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XVIII Corpo Aeroterrestre, em 8 de abril de 2009, em Fort Bragg, na Carolina do Norte. Biden, junto com o Gen Div Lloyd J. Austin III, então
Comandante do XVIII Corpo Aeroterrestre, e o Command Sergeant Major Joseph Allen, deram as boas-vindas aos soldados que acabavam
de retornar do Iraque após seu segundo desdobramento. (Foto: Gerry Broome, Associated Press)
Quem é o chefe?
Definindo a relação civil-militar
no século XXI
Ten Cel Kevin F. Krupski, Exército dos EUA
20 Janeiro-Junho 2023 MILITARY REVIEW
QUEM É O CHEFE?
A relação civil-militar
À primeira vista, a relação
civil-militar é uma proposição sim-
ples: os civis estão sempre certos,
e sua autoridade é absoluta. Os
Artigos Antifederalistas explicam os
receios que levaram a tal conclusão,
e os Artigos Federalistas expõem,
acertadamente, como a nova repú-
blica garantiria essa proposição.5
Esse é um dos dilemas mais fáceis
da história dos EUA. Os casos
de George McClellan e Douglas
MacArthur desafiando Abraham O Presidente Abraham Lincoln reúne-se com o então General em Chefe George B.
McClellan cerca de um mês antes de destituí-lo do comando, em 5 de novembro de
Lincoln e Harry Truman são
1862, por aparente falta de iniciativa e incompetência em liderar o Exército contra
truísmos tão simples que provocam forças confederadas mais hábeis e audazes. (Foto: Alexander Gardner, cedida pela
muito poucos argumentos quanto Biblioteca do Congresso dos EUA)
que as relações malsucedidas, o que o modelo de agên- • As decisões políticas raramente ocorrem em
cia exigiria. Em vez disso, os generais bem-sucedidos tempo hábil.
eram os bons gestores, compartilhando os objetivos de • A confiança mútua não ocorre automaticamente
seus presidentes por meio de colaboração deliberada. e é resultado de relações pessoais construídas ao
Os objetivos que ancoram o modelo de stewardship longo do tempo.
podem variar com base nos três níveis de poder do regime • Os líderes civis e militares precisam uns dos outros.
na democracia estadunidense: soberania fundamental, • A divisão civil-militar desconsidera a estratégia.26
poderes primários e processo de formulação de políticas.25 Essas realidades são problemáticas porque diferem
No primeiro nível, todos os atores podem concordar que do modelo de agência. No entanto, estão muito mais
o soberano maior é o povo. No segundo nível, as Forças alinhadas com o modelo de stewardship centrípeto. As
Armadas devem interpretar os objetivos do regime a par- realidades de Rapp se apoiam em relacionamentos
tir de como os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de longo prazo e aceitam que as pessoas no processo
exercem seus poderes específicos. No terceiro nível, as de formulação de políticas valorizem suas reputações
Forças Armadas se veem como um dos muitos atores mais do que uma transação individual, como defen-
envolvidos no planejamento, iniciação e mobilização de dido pelo modelo tradicional. Além disso, o diálogo
apoio a uma política. À medida que se olha para cada necessário no modelo de stewardship aumenta o
nível para identificar os objetivos — ou melhor defini-los, entendimento e reduz a divisão civil-militar para que
como no termo nebuloso “segurança do Estado” —, as cada lado compreenda as capacidades do outro.
respostas passam do concreto ao abstrato e estão abertas a Acolher o modelo de stewardship pode mediar o
um maior debate, mas ainda estão presentes. problema das seis realidades de Rapp. Os princípios
Uma das tarefas mais importantes das Forças da tomada de decisão conjunta e do intercâmbio de
Armadas é a manutenção da confiança de seus princi- informações resolvem a primeira, segunda e terceira
pais civis e do público estadunidense. Isso é mais impor- realidades de Rapp. As relações habituais de longo
tante sempre que há uma transição entre os principais. prazo enfatizadas no modelo de stewardship melhoram
É preciso que mais tempo seja dedicado ao desenvolvi- a quarta e quinta realidades de Rapp. Na segurança na-
mento dessa confiança nas fases iniciais, antes que algo cional, há um objetivo comum entre as lideranças civil e
significativo ocorra. A confiança extrapola as simples militar, e a falta de diálogo franco pode obscurecer esse
comparações entre instituições. O principal deve con- fato. Isso pode ser combatido pelos líderes militares que
fiar que os objetivos do gestor estão alinhados. se esforçam para ser gestores eficazes.
estruturais e psicológicas que desencorajam o com- fiança nas Forças Armadas varia inversamente ao
portamento de stewardship. Podem ser, entre outras, contato. Menos de 50% dos integrantes das elites ci-
políticas burocráticas, narrativas políticas ou sociais, vis em postos do governo que não prestaram serviço
militar tinham confiança nas Forças Armadas.35 que aqueles propensos a atuar como agentes sejam mais
Trata-se de uma crise de “guetização” que reduz a orientados para a coletividade e atuem como gestores na-
reciprocidade entre as instituições.36 As sugestões de cionais/de defesa. As Forças Armadas devem tornar-se
Colford e Sugarman que visam a uma maior “polini- gestores a fim de melhorar a relação civil-militar.
