Anotações Gramsci - Poder, Política e Partido

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Gramsci – Poder, Política e Partido

Gramsci inicia com os componentes mais elementares da ciência e da arte política, que por serem
tão elementares, por vezes são esquecidos ou desconsiderados: Os dirigentes e os dirigidos,
governantes e governados.
E sem ir a fundo na origem destas categorias, se limitando a dizer que são produtos da divisão
social do trabalho, coloca que uma questão fundamental a ser feita é se há o objetivo de que esta
divisão se mantenha ou, se num horizonte político, almeja-se o fim dela:
“Na formação de dirigentes, a seguinte premissa é fundamental: queremos que governados e
governantes existam sempre ou queremos criar condições para que a necessidade dessa divisão
desapareça? Partiremos do princípio de que a perpétua divisão do gênero humano é inevitável ou
acreditaremos que ela seja apenas um fato histórico que responde a determinadas condições?” p. 12

Em seguida, é colocada em questão a responsabilidade dos dirigentes e a necessidade de não se


tomar a obediência dos dirigidos como automática. Há que se prestar conta aos governados sobre as
decisões tomadas, sobretudo quando se exige algum sacrifício. Como exemplo, Gramsci coloca a
situação de que soldados podem resistir dias em jejum se compreenderem que não havia formas
possíveis de enviar suprimentos em tempo mais reduzido, mas poderiam se revoltar pela falta de
uma única refeição por motivo de desleixo ou burocracia.

“Por exemplo: um front é constituído de várias seções e cada seção tem seu dirigente. É possível
que os dirigentes de uma seção sejam mais responsabilizados por uma derrota que os dirigentes de
uma outra seção, mas é questão de mais ou de menos, e não de eximir algum dirigente da
responsabilidade, jamais” p. 13

“Uma vez colocado o princípio de que existem dirigidos e dirigentes, governados e governantes, é
verdade que os ‘partidos’ têm sido até agora o modo mais adequado de elaborar a capacidade de
dirigir e os próprios dirigentes (os ‘partidos’ podem se apresentar com os mais diversos nomes,
incluindo o de antipartido ou de ‘negação dos partidos’. Na realidade, até os chamados
‘individualistas’ são homens de partido, apenas gostariam de ser ‘chefe de partido’ pela graça de
Deus ou da imbecilidade de quem os segue)” p. 13-14

O conceito contido na expressão “espírito estatal” é colocado como algo preciso, historicamente
determinado.
“Para começar, o ‘espírito estatal’ pressupõe a ‘continuidade’, quer na direção do passado ou da
tradição, quer na direção do futuro, isto é, pressupõe que cada ato seja o momento de um processo
complexo que já se iniciou e que vai continuar. A responsabilidade por esse processo, de ser ator
desse processo, de ser solidário com forças materialmente ‘desconhecidas’, mas que, todavia, são
sentidas como operantes e ativas e levadas em conta como se fossem ‘materiais’ e presentes
fisicamente, se chama, justamente, em certos casos, ‘espírito estatal’”.
Gramsci completa discutindo que esta consciência da duração do espírito estatal não deve
ultrapassar determinados limites, sendo, no mínimo, uma geração.
“No entanto, podemos dizer que, mesmo se o tão falado ‘espírito estatal’ existe em todo mundo, é
preciso, de vez em quando, combater suas deformações e seus desvios” p. 15

Gramsci coloca a composição de um partido como sendo de três elementos essenciais:

