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Resumo História na Educação 1 – Semana 14 – Aula X - Materiais didáticos e as múltiplas linguagens no ensino de

História dos anos iniciais - Concepções de materiais didáticos – Parte 1


Material didático é um termo polissêmico e multifacetado, produzido com várias materialidades, finalidades e
linguagens tendo diversos objetivos pedagógicos e ideológicos. É possível inúmeras formas e modos de utilizações e
apropriações, desse artefato no espaço escolar por professores e alunos. Para compreender o conceito de “Material
didático” teremos os aportes teóricos de Apple (1989), Bittencourt (2004 e 2006) e Gimeno Sacristán (1995) com distintas
abordagens e que, concomitantemente, dialogam entre si. As análises de Bittencourt (2004 e 2006) se pautam nos estudos
franceses do Institut National de Recherche Pédagogique (INRP), onde constroem distinções sobre as produções e
usos dos materiais didáticos, com diferenciadas abordagens.
Texto “Materiais didáticos: concepções, produções, usos” Bittencourt (2006) cataloga os materiais didáticos sob
duas vertentes: 1) suportes de informações e 2) documentos. Essa categorização ocorre diante da grande
diversidade de materiais, e como forma de compreender suas diferenças e semelhanças.
Ao analisar os materiais didáticos como suporte de informação, Bittencourt (2004) entende que correspondem
os materiais com o discurso produzido, tendo a intenção de comunicar e transmitir o saber das disciplinas escolares.
Os suportes informativos são produzidos pela indústria cultural e destinados à escola, com linguagem e discurso
especificamente escolar. A extensão, formatação e construção técnica do material, respeitam os princípios
pedagógicos, que levam em consideração a linguagem e idade do público escolar.
Materiais didáticos como documentos: é o conjunto de signos visuais e textuais que são produzidos sem uma
finalidade escolar e que posteriormente passa a ser utilizado didaticamente. São objetos produzidos para um público
amplo que, pela mediação pedagógica do professor, se transformam em materiais didáticos. Esses materiais não
são necessariamente produzidos pela indústria cultural e são selecionados de diferenciadas formas, de acordo com a
opção pedagógica do professor ou projetos pedagógicos da escola. São diversos materiais como contos, lendas,
filmes, documentários, músicas, poemas, pinturas, revistas, jornais, leis, cartas, romances e outros. Materiais
didáticos como suportes de informações e/ou documentos: estão esparramados no cotidiano escolar, como
instrumentos didáticos que auxiliam na mediação pedagógica entre professor, conhecimento e aluno. É importante
compreender que tipo de material o educador utiliza na ação didática, se está coerente com os métodos de ensino e
convicções pedagógicas que o docente acredita e defende, para assim fazer a utilização do instrumento pedagógico
de forma consciente e crítica.
Bittencourt (2004) discorre sobre os produtos didáticos que são elaborados pelos alunos, e concebendo que a
criação de materiais didáticos pelo educando é decorrente do conhecimento construído no transcorrer do processo
de aprendizagem, defende que essa proposta deve ser uma das tarefas do trabalho pedagógico. Nesse contexto
exemplifica que as produções dos alunos podem ser: textos escritos (relatórios, esquemas, monografias e
dissertações), painéis, jogos, mapas, maquetes e dentre outras possibilidades que a ação ensino e aprendizagem
podem resultar. A proposta dos alunos como produtores de materiais didáticos é defendida pela professora Emília
Viotti da Costa que aponta que esse preceito deve estar permeado nos espaços escolares, para a formação de
alunos mais autônomos, responsáveis e pertencentes.
Os materiais didáticos dentre várias possibilidades de usos, apropriações, adaptações e concepções na sala
de aula, podem resultar em duas abordagens de trabalho pedagógico. Primeiramente, esses artefatos educativos
potencializam o trabalho educacional, com situações didáticas contextualizadas e dinâmicas, mas por outro lado,
esses instrumentos podem ser formas de controle do trabalho do professor na sala de aula. Essa discussão é
polêmica, pois alguns professores não tem um entendimento lúcido, que os materiais podem se tornar formas de
manipulação e adestramento do trabalho pedagógico por diversos agentes do poder. Nessa mesma linha de
raciocínio, Michel Apple (1989) no texto “A forma do currículo e a lógica do controle técnico: novamente a
mercantilização”, discute a relação entre produção, consumo de material didático e a desqualificação docente. Essa
lógica transforma a escola num mercado lucrativo para a indústria cultural, transformando-a numa cultura
mercantilizada. Suas pesquisas se pautam no contexto estadunidense, demonstrando que o uso de “pacotes” de
materiais didáticos, têm o objetivo de controlar e cercear a atividade docente.
Isso evidencia que em algumas circunstâncias políticas e educacionais, os materiais didáticos são
instrumentos à serviço do poder: reprimindo e domesticando o trabalho docente. Esses materiais no lugar de serem
desencadeadores de ações educativas dialógicas, tornam-se formas de inculcar valores e condutas impostas pelos
grupos que estão no poder. Em síntese, os materiais didáticos podem servir para legitimar uma hegemonia cultural
que é imposta. Essa conjuntura acaba transformando ideologicamente os objetivos, princípios e conteúdos das
disciplinas escolares. Esse olhar atento que os educadores devem incorporar no momento da seleção de materiais,
optando por instrumentos pedagógicos, que cumpram realmente uma finalidade pedagógica mais democrática e
ética. Os materiais didáticos são destinados a proporcionar um aprendizado significativo, organizando tempos e
espaços educativos para a construção de saberes escolares de forma prazerosa. Essa ótica diferenciada sobre os
materiais didáticos é a qual os educadores comprometidos com uma educação democrática devem defender e
cultivar em suas práticas educativas, construindo assim uma escola que crie pontes e não abismos e fracassos.
Em relação aos materiais didáticos como instrumentos que potencializam o saber, Bittencourt (2006) comenta
que os professores sempre desejam materiais didáticos, pois a aula possui atividades, em que as relações de ensino
e aprendizagem, são mediadas com o uso de instrumentos capazes de informar e criar formas de construir
conhecimento. É importante problematizar os estudos levantados por Fiscarelli (2008) na qual têm apontando que as
pesquisas, políticas e as reformas educacionais, incentivam massivamente o emprego de diversos materiais
didáticos, principalmente os provenientes das novas tecnologias, como recursos que fomentam uma aprendizagem
mais eficaz, de acordo com o discurso imposto pelas novas demandas educacionais.
Esse é alguns dos discursos propagados no contexto educacional, em relação ao material didático. Através
de inúmeras legislações, portarias e orientações curriculares que determinam ao professor, a utilização dos recursos
provenientes das novas tecnologias como sinônimos de eficiência, eficácia e modernidade. Esse pressuposto acaba
orientando a ação didática, no sentindo de controlar e normatizar a prática pedagógica, com um arsenal de recursos
pedagógicos. Entende que os materiais cumprem diferenciadas funções. São depósitos de informações para
professores e alunos, guiando e estruturando o processo de ensino e aprendizagem. Sua discussão está pautada
nos materiais comercializados, que têm a função de portadores de informações, ao mesmo tempo regulando os
processos pedagógicos.
O autor pontua que os materiais didáticos também são elaborados no bojo do processo pedagógico entre
professor e aluno, esgotando sua utilidade e funcionalidade no próprio processo educacional. Adverte que os
professores confeccionam materiais para abordar temáticas locais, com o objetivo de proporcionar um aprendizado
pautado na realidade do aluno. Materiais esses, que o grande mercado editorial não fabrica em série, devido as
peculiaridades de sua respectiva produção. Desafios e problemáticas do ensino de História nos iniciais: Uma
concepção mais ampla e atual parte do princípio de que os materiais didáticos são mediadores do processo de
aquisição do conhecimento, bem como facilitadores da apreensão de conceitos, do domínio de informações e de uma
linguagem específica da área de cada disciplina – no nosso caso, da História (BITTENCOURT, 2004: 296)
O ensino de História destinado às crianças de 1º ao 5ª ano do ensino fundamental I, têm algumas
peculiaridades que necessitam ser refletidas, com o intuito de reorientar o processo de ensino e aprendizagem do
saber histórico escolar. Ressignificar o ensino de História, requer repensar práticas pedagógicas, currículo, formação
inicial e continuada dos docentes e os materiais didáticos. Ricci (2011) discorre que são diversos aspectos a serem
considerados no ensino de História nesta etapa da escolarização. Primeiramente, é a característica específica da
fase de desenvolvimento que o aluno das séries iniciais se encontra, e as expectativas esperadas quando finaliza
esse ciclo inicial. Dentre os vários objetivos das séries iniciais, o ponto cerne é a alfabetização. De acordo com as
Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica – Parecer 7/2010 no Item II, artigo 24, define que
um dos requisitos para a formação básica da criança, é a alfabetização ao longo dos três primeiros anos de
escolarização. Esse fundamento legal e outras circunstâncias expressam, consequentemente, numa cultura que
desvaloriza o saber histórico escolar nas séries inicias. De acordo com os estudos de Silva e Fonseca (2010), apontam
que algumas pesquisas, indicam concepções e práticas de ensino que separam o processo de alfabetização e
letramento dos conhecimentos da História.
Nesses estudos os educadores relatam que é necessário ensinar ler e escrever, para posteriormente
introduzir o saber histórico às crianças. O “foco na alfabetização”, todavia, não pode perder de vista as diversas
dimensões que o processo envolve, pois, como nos ensinou Paulo Freire, ler é ler o mundo: não podemos aprender a
ler as palavras sem a busca da compreensão do mundo, da História, da Geografia, das experiências humanas,
construídas nos diversos tempos e lugares. Isso requer de nós outra concepção de aprendizagem da Língua
Portuguesa e da História. Numa abordagem freireana: o ato de ler é ler mundo de forma contextualizada. Na leitura
desse mundo com suas múltiplas linguagens requer a pesquisa, construção e adaptação de materiais didáticos, que
sejam coerentes e diversificados com as pluralidades visuais, sonoras e textuais, que as crianças são expostas
cotidianamente.
