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PRODUÇÃO DE MATERIAL DIDÁTICO COMO ESPAÇO DE

MOBILIZAÇÃO DE SABERES DOCENTE

VIEIRA-SILVA, Claudiomiro1 - UNIVERSIDADE POSITIVO

Grupo de Trabalho - Formação de Professores e Profissionalização Docente


Agência Financiadora: não contou com financiamento

Resumo

Este artigo, orientado pelas discussões teóricas dos conceitos de transposição didática,
didatização e modelização didática (CHEVALLARD, 1985, 2004[1991], SCHNEUWLY,
(2005[1995], 2009, ROJO, 2001a), tem por objetivo discutir a contribuição da produção de
material didático para a formação continuada dos professores de Língua Portuguesa, uma das
ações do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) da Secretaria de Educação do
Estado do Paraná. Essas discussões, situadas na perspectiva transdisciplinar da Linguística
Aplicada, analisa um corpus (gerado na abordagem qualitativo-interpretativista) composto
pelo discurso - entrevista, relato de experiência e material didático - de uma professora de
Língua Portuguesa que participou do PDE na edição 2007/2008. Nossas discussões partiram
da ideia de que, ao produzirem material didático, os professores estariam não só
recepcionando conhecimentos produzidos por instâncias acadêmicas (pesquisas) e
governamentais (parâmetros e diretrizes curriculares, materiais e documentos para a formação
continuada, orientações didáticas etc.), mas também produzindo conhecimentos à medida que
relacionassem seus saberes da experiência com os saberes teóricos sobre ensino e
aprendizagem e os saberes específicos de sua disciplina, além de estarem exercitando aspectos
didáticos para a implementação das teorias na prática escolar. As análises nos mostram que as
professoras, ao organizar seu material didático, mobilizam, (re)organizam e (re)significam
seus saberes: os para ensinar (ferramentas discursivas que fazem parte da formação - como o
conhecimento curricular, didático e pedagógico – construídas ao longo da carreira) e os a
ensinar (ferramentas específicas dos conteúdos gerais e específicos da disciplina de atuação)
(HOFSTETTER e SCHNEUWLY, 2009) e, assim, fortalecem, discursivamente, seus
instrumentos (dispositivos centrais na criação de mecanismos de ensino) de trabalho.

Palavras-chave: Saberes docentes. Formação continuada. Produção de material didático.

1
Doutor em Linguística Aplicada pela Unicamp e pela Universidade de Genebra. Professor do Curso de
Pedagogia e de Direito da Universidade Positivo. E-mail: vieira.claudios@gmail.com
11797

Introdução

Rojo (2001a), ao discutir a importância da modelização didática e do planejamento


para a formação continuada do professor de Língua Portuguesa como Língua Materna
(LP/LM), aponta para três questões de extrema importância para o sistema educacional. A
primeira diz respeito à implantação de pesquisas e projetos de formação continuada que, além
de dotar o professor com os conhecimentos teóricos do campo específico da linguagem, da
língua, das práticas de linguagem e do letramento, se direcionem para os “aspectos
propriamente didáticos da implementação das teorias numa prática escolar” (p. 316); a
segunda problematiza a necessidade de equipar as escolas com novos recursos e tecnologias,
preparando, também, os professores para atuarem eficazmente com esses recursos; a terceira
se refere à exigência de uma urgente “reorganização do tempo e do espaço escolar” (p. 332),
pois nem o tempo das aulas (50 minutos) e nem o número de alunos (40 alunos, no mínimo)
em sala colaboram para o bom desempenho e aproveitamento das atividades educacionais em
aula. Além disso, poderíamos dizer que a falta de tempo reservado ao estudo, à preparação de
materiais e de aulas deixa o professor, com uma carga de 40 horas semanais em sala, refém de
instrumentos que se resumem a lousa, ao giz, a voz e ao livro didático.
Este universo nos mostra que a problemática enfrentada pela educação, no que tange a
atuação dos professores, é grande. Por isso, acreditamos que diante das exigências da
sociedade contemporânea, na qual a produção social da vida depende cada vez mais da
informação e do conhecimento, o grande desafio dos sistemas de ensino é o de adequar a
escola às realidades do momento histórico em que vivemos. Bem como, o desafio das
instituições que mantém o processo de formação continuada é o de desenvolver mecanismos
(sem sermos românticos) para tornar os professores mais autônomos, “donos da voz” e
agentes no planejamento de “seu ensino de acordo com as necessidades e possibilidades de
seus alunos”. O professor, nestes casos, se tornará agente nas ações de mudanças dentro e
além da escola, deixando de ser apenas um “animador de sala de aula, cujo planejador e
executor é o discurso do livro didático” (ROJO, 2001a, p. 332).
Consoante com essas ideias, Vieira-Silva (2009) afirma que os processos de formação
precisariam opor-se e, ao mesmo tempo, superar a concepção tradicional que visa à
capacitação dos professores por meio da transmissão de conhecimentos, com o intuito de que
eles aprendam a atuar eficazmente. Para isso, é necessário criar mecanismos para que o
professor possa fortalecer a relação entre a teoria de língua/linguagem e de ensino de LP/LM
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com a sua atuação em sala. Nessa direção, apontamos que uma das possibilidades seria a de
tornar o professor autor do seu material didático. Como “professor-autor”, ele, ao exercitar a
modelização didática e a didatização dos objetos de ensino, estaria, além de adquirindo,
mobilizando seus saberes conforme a necessidade de sua utilização, de suas experiências e de
seus percursos formativo e profissional. Assim, ao transpor didaticamente os conhecimentos
de sua disciplina para o MD e depois para o campo prático, o professor percorreria um
processo de transformação das capacidades, tanto as suas - a de agir sobre os objetos de
conhecimento - como as de seus alunos - as maneiras de pensar, de falar, de escrever ou de se
comportar em certos contextos (SCHNEUWLY, 2005[1995]).
Neste trabalho, orientados por uma concepção que vê na interação verbal o lugar, por
excelência, de produção da linguagem e de construção dos sujeitos, apresentamos algumas
discussões sobre como a produção de MD pelo próprio professor pode se configurar em um
espaço para a sua formação continuada. Para isso, abordamos os conceitos de tansposição
didática, modelização didática e didatização de conhecimentos e analisamos atividades de
leitura desenvolvidas por Fernanda (nome fictício), professora de LP/LM do Estado do
Paraná, em seu MD durante o Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE)2 ocorrido no
biênio 2007/2008 e fragmentos de uma entrevista que Fernanda nos concedeu em junho de
2010. Com as análises, não pretendemos avaliar as atividades propostas, apontando
adequações ou inadequações para o ensino e a aprendizagem, mas entender como o processo
de produção de MD pode se configurar em um espaço para a formação de professores. Ou
seja, queremos entender como esse processo pode permitir aos professores (re)organizar e
(re)significar seus saberes, sendo capazes de “definir, selecionar e organizar ‘conteúdos’ que
deverão ser tematizados por meio de ações didáticas distribuídas no tempo e no espaço
escolar” (ROJO, 2001a, p. 314).

Modelização didática e a transposição dos conhecimentos

Segundo Schneuwly (2009), didático da Língua Francesa, que atua no grupo de


Genebra, um objeto de conhecimento (a leitura de um romance X, a fábula, o artigo de

2
Este programa, lançado em 2007, especificamente na ação de formação continuada dos professores da rede
pública estadual, se configura em uma política de valorização dos professores, articulando a educação básica e a
educação superior na busca de soluções e melhorias na qualidade do ensino no estado. Para isso, prevê, além de
avanços na carreira, afastamento do trabalho (sala de aula) para que o professor PDE se dedique aos estudos, a
produção do material didático e pedagógico, a intervenção na realidade escolar (aplicação em sala de aula do
material produzido), a orientação de grupos de trabalho e a produção de um artigo científico.
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opinião ou a subordinada relativa, por exemplo) precisa ser didatizado para se tornar um
“objeto ensinado e aprendido” dentro de uma sala de aula. Ou seja, para se tornar “ensinado e
aprendido”, um objeto de conhecimento - que tem o seu funcionamento determinado por
outro contexto social, externo ao sistema de ensino e de aprendizagem -, além de ser
considerado como conhecimento útil em situações sociais diversas, como um conhecimento
legítimo e legitimado historicamente por meio do reconhecimento social, incluindo aí o seu
caráter teórico, determinado pelas instituições acadêmicas que o produzem, passa por uma
longa cadeia de transformações. Esse processo de transformações é necessário e é
modelizado pela teoria da transposição didática (TD).3 Entendemos por TD, a partir da
abordagem definida por Chevallard (1985, 2004[1991]), o processo de transformações pelo
qual passa um conhecimento para se tornar objeto de ensino. Vejamos o esquema criado por
Chevallard (1985, p. 49):

ĺ objeto de conhecimento ĺ objeto a ensinar ĺ objeto de ensino

Por meio deste esquema, compreendemos que cada uma das setas (ĺobjeto no
contexto social-comunicativo – fora do ambiente escolar ĺ o objeto modelizado ĺ o objeto
didatizado) representa a transformação profunda pela qual passa um objeto de conhecimento
em função de seu funcionamento no contexto escolar. Ou seja, o objeto se transforma para
servir a objetivos específicos a depender do contexto discursivo em que está inserido.
Nessa linha de raciocínio e de acordo com Schneuwly (2005[1995], 2009), as ações de
transformação no conhecimento, desenvolvidas a partir de um objeto retirado de um contexto
discursivo “X” ou “Y” e colocado na escola – outro contexto discursivo -, só se realizam
quando se pautam na clareza sobre “o que ensinar”, “por que ensinar” e “como ensinar”. Essa
clareza é necessária porque, ao mudar de contexto, o objeto de conhecimento ganha outra
função, transforma-se em objeto a ser “ensinado e aprendido” e deverá estar a serviço da
ampliação do conhecimento dos alunos. Por exemplo, ao tomarmos uma carta de reclamação,
um artigo de opinião, um curriculum vitae, ou outro objeto de conhecimento e o colocarmos
em um contexto escolar, faz com que este se torne gênero ou objeto de conhecimento
“escolarizado” (ROJO, 2001b, SCHNEUWLY, 2007). Ou seja, as atividades escolares, por
mais que se aproximem de situações efetivas de comunicação, quando didatizam, pelo
processo de transposição didática, transformam os objetos de conhecimento, que deixam a sua