“1. um elemento difuso de homens comuns, médios, cuja participação é dada pela disciplina e pela
fidelidade e não pelo espírito criativo e altamente organizativo. Sem esse grupo, o partido não
existiria, é verdade, mas é também verdade que o partido não existiria “somente” com eles. Eles
constituem uma força na medida em que houver quem os centralize, organize, discipline. Na
ausência dessa força de coesão, eles se anulariam e se dispersariam em uma poeira impotente. Não é
questão de negar que cada um desses elementos possa se transformar em uma das forças coesivas,
mas estamos falando precisamente do momento em que eles não o são e não estão em condições de
sê-lo, ou, se o forem, o serão somente em um círculo restrito, politicamente ineficiente e sem
consequência;
2. o elemento principal de coesão que centraliza no plano nacional, que torna eficiente e potente um
conjunto de forças que, sozinhas, valem zero ou pouco mais. Esse elemento é dotado de força
altamente coesiva, centralizadora e disciplinadora e até – talvez por isso mesmo - ‘inventiva’ (se
entendermos inventividade em uma certa direção, segundo as linhas de força, perspectivas e mesmo
certas premissas). É verdade que, sozinho, ele também não formaria um partido, mas teria mais
condições de formá-lo que o primeiro elemento considerado. Fala-se de capitães sem exército, mas
na verdade é mais fácil formar um exército do que formar capitães. Tanto isso é verdade que,
mesmo um exército já formado pode ser destruído se lhe faltam os capitães, enquanto a existência
de um grupo de capitães harmônico, coeso entre si, com objetivos comuns, pode rapidamente
formar um exército, mesmo onde não existe nada;
3. um elemento médio que articule o primeiro com o segundo, que os coloque em contato não só
‘físico’, mas moral e intelectual. Na realidade, para cada partido existem ‘proporções definidas’
entre esses três elementos e o máximo de eficiência é atingido quando tais ‘proporções definidas’ se
realizam”. p. 16-17

O autor afirma que um partido não pode ser destruído enquanto o segundo elemento existir. “Então
os outros dois não podem deixar de se formar, isto é, o primeiro elemento que necessariamente cria
o terceiro como sua continuação e meio de expressão.” p. 17

“Mas é necessário que esse segundo elemento, se for destruído, tenha deixado como herança um
fermento que permita que ele se refaça. E onde esse fermento poderá subsistir e se formar melhor
do que no primeiro e no terceiro elementos, que são da mesma natureza que o segundo? A atividade
que o segundo elemento vai dedicar à constituição desse fermento é, então, fundamental: o critério
de julgamento desse segundo elemento deve ser procurado, primeiro, naquilo que ele realmente faz
e, depois, naquilo que prepara para enfrentar a hipótese de sua própria destruição. É difícil dizer
qual dessas duas atividades é mais importante, pois, na luta, se deve sempre prever a derrota, e a
preparação dos próprios sucessores é tão importante quanto aquilo que se faz para obter a vitória” p.
17

“Os grandes industriais se servem, segundo a ocasião, de todos os partidos existentes, mas não têm
partido próprio. No entanto, eles não são de modo algum ‘agnósticos’ ou ‘apolíticos’: seu interesse
é um determinado equilíbrio que eles mantêm reforçando, segundo a ocasião, este ou aquele partido
do variado xadrez político com os meios de que dispõem (com exceção, é claro, do partido
antagonista, que não deve ser favorecido nem mesmo com objetivos táticos).”
“É verdade, porém, que, se isso acontece na vida ‘normal’, nos casos extremos, que no fim das
contas são os que contam (como a guerra na vida nacional), o partido dos grandes industriais é o
partido dos proprietários rurais que, eles sim, têm um partido próprio e permanente.” -
particularidade da Itália na época (ou dos países europeus?)

Gramsci expressa a radicalidade do seu pensamento ao colocar que: “Um critério básico de
julgamento, seja para as concepções de mundo, seja sobretudo para os comportamentos práticos, é o
seguinte: a concepção de mundo ou ato prático pode ser concebidos ‘isolados’, ‘independentes’,
tendo sobre si toda a responsabilidade da vida coletiva; ou isso é impossível e, então, o ato prático e
a concepção de mundo podem ser percebidos como ‘integração’, aperfeiçoamento, contrapeso, etc.,
de uma outra concepção de mundo ou atitude prática.” - p. 19
(…) “Esse princípio tem importância política porque a verdade teórica segundo a qual cada classe
tem um só partido é demonstrada, nos momentos de mudança decisiva, pelo fato de que
agrupamentos vários, cada um deles tendo se apresentado como partido ‘independente’, nos
momentos de mudança decisiva, se reúnem e formam um bloco unido. A multiplicidade que existia
antes era de caráter simplesmente ‘reformista’, isto é, dizia respeito a questões parciais. Em certo
sentido, era uma divisão – útil em seus limites – do trabalho político; mas cada parte pressupunha a
outra, tanto que, nos momentos decisivos, quando as questões principais foram colocadas em jogo,
a unidade se formou, o bloco foi criado. Donde a conclusão de que, na construção dos partidos, é
preciso ter as bases em um caráter ‘monolítico’ e não em questões secundárias; em seguida, é
preciso velar para que exista homogeneidade entre dirigentes e dirigidos, entre chefes e massa. Se
nos momentos decisivos chefes passam para seus ‘verdadeiros’ partidos, as massas ficam sem
direção, inertes e sem eficácia” p. 20-21