Em algumas circunstâncias a escola não leva em consideração essa multiplicidade de linguagens. Na
reflexão teórica sobre o saber histórico escolar destinado à infância, alguns estudos apontam a escassez de
produções acadêmicas que discutam o ensino de História nos anos iniciais. Codani (2000) analisa a carência de
estudos, sobretudo nas séries iniciais do ensino fundamental, que contribuam para conhecermos em que medida os
avanços historiográficos e educacionais tem tido repercussão na prática pedagógica dos professores que iniciam os
alunos nos estudos escolares de História. Na literatura educacional há uma gama de artefatos pedagógicos
destinados ao espaço escolar. Mesmo com o mercado editorial visando somente o lucro, e esses materiais sendo
distribuídos de forma desigual nas diferentes realidades e contextos brasileiros, os educadores têm buscado
alternativas à essa lógica perversa. Atualmente devido acelerada circulação dos meios de comunicação de massa, o
docente tem acesso há um diversificado número de materiais e recursos (de boa ou má qualidade) que podem e
devem ser apropriados criticamente no ensino e aprendizagem do saber histórico escolar.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) de História e Geografia, destinados às series iniciais, demonstram
que o conhecimento histórico escolar é entremeado pelo conhecimento histórico científico e aos seus métodos de
pesquisa, adaptando-os para fins didáticos. O documento defende que a transposição dos métodos de pesquisa da
História para o ensino, desenvolve situações didáticas privilegiadas na construção de capacidades intelectuais
autônomas do educando, em relação a leitura e pesquisa de obras humanas do presente e do passado. Neste
sentido, o trabalho pedagógico requer pesquisa de novos materiais (relatos orais, imagens, objetos, danças, músicas,
narrativas, etc...) que sejam instrumentos para a construção do saber histórico escolar.
A função do professor é introduzir o aluno na leitura de diversas fontes de informação, para a conquista de
sua autonomia intelectual. É necessário também uma ação pedagógica, baseada na pesquisa histórica, provocando
mudanças no entendimento da criança pequena sobre quem escreve a História. Esses pressupostos são resultados
das constantes discussões e renovações no campo da historiografia, que entende a atuação de diferentes sujeitos,
materiais, temáticas, documentos, fontes e metodologias na construção do saber histórico, refletindo mudanças nas
pesquisas. Consequentemente as questões dos estudos culturais, invadem todas as áreas do conhecimento, (re)
dimensionando as produções do campo educacional.
Os PCNs (1997) descrevem que os documentos são importantes, como fontes de informações para serem
interpretadas, avaliadas e comparadas. São entendidos como obras humanas que registram, de modo fragmentado,
pequenas parcelas das complexas relações coletivas. Essas fontes são: cartas, livros, relatórios, pinturas, esculturas,
fotografias, filmes, músicas, mitos, lendas, espaços, construções arquitetônicas e paisagísticas, instrumentos de
trabalho, utensílios, vestimentas, alimentos, habitações, meios de locomoção e comunicação. Essas fontes são
analisadas nas abordagens culturais, estéticas, técnicas e históricas que os objetos expressam em sua historicidade,
por intermédio das linguagens escrita, oral, numérica, gráfica, cartográfica, fotográfica e artística. É importante
também a luta constante dos educadores e pesquisadores acreditando e sistematizando o aprendizado do saber
histórico escolar, com materiais que as crianças possam manipular, sentir, questionar e refletir sobre sua produção,
linguagem e materialidade.
Mesmo em alguns contextos da nação brasileira, os materiais e recursos didáticos serem mal distribuídos ou
até em algumas circunstâncias negados aos professores e alunos. Os materiais pedagógicos estão a serviço da
democratização do saber. Da construção de um saber histórico escolar, mais crítico e contextualizado. Isso requer do
educador um esclarecimento político, pedagógico e ideológico da ação docente e conscientização na apropriação
desses artefatos. Caso o processo de reflexão não ocorra, esse material pedagógico acaba se transformando numa
forma de controle e racionalização, ocasionando a formatação e engessamento do fazer pedagógico, segundo as
regras e valores defendidos pela elite educacional. O processo de escolha dos materiais pedagógicos é algo que
deve ser avaliado coletivamente pelos docentes, sem nenhuma pressão mercadológica, ideológica e governamental.
Sendo essencial o diálogo entre o tipo de material selecionado e sua relação com o método pedagógico.
A imensa oferta de materiais didáticos acaba fomentando uma visão mercadológica no espaço escolar, na
qual o professor deixa de ser um sujeito que reflete sua prática docente, métodos de ensino e concepções
pedagógicas, e acaba atuando como mero reprodutor de materiais pré-determinados. Esse é um processo de
desqualificação da ação docente que diversos autores como Apple (1989) criticam.
Apple: nos alerta o quanto os profissionais da educação estão em um constante processo de qualificação e
requalificação. Discorre que o desenvolvimento de novas formas de controle, processo de desqualificação e a
separação entre a teoria e prática, não está mais limitado às empresas. Essas tendências estão penetrando em
várias instituições, como a escola. A desqualificação é um longo processo, no qual o trabalho é fragmentado para
aumentar a produtividade, reduzir a ineficiência, controlando os custos quanto o efeito do trabalho.
São múltiplas as possibilidades de usos, apropriações e adaptações de materiais didáticos a serem inseridos
no ensino de História das séries iniciais. A utilização desses artefatos com diferentes linguagens torna o ensino mais
concreto e contextualizado, fazendo que o conhecimento ultrapasse os muros da escola.
Considerações finais ou reflexões iniciais? A temática dos materiais didáticos no ensino de História anos iniciais é
algo recente nas discussões de âmbito acadêmico. Proporciona inúmeros desdobramentos, como já referendamos
anteriormente, nos debates acerca da formação docente (inicial e continuada), currículo, práticas pedagógicas e
dentre outros.
Pensar nos materiais didáticos, nos remete a refletir sobre as mudanças epistemológicas nos campos
historiográfico e pedagógico. Compreender quais são as reais intencionalidades desses artefatos pedagógicos e
entender seu significado na configuração do saber escolar, explicitando a ação de vários sujeitos desde a elaboração
até o consumo dos materiais. Elucida um exame crítico sobre a ação do mercado editorial na produção, circulação e
divulgação desses materiais. Materiais didáticos são produtos fundamentais na concretização do currículo, mas
podem exercer funções antagônicas: potencializar a construção do saber histórico ou controlar e padronizar a ação
docente. Devido ao intenso fluxo que as Tecnologias da Informação e Comunicação (Tic´s) que estão impregnadas
nos espaços escolares, há um conjunto de objetos culturais criados ou adaptados para situações de ensino, imbuídos
pelo discurso da eficiência e eficácia, que necessitam ser selecionados criteriosamente. Exigindo do docente uma
postura de pesquisa, crítica e análise dos materiais didáticos, que realmente sejam adequados aos seus alunos e
que privilegie a democratização do conhecimento. É um constante exercício de educação do olhar, planejando,
adaptando, organizando e (re)construindo os materiais didáticos de diferenciadas linguagens, que favoreçam a
construção do saber histórico escolar.

As metodologias de ensino nos livros didáticos de História e Geografia dos anos iniciais do Ensino Fundamental Parte 2
A educação para crianças dos sete aos dez anos tem sido vista, por muitos pesquisadores, como uma área
sem muita relevância, quando nos referimos às disciplinas de História e Geografia, inclusive porque essas possuem
uma carga horária menor nos anos iniciais. No caso da História, salientamos que se trata de uma disciplina, cujo
conteúdo é basicamente textual e, por esse motivo, pouco simpática às crianças e adolescentes. Psicologia e
Psicologia da Educação: A Psicologia, desde que se tornou área do conhecimento e de pesquisa em Ciências
Humanas, foi procurada como recurso para dar suporte aos problemas enfrentados pelos educadores com suas
crianças e adolescentes. Esta busca de contribuições da Psicologia para práticas educativas tem sido vista com
naturalidade, tanto pelos psicólogos como pelos educadores, uma vez que trata-se de uma ciência que estuda o ser
humano em toda sua constituição e, por esse motivo, precisa se preocupar com o ensino e a aprendizagem do
mesmo. Final do século XIX e início do século XX: os conhecimentos psicológicos estavam muito mais voltados
para o âmbito da Filosofia, até por que nesse período a Psicologia ainda estava se estabelecendo enquanto ciência.
No Brasil, o reconhecimento da Psicologia como área de conhecimento e prática profissional ocorreu em 1962, os
marcos históricos da Psicologia anunciaram sua presença próxima à Educação entre o fim do século XIX e o início do
século XX (MARINHO-ARAÚJO; ALMEIDA,2005, p. 13). Meados da década de 1970: a Psicologia já era constituída de bases
científicas e o seu conhecimento era tão usado na educação que poderia ser chamada de rainha das ciências
educativas. No entanto, esse conhecimento psicológico não era aplicado de forma adequada devido a grande
impregnação da cultura norte americana em suas teorias. A Psicologia tinha seu olhar voltado para estudos
observáveis e cientificamente comprováveis, sendo assim os instrumentos de medida e avaliação de inteligência e
capacidade eram muito procurados pela educação, por serem uma forma de responsabilizar os alunos por suas
próprias dificuldades.
Como o material de medidas e avaliações psicológicas (testes psicológicos) era comumente produzido nos
Estados Unidos da América e não sofriam nenhum tipo de adequação ao ambiente nacional, a validação desses
resultados era questionável, já que o contexto do indivíduo não estava tendo a devida importância. Diante dessa
situação, percebeu-se a necessidade de ajustar as teorias psicológicas à realidade do Brasil e fundamentar uma
Psicologia da Educação que abrangeria uma diversidade teórica, por ser influenciada por outras áreas, como a
sociologia e a antropologia. Assim, a figura do Psicólogo Escolar passou a ter uma perspectiva mais crítica, voltando-
se para as demandas sociais. Houve a necessidade dessa mudança de postura, uma vez que a constituição social
da família estava mudando e não seria mais suficiente avaliar psicologicamente uma criança com dificuldades em
aprender para responsabilizá-la apenas.
Década de 1980: eventos científicos, encontros de conselhos e sindicatos e outros movimentos de organização
social levaram a Psicologia a recorrer a concepções e teorias histórico-críticas, visando uma melhor compreensão
dos impasses presentes na educação brasileira.