zação cruzada” entre instituições civis e militares são A descrição da relação civil-militar é um conceito
um começo para eliminar essa divisão.37 No policia- abstrato com implicações tangíveis. O mais impor-
mento, isso condiz com o conceito de policiamento tante é como impulsiona a discussão da profissão das
comunitário, em que os policiais se envolvem proa- armas. Teoria e estudo impulsionam como a profis-
tivamente com a comunidade, em vez de simples- são ensina seus próprios integrantes e perpetua seu
mente responder quando ocorrem crimes. Para as próprio senso de corporação. Utilizar um paradigma
Forças Armadas, o “envolvimento comunitário” força de agência para descrever como as Forças Armadas
a interação em um nível substancial. se encaixam no sistema político dos EUA é prejudi-
As Forças Armadas devem preparar-se ativa- cial ao desenvolvimento da profissão. Em vez disso,
mente para as transições na liderança civil. Sob a os oficiais militares devem compreender, ainda no
teoria do stewardship, novos presidentes, congressis- início de seu desenvolvimento, como se encaixam
tas e nomeados civis exigirão maior envolvimento no contexto maior da burocracia, do governo e da
no início de seus mandatos. Isso não é um ônus; é sociedade estadunidense. Isso define melhor como os
uma oportunidade. Um maior envolvimento desde o oficiais devem lidar com as áreas cinzentas que en-
início deve ter o intuito de alinhar os objetivos com frentarão em suas carreiras. Mais importante ainda,
os principais civis recém-eleitos ou nomeados. O torna os oficiais mais preparados para lidar com os
fato de que, atualmente, muitos principais civis têm dilemas de segurança nacional no século XXI.
muito pouca experiência militar torna isso ainda Estudos futuros devem se concentrar em testar
mais importante. As Forças Armadas devem envol- a teoria do stewardship em todo o Departamento de
ver ativamente seus líderes e receber diretrizes. Não Defesa. Certas organizações nas Forças Armadas,
há necessidade de enquadrar ameaças. Os líderes sem dúvida, apresentam níveis mais elevados de
militares devem entender que suas questões podem stewardship do que outras. Identificá-las e determi-
ser apenas um dos muitos interesses nacionais que nar como isso evolui pode apontar novas direções
seus líderes estão tentando abordar. Talvez grande para a profissão militar e servir como lição para
parte dos fracassos associados ao Afeganistão tenha que a liderança civil entenda como cultivar uma
relação com a falta de consenso sobre quais objetivos melhor relação com as Forças Armadas. Estudos de
buscávamos alcançar. caso aprofundados que detalhem como uma rela-
ção civil-militar positiva possibilitou o alcance de
Conclusão objetivos democráticos ou de segurança nacional
Uma abordagem do stewardship pode ser o ideal, em- são necessários para esclarecer como determinadas
bora muitas vezes possamos observar as Forças Armadas forças podem aproximar as Forças Armadas e seus
atuando como agentes. Portanto, o desafio é fazer com principais civis em vez de distanciá-los.
29. Para um ótimo exemplo de como as narrativas podem Public Confidence in the U.S. Military Since Vietnam (Washington,
afetar a forma como as Forças Singulares enxergam a si próprias e DC: AEI Press, 2003), p. 80-85.
o que pensam que devem fazer, veja Conrad Crane, Avoiding Viet- 35. Peter Feaver e Richard H. Kohn, eds., Soldiers and Civilians:
nam: The U.S. Army’s Response to Defeat in Southeast Asia (Carlisle, The Civil-Military Gap and American National Security, BCSIA Stud-
PA: Strategic Studies Institute, 2002), p. 14-19. ies in International Security (Cambridge, MA: MIT Press, 2001), p.
30. Mackubin Thomas Owens, “Is Civilian Control of the 459-68.
Military Still an Issue?”, in Schake and Mattis, Warriors & Citizens, p. 36. A redução na porcentagem de estadunidenses que servem
69-96. nas Forças Armadas juntamente com a fusão de bases devido a
31. Bob Woodward, Obama’s Wars (New York: Simon & decisões de realinhamento e fechamento criaram bolsões de comu-
Schuster, 2010), p. 324-88. nidades militares segregadas do resto da sociedade. Essa separação
32. Para mais evidências e análises, veja Jason K. Dempsey, física da maioria dos estadunidenses pode representar uma econo-
Our Army: Soldiers, Politics, and American Civil-Military Relations mia financeira, mas também impede o contato entre a sociedade
(Princeton, NJ: Princeton University Press, 2010), p. 152-92. e as comunidades militares que poderia promover a integração, o
33. Mackubin Thomas Owens, US Civil-Military Relations diálogo e a compreensão.
after 9/11: Renegotiating the Civil-Military Bargain (New York: 37. Matthew Colford e Alec J. Sugarman, “Young Person’s
Continuum, 2011), p. 158-70. Game: Connecting with Millenials”, in Schake and Mattis, Warriors &
34. David King e Zachary Karabell, The Generation of Trust: Citizens, p. 245-64.