação, na Escola,
trilhava por caminhos promissores. Percebeu-se, a partir daí, a necessidade de investir nos
estudos, principalmente nas áreas das Ciências, e o momento era aquele, em 1999, quando tudo
começou.

O grupo assumiu o compromisso de se voltar para as áreas que sentiam mais dificuldades no
desenvolvimento do seu trabalho. Aos poucos os temas/áreas foram sendo delimitados e os
estudos definidos. A proposta consistia em buscar fundamentos nas didáticas específicas para
fazer a leitura da prática, por isso era extremamente necessário que os encaminhamentos
fossem permanentemente discutidos e refletido por todos, nas reuniões semanais de estudo. A
cada encontro, uma área/tema era contemplada nas discussões com o grupo e ao final do
período/semestre, cada professor estaria apresentando um relatório, reflexivo e
fundamentado, da sua trajetória.

Realizando leituras específicas, os professores faziam análise de situações didáticas por meio de
diversos instrumentos: pautas de observações, vídeos, relatos, que lhes permitiam estabelecer
relações entre a teoria estudada durante a formação e os acontecimentos práticos com os quais
se defrontavam na vida cotidiana, no contexto da Escola. Com os registros produzidos a cada
vivência, podiam estar mobilizando novos conhecimentos e atribuindo sentido a sua ação, por
meio da reflexão.
Madalena Freire Weffort, uma das pioneiras no uso de relatos no Brasil, diz que o registro escrito
são tarefas básicas do professor, porque através deles poderá dar forma, comunicar o que
pensa, para assim refletir, rever, aprofundar, construir o que ainda não conhece, enfim, o que
necessita aprender. Para esta autora, o ato de escrever materializa o pensamento, torna-o
concreto, permitindo que através dele o autor possa voltar ao passado, ao mesmo tempo em
que constrói o presente. Segundo ela, o registro escrito obriga o exercício de ações-operações
mentais, intelectuais de classificação, ordenação, análise, obriga a objetivar e sintetizar,
trabalhando a construção da estrutura do texto, do pensamento. (WEFFORT, 1996, p.41- 43)

Entretanto, como em todo processo de construção do conhecimento, algumas dificuldades


vieram sendo encontradas ao longo desse percurso. Cerca de dois anos após o início desse
trabalho (2001), o número de professores foi ampliado, chegando a mais de vinte, muitos
iniciantes na docência. A diversidade de professores experientes com a proposta da Escola e dos
que estavam estreando no ofício, demandavam outras necessidades tão urgentes quanto à de
investigar as áreas de conhecimento com as quais iriam trabalhar.

Considerando que o elemento principal, a matéria-prima para as reflexões, emanava da própria


sala de aula e estas chegavam até o grupo por meio dos registros, percebeu-se o quanto era
importante investir nesse processo de documentação do trabalho. A necessidade de intensificar
os estudos a fim de preparar as professoras iniciantes para atuar de acordo com a proposta
pedagógica da Instituição, foi percebida meio aos dilemas com os quais se deparavam na ação,
evidenciando a falta, não só de prática, mas de conhecimentos pedagógico-metodológicos
necessários para assumir uma classe. Essa situação levou a organização de um outro grupo de
estudo. Então, resolveu-se que os encontros semanais seriam destinados a dar continuidade às
investigações e que, a cada quinze dias, haveria mais um encontro específico para abordar
outras questões da prática docente.

Com o passar desses anos, percebeu-se que havia uma compreensão por parte dos professores
quanto às propostas de estudo, tanto quanto, da validade de apropriar-se cada vez mais de
conhecimentos que seriam determinantes na sua sala de aula, como no seu desenvolvimento
profissional, entretanto, a dificuldade em registrar era característica da formação desse novo
grupo de professores.

