Você está na página 1de 4

Hans Morgenthau’s Principles of Political Realism: A Feminist Reformulation – J.

Ann
Tickner

O mundo da política internacional é predominantemente masculino, onde se privilegia


a guerra, poder e o conflito. Ao tratar de assuntos nucleares, mulheres são vistas como frágeis
e incapazes de tomar decisões tão grandes, o que demonstra a barreira basal na entrada de
mulheres em altos cargos. A estratégia nuclear remete a poder, ameaça e força, termos que
requerem qualidades que mulheres, por estereótipo, são julgadas por não ter.

A autora, J. Ann Tickner, propõe-se a explorar o porquê de a política internacional ser


entendida como um mundo masculino e o porquê de as mulheres terem pouca representação
nos postos mais altos da política externa, das instâncias militares e acadêmicas. Para isso,
examinará os seis princípios do realismo político de Hans Morgenthau.

De antemão, Tickner apresenta um resumo de tais princípios de Morgenthau:

I) Assim como a sociedade a política é regida por leis objetivas que tem suas
raízes na natureza humana, a qual é imutável. Portanto, é possível desenvolver
uma teoria racional que reflita essas leis objetivas;
II) O primeiro indicador do realismo político é o conceito de interesse, definido
em termos de poder, que incute a ordem racional na questão política e, então,
faz possível o entendimento teórico da política. O realismo político enfatiza o
caráter racional, objetivo e sem emoção (unemotional);
III) O realismo presume que interesse definido como poder é uma categoria
objetiva que é universalmente válida, mas não com um sentido que é fixado
de uma vez por todas. O poder é o controle de um homem sobre outro;
IV) O realismo político entende o significado moral da ação política. Também
entende a tensão entre o comando moral e os requisitos de uma ação política
exitosa;
V) O realismo político se nega a identificar as aspirações morais de uma nação
particular com leis morais que governam o universo. É o conceito de interesse
definido em termos de poder que nos salva de excessos morais e insensatez
política e;
VI) O realista político mantém a autonomia da esfera política. Ele pergunta “como
essa política afeta o poder da nação?”. O realismo político é baseado no
conceito pluralista da natureza humana. Um homem que não era nada além
de um “homem político” seria uma besta pois o faltaria restrições morais.
Mas, para desenvolver uma teoria autônoma de comportamento político,
“homem político” deve ser abstraído de outros aspectos da natureza humana.

A autora considera que esta é uma descrição parcial da política internacional porque é
baseada em presunções sobre a natureza humana que são parciais e que privilegiam a
masculinidade. Primeiramente, masculinidade e feminilidade são uma série de categorias
socialmente construídas que variam em tempo e lugar, tendo pouca relação com aspectos
biológicos.

Usando um vocabulário com palavras que remetem a masculinidade, Morgenthau


coloca que é possível desenvolver uma teoria de política internacional (racional e sem
emoções) baseada em leis objetivas que tem suas raízes na natureza humana. A maioria das
comunidades científicas compartilham a ideia de que o universo que estudam é acessível,
representado por conceitos que não são moldados por língua, mas apenas pelas demandas da
lógica e do experimento. A maioria das feministas rejeita esta visão de ciência que impões um
padrão coercitivo, hierárquico e conformista na investigação científica. Feministas, no geral, são
céticas sobre a possiblidade de haver um fundamento universal e objetivo para o
conhecimento, o qual Morgenthau afirma que é possível. A maioria compartilha da opinião de
que o conhecimento é socialmente construído: por ser a linguagem que transmite o
conhecimento, o uso da língua e as afirmações de objetividade devem ser continuamente
questionadas.

Objetividade é associada a masculinidade. Identifica-se uma rede de interações ente


desenvolvimento de gênero, um sistema de crenças que iguala objetividade com
masculinidade, e uma série de valores culturais que simultaneamente elevam o que é definido
como científico e o que é definido como masculino.

Para começar sua busca por uma teoria racional e objetiva da política internacional,
Morgenthau constrói uma abstração chamada de “homem político”, uma fera sem restrições
morais. Morgenthau sabe que o homem real, assim como Estados reais, é tanto moral quanto
bestial, mas pelo fato de Estados não estarem inseridos nas leis morais universais que regem o
universo, aqueles que se portam moralmente no sistema internacional estão fadados ao
fracasso por conta das ações imorais dos outros. Estados podem agir como feras, pois a
sobrevivência depende da maximização de poder e vontade de lutar.

