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"O Camponês Polonês n o Brasil", de


B uy Wachowicz ê obra referencial da
m aior im portância para a compreensão RU Y CHRISTOVAM WACHOWICZ
de Curitiba e do Paraná, dada a grande Professor — Titular do Departamento de História
contribuição da etnia na construção da da Universidade Federal do Paraná
nossa sociedade contemporânea.
A grande maioria dos poloneses do nosso
Estado era de agricultores Há mais de
cem anos eles semearam nossos campos
Desde então vêm colhendo os fru to s da
terra.
N em sempre a imigração tem as caracte­
rísticas douradas e bem sucedidas das
pastas oficiais Este livro mostra q u e a
imigração teve percalços E não fora m
p ou cos
Sublinha a fê que evitou o fracasso de
toda a experiência im igratória
A nossa Canaã estava um p o u co longe da
bíblica promessa de "um a terra farta
onde correrá leite e m el".
Tinha lama caminhos tortu osos bugres
antigos donos da terra, e doenças e
absoluta ausência de infra-estrutura
Fonte primária de boa parte da pesquisa
desenvolvida pelo professor Wachowicz
ê livro raro, publicado em Varsóvia no
entre-guerras em 1937, resultado da
coleta de depoim entos dos imigrantes
efetivada por concurso
para a Am érica Latina sobre a experiên­
cia da terra nova L iv ro preservado pelos
internacional
0 Camponês Polonês no Brasil
pais d o pesquisador e que conseguiu
chegar a tt Curitiba — pelos correios -
ainda antes do in ic io da II Guerra
M undial e da tragédia d o p ovo p olon ê s
Outra fo n te d o trabalho são as cartas,
originais dos imigrantes recém-chegados
ao Brasil para seus amigos e parentes na
Polônia. Os remanescentes desta corres­
pondência fora m publicados na Polônia.
Vale p orta n to frisar que a história se faz
do tecido das diversas fibras da mem ória
/'o m u m Desde que devidamente valori­
zadas e preservadas.
j"ã o i outra a intenção da Casa R om ário
Mzrsins na sua linha e d ito ria l R eforça r
c f- upação dos espaços culturais exis-
es ’'o m ae lições da história. O ferecer
'' ■Juiscrloret e ao p ú b lico interes-
Curitiba
lr j\ co m o esta: voltadas ao
■ >/ m in to das nossas raizes, à
’e. io d a nossa terra.
198 1

Rafael Greca de Macedo


Curitiba, 1981
3
"0 Camponês Polonês no Brasil”, de
R uy Wachowlcz ê obra referencial da
RU Y CHRISTOVAM WACHOWICZ
maior importância para a compreensão
de Curitiba e do Paraná, dada a grande Professor — Titular do Departamento de História
contribuição da etnia na construção da da Universidade Federal do Paraná
nossa sociedade contemporânea.
A grande maioria dos poloneses do nosso
Estado era de agricultores. Há mais de
cem anos eles semearam nossos ca m p o i
Desde então vêm colhendo os fru to s da
terra.
N em sempre a imigração tem as caracte­
rísticas douradas e bem sucedidas das
pastas oficiais. Este livro mostra que a
imigração teve percalços E não fora m
pou cos
Sublinha a fê que evitou o fracasso de
toda a experiência im igratória
A nossa Canaã estava um p ou co longe da
bíblica promessa de "um a terra farta
onde correrá leite e m el".
Tinha lama, caminhos tortu osos bugres,
antigos donos da terra, e doenças e
absoluta ausência de infra-estrutura
Fonte primária de boa parte da pesquisa
desenvolvida pelo professor Wachowicz
ê livro raro, pubticado em Varsóvia, no
entre-guerras em 1937, resultado da
coleta de depoim entos dos imigrantes
efetivada por concurso
para a A mêrica Latina sobre a experiên­
internacional
0 Camponês Polonês no Brasil
cia da terra nova L iv ro preservado pelos
pais do pesquisador e que conseguiu
chegar atê Curitiba - pelos correios -
ainda antes do in ic io da II Guerra
Mundial e da tragédia d o p ovo p olon ê s
Outra fon te do trabalho são as cartas,
originais dos m igrantes recém-chegados
ao Brasil para seus amigos e parentes na
Polônia. Os remanescentes desta corres­
pondência fora m publicados na P o lô n ia
Vale porin-íta frisar que a história se faz
i-c "v. . -c a.- ,'rstis fibras da m em ória
‘ ” r ?ue devidamente valori-

■'-cão da Cata R om ário


i editorial R eforça r
~s culturais exis-
isiòria. O ferecer
vltblico interes- Curitiba
’ voltadas ao
■usas raizes, à 198 1
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s-.u: '^ -jca de Macedo


Curitiba, 1981 3
APRESENTAÇÃO
Já se disse, neste recente e dinâmico processo de renovação conceituai e meto-
lógica da Historia, que estudar o passado só faz sentido quando ele está vivo, pre­
FICHA CATALOGRÁFICA sente entre nós. E por outro lado, que o estudo fático, como um fim, somente
leva a conhecimento de detalhes, e que portanto é preciso servir-se dele apenas
como ponto de referência dentro de contextos mais amplos e mais profundamente
significativos, de conjunturas e estruturas.
325.243808162 Wachowicz, Ruy Christovam, 1939 — O cam- Eis que estamos diante de uma obra que está incluída dentro de uma nova
visão de História. E ainda, resultado amadurecido de uma pesquisa encetada com
W113 ponês polonês no Brasil. todo rigor científico durante longos anos, fundamentada em ampla e valiosissima
Curitiba, Fundação Cultural, Casa Romário documentação original e inédita.
Não diria que coroa um trabalho de vida, pois isto podería lembrar carreira,
Martins, 1981.
a produção de Ruy Christovam Wachowicz é grande e muita coisa ainda está
152 p. por vir, mas diria que com "O camponês polonês no Brasil” o autor poderia dar
por cumprida muito bem uma importante etapa que se propôs desde seus primei­
ros passos como historiador, ou seja, compreender e fazer compreender o imigrante
polonês, em especial no Paraná. E a partir de uma perspectiva científica.
1. Paraná — Emigração e imigração. Assim é que se nota uma linha mestra continua, subjacente ao longo do tra­
balho, e mesmo quando o autor se serve da narração de casos não se pode e nem
2. Poloneses no Paraná. I. Título. se consegue perder de vista, acompanhando perfeitamente suas intenções, que o
que se busca são as permanências.
Compreender o polonês no Brasil exige compreender não somente o processo
de instalação do imigrante e sua luta pela nova vida, mas ainda as transforma­
ções vividas pelos seus descendentes, e mais, exige conhecer quem eram e sob
que condições viviam os poloneses em suas regiões de origem, partilhadas entre
potências estrangeiras.
Dos "kom orniki” e “chalupniki” das aldeias polonesas da Silésia ou da G a-
lícia aos colonos poloneses que na “Bryczka” chegavam para a missa em uma
capela dos arredores de Curitiba, do interior do Paraná ou de outro pedaço de
Brasil, há um longo caminho de lutas e de transformações que aqui é admiravel­
mente traçado e explicado por Ruy Christovam Wachowicz.
Apoiado por bibliografia original, o autor delineia o quadro de origem, de onde
partiram os poloneses para o Brasil, a começar pela apreciação da conjuntura
internacional, ou seja, a situação da Europa e a situação da Polônia na Europa
do Século X I X ; e para isto nos dá, condensadamente, uma visão interessante a
partir de ângulos pouco conhecidos nos estudos de históna contemporânea.
A descrição da vida do polonês sob bandeiras estranhas, da Rússia, Alemanha
CAPA — Carroças. Elemento cultural característico de imigração polonesa ou Áustria, destaca ainda uma vez a tenacidade desse povo na conservação de sua
individualidade, de sua originalidade.
no Brasil. A da frente é puxada por três cavalos devido ao “estado pesado”
da estrada. Atrás, carroça com toldo, para proteger-se da chuva. Foto de Constitui o cerne deste trabalho o estudo que começa com a apresentação do
camponês polonês do século X I X em sua terra, e das condições sob as quais foi
1931, entre São João do Triunfo e Água Branca (Paraná). iniciado o processo migratório. A grande aventura na busca de um destino liber-

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bertador em terras americanas começava pela decisão que se imagina difícil para
um camponês, a de deixar sua terra; o camponês, secularmente apegado ao chão
que cultiva; e que continuava com as incertezas trazidas por verdadeiras peripé­
cias em que um aldeão se via envolvido para conseguir viajar, e depois para
atravessar aquele interminável oceano, e finalmente aqui chegar, ante a mata que
deveria derrubar para fazer aquilo que seria seu.
" Uma gleba de terras de sua propriedade, coberta de matas à sua disposição
para sulcar-lhe o solo com o arado, era seu objetivo e seu sonho".
E começava então um longo processo de transformação das "terras incultas em
celeiros do Estado", e também de transformação do próprio imigrante bem como
da sociedade que o recebia. Esperanças, desencantos, dificuldades reciprocas, pro­
Í NDI CE
blemas, falácias e estereótipos, tudo se mistura com receptividade, denodo, tra­
balho, determinação, realizações, fazendo do polonês um "tip o peculiar" do Pa­
raná, caracterizador da imigração européia; a "carroça polaca" que passa sob o Apresentação ........................................................................ 5
pinheiro parece ser a marca inconfundível do Paraná.
Introdução ............................................................................ 9
Em toda a extensão desse trajeto, o catolicismo e a polonidade tão intim a­
mente ligados, se evidenciam como definição fundamental das estruturas mentais,
como definição de toda uma cultura, como elemento essencial para se compreen­ CAPÍTULO I
der o polonês de qualquer época, da Polônia ou do Brasil.
Ao término da leitura deste livro — destinado a satisfazer tanto o especialista
O campesinato polonês no séculoX I X ................................ 17
quanto o grande público — tenho certeza de que todos perceberão, concretamente,
a importância do trabalho histórico para a comunidade. CAPÍTULO II
Conjuntura emigratória ....................................................... 36
CAPÍTULO I I I
JA YM E A N T O N IO CARDOSO
Departamento de História da O espectro da proletarização ................................................ 58
Universidade Federal do Paraná
CAPÍTULO IV
Da aldeia à colônia ................................................................ 67
CAPÍTULO V
Estrutura econômica e social da comunidade de adoção . . . 85
CAPÍTULO V I
A “ fé polonesa” ..................................................................... 93
CAPÍTULO V II
A “ paróquia polonesa” .......................................................... 106
CAPÍTULO X I I I
Estruturas ocupacionais ....................................................... 114
CAPÍTULO IX
Falácias e estereótipos .......................................................... 127
CAPÍTULO X
Fixação e integração na sociedade deadoção ..................... 134
Conclusão .............................................................................. 139
Bibliografia ............................................................................ 144
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INTRODUÇÃO

O presente estudo é uma tentativa de esclarecer algumas das


características que contribuíram para a formação dos padrões de
comportamento emergentes no imigrante polonês no Brasil, espe­
cialmente no Paraná, padrões estes manifestados desde que os pri­
meiros camponeses poloneses aportaram ao Brasil, até a época em
que foi instalado o consulado polonês em Curitiba, em 1920, por
efeito da restauração da Polônia como nação livre e soberana, após
a Primeira Guerra Mundial.
Os elementos básicos considerados foram caracterização
da população camponesa que emigrou, o meio que o imigrante
encontrou no Brasil e sua integração na sociedade de adoção.
Já na Idade Média, a Europa feudal dividia-se em dois gran­
des blocos político-administrativos. O primeiro, um grupo de mo­
narquias, constituindo Estados territoriais formadores do núcleo
básico do feudalismo europeu, compreendendo o papado, a França,
a Inglaterra e o Sto. Império. As demais potências teriam entrado
mais tardiamente na comunidade feudal e seus papéis político-
militares seriam de menor importância do que as quatro ditas
monarquias fundamentais formadoras do centro físico da Europa
feudal católica, não deixando entretanto de enriquecer a civiliza­
ção com suas contribuições originais. Estas potências secundárias,
localizadas na periferia do núcleo central, seriam os reinos ibéri­
cos, escandinavos, o reino siciliano e os países localizados a leste
do Sto. Império, i.é., na Europa oriental: Hungria, Boêmia-Morá-
via e a Polônia.
Dentro desta divisão, localiza-se a nação polonesa na periferia
oriental dos grandes centros decisórios da Europa ocidental, o que
lhe aufere uma situação geo-política típica de marginalização. Fa­
tores históricos tornaram esta nação a fronteira oriental do oci­
dente. Tem esta nação desempenhado durante vários séculos papel
ativo e fundamental nos destinos da Europa, embora, nos últimos
três séculos, deixasse de exercer influência política acentuada, por
ter desaparecido, nos fins do século X V III, como nação livre e
soberana.
No início do século X IX , a Europa continuava grosso modo
dividida em dois sistemas de organização econômica e social,

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baseada ainda nos mesmos blocos constatados na Idade Média. As
a perda da independência do país. A Áustria o fez na Galícia, após
diferenças entre esses dois blocos não eram somente político-mili-
os movimentos revolucionários de 1846 e 1848. Nos territórios
tares, mas abrangiam níveis de desenvolvimento, bem como con­
prussianos, a mesma foi abolida gradualmente até meados do sé­
cepções de vida. Não estavam separados apenas por diferenças
culo X IX , enquanto no Reino da Polônia (parte russa) o foi em
culturais, mas por diferenças de estágios de desenvolvimento
1864, após o movimento revolucionário de 1863.
econômico. A primeira era uma Europa nova, próspera e em cons­
tante desenvolvimento, a segunda era arcaica, muito estática, Desta forma, os imigrantes poloneses, aportados ao Brasil,
quase imóvel, controlada ainda por forças emergentes da Idade ,ú provinham de uma socidade que havia passado há pouco tempo
Média. ^ pela desagregação da economia agrária, baseada na servidão, e
que estava em pleno processo de adaptação à economia de con­
Nela encontramos trágicos contrastes, como p. ex., a França corrência capitalista.
e Inglaterra de um lado e as populações estáticas e feudalizadas
Foi este camponês, que viveu o regime senhorial no limitado
da Europa centro-oriental, onde se situa a Polônia. Nesta Europa
mundo de sua aldeia ou de sua região, ou o filho do mesmo, que
arcaica, encontramos populações fundamentalmente camponesas,1
emigrou para o Brasil, não suportando as campanhas sistemáticas
isoladas ainda no seu habitat. Conservadoras ao extremo, resis­
que os governos estrangeiros realizavam para tirar-lhe a proprie­
tem às mudanças. Nos territórios poloneses, esta situação tende
dade da terra, as perseguições contra sua própria língua e cultu­
a perdurar por mais tempo, com a perda da independência polí­
ra e o' sistema agrário caótico. Esses fatores facilitaram a emigra­
tica nos fins do século X V III. As potências ocupantes de seu ter­
ção orientada para o Brasil, sobretudo daqueles camponeses que
ritório — Prússia, Áustria e Rússia — tendem, por razões de Es­
tinham fom e de terras.
tado, a manter sua população no mesmo nível intelectual e econô­
mico. As nacionalidades européias submetidas tendem a se con­ Os países que, no século X IX , faziam parte da Europa arcai­
servar por mais tempo como integrantes da Europa arcaica, atra­ ca, não eram mais nacionalistas do que aqueles que pertenciam à
sada e de base agrícola. Entre a velha Europa ainda senhorial e a Europa industrial e desenvolvida. Porém, especificamente no caso
nova urbanizada e industrializante, existem séculos de evolução polonês, ocorre um fenômeno típico. A ocupação por três potên­
diferenciada. No início do século X IX , ainda são nítidas as duas cias vizinhas proporcionou o surgimento, em sua população, de
um espírito nacionalista diferente do de outros países europeus.
Europas: elas não são contemporâneas, quanto ao grau de desen­
volvimento. ^ Pelo fato de seus territórios e populações serem tratados como
regiões e populações de ocupação, o patriotismo polonês, funda­
O regime senhorial polonês é abordado neste trabalho como mentado e alicerçado na sua polonidade, adquire uma conotação
um regime caracterizado por uma economia agrária, vigorante na que caracteriza os nacionalismos dos países atrasados e arcaicos.
Polônia numa época de pleno domínio da economia de mercado. Ele está repleto de desconfianças contínuas para com os estran­
Com efeito, ao lado das funções geo-políticas e históricas desem­ geiros que têm interesses na Polônia, é fechado, quase impenetrá­
penhadas pela Polônia, sua evolução social, econômica e política vel, dominado por sentimentos e ressentimentos. Aqueles que o
era como que às avessas da ocorrida na Europa ocidental. O feu­ possuem manifestam dificuldades em aceitar a premissa de que os
dalismo, que estava abalado no ocidente, persistia na Polônia sob contactos com países mais desenvolvidos e mais poderosos pos­
forma de um acentuado regime senhorial. Nos séculos X V I I e sam apresentar em seu relacionamento outro tipo de interesse
X V III, a classe camponesa, as diversas modalidades de artesãos e por parte do mais forte, além do desejo de exploração e domínio,
mesmo os indivíduos urbanos dos pequenos e médios núcleos, de­ i.é ., de humilhação da parte do mais fraco. O objetivo prim or­
pendiam do nobre da região. Este regime, vigorante na Polônia dial desse nacionalismo é, antes de tudo, a afirmação de sua exis­
numa época de pleno domínio do mercantilismo ocidental, influía tência e do principio de sua independência.
desfavoravelmente sobre o sistema agrário vigorante no país, no
O nacionalismo polonês significa pois, neste trabalho, o con­
sentido da opressão da pleble pela nobreza. A Polônia, em plena era
junto de sentimentos patrióticos mais ligados a um amor próprio
mercantilista, era o paraíso da nobreza mas por isso não deixava
de povo ferido e humilhado, do que referente à defesa de interes­
e ser o infemus rusticorum. Este regime foi abolido somente após
ses nacionais propriamente ditos.
A inteligentzia da nação temia a emigração para a América,
'Neste trabalho não se entende por camponês o homem ainda ser
ligado à gleba ou a um senhor. O camponês já é consumidor e direta ou mesmo a migração sazonal. Esta última, p.ex., era criticada
indiretamente já está ligado à cidade. Já deixou de ser um rústico. r®- pelas elites culturais, pois colocava o camponês em contacto com
servil.
de propriedade e o dinheiro estão tomando o lugar da antiga resignaç grupos de cultura alienígena, o que só poderia contribuir para o
enfraquecimento da cultura nacional. Esse tipo de nacionalismo
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11
não via o futuro com confiança e alegria mas conturbado, devido não só pelos luso-brasileiros, mas pelos componentes de outras
às experiências e ressentimentos do passado. O imperialista ocu­ nacionalidades também aqui aportadas, sobretudo os alemães e
pante já conseguia asfixiar a vida política da nação e dominar a italianos. Nesta fase de transição do Brasil arcaico para o novo,
economia, temendo-se agora pelo domínio cultural, único elo que i.é., na sua urbanização, evidenciou-se a menor adaptabilidade do
ainda restava para impedir a despersonalização da nação. imigrante polonês. O conceito que o meio de adoção formulou do
imigrante polonês, partiu desse quadro urbano que lentamente
Foi dessa Europa arcaica e atrasada, que partiram os emigran­
impôs sua avaliação sobre o rural. Como a cidade acaba se im­
tes camponeses em direção às terras brasileiras. Estes imigrantes
pondo sobre o campo na região do Paraná tradicional, é sua a
carregavam consigo ressentimentos e estereótipos de sua terra de
ideologia racial que predominará na região. As conotações nega­
origem, os quais inevitavelmente vinham a manifestar-se na ter­
tivas e positivas atribuídas ao polonês serão portanto elaboradas
ra de adoção, sobretudo quando lá encontravam as mesmas na­
pelo melting pot curitibano.
cionalidades, cujos governos os oprimiam em sua terra natal.
O camponês polonês foi localizado no Brasil em terras devo-
No Brasil, esse nacionalismo polonês, chamado especificamente de
lutas, ou nas terras vendidas pelos grandes proprietários luso-bra-
polonidade, entrou em conflito com um nacionalismo crioulo, fun­
sileiros. Seu regime de propriedade é o homestead, como o deno­
damentado aliás em bases análogas ao do polonês. N a oportuni­
minam os norte-americanos. A classe dos pequenos proprietários
dade em que o polonês ofereceu, no Brasil e mais especificamente
sobrevive, propiciando na região o surgimento de uma numerosa
no Paraná, sérias restrições aos desígnios das elites luso-brasilei- classe média agrícola, composta fundamentalmente pelos descen­
ras, estas manifestavam um nacionalismo brasileiro que poderia­ dentes de poloneses que repelem o latifúndio. Nas regiões de colo­
mos chamar de brasilidade, o qual manifestava-se nos moldes se­ nização polonesa, é o latifúndio que se extingue e o homestead sai
melhantes ao da polonidade: necessitado de afirmação típica das vitorioso. Entretanto, esta classe média agrícola, quando posterior­
sociedades atrasadas e arcaicas. Singularmente, na imigração po­ mente muitos de seus membros abandonam o campo e dirigem-se
lonesa, os primeiros a manifestarem essa brasilidade, são os que à cidade, proletariza-se de preferência, e tem dificuldades em des­
faziam parte do clero luso-brasileiro. É nesse campo eclesiástico vincular-se de seus padrões de comportamento arcaicos, não com­
que os poloneses inicialmente manifestaram forte ameaça e con­ patíveis com a vida urbana desenvolvida. O polonês ou seu descen­
corrência para com as camadas dirigentes do país de adoção. dente, já estabelecido na cidade e fazsndo parte das classes médias
No Brasil, os imigrantes poloneses encontraram também, pre­ ou superiores, vai envergonhar-se do comportamento de seus pa­
dominando na sociedade, as formas arcaicas de vida. O Brasil novo trícios proletários. O fato de dedicarem-se os imigrantes poloneses
apenas iniciava sua emergência, as formas arcaicas ainda predo­ predominantemente à agricultura de subsistência, atividade esta
minavam. As populações agrícolas locais, constituídas de escravos, considerada não essencial e mesmo algo depreciativa desde os tem­
ibertos e caboclos, eram bem diferentes das populações agrícolas pos coloniais, vai também levar os elementos de origem polonesa
européias. A população polonesa aportada ao Brasil, maciçamente emergentes na sociedade brasileira, a manifestarem reticências
camponesa, não poderia ser equiparada a estas populações agrí- quanto à origem polonesa, o que equivalia a admitir a procedência
mr.vL Poloneses, apesar de seu atraso com relação aos das mais baixas camadas sociais.
_ a ^ u^°Pa ocidental, sentiram sua superioridade técnica, Apesar de manifestarem-se excelentes agricultores para os pa­
atrrípnioc sa^síez em seu orgulho. Onde quer que as populações drões brasileiros de então e de demonstrarem excepcionais dotes
neçpç cp -natlvas brasileiras entrassem em concorrência, os polo­ como artífices das mais diversas especializações, os imigrantes po­
neses se impuseram na agricultura. loneses e seus descendentes, são atingidos por uma avaliação não
Entretanto, está emergindo um novo Brasil, moderno, urbano, muito positiva, dentro da ideologia racial do meio. Estão inseridos,
industrializado, sobretudo a partir dos fins do século passado; a junta mente com os grupos sociais e étnicos da sociedade de ado­
area da Grande Curitiba, da qual o polonês é importante partícipe, ção, num contínuo processo de transformação da sociedade e de
começou a adquirir novas características, como p. ex., a acelera­ relação de competição, centrada numa sociedade capitalista de ca­
ção da urbanização, industrialização e desenvolvimento do comér­ racterísticas semi-industriais.
cio, etc. Nesta fase de mudança, quando se iniciou o desenvolvi­ Entretanto, colocar o problema da integração do polonês na
mento do Brasil novo, o polonês e seu descendente demonstraram sociedade paranaense, somente do ponto de vista da concorrência,
a sociedade de adoção, como era conservadora sua mentalidade e seria simplificar em demasia a problemática. Fator importante
o quanto estavam apegados às formas de comportamento, prove­ desempenha nesta circunstância a mentalidade do próprio imi­
nientes da Europa arcaica e atrasada. N o quadro urbano do pais grante, i.é., o ethos dos aldeões poloneses, porque em última ins­
de adoção, o imigrante polonês será superado na concorrência, tância, este é o agente principal.
12 13
O estudo da formação dessa mentalidade nas aldeias polone­ Outro exemplo é a desconfiança e mesmo a repulsa por muitos
sas, de sua transplantação para o Brasil e do papel desempenhado colonos em contactar com indivíduos desconhecidos e aceitar-lhes
por ela na integração dessa corrent3 imigratória no Brasil, é o os conselhos e sugestões, mesmo que seja para a melhoria de suas
principal objetivo desta pesquisa. próprias condições de existência.
O ethos e a mentalidade do camponês formaram-se em séculos Para se perceber o processo de transformação e relaciona­
de duração, e sua compreensão depende do conhecimento das ori­ mento do camponês, foram escolhidos para análise e interpretação
gens de sua afirmação nacional. Esta é a razão pela qual o pre­ os momentos cruciais de seu desenvolvimento, não só na Europa,
sente estudo apresenta, na sua parte inicial, os fundamentos his­ como sobretudo por ocasião da fixação do grupo polonês no Brasil.
tóricos da proposição levantada. A partir de tais conceitos, foi aplicado o modelo teórico dualista
tanto para a sociedade polonesa como para a brasileira, que pro­
Nas últimas décadas, vastas áreas pioneiras do Estado do Pa­
cura explicar a adaptação do imigrante polonês como um pro­
raná experimentaram um portentoso desenvolvimento agrícola, a
cesso no qual sua modernização fo i dificultada, nas primeiras dé­
ponto de transformar o Estado num dos maiores produtores do
cadas de fixação, pela sua mentalidade ainda arcaica e extrema­
país. A região centro-sul do Estado, entretanto, vai apresentar pa­
radoxalmente uma situação inversa. Nas primeiras décadas do sé­ mente ligada ao apego à terra.
culo, a região era florescente. Extraía-se o mate e a madeira, e As técnicas utilizadas na pesquisa foram: a análise dessa hipó­
cultivava-se o solo. A dinâmica da vida econômica fazia nascer tese através da interpretação de fontes empíricas; a determinação
novas cidades e crescer as já existentes. A partir da década de de momentos típicos do processo adaptativo e a reconstrução das
1930, a economia do mate entrou em crise, os pinhais se esgota­ fases e situações mais significativas. Foram utilizadas, como fon­
ram e o solo, explorado irracionalmente, teve sua capacidade na­ tes essenciais:
tural esgotada. Transformou-se então a região centro-sul do Para­
ná em região problema. Passou a ser uma região de pequeno de­ 1 — xeno bibliografia de cronistas e viajantes poloneses que
senvolvimento e de acentuado atraso, em relação ao conjunto do visitaram o Brasil e deixaram uma vasta obra referente
Estado. â imigração polonesa. Estes xeno cronistas poloneses
agrupam-se principalmente na última década do século
Na década de 1960, os municípios componentes desta região X IX . Essas obras permaneceram até há bem pouco tem­
começaram a receber assistência de órgãos ligados ao Ministério po restritas aos usuários da língua polonesa, mas a pu­
e à Secretaria da Agricultura, incumbidos de elevar e melhorar blicação recente de vários desses cronistas pelos Anais
os padrões de comportamento das populações camponesas, bem da comunidade brasileiro-polonesa,3 traduzidos para o
como procurar despertá-las da letargia sócio-econômica em que português, facilitaram sua utilização e a exploração de
se encontravam. Estas populações começaram a ser estimuladas a sua riqueza de observações.
se organizarem em cooperativas, sindicatos rurais, organizações
de associações de pais e mestres nas escolas, a receber campanhas 2 — as memórias dos imigrantes. Existem duas publicações
de melhoria de higiene, de utilização racional do solo, etc. Nestas em polonês a respeito: a editada pouco antes do início
circunstâncias, ampliaram-se as evidências de certas peculiarida­ da guerra em 1939,4 a qual foi pouco divulgada no Brasil,
des das populações da região. Formadas basicamente por descen­ devido ao início do conflito bélico. Contém 27 memórias
dentes de imigrantes poloneses e ucranianos, apresentaram com- de imigrantes da América do Sul, sendo 20 do Brasil.
portamentos que as distinguiam das populações de outras áreas Essas memórias, devido a objetividade de seu conteúdo,
o Estado. Encontraram-se p. ex., dificuldades para que a comu­ foram longamente utilizadas. Os imigrantes que as escre­
nicação se estabelecesse entre os funcionários desses órgãos e veram cobrem muitas vezes o período crítico da imigra­
vastos setores das populações rurais. ção para o Brasil, que é o período imediatamente poste­
Alguns ativistas sociais facilmente desanimavam em atingir rior à abolição da escravatura (1888) e que vai ser co­
seus objetivos e concluíam: Com esta gente não adianta lidar, ou nhecido na Polônia como “ febre brasileira” .*
en o a dúvida manifestada por um inspetor de ensino: Não sei
porque existe tanta intriga, tanta encrenca neste nosso m eio rural.2 *A N A IS DA C O M U N ID A D E B R A S ILE IR O POLONESA. An. comun. brasil,
pol. Superintendência do Centenário da Imigração Polonesa ao Paraná.
1969 — . 8 v. Gratuita, Curitiba.
‘P A M IE N T N IK I emigrantów. Ameryka Poludniowa. Warszawa, Instytut
O D e b a t e fw í^ p ^oWt° n' A terra e 0 homem n« sul do Paarná. Irati, Ed
Gospodarstwa Spolecznego. Comps. 1939. 488 p.
14
3 __ histórias de vida. Foram utilizadas as publicadas pelos
Anais da comunidade brcsileiro-polonesa e possuem o
mesmo valor das memórias dos imigrantes.

4 — periódicos em língua polonesa, editados não só no Brasil,


como também na Polônia.

5 — cartas dos imigrantes estabelecidos no Brasil aos seus


familiares e conhecidos no Reino da Polônia (parte rus­ C A P IT U L O I
sa). Nos fins de 1890, as autoridades russas de Varsóvia
instituiram censura à correspondência que pudesse esti­ O CAM PESINATO POLONÊS NO SÉCULO X IX
mular a emigração da região. Eram milhares de cartas
de invulgar valor histórico, que foram encontradas e tra­
balhadas pelo historiador W itold Kula. Porém, com o Após a perda da independência da Polônia (fins do século
“ levante de Varsóvia” , ocorrido durante a guerra, o ar­ X V I I I ), seu território ficou dividido entre as três potências
quivo foi incendiado e grande parte das cartas destruí­ ocupantes: Prússia, Áustria e Rússia (mapa I ) . Todas as espe­
das. As referentes ao Brasil, foram traduzidas e publi­ ranças dos nacionalistas poloneses, voltaram-se então para um
cadas pelos Anais da comunidade brasileiro-polonesa.1 possível auxílio da França, cuja revolução simbolizava a liberdade
política e individual. Muitos dos refugiados poloneses se organi­
zaram no estrangeiro, nas chamadas Legiões Polonesas. Estas pas­
saram a participar das campanhas de Napoleão com o fito de
atrair o dirigente francês para a causa polonesa. Porém Napoleão
não estava interessado na solução do problema polonês. Utilizava
o nacionalismo dos exilados para concretizar apenas seus próprios
objetivos. Napoleão, apesar do apoio recebido dos refugiados po­
loneses, nada fazia em prol da causa que advogavam. Em 1806, a
Prússia foi derrotada por Napoleão. Este permitiu que, de Berlim,
os poloneses fizessem apelos ao recrutamento de soldados para
uma futura libertação. Formaram um exército de 40.000 homens
e entraram em Varsóvia. Napoleão mais uma vez negligenciou a
questão polonesa. Criou apenas um paliativo: o Ducado de Varsó­
via. Sua Constituição igualava a nobreza à burguesia, mantendo
entretanto, para a primeira, a preponderância na administração.
A servidão foi abolida. A corrente moderada de Kosciuszko triun­
fou. Seus adeptos, mais conservadores que liberais, tolheram ao
camponês o acesso à propriedade da terra que amanhava. Esta
permaneceu propriedade absoluta do senhor. Como se isso não
bastasse, os senhores obtiveram o direito de expulsar os campo­
neses de suas terras quando desejassem. Era um novo tipo de
exploração, agora assalariado. A exploração do camponês deixava
de ser senhorial, para se tom ar temporariamente capitalista.
Napoleão utilizou-se da fidelidade dos poloneses, obrigando o
Ducado a manter a duras penas um exército de 100 mil homens,
o qual foi utilizado contra os espanhóis e posteriormente na cam­
panha da Rússia. Com a derrota de Napoleão, desmoronou tam­
bém o Ducado de Varsóvia. O Congresso de Viena confirmou a
« ja

K.ULA, ocupação da Polônia. Do que restou do Ducado de Varsóvia, foi


1890-189111WarMawaS'n!rt!f emi ^ t6w * BrazyUl 1 Stanów Zje dno
U U V V V U ' criado o Reino do Congresso (K rólestw o), pertencente à Rússia.
warszawa, Ludowa Spóldzielna Wydawnicza. 1973. 591 p.
16
17
A população do Reino, como passou a ser conhecida a parte russa
da Polônia, na primeira década do século X IX , era 75% campo­
nesa e apenas 25% urbana.12
A servidão camponesa, abolida em 1807 pela oonstituição do
Ducado de Varsóvia, foi restabelecida. A maioria dos camponeses
vivia em minúsculas propriedades agrícolas e não conseguiam se­
quer ínfimos excedentes comerciáveis de sua produção. Não havia
investimento de capital na agricultura. A mobilidade social era
praticamente inexistente. Nas cidades, a situação era pouco me­
lhor, mas a evolução era muito lenta. No entanto, os efetivos da
burguesia aumentavam lentamente, e a população operária, com­
posta de pequenos grupos ainda semi-ligados ao campo, não pas­
savam de embrião do proletariado.3
O desenvolvimento industrial, na região, não constituía um
processo normal. Somente alguns setores eram estimulados por
Moscou, de acordo com as necessidades da conjuntura do mer­
cado russo. Desenvolveu-se sobretudo a indústria têxtil em tom o
das cidades de Lódz e Kalisz. Em Varsóvia, estabeleceram-se in­
dústrias de produtos químicos e alimentícios. Alguns setores ma-
nufatureiros entretanto, resistiram, para não perder suas caracte­
rísticas artesanais, não adotando o selfacting system. É o caso dos
alfaiates e sapateiros, que se organizaram sob a forma de sweting
system. Tal procedimento, em se rejeitar a automação, não pas­

A USTRI A
sava de uma posição saudosista e conservadora nos moldes da
mentalidade existente nas Corporações de Ofício. Seus artífices
mantiveram as características conservadoras dos camponeses,
como representantes que eram dos indivíduos emergentes da so­
ciedade aldeã.
Este incipiente artesanato industrial provocou a aplicação, na
região, de capitais estrangeiros, estimulados pelos russos; que, ao
mesmo tempo procuraram afastar o capital polonês das indús­
trias. Por sua vez, o capital polonês, que conseguia ser aplicado
na indústria, era originário do acúmulo dos grandes proprietários
rurais.
O surgimento da indústria desenvolveu uma nova classe: o
proletariado. Reforçou inclusive a burguesia nacional, a qual vai
desempenhar posteriormente o papel atribuído à grande burgue­
sia industrial e comercial do país. Esta classe, atrofiada que fora
em seu desenvolvimento desde o sculo X V I pela nobreza, reto­
mava, embora ainda debilmente, seu desenvolvimento e por para­
doxal que possa parecer: sob domínio estrangeiro.

iKalendarz, obserwatoryum astronomiczne warszawskie na rok zwy-


czajny. Ano V, Warszawa, 1861. p. 129.
2PORTAL, Roger. Os eslavos — povos e nações. Lisboa, Ed. Cosmos,
18 1968. p. 167.