Essa mudança na Psicologia foi motivada pelas modificações sociais que começaram a ocorrer, em primeiro
lugar devido a um profundo movimento de migração de grande parte das famílias das zonas rurais para as zonas
urbanas em busca de melhores condições de vida e trabalho. Essa migração começou a ocorrer quando se
intensificou o processo de industrialização, especialmente a partir da década de 1950. Em função dessas mudanças,
as famílias que tinham uma estrutura patriarcal, com a subsistência sob a responsabilidade do pai e a mãe restringia-
se à casa, cuidando das obrigações domésticas e preocupando-se com a educação dos filhos (que normalmente
ultrapassava o número de três) iniciaram o seu declínio. Já não era mais suficiente para garantir o sustento da família
que apenas o homem trabalhasse e a mulher precisou ingressar no mercado de trabalho. A modificação dessa
estrutura social fez com que aumentasse o número de crianças na escola. Todos os níveis de escolaridade deveriam
sofrer mudanças para atender às necessidades do desenvolvimento, levando em consideração o tipo de clientela a
ser atendida em cada um dos níveis de ensino. A educação passou a visar e tornar mais prático o ensino, fugindo do
academicismo, aproximando a escola da realidade nacional, para que ela formasse os quadros exigidos pela
transformação que se queria impor à realidade (Lopes,2001).
A luta do desenvolvimento era uma luta contra o tempo. Por esse motivo, as transformações educacionais
eram vistas como simultâneas às transformações industriais. Uma colocava as necessidades e a outra se modificava
para poder atendê-las. Tratava-se, em ambos os casos, de reivindicações muito concretas e não de ampliação de
formas ideais: estávamos diante de uma atitude altamente pragmática desta ideologia. O profissional de psicologia
passou a intervir de forma direta na educação tornando os métodos de ensino mais humanos e acessíveis aos
alunos. A princípio, a intervenção da Psicologia foi mais voltada para classificação dos alunos como únicos
responsáveis pelas suas dificuldades, de modo que um aluno que apresentasse deficiência de aprendizagem em
comparação com outro alunos seria levado ao Psicólogo, para que este aplicasse um teste que indicasse um
problema no aluno. Não se responsabilizava o professor ou o método de ensino pela dificuldade do aluno.
A escola deveria preparar cada um de acordo com o seu talento, capacitando-o para o desempenho das
tarefas que lhe cabiam no desenvolvimento. Havia uma qualificação básica: a técnica. Somente ela poderia abreviar
a superação dos fatores de atraso e apressar o passo em direção ao progresso. Os recursos humanos que a
dominassem contribuiriam positivamente para a aceleração do crescimento econômico. O que há de inovador nesta
pesquisa é colocar a Psicologia e a Psicologia da Educação a serviço do profissional da educação, buscando meios
através dos quais o professor terá um aluno mais motivado para as aulas de História e Geografia, sentindo-se atraído
pelos assuntos desenvolvidos nessa disciplina.
O ensino de Estudos Sociais – História e Geografia nos anos iniciais do Ensino Fundamental – 1960-2005: O
ensino de Estudos Sociais – História e Geografia - nos ciclos/anos iniciais do ensino fundamental – 1º e 2º ciclos (de
1ª a 4ª séries), entre 1955 e 1964, na área de História restringiu-se ao estudo de datas comemorativas da
nacionalidade brasileira: 21 de abril - Inconfidência Mineira, 7 de setembro – Independência do Brasil, 15 de
Novembro – Proclamação da República entre outras. As crianças decoravam pequenos poemas que eram
declamados no dia marcado para comemorar a data.
Após 1964, o ensino de História e Geografia passou a se chamar, na própria LDB – Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Brasileira, Estudos Sociais. Em relação à História ensinava-se a História do Brasil, de 1500 –
descobrimento do Brasil, até 1889 - proclamação da república, apenas descrevendo os fatos. Era uma história linear,
enfatizando os fatos e datas, seu aprendizado calcado na memorização e foi inspirado no modelo norte-americano,
que mesclava os dois conteúdos. Como os militares, através dos Atos Institucionais, perseguiram aqueles que eram
contra o regime instituído, os docentes não se atreviam a mudar nada do que estava no livro didático aprovado pela
censura. Professores, que lecionaram durante essa década, afirmaram que se utilizavam questionários como
metodologia de ensino. Formulavam de dez a vinte questões, corrigiam as respostas e avisavam aos alunos que
delas seriam retiradas aproximadamente cinco questões para a prova.
Também se incorporava ao ensino de História a necessidade do estudo da nacionalidade brasileira e das
comemorações cívicas, juntamente com a disciplina denominada Educação Moral e Cívica. No que diz respeito à
Geografia os assuntos eram: Planeta Terra, localização geográfica do Brasil, divisão regional, relevo e hidrografia do
Brasil. As atividades propostas para essas duas áreas do conhecimento eram questionários. Entre 1980 e 1990,
começaram a surgir iniciativas de educadores e governos estaduais, visando alterar o ensino fundamental, 3º e 4º
ciclos (5ª a 8ª séries) em alguns estados brasileiros, dentre os quais podemos citar São Paulo e Minas Gerais.
Propostas curriculares para o ensino de História era o nome que receberam. O produto desses encontros, foi a partir
de 1986, o processo de elaboração da proposta curricular de história para o 1º e 2º graus, elaborada sob a orientação
dos historiadores Déa Fenelon e Marcos A. Silva. Ao longo do período de redação, versões da proposta foram sendo
discutidas com professores da rede escolar paulista.
Um ano depois, quando a 3º versão chegava para ser discutida na rede estadual, setores da impressa
censuraram intensamente a proposta. “A cada instante, as matérias dos jornais procuravam desqualificar tanto a
proposta curricular como seus formuladores”. Ao mesmo tempo em que a proposta era acusada de nefanda,
populista, antipluralista e de baixo nível, seus formuladores eram acusados de antiintelectuais, ideólogos da esquerda
radical, doutrinadores e pseudo-educadores (Abreu; Soihet, 2003). Em São Paulo, setores jornalísticos estavam
preocupados com a história que seria ensinada para as crianças, futuros cidadãos. O editorial de O Estado de São
Paulo, datado do dia 2 de agosto de 1987 afirmou que a Proposta Curricular para o Ensino de História fora elaborada
em molde marxista-leninista e tinha como objetivo fazer a cabeça das crianças, agregando-as em função de objetivos
político-ideológicos declarados, fato que traria prejuízo absoluto para a aprendizagem das crianças, tendo em vista
que esse currículo não as salvariam do fantasma do analfabetismo e da ignorância cultivada (Fonseca, 2003).
Diante de tão forte reação, a proposta curricular para o ensino de História foi deixada de lado, e a disciplina
foi a única sem reforma curricular concluída. Todo esse desfecho demonstra a vitalidade da disciplina de História
como importante instrumento na formação do cidadão crítico, responsável e participante socialmente. Porém, não
tendo tido a aplicabilidade esperada, poucas alterações se verificou na formação das crianças do então denominado
ensino de 1º grau e nas formas de ensinar História em sala de aula. Em Minas Gerais também foi desenvolvido em
1986, pela Secretaria do Estado de Educação, programas de História com o objetivo de torná-la disciplina mais
critica, dinâmica, participativa para colocar fim na história linear, mecanicista, etapista, positivista, factual e heróica.
Na década seguinte, os historiadores que se preocupavam com o ensino de História, escreviam que a aprendizagem
de seu conteúdo deveria se revestir de maior dinâmica, para que o aluno se sentisse como o seu construtor. A
pesquisa, como metodologia de ensino mais apregoada nas propostas curriculares continuou sendo recomendada.
Além disso, existia o objetivo de contribuir para a construção de identidade desse cidadão. Surgiram também
discussões sobre a interdisciplinaridade e os eixos temáticos eram o canal através do qual deveriam incluir
conhecimentos relativos a outras áreas, como português, geografia, ciências.
Ao lado disso, se ampliava a influência de outras linhas historiográficas, como a história do cotidiano, das
mentalidades. Temas até então não privilegiados pela historiografia brasileira tornaram-se objeto de reflexão dos
profissionais da História, enriquecendo o seu campo de atuação. Essas mudanças não afetaram de modo
significativo o ensino de Estudos Sociais nos dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, nem em Mato Grosso e
tampouco nos outros estados citados. Pesquisa nos mostra que o ensino de História no Ensino Fundamental nos
deram conta de que os PCNs não estavam sendo aplicados pelos professores tanto do ensino fundamental quanto
do médio. O recurso mais comum utilizado para o ensino da disciplina era a utilização dos livros didáticos. A
memorização de questionários, datas e fatos históricos continuou a se fazer presente, para melhorar o desempenho
dos alunos nas avaliações.
A relação entre os PCNs e o ensino de História/Geografia: No que concerne à História, o PCN preconiza que, nos
anos iniciais do ensino fundamental, o conteúdo se atenha à história local; à distinção de noções de tempo (passado,
presente e futuro); a transformações e permanências sociais, econômicas e culturais em vivências cotidianas; à
caracterização do modo de vida de uma comunidade indígena; à diferenciação da cultura indígena com relação à
própria comunidade; o reconhecimento de documentos históricos e fontes de informação além de outros. Sendo
assim, a disciplina busca formas de transmitir o saber histórico voltado à realidade do aluno. A história individual é
aprendida e investigada como parte importante de um conhecimento maior.
Essa abordagem foi muito influenciada pelas novas tendências da historiografia contemporânea, que tiveram
início com o advento do movimento dos Analles. De outro lado, a Pedagogia tem buscado fornecer uma educação
voltada para o aluno, em que a avaliação é um processo contínuo e o professor se avalia visando melhorar o
rendimento do aluno, em benefício da aprendizagem. Tal método foi proposto na educação brasileira com o objetivo
de superar os moldes positivistas de ensino. Enxergar o aluno como um ser único e individual, possuidor também de
uma história particular e subjetiva, onde tanto influencia como é influenciado, e perceber a importância disso para a
sua percepção como agente da História, como alguém que, no seu dia-a-dia, executando as tarefas cotidianas, está
fazendo história. Para o ensino de Geografia, o PCN sugere que os professores façam com que seus alunos
reconheçam a paisagem local e o lugar em que se encontram inseridos, comparem a presença da natureza na
paisagem local, bem como identifiquem referenciais espaciais de localização, orientação e distância e valorizem e
preservem o meio ambiente.
Os livros didáticos e as Atividades que têm sido propostas no Curso de História UFMT/Ro: Livros didáticos
publicados em 2005 trazem guias metodológicos para orientar os professores com relação às mudanças exigidas.