Gramsci fala de um momento de tomada de consciência para si do partido a partir do


reconhecimento de que nada é “natural”, mas que “tudo existe porque existem condições cuja
aparição trará consequências” e que o movimento “para ter determinadas consequências, cria as
premissas necessárias, empenhando todas as suas forças” p. 21

Gramsci discute sobre o “economicismo”, cuja expressão se dá principalmente pelo sindicalismo


teórico e pelo liberalismo (sendo o segundo uma ideologia da classe dominante e o primeiro, uma
ideologia reformista da classe dominada que incorpora ecleticamente princípios do materialismo
histórico). Há ainda outras expressões como “todas as formas de abstencionismo eleitoral”.

Ao versar sobre o movimento pela livre iniciativa, é colocado que se baseia em um erro teórico
causado pela distinção entre sociedade política e sociedade civil, que de distinção metódica passa a
ser encarada como distinção orgânica:
“Afirma-se assim que a atividade econômica é própria da sociedade civil e que o Estado não deve
intervir em sua regulamentação. No entanto, como na realidade efetiva sociedade civil e Estado se
identificam, é necessário fixar que mesmo o liberalismo é uma ‘regulamentação’ de caráter estatal,
introduzido e mantido por via legislativa e pela coação: é um ato de vontade consciente dos próprios
objetivos e não a expressão espontânea, automática do fato econômico. Por isso, o liberalismo é um
programa político destinado a mudar, quando triunfa, o pessoal dirigente de um Estado e o
programa econômico do próprio Estado, ou seja, mudar a distribuição da renda nacional” p. 22-23

Sobre a hegemonia: “A existência da hegemonia pressupõe, indubitavelmente, que os interesses e as


tendências dos grupos sobre os quais ela será exercida sejam levados em consideração, que se forme
um certo equilíbrio de compromisso, isto é, que o grupo dirigente faça sacrifícios de ordem
econômico-política. Mas é também evidente que esses compromissos e sacrifícios não concernem o
essencial, pois, se a hegemonia é ético-política, não pode deixar de ser econômica também e ter
seus fundamentos na importante função que o grupo dirigente exerce no núcleo decisivo da
atividade econômica” p. 24

Gramsci critica as posições reformistas e como não colocam a questão da hegemonia como
problema ou a colocam de forma “incongruente” e “ineficiente” e demonstra como algumas
pretendidas críticas ao materialismo histórico são, na verdade, críticas ao economicismo histórico,
para o qual a economia é fetichizada como algo que determina de forma autônoma a história:

1. não distinção do que é “relativamente permanente” do que é “flutuação ocasional”;


2. redução do desenvolvimento econômico a uma sucessão de mudanças técnicas;
3. “A doutrina vê o desenvolvimento econômico e histórico como função imediata das mudanças de
qualquer elemento importante da produção – a descoberta de uma nova matéria-prima, de um novo
combustível, etc. - que tragam consigo a aplicação de novos métodos na construção e no
acionamento das máquinas. (…). A descoberta de novas energias e novos combustíveis motores,
assim como de novas matérias-primas a transformar, tem certamente grande importância, pois pode
mudar a posição de cada Estado; mas não determina o movimento histórico. p. 26-27

Sobre o abstencionismo eleitoral, Gramsci critica certo ceticismo que parece uma paranoia,
assumindo à priori que uma iniciativa política poderá desvirtuar a vontade das massas em favor de
interesses pessoais.
“(…) o economicismo se coloca a seguinte pergunta: quem é imediatamente beneficiado pela
iniciativa em questão? E responde com um raciocínio tão simplista quanto paradoxal. Ela beneficia
uma certa fração do grupo dominante e, para não haver engano, a escolha recai sobre aquela que,
evidentemente, tem uma função progressiva e uma função de controle do conjunto das forças
econômicas. Assim, podem ficar seguros de não se enganar, pois, se o movimento examinado
chegar ao poder, necessariamente, antes ou depois, a fração progressiva do grupo dominante
acabará controlando o novo governo, transformando-o em instrumento para direcionar o próprio
aparato estatal em proveito próprio” p. 30

Parece ser uma discussão entre marxismo e anarquismo. Gramsci fala sobre uma rígida aversão aos
chamados “compromissos” e o “medo dos perigos” como característica deste abstencionismo.

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