19
Os patriotas, ativistas políticos que desejavam a independên­
giam seus chefes. Estes movimentos, obviamente, também foram
cia da Polônia, recrutavam-se entre a burguesia e parte da nobre­
sufocados pela força ou pela persuasão, porém a onipotência do
za. Surgiram entidades e sociedades secretas, nos moldes da fran-
poder da nobreza galiciana estava quebrada. O governo austríaco,
co-maçonaria. As repressões russas às sociedades secretas acirra­
surpreendido com as proporções do movimento camponês, foi
ram os ânimos, sobretudo após o fracassado movimento russo
obrigado a acalmar os ânimos, abolindo a servidão em 1848. As
anti-tzarista dos decembristas, os quais estavam ligados às socie­
banalidades igualmente deixaram de existir.
dades polonesas. O sucesso das revoluções liberais em 1830, na
França e na Bélgica, aceleraram a insurreição. Quando o tzar, den­ Nos períodos calmos de relacionamento da sociedade campo­
tro do princípio da intervenção, triunfante no Congresso de Viena, nesa com a sociedade que lhe é envolvente, as sociedades campo­
resolveu auxiliar a contra-revolução nos países do ocidente, orde­ nesas tendem a se proteger contra as influências vindas do exte­
rior. Esta proteção o camponês a faz camuflada. Tolera as demons­
nou a mobilização do exército polonês com este objetivo, preci­
trações de poder por parte dos notáveis, aceita mediações para as
pitando a revolução ainda não suficientemente preparada. A re­
soluções dos problemas surgidos com o senhorio. Nos casos difí­
volta foi uma ilusão. Milhares de patriotas, vindos de todas as
ceis, o camponês normalmente apela para o rei. Confia que a rea­
partes, obtiveram algumas vitórias, mas a nobreza conservadora,
leza possa endireitar os prejuízos que lhe causava o senhor.*
sabendo da inferioridade militar e temendo as reivindicações dos
No caso do campesinato polonês do século X IX , ele não tem a
camponeses, opôs-se a uma mobilização geral das massas campo­
quem apelar. Seu rei é um imperador no qual ele não confia, nem
nesas, para que não fossem talvez obrigados a outorgar-lhes sua o imperador (estrangeiro no caso), se interessa em verdade para
libertação dos laços senhoriais. Nestas circunstâncias, a derrota solucionar seus problemas. Apela pois a escaramuças e mesmo
foi inevitável. O Reino perdia sua constituição, a qual fo i substi­ até à revolta aberta, sem dispor de nenhuma visão do mundo que
tuída por um Estatuto Orgânico. Este suprimia a Dieta e o exér­ o cerca.
cito polonês. Entretanto, os poloneses conseguiram ainda manter
a língua própria na administração. Embora o Reino passasse a De todas as nacionalidades que lutavam pela independência
política na Europa, o problema polonês era o mais complexo. Sub­
depender do Senado russo, na realidade passou, sem maiores for­
jugado por três potências, as mais absolutistas do continente, os
malidades, para o domínio pleno do tzar. A revolução de 1831, evi­
poloneses constituiram-se em importante matéria prima para as
denciou a necessidade de união dos diversos grupos atuantes e a
sublevações e revoluções. A tal ponto chegou o seu comportamen­
urgência em atrair os camponeses para a causa nacional. Tal fato
to, que o termo polonês passou a ser, na Europa do século X IX ,
só podería ocorrer com um programa de libertação camponesa.
sinônimo de revolucionário.
Desta forma, seria possível tirá-lo da opressão e, em conseqüência
da passividade em que vivia. A guerra da Criméia (1854-56), concluída com revezes para a
política absolutista do tzar, enfraqueceu temporariamente a Rús­
O grupo liberal, então considerado de esquerda, organizou-se sia. Moscou foi obrigada a realizar concessões no campo social do
em 1832 na Sociedade Democrática Polonesa, preparando na déca­ Reino do Congresso. O descontentamento e a agitação camponesa
da de 1840, um levante contra os ocupantes. Porém os serviços de eram latentes. A própria burguesia urbana passou a estimular a
segurança das três zonas de ocupação detectaram a conspiração. libertação dos camponeses, pois via na sua liberdade um promis­
Os prussianos prenderam os implicados na Posnânia e Pomerânia. sor mercado de consumo para seus produtos industrialiazdos. A
As tropas austríacas entraram na cidade livre de Cracóvia, em evolução do capitalismo industrial urbano tornava caduco o siste­
fevereiro de 1846. No Reino, a repressão também fo i completa. ma das obrigações senhoriais e colocava ambos os sistemas numa
Entretanto, pela primeira vez na História da Polônia, um movi­ permanente contradição.
mento revolucionário era conduzido diretamente para o campesi­ Os estímulos vindos dos emigrados políticos levaram ao reini­
nato. Durante os meses de triunfo da revolução, os camponeses cio da criação de sociedades secretas. A insurreição na Itália,
que empunhavam as armas receberam terras das propriedades do
governo.3 conduzida por Giuseppe Garibaldi, transformou-o em herói peran­
te a juventude polonesa.
Após a eliminação da revolução, o camponês começou a des­ Mas, os revolucionários receberam um outro duro golpe quan­
pertar. Continuava a sublevar-se em todas as regiões da Galícia do, em fins de 1862, muitos dos líderes foram presos pela repres­
ocidental. Saqueava as residências da nobreza, ocupava aldeias, ele- são russa. Para enfraquecer os revolucionários, as autoridades

^MENDRAS, Henri. Sociedades Camponesas. Rio de Janeiro, Zahar Edi­


Polonia.A Varsovia, Esbozo de História de tores, 1978. p. 134.
20
21

l
russas decidiram realizar um recrutamento forçado de todos os Por outro lado, a repressão interna foi algo inusitado. O Reino
reservistas suspeitos de simpatias com os revolucionários e que do Congresso foi extinto. Em seu lugar, foi criado o território do
estavam aptos a empunhar as armas. Esses acontecimentos deter­ Vístula, dividido em 10 governos administrativos. A Igreja Cató­
minaram a antecipação da revolução de 1863. lica, por ter participado, com vários de seus membros no movi­
mento revolucionário, passou a ser abertamente perseguida. Rus-
Foi uma insurreição essencialmente citadina, enquadra­ sificou-se o ensino. Mas, para prevenir novos possíveis levantes
da pela pequena nobreza e padres, mas não pode apoiar- ou revoluções, em todos os territórios ocupados pelos russos, ter­
s e sobre os camponeses, cuja atitude de expectativa ou minava o regime da servidão. O tzar imitando aos outros impera­
de participação, conform e as regiões, esteve dependente dores europeus, extinguiu tal regime no Território do Vístula
da influência local exercida pelos chefes.6 (1864).
Embora o govemo revolucionário provisório tivesse por de­ No século X IX , estruturou-se um novo relacionamento entre
creto concedido a terra em propriedade aos camponeses, a parti­ os países americanos e a Europa. Quase todos os países latino-
cipação dos mesmos em massa, na revolução, ocorreu apenas em -americanos, nas primeiras décadas do século, obtiveram sua inde­
alguns distritos do Reino. Em muitos casos, os próprios coman­ pendência política. Desejosos de povoar seus espaços vazios, irão,
dantes revolucionários nobres recusaram-se a divulgar o decreto juntamente com os Estados Unidos — este país em fase de rápida
que tomava proprietários os camponeses, com o fito de impedir a industrialização — desenvolver uma política imigratória. A conjun­
mobilização camponesa. Continuava sendo evidente a supremacia tura americana, favorável à imigração, vai encontrar na velha Eu­
do sentimento de classe sobre o sentimento nacionalista, por parte ropa condições também altamente favoráveis para satisfazer suas
da nobreza. Os revolucionários, mais uma vez, contavam com o necessidades de população. Dezenas de milhões de pessoas deslo­
combinado auxílio da França, que acabou não vindo. O papa Pio caram-se da Europa para as terras promissoras do Novo Mundo.
No século X IX , vários países da Europa ocidental encontraram-se
IX ordenou orações pela Polônia, porém o auxílio tão desejado
num período de grande expansão industrial e urbanização. Rele-
não veio de parte alguma. De qualquer forma, só com seus pró­
gava-se um sistema de vida tradicional, baseado na agricultura,
prios recursos e em desespero de causa, os revolucionários conse­
guiram manter o movimento por um ano e dez meses.® para um de base industrial e urbana.

A revolução de 1863 foi a mais violenta e, em contrapartida, O país pioneiro no fornecimento de emigrantes para a Amé­
foi a mais duramente reprimida de todas as ocorridas pela inde­ rica, foi o vanguardeiro da industrialiazção, onde o fenômeno da
pendência da Polônia. Após o malogro do movimento, ocorreu o revolução demográfica fo i também primeiramente sentido: a In­
que se convencionou chamar de diáspora do povo polonês. Os in­ glaterra. Nesta onda emigratória, de 1820 a 1919, saíram 10 milhões
divíduos mais ativos e competentes espalharam-se pelo mundo, de pessoas das ilhas Britânicas. Estes milhões de súditos ingleses
sobretudo pelo imenso território do império russo. Estes inte­ emigrados, contribuiram para o fortalecimento das características
lectuais contribuiram brilhantemente para o desenvolvimento eco­ culturais anglo-saxãs dos Estados Unidos, bem como para o ali-
nômico e cultural dos países que os acolheram e foram de grande cerçamento do império britânico no mundo, após as guerras napo-
utilidade prática para a Rússia à qual faltava pessoal qualificado? leônicas.
Cientistas e políticos poloneses estão ligados desde então a Paralelamente e inserida no caudal da emigração anglo-saxã,
uma obra de gigantesca escala de estudos e observações geográfi­ encontra-se a presença dos celtas irlandeses. As grandes crises de
cas, geológicas, arqueológicas, zoológicas etc. no mundo asiático, produção da batata — produto básico da agricultura da ilha —
africano, oceânico, antártico e americano. obrigou o irlandês a emigrar, notadamente após 1846. Os irlande­
ses já viviam uma estrutura agrária baseada no arrendamento da
O destino da “inteligentzia” polaca foi, assim, na ausência de terra aos latifundiários ingleses, sofrendo segregações política e
um Estado que pudesse reuni-la integralmente, o de ficar intima­
mente ligada a toda uma vida internacional, sem p o r isso estar religiosa.
ausente da Pátria mutilada e submetida.* Na segunda metade do século X IX , a população irlandesa bai­
xou de 8 milhões para 4,5 milhões de habitantes, como efeito desse
6PORTAL, p. 362.
movimento maciço de sua população.
SnrtuPiI W vH fZEiWtSKI,» , Józeí‘ DzieJe narodu polskiego. Chicago, Drukiem
bpólki Wydawníctwa Polskiego, 1931 d 141 Assim como os irlandeses formavam importante afluente den­
7PORTAL, p. 363.
»Id. tro da emigração britânica, os poloneses desempenharam no con-

22 23
tinente um papel equivalente. A comparação entre a emigração lonesa a condição da existência da Prússia.11 Já em 1861, em cor­
irlandesa e a polonesa, encontra um paralelismo digno de nota. respondência particular, assim se manifestava: Batei nos polone­
Ambas as nações eram católicas e suportavam o domínio im­ ses a fim de que eles percam a vontade de viver. Pessoalmente
perialista. que adotava o credo protestante. Enquanto a Irlanda me compadeço de sua situação, porém nós (os prussianos) quere­
estava subordinada política e economicamente a uma só nação — mos existir e não nos resta outro remédio senão exterminá-los.12
a Inglaterra anglicana — a Polônia encontrava-se tripartida entre a Em 1872, ano do centenário da primeira divisão da Polônia,
Alemanha luterana, a Rússia ortodoxa e a Áustria católica, as po­ Bismarck convocou para Berlim uma reunião das três potências
tências dominantes procuravam eliminar o predomínio católico, ocupantes da nação polonesa, com o fito de reforçar a ação con­
tanto na Irlanda como na Polônia, através de campanhas oficiais junta em prol da desnacionalização dos poloneses. A simples con­
sistemáticas. Ambas as nações tinham a base de sua economia ali­ vocação da reunião com tal finalidade já demonstra per si que
cerçada na agricultura onde se destacavam, como produtos bá­ Bismarck temia uma reação polonesa. O chanceler divisava no
sicos a batata, o centeio e o trigo. Enquanto o irlandês era elimi­ catolicismo, não somente alemão mas sobretudo o polonês, uma
nado como língua oficial em seus próprios domínios, o polonês o ameaça ao poder dos Hohenzollem. Era preciso eliminar o perigo
era também na parte do domínio alemão e russo. Por outro lado, da pequena, porém problemática, minoria polonesa, foco perma­
as estruturas agrárias ineficientes obrigavam tanto o irlandês nente de inquietação, que levava à insegurança. Se por ventura os
como o polonês a procurarem emprego nas cidades industrializa­ três setores da nação polonesa conseguissem coordenar seus mo­
das da metrópole dominante. vimentos em prol da independência, a potencialidade da Alemanha
O grande movimento emigratório, iniciado nas ilhas britâni­ corria sério perigo. Os dados estatísticos de 1870, comprovam que
cas, atravessou o mar do Norte e foi atingir o continente: o Impé­ o elemento germânico não havia progredido sobre os territórios
rio Alemão, a Ibéria, Escandinávia, Império Austro-Húngaro e os de propriedade dos poloneses. Como este não era somente um
Bálcans. A guerra de 1914-18 surpreendeu esse movimento que é problema alemão, Bismarck convocou todas as potências ocupan­
considerado o maior fenômeno de transumância já ocorrido na tes. Procuraria assim eliminar o problema através de um esforço
face do globo, atingindo as proximidades do Mar Negro (Galícia comum dos interessados. A eliminação da cultura polonesa passou
oriental), chegando até os territórios da Rússia propriamente a ser uma das metas pela unidade cultural do império: a Kultur-
ditos. Se não fosse a interrupção causada pela guerra, esse fluxo kampf. Passaram então a ser tomadas algumas medidas:
teria atingido as populações camponesas da Rússia."
Os territórios habitados por poloneses sob domínio prussiano 1 — uso obrigatório da língua alemã nas escolas normais e
(Silésia, Pomerânia e Posnânia), sobretudo após a vitória prus­ secundárias.
siana sobre a França em 1870 e o surgimento do Im pério alemão, 2 — a partir de 1876, uso obrigatório do alemão na adminis­
sofreram notável ação de despolonização. N o setor prussiano, a tração, magistratura etc.
campanha de desnacionalização seguiu as linhas gerais da drang 3 — exclusividade para os alemães ocuparem cargos públi­
nach osten,lu ou seja, tomou forma diversa dos outros territórios
ocupados. A Alemanha após 1870, continuava aplicando o princí­ cos.
pio da colonização alemã sistemática, nos territórios poloneses. 4 — substituição dos nomes poloneses na toponímia, ruas,
A questão polonesa até 1870 era questão interna do governo da praças etc.
Prússia. Agora — como a unificação nacional — tornou-se um
problema alemão. O dinâmico chanceler Bismarck — arauto da O processo de germanização atingiu a Igreja. Foram proibidos
unidade alemã, denunciava à nação em discursos veementes o os sermões em polonês, bem como o ensino do catecismo nesta
apregoado perigo polonês e fez do exterm ínio da nacionalidade po- língua. A oposição levada a efeito, pela hierarquia católica polo­
nesa, resultou na prisão e exílio dos bispos. As congregações reli­
giosas foram proibidas, os conventos fechados e centenas de pa­
N ak l^ e ^ ^ l^ !c iP fT ffT v í:ZySlaWt KvvestJa emigracji w Polsce. Warszawa, dres aprisionados. O governo sempre encontrava novos meios para
iNaKiaaem Polskiego Towarzystwa Emigracyjnego, 1927. p. 20.
enfraquecer a nacionalidade polonesa. Em 1885, expulsou da Ale­
populações^erm ânirac"ft«Cha para leste"- Desde os tempos medievos, as
caminho mais lógico 'o seu desej ° de expansão, encontraram como
manha todos os poloneses que não eram súditos alemães. São as
bloqueado pelas Donúlarnp6^ ; ^ ° Camento para leste- ° rumo sul, estava
Báltico. A solução lesteÇpra dallanas- ° oeste pelos franceses, o norte pelo
na Idade Média! até Hhler a "chane naeh1' ^ eSde a criaçao do s to - Império u PORTAL, p. 364.
sidadc, sempre existiu ’ & drang nach osten com maior ou menor inten- 12S TA N ISLA W & ZYC H O W SK I, p. 126.

24 25
expulsões prussiams, que atingiram 30 mil poloneses de outras vência. A proteção e o paternalismo do senhor da região havia
regiões. Em 1887, ditaram-se disposições suplementares, que eli­ desaparecido. Nestas circunstâncias, a situação lhes era desfavo­
minaram totalmente a língua polonesa do ensino na Silésia, Pome- rável. Impossibilitados de pagar os elevados impostos territoriais
rània e Posnânia.13 Nas escolas começou-se a açoitar barbaramente exigidos pelo governo prussiano, não lhes restava outra alternativa
as crianças que não queriam falar e rezar em alemão( . . . ) os pais a não ser a venda dessas suas propriedades. Então vendiam-nas,
que saíssem em defesa dos filhos eram processados.14 mas a latifundiários poloneses. Por outro lado, os grandes pro­
À Comissão Colonizadora coube empreender luta contra a pre­ prietários exploravam o camponês, pequeno proprietário, por oca­
ponderância numérica no meio rural, principalmente na Posnânia sião do processo de compra, atribuindo-lhes um preço por acre,
e Pomerânia. Para tanto, era preciso afastar em massa os polone­ inferior aos das grandes propriedades.16
ses de suas propriedades agrícolas. Esta comissão iniciou as suas O processo de proletarização agrária do aldeão, nas regiões de
atividades com um fundo de 100 milhões de marcos. Cada ano, o domínio prussiano, tomou-se crítico. 41% da população agrícola,
Landtag aumentava esse fundo. A resistência de venda das pro­ por volta de 1880, era constituída de proletários que não possuíam
priedades partiu sobretudo do pequeno proprietário. Enquanto os propriedades. A única opção para esse numeroso proletariado, era
grandes proprietários e latifundiários poloneses vendiam 80 mil procurar emprego nos folioark. Nestas propriedades, o trabalho
hectares sob pressão aos alemães, os camponeses só venderam mil não durava por todo o ano. A maioria trabalhava só por ocasião
hectares.15 Porém, a partir de 1885, os camponeses poloneses con­ das safras, ficando nos meses de inverno ociosa e sem poder
seguiram recuperá-las em grande parte. Saliente-se que das terras ganhar para seu sustento.
compradas pela Comissão Colonizadora, apenas 1/4 era de proce­
Na região da Posnânia, todo o comércio e o artesanato de es­
dência polonesa. Entre os proprietários de terras, formou-se uma
cala industrial estavam nas mãos de alemães e judeus. A popula­
espécie de oposição teimosa à venda de terras, fosse qual fosse a
oferta pelas suas propriedades. ção polonesa caracterizava-se como fornecedora de mão de obra
agrícola. A conjuntura agrária dessas regiões da Polônia, acresci­
Na Posnânia e Pomerânia, sob pretexto de associação de clas­ das ao acelerado crescimento demográfico natural das populações
se, formavam círculos agrícolas, associações de artesãos, caixas polonesas, veio a impulsionar os indivíduos mais descontentes, a
de mútuo auxilio que desempenharam também função de promo­ procurarem serviço nos outros territórios alemães, ou emigrar
ver a solidariedade e a coesão em tom o do caráter nacional polo­ para além oceano. Estes movimentos de migração sazonal para
nês, face à discriminação. outros territórios alemães, notadamente para a Westphalia, Reno,
Hannover, Berlim etc., e em segundo plano os reemigrantes que
Outro lado desse processo foi a grande absorção dos pequenos
voltavam da América — sobretudo do norte — provocavam o fra­
proprietários das aldeias, pelos proprietários maiores ou latifun­
casso das atividades da Comissão de Colonização, criada com o
diários. As pequenas propriedades, situadas na periferia das maio­
fito de tirar a propriedade da terra das mãos polonesas. Tal se
res, sofriam rápido processo de absorção. Os pequenos proprietá­
deve ao fato de que esses movimentos carreavam, para a região,
rios, pressionados pelas circunstâncias, vendiam suas proprieda­
capitais economizados e que revertiam na melhoria da situação
des, acarretando um aumento substancial da massa proletária
do aldeão. Em conseqüência, a partir do ano de 1880, as pequenas
rural, que trabalhava nos folwark (latifúndios). A concessão da
propriedades cessaram de diminuir e ao contrário, passaram a
propriedade para o aldeão, na região, fo i um processo penoso,
aumentar, em detrimento dos folwark. O processo pois reinver-
iniciado apenas em 1808, acelerado após a revolução de 1848 e
teu-se: os camponeses, após seu retomo, adquiriam mais terras.
completando-se apenas na década de 1860. Esta transformação da
Esta foi a principal razão pela qual fracassou o processo de afas­
estrutura agrária, como consequência da abolição da servidão, tamento do polonês, da propriedade da terra. Os censos de 1870 e
fortaleceu a um tipo de propriedade: os latifúndios ou folwark 1880 demonstraram que, apesar dos milhões de marcos emprega­
cujos donos passaram a ser proprietários das terras, ocupadas dos pelos alemães para tal fim, não ocorreu a progressão do do­
desde os tempos da servidão de gleba. Desaparecendo a servidão, mínio da terra.17
o processo de absorção das pequenas propriedades, pelos folwark,
A Pomerânia ocidental e a Posnânia continuavam regiões
tomou-se inevitável. Os aldeões — nesta nova conjuntura — pas­
essencialmente agrícolas e suas indústrias eram insignificantes.
saram a dispor somente de suas próprias forças para a sobrevi­
Nestas regiões, a grande massa do povo era constituída de campo-
,:,Id.
14Id. 1BSZAWLESKI, p. 22.
,5Ibid., p. 137. 17Id.
26 27
neses com toda uma hierarquia campesina, solidamente estabele­ hectares. Com tal propriedade, não era possível tirar da mesma o
cida, tendo por base a propriedade agrícola. Ali, a resistência na­ sustento de uma família. Para sobrevivência, alguns membros de
cional polonesa alicerçava-se fundamentalmente na classe campe­ sua família eram obrigados a empregarem-se como trabalhadores
sina e, nas cidades, na pequena burguesia. A alta Silésia, com sub­ braçais nos folwark. A miséria e a fome freqüentemente os atingia.
solo rico em minerais, teve oportunidade de desenvolver sólida in­ Na tentativa de melhorar sua situação, procuravam — quando
dústria e em conseqüência assistiu ao aparecimento de uma classe possível — alugar qualquer pedaço de terra, para aumentar sua
proletária polonesa numerosa. A pequena burguesia e a intelectua­ produção. Em seguida, vinham os komorniki. Estes não eram pro­
lidade era relativamente pouco numerosa. Porém, apesar do de­ prietários. Arrendavam para o cultivo algum minifúndio. N o má­
senvolvimento da industrialização, a classe camponesa continuava ximo, possuíam alguma choupana própria. Tal qual os chalupiniki
a ser o esteio da polonidade. no inverno, os animais domésticos que possuíam eram recolhidos
Desenvolvia-se uma resistência passiva contra as tentativas de sob o mesmo teto ocupado pelos membros da família. O calor dos
assimilação linguística e cultural. Na Silésia, que era parte inte­ animais aqueciam-nos por ocasião dos rigorosos invernos. Era
grante da própria Prússia, a Kulturkam pf também fracassou, comum que, sob a mesma choupana, morassem duas ou três famí­
apesar do fato deste território estar separado politicamente da lias de kom orniki. Pinalmente, na base da pirâmide social aldeã,
Polônia, desde o século X IV . encontravam-se os parobki trabalhadores rurais que nada pos­
suíam a não ser a força de seu trabalho braçal, empregada nos
Na Silésia ocidental, que geograficamente estava mais aberta latifúndios.
à influência germânica, também o movimento não foi vitorioso.
Estas classes sociais aldeãs, quando reunidas, por exemplo
Mesmo os grupos que assimilaram em parte a cultura alemã, nun­
na igreja, por ocasião da missa dominical, mantinham-se eqiiidis-
ca sentiram-se alemães. Muitos deles podiam já não se sentirem
tantes. Na frente, ao lado do altar, um ou outro latifundiário, se
poloneses, mas dificilmente optavam pelo germanismo. Ao se faze­
os houvesse na região, e os kmiec. Em seguida sentavam-se os
rem perguntas sobre sua nacionalidade, aos indivíduos que perde­
zagrodniki e chalupniki e no fim da da igreja, de pé, encontra­
ram seus contactos com a cultura polonesa, respondiam que eram
vam-se os k orm om ik i e o proletariado.18
silesianos. Entretanto, os mesmos eram considerados poloneses,
nas outras regiões da Polônia. A distância social entre o kmiec e as demais categorias aldeãs,
era de fato muito acentuada e se manifestava em todas as ativida­
O campesinato polonês, tanto sob domínio prussiano como des da aldeia. As residências dos kmiec agrupavam-se no centro
sob os outros domínios, vivia num sistema social altamente hierar- da aldeia enquanto os pequenos proprietários agrupavam-se na sua
quLzado. Numa aldeia, as classes sociais eram nítidas e sua mobili- periferia.
reduzida- No cume da hierarquia aldeã do início do
Na Alta Silésia, região que forneceu as primeiras levas de imi­
rioioc ’ encontravam' se as famílias dos kmiec, considerados
grantes para o Brasil, o consuetudinário regional estabelecia que
P6 com? f randes proprietários, mas que não chegavam aos kmiec cabia a responsabilidade de zelar pela velhice dos pro­
cín mcc ade.1.ros latifundiários. Eram pouco numerosos na Galí- letários que trabalhavam entre os proprietários da aldeia. Os
terí-aTnnf«Stiam TeTm número maior no Reino da Polônia e nas proletários rurais que não podiam mais exercer nenhuma ativi­
C o T ^ S anaS, kmiec nao P ° ssuia mais de 50 ha de terras, dade econômica rendosa, eram transportados em carrinhos de mão
sua famílin pnedade> podia, com relativa tranqüilidade, manter da propriedade de um kmiec para outro. Na residência de cada
do* fiihnc c Proporcionar um estudo mais prolongado a algum um, o aposentado ficava por três dias, recebendo pouso e alimenta­
lhora/in residencia era mais espaçosa e de arquitetura me- ção, de preferência num canto da estrebaria. Na casa onde viesse
tradicionai»; ^i?pnedadcs ,estavam protegidas da sub-divisão por a falecer, o proprietário era obrigado a custear os funerais.19
filho herriavn stumes ® leis dos tempos medievais. Apenas um A distância social com os outros segmentos da população
outras on,na^ Pr0pnedade Paterna- Os demais deviam encontrar aldeã manifestava-se no traje e nas atividades de cunho social ou
social aldeã^n h P&ra gardlar a vida. Em seguida, na pirâmide paroquial. As diretorias das associações religiosas estavam em
regiões de ^ lãluPTíiki; chamados também, em outras
suas mãos.
mais cóm un^ dnikl- ° o s proprietários de terra esses eram os
Suas DroDriprinrioram verdadeir°s proprietários de minifúndios,
do que possuía nã° ultraPassavam a quinta parte 18KUTYM A, Manfred. Przeczyny wychodzstwa ze álaska opolskiego na
przykldzie wsi Siolkowice w powiecie opolskim. Mimeografado. Opole, 23 e
c t e S E t r l6C' de form a que a* propriedades dos 24 out. 1969. Konferencja populama naukowa — 100 lat Polonii brazyliskiej.
ampliar a p r o p r ie d a ^ a™™ 10 hectares- Sua maior ambição era 1#Ibid., p. 8.
P ade. A maioria possuía em tom o de 2 ou 3
28 29
o camponês polonês, sofrido e explorado outrora pela nobre­
rural e dirigiram-se às cidades, onde em aliança com a burguesia,
za de sua própria nação, após a perda da independência, viu acres­ ali existente, formaram os quadros de uma classe industrial polo­
centar-se a exploração do ocupante. Este aldeão passou a ser um nesa, já que não tinham condição de se imiscuir entre a classe
indivíduo socialmente mais arredio ainda. E. Banfield, citado por política dirigente, quase monopolizada pelos russos.
Henri Mendras.20 considera este comportamento arredio e quase
anti-social, como uma das características fundamentais das clas­ 0 acesso do camponês à terra que trabalhava, veio fortalecê-
ses camponesas. Seria esta atitude um produto da instrumentali­ lo economicamente. A eliminação das antigas corvéias e imposi­
zação dos valores familiares, existentes em sua sociedade. Esta ções senhoriais, agora capitalizadas a seu favor, permitiram-lhe
moral prática, que orienta o comportamento cotidiano do campo­ melhorar sua situação econômica. Um reflexo dessa melhoria é a
nês, é qualificada de familiarismo moral. Uma das manifestações expansão das terras cujos proprietários são os camponeses. No
desse familiarismo moral no cotidiano é o seu comportamento período compreendido entre 1864 e 1899, os camponeses adquiri­
arredio e desconfiado. O isolamento do grupo doméstico com o ram por suas próprias forças quase 9% a mais, do total das terras
qual convive c a extrema miséria, comparada evidentemente com que possuíam anteriormente a 1863. 23
as condições de vida da sociedade envolvente, leva o camponês a Este progresso do campesinato — embora não muito sensível
considerar como um mal as influências que vêm de fora. Se algu­ — refletiu-se também no comportamento demográfico da popula­
ma influência da sociedade envolvente fo r benéfica, ele a considera ção.
uma mera casualidade. Nada além do mal, ou a exploração, pode Num período de 27 anos (1863-1890), a população cresceu em
ser esperado dos elementos pertencentes à sociedade envolvente. 68,2%, enquanto a expansão das terras cultivadas no período de
Henri Mendras considera esse comportamento do camponês 1864-1899 ocorreu apenas em 9%. Constata-se portanto, que o cres-
como que envolto por um ethos pessimista e o qualifica de cinica­ cimento demográfico, a partir de 1864, foi superior à expansão da
mente racional. Entretanto, este posicionamento da mentalidade terra cultivada. A indústria, que despontava em alguns centros ur­
do camponês, conduz o mesmo nas relações com os notáveis e a banos, não era capaz de absorver todo o excedente de mão-de-obra
sociedade envolvente, sem se deixar manobrar pelas ideologias do meio rural. O aproveitamento dessa mão-de-obra proveniente
exógenas. O contacto com pessoas de condição social superior à do excedente das populações rurais, não passava de 30%. Ocorre­
sua, era suficiente para que o camponês polonês os repelisse inti­ ram então três fenômenos importantes de repercussão no meio
mamente e deixasse de confiar nas suas palavras. Qualquer pessoa rural:
bem trajada que aparecesse na aldeia era logo taxada de varso-
viana ou de szlachdc ou seja, membro da nobreza. Nestas circuns­ 1 — o parcelamento excessivo das propriedades camponesas.
tâncias, todo o entendimento entre as partes deixava de existir e 2 — o recurso à migração agrícola sazonal, notadamente para
toda a diferença social então se manifestava; mutatis mutandi, os a Alemanha.
camponeses eram também rotulados, pelas classes envolventes de
tolos, estúpidos, massas ignorantes etc.21 3 — o empobrecimento dos pequenos proprietários rurais,
apesar da melhoria inicial que experimentaram logo após
O ano de 1864 é muito importante para a história do campo­ a abolição das obrigações senhoriais.
nês polonês do Território do Vistula. Deste ano, data o acesso
definitivo do camponês à propriedade da terra que amanhava. A minifundização da propriedade agrícola, era propositada-
Apesar da tragédia da revolução de 1863, a abolição das obriga­ mente mantida pelo governo tzarista, para enfraquecer a possível
ções^ para com os senhores veio trazer alguma melhoria ao cam­ resistência política do camponês polonês. A propriedade média do
ponês, proporcionando-lhes novas possibilidades de renda. Esta camponês do Reino atingia 2 a 5 ha, representando estas 39,2%
conquista foi introduzida pela mão alheia e inimiga muito mais das propriedades rurais, enquanto as que compreendiam de 5 a 20
rdiamente do que o nosso povo o faria se pudesse mandar-se a ha representavam 33,1%. 23 Como resultado de tal ^conjuntura
si mesmo. « agrária, no início da década de 1890, o camponês polonês do Reino
encontrava-se numa inimaginável miséria, i.é ., verdadeira misé­
Importantes setores das classes latifundiárias diminuíram ®
ria e falta de esperança de libertar-se da opressão da mesma, no
ase de sua sustentação econômica. Muitos abandonaram a vi
país” .2*

^ m e n d r a s , p. 194. 23SZAWLESKI, p. 47.