Ao estimular o professor a registrar, ou relatar o trabalho desenvolvido junto aos seus alunos,
esperava-se que ele fizesse uso sistemático de sua capacidade de observação, ampliando-a na
medida em que a exercitasse e a melhorasse, com os estudos, teóricos, proporcionados pelo
próprio projeto de formação. Contudo, o limite do “olhar” estava atrelado ao conhecimento que
o professor tinha sobre o universo ou situação a ser focalizada. Quanto mais “conhecesse”, mais
condição de fazer inferências teria e, possivelmente, se tornaria mais competente e autônomo
na sua ação.

Já dizia Paulo Freire que o registro da reflexão e sua socialização num grupo são "fundadores da
consciência" e assim sendo, são também instrumentos para a construção de conhecimento. O
ato de escrever obriga a formulação de perguntas, levantamento de hipóteses, aonde se vai
aprendendo mais e mais, tanto a formulá-las, quanto a respondê-las. Assim, o registrar a
reflexão cotidiana, significa abrir-se para seu processo de aprendizagem, pois aquele que ensina,
aprende, e é um modelo para seus alunos, de aprendiz, do seu ensinar.

No final de 2002, o grupo estava mais coeso, já tinha vivenciado momentos de partilha das
dificuldades encontradas na trajetória de cada um dentro da Escola e por isso, também, estava
mais consciente das suas necessidades e abertos para novos encaminhamentos que
possibilitassem o seu desenvolvimento profissional. Era este o momento de dar continuidade a
experiência, de desenvolver um processo investigativo sobre as didáticas específicas nas áreas
de conhecimento trabalhadas, visando a formação de sujeitos reflexivos e críticos, com atitude
investigativa, percebendo-se sujeito, e, ao mesmo tempo, sua prática, como objeto dessa
investigação, capaz de trabalhar e interagir na coletividade, expressando-se oralmente e por
escrito, enfim, produtor de conhecimento.

A escrita: materializando, pelo pensamento, a prática

Cabe à escrita do registro reflexivo, um papel de destaque na formação contínua de professores,


pois propicia a articulação entre o fazer pedagógico e a reflexão – o pensar sobre a própria
prática, possibilitando aos indivíduos envolvidos no processo de ensino - aprendizagem o
confronto com os problemas reais do cotidiano, a conquista progressiva da autonomia,
descoberta das próprias potencialidades e a criação de articulações entre teoria e prática
passíveis de (trans) formação. De acordo com Zabalza (1994, p. 95) “a linguagem escrita
representa um novo e poderoso instrumento de pensamento”. A escrita é um momento em que
se analisa e reflete sobre o próprio processo de aprender, constituindo-se em metacognição.
Para Gunstone & Northfield (apud LEVY, 2004), a metacognição refere-se à compreensão e
controle da própria aprendizagem. Trata-se de uma abordagem informada e auto-dirigida para
reconhecer, avaliar e decidir, reconstruir, ou não, idéias e crenças já existentes. Os autores
defendem que metacognição e mudança conceitual são dois aspectos interligados. Defendem
ainda que escrever sobre alguma coisa provoca melhor aprendizagem daquilo que se está
escrevendo.

Respaldando-se nessas concepções, no segundo semestre de 2003, o grupo de professores


dividiu-se por área e passou a se dedicar, de forma sistemática, à documentação do seu trabalho
considerando o foco de investigação. Para cada área, foi escolhido um orientador e como este
precisaria ter um tempo maior de estudo sobre o tema para dar suporte ao professor, cada
coordenador pedagógico – todos com vivência enquanto professor na Instituição – assumiu esse
papel. Além disso, foram convidados especialistas – biólogo, historiador, lingüista, matemático
– ou seja, aquele com um conhecimento mais específico sobre a área, para que, em encontros
esporádicos, pudessem analisar e discutir os escritos dos professores e apoiar na revisão teórica
dessas produções.