3
Definições mais aprofundadas sobre TD podem ser encontradas em Vieira-Silva (2012).
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função primeira - a comunicação -, em objetos de estudo. Estes têm por função desenvolver
nos alunos as capacidades de leitura e de produção de textos, no caso do ensino de LP/LM.
Diante disso, assumimos que a transposição didática, além de ser necessária para o
ensino e a aprendizagem, é um processo complexo que não deve ser feito de forma direta e
imediata, resumindo-se na mera simplificação dos objetos de conhecimentos para facilitar a
sua compreensão por parte dos alunos, relegando à escola a mera função de reprodutora de
conhecimentos. Mas, acima de tudo, esse conceito deve ser compreendido como um processo
útil para determinarmos e delimitarmos as dimensões ensináveis de um dado objeto de
conhecimento, uma vez que, no caso do ensino e aprendizagem de LP/LM na escola básica, o
objetivo não é formar linguistas, mas usuários competentes da língua.
A determinação e a delimitação das dimensões ensináveis de um objeto de
conhecimento passam, segundo Dolz, Schneuwly e De Pietro (2004[1998]), pela modelização
didática, entendida como atividade definidora dos princípios (o que é aquele determinado
objeto de ensino), dos mecanismos (como este objeto, textualmente, está organizado) e das
formulações (os elementos utilizados em sua textualização) presentes nos objetivos do ensino,
tendo em vista a aprendizagem pelos os alunos. Por exemplo, tomando como objeto de ensino
o gênero “carta de reclamação”, o professor-autor poderia proceder da seguinte maneira: i)
com a ajuda das discussões teóricas sobre língua/linguagem (teorias linguísticas,
discursivas/enunciativas) e das experiências dos usuários desse tipo de gênero (manuais de
redação, advogados e assessores, instituições que asseguram o direito do consumidor etc.),
realizar a descrição do gênero; ii) saber o que seus alunos conhecem, compreendem e
conseguem produzir do gênero carta de reclamação, isto é, avaliar “a ZPD4 para este objeto
específico” (ROJO, 2001a, p. 320); iii) utilizar experiências anteriores com o ensino
(conhecimento de seus alunos e da realidade escolar). De posse desses três conjuntos de dados
(elementos do gênero, o conhecimentos dos alunos e experiências anteriores de ensino)5, o
professor teria condições de planejar mais coerentemente o seu trabalho, criando princípios
norteadores para a intervenção didática, visando, dessa forma, à aprendizagem do gênero em
questão por seus grupo de alunos. Esse processo de planejamento tem, então, como finalidade
compor os “objetivos de ensino (e os indicadores de aprendizagem visados) e [organizar] o

4
Zona Proximal de Desenvolvimento (Vygotsky, 1984a[1930] e 1984b[1935]).
5
Dolz, Schneuwly e De Pietro (2004[1998], p. 259) chamam de “comportamento dos especialistas,
comportamento dos aprendizes, experiências de ensino”.
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tempo e o material escolar, componentes do projeto ou programa de ensino” que resultam em


MD (ROJO, 2001a, p. 320).
A produção do MD pode ser vista, na cadeia das transformações do conhecimento,
como o momento de didatizar, de organizar o conhecimento para que, ao realizarem as
atividades propostas (leitura, estudo dos elementos linguísticos e produção de texto), os
alunos compreendam o conteúdo deste conhecimento e adquiram competência no uso da
língua/linguagem, no caso do ensino de LP/LM. Ou seja, retomando o que dissemos no início
dessa seção, a didatização é, na cadeia da transposição didática, o momento de organizar o
conhecimento em “objeto de ensino e de aprendizagem” - um passo anterior à sua efetiva
transposição em sala de aula, tornando o conhecimento em “objeto ensinado e aprendido”.

O ato de didatizar

Como apresentado nas discussões acima, um objeto de conhecimento, ao ser


transposto de um contexto discursivo a outro, se transforma. Nesse processo, quando o
professor é o autor da modelização e da ditatização, além de mobilizar, (re)organiza e
também transforma os seus saberes. Ou seja, acreditamos que no processo de modelização e
didatização o professor, ao mesmo tempo, movimenta os savoir pour enseigner e os savoir à
enseigner6 (HOFSTETTER e SCHNEUWLY, 2009). Isto é, mobiliza os seus saberes sobre: i)
os elementos constitutivos dos objetos de ensino (os conteúdos específicos de LP/LM: os
elementos envolvidos no ensino do gênero artigo de opinião, da carta de reclamação, do
ensino da leitura do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas ou do romance Tropical Sol
da Liberdade, do ensino da poesia parnasiana ou o ensino do poema “Morte e Vida Severina”,
por exemplo) com os quais trabalha para o desenvolvimento do conhecimento em sala de aula
– savoir à enseigner; ii) os instrumentos de ensino – aqueles que o professor “domina”
(capacidades, competências e atitudes profissionais: compreensão do funcionamento da
organização do sistema escolar, do currículo, dos programas de ensino, da realização da aula
em sala etc.) para o desenvolvimento das atividades educacionais, definidas pelo campo
profissional e, ao mesmo tempo, ligados ao objeto de trabalho do professor – savoir pour
enseigner.
Vejamos, nas análises que seguem, como isso ocorre nas atividades de leitura
organizadas pela professora Fernanda em seu MD, intitulado por “Gêneros discursivos: um
6
Traduziremos livremente esses termos por: saber para ensinar e saber a ensinar.
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diálogo entre a leitura e a escrita” e foi produzido para ser utilizado em sala de aula com
alunos do 7º ano do Ensino Fundamental). Esse material elege o conto de fadas como “carro-
chefe” para organizar atividades de leitura e de produção de textos escritos da ordem do
narrar. Em sua constituição, as atividades - organizadas em duas unidades (primeira: leitura e
interpretação do conto “Chapeuzinho Vermelho” e produção escrita (reconto) de um conto de
fadas que fará parte de uma coletânea de textos dos alunos da classe; segunda: leitura e
interpretação de biografia e das ilustrações/imagens do conto de fadas “Chapeuzinho
Vermelho” e produção, a partir dos dados de um colega da classe, de uma nota biográfica),
partem da leitura de um texto (verbal ou não-verbal), passa pela interpretação e finaliza com a
produção de um texto no mesmo gênero estudado na seção “leitura”.
A escolha do objeto de conhecimento transposto e a forma de organização das
atividades no MD são assim justificadas por Fernanda:

Acabei optando pelo estudo do gênero literário conto de fadas devido à série [7º
ano] (...) apresentar um interesse forte pelo mágico, pela fantasia e pelo lúdico.
Achei que se eu partisse da leitura do clássico (...) poderia proporcionar aos alunos
uma discussão que os faria pensar num rito de passagem, levando-os a relacionar
essa situação à sua condição de pré-adolescência e adolescência (trecho de entrevista
– profa. Fernanda).

O trecho nos indicia7 duas questões interessantes e que estão diretamente ligadas aos
saberes do campo profissional do professor. A primeira mostra a preocupação em “seduzir” os
alunos para o processo de ensino e aprendizagem (utilizar um gênero literário que “dialogasse”
com os interesses particulares de seus alunos); a segunda demonstra que, ao atrair os alunos
para o estudo, as atividades proporcionariam a ampliação do conhecimento tanto no nível
intelectual (discutir e conhecer os elementos do gênero em estudo) como também refletir sobre
a temática apresentada pelo texto, relacionando experiências e conflitos vividos pelos
adolescentes nessa fase de suas vidas. Nessa direção, observamos, também, a presença de duas
forças agindo no discurso8 de Fernanda. Uma diz respeito ao ensino via estudo de gêneros
textuais e outra agindo na direção do trabalho com temáticas, explorando, discutindo e
atualizando, com os alunos, o tema que pode ser depreendido do conteúdo do texto.

7
Difundido em 1968, pelo historiador italiano Carlo Ginzburg, o paradigma indiciário se configura na “proposta
de um método interpretativo centrado sobre os resíduos, sobre os dados marginais, considerados reveladores”
para o pesquisador (Ginzburg, 1986[1968], p. 149).
8
Segundo Vieira-Silva (2012), discurso é toda a produção de linguagem. Logo, um relato, uma entrevista, um
material didático se configuram em discurso e, por isso, guardam em si posições ideológicas, fatores históricos,
políticos e sociais, sendo, portanto, o lugar para onde convergem conflitos, intencionalidades, jogos de interesses
que emergem dentro de todo e qualquer grupo social.
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Quando questionada sobre os motivos que a levaram a colocar o estudo da


língua/linguagem centrado no gênero como “carro-chefe” de seu MD, Fernanda nos relatou o
seguinte:

Trabalhar com gêneros visa colocar os alunos em situações de comunicação que


sejam as mais próximas possíveis de verdadeiras situações de comunicação, que
tenham um sentido para eles. (...) O ensino da língua (...), na escola, deve estar
voltado à interatividade, (...), as condições sociais de produção, a situacionalidade,
a contextualidade e os sistemas de referência em que ela é gerada, visando a que os
alunos a dominem em situações variadas, desenvolvendo-lhes um comportamento
discursivo consciente e voluntário e ajudando-os a construir uma representação das
atividades de escrita e fala em situações mais complexas, como produto de um
trabalho de lenta elaboração (profa. Fernanda – ênfases adicionadas).

A análise desse trecho demonstra que a escolha do conteúdo e da forma como ele foi
desenvolvido no MD não foram aleatórias e nem partiram somente da sua experiência de sala
de aula. Há por trás dessa escolha uma sustentação teórica. Essa base teórica está presente,
tanto nas discussões contemporâneas de ensino e aprendizagem de LP/LM, como nos
encaminhamentos teóricos e metodológicos das DCELP9. Ou seja, sua preocupação centra-se
em produzir um MD com atividades que, ao mesmo tempo, estejam voltadas aos interesses
dos estudantes, atendam aos dispositivos das teorias e dos documentos oficiais do estado e
que, especialmente, contribuam para o desenvolvimento de seus alunos: na compreensão do
funcionamento social da língua/linguagem e na compreensão dos mecanismos
representacionais da língua/linguagem nos textos. Assim, Fernanda pretende ampliar o
letramento de seus alunos, demonstrando a eles o funcionamento da língua/linguagem em
seus contextos de acontecimento (social e textual).
Destacamos, ainda, que a escrita do MD para a professora configurou-se em uma
atividade de produção discursiva. No momento de produzir esse discurso foi necessário
observar a situação de produção do próprio MD para poder adequar os encaminhamentos das
atividades aos objetivos pretendidos com ensino de LP/LM na sala de aula. Vejamos como
Fernanda reflete sobre esse processo:

9
As DCELP - Diretrizes Curriculares de Língua Portuguesa (Paraná, 2007) - do estado concebem a
língua/linguagem como fenômeno social, pois nasce da necessidade de interação (política, social, econômica)
entre os homens. Nesse sentido, a proposta de trabalho com a LP/LM se pauta na ênfase à língua viva, dialógica,
em constante movimentação, permanentemente reflexiva e produtiva. As atividades de ensino devem, ao tomar o
gênero de discurso/texto como objeto de ensino, relacionar os eixos de fala, da leitura e da escrita, como práticas
de uso e o eixo de análise linguística, como práticas de reflexão.
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A cada palestra ou nova leitura muitas ideias surgiam para enriquecer as atividades
didáticas as quais eu me propunha elaborar. Nesta etapa, eu me perguntava: para
que realidade eu as estaria criando? Onde seriam implantadas? Para que nível
cultural? Quem seriam os interlocutores reais e os virtuais? Para atender a que
necessidades? Com que propósitos seriam realizadas? (profa. Fernanda – ênfases
adicionadas).