-4Przeglad Emigracyjny. n.° 18-19. p. 192 e ss.
»Ib id gn ° 1
^ migracyjny- Lwów, 1893, ano II, n.° 3. p. 27-28.

30
Segundo S. Klobukowski, no Reino existiam milhões de pe­ As populações urbanas ingressavam nas últimas décadas do
quenos agricultores e proletários que não encontravam o sufi­ século X IX , em plena fase de expansão do regime de economia
ciente ganho, nem nas grandes propriedades nem na indústria; capitalista, que caracterizava todos os países modernizados da Eu­
cada um deles estava mais ou menos na situação do indivíduo que ropa, apesar de conter no seu bojo um latente, porém explosivo
sob o ponto de vista físico, desde a infância quase nunca está su­ problema social camponês e o advento da problemática surgida
ficientemente alimentado e sob outro ângulo, nunca está livre da com o desenvolvimento do proletariado urbano.
preocupação de como amanhã alimentar a família e a si. Encon­
tra-se ele pois como no inferno de Dante; onde algo lhe sussurra Nas primeiras décadas de ocupação austríaca na Galícia, a po­
constantemente: sempre permanecerás na miséria e estigmatiza­ lítica seguida pelo governo de Viena em nada diferia da que era
do, jamais conseguirás uma melhor situação entre os homens de seguida pelos outros governos de ocupação. O objetivo austríaco
melhor ganho” .25 O homem não se alimentava suficientemente e era inicialmente a germanização da população. Porém, ocorre o
sofria nesta situação. Servindo o exército por três anos consecuti­ debilitamento do governo do Império Austríaco, resultado de uma
vos, o jovem era desmobilizado, ficando com a obsessão proble­ política mal sucedida, onde sucessivas derrotas militares coloca­
mática de conseguir seu sustento de um dia para outro. S. Klobu­ ram em dificuldade o governo central. As inúmeras nacionalidades
kowski pergunta se: que compunham o heterogêneo império colocavam-no face a mui­
tas contradições. Os austríacos foram obrigados à renúncia de uma
série de privilégios e a fazer às nacionalidades várias concessões.
Estes são verdadeiramente seres humanos? Estes não Foi assim que a Galícia obteve uma apreciável autonomia dentro
são caricaturas de homens? Não serão seres doentes, da monarquia autro-húngara. O primeiro passo foi o abandono da
não atingindo as características de verdadeiros seres hu­ política de germanização, por parte do governo central de Viena.
manos? Que vantagem a nação tem deles? As conse­ Na administração e no ensino foi abandonada a língua alemã e
quências disso são: impressionante mortalidade. Esta reintroduzido o polonês, a partir de 1871; a autonomia adminis­
nós não vemos porque não nos preocupamos com este trativa foi tolerada em nível distrital.
fato comum. Comprová-lo facilmente pode qualquer um
que não entenda de estatística, perguntando a uma m u­ A Galícia continuava sendo uma região essencialmente agrí­
lher já idosa da aldeia: quantos filhos teve e quantos cola, porém num nível excessivamente baixo. O artesanato, a in­
filhos ainda estão vivos? A resposta é uniform e: que os dústria e o comércio estavam pouco desenvolvidos. É verdade que
teve 6, 8 e até mais, porém com vida tem 2 ou até a abolição da servidão senhorial, e o acesso do camponês à pro­
nenhum. ls priedade da terra desde 1848, veio melhorar sem dúvida sua si­
tuação econômica, trazendo consigo a melhoria das condições de
estímulo ao trabalho. Porém a grande catástrofe da agricultura
Estatisticamente, assim S. Klobukowski apresenta a situação galiciana era a estrutura da propriedade agrícola. Uma reforma
por mil habitantes:
agrária já havia sido iniciada pelo governo austríaco, ainda no
século X V III, porém a mesma só veio ampliar o número de mini­
Anos Nascimentos óbitos fúndios. Se no Reino da Polônia o minifúndio tomava-se um pro­
blema que impedia o desenvolvimento da agricultura, na Galícia
1861-68 42,2 30,4 o mesmo tomou-se crucial. Em 1859, as propriedades cadastradas
1871 43,1 24,5 que possuíam menos de 2 ha, representavam 35,6% do total. O
1872 40,7 29,4 tempo entretanto não trabalhava para a melhoria da situação, pois
1873 42,7 37f427 em 1902 a porcentagem dessas propriedades verdadeiramente pul­
verizadas, atingia a 42,3%. 28
Nas últimas décadas do século X IX , o Reino transformou-se Outra calamidade era o parcelamento dos terrenos. Existiam
na parte da Polônia que mais se industrializou. A Rússia, ainda em 1911, 19.340.341 parcelas de terrenos agrícolas cadastrados,
essencialmente rural, era um mercado consumidor ávido dos pro­ porém segundo a opinião corrente eram na realidade muito mais,
dutos do Reino, notadamente dos produtos têxteis.
pois muitos não eram declarados, para fugir do pagamento dos

2»Id.
29Id. -•«LUDKIEWICZ, Z. Kwestja rolna w Galicji. Citado por SZAW LESR I,
27Id. p. 46.

32 33
impostos. Se o número de proprietários ultrapassava um milhão,
conclui-se que um proprietário tem suas terras espalhadas em de­ econômica. O camponês provavelmente utilizava-se de uma velha
zenas de parcelas. Estas pequenas parcelas caracterizavam-se apre­ religiosidade medieval como mecanismo de auto defesa contra a
sentando faixas estreitas e compridas como nos primórdios me­ exploração senhorial. Para interromper as corvéias, passava a va­
dievais do país. A população os chamava de “ cordões". Esta es­ lorizar ao extremo os feriados religiosos do calendário cristão.
trutura dificultava com freqüência inclusive o acesso do proprie­ Qualquer dia santificado ou importante do calendário, era pre­
tário até o lote. Era comum ter que passar por terrenos alheios texto para se observar com o devido respeito e o respectivo des­
até que pudesse chegar à sua propriedade. Este caótico parcela­ canso. Assim, ainda em 1870, quando há muito já haviam sido
mento da propriedade dava ensejo ao surgimento de inúmeros de­ abolidas as obrigações senhoriais, na Galícia oriental temos que:
sentendimentos e atritos entre os camponeses. As intrigas entre
vizinhos eram múltiplas, causadas pela demarcação da divisa, pela 34 distritos trabalhavam apenas 100 a 200 dias anuais
posse de um pé de árvore frutífera localizada na divisa, pela inde­
nização de estragos feitos por animais etc. etc. Só no ano de 1903, 22 ” ” ” 120 a 150 ”
os processos jurídicos tratando de questiúnculas agrícolas, atin­
giam na Galícia a cifra astronômica de 555.873, o que comparado 16 ” ” ” 150 a 200 ” ” 32
com as cifras da Boêmia, dá 5,5 vezes mais. 29*3 1 Estes litígios, que
podem parecer uma ridícula usura, levam freqüentemente os pe­ Até a Primeira Guerra Mundial, esta situação permaneceu ba­
quenos proprietários à ruína material, quando do pagamento das sicamente a mesma.
contas judiciárias.
É evidente pois, que numa tal estrutura agrícola e mental,
A existência desse ambiente até certo ponto ridículo e gro­ qualquer desenvolvimento econômico tornava-se inviável, sem an­
tesco na vida camponesa da Galícia, explica a existência nos fins tes modificar as bases culturais e mentais da população campe-
do século X IX na região, de 20 m il destilarias de aguardente. sina.
Nestas condições agrícolas e sociais, d ifícil era conduzir racional­ Outra característica fundamental do comportamento da po­
mente a propriedade agrícola. ,0 pulação galiciana, era seu extraordinário crescimento natural. Do
Império Austro-Húngaro, era a Galícia a região mais prolífica e
A pulverização da propriedade agrícola galiciana era a mais
acentuada dos três territórios de ocupação: que mais se caracterizava dentro do modelo pré-malthusiano de
crescimento da população agrícola, sem perspectiva ainda de mu­
danças. Em 1880, seus nascimentos correspondiam a 42,2 por mil,
Galícia Reino Posnânia em 1890 a 43,7 por mil e em 1900 44,3 por mil. 33
Número de proprietários .................... 1.008.541 Ao contrário do Reino da Polônia, o atraso da industrializa­
I. 101.961 204552
Média da propriedade agrícola ........ 7,0 ha ção galiciana impediu que a classe burguesa desempenhasse qual­
II, 0 ha 12,4 ha quer papel ativo na evolução da sociedade local. Os intelectuais
Média da propriedade do camponês 3,8 ’’
8,0 ” 4,5 ” 81 existentes estavam concentrados nos dois maiores centros urba­
nos: Cracóvia e Lwów. Estavam ligados aos círculos dos latifun­
de de V2 a 2 ha n ^ ftanto’ que na Galícia prevalecia a proprieda- diários conservadores. O campesinato, sem possibilidades imedia­
tários. Esta c° r resP ° nde a 35,4% do total dos proprie- tas de ascensão social, constituía uma grande massa amorfa, re­
borada por um sistemaSflXia? ° ra para ° camPesinat°. era corro- signada com o seu destino. A única resposta que passou a encon­
sino ser administra rin & esc° lar também arcaico. Apesar de o en- trar para tentar minorar a sorte, era procurar melhores ganhos
através da migração sazonal para outros territórios e posterior­
fabetismo atingia 70% t a p o p í a ç f o 8 “ lfagUa polones3’ 0 anaI' mente através da emigração transoceânica para a América.
pel° Escritório Estatístico de Lwów,
=amente dominada nor ° nental em ,1870 a população estava prati-
P r uma mentalidade religiosa totalmente anti-

I9SZAWLESKI, p. 47-48.
*°Ibid., p. 48.
^C W lY n s KA, Zofia Daszynska. Z badan nad zagadnieniem ludnoáó-
31ROCZNIK Statystyczne, citado por S Z A W L E S K I, p. 47. Ekonomista. Warszawa, 1910. 10 (2 ): 1-31, p. 23.
34
35
parte mais pobre da população. A população miserável encontra
sua alimentação somente nas frutas, ervas e leite".*
A mendicância desenvolveu-se em todos os lugares. No rela­
tório de 1856, o Presidente da Regência anotava que frequente­
mente encontram-se pessoas magras para as quais faltam forças
e vontade para trabalhar.* Em conseqüência, os assaltos e rou­
bos se multiplicaram.
CAPÍTULO II
Esta situação é que provocará o início da emigração da Silé­
CONJUNTURA EMIGRATÓRIA sia, em grupos, para a América. Em 1854, um grupo pioneiro pre­
parou-se para emigrar aos Estados Unidos. Muitos tentavam
demovê-lo da idéia, recebendo a seguinte resposta: Se m orremos
aqui ou lá, isto é indiferente para nós, em todo caso queremos
No seu início, a emigração polonesa está ligada à emigração tentar a sorte.6*
alemã. Na primeira metade do século X IX , o movimento emigra-
N o domínio prussiano, o camponês sentia a diferença com
tório alemão era relativamente fraco. Somente a partir de meados
relação ao grande proprietário, muitas vezes alemão ou germani-
do século, o mesmo começa a tomar grandes proporções. Em 1854,
zado através da língua. O polonês caracterizava-se como sendo a
todos os Estados alemães já estavam envolvidos pelo vírus emi-
gratório.1 língua das classes proletárias, notadamente agrícolas, enquanto o
alemão era falado preferencialmente pelas classes de status mais
Os terriótrios prussianos habitados por populações polonesas, elevado. Entretanto, se a língua falada era fator de separação de
foram também atingidas pelo movimento. Este avolumou-se na dé­ classe, passou a ser, com o advento da migração sazonal, elemento
cada de 1840, para atingir níveis sem precedentes na década de de aproximação entre as massas camponesas dos três domínios.6
1850. Para a população local, objetivamente faltavam as condições
Na década de 1860, acentuou-se um outro fator que contribuiu
materiais para uma existência humana e subjetivamente enfren­
para que o camponês polonês tomasse a decisão de emigrar: o
tavam as discriminações de língua, políticas e sociais.
maior recrutamento para o exército prussiano, envolvido em inú­
A reforma agrária, realizada na primeira metade do século meras guerras externas. Esta conjuntura impulsionará os pionei­
X IX , retirou do camponês cerca de 1/3 de sua terra, ao mesmo ros silesianos da aldeia de Siolkowice para o Brasil.
tempo em que criava novo tipo de fisco. Na maior parte dos casos,
esta pretensa reforma agrária não trouxe a melhoria da situação. O responsável pela vinda desse grupo para o Brasil, foi um
Mas o camponês conseguiu desde então procurar novos ganhos membro da própria aldeia, Sebastião Wós, filho de um kmiec, que,
além de sua restrita região natal. concluindo os estudos secundários, preparava-se para ingressar na
Universidade de Breslau, quando em razão de suas idéias naciona­
Em meados do século passado, a região da Polônia prussiana, listas foi chamado para servir o exército prussiano. Mudou então
notadamente a Silésia, sofreu os efeitos de uma avantajada crise de nome, para Sebastião Edmundo Wós Saparoski, e emigrou para
econômica. Fenômenos climáticos, como chuvas catastróficas, em a América do Sul. Uma vez na colônia Blumenau, na Província de
vários anos intermitentes, prejudicaram as colheitas. A Guerra da Santa Catarina, em conjunto com o padre A. Zielinski, então pá­
Criméia, por seu turno, deteve o fluxo de cereais baratos para a roco de Gaspar, a cuja paróquia pertencia a colônia Blumenau,
Europa ocidental, fluxo este procedente da Rússia, que tinha de concebeu um plano para promover a imigração polonesa ao Brasil,
garantir o abastecimento de seu próprio exército. O custo de vida através de cartas aos seus patrícios e conhecidos da aldeia de Siol­
subiu muito. O resultado, devido à subalimentação do povo, fo i o kowice, conseguiu atrair a primeira leva de 16 famílias (1869), se­
surgimento de epidemias de tifo, cólera e disenteria, que grassa­ guindo-se mais 16 famílias, que totalizavam 164 pessoas.
ram nas décadas de 1840 e 1850.2*4
Até 1855, as epidemias renasceram, mesmo nos lugares já as­
solados. A crise de alimentos era sentida fundamentalmente pela 3DEUTSCHES Zent ralarchiv. Regierungsbeirk Oppoln 1845-1846, livro
112. Citado por BR OZEK, p. 4.
4R E G IE R U N G S B E Z IR K Oppoln 1855-1858. K. 86. Citado por BROZEK,
JBROZEK, Andrzej. Emigracja zamorska z Górnego Slaska w I I polowie
X IX wieku. Trabalho apresentado na Konferencja popularna naukowa — 100 P- 7.
lat Polonii brazylijskiej. Opole, 23 e 24 out. 1969. p. 1. »Id.
2Ibid., p. 5. «Ibid., p. 9.

36 37
Siolkowice era uma aldeia silesiana, onde perduravam entre ções políticas — que ressurgiam sempre, após um movimento
a população, costumes dos tempos senhoriais. Muitos desses cos­ revolucionário. Emigrava somente o povo miúdo. Como as distân­
tumes foram conservados no Brasil, embora de form a atenuada. cias sociais eram notadamente acentuadas na Polônia e as classes
Na paróquia de Sta. Ana de Abranches em Curitiba, onde os al­ sociais mais elevadas e intelectualizadas possuíam um comporta­
deões se Siolkowice se estabeleceram, existe no acervo do Arquivo mento totalmente afastado das classes menos favorecidas, o mo­
Paroquial um livro que registrava os paroquianos que pagavam vimento emigratório nas primeiras décadas de sua existência não
seu lugar cativo nos bancos da igreja.
era suficientemente percebido pela sociedade envolvente.
Apesar das circunstâncias, adversas para a sobrevivência em
S. Klobukowski afirma que foi preciso o advento de um gran­
vastos segmentos da sociedade polonesa, a emigração era mal vista
de movimento emigratório para o Brasil, após 25 anos de emigra­
por praticamente todos os setores dessa sociedade. Na aldeia, de
ção anual, para as altas esferas tomarem conhecimento ao menos
mentalidade sempre conservadora, a opinião pública critica a saída
de sua existência. Como no início emigrava somente o elemento
de qualquer de seus membros. Tal atitude era mal vista e indese­
aldeão, a imprensa e as instituições não tomaram conhecimento
jável, a não ser em caso de indivíduos socialmente prejudiciais;
do fenômeno.10 Uma revista galiciana, especializada em assuntos
nenhum grupo aldeão deseja perder membros, porque deixar a
emigratórios, critica este desinteresse da inteligentzia polonesa
comunidade é sempre uma manifestação de insatisfação para com
face ao camponês:
as condições existentes e para com os membros da comunidade.
No primeiro caso, porque não arca com as obrigações comuns e
no segundo caso porque estar insatisfeito, quando boa parte da Nós, intelectualidade e líderes da nação, percebemos so­
comunidade está satisfeita, não deixa de ser um ato de revolta.7 mente nos últimos momentos que existia esta corrente.
Ainda em 1890, a febre emigratória brasileira surpreen-
Por outro lado, estamentos da sociedade envolvente levanta­
deu-nos com o a crianças desprotegidas. Sobre o país
vam-se contra a emigração, pelo fato de a mesma diminuir a mão
para onde dirigiam-se multidões de aldeões e artesãos
de obra disponível, encarecendo-a substancialmente.8 Os setores
poloneses, nós não sabíamos absolutamente nada.11
nacionalistas também eram contrários à mesma, porque esta enfra­
quecia a resistência étnica e cultural, face às nações ocupantes.
A saída de milhares de indivíduos facilitava a penetração estran­ O mesmo articulista salienta que o interesse por essa enorme
geira, sobretudo a formação de populações mistas, e a perda con- massa de dezenas de milhares de camponeses está despertando e
seqüente da coesão étnica polonesa. Estes setores também mani­ o consolo é que pelo menos um fato desse tipo não passe desper-
festavam-se contrários aos movimentos sazonais, porque introdu­ percebido. Prega a aproximação da inteligentzia, mas salienta que
ziam novos elementos culturais, enfraquecendo a pureza da cultura nada vai adiantar amedrontá-los com as dificuldades do trânsito
oceânico, nem o inferno brasileiro. O camponês na realidade não
já violentamente abalada pela russificação e germanização nas es­
colas e instituições públicas. Evidentemente, os setores poloneses possue formação universitária, mas não é uma criança e nas ques­
eram incapazes de enfrentar o problema, por não disporem dos tões práticas possue freqüentemente uma perspicácia aguda. O
poderes políticos necessários. Tanto a emigração como os m ovi­ articulista defende a necessidade de aproximar-se do mesmo com
mentos sazonais tinham que ser tolerados como um mal inevitável. absoluta simplicidade. Lembremo-nos do fato incontestavelmente
Esta posição nacionalista, de restrição à emigração, atuou signifi­ triste e inaudito de sua selvagem desconfiança para com pessoas
cativamente sobre todos aqueles que pretendiam preservar a uni­ de nível social mais elevado e lamenta afirmando que talvez fize­
dade e cultura da Polônia.1' Entretanto frise-se que segmentos do mos por merecer isto.1-
campesinato, base de toda a emigração polonesa, devido ao seu A chamada inteligentzia não emigrava. Emigravam indivíduos
baixo nível cultural, não demonstravam, em terras de imigração, não somente das cidades e das localidades mais abertas, i é ., mais
possuir uma consciência nacionalista suficientemente desenvolvi­ em contacto com o mundo, como sobretudo das aldeias mais iso­
da. Os elementos mais socializados e conseqüentemente mais ins­ ladas e conservadoras. Aqui surge um fator de diferenciação. Nas
truídos eram muito raros, excetuando os participantes de emigra-*1 8 populações das localidades e aldeias mais abertas, onde os movi-

7THOMAS, William I. & Z N A N IE C K I, Florian. The polish peasant in i'»TRESC referatu Dra. Stanislawa Klobukowskiego o wychodstwie
Europe and America, vol. 1. New York, Diver Publication, 1958. p. 61. polskim z pod panowania rosyjskiego. Przeglad Emigracyjny. Lwów, 1 out.
HKRO K naprzód. Przeglad Emigracyjny. Lwów, 1 out. 1893, ano II, n.° 1893. Ano II, n.° 18 e 19, p. 196.
18 e 19, p. 189.
u Przeglad Emigracyjny. Lwów, 1893. Ano II, n.° 3, p. 28.
«THOMAS & Z N A N IE C K I, p. 1485.
,2Id.
38
39
mentos sazonais para obter maiores ganhos nos países vizinhos
tomaram-se rotina, a mentalidade dos grupos aldeões tornou-se A primeira leva de imigrantes poloneses que aportou ao Bra­
menos tradicional. O contacto com o mundo exterior tomou-se fre­ sil, provenientes de Siolkowice, era assim constituída quanto às
quente e em conseqüência houve nestas comunidades uma desar­ categorias agrícolas:
ticulação maior da velha organização social. Estas populações
mais arejadas davam preferência à emigração para os Estados Categoria N.° de famílias %
Unidos. Mesmo sendo agricultores na Polônia, nos Estados Unidos
davam preferência às profissões urbanas, demontrando desta fo r­ Chalupniki 12 37,5
ma que a abertura para o mundo lhes estimulou o desejo de urba­ Komorniki 9 28,1
nização. Nestas circunstâncias, emigravam preferencialmente in­ Artesãos 4 12,5
divíduos isoladamente, embora condenados pela maior parte dos Kmiec 3 9,4
membros da comunidade de origem .Este tipo de emigração para Não identificados 4 12,5
os Estados Unidos, era façanha individual, decidida no máximo no
âmbito da família e alguns amigos. Neste caso, quando emigravam,
cada qual ia por sua própria responsabilidade, embora, com um Dois terços portanto dessa primeira leva era constituída de
destino indefinido e fora do controle do grupo. Entretanto, quando pequenos proprietários os chalupniki, ou de arrendatários kom or-
a emigração não era individual e sim grupai, em massa, a situação niki. A presença de três kmiecie nesta leva primeira, indica que
mudava Embora houvesse ruptura com o sistema tradicional e mesmo aqueles para os quais a situação não era muito desfavorá­
provavelmente uma oposição daqueles que eram contra a saída do vel aderiram à emigração quando esta tornava-se fenômeno de
grupo, a comunidade frequentemente considerava o ocorrido como grupo. Os kmiec que emigravam, faziam-no para tomarem-se ainda
anormal, sem cunho de revolta. maiores proprietários no Brasil, enquanto as outras categorias
para continuar no mesmo nível social e econômico e se possível
A emigração grupai manifestou-se mais nas comunidades iso­
ladas e conservadoras, com menor contacto com o mundo exterior, tornar-se um grande proprietário na nova terra de adoção.
às quais poder-se-ia chamar de comunidades mais atrasadas. Estas Após o término da guerra franco-prussiana, a emigração polo­
comunidades é que forneceram a maior parte dos emigrantes que nesa das terras prussianas voltou a ocorrer. Em 1873, um grupo
aportaram no Brasil. Escolhiam este país pelo fato de oferecer de 258 pessoas provenientes em maioria da Pomerânia e atraídas
terra para agricultura em abundância e, a partir de 1890, inclusive pelos pioneiros poloneses localizados nos arredores de Curitiba,
transporte marítimo gratuito. Além disso, o Brasil financiava a fixaram-se na colônia de Abranches. Ainda em 1872, 500 pessoas
própria fixação do emigrante no lote escolhido na colônia. Desta da Pomerânia fixaram-se em Santa Catarina. Em 1875, silesianos
forma, o emigrante que vinha para o Brasil o fazia pensando em fundaram a colônia Santa Cândida nos arredores de Curitiba. No
continuar na profissão de agricultor e tomar-se proprietário de ano seguinte, 390 imigrantes da Pomerânia e Silésia instalaram-se
terrenos. Segundo os padrões agrários poloneses, os lotes distri­ na colônia de Santo Inácio e órleans e, em 1878, 500 pessoas fixa­
buídos pelo governo brasileiro eram grandes propriedades. ram-se na colônia Inspetor Carvalho, estas últimas todas no
Paraná.
Duas categorias de camponeses poloneses deram preferência
a emigrar para o Brasil: os chalupniki e os komorniki. A emigração transoceânica no Reino, iniciou-se somente na
década de 1870, em conseqüência da introdução, na região de capi­
K. Siemieradzki salienta, em artigo de sua autoria, que no tais e técnicas no setor da indústria de tecelagem. A importação
consenso geral dos meios emigratórios europeus, as multidões de máquinas inglesas de fiação e tecelagem em algumas cidades
polonesas eram tidas como desprovidas de toda e qualquer posse do Reino provocou o fechamento de inúmeros estabelecimentos
de capital; entre eles apenas um em cada dez possuía algo quando artesanais do ramo. Em conseqüência, entre 1872-74 partiram as
embarcava. Entretanto, o autor desmente tal consenso, destacando primeiras levas de emigrantes, sobretudo para os Estados Unidos,
que uma parte significativa dos poloneses era possuidora de capi­ compostas de pequenos artesãos e trabalhadores braçais. Trata­
tal e muitos deles chegavam a possuir de 1.000 a 2.000 marcos va-se de um movimento ainda modesto, não ultrapassando a casa1 *
4
alemães, obtidos pela venda de suas terras e bens.18
14KUTYM A, Manfred. Przeczyny wychodzstwa ze Slaska opolskiego na przy-
n SIEM IR AD ZK I, Konstanty. Pozostaloác brazylijska. Przeglad EmJgracyJny. kladzie wsi Siolkowice w powiecie opolskim. Trabalho apresentado na: Kon-
Lwtíw, 1893. Ano II, n.° 6. p. 62. fereneja populam a naukowa — 100 lat Polonii brazylisklej. Opole, 23 e 24
out. 1969. p. 10.
40
dos 4.000 emigrantes anuais, diminuindo quando da adaptação da vamente a diminuição da produção da batata. Situação
nova conjuntura às condições do incipiente capitalismo industrial. semelhante ocorreu no Im pério Russo ( . . . ) . E m agosto
de 1891, veio a ordem de transportar pela fronteira os
A emigração camponesa aldeã iniciou-se mais tarde, em re­
cereais ( . . . ) . O inevitável aumento dos preços dos gêne­
giões próximas da fronteira com a Prússia, como resultado da in­
ros alimentícios refletiu-se sobretudo nos trabalhadores
fluência dessas populações já habituadas ao fenômeno emigratório.
rurais das aldeias e no proletariado urbano.1*
A preferência destes era semelhante aos que partiam dos centros
urbanos: os Estados Unidos.
Na segunda metade de 1889, iniciou-se nas fiações de Lódz
Até o ano de 1890, a emigração do Reino para o Brasil é dimi­ uma crise industrial, provocando redução do número de operários
nuta, não se caracterizando pela saída de grandes massas popula­ empregados, atingindo cerca de três mil trabalhadores, e toda a
cionais. Em 1889, a emigração para o Brasil, de todo o Im pério Província (d e L ód z) em cerca de nove mil.10 Em conseqüência,
Russo, era de apenas 12 indivíduos. No ano seguinte, 1890, ela diminuíram os salários e os dias de trabalho, ocorrendo o fecha­
atingia 29.226 indivíduos. Somente na segunda metade de 1890, a mento de parte das fábricas menores. Em 1890, a crise também
região será tomada de sobressalto por um grande movimento para se fez sentir na Província de Varsóvia. Com a queda conseqüente
o Brasil, o qual se denominou de febre brasileira. dos salários e a falta de toda e qualquer possibilidade de ganho
Esse inusitado movimento emigratório teve por base duas con­ para os trabalhadores, a miséria começou a ser sentida pelas ca­
junturas excepcionalmente favoráveis: uma no Brasil e outra no madas menos favorecidas. No campo, multidões de pequenos pro­
Reino da Polônia. prietários não tinham como que passar o rigoroso inverno de
1891-92, pois não puderam economizar por ocasião da colheita. A
No Brasil, a abolição da escravidão africana em 1888, veio tor­ miséria atingiu até os proprietários considerados médios. A vida
nar crucial a problemática da mão de obra agrária no pais. A fli­ do aldeão que dispunha de 10 acres hoje, quase que não se dife­
giam-se os grandes proprietários das fazendas de café. A falta de
rencia do trabalhador sem propriedade,1T
mão de obra poderia afetar seriamente a economia do país, já que
era seu principal produto de exportação. A solução encontrada foi Nos relatórios dos Governadores de Província do Reino, o ci­
promover a importação de mão de obra agrícola européia. Com tado autor encontra registradas as maiores queixas: baixos salá­
isto, o Brasil procuraria atingir dois objetivos básicos: rios, pesadas condições de trabalho nas quintas, falta de trabalho
etc.1
78
*1
5
1 — satisfazer a necessidade de mão de obra para as fazendas Os trabalhadores do campo chegavam a queixar-se da aboli­
de café.
ção das obrigações senhoriais, pois nesta emergência teriam ga­
2 — criar dezenas de núcleos coloniais nos Estados meridio­ rantido a sobrevivência com pequenas pensões do senhorio. Quem
nais do Brasil, para que garantissem o fornecimento de mais se aproveitava da situação eram os grandes proprietários,
produtos de subsistência. que adquiriam as propriedades dos minifundiários a preços bem
abaixo do seu valor.1”
No Reino da Polônia, a conjuntura econômica revelava-se fa­
Jósef Jeziorariski, no jornal Slowo, no início de 1891, numa
vorável a tal movimento. Além das condições políticas, sociais e
culturais reinantes, a região já vinha sofrendo anos seguidos de série de artigos sobre emigração, chamava a atenção para o fato
condições anormais em sua economia industrial. Esta era sentida de o fechamento da fronteira com a Prússia ter provocado a falên­
notadamente na cidade industrial de Lódz e arredores. Em 1889, cia da criação de animais menores não bovinos, a qual ocupava
condições climáticas adversas produziram uma queda na produ­ numerosa mão de obra.20
ção agrícola estimada em 28,7%, notadamente na produção de
batata inglesa, produto básico na região. N o ano seguinte, 1890, a 15G R O N IO W S K I, Krzystolf. Goraczka brazylijska. Kwartelnlk Hlstorycz-
produção relativa melhorou, mas foi ainda inferior à obtida na ny. Wroclaw. 64 ( 2) : 317-341. p. 318.
Rússia propriamente dita. 1BIH N A T O W IC Z , I. Przemysl lódzki w latach 1860-1900. Wroclaw, 1965.
p. 73 e 88. Citado por Groniowski, K. Polska emigracja zarobkowa w Brazyllj
Após o fraco inverno de 1889/90, adveio a seca e após 1871-1914. p. 49.
17G R O N IO W S K I, K. Polska emigracja zarobkowa w Brazyüi. p. 49.
as chuvas de verão evidenciou-se a má produção agrí­ I8Ibid., p. 50.
cola, sobretudo de centeio e batatas. Em 1891, o inverno ,8Id.
foi m uito longo e a primavera chuvosa, o que causou no­ 20Ibid., p. 57.