Antes da aplicação do conteúdo propriamente dito, no manual do professor, há um capítulo destinado a um breve
resumo dos movimentos e fatos históricos que possibilitaram a concretização dos moldes educacionais atualmente
aplicados (PROJETO PITANGUÁ, 2005). A história local costuma ser trabalhada através da exploração de observações feitas no
caminho da escola para casa, atentando para a vizinhança, entrevista com vizinhos e com familiares. Deve-se
considerar o fato de que esse pode ser o primeiro contato com observações e entrevistas do aluno. Documentos
históricos devem ser reconhecidos através da investigação da certidão de nascimento (que é o primeiro registro do
aluno) e fontes de informações como fotografias antigas possibilitam distinções da noção de tempo passado,
presente e futuro, observando, por exemplo, tendências de cortes de cabelo em diferentes épocas registradas por
fotografias antigas. Propostas de atividades como essas mencionadas acima foram encontradas nas coleções de
livros didáticos analisados das editoras Positivo e Moderna, período de 2000 a 2005. Com isso, podemos inferir que
os autores que as publicaram não pesquisaram em busca de uma maior diversificação de atividades para os
assuntos propostos e os professores terão apenas uma opção de metodologia para esses temas.
A linha do tempo: O professor, ao colocar em evidência e expor a vida dos alunos, propicia que esses conheçam a
eles mesmos de maneira mais intensa e profunda e, ao mesmo tempo, o professor toma contato com fatos da vida
das crianças que até então não conhecia. Trata-se de uma atividade com pequenos custos financeiros. O Material
necessário: 20 folhas de papel sulfite ou 3 folhas de cartolina, de cores diferentes, sendo uma cor só para cada
aluno. Em outras palavras, cada criança tem uma cor somente, mas a linha do tempo terá muitas cores. No centro da
sala de aula é colocado um círculo de papel/cartolina onde se escreve nascimento. Moldes de setas curvas são
distribuídos, largas o suficiente para que, em cada uma delas, escrevam nelas fatos de sua vida. Um fato para cada
seta. Fatos que consideram importantes de ser lembrados: data de nascimento, quando o primeiro dentinho caiu,
quando começou a andar e falar, o ano em que entrou para a pré-escola, uma lembrança triste, outra alegre ocorrida
na vida e outras coisas importantes para o aluno. Deve-se colocar o mais antigo junto ao centro e vir vindo até o mais
recente, para gerar discussão e entrosamento entre alunos e professores, além de divertirem-se avaliando as noções
de tempo compreendidas pelos participantes. Também se pede que coloquem quantos anos tinham quando o fato
aconteceu. As setas devem ser dispostas em um círculo bem aberto, de modo que a circunferência denominada
“nascimento” fique centralizada na sala. Depois que as setas estão com os escritos, os alunos vão dispondo as
mesmas, a partir do círculo, direcionando-as para fora, de modo a formar um catavento, uma espiral. Feito isso, o
professor pede aos alunos que, um de cada vez, comecem a apresentar os fatos de sua vida que estão escritos nas
setas para todos os coleguinhas da sala. O importante é que o tempo não forma uma linha reta – dando a impressão
de linearidade, de ação passiva no tempo. Ao contrário, a disposição em forma de espiral coloca o tempo de modo
dinâmico; as vidas das crianças acontecem em constante movimento.
Sala de Memória: A Sala de Memória constitui-se num espaço onde são colocados objetos usados no passado e
que, na atualidade, muitas vezes já não possuem utilidade e foram estão guardados como lembrança por algum
membro da família. A montagem da sala deve ser feita com objetos que venham da casa dos próprios alunos ou de
parentes próximos. Como atividade para os alunos deve ser solicitado a eles que estejam atentos aos comentários,
pois será através deles que as crianças/ adolescentes perceberão o quanto a história está viva e presente em nossa
vida. Os objetos expostos normalmente provocam muitas lembranças naqueles que os vêem e essas lembranças são
expostas verbalmente, fazendo com que o expositor, que ouviu histórias sobre os objetos, relatadas por seus pais e
parentes, imediatamente fará uma relação de identidade – identificação – com o que está sendo descrito sobre o
objeto. Os membros das famílias dos alunos se sentem valorizados pela Sala de Memória, à medida que parte das
coisas com as quais viveram está sendo vista por muitas pessoas. Assim, a escola/professor podem, inclusive,
aproveitar essa atividade com o objetivo de estimular a participação da comunidade entorno na escola.
O Dia do Índio: O professor inicia a aula com uma conversa com as crianças, para saber qual é a idéia que elas têm
sobre os índios e seus modos de vida. Em seguida, distribui aos alunos folhas sulfite, canetas, cartolinas, tesouras e
cola. Posteriormente, o professor pede aos alunos para desenharem um tipo de alimento (peixes, animais, aves,
produtos coletados e manufaturados), ligado à cultura indígena. Um grupo de três ou quatro alunos construirá
chocalhos: uma latinha de refrigerante, com grãos de feijão dentro, e com um pedaço de madeira e fita crepe ou
durex tampando a abertura. O chocalho pode ser pintado com motivos indígenas, se houver condições materiais para
essa solicitação aos alunos ou escola. O docente coloca os alunos em grupos de quatro a cinco crianças, dispondo
entre eles quem é o pai, a mãe, e os filhos. Então, como se fosse um “dia de reciprocidade”, cada grupo escolhe o
outro grupo com o qual vai trocar os alimentos desenhados. Isto significará que estão escolhendo os seus parentes
consangüíneos. Enquanto os alunos estão trocando os seus produtos, o grupo que está com os chocalhos fica no
canto da sala dando o ritmo. Os alunos podem bater palmas entoando o ritmo do chocalho. Se o professor tiver
acesso a músicas de grupos indígenas de fato, pode colocá-las para tocar como fundo musical. Não se recomenda
músicas gravadas por cantores da música popular brasileira. Então, partem para a ação em si: levar até o “grupo seu
parente” os produtos e troca-los. Uma criança com uma máscara de onça ou de outro animal feroz, predador (de
carnaval), ronda a tribo. Posteriormente, faz-se uma discussão acerca do “princípio da reciprocidade” para que os
alunos se sintam a vontade em oferecer e aceitar as ofertas de seus colegas - os objetos que desenharam. Em
seguida, o professor conversará com os alunos sobre a compreensão que tiveram da atividade. Para aprofundar a
discussão do conteúdo, sugere-se que os alunos assistam a um filme com o intuito de alertá-los, para uma outra
realidade vivida pelos povos indígenas.

Imagens de negros e negras no livro didático de história dos anos iniciais do ensino fundamental – Parte 3
Pesquisar a relação entre historiografia do negro com o livro didático elucida elementos de importância
teórica na medida em que se pretende realizar analogias entre formulações elaboradas pelos livros didáticos e seu
impacto sobre a concepção do negro pelas crianças que estão construindo seus saberes escolares através de tal
instrumento didático-pedagógico. Este artefato cultural, o livro didático é um elemento que faz parte da cultura da
escola. Diversos pesquisadores tem se dedicado ao seu estudo, a exemplo de Silva (2011), Santiago (2010), Freitas (2009),
Bittencourt (1997), Almeida (2013), dentre outros. Rosemberg, Basilli e Silva (2003) efetuaram um levantamento acerca do
racismo em livro didáticos nas últimas cinco décadas. Para isso, apoiaram-se em estados da arte já realizados sobre
a temática, assim como estudos e pesquisas sobre o livro didático e paradidático. Na análise, os autores consideram
duas dimensões do racismo: a estrutural e a simbólica (ideológica) e pontuam elementos a serem considerados em
pesquisas futuras, ponto a que retornaremos nas conclusões.
De acordo com Fernandes (2005), os livros didáticos, principalmente os de história, verticalizam uma imagem
dos povos europeus e africanos com uma primazia constante em seus conteúdos, de forma que os “brancos”
(europeus) são concebidos de forma heroica e participativa na construção da identidade brasileira elitizada, enquanto
que para os africanos “negros” restou o legado da escravatura e da imagem pejorativa, preconceituosa e
estereotipada, escamoteando, dessa forma, a participação deste segmento na construção da identidade brasileira.
Estudos sobre o livro didático são fundamentais, tendo em vista que o Brasil possui um Programa Nacional do Livro
Didático que distribui este material a todos os discentes da escola pública, sendo ele, na maioria das vezes, o
definidor dos currículos e dos conteúdos a serem ensinados na escola. Ao longo das pesquisas no campo
educacional, o tema do livro didático esteve presente abordando diferentes temáticas, tal como aponta Munakata (2012).
Se nas décadas de 1970 e 1980 o tema da ideologia no livro didático preponderava, a partir dos anos 1990 outros
temas foram incorporados, contando, para isso, com aporte da história do currículo, das disciplinas escolares, do
livro/leitura. Com relação à discriminação racial no livro didático, um estudo pioneiro foi o realizado por Dante Moreira
Leite, na década de 1950, no contexto do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). Segundo
Rosemberg, Bazilli e Silva (2003), os estudos pioneiros dos anos 1950 chegam à conclusão de que o racismo “se
expressaria em proposições de hostilidade racial ou proposições que defendessem a inferioridade natural dos
negros, à maneira das teorias raciais do século XIX”.
Os valores da cultura dominante sobrepõem-se aos da cultura dominada, estando a primeira sempre mais
elevada em detrimento da segunda, dando margem a compreensão de que determinados sujeitos e grupo social
podem ser inferiorizados. Reside nesse fato a importância de considerarmos a discussão do currículo quando da
análise do livro didático, tendo em vista que este artefato é, no caso brasileiro, um dos principais definidores da
seleção do conhecimento corporificado no currículo. A sociedade em que vivemos, na qual o preconceito e a
violência têm acontecido com uma frequência assídua, aliado ao desconhecimento, por parte da sociedade em geral,
do processo histórico de constituição das relações raciais no Brasil, não possibilita a visão da totalidade. Portanto,
faz-se necessário que o ensino e as abordagens dos conteúdos nos livros didáticos possibilitem aos educandos
negros e brancos uma representação positiva da participação do negro na construção da identidade brasileira, a fim
de incentivar o conhecimento e desfazer preconceitos e mitos, tentando unificar a participação desses povos à
realidade social existente atualmente (ORIÁ, 2005). Fazendo isso, contribuirá para a educação das relações etnicorraciais,
cujo objetivo, segundo Gonçalves e Silva (2007) é “a formação de cidadãos, mulheres e homens empenhados em
promover condições de igualdade no exercício de direitos sociais, políticos, econômicos, dos direitos de ser, viver,
pensar, próprios aos diferentes pertencimentos étnico-raciais e sociais”.