A análise desse trecho nos mostra que o processo de didatização foi para Fernanda um
momento importante para que ela pensasse o próprio ensino de LP. Isto é, produzir MD
proporcionou a professora uma reflexão sobre o próprio processo de ensino, motivando-a a
organizar as atividades com vistas à aprendizagem significativa de seus alunos. Portanto, o
processo de Transposição e modelização didática e de didatização foi para Fernanda uma
maneira de “visualizar”, por meio da reflexão sobre a situação de produção, as etapas de
ensino e de aprendizagem que deveriam ser desenvolvidas em sala de aula. Fernanda
experienciou o que proporia a seus alunos.
Ao voltarmos o olhar para algumas atividades presentes no MD, percebemos que elas
demonstram o que Fernanda nos relatou durante a entrevista e apontam, também, para a
presença de forças conflitantes, ora encaminhando as atividades para o estudo do
funcionamento da língua/linguagem, ora se fixando em questões estritamente estruturais do
gênero. Ou seja, a ação de didatizar, por mais que explore os elementos constitutivos
(linguístico-discursivos, sócio-comunicativos) do gênero conto de fadas, ora se encontra presa
a enfoques mais estruturalistas, explorando, de certa forma, mais a metalinguagem do gênero,
ora se encontra mais voltada para a compreensão de seu funcionamento propriamente dito.
Acompanhemos nos Quadros 1 e 2 alguns exemplos das atividades propostas por Fernanda:
1. Você saberia definir que gênero discursivo é esse?; 2. Para que serve um gênero
como esse?; 3. Quem são os possíveis interlocutores desse gênero discursivo?; 4.
Em que esfera social costuma circular um gênero literário como esse?; 5. Em que
suporte esse texto poderia ser encontrado? 6. Em que época poderia ter sido escrito
esse texto e quais os seus fatores históricos mais marcantes?; 7. Ainda, hoje, esse
texto poderia circular em nossa sociedade? Por quê?; 8. Há alguma personagem
com quem você mais se identificou? Por quê?; 9. Qual a parte da história que
achou mais envolvente? Por quê?; 10. Quais contos de fadas foram mais marcantes
em sua vida? Por quê?; 11. Mesmo já lido ou ouvido a história de Chapeuzinho
Vermelho, o texto lhe trouxe alguma novidade? Qual?; 12. O conto de fadas nos
faz distanciar da nossa realidade para um mundo mágico e cheio de fantasias. Por
que, então, apesar de tão antigo, continuamos apreciando histórias desse tipo?
Quadro 1 – Atividades de leitura I
Fonte: Vieira-Silva (2012).
11805

Ao analisar a constituição destas questões, conseguimos perceber certo hibridismo


teórico-metodológico. Nas seis primeiras questões, talvez por força da própria tradição
escolar, o que impera é justamente um formato de atividades centrado mais na descrição
“metalinguística” dos elementos que organizam um gênero do que no seu funcionamento
como produto sócio, político, econômico, histórico e cultural. A análise dessas seis primeiras
questões aponta para uma dificuldade presente no ato de didatizar, a de que o construto formal
teórico ainda prevalece em detrimento da presença de atividades que priorizam a
compreensão do funcionamento da situação de produção do referido gênero em estudo.
Já as questões de número 7 a 12 procuram desenvolver a leitura colocando em relevo a
relação leitor-texto-autor. Ao fazer isso, as questões ampliam a possibilidade de entendimento
e de compreensão da temática apresentada pelo texto, permitindo com que o aluno relacione o
contexto de produção do conto “Chapeuzinho Vermelho” com o contexto vivenciado por ele
em seu dia a dia, explorando as relações políticas, éticas, ideológicas e morais veiculadas na
temática do conto.
Acompanhemos agora, no Quadro 2, um conjunto de atividades e sua respectiva
análise:
1. Os contos de fadas tradicionais seguem sempre uma mesma forma. Localize no
texto que acabou de ler elementos que o aproximam de um conto de fadas; 2. Nesta
versão de Chapeuzinho Vermelho, onde os fatos ocorrem? Há um espaço geográfico
definido?; 3 A divisão de parágrafos também pode ser um recurso para mudar o
espaço e tempo na história. Como se observa isso no texto?; 4. A estrutura mais
comum em um conto baseia-se numa situação de equilíbrio inicial, seguida de uma
situação conflituosa que gera um desequilíbrio e uma situação final de equilíbrio,
porém diferente do primeiro. Diante disso, como as personagens desse conto estão
no início do texto?; 5. Geralmente, o final dos contos de fadas termina com uma
expressão famosa sinalizando a situação da volta ao equilíbrio, no texto. Qual é essa
expressão?
Quadro 2 – Atividades de Leitura II
Fonte: Vieira-Silva (2012).
Este segundo conjunto de questões procura estudar mais detalhadamente a constituição
da estrutura textual do conto, explorando as partes do texto, a função dos elementos
(personagens, narrador, tempo, espaço, conflito, clímax, desfecho, marcas linguísticas)
textuais neste gênero. Isso demonstra que Fernanda traz, também, para as atividades os
elementos ensináveis do gênero conto de fadas, ou seja, permite com que os alunos
compreendam os mecanismos de construção do texto em estudo, além de remetê-los a outros
textos do mesmo gênero. Neste último conjunto de questões, é possível perceber o esforço da
11806

professora em construir atividades que particionam o texto em estudo, criando tarefas que, ao
serem realizadas, permitem com que os alunos adquiram competências no conhecimento e no
entendimento do funcionamento textual do gênero. Isso equivale dizer que Fernando,
(re)contextualiza o objeto de saber (o gênero conto de fadas – “Chapeuzinho Vermelho”),
transformando-o em objeto de ensino e de aprendizagem. Dito de outra forma, é possível
perceber que parte das atividades do primeiro conjunto de questões, como dissemos acima, e
as do segundo cooperam para que os alunos compreendam o funcionamento do gênero e, ao
estuda-lo, modifiquem seu modo de pensar, de falar, de agir, de escrever e de se relacionar
com os demais na sociedade.

Considerações Finais

Como pudemos observar pelas análises, o processo de organização do MD demonstra


que Fernanda, ao didatizar, trouxe à luz os saberes que ela construiu durante sua carreira
profissional (formação inicial, atuação em sala de aula, a leitura de documentos oficiais,
formação continuada, especialmente os estudos desenvolvidos no PDE etc.). Isto é, podemos
dizer que o saber docente, por ser dialógico e dialético, é constituído por “uma realidade
social materializada através de uma formação, de programas, de práticas coletivas, de
disciplinas escolares, de uma pedagogia institucionalizada” (Tardif, 2000, p. 16) e que são
também construídos no dia a dia, durante a realização das atividades profissionais. Por isso,
no caso de Fernanda, a produção de MD possibilitou com que ela (re)situasse o seu próprio
discurso e procedesse à (re)organização e a (re)significação dos próprios saberes, porque, ao
organizar as atividades, ela cruzou dados de sua prática docente, do conhecimento da
realidade escolar e de seus alunos com os saberes construídos na sua formação. Isto é,
modelizar e didatizar podem provocar no professor, ao mesmo tempo, a apropriação e a
exteriorização de seu conjunto de saberes (os a ensinar e os para ensinar), ressignificando-os,
portanto.

REFERÊNCIAS

CHEVALLARD, Yves. La transposition didactique. Paris : La Pensée Sauvage, 1985.

CHEVALLARD, Yves. Transposition didactique: Du savoir savant au savoir enseigné - Un


exemple d'analyse de la transposition didactique. Paris: La Pensée Sauvage, 2004[1991].
TEXTO 02
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EDUCA – Revista Multidisciplinar em Educação – ISSN 2359-2087

Formação docente e os saberes necessários à prática pedagógica

Sirley Leite Freitas1


Juracy Machado Pacífico2

Resumo

O texto apresenta, a partir das contribuições teóricas de Perrenoud (2000), Freire (2011), Tardif (2014) e
Gauthier (2006), os saberes necessários à prática docente e busca refletir sobre que saberes um bom
professor precisa construir e mobilizar para o desempenho de sua função, segundo os autores
pesquisados. Evidencia-se a complexidade desses saberes, cuja aquisição se dá na formação inicial e na
prática docente. A partir desse processo construtivo do texto, apresenta-se também uma comparação entre
os conceitos apresentados pelos diferentes autores sobre saberes docentes. Observa-se que, de modo
geral, tais conceitos são próximos e complementam-se, não sendo possível se falar em saberes
antagônicos entre os teóricos a partir das obras analisadas. Conclui-se que há diversos saberes que devem
ser mobilizados para a realização da prática pedagógica. Estes são apresentados sinteticamente, de forma
a levar os docentes, aprendizes e formadores a considerá-los no processo formativo de qualidade que se
quer, que impacte positiva, concomitante e a posteriori na prática pedagógica.

Palavras-chave: Formação profissional. Saberes docentes. Prática pedagógica.

1 Introdução

A busca por melhorar a qualidade na educação é uma questão que


constantemente vem sendo discutida pela sociedade, pelo governo e principalmente
pelas instituições de ensino. Em meio a essa discussão está o professor que é alvo de
críticas e cobranças, pois não raramente é questionado sobre a qualidade de sua
formação, sua prática docente e por vezes é culpado pela má qualidade de ensino. Recai
sobre o sujeito professor uma gama de responsabilidades na qual o mesmo em diversas
ocasiões é visto ora como uma panaceia para a qualidade da educação, ora como
culpado pelas mazelas desta.
Sem se desconsiderar o que o discurso corrente vem apresentando nessa linha,
mas sem a intenção de aprofundá-lo neste momento, e diante de todas essas

1
Mestre em Educação Escolar/UNIR. Professora do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
de Rondônia - IFRO/Campus de Cacoal e-mail: sirleitefreitas@gmail.com
2
Doutora em Educação Escolar/UNESP. Professora do Departamento de Ciências da Educação da
Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR). Professora do PPGEE/MEPE/UNIR e-mail:
juracypacifico@unir.br

Rev. EDUCA, Porto Velho (RO), v.2, n.4, pp. 1-17, 2015.
EDUCA – Revista Multidisciplinar em Educação

instabilidades da profissão, convém refletir sobre a formação de professores e


compreender quais são os saberes necessários para uma boa prática docente.
Assim, este texto pretende discutir quais os saberes necessários para a prática
pedagógica, sob a visão Perrenoud (2000), Freire (2011), Tardif (2014) e Gauthier
(2006). Discutem-se essas teorias a partir delas mesmas e da contribuição de outros
autores.

2 Saberes docentes necessários para a prática pedagógica

A sociedade hoje vem passando por constantes mudanças. O conhecimento é


dinâmico, todos os dias novos conhecimentos surgem. Dessa forma, manter-se
atualizado nos dias atuais não é algo fácil. Por isso, a necessidade de uma formação
solidificada em conceitos e práticas em que, mesmo com as constantes mudanças e
transformações, tais conhecimentos sejam basilares, que figurem mais como princípios
do que como conteúdos específicos da prática pedagógica. Desse modo, hoje, também
se discute sobre os saberes docentes, as competências que um professor deve ter e quais
as habilidades devem ser construídas durante a formação deste.
Esse campo de conhecimento, os saberes docentes, vem sendo objeto de
pesquisas nos últimos anos, de forma que educadores buscam entender que saberes são
necessários para se ser professor na sociedade atual. Uma constatação geral sobressai
desses estudos: que os saberes docentes são plurais e não se reduzem a um
conhecimento conteudista (PERRENOUD, 2000; FREIRE, 2011; TARDIF, 2014;
GAUTHIER, 2006).
Apontamos o que discute Imbernón (2011) sobre o papel da formação inicial:

Nas últimas décadas fizeram-se muitas pesquisas sobre o conhecimento


profissional dos professores. Sabemos que dificilmente o conhecimento
pedagógico básico tem um caráter muito especializado, já que o
conhecimento pedagógico especializado está estreitamente ligado à ação,
fazendo com que uma parte de tal conhecimento seja prático, adquirido a
partir de experiência que proporciona informação constante processada na
atividade profissional. A formação inicial deve fornecer base para se adquirir
esses conhecimentos especializados (IMBERNÓN, 2011, p. 60).