42 43
A afirmativa de que a miséria era sentida pela m aior parte Diz a lenda que o Paraná até então estava encoberto por né­
da população2' foi documentada pelas longas listas de pedintes que voas e que ninguém sabia de sua existência. Era a terra em que
são encontradas nos jornais e periódicos católicos, os quais apela­ corria leite e mel. Então a Virgem Maria, madrinha e protetora
vam para a caridade pública.222
1 da Polônia, ouvindo os apelos que o sofrido camponês polonês
lhe dirigira, dispersou o nevoeiro e predestinou-lhe o Paraná. Tal
Nestas circunstâncias, a necessidade do governo brasileiro em
encontrar mão de obra agrícola numerosa na Europa, encontrou decisão da Virgem Maria havia sido comunicada ao Papa, o qual,
sensibilizado pelo destino da cristandade polonesa, convocou to­
no Reino condições das mais propícias. Com estes objetivos, o go­
dos os reis e imperadores da terra, para sortear a posse de tal
verno brasileiro assinou contratos com várias companhias de na­
vegação transoceânica, comprometendo-se a pagar per capita, os território. Por três vezes consecutivas foi tirada a sorte, e sempre
o Papa era o contemplado. Então o Papa solicitou ao Imperador
emigrantes por elas desembarcados no Rio de Janeiro. Desta for­
brasileiro que distribuísse essas terras aos poloneses, para que a
ma, facilitava-se sobremaneira a vinda de imigrantes para o país,
tivessem à fartura e ali pudessem viver felizes, expandindo seu
pois a passagem e a manutenção dos imigrantes corria por conta
do governo brasileiro. Eliminava-se o mais sério obstáculo eco­ cristianismo.
nômico à vinda de camponeses para o Brasil. No início da febre, enquanto o governo russo ainda não
havia tomado uma posição contrária à emigração, a imprensa pu­
Surgiram então vários escritórios de recrutamento nos países
blicava algumas cartas dos imigrantes já radicados no Brasil e o
europeus mais propícios à emigração. Nas regiões mais favoráveis
correio entregava ainda a correspondência chegada, o que facili­
espalhavam-se livretos e brochuras propagandísticas sobre as con­ tava a circulação, pelas aldeias, de notícias e boatos sobre a ver­
dições oferecidas pelo Brasil. No Reino, os chamados agentes en­ dadeira situação no país de adoção. K. Groniowski escreve a res­
contraram uma situação das mais favoráveis para o recrutamento peito da carta de um emigrante de Plock, a qual relatava como os
de voluntários para emigrar. A propaganda recrutadora não tar­ que emigraram desta região receberam 60 acres de terras no Bra­
dou em cair em excessos lamentáveis, os quais exploravam a igno­ sil. Um correspondente do jornal Slowo escreve do boato de
rância e a psicologia do camponês polonês. O Brasil era apresen­ que os emigrantes recebiam no Brasil 60 geiras de terras, e se­
tado como sendo a continuação do paraíso bíblico, onde corria mentes para o plantio, vim par de bois e cavalos, e impostos abo­
leite e mel. A fertilidade da terra era apresentada como espan­ lidos por 10 anos.23 O jornal K urier Codzienne escrevia a res­
tosa, os folhetos mostravam frutos tropicais gigantescos como la­ peito de 50 acres para cada camponês. Numa aldeia circulava a
ranjas, abacaxis, bananas, etc., tidos na Europa como frutos exó­ notícia de que recebiam 100 acres de terra e salientava-se a au­
ticos e acessíveis somente às camadas de posse. O clima tropical sência de inverno. Noutro lugar falava-se em 1.500 rublos de au­
era apresentado como fator de economia, pois evitava a compra xílio para a fixação do colono. A polícia registrava boatos de que
de pesados e caros capotes e vestimentas para passar o inverno. no Brasil surgiría um novo Reino católico polonês, cujo rei seria
Devido à catolicidade arraigada do campesinato e sua menta­ escolhido cada três anos e onde não haveria outra fé, a não ser
lidade típica de comunidades isoladas de regiões atrasadas e ar­ a católica. Em outras Províncias falava-se que no Brasil não havia
caicas, difundiram-se lendas, segundo as quais o Brasil havia sido impostos e que tudo era barato. Ninguém passava fome como na
registrado para o papa e alguns lugares para a coroa inglesa e Polônia. A carta de um emigrante saudava a nova e feliz pátria
brasileira (sic) com a informação de que o Brasil estaria locali­ onde não havia açoitadores nem capatazes, policiais e soldados,
zado perto da Terra Santa ou de Roma. Como enviado do papa nem espiões do tzar. Um camponês salientava não haver quem se
para o Brasil, era apresentado em algumas localidades o súdito preocupasse com os camponeses, nem o governo nem os funcio­
prussiano Jan Zalich. nários governamentais os quais eram acusados, na Polônia, de
serem aliados dos grandes proprietários.24
Durante o transcorrer da febre brasileira, o nome do Pa­
raná foi envolvido numa lenda, surgida pelas aldeias polonesas A propaganda mais difundida em prol da emigração para o
na qual manifesta-se a mentalidade simples do camponês, ampla­ Brasil era do cônsul brasileiro em Lisboa, José dos Santos, que
mente influenciada pelo jugo político estrangeiro, o qual procura­ informava, em folhetos propagandísticos, sobre o transporte gra­
va tirar-lhe a própria terra: outrossim manifesta o domínio que tuito dos emigrantes até o Brasil, condições de fixação nos esta­
a espiritualidade cristã exercia sobre sua imaginação. dos meridionais, bem como nos do Rio de Janeiro, São Paulo, Mi-

21Ibid., p. 50. 2:,G R O N IO W S K I, K. Polska emigracja zarobkowa w Brazylii. p. 51.


22PRZEGLAD Katolicki. Warszawa. Números dos anos de 1890, 1891 e 1892. 24Ibid., p. 50 e ss.

44
nas Gerais e Espírito Santo. Nesta atividade propagandística, im­
portante papel desempenhou, sobretudo entre a inteligentzia, a Sua expressão de que aqui no Brasil há uma nova Polônia,
chamada Carta à Colônia Polonesa do Paraná, endereçada pelo vai aguçar algumas mentalidades românticas e patrióticas da inte­
Presidente da Província do Paraná o Visconde de Taunnay, em lectualidade polonesa, que tomaram esta expressão ao pé da letra
e vão tentar concretizá-la.
1885, aos padres Francisco Xavier Górowski e Ludovico Przetarski,
que exerciam seu ministério sacerdotal entre colonos dos arredo­ As informações referentes ao Brasil, exageradas ou diminuí­
res de Curitiba. das, geraram uma completa confusão a respeito desse país sul-
americano. As informações a seu respeito giravam sobretudo em
torno da problemática da distribuição de terra para os campo­
Ainda não cessaram as desventuras e os sofrimentos
neses, cuja falta era o principal problema camponês na Polônia.
dos vossos compatriotas na Europa. A correspondência
de Berlim, datada aos 16 de outubro próxim o passado, e A essa ação em prol da emigração para o Brasil, correspondeu
inserta no Jornal do Com ércio de 18 de novem bro cor­ uma reação por parte das classes conservadoras polonesas, bem
rente, relata as dolorosas cenas que se estão passando como do próprio governo tzarista. A reação inicial partiu dos
com a expulsão dos polacos das províncias orientais da grandes proprietários de terras, os quais exigiram do governo o
Prússia. Mais de m il pessoas, que moravam em Koe- cumprimento da lei que proibia a emigração dos territórios. A
ningsberg, tiveram de sair às pressas daquela cidade, corrupção das autoridades russas do regime tzarista facilitava as
abandonando quase tudo o que possuíam, porque não manobras das autoridades encarregadas de vigiar as fronteiras, a
lhes foi concedido prorrogação do prazo fatal. fim de impedir a passagem dos imigrantes. Porém os agentes re-
Do mesmo modo em Po*en, onde centenas de infe­ crutadores e seus sequazes também apelaram para este expediente,
lizes, velhos, mulheres e crianças foram expulsos de seus conseguindo passar pela fronteira milhares de pessoas.
lares em virtude de leis e ordens que o “ Tagéblatt” e o A posição das classes latifundiárias e conservadoras, face à
“Germania”, da própria cidade de Berlim, proclama emigração, evidenciou-se no I I I Congresso dos Advogados e Eco­
bárbaras e indignas do nosso século. nomistas Poloneses, realizado em Poznan, em julho de 1893, onde
O Conde Zamoyski e outros grandes proprietários defenderam a posição de que a emigração não era absolutamente
não têm sido poupados e são tratados com o m aior r i­ necessária e que não emigravam só os que passavam fome e sim
gor. Na Galícia, o número de emigrados é tal, que não também os mais ricos. Para eles, a causa da emigração residia
há com o socorrer tantos desgraçados. fundamentalmente na falta de moralidade, introduzida entre o
Os polacos que aqui no Brasil gozam de todas as povo, desde os tempos da Kulturkampf e dos movimentos de
regalias da segurança e liberdade não podem, por certo, russificação dos poloneses do Reino. Estas campanhas teriam
esquecer-se daqueles que, além-mar, suportam tão du­ afastado os melhores sacerdotes do povo e fechado as igrejas.
ros transes. Convém, pois, que escrevam quanto antes Assim, o povo ficara à mercê dos agitadores, passando seu obje­
aos seus compatriotas e lhes apontem este Im pério, tivo a ser então a diversão e a vida alegre. Segundo as suas po­
com o a terra da promissão. O governo brasileiro aju­ sições no referido Congresso, as massas conseguiram acesso aos
dará os que vierem chegando, proporcionando-lhes fa­ bens da civilização material de maneira precoce, não estando pre­
vores que facilitem a sua localização ao lado dos paren­ paradas para isso. Cada um começou a desejar uma vida como
tes, amigos e conterrâneos. Narrem os imigrantes daqui as pessoas inteligentes levavam a esse desejo, de uma situação
o que é o Brasil, as garantias que cercam quantos se melhor, empurrava-o para fora do país. A difusão da imprensa
acolhem à sua proteção e o futuro que os espera. Instem e das bibliotecas entre o povo, de nada adiantou contra a emi­
para que venham, sendo caso de se organizarem cole­ gração, apesar de fornecer as mais sadias informações e alimento
tas, a fim de ajudar eficazmente o filantrópico m ovi­ espiritual. Ao contrário, estimulou-a, trazendo para o povo infor­
mento. Escrevam todos aos malaventurados de lá, que mações ainda não conhecidas. Os grandes proprietários tomaram
aqui há uma nova Polônia, em que habitam a felicidade posição contrária às instituições como a Sociedade São Rafael, a
e a segurança, contrapostos às desgraças e incertezas qual procurava dar alguma assistência e amparo aos emigrantes.
da velha Polônia.2" Explicavam esta posição, citando o auxílio que o cardeal Ledo-
chowski proporcionou a um camponês, dando-lhe passagem. Em
conseqüência, na mais tranqüila das aldeias surgiram mais 17
“ TAUNAY, Alfredo D^scragnolle. Os Sertões. São Paulo, 1923 p. 126. O camponeses pedindo o mesmo para si. Um dos defensores destas
çrifo é nosso.
posições propôs, ainda no referido Congresso, a necessidade de
46
47
se elevar o patriotismo de tal forma, que o povo preferisse ga­
qualquer alívio no pagamento dos impostos e censo
nhar 2 marcos no país, do que 4 marcos fora das fronteiras.26
(aluguéis). Recebeu somente um machado e uma gran­
A repressão por parte das autoridades russas começou já no de faca para defesa dos animais selvagens. Os imigran­
outono de 1890, quando, na região de Stupecki, caíram mortos tes que não possuem seus próprios fundos e chegados
abatidos a tiros pela guarda fronteiriça, alguns emigrantes, entre ao Brasil às custas do governo local, não têm direito de
os quais uma mulher.27 A imprensa, toda ela controlada pelo go­ escolher sua ocupação, devem então realizar os traba­
verno tzarista, abriu baterias contra o movimento emigratório. O lhos mais pesados para os quais são tocados logo que
periódico Przeglad Katolicki promoveu a publicação de uma série chegam ao Brasil. Os suspeitos de quererem retom ar
de cartas ditas vindas do Brasil, com a seguinte abertura: Da para o país são colocados a ferros e jogados na prisão,
região das lágrimas ou do infeliz Brasil, chegam-nos cada vez onde permanecem até aceitarem a submissão brasileira.
com mais frequência as mais tristes notícias.** As evidências in­ A situação dos imigrantes no Brasil é insuportável. As
dicam tratar-se muitas vezes de notícias inverídicas, forjadas nos autoridades locais tratam-nos de maneira selvagem. Os
gabinetes das autoridades russas. Diz um dos textos: produtos alimentícios são muito caros. Uma libra de
carne seca ou uma libra de peixe custa um marco. Há
Nesses dias na localidade fronteiriça de Alexandrow grande falta de produtos que alimentam, o calor é muito
chegou com decisão o m orador da cidade de Lódz, José forte, em consequência grassa a febre amarela e fre­
K om om icki com esposa e dois filhos, retom ando do quentemente m orrem as crianças pequenas. Ocorreram
Brasil, para onde emigrou em julho. K om o m ick i contou vários suicídios, devidos à situações em que não tinham
a todos os interessados e prestou declaração no escri­ outra saída. Um conhecido de Kom om icki, também ha­
tório distrital de Nieszaw que passou a fronteira da al­ bitante de Lódz, Kacprowicz, com a esposa e sete filhos
fândega de Aleksandrow, e p or Torun chegou até Bre- menores, quando chegou ao Brasil e não encontrou
men donde juntamente com outros emigrantes, no totai meios para sobreviver, enforcou-se. As autoridades lo­
de 900, embarcou no navio alemão Hulven para o R io cais atentamente cuidam da correspondência. As cartas
de Janeiro e em seguida para a ilha próxima. A li che­ que dirigem-se para a Europa são lidas sem exceção e
gavam os plantadores e ccmvenciam-nos a irem para as destróem aquelas com as quais não Simpatizam, sendo
plantações de café. K om om icki entretanto, chegando a seus autores chamados à responsabilidade. K om om icki
saber das condições difíceis para os trabalhadores nas trouxe consigo cartas ( . . . ) . Nestas, os emigrantes amal­
plantações e possuindo seus próprios fundos decidiu-se diçoam suas famílias pelas “ chagas de Cristo” para qua
por suas próprias expensas a chegar até a Província de lhes enviem dinheiro para o retom o ao país. Kornor-
Sta Catarina, onde pelas indicações seria fácil obter nicki com lágrimas nos olhos contava que quando saiu
grandes extensões de terra p or baixo preço e em con­ de Lódz para o Brasil, possuía 1.000 rublos e mais di­
dições satisfatórias. Após alguns dias de cansativa via­ nheiro para as despesas de viagem, voltando para casa
gem, K om om icki chegou a esta Província. A li o escri­ com 11 rublos no bolso, sem nada e sem roupas. (Todos
tório da emigração providenciou-lhe um pedaço de terra os grifos são do original).
entre os emigrantes, colocando-os inicialmente em um
grande barraco especialmente construído para esta fina­ A conclusão é que se trata de uma notícia preparada. Não se
lidade. Cada família recebeu um pedaço de terra me­ deve ao fato de não existirem reemigrantes ou cartas de descon­
dindo 50 morgas, cobertos de mata fechada. Este lote, tentamento, lastimando sua sorte, e sim pelas evidências do pró­
devem os emigrantes limpá-lo sozinhos, prepará-lo para prio conteúdo da mesma:
a semeadura e pagar pelo mesmo para o governo bra­ 1 — o periódico diz que transcreve a mesma da imprensa var-
sileiro 126 m il réis por ano, durante sete anos. Os imi­
soviana, porém não cita o jornal que a publicou como o faz em
grantes não ganham nenhuma ferramenta agrícola nem *2
outras ocasiões.
-«JACKAWSKI, M. O emigracji z dzielnic polskich pod panowaniem 2 — do Rio de Janeiro até a Província de Sta. Catarina o in­
pruskim. Przeglad Emigracyjny. Lwów, 1 out. 1893. Ano II, n.° 18 e 19. p. 197- formante partiu a suas expensas, tal afirmativa não corresponde
27GRONIOWSKI, K. Garaczka brazyUska. p. 319.
2*NOTATKI z prasy perjodycznej. Przeglad Katolicki. Warszawa, 5 fev.
1891. p. 88.
2BId.

49
à realidade imigratória brasileira da época, porque o governo ga­
emigração para este país e que leva o título Brazylia, onde entre
rantia indiscriminadamente transporte gratuito até a colônia, como
outros argumentos errôneos, repete os acima enunciados.31
evidenciam outras fontes a respeito.
3 — o pagamento pelo lote recebido é estipulado em 126 m il 12 — todos os grifos são inverdades difundidas pelos inte­
réis ao ano, por sete anos consecutivos. Não corresponde à reali­ ressados a fim de assustar os candidatos à emigração para o
dade, pois o colono tinha toda sua vida para pagar o lote rece­ Brasil.
bido e a quantia estipulada era muito menor do que a referida. Nos fins de 1890 e por todo o ano de 1891, a imprensa polo­
Por outro lado, o pagamento do lote iniciava-se de 10 ou 15 anos nesa estava saturada de notícias negativas e polêmicas referentes
após a fixação do imigrante, quando se constatava que o mesmo à emigração para o Brasil.
já possuía condições para tanto. A contra agitação oficial obteve seus resultados positivos. K.
4 — Os imigrantes não ganham qualquer alívio no pagamento Groniowski informa que, somente em 1890, início da febre bra­
dos impostos e aluguéis. Impostos os colonos não pagavam até sileira na Província de Varsóvia, foram detidos e impedidos de
a emancipação da colônia, o que ocorria muitos anos depois. O emigrar 467 pessoas, em Piotrowski 465, em Lomzynski 255, em
pagamento de aluguéis, que no Reino da Polônia recebia o nome Kalisz 220, em Siedlecki 52.323 Em 1891, na Província de Kalisz,
de censo, era um imposto inexistente no Brasil. foram impedidas 285 pessoas. Na Província de Lubelski, nos anos
de 1890 e 1891, foram impedidas 315 pessoas. Durante todo o pe­
5 — a grande jaca recebida pelo imigrante não visava sua de­ ríodo em Wloclawek, foram impedidas 250 pessoas, em Leczycki
fesa contra os animais selvagens e sim não passava do conhecido 219, sobretudo em abril de 1891, em Kolski 116, em Jesien 270,
facão, com o qual se abria passagem na mata espessa. quando foram mortas duas pessoas. A ação repressora era diri­
6 — os imigrantes chegados ao Brasil são tocados para reali­ gida pessoalmente pelo governador, general Hurko, o qual, em
zar os trabalhos mais pesados. O imigrante era pressionado ou ofício circular de outubro de 1890, ordenava a prisão dos suspei­
persuadido, por pessoas interessadas, a dirigir-se para esta ou tos de pretenderem emigrar, mesmo sem prova alguma.
aquela fazenda de café, mas sua escolha para receber um lote em Alguns imigrantes, em suas memórias, assim descreviam a
alguma colônia era livre. travessia da fronteira, entre a parte russa e a prussiana da Po­
7 — os suspeitos de quererem reemigrar eram jogados a fer­ lônia:
ros na prisão. A reemigração sempre foi livre no Brasil, desde que
o interessado pagasse a passagem de volta. Quando a população ouviu das condições no Brasil,
começou a tramar a saída em grupos de famílias para
8 — ocorrem vários suicídios. Estes atos eram raríssimos na o Brasil. Mas o que adiantava se os russos não perm i­
imigração. tiam a saída do país? Decidiram então tirar passaporte
9 — as cartas para a Europa são lidas sem exceção e as inde­ para Lódz, onde arrumaram serviço na lavoura e par­
sejáveis destruídas. Ignora-se se o governo brasileiro usava esse tiram para a cidade de Kalisz para visar o passaporte,
expediente. Acredita-se que não. O governo russo sim, censurava onde esperavam que suas intenções não seriam desco­
as cartas que vinham do Brasil e que convidavam parentes e co­ bertas. Ali não acreditaram na conversa pois suspeita­
nhecidos para virem a este país. Recentemente parte dessas cartas ram que não pretendíamos ir para Lódz e sim estáva­
interceptadas pela censura russa foram comentadas e publicadas mos fugindo para o Brasil. Mandaram-nos de volta sem
na Polônia e no Brasil.30 maiores consequências. Mas para que voltar se todos
já haviam vendido seus bens? Encontraram então con­
10 — os autores das cartas escritas no Brasil eram chamados
dutores e afastaram-se da cidade por uma estrada se­
à responsabilidade. Não há notícia alguma a este respeito.
cundária até a fronteira. Os condutores começaram a
11 — os argumentos contrários à emigração para o Brasil levar-nos de canoa pela fronteira às escondidas, de tal
sugerem que foram preparados pela mesma pessoa ou grupo de form a que as sentinelas nada suspeitassem ( . . . ) . Cami­
pessoas que lançaram uma publicação anônima combatendo a nhamos durante toda a noite p or pântanos sofrendo
com água até os tornozelos ou até os joelhos
30KULA, Witold. Comps. Listy emigrantów z Brazylii i Stanów Zjednoc-
zonych 1890-1891. Warszawa, Ludowa Spoldzielna Wydawnicza, 1973. 591 p. 31G R O N IO W S K I, K. Polska emlgracja zarobkowa w Brazylii. p. 54.
ANAIS DA CO M UNID AD E BR ASILE IR O -PO LO NESA. An. comun. brasil, 32Ibid., p. 35-36.
pol. Superintentência do Centenário da Imigração Polonesa ao Paraná. 1969. 33P A M IE T N IK I emigrantów — Ameryka Poludniowa. Warszawa, Instetut
v. 8. Gratuita, Curitiba.
Gospodarstwa Solecznego. Comps. 1939. Memória n.° 11. p. 141.
50 51
Em outra memória, um imigrante registra: As autoridades editavam panfletos e brochuras contra a emi­
gração para o Brasil. Ali encontravam-se ameaças com as penali­
Os funcionários negaram passaporte. (M eu pai) já dades do Código Civil, sobretudo os artigos 326 e 325, os quais
havia vendido tudo, pensava em enforcar-se ( . . . ) . Um puniam com o degredo para a Sibéria. O poder judiciário também
judeu levou-nos até a fronteira com a Prússia. Saímos foi acionado para fazer valer as ameaças das autoridades: C. Czar-
ilegalmente:5* nowski, acusado de ser auxiliar do governo brasileiro, e que co­
brava 2 rublos pelas passagens (que eram gratuitas), foi conde­
A partir de 1890, passou a ser censurada a correspondência nado a um ano e três meses de prisão. Um emigrante de origem
vinda de Lisboa, Bremen, Hamburgo, Antuérpia e Marselha. No prussiana, que foi detido com uma carta do agente Morawtetz de
início de 1891, nesta lista de censura, entrou a correspondência de Antuérpia e que fazia propaganda do Brasil, sofreu pena de um
Lipsk, Inglaterra, Estados Unidos e Brasil35 Nestas cartas, os imi­ ano e três meses. H. Szczepanski, que chefiava um grupo de emi­
grantes provenientes do Reino da Polônia levantavam os mesmos grantes, sofreu meio ano de prisão, e os acompanhantes sofreram
problemas. Para eles, a passagem da parte Russa para a prussiana, quatro anos de liberdade condicional. Um agente da Companhia
era o trecho mais perigoso e audacioso da viagem rumo ao Brasil. de Navegação e um pastor evangélico, que tinham em seu poder
prospectos da companhia, levaram seis meses de prisão. Um viga­
Um imigrante estabelecido na colônia Silveira Martins (R io rista, que vendia propaganda das companhias de navegação como
Grande do Sul), escrevendo a sua esposa e família, aconselhava a sendo passagens transoceânicas, pegou dois anos de prisão etc.39
recorrerem a passadores já conhecidos, confiando na corrupção Antônio Hempel, em sua memória de viagem: Os poloneses
da guarda fronteiriça russa:
no Brasil,40 salientava que a emigração era uma questão de so­
brevivência para a vida da nação polonesa. A Polônia com suas
Quando estiverem para atravessar a fronteira, diri­ fronteiras estreitas e nas condições de então, tinha pouca signifi­
jam-se para Osiek. Fiquem em algum lugar, procurem cação, à qual ninguém dava importância. Mas enviando 50.000 emi­
junto à fronteira algum sitiante para que ele vos apre­ grantes por ano para o estrangeiro, tomava-se então necessário
sente a um russo. Acertem com ele (a im portância) e sair da indiferença com relação à emigração. Os que partiam, que
ele vos fará atravessar a fronteira, sem qualquer pro­ soubessem pelo menos para onde e para que estavam emigrando.
blema.33 No primeiro capítulo de sua obra, A. Hempel explicava que para
melhor sentir a problemática do camponês que emigrava, vestiu-se
De São Mateus do Sul (Paraná), escreve um imigrante para como um deles e passou a freqüentar seus lugares, isto para não
seus conhecidos, a fim de que tomassem cuidado na fronteira, levantar suspeitas e repulsa ( . . . ) pois qualquer suspeita transfor­
porquanto teve que entregar, para poder passar pela mesma, até mava-os em túmulos silenciosos.41
o último travesseiro.37 Um marido desesperado com a falta da No outono do 1890, nas Províncias do norte do Reino, o povo
esposa, escreve instruindo-a:
aldeão,

Procure sozinha transpor a fronteira. Peça a teu pai acordou de um longo sono. Despertou repentinamente.
e eu peço junto com você e à mãe que arrum em um Moveu-se ( . . . ) começou a raciocinar ( . . . ) a falar( . . . ) .
passaporte prussiano, isto seria m uito bom, porque po­ Esse homem, etemamente faminto, empanturrado de
derías viajar tranquilamente pela fronteira, caso con­ batatas, de cujos lábios até o presente ninguém ouviu
trário, ser-te-ia difícil passar de contrabando sozinha. queixa contra sua desventura, humilhação, mal se podia
Procure encontrar uma pessoa que aceita levar em seu suspeitar que essa criatura batatófila, pudesse arquite­
passaporte e transponha a fronteira, ainda que seja ne­ tar em seu cérebro um juízo. Absolutamente ninguém
cessário dar-lhe alguns rublos, mus estarás segura e po­ podería suspeitar que esse ser adstrito de alma, corpo
derás levar consigo todas as coisas.3’ e todo o seu ser ao trenó da vida quotidiana fosse capaz
de tanta energia e iniciativa, contra a vontade de outras
*«Ibid., memória n.° 20. p. 333.
•■^GRONIOWSKI, K. Polska emJgTacja zarobkowa w Brazylii. 38-39.

,5G R O NIO W SK I, K. Polska emlgracja zarobkowa w Brazylii. p. 37.
3®KULA, W. Listy Emigrantów Carta n.° 28. ■‘"H E M PEL, Antoni. Os poloneses no Brasil. Anais da comunidade brasl-
*7Tbid., Carta n.° 38. leiro-polonesa. Curitiba, 1973 (7) : 12-122.
»«Ibid., Carta n.° 42. «Ib id ., p. 18.

