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A pesquisa-ação existencial e a atitude metodológica da escuta sensível na

percepção do brincar na formação do pedagogo

Fernanda Santos da Cruz [1]

João Pedro Andrade da Silva [2]

Jalmira Linhares Damasceno [3]

RESUMO

Este artigo apresenta uma discussão sobre as relações entre a pesquisa-ação


existencial e a compreensão da cultura lúdica da infância na formação do pedagogo
desenvolvidas no âmbito do projeto “A brinquedoteca e a cultura lúdica da infância
na formação do pedagogo”, vinculado ao Programa de Licenciatura da Universidade
Federal da Paraíba – PROLICEN. O referido projeto vem sendo desenvolvido desde
o ano de 2015 na brinquedoteca, laboratório de ensino do curso de pedagogia
situada no campus III dessa Universidade. Os sujeitos envolvidos no processo foram
oito estudantes do curso que atuavam como bolsistas nesse laboratório, bem como
nos projetos de extensão a ele vinculados até o ano de 2016. A abordagem
metodológica que orienta esse trabalho insere-se no campo da pesquisa-ação
proposta por Barbier (2007), que identifica na atitude metodológica da escuta
sensível, entendida como a empatia e aproximação afetiva entre o pesquisador e o
grupo pesquisado, a formalização fenomenológica da atividade investigativa. Para
consolidação dessa escuta utilizamos como instrumento da investigação, a
observação participante das ações dos estudantes junto as crianças e as atividades
de formação desenvolvidas pelo projeto, a videogravação e a entrevista semi-
estruturada. O aporte teórico da discussão tem como referência as conceitualizações
e reflexões realizadas por Borba (2006) acerca do brincar como experiência de
cultura, os estudos de Friedmann (2015) sobre a relação do tempo e espaço do
brincar na infância, bem como as definições filosóficas de Huizinga (2000) e sócio-
antropológicas de Brougére (2010) sobre a ludicidade e a cultura lúdica. Concluímos
que o escutar/ver como parte essencial da identificação das maneiras de produzir o
brincar na infância vai possibilitando em nossa análise uma percepção mais apurada
do universo brincante dos grupos diferenciados de crianças, bem como a
compreensão que essa produção acontece na relação com os diferentes espaços de
sua materialização.

[1] Graduanda do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal


da Paraíba.
[2] Graduando do curso de Licenciatura em Pedagogia da Universidade Federal
da Paraíba.
[3] Mestre em Educação. Docente do Departamento de Educação do CCHSA –
Universidade Federal da Paraíba.
Palavras-chave: Pesquisa-ação. Escuta sensível, Formação do pedagogo.