O homem político de Morgenthau é uma construção social baseada em uma


representação parcial da natureza humana. A ênfase do autor alemão nos aspectos
conflituosos do sistema internacional contribui com uma tendência, tida por outros realistas,
de tirar a ênfase de elementos de cooperação e regeneração, os quais também são aspectos
das relações internacionais.

Posto que mulheres são socializadas em um modo de pensar contextual e narrativo, ao


invés de formal e abstrato, elas tendem a ver problemas em termos contextuais. Nas relações
internacionais, a tendência de pensar sobre moralidade, seja em termos de padrão abstrato e
universal ou apenas instrumental, como faz Morgenthau, reduz nossa habilidade de tolerar
diferenças culturais e procurar formas de construir uma comunidade apesar das diferenças.
Dessa forma, Tickner coloca que a tentativa de Hans Morgenthau de construir uma teoria
objetiva e universal da política internacional é baseada em presunções sobre a natureza
humana e moralidade que, na cultura ocidental, são associadas à masculinidade.

A teoria de Morgenthau é fundamentada nos eventos da Segunda Guerra Mundial, o


que leva a questão de se ainda há validade no que é posto pelo autor à medida que avançamos
no tempo, mais ainda considerando as mudanças cada vez mais rápidas que experienciamos.

A autora, então. examinará dois conceitos de relações internacionais, poder e


segurança, por uma perspectiva feminista e discutir abordagens feministas para a resolução de
conflito.

A definição de poder de Morgenthau, o controle de um homem sobre outro, é


tipicamente como este conceito é definido nas relações internacionais. Esse tipo de poder
como dominação sempre esteve associado à masculinidade, uma vez que o exercício de poder
foi e é geralmente uma atividade de homens; raramente uma mulher exerceu poder legitimado
no domínio público.
Definições de poder elaboradas por mulheres tendem a cair no campo da persuasão,
uma vez que tiveram menos acesso a meio de coerção, tendo uma relação de capacitação
mútua (as atividades domésticas das mulheres foram comparadas a construção de coalizão).
Nesse sentido, adentrando a área das relações internacionais, Jane Jaquette aponta
similaridades entre estratégias femininas de persuasão e estratégias de Estados pequenos
atuando de uma posição de fraqueza no sistema internacional.

A autora não nega que o poder como dominação ocupa grande espaço nas relações
internacionais, mas há também outros elementos de cooperação nas relações entre Estados
que tendem a ser ofuscadas quando o poder é visto apenas como dominação.

Ademais, tradicionalmente no Ocidente, o conceito de segurança nacional tem sido


agregado à força militar e o seu papel na proteção física de ameaças externas à nação. Quando
Estados avançados são altamente interdependentes, e se utilizam de armas cujos efeitos
seriam igualmente devastadores para vencedores e perdedores parecidos, defender a
segurança nacional tendo a guerra como plano B não é a melhor opção.

Johan Galtung coloca, sobre violência estrutural, que a diminuição na expectativa de


vida causa pelo lugar que uma pessoa nasceu é uma forma de violência cujos efeitos podem
ser tão devastadores quanto a guerra. Apenas recentemente ficou-se visível como
componentes importantes na elaboração de estratégias de desenvolvimento o papel das
mulheres de provedoras de necessidades básicas.

A autora também pontua que mulheres apresentam uma preocupação maior com a
natureza, uma relação que existe há eras e persiste através de cultura, idiomas e história. O
movimento pela ecologia e o movimento feminista estão profundamente conectados. Ambos
dão importância à vida em equilíbrio com a natureza ao invés de dominá-la; ambos veem a
natureza como uma entidade não hierárquica na qual cada parte é mutualmente dependente
do todo.

A autora Sara Ruddick descreve o que ela chama de “pensamento maternal”:


pensamento focado na preservação da vida e no crescimento das crianças; para promover um
ambiente doméstico propício a esses objetivos, a tranquilidade deve ser preservada evitando
conflito sempre que possível, agindo nele de forma não-violenta e restaurando a comunidade
quando este acabar. Esse método de resolução de conflito não engloba aplicar padrões
absolutos, mas sim aplicar julgamentos dentro do contexto. A resolução passiva por mães não
se estende ao filho do inimigo, e essa é uma das razões pelas quais as mulheres apoiam as
guerras dos homens.

