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Núcleo de Estudos Estratégicos

em Defesa e Segurança

As relações civis militares no Brasil: Como a ciência


se corrompe pela Política
Por Guilherme de Araújo Grigoli *

mecanismos de aproximação, que tragam à viabilidade. Pregar o fim da Justiça Militar


O Soldado e o Estado de Samuel
defesa e a segurança à patamares que sem ao menos questionar outras “justiças de
Hungtinton e O soldado profissional: estudo
promovam discussão, e mais do que isso, exceção”, sem ao menos debater
social e político de Morris Janowitz são
ação por parte de todo o complexo sistema profundamente a razão de sua concepção, é
obras seminais para todos aqueles que se
estatal e privado na formulação de políticas no mínimo desqualificar todo o debate
dedicam ao estudo das Relações Civis
abrangentes que utilizem todos os constituinte que manteve e disciplinou a
Militares. Não obstante a necessidade do
mecanismos de uma nação para permitir a mesma na Carta Magna de 1988.
profundo conhecimento destes, a
construção de um Estado soberano e Não há mais espaço para questionar a
compreensão de que as relações entre
alinhado com a busca de seus objetivos estrutura das Forças Armadas, sem
militares e civis têm se modificado com o
nacionais. promover um amplo debate com a
passar do tempo e o aprofundamento do
sociedade. E ao conceito de sociedade
conhecimento mútuo, por vezes parece ser
Não há mais espaço para entende-se, não a parcela qualificada que se
uma realidade afastada quando pensamos a
entende apta à discussão, e sim todos seus
questão na América Latina, e questionar a estrutura das estratos, através dos instrumentos
particularmente no Brasil. Forças Armadas, sem constitucionais existentes para este fim; ou
Enquanto teóricos e pesquisadores na
promover um amplo debate seja, referendos e plebiscitos, respeitando
Europa procuram entender a nova relação
profundamente a vontade popular. Insistir
entre estes grupos com objetivo de com a sociedade. E ao conceito em temas como o serviço militar
compreender como o equilíbrio dos papéis é de sociedade entende-se, não a obrigatório, desconsiderando que,
fundamental à construção conjunta de um
parcela qualificada que se atualmente, as organizações militares
empreendimento voltado aos objetivos
dispensam voluntários por não possuírem
nacionais dos estados e ao fortalecimento da entende apta à discussão, e sim cargos suficientes e sem considerar políticas
identidade democrática da sociedade; todos seus estratos, através dos de mobilização nacional é, no mínimo,
pesquisadores da América Latina e
instrumentos constitucionais pregar proselitismo de ideias, relegando as
estrangeiros que estudam a mesma parecem
necessidades nacionais a visões pessoais.
insistir em discutir esta relação sob a existentes para este fim. Por fim não há mais espaço no debate
perspectiva da oposição e do controle,
científico para construções de arquétipos de
retornando a pautas sob um olhar obtuso de Não há mais espaço para a construção de grupos; políticas públicas necessitam de um
antítese entre os grupos, promovendo a pseudociência cujo objetivo é mergulhar o profundo conhecimento institucional, civis e
necessidade do fortalecimento do controle país na discussão política e personalista. As militares devem buscar encontrar meios de
civil sobre o militar, como se o segundo políticas públicas não podem ser definidas potencializar suas capacidades, abrindo as
fosse a ameaça constante ao Estado por profissionais de qualquer área, civis ou portas de suas instituições à discussão, com
Democrático. militares, obcecados pela reedição da luta de objetivo de construir uma política de defesa
Internacionalistas dotados de uma miopia classes, não mais opondo patrões e abrangente, inclusiva e direcionada para o
teórica apelam a pesquisas segregadoras que empregados e sim tentando criar novos fortalecimento nacional. Planejar baseado
persistem na ideia de que a diplomacia é um adversários, tal como fazem determinados nas capacidades que cada setor pode agregar
nicho que deve permanecer sob a égide dos pesquisadores insistindo que militares e ao fim comum. Fora isso, estaremos parados
diplomatas, abrindo mão dos efeitos e civis devam enxergar uns aos outros com na discussão, revivendo e revigorando uma
resultados que outras paradiplomacias como temor. dicotomia que só existe no pensamento de
a militar podem trazer. Na contramão desta Não há mais espaço para se julgar um quem a promove. Reeditando na posição de
visão, servidores do Ministério das Relações cidadão por sua condição de militar ou civil inimigo aquele a quem deveríamos nos
Exteriores e do Ministério da Defesa, quando da ocupação de um cargo técnico associar em prol da democracia e da
militares ou não, se aproximam para público. Promove-se um falseamento das soberania nacional.
construir uma Política Externa forte capacidades individuais sob a alegação
sustentada pelo benefício deste elo. retrógada e rasa de que o mesmo é “militar” Nota do autor: Esta análise refere-se ao
Politólogos partidários conduzem estudos tornando, muitas vezes ao senso comum, entendimento pessoal do autor, expressando
que insistem na tentativa de desconstrução obscura a formação profissional do mesmo. visões e opiniões próprias sobre o tema, as
da participação militar nos processos O que a sociedade deve esperar é que seus quais são independentes do posicionamento
decisórios. Reforçam errôneas líderes sejam os mais capacitados para de quaisquer instituições e/ou instâncias às
interpretações de conceitos como Sociedade conduzir o debate e as ações públicas, vestir quais o autor esteja formalmente vinculado
Civil, afastando-os de sua origem como farda, jaleco ou toga não pode nem deve ser ou informalmente associado.
colocada por Maquiavel ou mesmo Adam um fator que impeça o mais qualificado a
Ferguson, na tentativa de criar uma exercer tal papel.
* Guilherme de Araújo Grigoli
dicotomia entre os militares e o restante do Não há mais espaço para pensar a Curso de Comando e Estado Maior
povo, omitindo que as Forças Armadas são reformulação de estruturas públicas com Doutorando em Ciências Militares
um extrato da sociedade e seus integrantes olhar discriminatório. Devemos repensar guigrigoli@gmail.com
plenamente inseridos nos desejos e anseios nossa estrutura pública? Sim, sempre. Este é Vinculação ao NEEDS: OUT/2019
de progresso da mesma. A sociedade é una, o papel dos representantes eleitos e de toda
não há uma sociedade civil e outra militar, a sociedade. O que não deve ser feito é
há sim uma construção teórico-científica questionar um sistema, obturando o olhar
que insiste em segregar civis e militares. para estruturas semelhantes, somente
Sim, o Estado se separa da sociedade e as baseado na efêmera justificativa de que a
FFAA como instituição compõem o Estado, questão não se refere ao todo e sim aos
mas seus integrantes são, individualmente, militares. Rediscutir sistemas judiciários
parte indivisível da sociedade a que especializados é plenamente viável, então
pertencem. que o façamos a todos os existentes, a
Militares de pensamento retrógrado não Justiça Militar, a Justiça do Trabalho e a
compreendem que a construção de uma Eleitoral, pois o marco de criação de cada
nação passa pela incontestável criação de uma espelha um processo de necessidade e
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Artigo de Opinião – Núcleo de Estudos Estratégicos em Defesa e Segurança da UFSCar
Autor: Guilherme de Araújo Grigoli
Data: 15 de Dezembro de 2020.

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