1. Desenvolvimento

1.2 Contextualização da experiência: os constituintes da formação

O projeto intitulado A brinquedoteca e a cultura lúdica da infância na


formação do pedagogo foi direcionado para a formação de estudantes do curso de
pedagogia do Campus III da Universidade Federal da Paraíba que atuavam como
bolsistas da brinquedoteca que funciona como laboratório de ensino do referido
curso. Está vinculado ao Programa de Licenciatura da UFPB, (PROLICEN) e vem
sendo desenvolvido no contexto das ações da brinquedoteca desde o ano de 2015.
O objetivo da formação proposta é oferecer subsídios teóricos e metodológicos
necessários a compreensão sobre a cultura lúdica da infância pelo pedagogo, a
partir das relações entre o brinquedo e a brincadeira para a promoção de ações do
brincar no contexto da escola básica.
Seus princípios metodológicos estão inseridos na abordagem da pesquisa-
ação existencial discutida por René Barbier (2007) que propõe a produção de
saberes acerca do cotidiano a partir da empatia entre pesquisador e o cotidiano
pesquisado.
Para esse autor a ação existencial que configura a pesquisa-ação está
exatamente na percepção do fenômeno investigativo na sua totalidade, que só é
possível quando há a ruptura com a compreensão de distanciamento entre o
pesquisador e os grupos pesquisados defendida pelo princípio positivista da
sociologia clássica.
A discussão nesse artigo apresenta um recorte do trabalho de formação
desenvolvido no projeto durante o ano de 2016, que contemplou estudos sobre a
pesquisa-ação existencial proposta por Barbier (2007), especificamente a reflexão
sobre a escuta sensível e suas relações na compreensão das maneiras de brincar
na infância conferindo a brincadeira como necessidade cultural da criança
constituindo-se um dos principais elementos de sua expressão e interferência no
mundo.
Essas relações configuram como objeto de discussão desse artigo
objetivando a análise das percepções construídas acerca das maneiras de brincar
de crianças no espaço escolar e nos momentos de visitas na brinquedoteca 1, pelos
estudantes bolsistas do espaço. Para a construção dos dados utilizamos como
instrumento de pesquisa a observação participante, a vídeogravação e a entrevista
semi-estruturada que possibilitaram uma maior aproximação das percepções do
brincar desses estudantes.
Nesse sentido, a abordagem metodológica que utilizamos para construção de
nossa investigação junto ás ações de formação do projeto, também está inserida na
pesquisa-ação existencial proposta por Barbier (2007) e consiste, no recorte
apresentado, na escuta sensível exercida pela observação das atividades
desenvolvidas pelos bolsistas na brinquedoteca e nas escolas, registro dos
depoimentos no espaço de formação reservado ao grupo de estudo que funcionava
semanalmente e a análise das falas registradas na entrevista semi-estruturada
realizada após o término do processo de formação, especificamente no mês de
janeiro de 2017.
O aporte teórico que contempla a discussão tem como referência as
conceitualizações e reflexões realizadas por Ângela Meyer Borba (2006) acerca do
brincar como experiência de cultura, os estudos de Adriana Friedmann (2015) sobre
a relação do tempo e espaço do brincar na infância, bem como as definições
filosófica de Huizinga (2000) e sócio-antropológica de Brougére (2010) sobre a
ludicidade e a cultura lúdica.
Proporcionar formações voltadas para a cultura lúdica sugere possibilitar aos
estudantes do curso de pedagogia uma reflexão acerca do brincar como linguagem
da infância. Refletir sobre o brincar, nesse sentido mais amplo, é um conteúdo que
possibilita na formação inicial do pedagogo uma percepção da brincadeira como
ação expressiva da sua natureza humana (HUIZINGA, 2000). Compreender essa
cultura lúdica implica numa percepção mais ampla das infâncias e das ações
pedagógicas que envolvem a construção da ação investigativa.

1
A brinquedoteca do Campus III tem como uma de suas atividades o atendimento de
grupos de crianças de escolas públicas da região por de visitas agendadas.
1.2 A pesquisa-ação na formação do pedagogo e sua relação na compreensão
do brincar na infância.

Objetivando a construção de uma concepção mais ampla de pesquisa na


formação inicial do pedagogo, vimos que seria necessário inicialmente realizar
formações específicas sobre a metodologia investigativa que caracteriza a
perspectiva adota nos projetos de extensão desenvolvidos pela Brinquedoteca na
sua relação com a cultura lúdica da infância. A fim de suprir essa necessidade,
passamos a realizar formações fundamentadas na metodologia da pesquisa-ação
existencial na qual, segundo Barbier (2007. p. 65):

Os sujeitos não são mais ratos de laboratórios, mas


pessoas que decidiram compreender ou lutar e não
aceitam ser privados das análises ligadas às informações
transmitidas aos pesquisadores e diretamente saídas de
suas tragédias cotidianas