2 EDUCA, Porto Velho (RO), v.2, n.4, pp. 1-17, 2015.


EDUCA – Revista Multidisciplinar em Educação

Entretanto, adaptar-se, no sentido piagetiano (PIAGET, 1996) de modificação de


estruturas, que implica em processos de assimilação e acomodação a essas novas
condições, é um desafio tanto para a escola como para os professores. As escolas
discutem currículos, os saberes necessários para a formação dos educandos, os valores
que devem ser praticados e vivenciados por ela. E isso faz com que os professores se
questionem sobre os seus saberes e competências. Mas antes de tudo é preciso
compreender que o professor é sujeito nesse processo. “O professor não é descartável,
nem substituível, pois, quando bem formado, ele detém um saber que alia conhecimento
e conteúdos à didática e às condições de aprendizagem para segmentos diferenciados”
(GATTI, 2009, p. 91).
As instituições de formação de professores, preocupadas com os rumos da
educação, vivenciam a

[...] busca de novos currículos educacionais e de uma formação ao mesmo


tempo polivalente e diversificada de professores, as propostas de
transversalidade de conhecimento em temas polêmicos, mostram que a área
educacional encontra-se no meio desse movimento em busca de alternativas
formativas (GATTI, 2009, p. 94).

Os estudos acima citados acerca dos saberes intrínsecos à docência, a


competências e habilidades necessárias ao ofício de professor apontam a importância
em se compreender que os saberes docentes não se limitam ao conhecimento de
conteúdos específicos, mas se estendem a um conjunto muito mais amplo de
conhecimentos relativos aos contextos social, econômico e político e à prática
pedagógica, ou seja, compreendem um sentido mais amplo do saber fazer e saber ser
(IMBERNÓN, 2011).
O novo professor precisa estar disposto a estudar, visto que lhe é cobrado um
conhecimento amplo em que tem que desenvolver um trabalho coletivo, interdisciplinar
e transdisciplinar. É preciso estar aberto à comunicação e deve ler muito, falar e
escrever bem, saber pesquisar, tomar decisões e resolver problemas. “O enfoque da
formação do novo professor deve ser na autonomia e na participação, nas formas
colaborativas de aprendizagem” (GADOTTI, 2011, p. 69).
No campo do ensino e na atual conjuntura que vive a educação no Brasil não é
simples a tarefa do professor, pois muitas variáveis influenciam no exercício da
docência e essas também devem ser consideradas na busca da compreensão dos saberes
necessários para se exercer o ofício de professor.

Rev. EDUCA, Porto Velho (RO), v.2, n.4, pp. 1-17, 2015. 3
EDUCA – Revista Multidisciplinar em Educação

Dentre essas variáveis, Imbernón (2009, p. 31-33) aponta

A falta de uma coordenação real e eficaz entre a formação inicial do


professorado dos diversos níveis educativos [...]; a falta de coordenação,
acompanhamento e avaliação por parte das instituições [...]; a falta de
orçamento para atividades de formação [...]; horários inadequados,
sobrecarregamento e intensificando a tarefa docente; [...] a formação em
contextos individualistas, personalistas.

Segundo Imbernón (2009), esses fatores interferem na formação do professor e


consequentemente na aquisição e construção de seus saberes.
No Brasil, vem crescendo a discussão sobre pesquisas feitas na Europa e nos
Estados Unidos em relação ao “professor reflexivo”. Segundo esses estudos, somente a
teoria não seria capaz de articular a prática em toda a sua plenitude, assim sendo, o
professor deve refletir sobre sua própria prática pedagógica para chegar à junção mais
adequada de teoria e prática.
Contudo, há que se tomar o devido cuidado para não se cair na versão de que
basta formar professores reflexivos para resolver os problemas da educação, visto que
existem muitas variáveis que contribuem para o aumento dos problemas educacionais
(LIBÂNEO, 2002).
Os professores, por vezes, desconfiam da qualidade e eficácia de sua formação
que pouco modificam suas práticas pedagógicas, pois seus conhecimentos não foram
aprofundados em todas as tendências pedagógicas. Então se limitam às tendências mais
conhecidas e principalmente às tradicionais (LIBÂNEO, 2002).
Tendo em vista o já apresentado acima, busca-se agora refletir sobre o que
Perrenoud (2000), Freire (2011), Tardif (2014) e Gauthier (2006) apontam como sendo
os saberes necessários ao exercício da prática docente.

2.1 Os saberes docentes para Perrenoud

Ao analisar o referencial do programa dos cursos de formação contínua de 1996-


1997, também conhecido como Referencial Genebriano, Perrenoud (2000) descreve as

4 EDUCA, Porto Velho (RO), v.2, n.4, pp. 1-17, 2015.


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dez novas competências para se ensinar. Segundo o autor, o profissional da educação,


além das competências relativas ao domínio de conteúdos, deve saber:

1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem;


2. Administrar a progressão das aprendizagens;
3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação;
4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho;
5. Trabalhar em equipe;
6. Participar da administração escolar;
7. Informar e envolver os pais;
8. Utilizar novas tecnologias;
9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão;
10. Administrar sua própria formação continuada (PERRENOUD, 2000, p. 14).

Para o autor, organizar e dirigir situações de aprendizagem, administrar


progressão das aprendizagens como também envolver os alunos em suas aprendizagens
e em seu trabalho requer do professor competências em criar situações de aprendizagem
em que o mesmo tem que dominar conteúdos e teorias de aprendizagem para poder ter
sempre a sua disposição uma metodologia adequada para cada situação, assim como um
conhecimento específico para poder gerir esse processo.
Para conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação, o professor
precisa compreender e saber gerir a heterogeneidade de aprendizagens e sala de aula,
pois, apesar de o sistema de ensino homogeneizar as turmas, isso não ocorre na prática e
compete ao professor administrar essas situações. Dessa forma, é importante o professor
desenvolver habilidades e competências capazes de auxiliá-lo na busca de como
trabalhar com a heterogeneidade, que é comum em qualquer sala de aula, e
consequentemente com o tempo de aprendizagem e dificuldades de cada educando.
Já para se trabalhar em equipe, participar da administração escolar e informar e
envolver os pais são necessárias competências que envolvam conhecimentos relativos às
relações inter e intrapessoal como também competências relacionadas ao conhecimento
social e político. Perrenoud (2001, p. 128) afirma que

[...] os professores que experimentam o trabalho em equipe sabem que a


cooperação é uma luta: contra si mesmo, contra suas próprias ambivalências;
contra os outros [...]; contra o sistema educativo ou o estabelecimento de
ensino [...] quando demonstram pouca compreensão.

Utilizar novas tecnologias requer do professor um conhecimento específico e


técnico sobre novas tecnologias e como utilizá-las em benefício da educação, visto que

Rev. EDUCA, Porto Velho (RO), v.2, n.4, pp. 1-17, 2015. 5
EDUCA – Revista Multidisciplinar em Educação

não é possível se ignorar o fato de que as crianças e adolescentes estão, atualmente, em


constante conexão com o mundo tecnológico (PERRENOUD, 2000).
Para poder enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão, o professor
deve ter saberes relativos a temas transversais que estão ligados à política, economia,
cidadania, direito, sexualidade, meio ambiente, dentre outros. Desse modo, pode-se
perceber que, para se obter tais conhecimentos, o professor precisa ser um leitor assíduo
e de assuntos diversos.
Administrar sua própria formação continuada exige que o professor adquira
competências relativas à autogestão, saiba refletir sobre a própria prática e esteja
disposto a buscar novos conhecimentos permanentemente.
A grande maioria dos professores que está em exercício foi formada numa
perspectiva individualista, não tendo sido formada para trabalhar em grupo, mas para
atuar numa sala de aula onde ele é o professor e os demais, apenas alunos. Porém essa
profissão não é uma aventura solitária, visto que a educação se faz em conjunto quando
professores, alunos e demais funcionários da escola devem trabalhar, todos, na mesma
sintonia para que a aprendizagem aconteça (PERRENOUD, 2001).
Perrenoud (2002) argumenta que na teoria o professor deve ter competências
para resolver problemas, ou seja, quando estes surgem, o professor intervém e busca a
melhor solução para o caso. Isso acontece durante o desempenho da prática docente.
Entretanto, não é possível a ocorrência de tal fato sem que o professor tenha saberes
abrangentes que integrem saberes acadêmicos, saberes especializados e saberes
provenientes da experiência.

2.2 Os saberes docentes, para Freire

O educador Paulo Freire em toda sua obra sempre procurou destacar o papel do
professor e os saberes necessários a essa profissão. Em seu livro “Pedagogia da
Autonomia” ele faz uma reflexão sobre a formação docente e a prática pedagógica.
Dessa feita, demonstra diversos saberes que um professor deve ter para exercer a
profissão. Freire (2011) afirma que o ato de ensinar exige vários saberes docentes e
aponta esses em três dimensões: a) os referentes à prática docente, ao exercício da

6 EDUCA, Porto Velho (RO), v.2, n.4, pp. 1-17, 2015.


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profissão; b) os referentes ao processo de ensinar, em que ensinar não é transferir


conhecimento; e os referentes à especificidade da espécie, em que ensinar é uma
especificidade humana.
Para se apropriar das três dimensões, o professor deve compreender que ensinar
exige várias competências e saberes. “O educador democrático não pode negar-se o
dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua
curiosidade, sua insubmissão” (FREIRE, 2011, p. 28). Isso requer que o professor seja
também um sujeito crítico, nutrido de habilidades e conhecimentos, para aguçar a
curiosidade do educando e satisfazê-la.
O bom educador reflete criticamente sobre a sua prática, entretanto o pensar
certo, ser crítico é algo que não está nos manuais da academia. Então este é preciso ser
promovido por si mesmo e é na formação permanente que isso vai se construindo aos
poucos (FREIRE, 2011).
Assim, segundo Freire (2011, p. 12),

Quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e


forma ao ser formado. É neste sentido que ensinar não é transferir
conhecimentos, conteúdos e nem formar é ação pela qual um sujeito criador
dá forma, estilo ou alma a um corpo indeciso e acomodado [...]. Quem ensina
aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender.

Nesse sentido, o professor necessita ter consciência de que somos seres


inacabados, ou seja, estamos sempre em processo de formação. Assim, o professor deve
compreender que ensinar exige um respeito à autonomia do educando, humildade por
parte do educador em relação ao conhecimento que possui, o que implica em respeito
aos saberes do aluno, tolerante, não no sentido de complacência, mas de respeito à
diversidade de saberes, inclusive aos da experiência, e principalmente ter a convicção de
que a mudança é possível.
Quando Freire (2011) afirma que ensinar é uma especificidade humana, também
assegura que essa tarefa exige algumas competências, tais como: ter segurança, ser
comprometido, saber escutar e ter competência profissional. Faz-se necessário entender
que “o professor que não leva a sério sua formação, que não estude, que não se esforce
para estar à altura de sua tarefa não tem força moral para coordenar as atividades de sua
classe” (FREIRE, 2011, p. 89-90).

Rev. EDUCA, Porto Velho (RO), v.2, n.4, pp. 1-17, 2015. 7
EDUCA – Revista Multidisciplinar em Educação

Nessa mesma linha de pensamento, Imbernón (2011, p. 119) afirma que “o


conhecimento do professor não pode ser desvinculado da relação entre teoria e prática,
nem de sua função de analista de problemas morais, éticos, sociais e políticos da
educação, nem tampouco de um contexto concreto”.
Desse modo, pode-se perceber que Freire demonstra que o bom professor não
deve ter uma prática docente pautada apenas em conteúdos, pois outros conhecimentos
e competências são necessários para esse ofício. Assim, são importantes, para se ser um
bom professor, tanto os conhecimentos relativos a conteúdos como os compromissos
ético, estético e político com a prática pedagógica.