Os conteúdos de história e cultura africana e afro-brasileira devem estar inseridos em todo âmbito da
educação básica. Assim sendo, o currículo é um componente importantíssimo a ser analisado. O livro didático, como
principal instrumento que organiza o currículo da escola e o trabalho dos professores, precisa ser considerado no
momento em que se investiga a educação das relações etnicorraciais. As imagens dos negros nos livros analisados:
Segundo Jotta e Carneiro (2009), as imagens desempenham importante papel no ensino devido ao fato de auxiliarem
na percepção e construção de significados para os conceitos a serem trabalhos teoricamente. Tomando por base o
trabalho de Carneiro (1997), estamos considerando imagem todas as representações visuais, reais ou analógicas, que
remetam ao negro/a. Os principais tipos de imagens utilizados nos livros analisados são desenhos e fotografias.
Prevalece nos livros analisados, particularmente os do 4º e 5º anos, as fotografias. Pressupomos que isso se deve ao
fato de a disciplina em análise ser a História. No caso do 1º ano do ensino fundamental ainda não é utilizado um livro
didático exclusivamente de História; os conteúdos referentes à disciplina são apresentados em conjunto com os livros
de Língua Portuguesa e Matemática. Nesses livros prevalecem os desenhos e sua função é atrair a atenção do
aluno, sendo utilizados muitas vezes com função decorativa.
Em um dos livros analaisados (utilizado em uma escola publica de SP), a história da cultura africana e afro-
brasileira não é abordada, conforme sugere o próprio sumário na divisão dos capítulos. De acordo com as imagens
analisadas, o negro aparece apenas em um momento, em desenho no capítulo1. A imagem sugere que ninguém é
igual ao outro e que cada um tem sua própria identidade. Uma leitura possível pelo professor pode destacar a
diferença dos cabelos e cor da pele entre as crianças representadas na ilustração.
Em outro livro, a autora dedicou dois capítulos ao tratamento da cultura afro-brasileira e africana. No
primeiro momento: observa-se o capítulo 3 onde a autora apresenta, como era a vida da criança afro-brasileira e da
criança branca europeia, destacando o lugar de cada uma na sociedade do período colonial. A imagem retrata a
subserviência do negro em relação ao branco na época do Brasil colonial. Aqui o negro aparece servindo uma
senhora branca sentada em uma poltrona e uma menina que está supostamente estudando sentada em sua cadeira.
Ambas estão bem vestidas. Já as crianças negras aparecem sentadas ao chão, descalças e despidas. É fato que a
história ocorreu e que é de suma importância o conhecimento histórico de outras épocas, mas a ideia de se priorizar
e reforçar constantemente tais imagens nos livros didáticos só vem a confirmar o que já apontava Gonçalves (2007), ou
seja, que os livros didáticos são mecanismos de exclusão intraescolar, pois na medida em que reforçam a
subserviência do negro em relação ao tipo branco, acabam construindo e reafirmando o papel do negro perante a
sociedade, excluindo e marginalizando ainda mais esse grupo no que se refere aos padrões considerados civilizados
da sociedade. Vale ainda ressaltar que o capítulo em análise trata da imagem da criança e a que tipo de espaço
pertencia cada uma na sociedade do período colonial.A imagem da babá ou da “ama de leite” africana, como era
conhecida na época do Brasil colonial ao lado da criança branca, representada na imagem acima, nos remete a uma
suposta relação harmoniosa que existia entre negros escravizados e brancos nas casas grandes, dando a
transparecer que os conflitos e as lutas não existiam, pois esses elementos não aparecem de nenhuma forma nos
textos e/ou atividades. Segundo momento: no capítulo 2, é abordada a cultura africana destacando costumes,
religião, espaço geográfico, as divisões do continente, patrimônio cultural e a formação de diferentes povos dentro da
mesma etnia, dando margem à compreensão da organização africana. No entanto, ainda permanece a imagem de
uma África idealizada, com muitos estereótipos.
Percebemos que atualmente os livros didáticos de História dos anos iniciais tem dado maior importância às
questões ligadas aos conteúdos de história da África e da cultura africana, abordando a cultura e o espaço do negro,
diferente de outros momentos, como apontou a pesquisa de Branco (2010) realizada com livros didáticos de história na
década de 90. Entretanto, na maioria das vezes as imagens continuam oscilando entre a história que aborda a
subserviência do negro em relação ao branco, a história que tenta transparecer que não existe racismo entre negros
e brancos e uma África ainda estereotipada. Permanece ausente uma interrelação com as questões de raça e gênero
nos livros analisados. Este é um ponto importante e que merece ser aprofundado em outras investigações. Quando
imagens relacionadas às mulheres aparecem nos livros, estas contribuem para reafirmar que apenas determinados
espaços e/ou funções devem ser desempenhados pelas mulheres.
No caso do negro, ora ele está exposto nas imagens trabalhando para servir os interesses dos senhores, seja
nos engenhos, no comércio ou nas dependências familiares, reforçando a ideia da subserviência e do trabalho
braçal; ora apresentado como precursor de alguns modos culturais que contribuíram para a formação da identidade
brasileira, como a capoeira, por exemplo. Ademais, as obras didáticas analisadas abordam as diferentes formas de
moradia na África, a divisão do espaço, os costumes religiosos, as formas de se vestir, a culinária, a dança, entre
outras manifestações culturais pertencentes à identidade dos povos africanos, mas ainda com a imagem de uma
África idealizada. É imprescindível o conhecimento da Lei 10639/03 por parte dos docentes, assim como das
Diretrizes curriculares para a educação das relações étnicas, seus objetivos e importância para a formação de
nossos estudantes. Por isso a necessidade dos docentes trazerem para a classe exemplos positivos de ascensão
social de negros e negras, de pesquisadores/escritores/cientistas negros e negras, da cultura negra e sua
contribuição para a formação da nação, pois se a história que vem sendo narrada nos livros didáticos enfatiza
somente os fatos do passado (sofrimento e escravidão) e se omite de abordar o percurso do negro no pós-abolição,
as teorias que reforçaram o racismo no Brasil, assim como a exclusão que o negro tem enfrentado nos mais diversos
espaços sociais, ela contribui para a continuidade dessa representação negativa.
Os livros didáticos continuam a silenciar o que deveria ser dito acerca da história e cultura da população
negra brasileira. Tanto as imagens quanto as narrativas e resoluções de exercícios não proporcionam aos estudantes
a possibilidade de análise crítica sobre o processo e as estruturas hoje formadas no meio social brasileiro, bem como
sobre o lugar destinado historicamente a negros, brancos, indígenas na sociedade. O racismo é tão silenciado que se
observar atentamente é possível notar que existe uma omissão em relação a esse fato quando é elaborada a obra
didática dando importância à temática em questão, de forma que transpareça certo respeito pelo negro tratando
apenas da cultura, da arte, das formas de moradias, da divisão do espaço geográfico, dos costumes e tradição em
geral e rechaçando os acontecimentos históricos que permitem uma reflexão crítica sobre a forma como o negro foi
sendo posto de lado ao longo da construção da história da humanidade.
A análise de diferentes coleções e disciplinas ainda aponta para a necessidade de pesquisas sobre as
relações etnicorraciais nos LD dos anos iniciais, tendo em vista ser este o momento em que a criança
negra/branca/indígena/cigana, dentre outras etnias, está elaborando sua identidade.

Livro didático de História: representações do ‘índio’ e contribuições para a alteridade – Parte 4


A Lei 11.645/2008 objetiva contribuir para a construção de uma educação que valorize as relações étnico-
raciais no sentido do resgate das identidades, incentivando o respeito entre os grupos que compõem a nossa
sociedade e o questionamento do mito da ‘democracia racial’. O acréscimo da temática indígena não implica apenas
o acréscimo de conteúdos, mas também novas abordagens, novas metodologias, novos objetos na História
Ensinada. Entendemos que identidade e diferenças são dois processos profundamente imbricados, como afirma Vera
Maria Candau: É importante ressaltar que a identidade se associa intimamente com a diferença: o que somos se
define em relação ao que não somos… As afirmações sobre identidade dependem da diferença, a diferença depende
da identidade. Identidade e diferença são inseparáveis… As diferenças são construídas socialmente e subjacentes a
elas, se encontram relações de poder. O processo de produção da diferença é um processo social, não algo natural
ou inevitável. Continuando com a sua exposição, os autores definem assim o conceito de diferença: Associamos
diferença ao conjunto de princípios de seleção, inclusão e exclusão que norteiam a forma pela qual indivíduos
marginalizados são situados e constituídos em teorias, políticas e práticas sociais dominantes. Com base nessas
diferenças, formam-se grupos distintos ‘nós’ e ‘eles’, dos quais o primeiro usualmente corresponde ao hegemônico,
ao ‘normal’, ao ‘superior’, ao socialmente aceito, ao exemplo a ser seguido. Já o grupo dos ‘eles’ é integrado pelos
excluídos – os ‘anormais’, ‘inferiores’, ‘estranhos’, ‘impuros’, que precisam ser mantidos à distância em seus ‘devidos’
lugares. (Moreira; Candau, 2008).
A Lei 11.645/2008 contribuiu para uma necessária discussão a respeito das discriminações a que foi sendo
submetido esse grupo formado pelos ‘eles’, buscando equalizar as desigualdades engendradas com base nessas
diferenças socialmente construídas. Segundo o parecer CNE/CEB 11/2000, toda a legislação possui atrás de si uma
história do ponto de vista social. As disposições legais não são apenas um exercício dos legisladores. Estes, junto
com caráter próprio da representatividade parlamentar, expressam a multiplicidade das forças sociais. Essa lei tornou
obrigatório o ensino e o “estudo da cultura e da história afro-brasileira e indígena” em escolas brasileiras da educação
básica, públicas ou particulares. É possível constatar que os professores que já adotavam práticas pedagógicas que
privilegiavam o respeito às diferenças e uma educação para a promoção nas relações étnico-raciais continuaram
adotando essas práticas; os que não adotavam tais práticas pedagógicas não se viram compelidos a adotá-las como
resultado de uma imposição legal. O livro didático, como se verá adiante, pode contribuir para a operacionalização
desses conteúdos.
A Lei 11.645/2008 é fruto de muitas disputas e representa um passo importante para as relações étnico-
raciais, por vários motivos: traz não só a possibilidade de representação de grupos que, historicamente, foram ou
marginalizados ou vítimas de estereótipos, mas também uma mudança na própria concepção da História,
tradicionalmente ‘europeizante’, com a qual nos acostumamos. Daí já é possível vislumbrar algumas dificuldades na
aplicação dessa lei, ou por falta de fontes, ou pela dificuldade de superação do modelo de História que sempre
esteve presente nos currículos oficiais, não só na educação básica, mas até mesmo no ensino superior de História.