Uma das características centrais dessa perspectiva de pesquisa é a escuta


sensível. Uma atitude fenomenológica que se baseia principalmente na empatia, que
requer um aguçamento da sensibilidade. Nessa perspectiva de pesquisa O
pesquisador deve saber sentir o universo afetivo, imaginário e cognitivo do outro
para “compreender do interior” as atitudes e os comportamentos, o sistema de
ideias, de valores, de símbolos e de mitos [...]. (BARBIER, 2007, p. 94). Esse
escutar/ver proporciona uma apreensão mais ampla acerca do objeto de
investigação. É o que nos permite identificar, por exemplo, aspectos da cultura
lúdica da criança, não através das nossas impressões, mas das situações por elas
vivenciadas e por nós captadas sem julgamentos, sem um a priori que defina o
vivido, mas a sua própria existência sendo o fenômeno que viabiliza pensar e
descrever aspectos dessa cultura lúdica. O conceito de escuta sensível passou a
mediar nossas reuniões e subsidiar as reflexões acerca das práticas e experiências
que eram vivenciadas nas ações dos bolsistas da brinquedoteca.
Organizamos um roteiro de formação com base nas atividades que eram
realizadas pelos estudantes bolsistas nas suas práticas nas escolas e na própria
brinquedoteca, local no qual acontecem visitas de crianças de escolas de municípios
da região. Vimos que a possibilidade de comparação entre o que já era realizado
por eles e a metodologia que seria estudada poderia resultar numa significação
ampla do que seria pesquisa-ação e como o estudo dessa perspectiva de pesquisa
poderia contribuir com a prática educativa do pedagogo, além de nos oferecer uma
visão mais completa dos resultados das formações e como avaliá-las. As formações
aconteceram semanalmente, constituindo um total de 80 horas fundamentadas pela
leitura do livro "Pesquisa-ação" de René Barbier (2007), a partir do qual foram
discutidos os aspectos metodológicos da pesquisa-ação estabelecendo uma relação
com as experiências vivenciadas pelos estudantes.
A partir das suas observações, intervenções nas escolas e na brinquedoteca,
os estudantes traziam para as formações no grupo de estudos os registros
realizados, identificavam os dados construídos e os analisavam, a luz do suporte
metodológico da formação, fato que possibilitava a compreensão dos conceitos
discutidos na sua relação direta com o fenômeno do brincar manifestado nas ações
das crianças.
O campo de investigação passa a ter mais significado e os aspectos da ação
de pesquisa vão ficando mais claros com a identificação das relações constituídas
pela percepção do brincar e seus modos de ser. O depoimento a seguir nos
possibilitou constatar os aspectos mencionados dessa construção.

O mais importante é como as crianças brincam é como elas brincam


em grupo é qual espaço que elas estão brincando. Essas coisas
assim eu não... porque antes eu não observava não parava pra
observar o modo , o modo de brincar sabe? É isso que eu to
querendo dizer o modo de brincar da criança eu não observava e
agora não eu, eu gosto de observar porque dá pra identificar
algumas coisas qual cultura ela pertence e tal se elas brincam mais
em grupo se elas mais sozinhas outra coisa importante também que
eu comecei a observar é as brincadeira; as vezes elas acontecem,
tão acontecendo ali brincadeiras em grupos em um lugar em outro
lugar daqui a pouco aquelas brincadeiras se juntam e se tornam
outra brincadeira isso ai foi possível também observar depois dos
estudos com relação a cultura lúdica das crianças. (bolsista da
brinquedoteca- entrevista feita em janeiro de 2017).

O depoimento nos permitiu identificar um processo de autodescoberta e de


apropriação do conteúdo da observação uma vez que podemos avaliar a formação
como um processo de reflexão da prática pedagógica, que possibilitou essa tomada
de consciência dos processos que de alguma forma estavam presentes numa ação,
mas que não estavam sendo vivenciados em sua maior complexidade. Outro ponto
importante, é que, como é colocado por Barbier (2007 p.63) embora a pesquisa-
ação existencial seja pouco utilizada no trabalho científico, ela é sem dúvida muito
praticada, mas de maneira não racional e inexplícita, o que nos permite analisar a
fala da entrevistada como a constituição consciente de uma olhar pesquisador na
perspectiva da pesquisa-ação existencial.
Pudemos perceber ainda uma mudança também na forma como os
participantes compreendiam certos conceitos característicos da metodologia de
pesquisa, como por exemplo, a observação. De início, identificamos falas como "não
consegui observar muito porque estava brincando". Aspecto importante que
analisamos, uma vez que o objeto de estudo em questão está relacionado
diretamente com o brincar das crianças. Podemos perceber, nesse sentido, que não
havia uma compreensão ampla do que seria a observação, e partimos para uma
concepção do termo baseado na complexidade dos sujeitos e em sua totalidade,
registrado por Barbier (2007,p.87):