2.3 Os saberes docentes, para Tardif

A tarefa de ensinar, auxiliar o educando a construir o seu saber e de ser produtor


de conhecimento não é simples e requer desse profissional saberes específicos,
especializados e transdisciplinares.
Segundo Tardif (2002), dizer que o professor sabe ensinar não se significa que
ele tem domínio de determinados conteúdos, mas é emitir um juízo de valores sociais e
normativos em que o mesmo tem competência de natureza social tanto na escola como
na sociedade.
No livro “Saberes docentes e formação profissional” Tardif (2014) traz uma
discussão sobre os saberes docentes e nesse sentido aponta quatro saberes relacionados
à formação e exercício da função de professor. Esses saberes são os saberes da
formação profissional, o saber disciplinar, o saber curricular e o saber experiencial.
Os saberes da formação profissional são um “[...] conjunto de saberes
transmitidos pelas instituições de formação de professores” (TARDIF, 2014, p. 36).
Esses saberes são produzidos por meio de pesquisas que têm como objetos de estudo o
professor e o ensino. Os resultados dessas pesquisas tornam-se conhecimentos
científicos e esses conhecimentos são utilizados na formação dos professores.
O saber disciplinar é um conhecimento produzido pela ciência da educação.
Está ligado à formação do professor e também é transmitido pelas academias em cursos
de formação de professores (TARDIF, 2014). Assim, durante a sua formação acadêmica

8 EDUCA, Porto Velho (RO), v.2, n.4, pp. 1-17, 2015.


EDUCA – Revista Multidisciplinar em Educação

o professor recebe informações e desenvolve conhecimentos relativos a um saber


disciplina em que se apodera de conteúdos concernentes a sua área de formação.
Já o saber curricular, o professor vai adquirindo ao longo da carreira. “Estes
saberes correspondem aos discursos, objetivos, conteúdos e métodos a partir dos quais a
instituição escolar categoriza a apresenta os saberes sociais por ela definidos”
(TARDIF, 2014, p. 38). E, finalmente, o saber experiencial é o saber desenvolvido e
criado pelo próprio professor ao pôr em prática a sua função docente.
Assim, os saberes dos professores não advêm somente da teoria, mas também da
prática pedagógica. Assim, o trabalho docente é um espaço em que se produz
conhecimento, e os saberes adquiridos com a prática são saberes específicos ao ofício de
professor (TARDIF, 2002).
Tardif (2000, p. 14) também assinala que

Os saberes profissionais também são temporais no sentido de que os


primeiros anos de prática profissional são decisivos na aquisição do
sentimento de competência e no estabelecimento das rotinas de trabalho, ou
seja, na estruturação da prática profissional. Ainda hoje, a maioria dos
professores aprendem a trabalhar na prática, às apalpadelas, por tentativa e
erro. [...] Essa aprendizagem, frequentemente difícil e ligada àquilo que
denominamos sobrevivência profissional, quando o professor deve dar provas
de sua capacidade, ocasiona a chamada edificação de um saber experiencial,
que se transforma muito cedo em certezas profissionais, em truques do ofício,
em rotinas, em modelos de gestão da classe e de transmissão da matéria.

Os saberes docentes são variados e heterogêneos, visto que não se resumem a


um conjunto de saberes unificados. Desta feita, o docente raramente se prende a uma só
teoria ou concepção pedagógica, pois o bom profissional, conforme as necessidades e
dificuldades encontradas, busca as soluções em diferentes técnicas e teorias. Segundo
Tardif, mesmo que isso possa parecer contraditório para os pesquisadores da educação,
para o professor, “sua relação com os saberes não é de busca de coerência, mas de
utilização integrada no trabalho, em função de vários objetivos que procuram atingir
simultaneamente” (TARDIF, 2000, p. 14).
Os saberes docentes, definidos por Tardif (2002), são plurais e dinâmicos e
abrangem os saberes derivados das academias de formação de professores, da formação
profissional, dos currículos escolares, como também os saberes provenientes da prática
pedagógica. A partir dessas ideias, percebe-se o quão ricos devem ser os conhecimentos
de um bom professor, o que torna sua profissão complexa em que conhecimentos brutos

Rev. EDUCA, Porto Velho (RO), v.2, n.4, pp. 1-17, 2015. 9
EDUCA – Revista Multidisciplinar em Educação

devem ser polidos e materializados num conjunto de saberes que englobe toda a
dinâmica do processo de ensino e aprendizagem.

2.4 Os saberes docentes, para Gauthier

Baseado na concepção do bom professor, trazida por Tardif, Lessard e Lahaye


(1991), Gauthier (2006) apresenta um conjunto de saberes que julga necessários para a
ação docente. Nessa descrição, o autor apresenta uns saberes já citados por Maurice
Tardif e acrescenta outros que serão descritos, um a um, a seguir.
O saber disciplinar está ligado aos saberes acadêmicos, ou seja, produzidos pela
ciência. Esse saber não é produzido pelo professor, em sala de aula, uma vez que é
adquirido na academia, para ser ensinado em sala de aula (GAUTHIER, 2006).
Sendo assim, para se ensinar algo, é preciso primeiramente aprender e esse
conhecimento já sedimentado deve ser aprendido nas academias, um saber histórico e
erudito já produzido pela humanidade que deve ser repassado às futuras gerações.
O saber curricular se refere às transformações dos saberes acadêmicos em
programas escolares. Geralmente esses programas não são elaborados pelos professores,
entretanto esses devem ter conhecimento de tais programas para poder contextualizar e
compreender as direções que a educação seguirá e reconhecer quais são os objetivos
gerais da educação (GAUTHIER, 2006).
Ao se construir esses programas, são produzidos saberes e conhecimentos que
devem ser transformados em saberes escolares pelas instituições superiores ou por
especialistas e que, posteriormente apresentados na forma de diretrizes, referenciais,
livros e materiais didáticos, servirão de base para o trabalho docente dos docentes.
O saber das ciências da educação. Esse saber está ligado a um conjunto de
saberes relativos à escola, ou seja, conhecimento sobre organização estrutural,
hierárquica e administrativa da escola, conselho escolar, regimento interno e outros
(GAUTHIER, 2006). O docente precisa conhecer a organização estrutural e
administração da escola para poder melhor exercer sua função de formação e de
produtor de conhecimentos.

10 EDUCA, Porto Velho (RO), v.2, n.4, pp. 1-17, 2015.


EDUCA – Revista Multidisciplinar em Educação

O saber da tradição pedagógica é aquele relativo à forma de como se dar as


aulas. É algo que vem se reproduzindo e sendo cristalizado durante os últimos séculos,
tornando-se a consciência da prática pedagógica (GAUTHIER, 2006). Esse saber está
ligado à representação que cada professor e alunos têm a respeito da escola, do que se
ensina e do que se aprende. Representações essas que foram construídas por anos no
contexto histórico da educação.
O saber experiencial. Esse está relacionado às funções do exercício da função
docente por meio da qual o professor adquire o conhecimento e desenvolve o saber
experiencial, mas esse saber se limita às questões fáticas, não sendo verificado
cientificamente (GAUTHIER, 2006). Todavia, para Gauthier e outros teóricos, para se
garantir que esses saberes sejam reconhecidos pela sociedade como saberes
característicos dos docentes, é preciso que sejam verificados por meio de técnicas e
método científicos por meio de pesquisas e divulgados como saberes inerentes à
profissão de professor.
O saber da ação pedagógica. Esse saber é o saber experiencial, testado por meio
das pesquisas em educação. A partir do momento em que se pesquisa a prática
pedagógica dos professores e se contextualiza de forma sistemática ou analítica essa
prática, nasce o saber da ação pedagógica (GAUTHIER, 2006).
Na busca da compreensão dos saberes docentes, Gauthier (2006) traz algumas
contribuições sobre quais são os saberes necessários para se poder ensinar, ou seja, para
se ser um professor e o que quem planeja exercer essa profissão deveria saber. Gauthier
reconhece que não é fácil definir quais são os saberes necessários para se ser um
professor. Isso se dá também pela complexidade da profissão, pois o professor é antes
de tudo um produtor de conhecimentos.
Assim sendo, ter conhecimento dos conteúdos da disciplina; ter talento para
exercer a função; ter bom senso; seguir a intuição; ter experiência; e ter cultura não é
suficiente por si só para se determinar os saberes necessários para se ser professor
(GAUTHIER, 2006).
Sabe-se das dificuldades de se compreender e definir especificamente os saberes
necessários para a prática pedagógica. O conhecimento profissional dos professores é
muito variável e ao mesmo tempo tem caráter muito específico. Está ligado à prática
que deve estar sempre unida à teoria.
Imbernón (2011, p. 63) afirma que,

Rev. EDUCA, Porto Velho (RO), v.2, n.4, pp. 1-17, 2015. 11
EDUCA – Revista Multidisciplinar em Educação

[...] ao contrário, dotar o futuro professor ou professora de uma bagagem


sólida nos âmbitos cientifico, cultural, cotextual, psicopedagógico e pessoal
deve capacitá-lo a assumir a tarefa educativa em toda sua complexidade,
atuando reflexivamente com a flexibilidade e o rigor necessários, isto é
apoiando suas ações em uma fundamentação válida para evitar cair no
paradoxo de ensinar a não ensinar.

O professor deve compreender e estar aberto às novas transformações que


surgem na educação pelas mudanças na sociedade e na tecnologia, pois novos
conhecimentos surgem em diferentes campos todos os dias. No exercício da profissão
docente, o bom professor deve se manter sempre atualizado e isso se dará por meio da
formação continuada, visto que estar na profissão docente não é só mais um requisito e
sim uma necessidade (IMBERNÓN, 2011).
No quadro comparativo pode-se observar o que Perrenoud (2000), Freire (2011),
Tardif (2014) e Gauthier (2006) apresentam como sendo os saberes necessários para se
ser professor e para se ter uma boa prática pedagógica.

Quadro 1 – Síntese dos saberes docentes necessários à prática pedagógica, apontados


por Perrenoud (2000), Freire (2011), Tardif (2014) e Gauthier (2006).
Teóricos Saberes docentes necessários à prática pedagógica
Perrenoud (2000) 1. Organizar e dirigir situações de aprendizagem;
2. Administrar a progressão das aprendizagens;
3. Conceber e fazer evoluir os dispositivos de diferenciação;
4. Envolver os alunos em suas aprendizagens e em seu trabalho;
5. Trabalhar em equipe;
6. Participar da administração escolar;
7. Informar e envolver os pais;
8. Utilizar novas tecnologias;
9. Enfrentar os deveres e os dilemas éticos da profissão;
10. Administrar a própria formação continuada.
Freire (2011) 1. Não há docência sem discência.
- Ensinar exige rigorosidade metódica;
- Ensinar exige pesquisa;
- Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos;
- Ensinar exige criticidade;
- Ensinar exige estética e ética;
- Ensinar exige corporificação das palavras pelo exemplo;
- Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de
discriminação;
- Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática;
- Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural.
2. Ensinar não é transferir conhecimento.
- Ensinar exige consciência do inacabamento;
- Ensinar exige o reconhecimento de ser condicionado;
- Ensinar exige respeito à autonomia do ser do educando;

12 EDUCA, Porto Velho (RO), v.2, n.4, pp. 1-17, 2015.


EDUCA – Revista Multidisciplinar em Educação

- Ensinar exige bom-senso;


- Ensinar exige humildade, tolerância e luta em defesa dos direitos dos educadores;
- Ensinar exige apreensão da realidade;
- Ensinar exige alegria e esperança;
- Ensinar exige a convicção de que a mudança é possível;
- Ensinar exige curiosidade.
3. Ensinar é uma especificidade humana.
- Ensinar exige segurança, competência profissional e generosidade;
- Ensinar exige comprometimento;
- Ensinar exige compreender que a educação é uma forma de intervenção no
mundo;
- Ensinar exige liberdade e autoridade;
- Ensinar exige tomada consciente de decisões;
- Ensinar exige saber escutar;
- Ensinar exige reconhecer que a educação é ideológica;
- Ensinar exige disponibilidade para o diálogo;
- Ensinar exige querer bem aos educandos.
Tardif (2014) 1. Saberes da formação profissional;
2. Saberes disciplinares;
3. Saberes curriculares;
4. Saberes experienciais.
Gauthier (2006) 1. Saberes disciplinares;
2. Saberes curriculares;
3. Saberes das ciências da educação;
4. Saberes da tradição pedagógica;
5. Saberes experienciais;
6. Saberes da ação pedagógica.
Fonte: Elaborado pelas autoras a partir do estudo das obras citadas.