52 53
camadas sociais ( . . . ) . Ê fato característico e sobretudo pretensos candidatos com a miséria e a escravidão reinantes neste
digno de reflexão: contra a posição do clero, arrostando país, salientando sobremaneira a falta de assistência religiosa
a oposição forte da inteligentzia rural e obstáculos de existente, com o que pensava deter o movimento emigratório
outros setores, essa gente, massa muda, impulsionada daquelas paragens.44
por um movimento vital, rompeu as barreiras e frontei­
O padre de Paltur distribuía centenas de brochuras contra a
ras. O camponês apenas alimentou pela prim eira vez
emigração para o Brasil, outros assustavam o povo com as obri­
alguma esperança de melhorar sua sorte e sonhou dias
gas senhoriais, segundo eles ainda existentes neste país, ou ainda
melhores: essa tendência podia ser inconsciente, mas vi­
negavam-se a fornecer certidões de batismo para os que deseja­
sava melhores formas de vida, desenvolvimento mais
vam emigrar.45*
amplo e universal e ao mesmo tempo um protesto natu­
ral contra a opressão, contra a vida confinada à miséria, Alguns emigrantes assim descrevem a posição de seus pá­
aferrada à vegetação e fadada ao esmorecimento na rocos:
pobreza.*2
Quando os vizinhos souberam que iriamos para o Brasil,
Sua felicidade e esperança repousa nas promessas feitas pelos começaram a nos atropelar, sobretudo o nosso pároco.*0
agentes aliciadores: cultivar a terra própria, donde retiraria o sus­
tento para si e sua família. Na localidade de Drobina, Província Outro assim apresenta o problema:
de Plock, o autor em referência testemunhou um caso que reveia
a desobediência dos camponeses até para com seus sacerdotes. Certo dia não sei donde, meu pai conseguiu um jornal
no qual havia uma descrição sobre o Brasil. Na nossa
Foi designada a data de partida dos emigrantes de Plock região ninguém conhecia nada sobre esse país. Os pro­
para a fronteira, em direção de Mleuoa. E m Drobina, os prietários e os padres, embora lessem os jornais sobre
emigrantes( . . . ) encomendaram missa na igreja local. tais artigos, nada diziam ao povo. Meu pai porém, leu
Todos participaram do ofício religioso com estupefação. este artigo que dizia quão grande era o Brasil, quão
O sacerdote procurava convencer, implorava, lançava grandes propriedades distribuía para os imigrantes eu­
raios, para que desistissem de partir para a perdição ropeus e no Brasil até poloneses já existiam, bem como
( . . . ) tudo em vão! Não pregava a um auditório comum. outras nacionalidades. Entre nós entretanto ninguém
Não era mais o aldeão que no momento da elevação caia sabia de nada.*7
de bruços, com gemidos em coro. Não era mais aquele
homem que escutava o sermão, sem a meruor crítica. Antonio Hempel observou a seguinte passagem numa taberna,
Estava pregando a um público que não pedia conselhos, onde um ferreiro local, numa atmosfera de fumaça e umidade,
não queria aconselhamentos. A platéia sentia instintiva- verberava sobre a miséria que oprimia o povo. Dizia que o aldeão
mente que sua situação não fora compreendida. Ao in­ era um bobo que era explorado por todos. Trabalhava de sol a
vés de conselhos sinceros, indicações cordiais, brotados sol e mal ganhava para o pão e para os andrajos, tendo que pre­
do coração, era fulminado com raios de condenação em senciar sua família a perecer de fome. Por isso — continuava o
suas aspirações: ( . . . ) . À saída da igreja, passou a tecer ferreiro — os senhores (grandes proprietários) desaconselham a
críticas acerbas e observações sarcásticas: “É sabido emigração para o Brasil, mas não se lhes deve dar ouvidos, nem
que o padre come com os senhores (grandes proprietá­ crédito. Se o aldeão partir, quem vai trabalhar para eles?** Quando
rios), bebe com eles e por isso toma o seu partido” .43 o ferreiro levantou o problema da oposição do clero à emigração,
redobrou a atenção dos ouvintes:
Observa-se que esta posição negativa à emigração não partia
de um padre isoladamente. O clero polonês quase de form a unâni­ Com relação aos sacerdotes a situação é a seguinte: sem
ouerer comparar a situação é como se fosse um pastor
me era contrário à emigração. O bispo de Plock, região mais atin­
gida pela febre brasileira, chegou a percorrer os lugarejos do bis­
pado, pregando contra a emigração para o Brasil, assustando os
44Ibid„ p. 53.
«Id . «Id .
«P A M IE N T N IK I emigranlów — memória n.° 6. p. 62
«Ib id ., p. 17-18.
4TIbid„ memória n.° 13. p. 158.
54 55
carne e couro. Da mesma form a o padre, possui suas administrador de Tem opol negou-se a fornecer passaportes; em
ovelhas e delas colhe o lucro. Depois que partimos para conseqüência, depois de alguns dias, estavam 280 pessoas no pátio
o Brasil, não terá mais lucro, com o o pastor, concluiu, de sua repartição. Os emigrantes galicianos frequentemente cerca­
que congregue as ovelhas para não se dispersar em .48 vam os edifícios das administrações e deitavam-se nas escadas e
no chão, com o fito de obter a autorização de saída.
Esta insensibilidade do clero às novas pretensões dos campo­
As tentativas austríacas de impedir a emigração demonstra­
neses de melhorar sua situação, prendia-se ao fato de o mesmo
vam-se ineficientes. Em janeiro de 1896, um grupo de 20 campo­
estar muito mais ligado às classes latifundiárias do que aos sim­
neses foi procurar os deputados, exigindo passaportes. A Socieda­
ples camponeses. A. Hempel. na introdução de sua obra, critica
de Protetora dos Emigrantes São Rafael, que atendeu o caso, ma­
por exemplo o padre Chelmicki, que às custas de grupos-conser-
nifestou-se salientando que o impedimento de saída dos campo­
vadores do país visitou o Brasil em 1891, desejando provocar um
neses que já venderam seus pertences era como entregá-los ao
movimento reemigratório de poloneses para o Reino. Em seu rela­
to de viagem o padre Chelmicki afirma que os grupos de emigran­ pasto da miséria.51
tes que deixam sua terra natal são constituídos de escória emigra- O administrador de Stanislaw obrigou os candidatos a fica­
tória, de vagabundos e andarilhos. Hempel desabafa criticando: rem por três dias ao relento e sem alimentação. Em Podhajcach,
um candidato foi batido e aprisionado, o que motivou o cerco da
oo menos tivesse ele penetrado num casebre, antes de repartição por 120 homens, que exigiam sua libertação. A polícia
sua viagem, a uma toca desses párias que chama de lixí­ teve receios de intervir.62
via e contrabandistas, então a consciência não lhe per­ Em 9/02/1896, o governo central decidiu não permitir o em­
m itiría exarar semelhante sentença. Diz um provérbio barque de pessoas que não possuíssem passaporte, bilhete tran-
popular: O saturado não entende o faminto.49 soceânico e dinheiro suficiente. Este controle era para ser exercido
nas estações ferroviárias. Como os camponeses se negassem a dei­
Esta quebra de obediência do camponês às determinações e xar os vagões, os mesmos eram desligados do comboio. Na reda­
conselhos emanados dos vigários e sacerdotes, significou o primei­ ção do jornal K u rier Lwowski, os camponeses queixavam-se de
ro passo do afastamento do camponês da estrutura mental campo­ que foram batidos pela polícia e seus vagões desligados. Devido à
nesa à qual há séculos estava submetido. A emigração facilitará quantidade de atritos surgidos, o governo central, em março de
este afastamento e nas comunidades criadas no Brasil, por força 1896, revogou tal decisão, ao mesmo tempo em que a Direção dos
das novas circunstâncias, a própria religiosidade aldeã do campo­ Correios e Telégrafos protestava contra a intromissão dos admi­
nês estava ameaçada.
nistradores, exigindo que se lhes fosse entregue a correspondência
Por sua vez. a Galícia austríaca foi também atingida pela febre referente à emigração.
brasileira, em fins de 1894. Na Áustria, a emigração não era proi­ O desejo de se tom ar um respeitável proprietário de terras,
bida por lei, porém no início de 1895, o governo ordenava aos mesmo que fosse em paragens estranhas, num país desconhecido
administradores de distritos, os starosta, que prendessem os agen­ e a gratuidade da passagem transoceânica ofertada pelo governo
tes e demovessem o povo de emigrar para o Brasil. Em conse- brasileiro, funcionava como um magnetismo impulsionador da
qliência da ausência de uma política proibitiva mais definida por
parte do governo central, os administradores regionais, para con­ emigração.
ceder o passaporte, tomavam atitudes das mais contraditórias.
Uns cobravam para conceder a autorização de saída (passaporte)
500 zloty, outros cobravam 300, 50 etc., outros ainda se negavam a
concedê-lo. K. Groniowski registra a queixa de um emigrante que
8 vezes foi buscar seu passaporte e não o conseguiu, ganhando
com isso três dias de prisão. O governo central, em dado momento
proibiu o fornecimento de passaportes e duas semanas após revo­
gava tal decisão, porém impondo uma série de dificuldades.50 O
«H E M P E L , p. 21.
49Ibid., p. 13.6
0
B»Ibid., p. 81.
60G R O N IO W S K I, K. Polska emlgracja zarobkowa w Brazylil. p. 80.
B2Id
57
em quantidade suficiente para tomar-se autônomo, era seu má­
ximo objetivo.
A propriedade era o elemento divisor entre ser independente
ou dependente.1 A migração sazonal era o estágio intermediário
para a posterior emigração. Mesmo aldeões que não partiam para
os trabalhos sazonais, habituavam-se com a idéia e com a possi­
bilidade de poder abandonar a aldeia natal. Havia portanto uma
CAPÍTULO III relação marcante entre o movimento sazonal e a emigração
transoceânica.
O ESPECTRO DA PROLETARIZAÇAO Thomas e Znaniecki chamam atenção para o fato de a mi­
gração sazonal ser escolhida por aqueles que não desejavam mu­
dar de tipo de vida, apenas um ganho extra para satisfazer novas
O aldeão polonês, na segunda metade do século X IX , apesar necessidades.2 Por outro lado, emigravam para a América, prefe­
dos movimentos sazonais da população, era ainda assaz apegado rencialmente os pequenos proprietários que, devido às condições
às tradições e costumes de sua aldeia natal. Seus conhecimentos, econômicas nos territórios poloneses viam constantemente sua
sobre a realidade política e social em que vivia, eram extremamen­ situação ser ameaçada pelo espectro de se tornarem economica­
te deficientes. Não ultrapassavam freqüentemente os horizontes mente dependentes, i.é., proletários. O pequeno proprietário pos­
suía verdadeiro pavor de trabalhar como empregado para um
de sua região de nascimento. As potências ocupantes do país deli-
senhor. As cartas dos imigrantes enviadas do Brasil e dos Estados
beradamente mantinham este limitado status das populações cam-
Unidos para o Reino, também confirmam esta posição do campo­
pesinas. Oficialmente, os direitos senhoriais haviam sido abolidos,
nês polonês. Um imigrante estabelecido na colônia de Tomás Coe­
porém a população camponesa não mudara seu comportamento e
lho (Paraná), escrevendo aos seus pais, assim se expressava:
sua mentalidade, com a rapidez com que as leis de extinção desses
direitos foram promulgadas. A reeducação mental era necessária,
para que ocorresse a adaptabilidade do camponês à nova realidade. E vós queridos pais, se estáis gozando de boa saúde e
Esta nova realidade exigia do camponês muito mais iniciativa pes­ se puderem, venham para cá. Sempre será melhor do
soal do que a ordem anterior das coisas. Sua estrutura mental es­ que na Polônia em trabalhos assalariados.34
tava acostumada ao servilismo e à prestação de serviços na reserva
senhorial. Ele não zelava somente por sua própria família, mas De São Mateus do Sul (Paraná), um casal de imigrantes es­
obrigado a zelar pela produção de seu senhor. O camponês não creve para seus pais levantando para os mesmos o espectro da
era dono de sua pessoa, não era livre. Não podia deixar sua pro­ velhice para um proletário agrícola no Reino: ( . . . ) venham para
priedade, mesmo porque esta não lhe pertencia de direito. Após cá. Viveremos juntos, pois vocês lá não tem propriedade, o que tra­
a abolição das obrigações senhoriais, o camponês ampliava as pos­ rá dificuldade na velhice e aqui, com o tempo, não faltará pedaço
sibilidades de melhorar sua existência. Um pequeno proprietário, de pão* Um outro estabelecido em Nova Trento (Santa Catarina),
que não conseguia tirar o sustento, pensava em obter mais dinhei­ escrevia também aos pais: Estou m uito melhor do que na Polônia,
ro para aumentar a propriedade por compra, ou talvez construir somente pelo fato de não estar submisso a nenhum senhor.* De
um celeiro ou uma casa nova. Através do trabalho sazonal, o Jaguari (R io Grande do Sul), escrevia um imigrante, ex-proletário
kom om ik passava a sonhar em deixar de pagar aluguel e tornar-se urbano, para a irmã: Podes chegar, pois se eu trabalhar durante
proprietário; um chalupnik queria ganhar o dote para a filha ou três ou quatro anos estarei bem melhor do que na fábrica.* De
construir uma casa para o filho. O artífice sonhava em ampliar ou
instalar uma oficina própria. Os moços e moças queriam obter 'TH O M AS, William I. & Z N A N IE C K L Florian Thei polish peasant ln
algum dinheiro para comprar roupas novas e procurar algum di­ Europe and America, vol. II. New York, Diver Publication, 1958. p. 1498.
vertimento. Um desejo de melhoria de vida penetrava nas aldeias
polonesas. Abria-se para o camponês a possibilidade de uma nova 3ANAÍSP DA C O M U N ID A D E BRASÍI^IRO-POIXDNESA. A n ^ m u m b:nwtl.
pol. Superintendência do centenário da imigração polonesa ao Paraná, vol.
atitude face à sua vida econômica e social. Entretanto, o impulso
V III. Curitiba, 1977. Carta n.° 29.
básico que movia o camponês para procurar fora de sua aldeia na­ 4Ibid., carta n.° 63.
tal e mesmo fora das fronteiras do país, continuava sendo ainda o 8Ibid., carta n.° 75.
de ampliar suas terras ou tomar-se proprietário. Possuir terra, "Ibid., carta n.° 41.
59
Santo Antônio da Patrulha (R io Grande do Sul), escrevia para os
irmãos um ex-proletário agrícola: Meus queridos irmãos, eu não a alguma instituição social que lhes proporcionasse estabilidade
trocaria convosco a minha propriedade. Eu agora sou dono, isto psicológica. Nesta conjuntura, de rápida evolução do meio rural
polonês, pertencente a uma Europa arcaica e atrasada, os artífi­
não é assim como na Polônia ( . . . ) querido irm ão ( . . . ) se estás
ces dos centros urbanos menores e das aldeias concentraram-se
na miséria é melhor vir para cá, junto de nós ( . . .J.7 Um casal
em torno de suas corporações, não para obterem vantagens mo­
estabelecido em Indaial (Santa Catarina), em sua missiva escrevia:
netárias, mas procurando instintivamente amparo e maior calor
Levam ao conhecimento da irmã Inês que venha juntamente com
humano, tudo isso depois de as corporações de ofício terem per­
o marido Felix, porque se tiver que passar mal no trabalho para
dido seus direitos de exercer o monopólio das profissões.
os fazendeiros então aqui é muito m elhor .8 De Silveira Martins
(R io Grande do Sul), escrevia um imigrante, também ex-proletário A comuna, última representante do Estado no seu limi­
rural aos seus irmãos: Não temam nada porque não passareis mi­ tado mundo, não o aceitava de bom grado. Sua participação na
séria, porque eu não a experimento. E vocês sabem que miséria mesma era limitada. Medidas restritivas do governo fizeram com
eu tinha e eu sei qual é a vossa fartura na Polônia,8 que sua participação na administração comunal fosse mais de ex-
O camponês emigrava pois, freqüentemente, para fugir da pro- pectador passivo do que participante ativo, sobretudo no Reino
letarização. As novas condições a que ele era lançado são indi­ da Polônia, onde sua participação sofria mais limitações. A única
vidualistas. Sua economia passava a ser de base capitalista. Agora ;nstituição com a qual estava mais familiarizado e que o aceitava,
o camponês respondia somente por si mesmo e no máximo por era a paróquia. Esta era a única instituição de cuja vida parti­
sua família. Em períodos de crise, não existia mais o senhor que cipava. Estava pois familiarizado com a mesma, e era um de seus
lhe garantia a sobrevivência; ele estava lançado à voragem da con­ partícipes. Ali ele atuava, era solicitado pelo pároco, este o conhe­
corrência capitalista. Nestas circunstâncias, o camponês não con­ cia pelo nome, participava freqüentemente das organizações pa­
seguia adaptar a curto prazo sua mentalidade, ao novo modo de roquiais, era solicitado a ocupar cargos nestas organizações, os
produção exclusivamente capitalista. O novo elemento dominante quais lhe podiam oferecer um status melhor diante da comu­
na sociedade — o individualismo, teria que afetar inevitavelmente nidade. Ali ele era gente, era alguém, sentia-se à vontade. Seus
deveres religiosos eram cumpridos com alegria e satisfação; os
sua própria família. Esta, face à concorrência e competição, de­
veria adaptar-se às novas circunstâncias em geral e não podería sermões, apesar de excessivamente longos, eram aceitos e acata­
dos. O pároco, pois, tornava-se uma personalidade indispensável
mais ser de características extensas como era na Polônia a família
camponesa. Ela tendia à diminuição de seus membros, e cami­ na vida do camponês. Isto não significa que, antes da ocupação
nhava para ser apenas uma família conjugal. estrangeira, o polonês não se caracterizasse por sua religiosidade.
Os fatos históricos comprovam que sim, mas após a ocupação es­
A adaptação completa da mentalidade do camponês às novas trangeira, a luta da hierarquia eclesiástica contra as tentativas de
circunstâncias, levou de duas a três gerações. Nesta fase adapta- imposição do luteranismo e da ortodoxia, respectivamente na par­
tiva, o camponês e mesmo o habitante dos pequenos núcleos ur­ te prussiana e russa, fez o clero ser mais amado e respeitado. Os
banos que dependiam diretamente da estrutura antiga, eram indi­ interesses do povo identificaram-se com os da hierarquia católica.
víduos instáveis, inseguros, que estavam à procura de proteção e O catolicismo amalgamou-se de tal forma com os ideais da nação
segurança. As grandes instituições como a nação, a igreja e escola, polonesa que o bispo Teodor Kubina assim se expressa:
não estavam totalmente aptas para oferecer pelo menos em parte
esta segurança de que eles necessitavam. N o caso do polonês, a
Fundiram-se de tal maneira que a noção de catolicismo
situação agravava-se porque não havia o que esperar do governo.
e polonidade tornaram-se sinônimos ( . . . ) a religião ca­
Este era alienígena, ocupante, imperialista. A escola não era nem
tólica tom ou-se o amparo geral do patriotismo, dirige
polonesa — com exceção da Galícia — mas instrumento da atua­
o sentimento nacional e ensina o verdadeiro amor à pá­
ção das potências ocupantes, odiada e desprezada pela população
camponesa como instrumento de imposição de uma língua e cul­ tria.'0
tura que não era a sua.
Entretanto, os laços que prendiam grande parte da população
Vivendo pois numa comunidade ainda semi-senhorial, o cam­ polonesa, notadamente a aldeã, à paróquia e ao pároco, não po­
ponês e o artesão possuíam poucas oportunidades de pertencer 1
* dem ser explicados exclusivamente pela predominância de inte-
?Ibid., carta n.° 77.
8Ibid., carta n.° 47.
"Ibid., carta n.° 44. 1"K U B IN A , Teodor. Cud wiary polskoséi wsród wychodztwa polskiego.
Czestochowa, Nakladem Diecezjalnego Instytutu akcji Katolickiej. 1935. p. 52.
60
resses e sentimentos religiosos. Esta íntima ligação e dependência ção, que os 4 filhos já estavam crescidos. Ainda um não
entre o aldeão e a paróquia está também relacionado ao apego do se tomava adulto e já outro era levado pelo exército,
aldeão a essa instituição que ele reputa como sua. É o antigo grupo pois precisavam servir aos moscovitas, porque tinham
primário da aldeia, reorganizado e concentrado na mesma. Sua boa saúde. O pior é que, quando voltavam para casa,
tradicional religiosidade, o desejo de possuir uma paróquia e um não tinham seu próprio telhado para abrigar-se. ( . . . )
padre, está pois relacionado ao desejo de estabilidade e seguran­ surgiram alguns agentes recrutadores de emigrantes
ça. Será o padre, através da paróquia, que dominará a vida aldeã. para o Paraná, do qual nós nunca ouvimos falar nem
A abolição das obrigações senhoriais forçou portanto o cam­ tínhamos qualquer noção. Os agentes esclareciam que
ponês a promover um gigantesco passo. Cada indivíduo era obri­ cada família recebería terra gratuitamente.11
gado a encontrar um novo posicionamento de mudança para uma
nova conjuntura. Nas últimas décadas do século X IX , por ocasião Era filho de pais pobres ( . . . ) o quanto minha memó­
do movimento emigratório para o Brasil, esta adaptabilidade às ria não falha, sapatos nunca tive até a saída do país f . . . )
novas circunstâncias processava-se geralmente em três estágios. Nestas condições viviam centenas de meninos. Assim,
quando a miséria apertava violentamente, surgiu um
A geração representada pelos avós não estava acostumada com agente prometendo-nos uma santa vida no Brasil
a vida individualista e capitalista. Viveram os tempos senhoriais.
( santidade no sentido de bem viver). Então minha mãe
Os pais representavam o elemento de transição, que conheceram, e padrasto resolveram emigrar para este país enfeiti­
viveram e portanto recordavam-se muitas vezes, das obrigações
çado, onde terra é lixo e nada custa, onde tudo cresce,
senhoriais, mas que estavam em fase de acentuada adaptabilidade.
o inverno não existe, a lenha não falta.11
Os netos não viveram no antigo regime e encontravam-se numa
fase de maior adaptabilidade às novas estruturas individualistas
de concorrência. Entretanto, os latifundiários continuavam exis­ Meu pai emigrou devido a falta de condições para sus­
tindo, as pequenas propriedades dos camponeses continuavam a tentar sua família ( . . . ) com o patrimônio, possuía so­
limitar-se com essas quintas, a maior parte da terra continuava mente uma casinha junto ao seu pai, nos fundos, bem
nas mãos dos latifundiários. No antigo regime senhorial, os cam­ com o uma vaca ( . . . ) . Os agentes descreviam muitas
poneses proletários eram obrigados a trabalhar nesses latifúndios, maravilhas: que aqui cresciam variados frutos, maçãs
para cumprir suas desobrigeis senhoriais. Agora eles precisavam tão grandes que pesavam três libras, e os outros frutos
ir trabalhar nesta mesma propriedade, em troca de um minguado produziam tanto que quando chegava a época do ama­
salário, para conseguirem sobreviver. Com a abolição da servidão, durecimento, as pessoas não comiam nada além de fru­
os camponeses tornaram-se proprietários de suas pequenas explo­ tas ( . . . ) e que até o joelho andavam nelas e que a terra
rações. Continuaram camponeses, mas proprietários de uma por­ é boa em toda parte.13
ção de terra tão pequena que os obrigava a conjugarem o traba­
lho de empregados nos latifúndios com seu status de pequenos Meu pai tinha uma choupana e 3 acres de terra e éramos
proprietários. 10 pessoas. É verdade que a terra era produtiva, mas
o sustento sempre nos faltava, fábricas entre nós não
Estes minúsculos proprietários, lançados à concorrência ca­
havia, existiam fazendas, mas o ganho ali era muito mo-
pitalista, não tinham condições de sobrevivência. Sua tendência J ' ' —— ~~ x/ioe/r nlrlein nunca hoUVe eS-
era proletarizar-se, de forma completa. N o seu desespero de evitar
que isto acontecesse, a solução encontrada no momento seria a
migração sazonal. As memórias dos imigrantes estabelecidos no
Brasil melhor atestam estas evidências: Meu pai era oleiro e a mãe respondia pela nossa casa,
éramos 5 irmãos. As condições de vida na Polônia de
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Nossa família era de operários agricultores e composta
de 11 pessoas. Lembro-me que possuíamos apenas uma
geira (acre) de terra. A fom e e a miséria reinava em Ameryka Poludniowa. Warszawa, Instetut
nossa casa; os pais ausentavam-se diariamente de casa H P A M IE T N IK I emigrantów —
Gospodarstwa Spolecznego. Comps,. 1939. Memória n.° 7, p. 73.
para ganhar alguma coisa e poder acalmar a fome. N o
fim do dia, de volta ao lar, respiravam ofegantes. ( . . . ) 12Ibid., memória n.° 8, p. 77.
13Ibid., memória n.° 11, p. 140.
ouvi como os pais conversavam, com grande preocupa- 14Ibid., memória n.° 13, p. 158.
62 63
luta do camponês pela sobrevivência. Era obrigado a N o caminho para Gênova, apareceu novamente o mesmo
estar atento para qualquer chamado do seu patrão.15 senhor que nos ensinou o que fazer em Lwów e propôs
uma coleta de 10 guldens p or família, pelo que conti­
Saímos da Polônia no ano de 1890. Tínhamos 5,5 acres nuaria a proteger-nos. Como estávamos agradecidos pelo
de terra ( . . . ) passávamos miséria. Com esta porção de bom conselho que nos tinha dado, concordamos. Minha
terra, era difícil de se sustentar. Pessoalmente tinha que mãe, que não tinha dinheiro, deu somente 5 guldens. Na
trabalhar para estranhos por uma paupérrima camisa.15 realidade o homem nada fazia a não ser nominar as es­
tações pelas quais passávamos, mas assim mesmo as
A grande imigração para o Brasil ocorreu pois, num momento pessoas estavam satisfeitas pois pensavam que zelava
crucial de adaptação ao sistema econômico capitalista. Nesta com­ por nós. Isto ocorreu até a fronteira italiana, quando
petição, o pequeno proprietário não havia encontrado meios capa­ numa certa estação ( . . . ) os soldados apanharam o nos­
zes para contentar-se e estava sendo vencido pela concorrência. so protetor. Os camponeses revoltados protestavam gri­
Emigravam também para o Brasil os simples proletários agrícolas tando para soltarem-no, mas a polícia levou-o para uma
e artesãos, como carpinteiros, marceneiros, ferreiros, alfaiates, se- sala e começaram a chamar os camponeses nominal­
geiros etc., mas já em menor número. Essas massas campesinas e mente, entregando o dinheiro que haviam dado. Depois
artesãs, embora oficialmente cidadãs dos respectivos impérios a esclareceram que se tratava de um simples vigarista que
que pertenciam, eram tratadas pelas autoridades locais como sub­ explorou a ignorância e que não ficaria nesta primeira
produto da população. A polícia sobretudo, tratava-os como classe contribuição pois exigiría mais posteriormente. Surgi­
social inferior, não respeitando seus direitos teóricos. Um emi­ ram aqueles que não acreditaram e choraram pelo seu
grante da Galícia oriental assim descreve sua saída do país, o tra­ senhor.15
tamento recebido das autoridades e a mentalidade manifestada
pelo grupo emigratório: Os funcionários tratavam-nos com desdém e comportavam-se
para com eles como se fossem uma camada inferior da sociedade,
Em Lwów, aglomeraram-se emigrantes em grande nú­ pois nada podiam fazer para defender seus direitos. Isto não ocor­
mero e não havia acomodações, deixaram-nos sob a p ro­ ria somente com os emigrantes galicianos. Os camponeses do Rei­
teção de Deus e cada um acomodou-se com o pôde e ali- no, que obrigatoriamente tinham que atravessar a Prússia até o
mentava-se com o podia. Nestas dificuldades e miséria, porto de embarque, padeciam do mesmo problema. Um emigrante
sem teto na cabeça, não sei com o conseguimos aguentar
do Reino assim comenta:
dois meses e teríamos ali ficado por mais tem po se não
fora o surgimento de um senhor, bem vestido, o qual A estação estava abarrotada ( . . . ) . Gordos prussianos
esclareceu-nos que ali permaneceriamos indefinidamen­ acantonados num balcão olhavam-nos com desdém ao
te se não nos levantássemos. Deu-nos o seguinte plano: servirem-se de seus schnaps. Somente hoje tenho cons­
instalarmo-nos no leito da ferrovia com as mulheres e ciência de que os sorrisos maliciosos eram para nós,
crianças deitadas nos trilhos, sem nos preocuparmos objeto de seus escárnios.19
com a aproximação do trem. Acorreram os soldados e
operários da ferrovia, mas assim que se afastavam, vol- Eram as massas camponesas e proletárias que emigravam, le­
távamos, de modo que nada puderam conosco. Os gritos gítimos representantes da Europa oprimida e subdesenvolvida.
e barulho foram tantos, que os transeuntes acotovela­ Era a Europa atrasada e semi-senhorial que se manifestava, pouco
vam-se para ver o que estava acontecendo ( . . . ) após conhecida do resto do mundo, pois só se exaltavam as maravilhas
alguns dias enviaram-nos para Gênova.17 que a revolução industrial proporcionava. Mas esta outra Europa
existia e fazia sentir sua existência, protestando através da emi­
Essas massas ignorantes e desprotegidas estavam sujeitas a
gração. Estas massas camponesas que se deslocavam para a Ale­
toda sorte de exploração de indivíduos inescrupulosos. Os vigaris­
manha para embarque nos portos de Bremen e Hamburgo, cha­
tas viam um excelente campo de atuação. A mesma imigrante re­
latora do texto acima referido, continua: mavam atenção às populações urbanas alemãs, pelo seu exotismo.

16Ibid., memória n.° 14, p. 204. *°XU.


16Ibid., memória n.° 20, p. 332. 1(lW ACH O W ICZ, Romão. Memórias de Koscianski. Anais da Comunidade
17Ibid., memória n.° 8, p. 77. brasileiro-polonesa. Curitiba, 1971. ( 3 ) : 36-79, p. 37.