O ser humano é, desse modo, uma totalidade dinâmica,


biológica, psicológica, social, cultural, cósmica,
indissociável. As ciências positivistas só aparentemente
reconhecem esse ponto de vista, já que elas o estudam
como se o objeto de estudo - a pessoa - fosse só uma ou
outra dessas dimensões, constantemente subdivididas
especializando-se cada vez mais.

Isso implica dizer que, no processo de observação dessa perspectiva de


pesquisa-ação, o pesquisador se inclui no meio dos sujeitos e observa-os com base
na consciência de um todo. A criança que brinca, é a criança que responde, a
criança que pensa, a criança que interage, logo, em nossa visão de observadores,
além de indissolúveis do "habitat" dos sujeitos pesquisados, pensamos neles como
pessoas em sua totalidade.
Observar, nesse contexto, é participar ativamente daquele grupo, é sentir-se
parte dele e partilhar da situação para compreendê-la. As discussões ao longo do
desenvolvimento dos estudos sobre os aspectos da investigação existencial e a
cultura lúdica da infância foram proporcionando aos bolsistas da brinquedoteca uma
percepção sobre a brincadeira e as relações que as crianças estabelecem com essa
atividade mais complexa, passando a compreender o brincar não apenas pelo viés
dos aspectos pedagógicos relacionados à aprendizagem, mas pela sua natureza
cultural relacionada a própria compreensão do mundo pela criança.
Nesse sentido, o conteúdo das discussões metodológicas proporcionaram a
necessidade de um aprofundamento sobre as relações entre natureza e cultura para
que o exercício da escuta sensível pudesse captar o movimento do brincar na
infância como parte integrante de culturas lúdicas que diferenciam o uso dos
brinquedos e permitem a criação da brincadeira.

1.3 O escutar/ver da cultura lúdica da infância

As discussões sobre a relação de produção do brincar das crianças que


formulam suas maneiras de materialização partiu da análise de episódios do
documentário Território do Brincar dirigido por Renata Meireles (2013). Além das
discussões sobre os episódios que funcionaram como introdução para o tema
natureza e cultura, foram realizadas rodas de brincadeira que viabilizaram uma
experimentação do brincar caracterizada pela troca de experiências brincantes entre
os participantes. Os sujeitos iam encontrando-se nas cenas de crianças brincando
em espaços que para alguns expressavam o lugar do brincar e da brincadeira de
sua infância, como por exemplo, as brincadeiras realizadas nos quintais.

No sertão eu já vi essa brincadeira de pegar galinha no galinheiro.


Os meninos corriam sim atrás das galinhas no galinheiro. Eu não
corria. Gostava era de brincar de fazer panelinhas com a areia
barrenta. (Depoimento bolsista da brinquedoteca- Reunião do grupo
de estudo- junho de 2016)