Entre os objetivos desse ensino consta a formação inicial dos professores que irão atuar no Ensino Fundamental e
Médio. A nova lei implica a revisão de conteúdos curriculares, iniciativa que deveria partir das próprias universidades
para melhor atingir a educação básica.
Os editais do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) começaram a cobrar a adequação dos detentores
dos direitos autorais que desejassem constar do seu guia. No edital de 2008 já era possível observar as exigências
em relação às temáticas indígenas e africanas. No aspecto geral, já estariam desclassificadas as obras que
“veiculassem preconceitos de condição econômico-social, étnico-racial, gênero, linguagem e qualquer outra forma de
discriminação”. No edital de 2011 podemos observar que, em relação aos critérios comuns para todas as disciplinas,
permanecem os mesmos princípios necessários à construção da cidadania, em relação a essa temática: respeito à
pluralidade e à legislação vigente, e não veiculação de estereótipos e preconceitos. Porém, quanto aos critérios de
eliminação e qualificação dos livros, especificamente da disciplina de História, podemos observar estes avanços:
quanto ao Manual do Professor (MP), deveria conter orientações sobre a História da África e da cultura afro-
brasileira, e a respeito da temática indígena deveria orientar os estudantes sobre os temas de Identidade e Diferença.
Dada a impossibilidade de analisarmos todas as coleções de História aprovadas pelo PNLD-2011 em razão
do próprio caráter deste trabalho acadêmico, optamos por eleger uma coleção que, segundo o guia PNLD-2011, foi
classificada quanto à abordagem da temática indígena e africana, tanto no livro do aluno quanto no Manual do
Professor, como de ‘conteúdo-crítico reflexivo’. Essa definição ‘crítico-reflexivo’ se deve ao fato de o guia PNLD-2011
adotar alguns critérios para classificar os livros didáticos sem buscar uma classificação valorativa ou a emissão de
um juízo de valor, pois o guia deixa claro que, em última análise, a escolha do livro didático depende da realidade em
que o professor irá utilizá-lo. Quanto à temática indígena e africana, tanto no livro do aluno quanto no MP o guia
dividiu as coleções em duas categorias: informativo e crítico-reflexivo. Os livros de caráter ‘informativo’ buscaram
adequar-se às exigências do edital de seleção 2011 que iriam constar do guia, porém, sem que tal tratamento seja,
necessariamente, vinculado a uma reflexão crítica integral e voltada à problematização do tempo presente ou mesmo
ao tratamento longitudinal e complexo das relações temporais, seja da História das populações indígenas, seja da
História da África e situação dos afrodescendentes no Brasil.
Com isso, predomina, para o estudante, uma relação de possibilidade de aquisição informativa e uma
condição de análise de tais temáticas ainda, predominantemente, de modo vinculado direta ou indiretamente à
cronologia eurocêntrica. (GUIA PNLD-2011). O foco principal desta análise é observar como as orientações oficiais para os
conteúdos da história indígena foram inseridas na coleção, no sentido de se promover uma educação que considere
outras matrizes que não apenas a europeia. Além disso, essa educação deve estar em harmonia com a promoção de
uma sociedade mais justa e livre de preconceitos, tendo como produto final cidadãos mais conscientes de seu papel,
capazes de enxergar e compreender o outro nas suas diferenças. Sabemos que em muitos lares o livro didático
chega como o único livro a que muitas crianças e adolescentes terão acesso. Justamente por serem pessoas em
processo de desenvolvimento,é de extrema importância o cuidado com o conteúdo a que esses jovens estarão
expostos. O livro didático é um importante veículo para discursos capazes de contribuir para a construção de
significados sobre as relações étnico-raciais e, dessa forma, impactar a constituição de identidades.
Ao empreendermos tal estudo, consideramos que é central o modo como a narrativa histórica trata a questão
das diferenças étnico-raciais em cada contexto. Isso engendra duas outras questões importantes: primeiramente, a
desconstrução do ‘mito da democracia racial’, o que irá nos permitir a formação de cidadãos conscientes da
diversidade cultural verificada em nosso país; em segundo lugar – e como decorrência do primeiro aspecto –, é
preciso que esses estudantes se vejam representados nas narrativas, entendam a diferença como um direito que
lhes é inerente, ao mesmo tempo em que devem respeitar a diferença do outro.
Algumas advertências, embora óbvias, se fazem necessárias. A primeira delas diz respeito à subjetividade:
embora a metodologia que buscamos adotar nos ajude a limitá-la, estará sempre presente quando se trata de
pesquisas qualitativas, sobretudo aquelas que consideram a leitura de textos. Toda leitura, aliás, é suscetível a uma
infinidade de interpretações. Outra consideração óbvia é que partimos de algumas escolhas, nem sempre ajustáveis
a outros olhares. Toda escolha acaba, necessariamente, implicando perdas, embora estas se tornem justificáveis
pelo aprofundamento que pretendemos estabelecer nos fragmentos de texto da análise.
A análise de conteúdo operacionaliza-se, basicamente, pela categorização do texto em unidades menores, as
quais devem ser ‘válidas’, ‘exclusivas’, ‘consistentes’, ‘objetivas’ e ‘fidedignas’. Além disso, o conteúdo de cada
categoria deve ser ‘homogêneo’. Mais do que procurar vítimas ou culpados, mocinhos ou bandidos, estamos à
procura dos discursos textuais que marquem uma ruptura com essa visão dicotômica e contribuam para que o
educando compreenda que tais relações foram construídas por sujeitos históricos e foram, portanto, frutos de
negociações, de resistências e também de conformações; que esses encontros não aconteceram apenas em um
momento específico e reapareceram em outros (por exemplo, durante a montagem da colonização e, depois, nas
lutas pela demarcação de terras), e sim que estão presentes no fluxo contínuo da própria história.
Ao se apropriar do conceito da simultaneidade, o professor poderá demonstrar para seus estudantes que os
índios também são portadores de uma história ‘pré-chegada dos portugueses’, e os temas apresentados em ordem
cronológica permitem visualizar isso quando se coloca a história desses povos ao lado da história de outros povos. É
importante que o estudante compreenda a existência de uma mentalidade de época que ‘coisificava’ os diferentes em
nome do lucro – algo que também não se coloca em evidência na publicação analisada. E os estudantes, na
perspectiva de hoje, podem incorrer em anacronismos ou mesmo na emissão de um juízo de valor que limite a sua
compreensão desse contexto histórico. Igualmente, não se apontou a base de legitimação para que indígenas e
africanos fossem escravizados, não se apresentou, por exemplo, a importância do discurso religioso para validar
essas práticas.
Embora a lei tenha introduzido a necessidade de uma revisitação historiográfica sobre as questões indígena
e africana, o que para muitos autores de livros didáticos tem-se traduzido em uma enorme dificuldade, o autor
conduziu com propriedade um aprofundamento com base nas revisitações historiográficas, demonstrando farto
conhecimento e incorporando muitas das descobertas recentes. Contribuiu, assim, de modo significativo para
ampliação e divulgação do saber, realizando a difícil tarefa de transposição didática do saber acadêmico para o saber
escolar. A demanda aberta pela inclusão das temáticas indígenas e africanas no currículo escolar da Educação
Básica, tanto no ensino público como no privado, vem abrindo novos horizontes e possibilidades, mas também tem
demonstrado o quanto ainda precisamos nos debruçar sobre essas questões para que elas recebam o tratamento
merecido. Muitas mudanças ainda precisam ocorrer, e não apenas na Educação Básica. É imprescindível incluir no
ensino universitário – no currículo daqueles que, futuramente, estarão atuando na Educação Básica – as bases para
uma educação que prime pelas relações étnico-raciais. O saber histórico escolar possui algumas especificidades,
entre elas, como vimos, o fato de colaborar na formação dos indivíduos, sobretudo crianças e adolescentes, que
ainda se encontram em processo de desenvolvimento. Existe, portanto, uma necessidade subjacente de se
compreenderem os discursos ideológicos que podem estar embutidos na própria concepção de história e nos
materiais didáticos. O LD tem se mostrado um importante recurso didático – nem por isso isento de ideologia – para a
mediação que ocorre entre o saber acadêmico e o saber escolar. Além disso, é um importante meio para a
divulgação das diretrizes curriculares. Concluímos que a Lei 11.645/2008 constitui um ótimo ponto de partida para
uma sociedade em que o racismo deixe de ser uma prática comum nas relações cotidianas, ainda que muitas
barreiras precisem ser superadas.

Aula 11 - ENSINO DE HISTÓRIA E DIVERSIDADE CULTURAL: DESAFIOS E POSSIBILIDADES – Parte 1


A característica marcante de nossa cultura é a riqueza de sua diversidade, resultado de nosso processo
histórico-social e das dimensões continentais de nossa territorialidade. Nesse sentido, o mais correto seria falarmos
em “culturas brasileiras”, ao invés de “cultura brasileira”, dada a pluralidade étnica que contribuiu para sua formação.
As palavras do antropólogo Darcy Ribeiro são bastante elucidativas: Surgimos da confluência, do entrechoque e do
caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados
como escravos.(...) A sociedade e a cultura brasileiras são conformadas como variantes da versão lusitana da
tradição civilizatória européia ocidental, diferenciadas por coloridos herdados dos índios americanos (Ribeiro, 1995). Apesar
da influência marcante da cultura de matriz européia por força da colonização ibérica em nosso país, a cultura tida
como dominante não conseguiu, de todo, apagar as culturas indígena e africana. Muito pelo contrário, o colonizador
europeu deixou-se influenciar pela riqueza da pluralidade cultural de índios e negros.
Apesar desse fato incontestável de que somos, em virtude de nossa formação histórico-social, uma nação
multirracial e pluriétnica, de notável diversidade cultural, a escola brasileira ainda não aprendeu a conviver com essa
realidade e, por conseguinte, não sabe trabalhar com as crianças e jovens dos estratos sociais mais pobres,
constituídos, na sua grande maioria, de negros e mestiços. Os livros didáticos, sobretudo os de história, ainda estão
permeados por uma concepção positivista da historiografia brasileira, que primou pelo relato dos grandes fatos e
feitos dos chamados “heróis nacionais”, geralmente brancos, escamoteando, assim, a participação de outros
segmentos sociais no processo histórico do país. Na maioria deles, despreza-se a participação das minorias étnicas,
especialmente índios e negros. Quando aparecem nos didáticos, seja através de textos ou de ilustrações, índios e
negros são tratados de forma pejorativa, preconceituosa ou estereotipada (Oriá, 1996).