A questão, então, se torna como colocar o pensamento maternal, que pode ser
encontrado tanto em homens quanto mulheres, na esfera pública. Achar uma humanidade
comum no oponente é uma condição de sobrevivência na era nuclear quando a noção de
ganhadores e perdedores se torna questionável. Pintar o oponente como menos humano é
frequentemente uma técnica do Estado para ter lealdade e aumentar a legitimidade aos olhos
de seus cidadãos, mas esse comportamento na era nuclear pode ser autodestrutivo.

Meninas são socializadas a resolver conflitos de forma mais passiva, desde a infância e
podendo refletir na resolução de conflitos internacionais. O estudo de Gilligan sobre o
comportamento de meninos e meninas no playground demonstra que meninas são menos
prováveis a tolerar altos níveis de conflito, sendo propensas a fazer brincadeiras com turnos,
nas quais o sucesso de uma não depende do fracasso de outra.
Nota-se que diferentemente de Morgenthau, que defende o uso de conceitos com
aplicações universais, as feministas, em sua maioria, tendem a defender a leitura contextual de
casos, tendo em vista o todo e também a conexão de diferentes partes componentes.

Outro posto que vai contra as visões nas quais são baseadas o realismo é o que Harding
chama de visão de mundo africana (African world view). No mundo africano o indivíduo é visto
como parte de uma ordem social, e age dentro dela, não sobre ela. Essa visão tem muito em
comum com a perspectiva feminista, ajudando a pensar de uma perspectiva mais global, a qual
aprecia a diversidade cultural, mas ao mesmo tempo reconhece uma crescente
interdependência que torna anacrônico o pensamento exclusivo baseado no sistema de
Estado-nação. A preocupação com a ecologia, o feminismo e a visão de mundo africana levam
a apreciação do outro como um sujeito cujas visões são tão legítimas quanto as nossas.

Tickner então reformula os seis princípios de Morgenthau de acordo com o feminismo,


de modo a não usar a palavra realismo pois as feministas acreditam que há múltiplas
realidades. Precisa-se reconhecer elementos de cooperação e também de conflito:

I) Uma perspectiva feminista acredita que a objetividade, como é definida


socialmente, é associada com a masculinidade. Portanto, leis supostamente
objetivas sobre a natureza humana são baseadas em uma visão masculina
parcial. A natureza humana é tanto masculina quanto feminina: contém
elementos de reprodução e desenvolvimento social assim como dominação
política;
II) Uma perspectiva feminista acredita que o interesse nacional é
multidimensional e contextualmente contingente. Portanto não pode ser
definido somente em termos de poder. No mundo contemporâneo, o interesse
nacional demanda cooperatividade para uma série de problemas globais que
incluem guerra nuclear, bem-estar econômico e degradação ambiental;
III) O poder não pode ser instituído com um pretexto universalmente válido. O
poder como dominação e controle privilegia a masculinidade e ignora a
possiblidade de empoderamento coletivo, outro aspecto frequentemente
associado a mulheres;
IV) Uma perspectiva feminista rejeita a possiblidade de separar comando moral de
ação política. Todas as ações políticas têm significado moral. A agenda realista
de maximizar a ordem pelo poder e pelo controle prioriza o comando moral da
ordem ao invés da justiça e da satisfação de necessidades básicas necessárias
para garantir a reprodução social;
V) Reconhecendo que as aspirações morais de nações particulares não podem ser
equiparadas com princípios morais universais, uma perspectiva feminista busca
achar elementos morais comuns nas aspirações humanas que podem se tornar
a base para diminuir a intensidade de conflitos internacionais e construir uma
comunidade internacional;
VI) Uma perspectiva feminista nega a validade da autonomia da política. Por a
autonomia ser associada com a masculinidade na cultura ocidental, medidas
disciplinares para construir uma visão de mundo que não se baseie em uma
concepção pluralista da natureza humana, são parciais e masculinas. Delimitar
muitos conceitos políticos já pouco abrangentes.

Você também pode gostar