64 65
Vagavam pelas ruas com suas mulheres e filhos. Para aproveitar
seu parco, porém existente poder aquisitivo, as lojas desses portos
ostentavam cartazes propagandísticos de suas mercadorias: Blech-
waren fu r Auswanderer (artigos metálicos para emigrantes).20
A. Dygasinski registra que em 1890 o padre Prechara, católico,
lançava apelos pelo jornal Bremer Wachrichten à população cari­
dosa, a fim de que ofertassem roupas e calçados para distribuição.
Escrevia o padre Prechara: Que fazer se o próxim o sofre, para CAPÍTULO IV
muitos falta até a camisa e os sapatos e impensadamente lança-
ram-se a um desvairado objetivo?11* Apesar desses paleativos, o DA ALDEIA A COLÔNIA
fato é que em Bremen os emigrantes viram-se cercados por explo­
radores da pior espécie. Exploravam sobretudo aqueles que não
falavam a língua alemã. Informa A. Hempel que no Brasil inter­ Desde o momento em que o aldeão originário do Reino da
rogou centenas desses emigrantes sobre suas estadias em Bremen. Polônia, por ocasião da febre brasileira, decidia-se a abandonar a
Nem todos respondiam com sinceridade, porque tinham vergonha pequena comunidade aldeã, aumentava consideravelmente as ten­
da b u r r i c e , conforme testemunho dos mais sinceros. Foram ex­ sões a que era invariavelmente submetido, na sua própria aldeia.
plorados, depenados até o último níquel, que conseguiram com Além disso, temiam perder-se na viagem para Berlim, tomar o
tanto suor; direta ou indiretamente pagavam os hotéis, compra­ trem errado para Bremen, encontrar o agente indicado, não cair
vam bugigangas que lhes eram apresentadas como indispensáveis nas mãos dos vigaristas, não trocar no porto de linha oceanográ-
no Brasil.
fica, encontrar o navio certo, não perder os embrulhos ou os baús
Na cidade de Bremen, por ocasião da febre brasileira, nas pelo caminho, não perder as crianças etc. etc.
manhãs dominicais as ruas estavam cheias de camponeses polo­ Para aqueles que conseguiram atravessar a fronteira com a
neses com capotes pesados, escuros e compridos, as mulheres com Prússia e chegar até o porto de embarque, a viagem transoceânica
lenços e vestidos coloridos estampados dirigiam-se para a igreja, passava a afigurar-se como sendo não somente um desafio, mas
onde o ambiente era idêntico ao de uma igreja aldeã. Uns atira­ um verdadeiro pesadelo. O aldeão temia enfrentar o mar, temia-o
vam-se no chão, beijavam o solo e choravam em verdadeiro pran­ porque o desconhecia. Os agentes recrutadores, para minimizar a
to, outros rezavam em voz alta e por todo o tempo entoavam as viagem transoceânica, espalharam na Província de Plock, a mais
canções mais usuais nas igrejas polonesas, cheias de vibração e atingida pela febre brasileira da época (ver mapa I ) , a notícia
sentimento.23
de que estava sendo construída uma ponte pelo oceano e em breve
far-se-ia travessia, por via enxuta.
Antonio Hempel, um dos xeno cronistas que visitaram as co­
lônias de imigrantes no Brasil nesta ocasião, afirma que a estória
da ponte marítima lhe foi contada até por emigrantes que se di­
rigiam para a América do Norte. Chegou a ser interpelado, em
abril de 1892, sobre o assunto, para saber se a mesma já estava
concluída. Afirm a o cronista que esses boatos eram espalhados
pelos agentes pois eles sabem o tem or que os emigrantes têm com
relação à travessia do mar.1
Face à sua praticamente inexistente cultura geográfica, o al­
deão não tinha noção da localização do Brasil. Apenas sabia que
deveria partir em direção à água, i.é., atingir os portos de Bremen
2"D YG ASINSK I, Adoll. Listy z Brazylii — w ybór artykulów publicysty- e mais tarde de Antuérpia ou Hamburgo. O jornal de Varsóvia,
cznych. Warszawa, Ksiazka w Wiedze. 1953. p. 48. K urier Warszawski de 28/10/1890, informava sarcasticamente que
21Ibid., p. 49.
“ HEM PEL, Antoni. Os poloneses no Brasil. Anais da comunidade brasi-
leiro-polonesa. Curitiba, 1973 (7) : 12-122. p. 22. 1H EM PE L, Antoni. Os poloneses no Brasil. Anais da comunidade brasi-
“ D Y G A SIN SK I, p. 52.
leiro-polonesa. Curitiba, 1973 ( 7) : 12-122. p. 20.
66 67
seu correspondente havia encontrado uma matrona que dirigia-se nem para p ô r sob a cabeça. Cada um tem que ter os
a pé para o Brasil.2 Que noções geográficas possuíam os aldeões seus.11
ao escreverem sobre a viagem? ( . . .) atravessamos a trajetória
do sol. Passamos 400 milhas do centro do sol.3 O sol nasce aqui Outro imigrante recomendava que se devia escolher um lugar
(n o Brasil) no lugar, onde na Polônia desaparece, enquanto ao no centro do navio e nos pavimentos inferiores, porque aí balouça
meio-dia esconde-se debaixo dos pés.* Viajamos durante 7 dicLS menos e recomendava aos irmãos, para não brigarem no navio
até Porto Alegre (do Rio de Janeiro) e ao mesmo tempo passa­ porque o castigo é pesado.18
mos pelo grande rio da América do Sul, o Amazonas.* Sempre
Antonio Hempel, testemunha ocular dessa travessia, a partir
seguimos rumo oeste e sul, de forma que passamos debaixo do
sol.* do porto de Gênova, por onde emigravam os poloneses galicianos,
possui comovedoras páginas com relação a essa travessia pelas
Muitos dos imigrantes recomendavam aos que pretendiam águas:
emigrar para o Brasil, a aquisição antes do embarque de açúcar,
chá, conhaque, vinho, álcool, vinagre, limão, fumo, essências etc., Com o fito de verificar e experimentar na própria carne
argumentando que no navio estas coisas eram muito caras ou toda essa manipulação, deliberei viajar com um navio
porque a comida no navio era insossa, não era azeda ou então era de transporte de emigrantes, para o Brasil. Escolhi a
excessivamente doce.2
7 Um dos imigrantes manifestava surpresa,
*5
3 terceira classe a fim de estar ao lado dos mesmos, com
escrevendo ao irmão que após 18 dias de viagem, desembarcou a finalidade de expender posteriormente uma opinião
com o pé enxuto numa ilha, próxima da capital do Brasil.8* segura. E m Gênova, déixei que os agentes me levassem
de escritório em escritório e depois passei com os emi­
Os imigrantes queixavam-se que o navio balouçava demais,
fazia rolar os cofres e o povo dizia que chegou o fim do mundo? grantes as três semanas de viagem nos porões. Muitas
vezes vi-m e tomado de desespero neste chiqueiro hu­
Nos primeiros dias, até as pessoas se adaptarem, os viajantes
mano, dentro dessa sujeira, em meio ao ar contaminado
caíam das camas, e o balanço era tanto que cada um dorm ia quase
e abafado, penetrado de miasma nos dias causticantes
sem alma.10 De Florianópolis recomendava um imigrante à esposa
da travessia do Equador. É uma viagem horrível, mes­
que pretendia embarcar para o Brasil, que não escolhesse, no na­
m o para uma pessoa de poucas exigências. É sangrenta
vio, para si e para as crianças, as camas de baixo e sim as de cima
com o a chamavam os colonos. Essa travessia era feita
porque quando os de cima começam a vomitar, o fazem direta­
pelo aldeão polonês, italiano e espanhol. Ao desembar­
mente sobre as cabeças daqueles que estão em baixo.11 As minú­
car, é verdade que está cansado, descorado, miserável,
cias de orientação à esposa chegavam até a detalhes pitorescos.
O mesmo missivista recomendava: mas satisfeito p or ter alcançado a meta almejada.
Durante a longa e monótona viagem, o emigrante dispõe
de tempo para refletir sobre o gesto arriscado que fez
( . . . ) compre um urinol de latão, pois tens crianças e
ao emigrar.
constantemente vão querer satisfazer suas necessidades. Muitos me contaram que se viram cercados por deses­
Creio que não seria fácil buscar cada vez o banheiro. pero no momento em que o navio levantava âncoras.
Leve uns dois cobertores e travesseiros, conserve-os Muitos, já no Brasil, confessavam que pensavam seria­
consigo, porque no navio não há nada para se cobrir mente em atirar-se às ondas, pois sentiam que alguma
coisa de errado havia em tudo isso e de maneira espe­
cial o pagamento da passagem. Alguns sentiam que não
2 AN AIS DA CO M UNID AD E BR ASILEIR O -PO LO NESA. An. comun. brasil,
pol. Superintendência do centenário da imigração polonesa ao Paraná. Vol. fo i feito de graça e, quem o sabe, talvez voltariam a ser
V III. Curitiba, 1977. Carta n.° 23. novamente servos.
3Ibid., carta n.° 65. Seu raciocínio despertou e ele ponderava. Quanto mais
♦Id. refletia, m aior tristeza dilacerava seu coração. N o navio
5Ibid., carta n.° 69.
"Ibid., carta n.° 74.
esses pensamentos tétricos eram mesclados com o som
7Ibid., carta n.° 38. dos violinos e dos bumbos da aldeia. P o r momentos o
"Ibid., carta n.° 69. aldeão esquecia sua sorte e suas mágoas, quando rodo-
“Ibid., carta n.° 68.
10Ibid., carta n.° 74.
n Ibid., carta n.° 26. 12id.
lsIbid., carta n.° 74.
68
piava as danças, já um tanto embriagado. À noite, notas ( . . . ) A comissão sanitária sobe a bordo. O desembar­
sérias reboavam nos porões. Foram canções religiosas, que só é perm itido após c cumprimento de todas as
preces que minimizavam as almas doloridas e traziam formalidades. Um rebocador, tirando enormes lanchas,
lenitivo para as dúvidas que devoravam o aldeão. transporta os emigrantes para a ilha das Flores, situada
Finalmente o navio aporta à baia do R io de Janeiro. O em meio à baía .Aqui os emigrantes são alojadas em
emigrante percebe ao longe os contornos da terra, emol­ casas de imigração, a fim de passarem a quarentena —
durados por nuvens: Forte de Cabo Frio, Pão de Açúcar, antes de seguirem para as localidades escolhidas
as ilhas, os morros recobertos de vegetação.
Em todos os cubículos dos porões ouvem-se gritos: Os emigrantes que escolheram o Rio Grande do Sul manifes­
América, Brasil! . . . O lh em !... l á. . . lá ... Todos, ho­ tavam-se impressionados com os carros de boi de duas rodas
mens, mulheres com crianças nos braços, deixam os com os quais eram transportados em vastos trechos para suas res­
porões e buscam o convés para ver quanto antes essa pectivas colônias. Acharam-nos até confortáveis. Surpreendem-se
terra que não sabem se será de promissão ou maldi­ com os 10 ou 12 bois que puxam os mesmos, comparam-nos com
ção . . . se será mãe ou madrasta. os carroções eslavos puxados por 4 ou 6 cavalos de sua terra
Anoiteceu. O convés agitou-se. Comprimem-se, apontan­ natal.15
do os acidentes geográficos mais elevados. Fazem obser­ Mas, esses homens, recém aportados eram fundamentalmente
vações e escutam atentamente se alguém que já esteve aldeões. É através do prisma da natureza, i.é ., do clima da vege­
antes lhes fala da terra. Geralmente o fulano que visi­ tação, do reino animal, da terra em si, que eles sentiam e expres­
tou anteriormente a terra, posta-se em lugar mais eleva­ savam suas primeiras impressões sobre o Brasil. Eles não sabiam
do e responde às perguntas que chovem de todos os bem o que era exatamente este país chamado Brasil, eles sabiam
lados.
que no país havia regiões de climas quentes, mas deliberadamente
Mesmo um observador neutro vê-se envolvido, contra se opuseram a ir trabalhar como empregados nas regiões quentes.
sua vontade por estes sentimentos estranhos, onde se Eles sonhavam em serem proprietários agrícolas. Ao chegarem
mesclam a esperança e o temor. Até esse m om ento o até a região onde localizava-se a propriedade tão almejada come­
imigrante era transportado, alimentado, com o dia de çavam a fazer uma série de comparações com a situação de suas
amanhã, ainda que parcamente, assegurado. Vegetava. aldeias de origem. Comparavam o clima, a terra, os costumes. De
Agora todos sentem a gravidade da hora que se aproxi­ modo geral estavam satisfeitos com a possibilidade de realizarem
ma, em que ele mesmo tomará as decisões sobre sua até duas colheitas ao ano. A fertilidade da terra virgem estimulava
sorte e, desguarnecido, da tutela, deverá decidir pela a vontade do aldeão, para prepará-la para a agricultura. A cons­
esposa e filhos que se acotovelam a seus pés maltra­ trução da casa própria financiada pelo governo e o recebimento
pilhos, imundos, miseráveis. Eles estenderão a mão e de algumas sementes e utensílios agrícolas os emocionava e ale­
talvez não poderá atendê-los. grava. Um casal de Alfredo Chaves (R io Grande do Sul), reservou
P or isso no olhar dessa gente percebe-se o tem or e a grande parte de sua carta aos pais para descrever o que encon­
preocupação. Estendem as mãos à terra brasileira — traram no Brasil, descrevendo e observando o que mais lhes
única tábua de salvação — essa terra que se apresenta
impressionou:
no horizonte, diante dessa multidão refugiada de sua
pátria, expulsa pela miséria. Dirigem-se a terra com o se Ganhei 4 wlócas de terra, só mato, bem como 80 m il réis
fosse uma criatura viva, uma mãe alimentadora. Em para a construção de casa própria, 32 libras de pregos,
suas faces curtidas pela miséria, em seus movimentos uma fechadura, quatro dobradiças e ganhamos também
febris e irritados delinea-se a sentença que em breve implementos para a lavoura. Recebemos igualmente um
ouvirão. . . machado, duas enxadas, uma picareta, uma pá corta-
O navio, cortando os vagalhões da costa brasileira, ge­ deira, um facão, uma foice para desbastar os galhos e
ralmente agitada, desliza célere em direção do cais. uma serra que deverá servir para 7 famílias. P o r tudo
Apenas alguns quilômetros os separam do litoral. Res­ isso pagar-se-á apenas 200 m il réis no prazo de 10 anos.
soa a voz forte e metálica do capitão que ordena o has- — *inn%-n nnnnnAn até a mOT-
teamento das bandeiras de aviso. Ao longe, no topo de
um m orro divisa-se o farol branco, que de imediato res­
“ H E M PE L, p. 23 0 ss
ponde o sinal, hasteando as bandeiras convencionais. 1BAN AIS, cartas n P 22, 42, 56, 72, 75 e 77.
71
te. As árvores são de diferentes espécies. Sua grossura José Sobiewski e eu. Lastimavelmente adoeceu e m or­
varia de 1,2, 3 e 4 metros e a altura de 20 ou 30 metros. reu e agora estamos sem cavalo. Em nosso mato não há
Nós não as conhecemos, a não ser uma, mahon. Os pi­ muitos animais, encontram-se tigres, veados e porcos
nheiros são mais ou menos grossos e altos, mas são di­ do mato. Há muitos macacos, cobras, gado selvagem,
ferentes do que na Polônia porque não possuem nós na crocodilos, lagartas grandes como gatos, insetos das
parte baixa, somente em cima. Fornecem muita madei­ mais diversas espécies e jamais imagináveis. Existem
ra. Nós não os serramos, porém, partimos com cunhas moscas tais que a noite tem os olhos como eletricidade,
de ferro ,lascando tabuinhas e táboas de diversos tipos tal é a luz que emitem
são rachadas, como cartas de baralho.
Os pinheiros não são densos. Um dista do ou tro de 30 Um imigrante de São Mateus do Sul (Paraná), depois de des­
a 40 braças e entre eles vegetam pequenos arbustos e crever a situação do novo habitat e das características da agricul­
vegetação. Em duas semanas pode-se cortar lenha sufi­ tura local, concluía a respeito da nova terra: Há perfume o ano
ciente para o ano inteiro. Para semear, corta-se, deixa- inteiro ( . . . ) . Não existem aves de rapina. Tenho terra à vontade,
se alguns dias e quando seca ateia-se fogo. Após a quei­ basta que Deus dê saúde.1'
mada não se vira a terra, não se ara, mas lança-se a De Indaial (Santa Catarina), escrevia um casal aos parentes
semente à terra, entre tocos e troncos. Tudo cresce: esclarecendo que a propriedade que iam receber encontrava-se na
centeio, trigo, cevada, aveia, trigo preto, batata, ervilha, mata e exclamam: ( . . . ) e que matas! Imaginem que dá fruto até
linho, sorgo, beterraba, cenoura, abóbora, abobrinha, duas vezes p o r ano. Aqui não há inverno, o olima é agradável, o
pepinos, alface, cebola, alho. Nós chegamos para uma verde é continuo, aqui crescem flores, as mais caras, à beira de
época ruim. Ainda não semeamos nada. Somente em
estradas e na Europa custam caro '*
maio vamos plantar e semear, porque agora é tarde de­
mais. Já tenho dois morgos desbastados. Vamos ganhar Nas aldeias polonesas, possuir grande quantidade de madeira
sementes do governo de centeio, trigo, feijão, batata e ou mesmo lenha para consumo doméstico, era sinal de status so­
milho. A minha casa já está pronta. Agora construímos cial. Era indicação de ser um grande proprietário. Para estes nun­
casas para os outros. Pagam-nos 80 mtl réis p o r casa o ca faltava calor para suportar os longos e gelados invernos. Por
que equivalerá dois mil réis por dia para mim. A minha isso no Brasil vão surgir comparações com a situação na Polônia:
chácara constitui-se de 2 cabras, 5 galinhas e já ajeitéi Comunico-vos que tenho tanta madeira quanto o senhor Mos-
todos os utensílios domésticos que são idênticos aos da toski.VJ
Polônia, somente custam m uito mais. A qualidade e a exuberância das matas brasileiras impressio­
Tenho duas residências. Uma em cima e outra em baixo. nava positivamente o aldeão polonês:
A minha casa tem 8 metros de comprimento, quatro de
largura e três de altura. Eu mesmo fabriquei os móveis Digo-vos que não vistes e ninguém viu na Europa, ta­
com machado, porque aqui não há outro costume. manhas árvores com o nós temos em nossa colônia. É
Cada um tem que fazer sozinho. O toucinho custa 500 pena cortá-las pois são árvores tão lindas. Quem tivesse
m il réis o quilo, a carne de gado 200 réis, salame 600 uma dessas árvores (na Polônia), vangloriar-se-ia e nós
réis, a farinha de trigo 200 réis, a de centeio 150 réis, a as cortamos e queimamos.10
batata 200 réis e o arroz 320 réis. O quilo de feijão es­
pada custa 120 réis, o açúcar 500 réis, mas não é igual A real constatação da ausência de um rigoroso inverno em
ao da Polônia. É em pó. O quilo de café custa 1 m il réis, terras brasileiras agradava ao ádvena recém chegado. De São Ma­
a dúzia de ovos 200 réis, uma quarta de cerveja 240 réis, teus do Sul (Paraná), escrevia um casal: O clima é igual ao nosso
uma quarta de cachaça 400 réis, uma quarta de quero­ rm Furnnn n inverno vorém não é tão rigoroso com' o---
na---
Polônia.2
11
*8
6 '
sene 300 réis, um quilo de queijo 1 m il réis, um quilo
de manteiga 1 m il e 200 réis. Nós mesmos assamos a
broa como na Polônia. A galinha custa 400 réis, uma 16A N A IS, carta n.° 30
vaca custa 40 m il réis, um cavalo 25 m il réis e com 30 1TIbid., carta n.° 40.
m il réis pode-se conseguir um bom animal. 18Ibid., carta n.° 50.
Nós já tivemos um cavalo e pagamos por ele 15 m il réis. '°Ibid., carta n.° 62.
S0Ibid., carta n.° 56.
Compramo-lo em sociedade de 4: Czerunnski, Brozoski, 3IIbid., carta n.° 52.
72 73
via um colono: Aqui entre nós no Brasil, faz m uito calor, assim De Rio Negro (Paraná), escrevia um colono à família: t
como lá em plena colheita de trigo. É possível dorm ir, desde que
a gente não se cubra com nada.2- Do Rio Negro (Paraná), aparece ( . . . ) inform o-vos sobre a propriedade que devemos re­
a afirmativa de que: Agora é com o lá na festa de São João e esta­ ceber. São 100 morgos de terra, casa na propriedade,
mos logo depois do Ano Novo. Nos meses de maio e junho teremos construída pelo governo. Quanto aos impostos, não se Ü
inverno e este é fraco, de forma que se um m arreco pisar o gelo, paga nenhum e não se pagará no futuro nada por esta
ele quebra23 propriedade, somente vai se trabalhar para si.26 i

O sistema utilizado pelo governo republicano brasileiro, de
fixação do imigrante à sua propriedade, era em linhas gerais o De Alfredo Chaves (R io Grande do Sul), escrevia um filho aos ’li
mesmo utilizado no tempo do império. A área escolhida para a pais: i
criação de uma colônia era medida e subdividida em pequenas
propriedades que continham cinco, seis ou até oito alqueires, de Cada um possui seu lote de terra com 1.100 metros de
acordo com a localização da colônia e a qualidade de suas terras. com prim ento e 275 de largura. A minha casa já está
construída, fiz sozinho, com dois ajudantes e trabalha­
O imigrante recebia auxílio financeiro para a construção de mos 16 dias. Recebi do governo 80 m il réis, recebí igual­
sua primeira morada, que invariavelmente era construída de ma­
mente 32 libras de pregos, 4 pares de dobradiças, uma
deira (material abundante na região), ao mesmo tempo recebia I
fechadura, pois o governo dá tudo isso. Tudo deverá ser
também alguns utensílios agrícolas como enxadões, machados,
pago no montante de 200 m il réis, durante 12 anos, mas ü
foices, facões, dependendo do tamanho de cada família. Todo in­
se alguém não puder pagar nesse espaço de tempo, po-
divíduo masculino maior de idade tinha direito a receber um lote ----- »- mt-nrruám n prmúsará do
de terra. Como o sustento do imigrante nos meses que antecediam
à primeira colheita era muito difícil, devido à sua pobreza, os
imigrantes eram aproveitados na construção das chamadas estra­
De Caxias do Sul (R io Grande do Sul), escrevia um imigrante
das coloniais, que ligavam os lotes a uma estrada m aior e esta a
uma principal. Por este trabalho, recebiam um a dois mil réis por solteiro aos seus parentes:
dia, de acordo com as condições locais.
( . . . ) ganhei 110 morgos de terra, de medida grande e
A dívida contraída pelo emigrante era chamada de dívida co­ recebi todas as sementes necessárias e ajuda, bem como
lonial. O governo, face às condições econômicas dos imigrantes, enxadas para a limpeza, machados, utensílios de cozinha I
não tinha pressa em cobrar a mesma. Geralmente os imigrantes e facão para defesa contra animais. Se construir a casa,
começavam a pagá-la após sete, oito ou até mais anos, depois de I
receberei 150 rublos do governo. Pela abertura da pi­
sua fixação. A dívida colonial era paga em prestações, pois dificil­ cada em próp rio terreno, também se recebe pagamento,
mente poderíam pagá-la à vista. Somente após a liquidação da segundo consta 2 rublos p o r dia de trabalho. Os impos­
dívida colonial o imigrante recebia o difinitivo título de proprie­ tos são j>equenos ( . . . ) . Talvez vocês pensam que vou
dade.
ganhar 110 morgos de terra arável, vão, pois vou rece­
Nas cartas escritas pelos imigrantes nos anos de 1890 e 1891, ber mato e tiguera, onde não se pode introduzir um
as dificuldades encontradas posteriormente a sua fixação na pro­ dedo.2'1
priedade, ainda não eram sentidas. Os imigrantes descreviam mui­
tas vezes até entusiasmados, analisando a terra que estavam rece­
bendo. De São Mateus do Sul (Paraná), escrevia um imigrante:
As cartas dos imigrantes referentes ao Brasil, embora repre­
sentem uma amostragem não muito significativa do ponto de vis­
1
ta numérico, são suficientes para evidenciar o tipo do emigrante
Recebemos terra, segundo a medida brasileira, 100 m or- que se dirigiu ao Brasil. A grande maioria veio com esposa e filhos.
gos e na medida polonesa, 2 wlócas e 20 morgos. O ter­ Vieram para receber uma propriedade agrícola e estabelecer-se
reno está coberto por enorme mata. É preciso ter saúde , ,— „ mesmo assim, muitos homens casa-
para trabalhar porque é necessário cortar tudo. Espera­
mos ter um pedaço de pão daqui a alguns anos.2*
12lbid., carta n.° 60.
“ Ibid., carta n.° 64. 25Ibid., carta n.° 64.
24Ibid., carta n.° 63. 20Ibid., carta n.° 66.
27Ibid., carta n.° 74.
74

j.
condições brasileiras de trabalho. Se elas fossem consideradas fa­
voráveis, procurariam então trazer a mulher e os filhos para o escrevo esta carta deixamos de viajar. Eu sozinho não
Brasil. Das sessenta cartas preservadas do Brasil, onze estão diri­ sei com o vai ficar daqui para frente porque em breves
gidas para a esposa, ou seja 18%. Embora algumas missivas sejam dias devemos receber propriedades com matas. Querida
do mesmo remetente para o mesmo destinatário (a esposa), o esposa escrevo-te a verdade sagrada. ( . . . ) Eu desejaria
percentual de homens casados que aportavam ao Brasil sem a es­ quando um dia chegares feliz para junto de mim que
posa e filhos, para tentar novas possibilidades de vida, era bas­ eu já estivesse na minha propriedade porque até o pre­
tante expressivo. Entretanto, a grande maioria transferia-se com sente não temos sossego. Peço resposta urgente, como
sua família. Era uma emigração tipicamente camponesa, para ini­ vão as coisas para vocês e como estão as crianças. Se
ciar uma propriedade rural. p or acaso estiver com muita dificuldade então deixa a
Polônia e venha atrás de mim, mas se estiver passando
Para os Estados Unidos, ao contrário, predominou o indiví­ bem então fique por lá até que te mande outra carta,
duo isolado, o número de famílias completas formava uma percen­ porque eu já não volto mais para a Palônia, se por acaso
tagem menor. Para este país da América do Norte, emigrava pre­ decidir vir mesmo, então escreva-me que virás.™
ferencialmente o operário, que pretendia estabelecer-se nas cida­
des, enquanto para o Brasil o fazia com o intuito de receber pro­ De São Feliciano (R io Grande do Sul), escreve um marido já
priedade e tornar-se agricultor.
estabelecido em sua própria terra:
As cartas dos homens casados a suas esposas e filhos são as
mais comoventes. Elas estão repletas de emoções profundas, sau­ Peço-te querida esposa que venha quanto antes, porque
dade imensa, angústia invulgar. Os maridos demonstravam até é pesado para m im trabalhar na terra, sem ter quem
ciúmes pela longa separação. Escrevia um deles: cozinhe e lave a roupa. ( . . . ) Queridos pai e mãe, ir­
mãos e irmãs, tenham a bondade, toda a família minha,
Amada esposa abraço-te e beijo, bem com o a minha e peçam ao pai que se digne mandar-me dinheiro que é
tua filha e peço-te por todas as palavras santas, lembre- a minha parte da herança. Em verdade ganhei uma boa
se de seu querido Joãozinho, lembre-se, amada esposa, colônia, não tenho como começar o serviço porque não
eram palavras sagradas, amor jurado e medite isto bem tenho dinheiro. Estou muito aborrecido por me achar
querida esposa porque eu não te esqueço em nenhum por tão longo tempo sem a minha família.
passo ( . . . ) como sabes bem e conhecer a minha natu­ Agora não tendo nada mais a escrever, somente implo­
reza como a ti mesma. Amada esposa, se não chegares ro-te, querida esposa, para que tenhas a bondade de vir
dentro de três meses, podes saber que não me acharás para junto de mim, quanto antes. Agora mando-vos os
mais. Verás, querida esposa, juro-te, peço-te por Deus mais profundos cumprimentos, mando a toda a família
para que venhas. Querida esposa agora te instruo o porque já não retornarei mais a Polônia.
modo de viajar.'2*
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.30
Um outro imigrante confessava:
Os maridos, já no Brasil procuravam em suas cartas atrair
“Onde quer que me encontre você e as crianças estais algum parente, irmão, cunhado ou mesmo o pai para que viesse
diante dos meus olhos. Queridíssima esposa peço-te e lhes trouxesse a esposa. Evidencia-se nas cartas as preocupações
encarecidamente que me escrevas, dizendo o que acon­ dos maridos com as dificuldades que suas mulheres enfrentariam
teceu em casa, se todos estão com saúde porque eu, até chegar ao seu destino no Brasil. Por isso procuravam atrair
graças a Deus Altíssimo estou com saúde o que também alguma pessoa de confiança, de maior responsabilidade, que as
te desejo, somente estou em trabalhos pesados e não trouxessem até sua companhia. Um emigrante estabelecido como
tenho nenhum descanso. Durante o dia trabalho e à noite marceneiro em Florianópolis, chegou a procurar emprego para um
dormimos em barracos e eu não tenho nenhuma cober­ tal de Pech, a fim de que o mesmo tivesse condições de estabele­
ta e no Brasil as chuvas são frequentes, as noites frias cer-se em terra brasileira e trazer sua esposa. Escrevia para a es­
por isso a minha vida é difícil. N o instante em que te posa diezndo que: Ele (P ech ), seria o melhor protetor de você e

tRIbid., carta n.° 42. 2BIbid., carta n.° 49.