Quando se trata de abordar a cultura dessas minorias, ela é vista de forma folclorizada e pitoresca, como
mero legado deixado por índios e negros, mas dando-se ao europeu a condição de portador de uma “cultura superior
e civilizada”. Pesquisas já realizadas pela Fundação Carlos Chagas (1987) têm demonstrado o quanto nossa escola
ainda não aprendeu a conviver com a diversidade cultural e a lidar com crianças e adolescentes dos setores
subalternos da sociedade. Os dados revelam que a criança negra apresenta índices de evasão e repetência maiores
do que os apresentados pelas brancas. A razão disso tudo, segundo a pesquisa, era devido aos seguintes fatores:
conteúdo eurocêntrico do currículo escolar e dos livros didáticos e programas educativos, aliados ao comportamento
diferenciado do corpo docente das escolas diante de crianças negras e brancas.
A partir do final dos anos 70 do século XX, novos atores sociais na cena política, protagonizados pelos
movimentos populares, sobretudo os ligados ao gênero e à etnia, passaram a reivindicar uma maior participação e
reconhecimento de seus direitos de cidadania. Entre esses movimentos sociais, podemos indicar o movimento
indigenista, que reivindica, do governo, a demarcação das terras indígenas e o direito à sua própria cultura, e os
movimentos de consciência negra, que lutam, em todo o país, contra quaisquer formas de preconceito e
discriminação racial, bem como pelo direito à diferença, pautada no estudo e valorização de aspectos da cultura afro-
brasileira. É nesse contexto que se insere a questão relativa à valorização da diversidade étnico-cultural de nossa
formação no sistema educacional brasileiro, no qual desponta a inserção de temáticas e conteúdos programáticos
sobre a história da África e do negro em nosso país.
É de fundamental importância a inclusão do ensino de história da África no currículo da educação básica, por
saber que a instituição escolar tem um papel fundamental no combate ao preconceito e à discriminação, porque
participa na formulação de atitudes e valores essenciais à formação da cidadania de nossos educandos.
O ensino de história e cultura afro-brasileira e africana: parâmetros normativos: A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDBEN), ratificando posição da Constituição Federal de 1988, determina que “o ensino da
História do Brasil levará em conta as contribuições das diferentes etnias para a formação do povo brasileiro,
especialmente das matrizes indígena, africana e européia” (art. 26, § 4º). Por sua vez, o Ministério da Educação (MEC), em
cumprimento ao dispositivo constitucional assente no art. 210 de nossa Carta Magna1 e sensível à necessidade de
uma mudança curricular face à emergência de temas sociais relevantes para a compreensão da sociedade
contemporânea, elaborou para o ensino fundamental, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).
Reconhecendo a necessidade de uma educação multicultural, criouse, no âmbito dos PCN, como tema
transversal a permear as diferentes disciplinas curriculares, o estudo da Pluralidade Cultural. O MEC coloca como um
dos objetivos gerais do ensino fundamental o conhecimento e a valorização da pluralidade do patrimônio sociocultural
do país, bem como aspectos socioculturais de outros povos e nações, devendo alunos e professores posicionarem-
se contra quaisquer formas de discriminação baseada em diferenças culturais, de classe social, de sexo, de etnia ou
outras características individuais e sociais. Além dos PCN, dispomos das diretrizes curriculares elaboradas pelo CNE
para o ensino fundamental e médio. Recentemente o MEC instituiu as diretrizes curriculares nacionais para a
educação das relações étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana.
Por se tratar de uma temática interdisciplinar e não uma disciplina específica, a lei determina que os
conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira sejam trabalhados no contexto de todo o currículo escolar,
especialmente no âmbito das disciplinas de Educação Artística, Literatura e História do Brasil. Um ponto importante
que é pouco discutido no âmbito dessa nova legislação é que a mesma reconheceu a relevância de uma data
histórica já consagrada pelo movimento negro em nosso país e que agora passa a integrar o calendário escolar.
Estamos nos referindo ao dia 20 de novembro, em que se comemora o “Dia Nacional da Consciência Negra”, em
alusão à morte do líder negro Zumbi dos Palmares.
A Lei nº 10.693/03: desafios e perspectivas: Sem sombras de dúvida, a Lei representa um avanço ao possibilitar a
construção de um multiculturalismo crítico na escola brasileira, ao tempo em que reconhece uma luta histórica do
movimento negro em nosso país, cuja bandeira de luta consistia em incluir no currículo escolar o estudo da temática
“história e cultura afro-brasileira”. Um dos gargalos do sistema educacional brasileiro reside na qualificação do corpo
docente, sobretudo os que exercem o magistério nas séries iniciais do ensino fundamental. Sugere-se, para tanto,
um esforço por parte dos órgãos governamentais ligados à área de promoção da igualdade racial, no sentido de
oferecer, em parceria com as instâncias educacionais, cursos de extensão sobre a história da África e de cultura
afrobrasileira, bem como a publicação de material didático-pedagógico que possa dar suporte técnico a atuação
desses docentes no desenvolvimento do processo ensino-aprendizagem.
Já em relação à educação superior, poderia se fazer uma maior ingerência junto ao CNE para que, no
currículo mínimo obrigatório dos cursos da área de humanidades e ciências sociais, esteja presente a disciplina
“História da África”. Entretanto, consideramos que não basta apenas introduzir o estudo dessa disciplina no currículo
desses cursos. Há que se pensar, também, na formação de profissionais em nível de pós-graduação (mestrado e
doutorado) na temática dos estudos afro-brasileiros, a fim de contribuir com avanços na pesquisa científica dessa
área.
À guisa de conclusão: por uma educação multicultural: Com a promulgação da Lei nº 10.693, de 2003, espera-se
que a escola assuma realmente o seu papel social de valorização e de difusão da cultura e da pluralidade de nossa
formação étnica. Moacir Gadotti, educador brasileiro comprometido com educação popular e comunitária, propõe
uma educação multicultural, como estratégia de educação para todos, capaz de reduzir os elevados índices de
evasão e de repetência dos segmentos menos favorecidos da sociedade brasileira, na sua maioria constituídos por
pobres, negros e mestiços. Considera ele que uma das tendências do mundo contemporâneo é o multiculturalismo,
que deve se traduzir no respeito e valorização das diferenças socioculturais.
No atual mundo de economia globalizada, ao contrário do que se previa, houve um revigoramento e uma
valorização das culturas regionais e a afirmação de identidades étnico-culturais latentes que, nessa nova “aldeia
global”, encontram espaço para a defesa de seu direito à diferença e reconhecimento da alteridade. Precisamos,
propiciar, por meio do ensino em todos os níveis, o conhecimento de nossa diversidade cultural e pluralidade étnica,
bem como a necessária informação sobre os bens culturais de nosso rico e multifacetado patrimônio histórico. Só
assim estaremos contribuindo para a construção de uma escola plural e cidadã e formando cidadãos brasileiros
cônscios de seu papel como sujeitos históricos e como agentes de transformação social.

APRENDER E ENSINAR HISTÓRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL – Parte 4


O ensino e a aprendizagem de História envolvem uma distinção básica entre o saber histórico, como um
campo de pesquisa e produção de conhecimento do domínio de especialistas, e o saber histórico escolar, como
conhecimento produzido no espaço escolar. Considera-se que o saber histórico escolar reelabora o conhecimento
produzido no campo das pesquisas dos historiadores e especialistas do campo das Ciências Humanas, selecionando
e se apropriando de pane dos resultados acadêmicos, articulando-os de acordo com seus objetivos. Nesse processo
de reelaboração, agrega-se um conjunto de "representações sociais" do mundo e da história, produzidos por
professores e alunos. O saber histórico escolar, na sua relação com o saber histórico, compreende, de modo amplo,
a delimitação de três conceitos fundamentais: o de fato histórico, de sujeito histórico e de tempo histórico. Os
contornos e as definições que são dados a esses três conceitos orientam a concepção histórica, envolvida no ensino
da disciplina. Assim, é importante que o professor distinga algumas dessas possíveis conceituações. Os fatos
históricos podem ser traduzidos, por exemplo, como sendo aqueles relacionados aos eventos políticos, às festas
cívicas e às ações de heróis nacionais, fatos esses apresentados de modo isolado do contexto histórico em que
viveram os personagens e dos movimentos de que participaram.
Os fatos históricos podem ser entendidos como ações humanas significativas, escolhidas por professores e
alunos, para análises de determinados momentos históricos. Podem ser eventos que pertencem ao passado mais
próximo ou distante, de caráter material ou mental, que destaquem mudanças ou permanências ocorridas na vida
coletiva. Os sujeitos da História podem ser os personagens que desempenham ações individuais ou consideradas
como heróicas, de poder de decisão política de autoridades, como reis, rainhas e rebeldes. O sujeito histórico pode
ser entendido, por sua vez, como sendo os agentes de ação social, que se tornam significativos para estudos
históricos escolhidos com fins didáticos, sendo eles indivíduos, grupos ou classes sociais. O conceito de tempo
histórico pode estar limitado ao estudo do tempo cronológico (calendários e datas), repercutindo em uma
compreensão dos acontecimentos como sendo pontuais, uma data, organizados em uma longa e infinita linha
numérica. Os acontecimentos, identificados pelas datas, assumem a idéia de uniformidade, de regularidade e, ao
mesmo tempo, de sucessão crescente e acumulativa. A seqüenciação dos acontecimentos sugere ainda que toda a
humanidade seguiu ou deveria seguir o mesmo percurso, criando assim a idéia de povos "atrasados" e "civilizados" e
ainda limitando as ações humanas a uma ordem evolutiva, representando o tempo presente um estágio mais
avançado da história da humanidade.