O encontro corporal com a brincadeira por meio dessa memória vai


significando, na perspectiva do exercício de aprendizagem da escuta sensível, o
sentido do brincar e sua formulação a partir das relações com o universo de cultura
de cada grupo de criança. A escuta nesse momento envolve a percepção da cultura
brincante da cada um e sua relação com a cultura brincante do outro.
Para construir um processo de aprofundamento sobre a relação entre
natureza e cultura no brincar trabalhamos no grupo de estudos a partir da leitura do
texto “A brincadeira como experiência de cultura”, de Angela Meyer Borba (2006).
No primeiro momento, houve a necessidade de conceituar e refletir sobre o que
seriam natureza e cultura para que assim pudéssemos fazer a relação desses
elementos com a ludicidade na infância.
A partir dessa conceitualização, passamos a discutir em grupo algumas
questões norteadoras, sobre o que seria a brincadeira e por que as crianças
brincam. Uma das primeiras questões abordadas por um estudante foi que algumas
pessoas acreditam que o brincar é uma necessidade puramente biológica da
criança, questão esta que norteou o início das nossas reflexões.
A natureza corresponde a um mundo físico, pode ser conceitualizada como
tudo aquilo que não foi produzido pelo homem; já a cultura está relacionada ao
universo simbólico, é [...] a ruptura da adesão imediata a natureza (CHAUÍ, 2008. p.
56), é o que caracteriza a ordem humana, a capacidade de pensar sobre o universo
natural para assim modificá-lo, transformá-lo. No brincar, se estabelece uma relação
entre natureza e cultura, a ação brincante não é uma necessidade biológica da
criança, mas sim uma necessidade cultural, nesse sentido surge a partir de uma
determinação da sua existência em se expressar, conhecer e interferir no mundo.
Segundo Borba (2006, p.46) O brincar é, portanto, experiência de cultura,
através da qual valores, habilidades, conhecimentos e formas de participação social
são constituídos e reinventados pela ação coletiva das crianças. A criança não só
reproduz aspectos da sua cultura, ela também a produz, busca referências no que
manifesta-se como atributos de suas relações culturais. Constrói novos sentidos e
significados, criando regras e atribuindo novos valores.
Com base nessa perspectiva e compreendendo o brincar como uma
dimensão cultural da infância passamos para a conceitualização de um importante
ponto dessa discussão, a cultura lúdica, compreendida como aquilo que torna o jogo
possível, referenciada por Brougére (2010,p.56):

A cultura lúdica está imersa na cultura geral à qual a


criança pertence. Ela retira elementos do repertório de
imagens que representa a sociedade no seu conjunto; é
preciso que se pense na importância da imitação na
brincadeira.

Essa reflexão nos faz pensar a cultura lúdica como parte da cultura da
infância, que reúne aspectos da cultura geral de seus pares, de seu universo de
existência. Suas percepções transformam a função dos objetos e dos seres vivos
que constitui o seu espaço de natureza. Seu habitat natural de produção de cultura.
Esses aspectos são constatados pelos estudantes bolsistas a partir das relações
que eles passam a estabelecer com a produção do brincar das crianças observado
no contexto escolar. O depoimento abaixo registra essas percepções.

A brincadeira na escola, nessa escola que estamos trabalhando com


o projeto, tem muito as temáticas de animais. Por exemplo: a
brincadeira do pega o burro ou come o burro. Eles corriam uns atrás
dos outros e quando um dos participantes era pego, eles gritavam:
come o burro! (Depoimento de um estudante em uma reunião de
estudo no mês de julho de2016)

O conteúdo das discussões vai possibilitando a compreensão das relações


que são construídas pelas crianças na brincadeira. Relações de criação e expressão
simbólica que envolve uma produção imaginária na materialização do brinquedo a
ser utilizado na ação brincante. O burro mencionado no exemplo acima constitui
esse universo de expressão simbólica. Na cena observada, o brinquedo é
corporalmente materializado nas próprias crianças a partir do jogo que envolve a
brincadeira. Huizinga (2010, p. 17) ao discutir sobre a imaginação e a ressignificação
das coisas do mundo pela criança menciona que:

A criança representa alguma coisa diferente, ou mais


bela, ou mais nobre, ou mais perigosa do que
habitualmente é. Finge ser um príncipe, um papai, uma
bruxa malvada ou um tigre. A criança fica literalmente
transportada de prazer, superando-se a si mesma a tal
ponto de quase chegar a acreditar que realmente é esta
ou aquela coisa, sem, contudo perder inteiramente o
sentido da realidade habitual. Mais do que uma realidade
falsa, sua representação é a realização de uma aparência:
é imaginação, no sentido original do termo.