S0Ibid., carta n.° 78.
76
77
das crianças.31 De São Feliciano (R io Grande do Sul), escreveu ou­ reis miséria, porque eu não a experimento. E vocês sa­
tro emigrante: Querida esposa, peço que venhas, com tem po livre, bem que miséria eu tinha e eu sei qual é a vossa far­
para cá e o mesmo peço a meu irm ã o 32 Ainda de São Feliciano, tura na Polônia. Vão ter produtos melhores do que na
escrevia outro imigrante: Querida esposa ( . . . ) venha. Você Inácio, Polônia.
irmão querido venha igualmente com mulher e crianças f . . . ) 33 Querido irm ão João Gawrysiak e igualmente estimada
De Silveira Martins (R io Grande do Sul), escreviam: esposa do irmão, não contrariem seu irmão em viajar
para o Brasil, mas venham juntamente com seu marido
Querida esposa prepara-te o mais depressa possível para e suas crianças porque eu não vos quero levar para a
chegar ao Brasil para junto de mim, pois aguardo-te perdição, mas somente desejo-vos como a mim mesmo
impaciente em Silveira Martins. E você, Francisco e creiam-me que é bom, acreditem, mesmo que alguém
Hojnacki com sua esposa, deixe tudo para o avô ( . . . ) e lhes diga que vai mal. Cuspam-lhe nos olhos porque o
siga os meus passos, trazendo consigo minha m ulher o pessoal não lhes está dizendo a verdade ( . . . ) . Querido
mais depressa possível.3* irm ão Burkowski, se tens desejo e vontade e querer,
venha para junto de m im no Brasil porque você vai fi­
Mas, acontece que estas cartas nunca chegaram a seus desti­ car bem. Receberás uma colônia, à vossa moda uma pro­
natários! O chamamento de parentes, compadres e amigos para o priedade. N o que diz respeito ao tamanho, no mínimo
Brasil é uma das principais tônicas das cartas dos emigrantes. O será de 100 morgos.
imigrante quanto mais pobre e minifundiário na Polônia, reagia Agora você querido cunhado Tomás Dalak, peço-te que
mais favoravelmente às condições brasileiras. A extensão da pro­ venha com sua esposa e crianças, porque está bem. Eu
priedade agrícola que recebia, impressionava-o. Embora no Brasil vivo com o um senhor na Polônia que possui algumas
fosse considerada uma pequena propriedade agrícola, em termos fazendas.33
poloneses era o equivalente a uma propriedade respeitável. O auxí­
lio de fixação ao imigrante por parte do governo brasileiro até o Se o autor da carta n.° 44 estava sendo sincero, então é pos­
advento da primeira colheita soava muito bem para o imigrante, sível vislumbrar quão difíceis eram as condições de sobrevivência
a fertilidade da terra e a exuberância das florestas, decidiam-no do pequeno agricultor ou do operário rural na Polônia do final do
a chamar para perto de si seus entes mais próximos. Quer com­ século X IX ! Com a posse de uma tal propriedade, a miséria, ou
partilhar com os mesmos uma felicidade que julga ter alcançado. seja a fome, estaria definitivamente afastada para si e sua família.
De Silveira Martins (Rio Grande do Sul), escrevia um colono
imigrante:
Um imigrante exagerando escrevia:
Querido irmão. Comunico-te que no Brasil é bom e fica­ f . . . ) comunico-vos que vivo como Pankossky e não sei
ria satisfeito se você viesse para junto de nós no Brasil, o que é miséria, levo uma vida de rei. Tenho tanto vinho
porque aqui nós não temos miséria. Venda sua proprie­ quanta água na Polônia, aguardente e outras bebidas.
dade e traga consigo o dinheiro porque no Brasil é bom. Peço-vos, aqueles que tem vontade que venham para
Querido irmão não te decepcionarei porque no Brasil é ju n to de m im no Brasil. Levo ao vosso conhecimento o
bom. Ganharás uma colônia gratuitamente, não paga­ que com o no Brasil (s ic ): Vocês não viram desde o nas­
rás nada por ela e no que respeita a sementes, ganharás cimento, m orrereis na Polônia e não vereis. Quanto à
cereais e tudo é assim com o entre vocês na Polônia. terra, tenho-a quanto quero e na distribuição ganhei
Os cavalos são baratos de forma que o preço que vocês tanto quanto precisava para meu uso. Venham, não te­
pagam por um na Polônia, aqui se pode com prar cinco. mam nada, porque aqui os aguarda uma grande felici­
Os porcos e o gado são baratos sobremaneira. Quanto à dade no Brasil.30
propriedade, existem galinhas, marrecos, gansos e toda
espécie de criação. Não temam nada porque não passa­ Um imigrante de Brusque argumentava para convencer o pai
a emigrar para o Brasil:
3ilbid„ carta n.° 24.
*2Ibid., carta n.° 61.
MIbid., carta n.° 55.
*«Ibid., carta n.° 28. s6Ibid., carta n .° 44.
S0Ibid., carta n.° 45.
78 79
Querido pai, não existe nenhuma escravidão. Cada pes­ vicejam enormes florestas. Isso não lhes agradou por­
soa é livre. O calcr é permanente, querido pai. Estou que o trabalho seria ingente: transformar aquelas matas
com saudades de vocês. Se quereis, podeis v ir para cá. em terra cultivável. Não começaram nenhum serviço e
Querido pai, toda a família poderá viver bem na minha queriam que o governo os mandasse de volta para a P o­
propriedade ( . . . ) os ganhos parecem bons, mas a vida lônia. O governo, todavia, manteve-os lá durante alguns
é cara ( . . . ) . Ganhei tanta terra que durante toda a m i­ meses, pretendendo vencê-los dessa forma. Metade deles
nha vida não terei condições de usar.31 m orreu e o restante retornou para São Paulo. Continua­
ram (residindo) até hoje na emigração às expensas do
O autor da carta n.° 33 depois de descrever sua nova proprie­ governo. O que vai acontecer com eles não sei. Outros
dade afiança: ( . . . ) escrevo-vos a verdade, tão clara com o na pal­ que deixaram antes a emigração e foram para a cidade,
ma da mão.38 O autor da carta 68 afiança no mesmo sentido: Tudo sem qualquer profissão, alguns começaram a trabalhar
o que escreví é verdade. Quem tiver vontade e desejo pode vir.39 com o pedreiros, marceneiros e em outros serviços. ( . . . )
O autor da carta 72 é taxativo: Numa palavra, no Brasil é melhor Os que não trabalham passam fome e andam maltra­
do que na Polônia.*9 pilhos. Outros venderam suas esposas aos pretos, obti­
Mas, nem tudo é otimismo nas cartas escritas do Brasil. Da veram grande lucro e se retiraram. Ninguém sabe para
carta de um imigrante estabelecido na cidade de São Paulo de­ onde foram. Outros maridos deixaram as mulheres com
preende-se que para muitos imigrantes em São Paulo as coisas não crianças e fugiram para outras regiões. As mães e as
corriam satisfatoriamente: crianças andam pelas ruas, esmolando um pedaço de
pão ou ingressam na vida fácil. Outros ainda transfor­
Para nós, p.ex., é bom no Brasil, mas não o é para todos. maram suas casas em públicas, onde trabalham as mu­
Para o carpinteiro, marceneiro, oleiro está bom e po­ lheres e filhas. Várias coisas acontecem que é difícil de
dem ganhar bastante dinheiro. Os simples trabalhado­ escrever.**
res, aqueles que vieram para se estabelecer em proprie­ O imigrante, uma vez em contacto com a realidade da região
dades rurais no Brasil (entenda-se São Paulo) para onde foi localizado em sua colônia, começava a constatar que
alguns a miséria é extrema. Quase m orrem de fome. utensílios ou apetrechamentos poderia ter trazido da Polônia.
Aqueles que faziam serviços corriqueiros na Polônia e Constatava o que existia no mercado brasileiro em abundância, o
querem trabalhar pesado, saem da emigração (hospe­ que era escasso, o que não existia, bem como seus preços. Percebia
daria dos imigrantes) e alistam-se para propriedades. que poderia ter trazido uma infinidade de instrumentos, utensílios
O governo manda que escolham as colônias onde que­ e coisas de uso pessoal ou caseiro. No Brasil, uma vez instalado
rem e os envia para lá. ( . . . ) em pouco tempo poderá em sua propriedade, estas coisas começavam a fazer-lhe falta.
conseguir um belo dinheiro e uma bela propriedade. Muitas vezes, estes utensílios e apetrechamentos existiam no
( . . . ) Se alguém não está acostumado a trabalhar ou mercado brasileiro, porém eram muito caros em relação aos pre­
não quer, passa enorme fome. Muitos poloneses e ou­ ços com os quais estavam acostumados na Polônia. No Brasil,
tros vivem na emigração às custas do governo. Não que­ tudo praticamente era importado, atingindo em conseqüência,
rem saber de trabalho. Querem retom ar a Polônia por preços elevados.
conta do governo. O governo não manda ninguém de O camponês sentia grande falta de sementes de cereais e de
volta, por isso curtem miséria. Cada um deles queria verduras existentes na Polônia. Nas suas cartas aos parentes e
açambarcar tudo. Pretendia encher os bolsos com ouro conhecidos, quase que invariavelmente, ao mesmo tempo que os
e retornar, entretanto aqui receberam ordem para tra­ convidava a virem para o Brasil, solicitava que lhe trouxessem da
balhar. Por exemplo o açougueiro Ochman de Wolka e Polônia ou adquirissem no porto de Bremen, o que mais neces­
seu genro Guilherme, parece que o senhor os conhecia sitava no Brasil.
e muitos outros, num total de 500 famílias destinaram-
se para as colônias. O governo enviou-os para lá, onde Quem vier que traga bastante ( . . . ) . Podem trazer con­
digo sementes: centeio, trigo, feijão, batata salsa, alho,
97Ibid., carta n.° 60.
a*Ibid., carta n.° 33. maçã, peras, ameixas, toda espécie de ervas que se en­
"Ib id ., carta n.° 68. contram na Polônia.**
‘°Ibid., carta n.° 72.
4lIbid., cartas n.° 30 e 31.
80
81
Não desperdice objetos de cozinha e traga consigo tudo
o que puder. Leve igualmente sementes de hortaliças, Peço ainda que tragam uma espingarda de dois canos,
como: repolho, cebola, cenoura, beterraba, salsihha mas que seja boa ( . . , ). 30
( . . . ) quando o irmão vier para cá que traga para mim
Tragam consigo toda sorte de cereais e outras semen­ e para si duas espingardas de dois canos, mas deve com ­
tes, tudo que cresce na Polônia.*3 prá-las perto da fronteira porque é mais barato.31
Tragam espingardas de cano duplo, revólver, pois aqui
Depois das sementes, em ordem de importância para o imi­ é perm itido ter em casa sem qualquer imposto e, com o
grante já estabelecido no Brasil, destacava-se a necessidade de sabem, as armas sempre são necessárias. Aqui são ca­
roupas de vestir e de cama. Escreviam os imigrantes: ras porque ainda não existem fábricas como na Europa
e tudo é im portado da Prússia, por isto é grande a pro­
Podes comprar três cortes de fazenda para camisas, um
par de toalhas de rosto, umas duas ou três toalhas de cura do dinheiro prussiano32
mesa e uns dois cobertores.**
Os imigrantes não esqueciam ainda de pedir ferramentas para
Francisco que leve consigo ( . . . ) roupa de cama o mais a lavoura, martelos, puas, serras, sapatos, porque no Brasil apesar
possível, utensílios de cozinha desde que sejam de ferro, do custo ser barato, não era ainda suficientemente industrializa­
roupas, numa palavra tudo, desde que consiga passar a do. Os carpinteiros solicitavam para não esquecer cepilhos, for­
fronteira*3 mões, verumas etc. O autor da carta n.° 24, chegou a pedir que
trouxessem o relógio, argumentando que este era muito caro no
Não esbanjem roupas, camisas e roupa de cama, ( . . . ) ■
Brasil.
Empacotar bem e trazer consigo, porque não atiram ao
m ar*3 O aldeão, ao iniciar seu lento conhecimento da realidade do
meio brasileiro, começava a sentir que era partícipe de algum
Leve consigo: roupa de cama, vestidos, ferro de passar acontecimento importante. A sua volta, desde o desembarque na
roupa, facas, garfos, colheres, porque aqui são necessá­ ilha das Flores, via-se cercado de milhares de outros imigrantes,
rios. Para mim compre uma calça ( . . . ) . Irm ã o leve con­ das mais variadas nacionalidades. Sentia que era um pioneiro. i
sigo roupas e sapatos porque aqui são caros.*7 Intuía que fora recrutado na Europa para participar de um grande
empreendimento colonizador. Percebia que aos imigrantes euro­
Depois das sementes, roupas e utensílios domésticos, desta­ peus foram entregues gigantescas extensões de terra para sua efe­
cava-se o pedido de aquisição em Bremen, na oportunidade do
tiva colonização. As terras cobertas de matas, foram destinadas
embarque, de espingardas consideradas muito necessárias no para que fossem transformadas em terras de cultura. Percebia que,
Brasil.
antes da vinda dos imigrantes, os extensos territórios que foram
( . . . ) quando estiveres em Bremen com pre para m im destinados à colonização eram ocupados por índios cujos rema­
um fuzil, porque na Prússia é barato e aqui é m uito nescentes continuavam, conforme o caso, nas proximidades. Um
caro.*3 dos imigrantes afirma: ( . . . ) Bandos deles perambulam aos quais
tememos, porque se atacarem e se p o r acaso seu número fo r maior
Comprem umas três espingardas de cano duplo, uns
do que o nosso, exterminar-nos-iam com o ratos.33
três rev&veres, mas bons e munição para os mesmos: O aldeão surpreendia-se de encontrar no Brasil um grande nú­
umas 30 libras de pólvora e cartuchos, chumbo, porque mero de imigrantes, compostos das mais variadas nacionalidades.
no Brasil são necessários contra os pássaros que são
abundantes e no Brasil é difícil conseguir armas.*71
Para com estes, sentia-se partícipe e solidário. Orgulhosamente,
escrevia um imigrante de São Mateus do Sul (Paraná), para os
f
42Ibid., carta n.° 58. pais e familiares: Nós vamos fundar cidades, porqjie já existem
48Ibid., carta n.° 38.
44Ibid., carta n.° 24. aqui um grande contingente de gente.3*
45Ibid., carta n.° 47.
46Ibid., carta n.° 50.
47Ibid., carta n.° 55. °°Ibid., carta n.° 39.
4RIbid., carta n.° 27. 51Ibid., carta n.° 47.
49Ibid., carta n.° 29. 82Ibid., carta n.° 64.
88Ibid., carta n.° 47.
B4Ibid., carta n.° 52.
82
83
Muitos dos imigrantes identificavam-se desde o início com a
terra de adoção. Tentavam entender o regime republicano de go­
verno, tão diverso da monarquia totalitária, representado pelo tzar
de todas as Rússias. Exclamava um imigrante: Aqui não temos
rei, mas República.** Outro, estabelecido em São Paulo, entendia
que os grandes latifundiários do café formavam a nobreza brasi­
leira e que estes nobres podiam até mandar fuzilar os empregados,
visto que não havia nenhuma lei que os impedisse de fazer isto, CAPÍTULO V
porque no Brasil é República, o que significa liberdade da no­
breza?6 ESTRUTURA ECONÔMICA E SOCIAL DA
COMUNIDADE DE ADOÇAO
Outro imigrante de Santo Antônio da Patrulha (R io Grande do
Sul), observava que o governo brasileiro era bom e que mantinha
a ordem. Recomendava que os cidadãos ruins da Polônia não pre­
cisavam vir para o Brasil, porque aqui também iriam se dar mal. Quando da chegada dos primeiros grupos de imigrantes polo­
A mentalidade do aldeão ainda manifestava-se condicionada à obe­ neses ao Paraná, a partir de 1871, o sistema de trabalho existente
diência pura e simples das autoridades. O mesmo imigrante excla­ ainda era o da escravidão africana. A capital, Curitiba, havia-se be­
mava: Deve-se compreender que sem castigo não havería fim para neficiado, nas primeiras décadas do século X IX , com a transfe­
a maldade e aqui também sabem por na prisão aqueles que não rência para o planalto dos engenhos de beneficiamento do mate
querem obedecer?1 Uma outra posição semelhante era sugerida do litoral, redundando numa aceleração de seu crescimento eco- .
por outro imigrante de São Mateus do Sul (Paraná): ( . . . ) o la­ nômico. A criação da Província do Paraná em 1853 e a escolha de I
drão e o assassino é melhor que apodreça nas masmorras russas Curitiba para capital, vieram definitivamente consolidar a hege- [
antes que veja o Brasil.™ Parece que havia uma preocupação por monia da cidade como centro urbano preponderante na Província. ,
parte de alguns imigrantes de que, não seria recomendável que os Em 1854, a população da capital e da Província estava composta
aproveitadores e ladrões de lá, viessem para o Brasil como imi­ de acordo com a cor e a condição social:
grantes. Apesar de acharem que aqui também se ia para a cadeia,
não havia muita confiança na República. Ela se afigurava aos olhos COR CONDIÇÃO
dos imigrantes como sendo um regime muito bom, mas não re­
comendável para determinados tipos de indivíduos. A liberdade branca mulata negra livre escrava total
excessiva poderia ser prejudicial para a coletividade. Mas, apesar 10.189 62.258
Província 33.633 13.968 9.251 52.069
dessas idéias, o governo brasileiro, afigurava-se digno de crédito. 578 6.791
Curitiba 4.624 1.293 874 6.213
Escreve um imigrante: Não se deve dar ouvidos a ninguém, a não
ser ao governo que dá terra de graça e ajuda de 50 m il réis e 120
morgos de terra.™ Outro imigrante de Tomás Coelho (Paraná),
escreve: O governo brasileiro cuida bem do povo, a tal ponto que Assim, aproximadamente 30% da população era constituída
aqueles que vivem aqui há vinte anos, não pagaram ainda 3 réis de negros e mulatos, dos quais 9% eram escravos, enquan Q
de imposto?0 O governo brasileiro afigurava-se bom porque distri­ os totais da Província eram respectivamente 40 /o e 16i o.
buía terras e não cobrava impostos, justamente ao contrário do populações estão inseridas numa economia baseada funda
que ocorria com o camponês na Polônia. mente no processo de extração, beneficiamento e comei cia Ç
da erva mate. Quando da chegada em 1871 dos imigian es p
neses, o sistema de trabalho escravocrata da Província
processo de desagregação, isto porque o engenho d
mate, movido à força muscular escrava, estava ^m P Rfi2
88Ibid., carta n.° 47. substituição, por engenhos movidos a força hidraul
69Ibid., carta n.° 81.
87Ib id , carta n.° 69.
®RIbid., carta n.° 40. «PARANÁ. Relatório do Presidente Zacarias de
80Ibid., carta n.° 27. abertura da Assembléia Legislativa Provincial em 15 de junno
®“Ibid., carta n.° 29.
tiba, Typ. Paranaense. 1854. Mapa 14.
84 85
e 1875, leis provinciais autorizavam estudos sobre os melhores pro­ canalizados quase que totalmente para esta produção, ocasionan­
cessos para o fabrico e acondicionamento do mate.2 do carestia de gêneros de primeira necessidade.
Desta forma, o próprio governo prom ovia e estimulava aper­ Em 1857, o vice-presidente da Província queixava-se em seu
feiçoamentos tecnológicos na produção e acondicionamento do relatório que a falta de trabalhadores estava afetando inclusive a
principal produto econômico da Província. O m aior inventor e construção da estrada da Graciosa, onde em conseqüência foi ne­
aperfeiçoador do processo de beneficiamento do mate fo i o curi- cessário adotar o sistema de pequenas empreitadas. Assim mes­
tibano Francisco de Camargo Pinto, o qual após estudar na Ingla­ mo, somente 54 trabalhadores labutavam na abertura da referida
terra, com bolsa do governo Imperial, promoveu verdadeira revo­ estrada.1 A solução encontrada pelas autoridades paranaenses foi
lução na industrialização do mate: desenhou e construiu um tor- promover a colonização com imigrantes europeus, pois, como pen­
rador mecânico, o esmagador ondulatório, separadores por venti­ sava José Antônio Vaz de Carvalhaes, os imigrantes europeus mais
lação, misturadores mecânicos, transportadores helicoidais, etc. propensos à cultura de cereais e de outros gêneros alimentícios,
A introdução de processos qualitativos na produção e indus­ não iriam dedicar-se à exploração da erva mate, atividade que lhes
trialização do mate, trouxe ipso jacto a substituição paulatina do é desconhecida e estranha aos seus hábitos,s
escravo como força de trabalho. A introdução de novos aperfei­ Em conseqüência, surgiu em 1859 a colônia Assungui, formada
çoamentos tecnológicos e o aumento das exportações desse pro­ por colonos alemães, ingleses, franceses, nacionais, etc, e locali­
duto trouxeram como conseqüência uma contínua substituição da zada a 100 km ao norte da capital. Esta seria, além da função de
força de trabalho escrava pela livre. Como todo o aumento da pro­ abastecer Curitiba com gêneros alimentícios, um objetivo político:
dução, baseado em aperfeiçoamentos tecnológicos, traz o baratea­ contrabalançar as colônias Blumenau e Dona Francisca, que se
mento do produto, a substituição da mão de obra escrava se havia desenvolviam na vizinha Província de Santa Catarina. Apesar das
revelado economicamente vantajosa, nestas circunstâncias. Assim grandes somas empatadas no seu estabelecimento, a mesma fra­
se expulsará o escravo do interior do engenho, substituindo-o por cassou, pois a distância de Curitiba era muito grande e nem mes­
máquinas novas e trabalhadores livres mo vias de comunicação satisfatórias foram providenciadas. A
produção dos colonos acabou apodrecendo nos celeiros.
dos quais se comprará apenas a força de trabalho, de A partir do governo de Adolfo Lamenha Lins, a Província do
conformidade com as exigências da produção. E m suma Paraná alterou sua política de localização dos núcleos coloniais.
a dinâmica da empresa ervateira, além de outros fenô­ Passou a dar preferência ao estabelecimento dos mesmos nas pro­
menos que atuarem na comunidade, traz no seu bojo a ximidades da capital, inspirando-se no progresso demonstrado
destruição do trabalho escravo.3
pelos rcemigrantes espontâneos, alemães em maioria, que deman­
Desta forma, a política imigratória iniciada no Paraná ei davam das colônias de Dona Francisca e Blumenau e fixavam-se
meados do século X IX , está ligada a essas transformações estn nos arredores de Curitiba.
turais no campo econômico e social. Nessa conjuntura, chegaram ao Paraná os primeiros polone­
Sendo o mate o produto básico da economia paranaense, d ses. Os responsáveis por tal fato, o agrimensor Sebastião Edmun­
sempenhando — guardadas as devidas proporções — a função qt do Wos Saporski e o padre Antônio Zielinski, foram inspirados na
o café desempenhava em São Paulo, a mão de obra disponível r obra de H. Blumenau na Província de Sta. Catarina. Planejaram
Província era canalizada para essa atividade. Em conseqüência, promover a colonização na Província do Paraná, pois ambos pas­
Província começou a sentir escassez de gêneros de subsistênci saram a temer a germanização dos poloneses, se os mesmos se
com a fuga de mão de obra e capitais desta atividade para a ec< fixassem em Sta. Catarina. Entendiam eles por germanização a
nomia ervateira. Repetia-se em escala regional o que havia oco diluição, tanto numérica como cultural, dos poloneses na região,
rido em meados do século com a cultura cafeeira, na Províncí pois sendo a colonização germânica já ali numerosa e sedimen­
de São Paulo. A partir de 1850, com o predomínio, nesta Províi tada, tal germanização seria um processo espontâneo. Poderia re­
cia dos interesses da economia cafeeira, os braços escravos forai petir-se aqui no Brasil o fenômeno que estava ocorrendo na Eu-4

2COSTA, Mário J. Affonso da. Paraná, contribuição para o estudo c


commercio e das indústrias do Estado. Rio de Janeiro, 1913. p. 51-52. Citac 4PARANÁ. Relatório apresentado à
p° f do
péia j ,Lavro.
I| Octavio.
1962. p.As109
metamorfoses do escravo. S. Paulo Difusão Euri dia 7 de janeiro de 1857, pelo vice-presidente José Amorno
sid. lhaes. Curitiba, Typ. Paranaense. 1857. p. 94.
5Id.
86 87
ropa. Saporskl obteve autorização imperial para prom over a colo­
nização, mas enquanto providenciava a localização da mesma na convencesse a dispersar-se. Eti, que não sabia de nada,
Província do Paraná, os imigrantes recrutados na Silésia conven­ atendeu imediatamente ao chamado e, somente após ter
cidos pelos alemães* e antes de receberem ordem de Saporski para chegado ao palácio, deu com a multidão agitada.
embarque, partiram para a Província de Sta. Catarina em 1869. Chegando ao palácio, fo i chamado pelo Vice-Presidente,
Foi na colônia Príncipe Dom Pedro, no loteamento Sexteen Lots, o compreensivo e prestativo Dr. Erm elino de Leão, que
que Saporski os foi encontrar enjoados de tanto derrubar matas, lhe transmitiu a ordem do Presidente. Nesse momento,
de serem explorados pelos agentes e fornecedores de viveres. um dos manifestantes amotinados começou a lançar em
voz alta acusações contra Eti, em alemão, acusando-o
Sua fixação, em terrenos da municipalidade de Curitiba em
1871, ocorreu não sem atritos e desentendimentos com as autori­ de que tinha recebido, para ser distribuída entre os co­
dades e reimigrantes alemães já ali estabelecidos pois os mesmos lonos, uma considerável soma em dinheiro, mas que a
pretendiam para si os terrenos dos quarteirões de Pilarzinho e tinha escondido para si. À entrada de uma loja próxima
Mercês e que estavam sendo pretendidos pelos poloneses. Por ou­ encontrava-se o tal intérprete alemão, esfregando as
tro lado, os colonos negaram-se a aceitar os terrenos que a Câ­ mãos de contentamento. Tendo-o avistado, E ti dirigiu-se
mara Municipal lhes oferecia, às margens do rio Barigui, cortados ao Vice-Presidente, pedindo-lhes que chamasse o intér­
pela estrada que demandava para Campo Largo. Porém quando os prete e o fizesse traduzir as injúrias lançadas pela m ul­
colonos foram chamados para assinar esse contrato que lhes era tidão. O intérprete executou a ordem. Então Eti, na pre­
vantajoso, sença dos colonos reunidos, perguntou ao Vice-Presi­
dente se durante o tempo das diligências para a per­
no dia marcado apareceram apenas dois deles. Os ou­ missão da chegada dos colonos poloneses, que o mesmo
tros desculparam-se, dizendo que tinham que ir à igre­ tinha acompanhado de perto, fOi-lhe dado sequer um
ja, que se encontravam bastante longe, ou apresentaram tostão para tal fim , ou qualquer recompensa de outra
outras desculpas, igualmente infundadas.8 espécie. O humanitário e nobre Dr. Ermelino, com o
qual efetivamente toda a questão tinha sido tratada des­
Em suas Memórias, Saporski queixa-se do intérprete do dele­ de o início e a qual contara com o seu incondicional
gado de colonização, o qual segundo ele — distingüia-se por um apoio pessoal, expressou sua indignação. Queria mandar
ódio contra sua pessoa como de resto contra todos os poloneses9 prender imediatamente aquele incitador e só desistiu
e conseguiu sublevar, dessa idéia graças à intervenção de E ti.'0

a massa ignorante dos imigrantes. E m consequência de Entretanto, a agitação não parou aqui. Grupos interessados
suas manhosas intrigas, os colonos seguiram em bando em que os poloneses não se estabelecessem em Pilarzinho, come­
ao palácio do Presidente, exigindo que se lhes desse co­ çaram a espalhar boatos de que estes imigrantes não passavam
mida. Convém acrescentar que esses colonos sabiam de um bando de vagabundos, esmoleiros e arruaceiros. Tais boa­
muito bem que o Presidente não havia prom etido nada tos chegaram até o Ministério da Agricultura. O Ministro T. M. F.
mais além de cobrir as despesas da viagem (de Sta. Ca­ Pereira da Silva, em telegrama ao Presidente da Província do Pa­
tarina) até Curitiba ( . . . ) . Mas as invejosas intrigas sur­ raná, datado de 1/11/1871 pede informações:
tiram efeito e o bando foi postar-se diante do palácio.
O presidente, indignado, mandou imediatamente cha­ He certo que os colonos polacos que forão de Sta. Cata­
mar E ti (pseudônimo usado p or Saporski referente à rina para essa Província andam esmolando e nada têm
sua pessoa), e pedir-lhe que acalmasse a multidão e a em que se ocupem? In form e V. Excia. com urgência e
tome as medidas necessárias para que isso não acon­
mar."RUDZIKI,
1891. p. 168.T. KoloniScí w Brazylii. Przeglad Katolicki, Warszawa, 12
teça.11

7Para maiores detalhes a respeito consultar: W ACHOW ICZ, R.C. Arquivo Mesmo depois de estabelecidos no local denominado Pilarzi­
da paróquia de Sta. Anna de Abranches. Boletim n.° 18, Universidade Federal nho, as intrigas continuavam, sendo os poloneses acusados pelos
do Paraná, Dep. de História. Curitiba, 1972.
8SAPORSKI. Sebastião Edmundo Wos. Memórias. Anais da comunidade reemigrantes da colônia Dona Francisca, de terem recebido auxí-
braslleiro polonesa. Curitiba, 1972 (6 ): 11-99, p. 55.
*Id.

88 n S fic io s, 1871. vol. 18. Arquivo Público do Estado do Paraná.

89
o liberto negro ou mulato começou a ser preterido pela mão de
lio da Câmara Municipal e de serem arruaceiros e vagabundos. Tal obra européia. O próprio Saporski recomendava aos seus imigran­
situação levou Saporski a requerer documento em contrário, junto tes que procurassem serviço na construção da estrada para Mato
à Câmara Municipal. Grosso que então se havia iniciado. Para as mulheres recomen­
Estes atritos e desentendimentos dos pioneiros poloneses com dava empregos nas residências onde as senhoras curitibanas acei-
os alemães já estabelecidos no rocio de Curitiba, tinham por base tavam-nas de boa vontade.111 Os curitibanos das famílias tradicio­
a concorrência que os recém-vindos haviam de proporcionar aos nais passaram a procurar meninos e rapazes entre os filhos dos
granjeiros alemães já estabelecidos nas proximidades da capital e imigrantes, para substituírem os negrinhos nos serviços. É o caso
que eram os fornecedores de lenha, leite, queijo, manteiga, ver­ do Monsenhor Celso, que recrutou um menino em Rio Negro:
duras, etc., à população urbana de Curitiba. Este conflito inicial
com os germânicos motivou o surgimento recente de uma obra Certa feita, o senhor Dublasiewicz levou-nos para uma
literária, na Polônia, sob o titulo: Bitwa o Pilarzinho (Luta pelo festa em R io N egro (Paraná). Viajamos eufóricos. Apro­
Pilarzinho).12 veitei a oportunidade de rever a cidade que já conhecia.
Detinha-me na observação disto e daquilo. Encontrei
De tal forma desenvolveu-se a imigração polonesa para o Pa­
alguns mulatos da minha idade. Visitei-os em suas ca­
raná, que até 1889 haviam entrado 6.530 poloneses nesse Estado.
sas. Quando com ecei a falar o polonês, eles estouraram
Em 1920 esse total já ultrapassava os 80.000 imigrantes. Não de­
em gargalhadas. Um deles atirou-m e em rosto: polaco
morou para que surgissem também os imigrantes italianos no lito­
burro! Imediatamente revidei-lhe um sopapo. Tinha
ral da Província e sua conseqüente transferência para o planalto.
Em 1895, chegavam as primeiras levas de ucranianos procedentes consciência de que semelhante expressão era um pala­
da Galícia austríaca. Estas correntes imigratórias acrescidas de vrão. O pirralho sumiu, enquanto os demais caíram so­
outras etnias, que para o Paraná aportaram, juntamente com as bre mim. Distribuía socos e após cada golpe um deles
populações tradicionais luso-afro-ameríndias, transformaram o voam para fora. Afastaram-se e tomaram das pedras es­
Paraná em um laboratório étnico, talvez o maior do mundo. palhadas na rua. Fiz o mesmo. Algumas mulheres espa-
Iharam-nos, antes que alcançássemos piores consequên­
Face ao volume alcançado pela imigração para a Província, as
cias.
atividades econômicas não tiveram mais condições de se apoiarem
no trabalho escravo. Ao contrário, a utilização do trabalho livre é Conturbado, fu i até a igreja. A missa estava term i­
uma necessidade e uma exigência. A nova conjuntura fez o preço nando e a minha presença era desnecessária. Nesta so­
dos escravos existentes entrar em baixa. Em 1882, o preço médio lenidade estava presente o M onsenhor Celso, de Curi­
por escravo liberto na capital era de 759S000 reis cada um. Em tiba. Solicitou ao Sr. Dublasiewicz que lhe encontrasse
1884, o preço médio já estava a 675S000 reis. Mas em 1885, a Pro­ um rapaz, para ajudá-lo na Capital. ( . . . ) Três dias de­
víncia possuía ainda 4.192 escravos.13
pois encontrava-me em Curitiba. Nos prim eiros dias era
Desta forma, no período de 1871 a 1888, os poloneses aí che­ acompanhado p o r um mulatinho que conhecia a cidade.
gados encontraram a instituição da escravidão em rápido declínio. Em breve superei-o pois sábia ler. O menino foi para
O fluxo maior de imigrantes europeus coincidia com a decadência outro lugar, enquanto a responsabilidade da casa do
da escravidão.
Monsenhor recaiu sobre m im .u
Antes do aumento das correntes imigratórias, o negro liberto
pelo sistema era aproveitado e absorvido como agregado ou como Na cidade da Lapa, o mesmo imigrante empregou-se numa pa­
assalariado em serviços como o de soldado, de artesanato, ou cria- daria e afirmava em sua memória que:
dagem urbana. O próprio sistema que o libertara encaminhava-o
a tarefas que executava satisfatoriamente. Quando os imigrantes Consegui um em prego na cidade da Lapa. Trabalhava
e seus descendentes passaram a contar-se aos milhares, não só por 10 m il réis mensais na padaria do Seu Nansinho.
em torno de Curitiba mas também em regiões mais interioranas, Durante a noite assava o pão e para não perder tempo
o dono encarregou-me de selecionar penas de gansos,4 5
1
'-M R Ó W C ZYN SK I, Boleslau. Titwa o Pilarzinho. Katowice, Wydawnictwo
“Slask”. 1968. 288 p.
,aExposiçâo com que o Presidente da Província Alfredo D ’Escragnolle l4SAPORSKT n W ,
Taunay passou a administração da Província do Paraná em 3 de maio de 15W ACHOW ICZ, Romão. Memórias de Koscianski. Anais da Comunidade
1886. p. 30.
biasileiro-polonesa. Curitiba, 1971. (3): 36-79. p. 42.

90 91
galinhas e perus. Durante o dia percorria a cidade com
cesta à cabeça, distribuindo o pão. Posso afirm ar com
a consciência tranqüila que me explorou até o extremo.
Somente tinha livres as tardes dos domingos. Frequen­
tava a casa do Sr. Morawski e pelas ruas batia-me com
os mulatos, toda vez que me chamassem de polaco
burro. O filho do Sr. Morawski atirava m uito bem as
pedras, enquanto eu trabalhava com os punhos cerra­ CAPÍTU LO V I
dos. Não eram raras as surras que tributavamos, fazen­
do os negrinhos sangrar, com o também não eram raros A “FÉ POLONESA”
os momentos que tínhamos que correr, quando os mu­
latos vinham em chusma contra nós.11

Enquanto as primeiras levas dos imigrantes poloneses estabe­ A esmagadora preponderância do elemento aldeão na compo­
leceram-se nos arredores de Curitiba, aqueles que vieram após a sição da imigração polonesa, leva-nos, para a compreensão de sua
abolição da escravatura em grandes quantidades, foram localiza­ mentalidade, até as numerosas aldeias polonesas. N o Brasil, a mu­
dos em colônias do vale do Iguaçu, longe do mercado consumidor dança de meio, a form ação de comunidades com patrícios em gran­
da capital. Segundo Boleslau Zabko Potopowicz, os mesmos eram de parte desconhecidos, ou a inserção na mesma colônia de indiví­
assim constituídos de acordo com suas profissões: duos de várias nacionalidades, além dos luso-brasileiros propria­
mente ditos, veio enfraquecer mas não abalar o instinto gregário
do camponês polonês. Se na pátria de origem o instinto gregário
Agricultores ........................................ 95,0% manifestava-se sobretudo na atividade paroquial, no Brasil o pro­
cesso será mantido. A igreja, a paróquia e o padre serão, em mui;
Operários e artífices .......................... 3,5% tas colônias do Brasil, por muito tempo o único cim ento que unirá
os colonos. Conseguir uma igreja própria e um sacerdote polonês,
Comerciantes e industriais................. 1,0% será o sonho de cada colono, e para isso nenhum esforço será pou­
pado. Logo após uma acomodação prim itiva em suas datas de ter­
Intelectuais ........................................ 0,5%*17 ra, os colonos reuniam-se para deliberar a construção de sua igre­
ja. Se a comunidade não fosse suficientemente numerosa, então
optava-se pela construção de uma capela.
A paróquia e o padre polonês eram imprescindíveis para o
camponês. A igreja era um centro espiritual, mas também o cen­
tro onde o camponês satisfazia sua necessidade de comunicação
com o próximo. N o Brasil, esta necessidade acentuava-se ainda li
mais, devido ao isolamento em que passaram a viver. Na Polônia,
as residências dos aldeões eram agrupadas e concentradas. Nas
colônias brasileiras, esta estrutura deixou de existir. Cada família
tinha sua casa, em seu próprio lote. O vizinho mais próximo, na
melhor das hipóteses, ficava a 500 ou 1.000 metros de distância.
Na Polônia, ele estava ali, atrás da cerca.
O preceito da assistência à missa dominical ou outros ofícios
religiosos adquiriu no Brasil uma conotação mais ampla: havia a
satisfação de poder comunicar-se com os companheiros, de con­
fraternizar, de conhecer as novidades, de saber como iam os ou­
•'AU. tros na sua respectiva propriedade. A freqüência dos ofícios reli­
giosos tomou-se uma fuga do quotidiano. Tudo isto ocorria à som­
17POTOPOWICZ, Boleslau Zabko. Osadnictwo polskle w Braxylil. Wars-
zawa. Sklad Glówny Syndykat Emigracyjny. 1936. p. 13 e 14. bra da igreja, antes e depois da missa. O sacerdote representava
para o colono o caminho de um feliz post mortem.
92
93
O sacerdote era tratado da mesma maneira como o era o se­
nhorio na Polônia. Traziam-lhe pão, manteiga, requeijão, ovos, der a Deus Nosso Senhor. As vezes nos falta paciência.
vinho, para que não passasse fome de form a alguma. Se por acaso Asàim não é possível aguentar. Para defender-se é pre­
ocorresse uma possibilidade de faltar algo para o padre, a comu­ ciso in ju ria r esses cães, o que já nos levou pessoal­
nidade toda passaria vergonha. Os fiéis mantinham a tradição an­ mente quase à briga ( . . . ) .
tiga na Polônia de beijar-lhe as mãos ao cumprimentá-lo, indis- Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
tintamente, por homens, mulheres ou crianças. A pessoa do padre Se nos construíssem pelo menos uma pequena capela e
era intocável e sagrada. Sua liderança na colônia era absoluta. Na providenciassem um padre da Polônia seria melhor,
Polônia e por muitas décadas no Brasil, o padre fo i o único letra­ porque nós sem isso não aguentamos e voltaremos para
do com o qual os colonos tiveram contacto. a Polônia. Sem igreja e sem padre não agüentaremos.
Pedimos ao senhor que se preocupe com isso ( . . . ) .
Enquanto ainda era muito forte a influência da estrutura Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.
mental vigente nas aldeias polonesas, a obediência do camponês
As crianças que aqui nasceram não passam de alguns
extravasava as fronteiras da ordem espiritual e prosseguia na tem­
poral. Os pedidos do vigário eram tidos como sagrados e eram porquinhos, pois sem o santo batismo assim permane­
cumpridos sem titubeação. cem. ( . . . ) As crianças permanecem assim sem nome e
sem patrono no céu. Os nossos corações se angustiam
de ver que católicos precisam viver com o pagãos ( . . . ) .
Se o sacerdote determinasse que construíssem a igreja
O católico falecido é preciso levar para o mato e enter­
— eles o jaziam. Se ordenasse levantar a casa canônica
— ela ficava de pé. Pedia um cavalo encilhado — tra­ rá-lo em qualquer parte, sem a aspersão da água benta;
ziam-lhe. Mandava queimar os jornais, revistas e livros que vale pois, uma alma dessas no outro mundo se ela
progressistas — não havia dúvida, o fogo consumia aqui é nivelada e criada com o se fosse um cachorro?1
tudo.’
Estes extratos de carta revelam muito do que diz respeito à
concepção de religiosidade entre os poloneses. Evidencia-se em
Os xeno cronistas poloneses que visitaram e descreveram os
primórdios da colonização polonesa são unânimes em descrever primeiro plano o conceito de fé polonesa. Não se trata de uma
os clamores que ouviam dos imigrantes, pedindo sacerdotes polo­ concepção de acentuado espírito sectário, mas de uma aliança
neses. O mais expressivo desses pedidos foi o recebido por Adolfo ocorrida na Polônia, entre a religião e a polonidade. O vínculo de­
Dygasinski na colônia Massaranduba — Santa Catarina, em 1891, monstrado entre a religião e a polonidade representa um vínculo
e que bem demonstra a mentalidade do camponês para com sua entre fé e patriotismo. As conotações históricas da nação polo­
religião.
nesa nos leva à compreensão da expressão fé polonesa. Refere-se
o colono à linguagem, ao rito, aos dias santificados existentes na
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo. terra natal e que continuam a ser respeitados aqui, porém, sem o
Como somos irmãos e católicos, nesta terra estranha, correspondente respeito pelos brasileiros. Os sacramentos são con­
deve o Senhor levar em conta que as pessoas não podem siderados fundamentais na existência de um colono. O batismo
aguentar sem uma igreja e um padre católico, um da­ significa um ritual que chega a extravasar os limites da fé. O ba­
queles que ensinasse toda a fé e falasse o polonês. Foi- tismo atribui um nome, este não existe apenas para que se possa
nos dito lá na Polônia que existia aqui no Brasil a identificar a criança como pessoa, mas sim dar ao batizado a con­
mesma fé e igualdade. É tudo misturado com os alemães dição de obter um patrono no céu. Esta é a razão fundamental
e Deus sabe com que outras nacionalidades. Com o o pela qual encontramos nos registros das paróquias polonesas,
senhor é católico compreende que uma pessoa da Polô­ quase que exclusivamente nomes de santos. Esta valorização do
nia assim não subsiste. Alemães, pretos, poloneses de­ batismo leva os colonos, ao menos nas primeiras décadas de per­
veríam viver separadamente. Com o pois há igualdade, manência em solo brasileiro, a comemorar o onomástico e não o
se quando nós festejamos um dia santificado, domingo dia de seu aniversário.
ou algum dia de Nossa Senhora, eles aqui trabalham e
Nas Cartas dos Imigrantes, evidenciam-se as impressões
zombam de nós, riem às nossas custas, chegam a ofen-
sentidas pelos imigrantes recém-chegados, sobre o catolicismo po-
'WACHOWICZ, Romão
94 . ^YGASINSKI. Adolf. Listy z Brazylii — wybór artykulów publicys-
ycznycn. Warszawa, Ksiazka i Wiedze. 1953. p. 109. (o grifo é do original).