Como bem ressalta Warschauer (2001, p.198) uma prática reflexiva envolve a participação do
professor em discussões acerca dos fins da educação e das questões o que ensinar, a quem e
por que, por isso, para um melhor encaminhamento das análises do trabalho, as atividades de
registro e reflexão aconteciam em três fases. Na fase pré-ativa as aulas e atividades eram
pensadas e planejadas pelo professor e discutidas com o orientador/coordenador pedagógico.
Já em classe, na fase ativa, o professor registrava suas intervenções e dos elementos
importantes que destacava na fala dos alunos, assim como recolhia as representações dos
mesmos sobre a atividade proposta (textos e desenhos), fazendo as suas inferências sobre a
situação vivenciada:

“(...) Para as tarefas em grupo/equipes, foi preciso conversarmos


muito sobre as atitudes para a realização de um bom trabalho, ou seja,
a convivência (combinados). Conflitos aconteceram, outras equipes se
entrosaram mais, organizando registros coletivos muito interessantes.
Contudo, trabalhar em grupo, também, é um exercício de construção
de procedimentos e atitudes (...)”

“(...) Não me pareceu estar claro para as crianças, e os desenhos


retrataram muito bem, a TEMPORALIDADE x CAUSALIDADE. É como se
a escravização fosse fato contínuo numa sociedade de negros e
brancos. (...)”

(Caderno de registro da Profª Adriana Correia 3ª série – Área de


investigação: Ciências Sociais)

O uso de vídeos (em VHS) com as gravações das aulas auxiliava também na discussão dos
encaminhamentos didáticos, principalmente quando o professor tinha de tomar atitudes e rever
estratégias diante dos dilemas vivenciados nesse momento. Em um momento posterior a toda
essa ação, fase pós-ativa, o professor fazia individualmente, sua reflexão, levava suas
impressões e observações para a discussão com o orientador da área/coordenador pedagógico
e também as compartilhava com o grupo de professores por meio de apresentação dos registros
e vídeos, colocando sua vivência para discussão coletiva nos encontros de estudo - tematização
da prática:

“(...) este foi um encontro de troca e as colegas compartilharam


conosco experiências importantes que puderam ser olhadas por
ângulos diversos, às vezes contemplando, discordando,
complementando e aprimorando aquilo que foi pensado.”

“No trabalho realizado por Sheila (algoritmo da adição) muitas de suas


angústias, foram, no decorrer da troca de experiências, sendo nossas
também. (...) foi possível perceber o quanto tínhamos dúvidas em
relação ao processo de metacognição (...)”

(Trecho do caderno de registro do Grupo de Formação Docente,


relatando a apresentação de uma situação da prática por uma das
professoras)

Essa possibilidade de socializar e discutir as experiências na troca com seus pares, é um aspecto
fundamental no processo de formação dos professores, pois, como cita Regina Scarpa:

Através da tematização de situações práticas os professores


desenvolvem o pensamento prático – reflexivo e produzem
conhecimento pedagógico; quando investigam, vêem as coisas sob
diferentes prismas, problematizam, levantam hipóteses, identificam e
nomeiam dificuldades para buscar alternativas de ação, elaboram
propostas de intervenção didática, refletem e discutem a adequação
das mesmas. (SCARPA, 1998, p.7)

Vale ressaltar que sentimentos como, receio de encarar limitações, dúvidas e erros ou sensação
de perda de controle sobre uma situação, foram percebidos ou manifestados em alguns
momentos, mas no decorrer do trabalho, essas dificuldades foram superadas à medida que se
tomava consciência de que estas eram manifestações normais dentro do processo.

Com esse trabalho, entender a lógica subjacente a uma pergunta ou resposta do aluno passou
a ser ainda mais importante, constituindo-se numa atividade investigativa, altamente formativa
para todos:

“Nada melhor do que partir de como eles pensam para avançar sobre
o objetivo que, naquele momento, era a representação escrita do real
e dos centavos, além da composição desses valores e do uso da
estimativa para ajudar no cálculo. Na representação de R$0,50 uma
criança escreveu R$50,00 e outra R$0,50. Ao questionar a primeira
criança, percebi que ela não sabia por que o fez daquela forma (...)
resolvi selecionar algumas estratégias, para análise e discussão (...)"