Situando a brincadeira como necessidade cultural relacionada às relações de


imaginação que a criança expressa, Em suas discussões os estudantes passam a
pontuar com mais precisão as relações do brincar das crianças no contexto da
brinquedoteca. Eles passam a mencionar aspectos das observações por eles
realizadas durante as visitas identificando esses aspectos como constatações
construídas acerca do comportamento brincante das crianças que os permitiram
perceber que fato, para as crianças o brincar constitui-se como uma necessidade
que envolve a ação de explorar, descobrir, inventar.
Os bolsistas estabelecem
essa relação relatando que algumas
crianças chegam ao espaço e rapidamente querem experimentar tudo, explorar
todos os materiais de uma só vez.
A necessidade de explorar, manipular, reconstituir as formas entre outras
ações ficam mais evidenciadas devido o próprio estímulo que o lugar propicia,
relacionado à disposição dos brinquedos e organização dos espaços, bem como a
forma que o trabalho é mediado. As imagens abaixo são registros construídos pelos
estudantes no momento das observações.

Figuras 01 e 02 – crianças brincando no salão de faz –de-conta da brinquedoteca.


Acervo da instituição.

As imagens expressam aspectos que identificamos como da natureza


brincante que habita as infâncias. As crianças percorrem os espaços e buscam
seus brinquedos. As caixas onde estão guardados os objetos coloridos são
verdadeiros recipientes de possibilidades. Explorar esses objetos faz parte do jogo.
Identificar e perceber as expressividades desse jogo é analisar as especificidades do
brincar e suas manifestações. Quando questionados sobre a contribuição das
discussões acerca da pesquisa-ação existencial na formação para a atuação com as
crianças os depoentes revelam aspectos bem específicos referentes a relação da
criança e o adulto na ação do brincar e as relações que precisam ser estabelecidas
para que o brincar na infância seja compreendido.

Contribuíram bastante pra minha prática docente como... tanto para


minha formação né. Como a gente sabe muitos dos meus colegas
não conseguem identificar esses aspectos e também como contribui
para a minha ação extensionistas. Porque quando eu fui na escola a
primeira vez antes de ter esse estudo eu não conseguia ter essa
visão para o brincar, eu não conseguia entender porque os adultos
tem que brincar com a criança, não sabia muito menos que a criança
brincava por uma necessidade cultural né, que ela brincava pra se
inserir no mundo. A criança brinca porque ela tem uma cultura lúdica
então os estudos me proporcionaram isso, o estudo sobre a cultura
lúdica e a escuta sensível mais ainda que eu aprendi que eu tenho
que me colocar no lugar do outro né, da observação participante e
tudo mais. (bolsista da brinquedoteca- entrevista feita em janeiro de
2017).

Estabelecendo um intercruzamento entre os depoimentos das entrevistas e as


imagens gravadas que os estudantes produziram nos momentos de observação é
possível identificar como esses indivíduos realizaram a escuta dos lugares e das
crianças. Suas percepções sobre a forma de brincar que diferencia-se a cada
espaço explorado da brinquedoteca constituída atualmente por seis ambientes: O
salão de faz-de-conta, a sala do supermercado, a sala de brinquedo, o ateliê, a
oficina de brinquedo e o gramado, viabilizou na nossa análise, a compreensão das
percepções sobre os modos do brincar das crianças em ambientes diversificados.
Entre essas percepções destacamos nessa análise, as identificações que os
estudantes fazem nas suas apresentações nos momentos de formação, da
diferenciação entre o brincar na brinquedoteca e o brincar produzido na escola
observada.
Em uma das descrições de uma sessão de vídeogravação realizada no
momento do recreio de uma escola no município de Borborema, um estudante
registra, após a discussão sobre o sentido da escuta sensível para a compreensão
da cultura lúdica da infância, a seguinte descrição do fenômeno brincante quando
apresenta para o grupo o registro das imagens:

Se vocês observarem as crianças correm sem se machucar. Não há


barruada nenhuma. Elas correm nesse espaço minúsculos sem se
baterem. Elas vão tipo que se adaptando ao lugar. Mas elas não
deixam de brincar. Criam movimentos... assim com as mãos. Imitam
carros, estão vendo? Estão vendo?.E ficam com os braços
expremidos quando ficam correndo. Eu antes dizia ...se eu visse
assim antes... eu dizia que não havia nenhuma brincadeira porque
não tinha brinquedo. O brinquedo que eu pensava antes que tinha
que está ali...O objeto assim... E quando eu fui parar ver na escola,
agora estou entendo que eles brincam de forma diferente. Se eu não
fosse observar eu não sei como entenderia. (DEPOIMENTO
REGISTRADO EM UMA REUNIÃO DE FORMAÇÃO NO MÊS DE
JULHO-2016)
O escutar/ver como parte essencial da identificação das maneiras de produzir
o brincar na infância, vai possibilitando em nossa análise, uma percepção mais
apurada do universo brincante dos grupos diferenciados de crianças, bem como de
como essa produção acontece na relação com os espaços de materialização dessa
produção. O princípio da investigação na pesquisa-ação existencial viabiliza na ação
da escuta sensível uma descrição do fenômeno do brincar em seu aspecto real de
existência, fato que possibilita afirmarmos que a criança cria a condição material
concreta de manifestação da ação brincante, mesmo que a priori essa condição não
esteja posta explicitamente. Consideramos que reconhecer e identificar esses
aspectos na percepção do brincar é um constituinte importante na formação do
pedagogo para a compreensão da cultura lúdica da infância.

CONCLUSÃO

O estudo da pesquisa-ação existencial no contexto da formação mediada pelo


projeto formalizou um contexto amplo de possibilidades para a discussão da cultura
lúdica na região. Podemos concluir que as ações realizadas serviram não só como
subsídio teórico-metodológico para a formação dos estudantes envolvidos, mas,
como um processo interno de reflexão acerca da infância como um todo.
A percepção das maneiras de brincar e a identificação de suas manifestações
a partir dos espaços diferenciados que caracterizavam a sua produção cultural foi
uma construção importante no contexto formativo, viabilizando a produção da atitude
de escuta do outro e especificamente a escuta de sua experiência cultural que
viabiliza, na especificidade dos estudos sobre a cultura lúdica da infância, a
identificação das diferentes brincadeiras, uso e invenção do brinquedo.
Os dados que construímos referentes a relação do brincar das crianças na
escola e na brinquedoteca partindo das observações realizadas e a escuta sobre as
impressões dos bolsistas nos possibilitaram compreender que na formação do
pedagogo a experiência de pesquisa é um fator de extrema necessidade para que
esse profissional identifique no fazer pedagógico as nuanças de produção teórica e
metodológica de suas intervenções. Na especificidade do brincar na infância, essas
nuanças passam pelo entendimento de como as crianças produzem a sua cultura
lúdica e como essa expressão pode estar presente nos diferentes ambientes
educativos direcionados ao atendimento infantil.

REFERÊNCIAS

BARBIER, René. A pesquisa-ação. Brasília: LiberLiver Editora, 2007.

BORBA, Angela Meyer. A brincadeira como experiência de cultura. In: BRASIL,


Ministério da Educação. Secretaria de Educação a Distância. O cotidiano na
educação infantil. Brasília: Boletim 23, novembro de 2006. p. 46-54.

BROUGÈRE, Gilles. Brinquedo e Cultura. São Paulo. Cortez, 2010.

CHAUÍ, Marilena. Cultura e democracia. In: Crítica y emancipación: Revista


latinoamericana de Ciências Sociales. Año1, no. 1 (jun.2008). Buenos Aires:
CLACSO, 2008. Disponível em:
http://bibliotecavirtual,clacso.org.ar/ar/libros/secret/CyE/cye3S2a.pdf

FRIEDMANN, Adriana. O olhar antropológico por dentro da infância. In:


MEIRELLES, Renata (org.). Território do brincar: diálogo com escolas. São Paulo:
Instituto Alana, 2015.

HUIZINGA, Johan. HomosLuden. São Paulo – SP: Editora Perspectiva S.A., 2000.

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