Analisando-se o quadro acima, percebe-se que não é uma tarefa fácil ser um
professor. A profissão exige desse profissional uma gama de competências e saberes
que ultrapassam a formação inicial e adentram no exercício da profissão. Pode-se
concluir que os saberes docentes apontados por Perrenoud (2000), Freire (2011), Tardif
(2014) e Gauthier (2006) são similares. Todos destacam a importância dos saberes
advindos da formação acadêmica e que esses se completam como os saberes advindos
da prática docente.
Os autores dão destaque especial aos saberes experienciais, sendo esses o núcleo
central do saber docente em que o professor pode fazer a ligação entre teoria e prática e,
a partir daí, construir novos conhecimentos. Pacífico (2010), ao analisar a obra de Tardif
e Raymond (2000), aponta que a teoria e prática, experiência profissional e pessoal são
elementos constitutivos dos saberes docentes. Ainda complementa que a identidade do
professor se forma baseada no que este ensina e no que aprende durante vários anos de
sua prática profissional. Assim, o professor se torna professor a partir de sua atuação e
do que dela incorpora.

Rev. EDUCA, Porto Velho (RO), v.2, n.4, pp. 1-17, 2015. 13
EDUCA – Revista Multidisciplinar em Educação

Nesse sentido, os saberes docentes também estão relacionados com o fator


tempo, uma vez que não se pode dizer que há um tempo determinado para a aquisição
de conhecimento e outro tempo para a prática. Nesse raciocínio, os saberes docentes
exigem um período de escolarização articulado com a prática para que não se caia em
uma racionalidade técnica em que se constroem diferentes saberes em diferentes
momentos estanques. Não se trata disso, mas sim que os saberes do professor estão em
constante construção, desde seu processo formativo inicial, mas sempre atrelados à
prática pedagógica a partir de práticas de ensino e estágios (PACÍFICO, 2010).

Os saberes profissionais são temporais em um terceiro sentido pois são


utilizados e se desenvolvem no âmbito de uma carreira, isto é, de um
processo de vida profissional de longa duração do qual fazem parte
dimensões identitárias e dimensões de socialização profissional, bem como
fases e mudanças (TARDIF, 2000, p. 14).

Por outro lado, Perrenoud e Freire, diferentemente de Tardif e Gauthier,


apontam também os saberes éticos, estéticos e políticos como necessários ao docente.
Assim, além de conhecimentos disciplinares, curriculares e experienciais, a formação
ética e, principalmente, política do professor são condições e princípios basilares
necessários para o exercício da atividade docente. Destarte, a formação docente deve
oferecer um vasto caleidoscópio de saberes em que a qualidade da educação é norte a se
seguir.

3 Considerações finais

As reflexões acerca dos saberes docentes, suscitadas a partir dos estudos


produzidos por Perrenoud (2000), Freire (2011), Tardif (2014), Gauthier (2006) e, ainda
com contribuições de Imbernón (2011) e outros teóricos, possibilitaram compreender
que a profissão docente é algo que deve continuar sendo discutido e estudado, vistos o
grau de sua complexidade, nela presente, e a importância da função do principal sujeito
implicado em sua condução: o docente.
Mesmo com a tomada de consciência de que os saberes necessários para a
prática docente são múltiplos, também é conveniente compreender que talvez não seja

14 EDUCA, Porto Velho (RO), v.2, n.4, pp. 1-17, 2015.


EDUCA – Revista Multidisciplinar em Educação

possível se determinar exatamente quais são os saberes que um professor deve ter para o
exercício da profissão. Por outro lado, percebe-se que os saberes docentes, construídos a
partir do exercício da profissão, são tão importantes como os adquiridos na formação
inicial. No entanto, é fundamental destacar a natureza desses saberes, pois estes são
complementares e jamais excludentes: um não se basta sem o outro.
Contribui com essas considerações o que se destaca em Pacífico (2010), quando
aponta os estudos desenvolvidos por Rocha (2008) sobre pesquisas no campo da
formação inicial de professores, em que a autora evidencia que as pesquisas apontavam
para a presença de uma racionalidade técnica no processo formativo inicial. Com essa
racionalidade, o estudante tem acesso à teoria para depois a colocar em prática. Isso
levou a se comentar que essa transposição didática não acontece assim. “É preciso que
enquanto estudante vivencie as práticas escolares buscando apreendê-las, nelas intervir
na tentativa de criar, inclusive, novas possibilidades didáticas” (PACÍFICO, 2010, p.
316).
Importante destacar que a esse respeito também Freire (2011) chama a atenção
para o fato de que a teoria sem prática é teoricismo e a prática sem teoria é praticismo.
Assim, é preciso que teoria e prática formem uma unidade indissociável, expressando-se
como ação-reflexão-ação, ação transformadora.
Os saberes envolvidos no processo de constituição de um bom professor se
constroem com o tempo, incluindo-se a formação inicial, a prática e, principalmente,
uma formação continuada em que o mesmo poderá refletir sobre a própria prática, sobre
os conhecimentos adquiridos nas instituições de ensino, em processo de trocas de
experiências com os demais professores e mantendo-se atualizado.

Teacher training and knowledge required for practice teaching

Abstract

The paper presents, from the theoretical contributions of Perrenoud (2000), Freire (2011), Tardif (2014)
and Gauthier (2006), the knowledge necessary for teaching practice and seeks to reflect on that
knowledge a good teacher needs to build and mobilize to perform their function according to the authors
surveyed. Highlights the complexity of knowledge, the acquisition of which occurs in the initial training
and teaching practice. From that text constructive process also presents a comparison of the concepts
presented by different authors on teaching knowledge. It is observed that, in general, such concepts are
close and complement each other, it is not possible to speak of antagonistic between theoretical
knowledge from the works analyzed. It concludes that there are several knowledge that must be mobilized
to carry out the teaching practice. It presents them synthetically in order to bring teachers, learners and

Rev. EDUCA, Porto Velho (RO), v.2, n.4, pp. 1-17, 2015. 15
RELATO DE EXPERIÊNCIA DA PRÁTICA DO ESTÁGIO
SUPERVIONADO DE LÍNGUA(gens) NO ENSINO
FUNDAMENTAL II: DESAFIOS E SUPERAÇÕES

Clecinara de Freitas Barbosa 1


Brenda Alves de Lima 2
Manuelly Yslene Fidelis dos Santos3

RESUMO

A construção docente se dá em toda etapa da formação do licenciando, mas é a partir de


disciplinas práticas, como o estágio supervisionado, que ele passa pela experienciação da prática
da sala de aula. Este trabalho objetiva apresentar as experiências de três licenciandas em letras
português no estágio supervisionado de língua(gens) no ensino fundamental II, desde a
produção de materiais para as aulas, à prática docente em contexto remoto, em uma instituição
pública da cidade de Campina Grande, PB. Para tal, as contribuições teóricas de Geraldi (1997);
Dolz e Schneuwly (2004) e Marcuschi (2008), juntamente com os documentos oficiais
norteadores do ensino, foram de extrema importância nesse processo. As experiências aqui
relatadas se concretizaram a partir de uma pesquisa-ação, em que fomos inseridas no âmbito
escolar para promover aprendizagens aos alunos e desenvolver nossa construção do “ser
docente”. Com isso, tivemos uma experiência de grande aprendizado, em que os desafios e
superações estavam presentes no nosso caminho agindo com contribuições na nossa formação.

Palavras-chave: Relato de Experiência. Estágio. Ensino Fundamental II. Língua


Portuguesa.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho é resultado da experiência na disciplina de Estágio


Supervisionado em Língua(gens) no Ensino Fundamental II, do curso de licenciatura
em Letras Português. Nesta, estudamos e refletimos acerca do professor de língua
portuguesa e das orientações apresentadas nos documentos oficiais norteadores do
ensino para o desenvolvimento de procedimentos pedagógicos.

1
Graduanda do Curso de Letras – Língua Portuguesa, na Universidade Estadual da Paraíba. E-mail:
clecinara321@gmail.com
2
Graduanda do Curso de Letras – Língua Portuguesa, na Universidade Estadual da Paraíba. E-mail:
brendaalveslima17@gmail.com
3
Graduanda do Curso de Letras – Língua Portuguesa, na Universidade Estadual da Paraíba. E-mail:
manuellym.y@gmail.com
O objetivo principal deste trabalho é relatar a experiência de três licenciandas de
letras português na prática de estágio supervisionado do ensino fundamental II.
Ademais, também é intuito deste apresentar, mediante os subsídios teóricos discutidos
na fundamentação teórica, sobre a formação docente, o currículo e a importância do
trabalho com gêneros textuais para a formação do jovem leitor do ensino fundamental
II, justificando a nossa prática.
Para a fundamentação teórica, utilizamos ideias apresentadas em alguns dos
documentos oficiais que orientam a educação básica, como a BNCC (2018) e os PCN’s
(1998). Sobre a formação do aluno leitor do ensino fundamental II e o trabalho com
gêneros textuais, citamos Geraldi (1997), Dolz e Schneuwly (2004) e Marcuschi (2008).
Descreveremos as atividades desenvolvidas na instituição pública ECI Monte
Carmelo, localizada na cidade de Campina Grande - PB, nas turmas do 8º ano A e B do
ensino fundamental, com a intenção de desenvolver nossas habilidades enquanto
professoras em formação e relatar toda a vivência e o aprendizado experienciado
durante seis encontros. Isso nos proporcionou uma análise das metodologias
desenvolvidas nas aulas e do conhecimento das normas e regras de funcionamento que
regem a aula, adequando-os ao contexto da qual fomos expostas: ensino remoto. Além
das práticas necessárias como a comunicação; a interação entre o aluno e professor e o
planejamento para o desenvolvimento do ensino-aprendizagem de língua portuguesa.
Nas seguintes páginas, serão desenvolvidas questões que envolvem a escola e o
ensino de língua portuguesa, como também um relato de experiência acerca da atividade
de estágio. Na fundamentação teórica será apresentado acerca de alguns pressupostos
dos documentos que orientam o ensino de língua portuguesa, juntamente com reflexões
sobre eles. Por fim, será descrita acerca das experiências advindas do estágio
supervisionado no ensino fundamental II, em seis encontros, através da disciplina de
língua portuguesa.