O tempo histórico pode ser dimensionado diferentemente, considerado em toda sua complexidade, cuja
dimensão o aluno apreende paulatinamente. Os diferentes conceitos - de fato histórico, sujeito histórico e tempo
histórico - refletem distintas concepções de História e de como ela é estruturada e constituída. Orientam, por
exemplo, na definição dos fatos que serão investigados, os sujeitos que terão a voz e as noções de tempo histórico
que serão trabalhadas. Espera-se que, ao longo do ensino fundamental, os alunos gradativamente possam ler e
compreender sua realidade, posicionar-se, fazer escolhas e agir criteriosamente. Nesse sentido, os alunos deverão
ser capazes de:
• identificar o próprio grupo de convívio e as relações que estabelecem com outros tempos e espaços;
• organizar alguns repertórios histórico-culturais que lhes permitam localizar acontecimentos numa multiplicidade de
tempo, de modo a formular explicações para algumas questões do presente e do passado;
• conhecer e respeitar o modo de vida de diferentes grupos sociais, em diversos tempos e espaços, em suas
manifestações culturais, econômicas, políticas e sociais, reconhecendo semelhanças e diferenças entre eles;
• reconhecer mudanças e permanências nas vivências humanas, presentes na sua realidade e em outras
comunidades, próximas ou distantes no tempo e no espaço;
• questionar sua realidade, identificando alguns de seus problemas e refletindo sobre algumas de suas possíveis
soluções, reconhecendo formas de atuação política institucionais e organizações coletivas da sociedade civil;
• utilizar métodos de pesquisa e de produção de textos de conteúdo histórico, aprendendo a ler diferentes registros
escritos, iconográficos, sonoros;
• valorizar o patrimônio sociocultural e respeitar a diversidade, reconhecendo-a como um direito dos povos e
indivíduos e como um elemento de fortalecimento da democracia.

BNCC – Aula XII


Todo conhecimento sobre o passado é também um conhecimento do presente elaborado por distintos
sujeitos. O historiador indaga com vistas a identificar, analisar e compreender os significados de diferentes objetos,
lugares, circunstâncias, temporalidades, movimentos de pessoas, coisas e saberes. A relação passado/presente não
se processa de forma automática, pois exige o conhecimento de referências teóricas capazes de trazer
inteligibilidade aos objetos históricos selecionados. Um objeto só se torna documento quando apropriado por um
narrador que a ele confere sentido, tornando-o capaz de expressar a dinâmica da vida das sociedades. Portanto, o
que nos interessa no conhecimento histórico é perceber a forma como os indivíduos construíram, com diferentes
linguagens, suas narrações sobre o mundo em que viveram e vivem, suas instituições e organizações sociais. Nesse
sentido, “O historiador não faz o documento falar: é o historiador quem fala e a explicitação de seus critérios e
procedimentos é fundamental para definir o alcance de sua fala. Toda operação com documentos, portanto, é de
natureza retórica.
Entre os saberes produzidos, destaca-se a capacidade de comunicação e diálogo, instrumento necessário
para o respeito à pluralidade cultural, social e política, bem como para o enfrentamento de circunstâncias marcadas
pela tensão e pelo conflito. Para se pensar o ensino de História, é fundamental considerar a utilização de diferentes
fontes e tipos de documento (escritos, iconográficos, materiais, imateriais) capazes de facilitar a compreensão da
relação tempo e espaço e das relações sociais que os geraram. Os registros e vestígios das mais diversas naturezas
(mobiliário, instrumentos de trabalho, música etc.) deixados pelos indivíduos carregam em si mesmos a experiência
humana, as formas específicas de produção, consumo e circulação, tanto de objetos quanto de saberes. A utilização
de objetos materiais pode auxiliar o professor e os alunos a colocar em questão o significado das coisas do mundo,
estimulando a produção do conhecimento histórico em âmbito escolar. Por meio dessa prática, docentes e discentes
poderão desempenhar o papel de agentes do processo de ensino e aprendizagem, assumindo, ambos, uma “atitude
historiadora” diante dos conteúdos propostos, no âmbito de um processo adequado ao Ensino Fundamental. Os
processos de identificação, comparação, contextualização, interpretação e análise de um objeto estimulam o
pensamento.
De que material é feito o objeto em questão? Como é produzido? Essas e outras perguntas auxiliam a
identificação de uma questão ou objeto a ser estudado. Diferentes formas de percepção e interação com um mesmo
objeto podem favorecer uma melhor compreensão da história, das mudanças ocorridas no tempo, no espaço e,
especialmente, nas relações sociais. A comparação em história faz ver melhor o Outro. A contextualização é uma
tarefa imprescindível para o conhecimento histórico. Com base em níveis variados de exigência, das operações mais
simples às mais elaboradas, os alunos devem ser instigados a aprender a contextualizar. O exercício da
interpretação – de um texto, de um objeto, de uma obra literária, artística ou de um mito – é fundamental na formação
do pensamento crítico. Exige observação e conhecimento da estrutura do objeto e das suas relações com modelos e
formas (semelhantes ou diferentes) inseridas no tempo e no espaço. A análise é uma habilidade bastante complexa,
porque pressupõe problematizar a própria escrita da história e considerar que, apesar do esforço de organização e
de busca de sentido, trata-se de uma atividade em que algo sempre escapa. Um dos importantes objetivos de
História no Ensino Fundamental é estimular a autonomia de pensamento e a capacidade de reconhecer que os
indivíduos agem de acordo com a época e o lugar nos quais vivem, de forma a preservar ou transformar seus hábitos
e condutas. A percepção de que existe uma grande diversidade de sujeitos estimula o pensamento crítico, a
autonomia e a formação para a cidadania.
A busca de autonomia também exige reconhecimento das bases da epistemologia da História, a saber: a
natureza compartilhada do sujeito e do objeto de conhecimento, o conceito de tempo histórico em seus diferentes
ritmos e durações, a concepção de documento como suporte das relações sociais, as várias linguagens por meio das
quais o ser humano se apropria do mundo. Enfim, percepções capazes de responder aos desafios da prática
historiadora presente dentro e fora da sala de aula. A inclusão dos temas obrigatórios definidos pela legislação
vigente, tais como a história da África e das culturas afro-brasileira e indígena, devem ultrapassar a dimensão
puramente retórica e permitir que se defenda o estudo dessas populações como artífices da própria história do Brasil.
Espera-se que o conhecimento histórico seja tratado como uma forma de pensar, entre várias; uma forma de
indagar sobre as coisas do passado e do presente, de construir explicações, desvendar significados, compor e
decompor interpretações, em movimento contínuo ao longo do tempo e do espaço. A BNCC pretende estimular
ações nas quais professores e alunos sejam agentes do processo de ensino e aprendizagem. Nesse sentido, eles
próprios devem assumir uma atitude historiadora diante dos conteúdos propostos no âmbito do Ensino Fundamental.
COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DE HISTÓRIA PARA O ENSINO FUNDAMENTAL
1. Reconhecer que diferentes sujeitos possuem percepções diferenciadas da realidade, estejam eles inseridos no
mesmo tempo e espaço ou em tempos e espaços diferentes.
2. Selecionar e descrever registros de memória produzidos em diferentes tempos e espaços, bem como diferentes
linguagens, reconhecendo e valorizando seus significados em suas culturas de origem.
3. Estabelecer relações entre sujeitos e entre sujeitos e objetos, e seus significados em diferentes contextos,
sociedades e épocas.
4. Colocar em sequência, no tempo e no espaço, acontecimentos históricos e processos de transformação e
manutenção das estruturas sociais, políticas, econômicas e culturais, bem como criticar os significados das lógicas
de organização cronológica.
5. Elaborar questionamentos, hipóteses, argumentos e proposições em relação a documentos, interpretações e
contextos históricos específicos, recorrendo a diferentes linguagens, exercitando a empatia, o diálogo, a resolução de
conflitos, a cooperação e o respeito.
6. Identificar interpretações que expressem visões de diferentes sujeitos, culturas e povos com relação a um mesmo
contexto histórico, e posicionar-se criticamente com base em princípios éticos democráticos, inclusivos, sustentáveis
e solidários.
7. Descrever, comparar e analisar processos históricos e mecanismos de ruptura e transformação social, política,
econômica e cultural.
8. Analisar e compreender o movimento de populações e mercadorias no tempo e no espaço e seus significados
históricos, levando em conta o respeito e a solidariedade com as diferentes populações.
9. Compreender e problematizar os conceitos e procedimentos próprios à produção do conhecimento historiográfico.
HISTÓRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL – ANOS INICIAIS: UNIDADES TEMÁTICAS, OBJETOS DE
CONHECIMENTO E HABILIDADES: Anos Iniciais contempla, antes de mais nada, a construção do sujeito. O
processo tem início quando a criança toma consciência da existência de um “Eu” e de um “Outro”. A percepção da
distância entre objeto e pensamento é um passo necessário para a autonomia do sujeito, tomado como produtor de
diferentes linguagens. É ela que funda a relação do sujeito com a sociedade. Nesse sentido, a História depende das
linguagens com as quais os seres humanos se comunicam, entram em conflito e negociam. Aprender a identificar
códigos variados é tarefa necessária para o desenvolvimento da cognição, comunicação e socialização,
competências essenciais para o viver em sociedade.
HISTÓRIA NO ENSINO FUNDAMENTAL – ANOS FINAIS: UNIDADES TEMÁTICAS, OBJETOS DE
CONHECIMENTO E HABILIDADES: O processo de ensino e aprendizagem da História no Ensino Fundamental –
Anos Finais está pautado por três procedimentos básicos:
1. Pela identificação dos eventos considerados importantes na história do Ocidente (África, Europa e América,
especialmente o Brasil), ordenando-os de forma cronológica e localizando-os no espaço geográfico.
2. Pelo desenvolvimento das condições necessárias para que os alunos selecionem, compreendam e reflitam sobre
os significados da produção, circulação e utilização de documentos (materiais ou imateriais), elaborando críticas
sobre formas já consolidadas de registro e de memória, por meio de uma ou várias linguagens.
3. Pelo reconhecimento e pela interpretação de diferentes versões de um mesmo fenômeno, reconhecendo as
hipóteses e avaliando os argumentos apresentados com vistas ao desenvolvimento de habilidades necessárias para
elaboração de proposições próprias.
O primeiro procedimento implica o uso de uma forma de representação, a cronológica, constituída por meio
de uma seleção de eventos históricos consolidados na cultura historiográfica. A sistematização dos eventos é
consoante com as noções de tempo (medida e datação) e de espaço (concebido como lugar produzido pelo ser
humano em sua relação com a natureza). Os eventos selecionados permitem a constituição de uma visão global da
história, palco das relações entre o Brasil, a Europa, o restante da América, a África e a Ásia ao longo dos séculos.

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