(Caderno de registro da Profª Paula Lima

1ª série – Área de investigação: Matemática)

De acordo com Schön (1992, p. 78) um professor reflexivo deve permitir-se ser surpreendido
pelo que o aluno faz, para que possa refletir sobre esse fato, ou seja, pensar sobre aquilo que o
aluno disse ou fez e, simultaneamente, procurar compreender a razão por que foi
compreendido. Ainda nesse processo, precisa reformular o problema suscitado pela situação e
efetuar uma experiência para testar a sua nova tarefa e a hipótese que formulou.

A proposta de formação continuada de professores, no interior da escola, não deve ser dirigida
apenas ao conhecimento de teorias, métodos e práticas pedagógicas, mas deve levar o educador
ao auto-conhecimento e produzir relações reflexivas, pois a ação humana de atribuir sentido ao
vivido, se dá por meio de um processo narrativo, através do qual cada um se constitui enquanto
sujeitos de possibilidades e de conhecimentos. A reflexão é hoje um dos conceitos mais
utilizados por investigadores, formadores de professores e educadores em geral, para se
referirem às novas tendências da formação de professores. Contudo, Donald Schön, em seu
texto "Formar professores como profissionais reflexivos", ressalta que a via possível para que os
professores aprimorem a sua prática e desenvolvam a capacidade reflexiva, está em utilizarem
no contexto da sala de aula, os conhecimentos pedagógicos construídos nos encontros de
formação que ocorrem no interior deste mesmo espaço: a escola (SCHÖN, 1992, p. 78).

Como possibilidade de proporcionar um maior conhecimento sobre a própria escrita e a partir


daí poder atribuí-la uma maior qualidade, no ano de 2004, os professores tiveram aulas de
redação com um professor especialista, para se apropriarem dos procedimentos que envolviam
uma produção textual, tendo como foco a narrativa, com intuito de favorecer a ampliação da
competência escritora – nos registros, relatos, etc. A principal motivação para a produção nestes
encontros foi a proposta de socializar as experiências, vivências e saberes produzidos, por meio
da produção de artigos, com a finalidade de organizar um livro que retratasse o que, de fato,
significou toda essa caminhada do projeto de formação na vida de cada um, durante esses anos.
Este foi um ano de trabalho intenso. Registrando, escrevendo, revisando, reescrevendo e
levando em consideração, que acima de tudo, fundamental nesse processo é que o professor
precisa escrever sobre o seu trabalho, tornar públicos suas experiências e saberes.

Os artigos produzidos, sob forma de relatos de experiências, trazem a trajetória do professor,


suas propostas, ações e reflexões na área de conhecimento que optou por trabalhar,
investigando e analisando a contribuição das didáticas específicas para o processo de
aprendizagem dos seus alunos.

A percepção dos limites e possibilidades da ação docente, também vão se constituindo


internamente e é possível perceber isso por meio dos textos, nos quais encontramos as marcas
do que significou esse processo, para cada uma:

“Ao concluir este estudo (...) compreendo como o ato de educar está
muito além de informar as crianças sobre um tema ou questão. A
educação se constrói na mudança de idéia e de postura. Nossas
crianças tiveram diversos momentos de dúvidas e incertezas e elas não
foram todas sanadas na escola. Na área de Ciências Naturais perguntar
e ter dúvidas, é fundamental para a construção de um ser inventivo,
criativo e cidadão (...) o trabalho com as representações e
experimentações (...) em Ciências Naturais favorece um repensar para
a criança, mas também para o professor que consegue acompanhar a
trajetória do pensamento de seus alunos e dar-lhes assistência na
aproximação desses conceitos, bem como perceber-se como
mediador dessa ação, fugindo do papel do detentor do saber. Ensinar
é mais que informar, é possibilitar um novo pensar!”
(trecho do artigo Experimentos e representações das crianças em
Ciências Naturais

Profª. Neyla Reis – 3ªsérie – Área de investigação: Ciências Naturais)

Entender a lógica subjacente às perguntas e respostas dos alunos é o caminho para possibilitar
a aprendizagem, por isso, a descoberta de que são os dilemas e desafios vivenciados no
cotidiano da sala de aula e nas relações estabelecidas com as crianças, que transformam o ato
de ensinar em algo instigante:

“Surpreendentemente, desde a etapa inicial, o grupo deu respostas


significativas em relação à leitura. Crianças que já liam
convencionalmente começaram a produzir divulgações dos livros que
liam em casa e as que ainda não liam demonstraram um grande
interesse, recorrendo aos livros da sala de aula e da biblioteca da
escola pelo simples prazer de ler, sem preocupar-se em fazê-lo de
forma convencional. (...) Fica a certeza de que um bom trabalho é
aquele em que os resultados se eternizam: fazer de cada
aprendizagem um momento único de prazer e de paixão, ajudar na
transformação do conhecimento, vendo cada avanço, cada conquista
das crianças, vendo-as crescer, amadurecer, florescer. Essa é a maior
recompensa que um professor pode esperar.”

(Trecho do artigo Leitura: entre a descoberta e o fascínio

Profª Raphaela Dany – G6 – Área de investigação: Língua Portuguesa)

Cada professora, na medida em que foi se percebendo como conhecedora de novos saberes
começou a se sentir mais segura em suas ações. E essa satisfação em saber que sabe mais, que
está diferente, que pode trabalhar melhor e gostar do que está fazendo, é uma das
características do professor reflexivo e implicam na “ponderação cuidadosa das conseqüências
de uma determinada ação” (ZEICHNER, 1993, p. 19). Segundo este autor, “o professor reflexivo
avalia o seu ensino por meio da pergunta ‘Gosto dos resultados’? E não simplesmente ‘Atingi
meus objetivos? ’” (ZEICHNER, 1993, p. 19).

Considerações Finais

Zeichner (1993, p.17) diz que, “reconhecendo a riqueza da experiência que reside na prática, o
processo de compreensão e de melhoria do ensino deve começar pela reflexão sobre a própria
experiência”, escrever, isto é, por no papel os fatos e, frente a eles, as reflexões e dilemas, não
é tarefa fácil. Contudo, foi possível perceber que a escrita ajuda a organizar as idéias, o
pensamento e a produzir estranhamento e distanciamento do que foi realizado, promovendo
novas reflexões e compreensões sobre a prática vivida.

A prática com a experiência de escrita não foi tão simples assim, muito pelo contrário,
evidenciou quantas dificuldades estão no entorno da vida de cada um, seja de falar e/ou
escrever sobre o vivido. Certamente, fruto do percurso de formação pessoal, visto que a própria
trajetória cultural da escola é bloqueadora desta habilidade. Além disso, a construção da idéia,
durante anos, de que o saber cotidiano distanciava-se do conhecimento científico, também
acaba por ser responsável pela não exploração desta histórica forma de construir informações,
nos processos de escrita pessoal. De acordo com Larrosa (1995, p.35) “a teoria é um gênero de
pensamento e de escrita que pretende questionar e reorientar as formas dominantes de pensar
e de escrever em um campo determinado”.

Neste trabalho, o importante foi a preocupação em favorecer um clima receptivo e de confiança


para que cada professor passasse da maneira tímida e temerosa de registrar, a compartilhar sua
prática com outras pessoas, no sentido de adquirir confiança em sua capacidade, passando a
sentir cada vez mais, a capacidade de produzir conhecimentos.

Ressalta-se que o empreendimento desse Projeto de Formação Docente se constituiu na


produção, por cada um dos professores, de um artigo, sistematizando os estudos desenvolvidos
nas áreas de investigação e que estão em fase de revisão técnica. Para a consolidação desse
produto, foi necessário o desenvolvimento contínuo de registros escritos, pois estes ajudaram
na sistematização do pensamento e se constituíram em meio para a reflexão sobre a própria
ação, estabelecendo conexão entre a teoria e a prática.