METODOLOGIA

Este trabalho se concretizou a partir das experiências advindas na disciplina de


Estágio Supervisionado de Língua(gens) no Ensino Fundamental II. Para tal, três
licenciandas do curso de Letras Português, na Universidade Estadual da Paraíba, foram
preparadas e inseridas como docentes no ensino fundamental II para desenvolver suas
habilidades, experiências e postura como docentes na própria prática.
No componente de Estágio, primeiramente, refletimos e discutimos, a partir de
alguns teóricos, sobre o ensino básico, juntamente com o que os documentos
norteadores da educação indicam para a etapa de Ensino Fundamental II. A partir disso,
fomos para a segunda etapa, que foi a produção de sequência e módulos de atividades
compondo seis encontros para serem concretizados em sala de aula. A terceira etapa foi
a etapa prática, em que passamos pela experiência de ensino remoto, no qual será
descrito neste trabalho.
Nossa sequência didática e módulo de atividades eram compostos por seis
encontros. Nestes, estudamos os gêneros textuais: reportagem, entrevista, podcast,
charge, tirinha, conto, notícia, chat e propaganda online. Para o trabalho com esses
gêneros, a temática escolhida foi internet: suas influências comportamentais, em que
delimitamos os subtemas ligados a jogos digitais, redes sociais e fake news.
Os encontros ocorreram de forma remota de maneira síncrona com aulas ao vivo
através do google meet, e de maneira assíncrona, com postagens no grupo do whatsapp,
em que os alunos participavam. Neste, serão abordados apenas acerca da nossa
experiência com o ensino síncrono, visto que se refere às nossas ações frente a turma e
desenvolvimento como docentes.

REFERENCIAL TEÓRICO

Se tratando da disciplina de Língua portuguesa, os documentos oficiais


norteadores da educação orientam o professor a partir de alguns eixos. Sobre o eixo de
leitura, pelas sugestões trazidas na BNCC, é importante levar em consideração o campo
da vida cotidiana, as próprias atividades vivenciadas diariamente por crianças,
adolescentes, jovens e adultos, no espaço doméstico e familiar, escolar, cultural e
profissional. Para isso, faz-se interessante trabalhar alguns gêneros textuais deste campo
como: agendas, listas, bilhetes, recados, avisos, convites, cartas, cardápios, diários,
receitas, regras de jogos e brincadeiras. Fazendo isso, torna mais interessante para os
alunos da educação básica, se envolverem e sentirem atração por esse campo.
Nos PCNs nota-se a sugestão do trabalho com a leitura de forma diária.
Conforme descrito nele, "Formar leitores é algo que requer condições favoráveis, não só
em relação aos recursos materiais disponíveis, mas, principalmente, em relação ao uso
que se faz deles nas práticas de leitura” (BRASIL, 1998, p. 71). Já na BNCC,
“O eixo Leitura aborda práticas de linguagem decorrentes da interação do
leitor com o texto escrito, especialmente sob o foco da construção de
significados, com base na compreensão e interpretação dos gêneros escritos
em língua inglesa, que circulam nos diversos campos e esferas da sociedade.”
Segundo a BNCC (2018), a oralidade envolve a oralização de diversos textos
inclusos no cotidiano, interações e discussões envolvendo temáticas e outras dimensões
linguísticas. Além disso, “a oralidade também proporciona o desenvolvimento de uma
série de comportamentos e atitudes – como arriscar-se e se fazer compreender, dar voz e
vez ao outro, entender e acolher a perspectiva do outro, superar mal-entendidos e lidar
com a insegurança, por exemplo.” (BRASIL, 2018, p. 243)
Em termos de prática de produção de textos, sabe-se que não se trata de uma
missão fácil. É importante, antes de qualquer coisa, saber que, dominar o sistema de
escrita do português do Brasil não é uma tarefa tão simples: “trata-se de um processo de
construção de habilidades e capacidades de análise e de transcodificação linguística”
(BRASIL, 2018, p.90). Quando lidamos com as vivências existentes em sala de aula,
estamos tratando de uma língua com suas variedades de fala regionais e sociais.
Sobre análise linguística e semiótica,
O eixo da Análise Linguística/Semiótica envolve os procedimentos e
estratégias (meta)cognitivas de análise e avaliação consciente, durante os
processos de leitura e de produção de textos (orais, escritos e
multissemióticos), das materialidades dos textos, responsáveis por seus
efeitos de sentido, seja no que se refere às formas de composição dos textos,
determinadas pelos gêneros (orais, escritos e multissemióticos) e pela
situação de produção, seja no que se refere aos estilos adotados nos textos,
com forte impacto nos efeitos de sentido. (BRASIL, 2018, p.80).
Além disso, em questões de análise linguística, é sugerido que deva ser
trabalhada em cima de um gênero textual, para que a partir dele, os conteúdos sejam
analisados dentro e fora do contexto em que se está.

A FORMAÇÃO DO JOVEM LEITOR NO ENSINO FUNDAMENTAL

Ainda é evidente que a efetivação da leitura em muitos casos é submersa no ato


apenas de decodificar, acarretando dificuldades na situação em que exige uma
interpretação minuciosa do discente. Refletindo sobre esses aspectos muitos docentes
vislumbram que há uma indispensabilidade de expansão no trabalho com textos nas
aulas de língua portuguesa, a fim de processar-se um maior interesse advindo dos
estudantes, e melhor compreensão leitora não só do texto escrito, mas também de outros
recursos, configurando-se como um procedimento que permite que o leitor explore,
análise, intérprete, e critique o texto em questão. Por sua vez, pensando na leitura para
além da decodificação, essa de acordo com a Base Comum Curricular, assume um nível
superior ao texto meramente verbal
Leitura no contexto da BNCC é tomada em um sentido mais amplo, dizendo
respeito não somente ao texto escrito, mas também a imagens estáticas (foto,
pintura, desenho, esquema, gráfico, diagrama) ou em movimento (filmes,
vídeos etc.) e ao som (música), que acompanha e cossignifica em muitos
gêneros digitais. (BRASIL, 2018, p.72)
Considerando estes aspectos é imprescindível a execução de um trabalho
profícuo, que se materializa através de muito planejamento. Outrossim, a ser destacado
é que necessariamente o nível de raciocínio exigido dos discentes para prática de leitura
deve ser expandido paulatinamente, atentando que a aquisição de conhecimento é
progressiva, sobre isto a BNCC (2018, p.75), expõe que “a demanda cognitiva das
atividades de leitura deve aumentar progressivamente desde os anos iniciais do Ensino
Fundamental até o Ensino Médio. Esta complexidade se expressa pela articulação”.
A partir disso, compreendemos que é indispensável que no ensino fundamental
II haja uma transgressão, um aumento no grau de exigência leitora dos discentes,
objetivando tal ato os docentes necessitam possuir um bom planejamento, que abranja: a
diversidade dos gêneros textuais; a complexidade textual que se materializada por
intermédio do vocabulário, da estruturação sintática, da linguagem, da temática e de
tantos outros aspectos. Vale destacar, que se o professor tem como propósito propiciar
leituras que amplie o nível de conhecimento do aluno é essencial que este detenha seus
receios, visto que “é comum ouvir dos professores que tal texto é muito pesado,
impróprio ou simplesmente difícil, para essa ou aquela série [...]” (GERALDI, 1997,
p.67).
Destarte, é papel do ser docente promover meios que atraiam o aluno de maneira
que desperte um real apreço e vontade por este procedimento. Assim a leitura pode
ampliar as possibilidades de aprendizado não só no componente língua portuguesa, mas
em outros âmbitos, principalmente para formação crítica e reflexiva do indivíduo,
pensando nisso a proposta curricular do estado da PB, aborda que:
A leitura, por sua vez, permite ampliar as possibilidades tanto de se aprender
nas demais áreas de estudo escolar quanto de se adquirir autonomia para
construção dos conhecimentos fora da escola. Ela é, inquestionavelmente, o
caminho para a formação do cidadão crítico, reflexivo e, sobretudo,
autônomo no seu agir. (2018, p.74)
Nessa perspectiva, é essencial que os docentes se atentem ao desenvolvimento das
práticas leitoras dos estudantes para que estes sejam leitores eficientes de quaisquer que
seja o gênero, possuindo estratégias de leitura e de interpretação.
De acordo com os PCNs (1998) a utilização dos gêneros textuais é como um
objeto de ensino para a realização de leitura, produção e apontam o lugar do texto oral e
escrito como a materialização de um gênero. Por isso, os gêneros devem ser vistos
como fortes aliados e colaboradores do ensino-aprendizagem da língua portuguesa.
A teoria proposta por Dolz e Schneuwly (2004), sugere como elaborar, refletir e
colocar em prática os diferentes gêneros na sala de aula, mas sem deixar de lado as
diretrizes dos Parâmetros Curriculares Nacionais (1998). Refletindo, então, na
importância do ensino dos gêneros no ambiente escolar, os autores formulam o modelo
didático que tem o intuito de compreender as singularidades de cada gênero textual
fundamentando-se em teorias já criadas e desenvolvidas por estudiosos da área. Esse
modelo, conhecido como sequência didática, vai possibilitar que os alunos coloquem
em prática seus conhecimentos internalizados sobre a linguagem e aprendam sobre
aqueles ainda desconhecidos.
Segundo Marcuschi (2008, p. 213), a sequência didática é “um conjunto de
atividades escolares organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual
oral ou escrito”. Logo, a produção textual ocorre a partir de um contexto comunicativo
real, o que aproxima o aluno do trabalho a ser desenvolvido. Dessa forma, entende-se
que para que os alunos consigam dominar diferentes gêneros, é indispensável que o
professor adquira estratégias de ensino e sequências didáticas.
Portanto, é por meio dessas sequências produzidas pelo professor que o estudo
de gêneros é possível. Com a elaboração das aulas por meio da SD e módulos, o
professor desenvolve um trabalho com início, meio e fim, e ainda permite que o aluno
perceba todo o processo de construção e sua finalidade. Além disso, possibilita que o
professor analise a aprendizagem do aluno, se ele construiu o conhecimento dos gêneros
estudados e se adquiriu e aperfeiçoou capacidades linguísticas. Logo, as sequências
didáticas são indispensáveis no processo de ensino-aprendizagem da língua, pois elas
não só direcionam o trabalho do professor, como também, desenvolvem o objetivo de
expandir as capacidades linguísticas do alunado ao se trabalhar com diferentes gêneros.

RESULTADO E DISCUSSÕES
O período de análise e de reflexão a ser aqui retratado reporta-se à regência que
aconteceu na ECI Monte Carmelo, localizada na cidade de Campina Grande, na Paraíba.
Imersos na instituição pública de ensino a fim de promover aprendizagens através do
componente curricular da língua portuguesa, atuamos na turma do 8° ano no ensino
fundamental II, em que os alunos tinham a faixa etária entre 12 e 15 anos. Todas as
aulas eram iniciadas às 9:30min, por meio do suporte google meet e acabadas às
11:10min.
Para a concretização de nossas ações, realizamos uma sequência didática com
seis encontros, no qual trabalhamos os gêneros textuais: reportagem, entrevista, podcast,
charge, tirinha, conto, propaganda online e notícia. Também, nos textos, trabalhamos a
temática: Internet e suas influências comportamentais.
1° Encontro
No primeiro encontro, estudamos os gêneros textuais: reportagem e entrevista e
como motivação, trabalhamos com a temática “Jogos digitais: no limite entre o bem e o
mal” e através dela. Assim que os alunos entraram, nos apresentamos e apontamos os
nossos objetivos, mostramos o que iríamos trabalhar com eles e o tempo que ficaríamos
mediando-os. Além disso, apresentamos um quadro de pontuações referentes a ações
que deveriam ser praticadas em sala de aula, como, ligar o microfone, ligar a câmera,
fazer atividades solicitadas e participar no chat. Essas pontuações serviriam para atribuir
notas e incentivar as participações deles.
A princípio, utilizamos um elemento motivador para que eles conhecessem o
tema, memes sobre jogos virtuais. Como se trata de algo didático e de interesse dos
alunos, decidimos iniciar dessa maneira para instigar a participação e o envolvimento
deles na aula. Nosso objetivo foi concretizado, eles demonstraram entusiasmo na
participação e na temática, tornando esse primeiro momento muito proveitoso.
Logo após, fizemos a reprodução de uma reportagem sobre Jogos virtuais e
alguns apontamentos e questionamentos sobre o que estava sendo apresentado, não só
em questão do conteúdo temático, mas também do gênero que estava reproduzindo.
Questionamentos estes referentes às características que os estudantes conseguiam
identificar no vídeo, o que foi concretizado. Posteriormente foi abordado outro texto
também de teor jornalístico, a entrevista, com a reprodução de um recorte de um
exemplo.
Logo depois da exposição dos dois gêneros textuais jornalísticos, fomos
explanar a respeito das características deles, apontando as principais divergências e
convergências entre os gêneros. Buscamos fazer da forma mais dinâmica possível,
colocando efeitos e ilustrações nos slides para prender a atenção deles e tornar o
aprendizado lúdico.
Depois dessas ações, realizamos uma atividade com uma reportagem. Primeiro
fizemos a leitura conjunta do texto e depois solicitamos que escrevessem no caderno
três questões, juntamente com as respostas, sobre o texto. Ao final do momento da
atividade, solicitamos que eles lessem as respostas para partilhar conosco suas reflexões
e dúvidas.
Ao final da aula apresentamos o jamboard. A ideia era fazer um quadro
conceitual sobre os conteúdos da aula e assim ficar como um resumo dos assuntos
vistos. Nessa primeira aula, as nossas impressões foram ótimas. A turma era
participativa e faziam apontamentos e questionamentos. Como a realidade remota é
difícil, o único ponto negativo que encontramos foram as câmeras desligadas, só
algumas pessoas ligaram, mas de modo geral, gostamos da turma e da nossa primeira
experiência.
2° Encontro
No segundo encontro demos continuidade ao subtema “Jogos digitais: no limite
entre o bem e o mal” e trabalhamos com o gênero textual podcast. Para iniciar a aula,
questionamos os alunos se sabiam o que era um podcast. A resposta deles foi que não
conheciam e nunca tinham ouvido falar desse gênero. De uma certa forma isso nos
animou, pois iríamos explanar sobre algo novo para eles.
Na sequência, reproduzimos um podcast. A reprodução inicial do gênero teve o
intuito de fazer com que os alunos conhecessem as características a partir da reprodução
dele. Como o conteúdo do podcast se referia a uma face positiva dos jogos digitais, os
alunos se animaram na discussão, pois era algo que eles tinham interesse.
Posteriormente a apresentação do gênero, apresentamos, por meio de slides, as
características dele, sempre exemplificando a partir do podcast apresentado
inicialmente.
Em seguida, fizemos uma espécie de podcast ao vivo. Preparamos um esquema
com apresentação e oito perguntas a respeito do tema, para assim concretizar as
características que tínhamos apresentado. Com a realização do podcast, ficamos felizes,
pois eles participaram, rendendo uma boa discussão a partir da opinião e experiências
deles. Depois dessa ação, finalizamos a aula com a produção do jamboard, montado
pelos próprios alunos, de modo a fazer um quadro que resumisse os conteúdos vistos na
aula.
3° Encontro
No terceiro encontro começamos uma nova subtemática: “Redes sociais:
relacionamentos virtuais” e trabalhamos com os gêneros textuais: charge e tirinha.
Depois do elemento motivador, quiz sobre as redes sociais, apresentamos dois
textos pertencentes ao mesmo gênero e questionamos qual o gênero que aqueles textos
pertenciam. Eles afirmaram que "não estavam lembrados do nome", dessa forma,
afirmamos que se tratava do gênero charge e apontamos algumas características que
eram visíveis no texto. Em seguida, apresentamos em slides, mais explicadamente,
acerca das características, função e informações gerais sobre o gênero.
Posteriormente, apresentamos mais um texto, do gênero tirinha, questionando as
convergências e divergências que eles conseguiam identificar do gênero anterior. A
partir dos apontamentos, fizemos uma apresentação em slides das características do
gênero juntamente com uma explanação a respeito dos tipos de balões presentes nele.
Nesta ação houve participação maior dos alunos, a partir de uma dinâmica,
questionando qual o tipo e a finalidade do balão correspondente. Depois das
considerações dos dois gêneros, fizemos uma atividade de interpretação e
reconhecimento da charge e tirinha e a participação dos alunos foi mais ativa, em
comparação aos levantamentos durante a aula. Finalizamos o encontro com a produção
do Jamboard.
4° Encontro
Nesse encontro continuamos com a temática “Redes sociais: relacionamentos
virtuais” e trabalhamos com o gênero textual conto. Iniciamos a aula com um vídeo com
objetivo de discutir acerca da exposição das “vidas perfeitas” que são compartilhadas
nas redes. Com isso, fizemos alguns questionamentos e apontamentos. Na sequência,
apresentamos um conto. Depois da leitura, interrogamos acerca do tema dele, da
interpretação deles e das características que eles identificavam para assim associar ao
gênero. Com isso, apresentamos sobre gênero de modo geral e alguns tipos de conto.
Depois dessas ações, apresentamos acerca da tipologia narrativa, mais
especificamente acerca dos elementos da narrativa, identificando-os no conto. Na
sequência, fizemos uma atividade com outro conto. Como o tempo estava curto,
deixamos a atividade para ser realizada depois da aula e ser enviada no whatsApp. Para
finalizar, realizamos um jogo de associação sobre as características do gênero. Em
seguida, fizemos o jamboard e enviamos mais tarde para a turma.
5° Encontro
Nesse encontro, introduzimos mais uma subtemática: “As fakes news: onde
identificar e como combater” e trabalhamos com os gêneros textuais: notícia e chat.
Com a reprodução de um vídeo como elemento motivador, muitos afirmaram que já
conheciam sobre o tema.
Depois de definir fake news, apresentamos uma notícia. A partir dela, fizemos
alguns questionamentos sobre o gênero e outras questões de interpretação sobre o texto.
Nesse momento, os alunos conseguiram participar bastante da aula e já conseguiram
identificar algumas características simples do gênero, como a presença do título, autor e
data. Na sequência, apresentamos em slides, mais explicadamente, acerca das
características, função e informações sobre o gênero, sempre voltando para a notícia
apresentada anteriormente.
Em seguida, adentramos no segundo gênero: chat. Perguntamos se eles
conheciam o gênero e se já tinham contato, a maioria da turma respondeu que sim.
Logo, apresentamos o gênero através de uma notícia falsa a respeito da China para que
eles identificassem a Fake News. Na sequência, apresentamos outro texto que se tratava
de uma “corrente” de WhatsApp muito presente nesse gênero textual. Nesse momento,
os alunos não participaram muito e tivemos que fazer perguntas mais direcionadas.
Fizemos a comparação dos dois textos, apresentando os traços estruturais
semelhantes e partimos para a explicação das características do gênero por meio de
slides. Depois das considerações dos dois gêneros, notícia e chat, realizamos uma
atividade de associação das características com os respectivos gêneros estudados através
de uma plataforma virtual. Finalizamos a aula com a explicação da atividade que deve
ser feita em casa. Devido ao tempo, a produção do Jamboard com o resumo dos pontos
principais vistos na aula, ficou por nossa conta e foi enviado para a turma mais tarde
6° Encontro
No sexto encontro continuamos com a temática “As fake news: onde identificar e
como combater” e trabalhamos com os gêneros textuais: notícia e propaganda online.
Começamos a aula apresentando um vídeo com o objetivo de ajudar os alunos a
identificarem e combaterem Fake News em suas redes sociais.
Logo após o vídeo, realizamos uma dinâmica através de slides com alguns textos
do gênero textual notícia, para que os alunos julgassem se era fato ou fake. Houve muita
participação e sentimos que eles se divertiram e se envolveram nessa dinâmica.
Em seguida, apresentamos o gênero propaganda online. Primeiro fizemos
questionamentos sobre o que eles achavam acerca do gênero, apenas pela nomenclatura.
O retorno foi muito bom, pois eles conheciam o gênero propaganda e ligaram com a
palavra online como sendo o seu meio de circulação. Seguimos a explicação do gênero
e suas características por meio de slides.
Na sequência, apresentamos mais três textos ligados ao gênero para
exemplificação, e a participação deles foi surpreendente, essa experiência resultou em
muita discussão. Em seguida, explicamos a atividade a ser feita. Esta, se referia em
apontar as particularidades da propaganda online em meio a uma lista de características
apresentadas. Nessa lista, tinham 6 características do gênero estudado e 6 de outros
gêneros trabalhados nas outras aulas. Dessa forma, fizemos uma espécie de apanhado
geral dos encontros, a fim de resumi-los. Para finalizar, nos despedimos da turma,
anunciamos o pódio de participação e os três ganhadores do prêmio e agradecemos a
contribuição dos alunos para nossa experiência que foi muito enriquecedora.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em linhas gerais, a experiência vivenciada como estagiárias, antecede o que


vamos experienciar futuramente como docentes em sala de aula, considerando aspectos
que vão desde o planejamento, a construção do plano de aula, a reformulação,
adequação, intervenção e resultados. Destaca-se que todo esse processo foi realizado
com muita dedicação, contudo, de uma maneira ainda mais desafiante, pois o trabalho
foi efetuado de modo remoto, tal ato que configura o ensino divergentemente do
convencional.
Todavia, identificamos como ponto positivo, que é inerente ao trabalho de um
professor a adequação à realidade, não só no que diz respeito ao seu modo de chegar aos
estudantes, mas também na maneira de abordar o conteúdo. Evidenciando que é
fundamental sair da zona de conforto e produzir aulas que se encaixem à necessidade
existente, neste enquadramento, percebemos a urgência de inserir na sala aparatos
instigantes para os estudantes, como: dinâmicas, imagens, vídeos, sem esquecer
precipuamente o trabalho com as temáticas e gêneros.
No entanto, apesar de todos os recursos disponíveis, não podemos deixar de
salientar que foi uma experiência bastante difícil, e que caracterizou a intervenção como
um processo de construção paulatino, pois em um caso específico, como já sobredito
não tínhamos noção se os estudantes estavam desempenhando a atividade solicitada,
precisávamos controlar a turma e tentar evitar as conversas paralelas que aconteciam via
chat do google meet, atrair a atenção deles, e especialmente obter discussões e
participações. Aprendendo assim, que no ensino online, temos que ser ainda mais
habilidosos, pensar não só como ensinar um determinado gênero, mas também como
utilizar-se de artimanhas para atrair atenção, e por conseguinte promover aprendizagem.
No mais, a situação concedida pelo componente curricular estágio
supervisionado de lingua(gens) no ensino fundamental II foi imensamente importante
para nossa formação como ser docente, haja vista que adentramos o contexto escolar,
experimentamos como planejar, replanejar, mediar e singularmente identificarmos que
para práxis é indispensável dedicação e formação contínua. Em síntese, é crucial que
nos vejamos como pesquisadores, estudiosos e curiosos de saber, para que possamos
nos adequar e contribuir para a aquisição de aprendizagem.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018.


BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs). Língua Portuguesa. Ensino
Fundamental. Terceiro e quarto ciclos. Brasília: MEC/SEF, 1998
DOLZ, Joaquim; SCHNEUWLY, Bernard. Gêneros orais e escritos na escola.
(Tradução e Organização: Roxane Rojo; Glaís Sales Cordeiro). Campinas, SP: Mercado
de Letras, 2004. p. 278
GERALDI, João Wanderleiy. (org). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1997.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão.
São Paulo: Parábola Editorial, 2008.
PARAÍBA. Secretaria do Estado da Educação da Paraíba. Proposta curricular do Estado
da Paraíba. Paraíba, 2018.

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