Os resultados obtidos são evidências de que a pesquisa ou o trabalho coletivo é uma estratégia
poderosa de desenvolvimento profissional e de mudança do ensino nas escolas. Um aspecto
interessante do trabalho realizado pelo grupo foi a valorização às produções, assim como o
reconhecimento da capacidade de produzir saberes profissionais importantes para o trabalho
docente e, sobretudo, participar do debate público sobre as inovações curriculares. As
produções mostram que é possível o professor constituir-se também em pesquisador e escritor.

São muito importantes as estratégias de formação de professores respaldadas neste


posicionamento teórico-prático, as quais intensificam um modo de fomentar junto aos
professores, percepções formativas, re-orientadoras da ação e que fazem emergir
procedimentos de registro. Sabe-se que ao recorrer à escrita de impressões, intuições ou
observações e a sua discussão, há um impulso para produzirem renovados e inesperados
olhares, que permitem estranhá-las, ou resgatá-las em seus acertos.

A realização desta atividade teve efeito significativo, dentre os professores, que não apenas
compuseram expressivos textos, mas também manifestavam um intenso comprometimento
profissional motivado pela experiência de resgate de suas vivências docentes. O processo de
investigação e escrita do professor aumentou a qualidade de suas reflexões e representou um
modo fecundo deste produzir, sistematizar e divulgar saberes práticos, constituindo-se, assim,
em sujeito de conhecimentos, com autonomia para promover seu próprio desenvolvimento
profissional e as inovações curriculares na escola.
Ao produzirem os artigos, que estarão compondo o livro “Construindo e Compartilhando
Conhecimentos” os professores produziram, também, um distanciamento, que não somente
valorizou acertos de suas ações, mas trouxe, especialmente, uma possibilidade de se auto-
avaliar, avaliar o trabalho desenvolvido e atribuir sentido e significado à sua prática.

A contribuição principal desse trabalho foi abrir um espaço de reflexão e permitir a compreensão
por todos os envolvidos no processo de que, só haverá uma mudança de postura da ação e do
conhecimento que a sustenta se houver inquietação, questionamento, indagação e para isso o
educador precisa ir a busca da teoria para investigar a prática e vice-versa. É preciso refletir
sobre o significado e a importância de se construir uma postura investigativa e de dialogar com
os saberes construídos no cotidiano das práticas pedagógicas, por isso, é preciso atribuir valor
ao registro como fonte para essa reflexão.

Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia – Saberes Necessários à Prática Educativa. São Paulo:
Paz e Terra, 1996.

GATTI, B. Formação dos professores e carreira. Campinas: Autores Associados, 1997.

GERALDI, C.M.G.; DARIO, F.; PEREIRA, E.M. de A. (orgs.). Cartografias do trabalho docente.
Campinas: Mercado das Letras, 1998.

LARROSA, J. Tecnologias do Eu e Educação. In: SILVA, Tomaz T. O Sujeito da Educação.


Petrópolis: Vozes. 1995.

LEVY, M. I. C. Melhoria do processo ensino-aprendizagem da ciência a partir da reflexão


dialógica, entre professor e orientador, das concepções e das práticas. Disponível em:

http://www.educacaoonline.pro.br/melhoria_do_processo.asp. Acesso em: 02/02/2005.

NÓVOA, A. (Org.). Vidas de professores. 2 ed. Porto: Porto Editora, 1995.

SCARPA, R. Formação de Professores: aquisição de conceitos ou competências? Disponível em:


http://www.clubedoprofessor.com.br/ead/artigos.html. Acesso em 26/09/03.

SCHÖN, D. Formar professores como profissionais reflexivos; In: NÓVOA, A. Os Professores e a


sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992, p. 77-92.

WARSCHAUER, C. Rodas em rede: oportunidades formativas na escola e fora dela. Rio de


Janeiro: Paz e Terra, 2001.

WEFFORT, Madalena Freire. Observação, Registro e Reflexão. São Paulo: Espaço Pedagógico,
1996.

ZABALZA, M. Diários de classe. Porto: Porto Editora, 1994.


ZEICHNER, K. A formação reflexiva de professores: Ideias e práticas. Lisboa: Educa, 1993

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