95
1

í pular brasileiro. Registram, além da diferença de costumes reli­ ma form a que na Polônia, mas não o fazem da mesma
giosos e dificuldades linguísticas para se entenderem com os pa­ forma que nós. A Páscoa é m uito curiosa, não temos
dres brasileiros, a adoção, por parte de alguns poloneses estabe­ ovo bento, nem doces com o na Polônia. Quando conse­
lecidos em São Paulo, de costumes locais.
guimos alguma fortuna, faremos do mesmo modo com o
Um imigrante estabelecido na cidade de São Paulo escrevia na Polônia, mas agora é m uito d ifíciU
estranhando o comportamento religioso dos brasileiros:
Os poucos padres seculares poloneses que na ocasião exerciam
Preocupa-nos a falta de padre que fale polonês. Todos seu ministério no Brasil procuravam, na medida do possível, aglu­
falam só em português e nós ainda não falamos bem e tinar os imigrantes poloneses em colônias homogêneas, formadas
por conseguinte não nos podemos confessar. Trago-vos em maioria com o elemento polonês e católico. Destes esforços
notícias sobre a festa do Padroeiro. Nunca v i uma se­ dá-nos notícia um imigrante de São Feliciano (R io Grande do Sul):
melhante festa. Só a decoração das ruas de São Paulo
J custou mais de 150 mil reis, dispendidos pela cidade. Em P o rto Alegre, os padres católicos juntamente com
Durante a quaresma ninguém jejuou. Eles confessam-se o bispo arrumaram de tal form a que os poloneses, mais
1 católicos e nas igrejas portam-se com o nós, mas não de m il famílias, estaremos numa mesma localidade só
observam a religião com tanto rigor com o nós. Não fes­ católicos. N o mês de abril deveremos ter na localidade,
tejam quase nenhum dia santificado. Guardam somente primeiramente uma capela e sacerdote que nos ensinará
o Natal, Sexta-Feira Santa e os domingos. Este é o cos­ em língua polonesa6
► tume durante a Semana Santa: Na Quinta Feira Santa
depositam Cristo no Tabernáculo, na Sexta Feira no tú­
mulo e à noite, às 10 horas, sai a procissão pelas ruas.
Outro imigrante de Caxias do Sul (R io Grande do Sul), tam­
bém observa que:
Vão de uma igreja para outra. Os padres levam a Cristo
na uma, com luzes e estandartes. Os que acompanham Os padres poloneses intercedem p o r nós ( em P orto Ale­
a procissão riem, falam, alguns assobiam. Não é com o gre). Consertam todo o mal porque há bastante padres
entre nós em que cada um anda em silêncio e reza. Para e igrejas. ( . . . ) somente que não podemos entender,
a Páscoa não preparam nada, nem a swienconka. Os pa­ mas em breve teremos padres poloneses.6
dres não benzem os alimentos. Nós só jejuamos três
dias durante a quaresma e alguns poloneses comeram Ao lado dessas impressões do catolicismo brasileiro, manifes­
carne até na Sexta Feira Santa. Em verdade os alimen­ tavam os imigrantes uma grande dependência e necessidade tanto
tos de abstinência são mais caros do que a carne, mas do padre, dos sacramentos e cerimônias religiosas, bem como dos
os poloneses estragam-se no Brasil.* objetos de devoção. Era uma questão vital para sua saúde mental,
poder utilizar-se dos mesmos. Um missivista de Florianópolis es­
Um imigrante da colônia de Alfredo Chaves (R io Grande do crevia à esposa e filhos que ficaram na Polônia:
Sul), constatava:
Leve consigo ( . . . ) os quadros de Nossa Senhora do
Estamos muito aborrecidos porque não nos podemos
k
Monte Claro, Sto. Antônio e coloque-os no meio dos
entender com os padres e com outras pessoas. Já en­
pertences para não se quebrarem ( . . . ) . Vão à confissão
tendo mais ou menos e posso falar, mas não com todas
antes da partida e levem consigo para ajudar, a sua Mãe
as pessoas. Compreendo, porque aqui no Brasil escre­
Divina e Ela não abandonará a ninguém que a Ela re­
vem tudo com letras polonesas. Estão construindo uma correr.7
igreja em nossa brigada (s ic ). Virá um padre polonês,
I que nos entenderá. Agora, a igreja que fica na cidade,
dista quatro milhas. Lá existe uma igreja polonesa.*3
De Silveira Martins (R io Grande do Sul), escrevia um marido
para a esposa:
( . . . ) Aqui os dias santificados são guardados da mes-

3ANAIS DA COMUNIDADE BRASILEIRA-POLONESA. An. comun. brasil. Ubid., carta n.° 66.
poL Superintendência do centenário da imigração polonesa ao Paraná. Vol. 6Ibid., carta n.° 49.
V III. Curitiba, 1977. Carta n.° 68.
"Ibid., carta n.° 68.
96 'Ibid., carta n.° 24.

i 97
íli_L
Igualmente suplico-os, caio de joelhos perante você,
querida esposa para que encomendem uma. Santa Missa Em São Mateus, os poloneses não queriam receber na igreja
em minha intenção e roguem a Deus a sua Mãe.3 doações dos brasileiros pois desejavam manter-se eqüidistantes
dos mesmos e desejavam ter sua própria paróquia. Narra o padre
Da colônia de Indaial (Sta. Catarina), escrevia para um irmão Hugo Dylla:
que pretendia vir para o Brasil:
Numa igreja polonesa, os nossos (imigrantes poloneses)
Peço-vos que não esqueçam trazer consigo quadros de são donos e sem muita cerim ônia afastam aqueles que
santos, podem ser sem moldura, escapulários ( . . . ) por­ não se com portam dignamente na Casa do Senhor, ja­
que estes não se conseguem aqui.13 mais aguentam um cachorro.2 13

Do Rio Negro (Paraná), escrevia um imigrante para seu O referido missionário, acostumado com a religiosidade do
irmão: camponês polonês e asustado com o comportamento religioso dos
Eu, Francisco e Luciano ( . . . ) confessamo-nos e rece­ brasileiros, comentavam exageradamente: Acredito que não existe
bemos a Crisma. Aqui esteve não somente o bispo, mas pior infidelidade no mundo inteiro.1*
o substituto do Santo Padre (s ic ) e as cerimônias foram Porém constatava que os brasileiros admiravam-se como os
lindas, acompanhadas de excelente música de instru­ poloneses tratavam seus sacerdotes e começavam a envergonhar-
mentos. Houve foguetes de maneira que a gente ficava se de seus costumes.15
ensurdecida, dentro da igreja. O coral cantou a velha
Dizia um colono de Colatina, Estado do Espírito Santo:
canção polonesa: Boze cos Polske (Deus que a Polônia
guardaste) por tão largos anos cobriste com esplendor
Vem o domingo, o dia santificado, e não há padre, nem
de potência e Glória, os miseráveis privastes de vossa
ofícios religiosos. E o p io r é m o rre r sem a Santa Con­
proteção. Diante de teus altares levamos a prece, para
que guardeis a nossa Pátria, Senhor ( . . . ) . fissão. Quando se pensa nisto, dói o coração.13
Sentimo-nos tão alegres, com o se estivéssemos no pa­
raíso.11 As narrativas dos sacerdotes que visitavam as colônias isola­
das eram muitas vezes comoventes, mas refletiam, de form a sui
O imigrante, uma vez chegado ao Brasil, percebia as diferen­ generis, o comportamento do imigrante polonês diante da morte
ças existentes na prática e na devoção do catolicismo popular e revelavam pormenores de sua mentalidade e de sua existência.
brasileiro com o praticado nas aldeias polonesas. Evidenciavam- Na colônia Ivaí, quase no centro geográfico do Paraná, o padre
se então as formas, às vezes divergentes de concepção e procedi­ Posadzy foi chamado para atender a um colono lituano-polonês
mentos. A existência dessas diferenças dificultava, por vezes, a moribundo:
aproximação entre os ádvenas e os membros da comunidade de
adoção. E ntro dentro de casa e saúdo o Senhor Deus. Todos
O padre Hugo Dylla C.M., ao pregar missões nas colônias respondem em coro por todos os séculos dos séculos,
polonesas do Paraná em 1904, observou diferenças substanciais en­ amém. ( . . . ) Na cama feita de tábuas lascadas de pinhei­
tre as duas comunidades: nos ofícios religiosos para poloneses, a ro está deitado o doente ( . . . ) quando me viu sorriu
igreja sempre estava repleta de fiéis, que acorriam para a Santa levemente e com voz seca sussurava: Graças vos dou
Confissão e confessavam suas culpas com lágrimas nos olhos. Nos senhor Deus, por esta graça. Pensei que a morte me vi-
ofícios religiosos organizados para os brasileiros, compareciam ria sem os santos sacramentos. Na realidade esta era
somente os que viviam embrenhados nas matas. Os que habitavam uma grande graça de Deus. É costume que aqui as pes­
nas vilas e sedes não apareciam, pois afirmavam que não possuem soas m orram sem o padre. Com o aqui trazer o padre,
pecados, não mataram, não roubaram e finalmente o padre é igual se a igreja dista 80 km e as estradas aqui são imaginá­
aos demais. Só Deus pode perdoar os pecados.*1 veis? Sentei-me ao lado da cama, iniciou-se a Santa Con­
HIbid., carta n.° 28. fissão. Após a mesma, o doente contou-me sua viagem
10Ibid., carta n.° 47. para o Brasil, sobre o pesado trabalho na derrubada da
I2DYLLA, Pe. Hugo. Missões dos padres missionários poloneses no Brasil.
mata. Construí, consegui ganhar algo. Somente me fal-
Anais da comunidades brasileiro polonesa. Curitiba, 1971. (5 ) : 88-123, p. 102.
l3Ibid,, p. 104.
98 14Ibid., p. 122.

99
taram as forças. Trabalhava quase noite e dia. Grande Na colônia Lucena, hoje Itaiópolis, um imigrante registrou a
trabalho, pssado este trabalho, rendi-me. Agora tudo me seguinte ocorrência:
dói.
A Santa Comunhão foi dada ao doente na cama. A vista Acontecia p or vezes que o padre chegava e não havia
da hóstia santa, o doente levantou-se num sobressalto com que pagar a missa. O padre saia da sacristia e co­
como que fulminado pelo sobrenatural. ( . . . ) A respi­ municava: Não posso rezar a missa porque a mesma
ração tomou-se cada vez mais pesada. O doente abriu ainda não está paga. Vocês precisam recolher 40 mil
os olhos como que desejando dizer ainda algo. Inclinei- réis! Silêncio. Pouco depois saia novamente: Alguém
-me sobre ele. Das profundezas das cavidades oculares está recolhendo o dinheiro ou não? Um dos velhos pegou
deslizaram duas grandes lágrimas que escorreram pela o chapéu e andando pela capela pedia: Faz favor.18
face. Felicitem a Polônia — pronunciou com dificuldade.
Todos caíram de joelhos ( . . . ) . Em 1895, o bispo de Curitiba lamentava-se dos sacerdotes
Num simples caixão feito de tábuas foi levado ao cemi­ poloneses que se preocupavam exclusivamente em fazer fortuna,20
tério ( . . . ) . Foi enterrado com o rosto voltado para a O primeiro cônsul polonês em Curitiba, referindo-se a esse perío­
Polônia. Na cruz feita à faca foram entalhadas as pala­ do de preponderância do clero secular polonês no Paraná asseve­
vras: Durma, polonês, em túmulo alheio e que a Polônia
se apresente em teus sonhos.17 rava:
Com segurança pode-se afirm ar que, ressalvadas as ex­
Neste caso, a fé polonesa adquiriu um vivo matiz patriótico.
A fé, na mentalidade do camponês, era inseparável de seu senti­ ceções de m odo geral, o clero polonês na prim eira fase
mento de patriotismo, de sua polonidade. de sua atividade no Brasil não cum priu a missão, não
passou no exame.11
Até a primeira década do século X X , foi muito difícil para os
colonos obterem sacerdotes para suas colônias. Durante os tempos Durante o regime imperial não ocorreram maiores problemas
imperiais, quando a Igreja Católica era reconhecida oficialmente entre a colonização e a hierarquia católica. Com a mudança de re­
como religião do Estado, a própria Província do Paraná preocu- gime e a conseqüente separação da Igreja do Estado, as autorida­
pou-se em encontrar sacerdotes para as colônias. Assim, já em des eclesiásticas em Curitiba, que ainda dependiam do bispado de
1875 chegava à colônia de Abranches o padre Mariano Gizynski, São Paulo, almejavam nacionalizar o catolicismo dos imigrantes
que se tornou o primeiro sacerdote polonês a exercer seu minis­ poloneses no Paraná. Começaram pela extinção gradativa das cape-
tério no Paraná. Em 1875, foi criada a capelania de Abranches para lanias existentes; duas foram extintas e outra encontrava-se em
os colonos poloneses. Ainda nos tempos imperiais, três outras ca- fase de liquidação, existindo apenas uma em funcionamento. Os
pelanias polonesas foram criadas; órleans, Murici e Tomás Coelho. padres seculares poloneses contavam-se no Paraná, pelos idos de
Os pa*dres poloneses das primeiras décadas eram sacerdotes secu­ 1892, em cerca de duas dezenas. Seu número aumentou conside­
lares. muitos deles ex-religiosos que chegavam ao Brasil, não preo­ ravelmente devido à grande imigração iniciada em 1890. O Vigário
cupados com a escassez da assistência espiritual ao imigrante, mas Geral Forense, padre Alberto José Gonçalves, representante do
vendo nisso a oportunidade de ficarem longe das ordens de seus bispo, iniciou o processo de substituição dos padres poloneses por
superiores. As críticas à atuação desses sacerdotes eram comuns, sacerdotes brasileiros ou a transferência dos poloneses de um lu­
entre os que se ocuparam com o problema. gar para outro, preferencialmente para paróquias onde não hou­
Para que proporcionassem assistência a uma colônia por se­ vesse imigrantes poloneses. Esta atitude acompanhava a política
mana ou duas, exigiam adiantadamente uma soma elevada de di­ de extinção das capelanias polonesas. Segundo•1 K . Gluchowski a
- — -v r « r.m t í n f Q *

nheiro para sua manutenção. Os camponeses concordavam, mas


queriam que o mesmo se tornasse residente.1H
15Ibid„ p. 107.
'"P A M IE N T N IK l emigrantów - A^ | S k Memória n.° 16, p. 263.
18POSÁDZY, Ignacy. Droga Pilgrzymów. Poznan, Nakladem Seminarjum tut Gospodarstwa Spolecznego. Comps. l939*- viaeem Anais da comu-
Zagramcznego. 1933. p. 101.
17Ibíd„ p. 158 e 159. -"KLOBUKOV/SKI, Estanislau. Recordações de viagem^
nldade brasileiro-poloncsa. Curitiba, 1971 14> • -,’n uldrh na antypodach.
189o. p. 116. Antoni Z. Korespondencye. Przeglad Emlgracyjny. Lwów. 2'GLUCHOW SKI Kazimierz. W sród plonierów polskicb na a n y y _ ^

100
101
Já é tempo de acabar com os europeus, todos devem 3 — os poloneses na realidade não precisavam de auxílio da I
tornar-se brasileiros, sob todos os aspectos. Não preci­ igreja brasileira, porque eles próprios sustentavam seus
samos de padres e paróquias de outras nacionalidades.1' padres e por sua conta construíam as igrejas.

Esta era a justificativa oficial desse repentino e estranho Inicialmente, os ânimos e posições não chegavam a se radi­
chauvinismo do clero brasileiro. Na verdade, a indicação da expli­ calizar. Num comentário da revista polonesa especializada em imi­
cação mais acertada desse fenômeno nos foi dada por Antônio Z
Bodziak em carta enviada à revista Przeglad Emigracyjny, de
gração, lia-se a respeito: i>
i.H
Lwów. Levantava a tese de que: Forçosamente é preciso conseguir, p o r qualquer cami­
nho, que poloneses possam ter seus próprios padres;
( . . . ) os padres brasileiros querem estar p o r cima dos nem que fossem dependentes do bispo local; contanto t-
europeus e com má vontade dão acesso aos mesmos às que se lhes não opusessem dificuldades
paróquias,es
Num outro número em artigo de prim eira página a citada re­
Tratava-se, na realidade, do desejo de não perder a liderança
para os padres estrangeiros: era a concorrência. Por padres es­ vista comentava:
trangeiros entendia-se, na época, padres poloneses. O grande nú­ A alta hierarquia vê com má vontade a existência, entre
mero de imigrantes poloneses e o aumento do clero polonês fazia o povo, da paróquia polonesa ocupada p or padre polo­
o clero local temer pela supremacia. Esta política do Vigário Geral nês. Preferiam ver utilizada a língua portuguesa, bem f
era corroborada pelo bispo de São Paulo, o qual também não se com o im pô-la aos colonos poloneses. Os colonos não
interessava em obter padres poloneses para os imigrantes polo­
neses. tem confiança para com os padres cuja fala não enten­
dem e pelos quais tam bém não são compreendidos. A
Estas divergências clericais, transferiram-se para o campo indignação dos colonos poloneses chega a um ponto em
laico. Em São Mateus do Sul, embora um padre polonês fosse que (os padres brasileiros) são de form a mais brutal
autorizado a exercer seus ministérios, as lideranças brasileiras lo­ tocados às vezes da paróquia, sem respeito ao hábito
cais, opunham-se à medida e pressionavam para evitar a criação clerical. O colono polonês francamente não acredita que
de uma paróquia polonesa. pode ser padre uma pessoa que não lhe sabe falar, pro­ 1b
Neste ínterim, a imigração polonesa não era mais constituída porcionar um sermão, confessá-lo, e prom over os ofícios
I;';
de humildes campônios. Um punhado de intelectuais já atuava na religiosos em sua própria língua ( . . . ) . Verdadeiramen­
colônia e falavam em seu nome. Em Curitiba já era editado um te, os colonos poloneses principalmente nas novas colô­
jornal em língua polonesa, a Gazeta Polska. nias freqüentem ente ou não têm padres e vivem absolu­
Tal atitude do Vigário Geral havia sido recebida com grande tamente sem a assistência religiosa, ou possuem padre
indignação. Correspondentes de periódicos enviavam notícias para não nomeado e não indicado pelo bispo. Por isso, a di­
a Polônia. Em Curitiba, a Gazeta Polska começava a atacar a polí­ vergência é tão grande que a hierarquia da igreja não
tica do Vigário Geral. Dentre os argumentos utilizados, sobressaía penetra no âmago do problema, somente lança palavras
o de que os poloneses não eram obrigados a agüentar os padres de desânimo e ameaças. Os colonos p o r sua vez também
brasileiros, porque: ameaçam separar-se da igreja católica e criar paróquias

1 — os colonos não entendiam nada do que os padres brasi­


leiros lhes falavam. Sendo assim, não poderíam confes­ O comentarista concluía que tal objetivo se^ a.^ ^ l ^ ^ t o s .
sar-se com os mesmos. do, pois a administração civil não se imiscuía e ■'1
U
2 — os costumes eram completamente outros: festas, dias A situação tornou-se delicada para a h i e r a r q u m ca íca,^ em :í-ji
santificados, canções, etc.*
era conhecido o zelo com que a mesma traí a^,a4- , e c l e s i á s t i c a ,
que pairavam ameaças e afastamento da obedi2 4
-sibid., p. 113. itj
*8BODZIAK, Antoni Z. Korespondencye. Przyglad Emigracyjny. Lwów,
t. p. 175. 24Id.
-■Przeglad Emigracyjny, Lw ów , 1 fev. 1894. O grifo é nosso.

103
A problemática evoluiu para pior, quando a imprensa polonesa em
Curitiba lançou o slogan: Para o povo polonês, um bispo polonês.™ A vinda de Congregações religiosas polonesas femininas comc
as Irmãs de Caridade de São Vicente de Paulo e as Irmãs da Sa­
Os poloneses em Curitiba apelam para os irmãos na Polônia grada Família, veio reforçar a atuação do clero regular polonês
para que advoguem essa causa no Vaticano:
nas colônias. O prim eiro bispo de Curitiba, entretanto, organizou
a Cúria em fortes bases nacionalistas, onde o clero estrangeiro,
Quem poderá remediar esta desgraça m oral do povo po­ embora muito numeroso na diocese, praticamente não tinha in­
lonês? Quem poderá opor-se a isso? Somente esses que fluência. Posteriormente, parece não haver problema mais sério
defenderam e defendem até o dia de hoje esta nosso
entre o clero polonês e o bispado. Mas a decisão do bispado de es­
oprimida nacionalidade na Europa: os representantes e
criturar todos os bens paroquiais e das capelas das colônias para a
a nossa desgraça? Vocês, patrícios da nossa pátria.
Cúria, demonstrava o desejo de não perder o controle e influência
Apresentem ao PcCi Santo os nossos pedidos. Que se
nas mesmas. Demonstrava também que o problema não foi satis­
compadeça desse punhado de fiéis e que pronuncie sua
fatoriamente resolvido para nenhuma das partes. Uma discordân­
decisão, pois diante da decisão do representante de
Cristo dobram-se todos.17 cia latente continuava a existir.
O advento da Prim eira Guerra Mundial permitiu que tal deci­
A solução do problema era colocada nas mãos da hierarquia
brasileira: são do bispado passasse, sem maiores conflitos, por parte da inte­
lectualidade polonesa. As atenções passaram para a guerra na Eu­
ropa e a possibilidade do ressurgimento da Polônia, como nação
Se o problema chegar tão longe que sob hipótese alguma soberana, polarizava os interesses dos poloneses. De qualquer for­
não nos enviarem sacerdotes, seremos obrigados a ma. passado o tempo, a situação entre o clero polonês e a hierar­
formar o cisma i . é ., não para nos separar da igreja ca­ quia brasileira foi satisfatoriamente resolvida. Os colonos obtive­
tólica, mas somente para manter o povo na fé e não ram padre que falavam sua língua e os entendiam. O bispado man­
perm itir que ele se desnacionalize.1* tinha o controle dos bens paroquiais, embora os vigários regula­
res não estivessem subordinados diretamente à autoridade do bis­
Se houve ou não interferência do Vaticano, é problema ainda po e sim ao superior de suas respectivas congregações.
a ser resolvido e esclarecido. A documentação conhecida a respeito
Nas primeiras décadas do século X X , um novo fator surgiu,
cala sobre o assunto. O fato é que o primeiro bispo de Curitiba,
com a criação do seminário diocesano e a formação do clero se­
D. José de Camargo Barros, membro da elite luso-brasileira e que
cular da diocese. Grande parte dos seminaristas eram de origem
tomou posse da diocese em fins de setembro de 1894, era paulista
de nascimento e alterou em parte a política da hierarquia. Envidou polonesa. Os estudos no seminário foram de tal forma organiza­
esforços para trazer da Polônia padres regulares para substituir os dos, que objetivavam eliminar o sentimento polonês, porventura
seculares aqui estabelecidos. As colônias clamavam por sacerdo­ ainda existente nos seminaristas.
tes. Em 1903, a pedido do bispo de Curitiba, chegavam de Cracóvia O primeiro cônsul polonês em Curitiba lamentava-se que os
os padres poloneses da Congregação de São Vicente de Paulo, mais padres de origem polonesa aqui formados não participavam da
conhecidos por missionários. Ao mesmo tempo, (1904), surgiam vida social da colônia: Já são brasileiros, apesar de alguns possuí­
em Curitiba os padres da Sociedade do Verbo Divino, os verbistas, rem sentimentos poloneses ( . . . ) . É um símbolo. É o sinal dos
os quais foram logo acusados pelos missionários e pelos próprios tempos.30
colonos de germanófilos. Seus padres, de origem alemã, falavam
No Seminário Diocesano de Curitiba, quando um seminarista
um pouco o polonês, e seus padres poloneses eram germanizados
e possuíam o espirito germânico.*» confessava abertamente ser polonês, era ipso facto afastado do
corpo discente da instituição. Tais fatos revelavam a permanência
Entre as duas congregações surgiu uma forte rivalidade pela do nacionalismo luso-brasileiro, persistente no clero.
conquista das paróquias das colônias polonesas.

««GLUCHOW SKl, p. 116.


-7Preeglad Emigracyjny. Lwów, 1893. p. 184.
2RGLUCH O W SK I, p. 113.
-uIbid., p. 114.

S0Ibíd., p. 121.

105
!
tradições e dos costumes, i . é . , da fé polonesa. Sua presença
! ! como líder natural desse grupo prim ário, era essencial na preser­
vação da língua polonesa e da polonidade entre os colonos Um
bispo polonês, ao visitar as colônias polonesas no Brasil, percebeu
r.^An toi raiarão ao escrever:

Não há dúvida de que, com o até o presente, também no


i > futuro só a santa fé pode salvar os imigrantes da des-
CAPITULO V II
polonização.*
A PARÓQUIA POLONESA’
A paróquia brasileira com padre polonês substituiu no Brasil,
e especificamente no Paraná, a paróquia polonesa propriamente
dita, devido à oposição das autoridades eclesiásticas brasileiras.
A paróquia polonesa no Brasil, diferenciava-se em muito da Observe-se que, por exemplo nos Estados Unidos, a criação de
existente na Polônia. A brasileira era muito mais ampla, social e paróquias ou capelanias para outras nacionalidades era comum.
territorialmente. O trabalho do vigário era muito mais difícil. Os Thomas e Znaniecki chamavam a atenção para o fato de, nos Es­
paroauianos muitas vezes estavam a dezenas de quilômetros da tados Unidos, os poloneses negarem-se a aceitar o clero irlandês,
sede da paróquia. A okolica i . é . , as adjacências, eram imensamen­ apesar da estrutura da organização paroquial ser praticamente a
te maiores que na terra natal, enquanto que se rarefazia a popu­ mesma que na Polônia. Na realidade, eles não estavam exclusiva­
lação. A exigência dos colonos de um padre polonês, e o fato de mente a procura de serviços religiosos e sim de um centro comu­
não desejarem aceitar um brasileiro, significava que a paróquia
nitário nos moldes de suas aldeias polonesas.
para eles não tinha apenas uma função exclusivamente religiosa e
sim sobretudo a de um centro de comunidade. A apregoada extre­ No Brasil, devido ao sentimento de unidade cultural luso-bra-
ma religiosidade do camponês polonês residia neste fato. Ele pre­ sileira amplamente desenvolvida na cultura, a hierarquia católica,
cisava deste centro comunitário. Aliás, a tendência mística do cam­ recrutada dentre essa elite cultural, adotou uma posição diame­
ponês era muito fraca. A paróquia era uma instituição que trazia tralmente oposta. O filho do imigrante devia sentir-se brasileiro
harmonia para a comunidade. Podería tornar-se facilmente o local e adotar a cultura brasileira, sem entretanto existirem as condi­
para todas as atividades comuns. Seu caráter, mais ou menos sa­ ções mínimas para atrair os descendentes dos imigrantes à cultura
grado, lhe conferia maior respeito e um significado oficial.1 nacional. A imposição de um padre brasileiro aos colonos afigura­
va-se, na opinião da hierarquia, suficiente para ábrasileirar os imi­
A aceitação, por parte dos colonos, de um padre brasileiro,
grantes. Estes permaneciam sem escola, sem instituições brasilei­
fazia perder em grande parte este caráter de respeitabilidade sa­
grada. Numa paróquia brasileira, os colonos não se sentiam bem. ras, sem contacto com a sociedade brasileira.
O colono dificilmente estabelecia relações sociais com um padre As lideranças polonesas, leigas e religiosas, compreendiam
que não o entendia e vice-versa. Se o padre não fosse polonês eles muito bem a situação, defensores que eram da manutenção do
não consideravam a paróquia como criação sua. A paróquia pre­ sentimento patriótico polonês entre os colonos, para que os mes­
cisava ser a expressão da comunidade. Com um padre brasileiro, mos não tivessem contactos com os locais e não dependessem.3
ela não adquiria este caráter de representabilidade. Os colonos
Na Polônia, o sacerdote era o líder inquestionável e absoluto
sentiríam dificuldades para usar a paróquia como instrumento de
satisfação e afirmação pessoal. dos aldeões. No Brasil, sua figura ainda permanecia forte e aca­
tada. Porém, novos fatores conjunturais vieram abalar esta lide­
Este impulso gregário em torno do padre e da paróquia polo­ rança inquestionável. Inicialmente, a própria oposição do clero
nesa possuía fortes vínculos, enquanto persistiu entre os paroquia- á emigração dos seus paroquianos para o Brasil veio corroborar
nos o domínio da língua polonesa. À proporção que os colonos se a Perda dessa liderança monolítica. Sua ligação com os grandes
despolonizavam, i.é ., perdiam o domínio da língua materna, os
liames que os ligavam ao padre polonês passavam a se enfraque­
cer. A presença do padre polonês era essencial na manutenção das „ -KUBINA, Teodor. Cud wiary polskosci w sród polslcie&o,
Czestochowa, Nakladem Diecezjalnego Instytutu akcji Kato J.
P- 138.
Lw ów
'THOMAS, William I. & ZN A N IE C K I, Florian. The polish peasant ln :,BODZIAK, Antoni Z. K orespon dencye. Przeglad Emigracyjny.
Europe and America. Vol. II. New York, Diver Publication, 1958. p. 1225. 1893, p. 174.
106 107
proprietários, bem como a defesa de seus interesses contra as
aspirações dos camponeses, alterou a confiança ilimitada no seu Alguns elementos do clero, nos prim eiros tempos, nem a es­
vigário. No Brasil, devido ao próprio tipo de organização paro­ cola queriam aceitar, pois esta conduzia à heresia e ao afastamento
quial, excessivamente extensa, com a imposição por parte da hie­ dos fiéis da igreja. A sociedade recreativa era vista como ocasião
rarquia de paróquias territoriais e não étnicas como nos Estados de pecado.
Unidos, os padres poloneses viram-se obrigados a atender também
os elementos de outras nacionalidades como brasileiros, italianos, O vigário, enquanto possuía fiéis iletrados, improvisava
alemães, sendo obrigados a pelo menos aprender a língua portu­ facilmente os sermões, sobre temas: É mais fácil pas­
guesa.
sar o camelo pelo fundo de uma agulha, do que um rico
entrar no Reino dos Céus. Se o teu olho te escandaliza,
Novas instituições foram criadas c erigidas, geralmente ao arranca-o. Se a mão peca, corta-a. O pregador dava o
lado da paróquia. Na imigração polonesa no Brasil, surgiu a es­ exemplo de com o afastar os m otivos para o pecado.
cola — sociedade. Na ausência de escolas oficiais, os próprios co
Reúne os homens e manda corta r o pom ar de laranjei­
lonos tomaram a iniciativa de proporcionar a seus filhos ao menos
os rudimentos das primeiras letras e das quatro operações de ras, pois as crianças pulam a cerca em busca de frutas —
aritmética. O fato de partir a iniciativa do próprio colono imigran­ devem se afastar os m otivos. O camponês que vivia de
te, já refletia o quanto ele evoluiu, pois saindo de um ambiente broa preta de centeio, julgava que pecava pela gula e
semi senhorial onde sua iniciativa era diminuta, surpreendeu no que o inferno o esperava com sofrim entos eternos e ran­
Brasil com a criação da escola — sociedade. — A comunidade fun­ ger de dentes, daí porque não cuidava m uito dos bens
daria uma sociedade e esta teria a finalidade de comemorar datas materiais. E m m uitos casos tinha oportunidade de obter
importantes, organizar diversões para a juventude, recepcionar al­ riqueza, mas desistia, porque não queria ser o camelo,
guma autoridade que por ventura visitasse a colônia etc. a passc.r pelo fundo da agulha. Confessava-se sincera­
Ao mesmo tempo, as programações e festividades realizadas pela mente dos pecados dos olhos e das mãos. Seus pecados
sociedade arrecadariam ao menos parte das despesas necessárias eram perdoados, voltava para sua casinha com o hori­
ao pagamento de alguma pessoa que pudesse lecionar para as zonte espiritual pequeno e delimitado. 1
crianças da colônia. Esta instituição mista, escolar — recreativa,
que funcionava no mesmo edifício, era a primeira manifestação
coletiva da aculturação do imigrante polonês no Brasil. Quando algum leigo, com uma visão da sociedade mais amp a,
procurava orientar os colonos para que melhorassem de vida e
O imigrante, por força do meio, devia procurar uma solução que mandassem seus filhos para estudar além das primeiras letras,
dade de problemas
de seus adoção. e, simultaneamente, sua integração na socie­ então,

O surgimento no Brasil, nas primeiras décadas de colonização, o vigário chamava sua atenção do púlpito e aconselha-
de instituições de cunho recreativo, representava uma extraordi­ va-o a retirar-se da paróquia. Quando o transgressor
nária evolução da mentalidade camponesa. Na Polônia ele não pos­ não atendia, o pastor ficava à testa do rebanho, e m u­
suía possibilidade para o desenvolvimento da noção de lazer. N o nido de vara-paus e pedras destruía a residência do
Brasil, longe do ambiente senhorial e proprietário de terras que socialista. Se o condenado era um comerciante, padecia
era, sentiu necessidade de tal procedimento. Entretanto, o sucesso o boicote e se era professor, retiravam-lhe as crianças
de tal instituição no Brasil prendia-se ao fato de a mesma ter sido ( . . . ) . A juventude era mantida em severa vigilância e
interligada com a escola, esta para satisfazer uma necessidade bá­
não perm itiam que (as m oças) se aproximassem do al­
sica e elementar do colono: a instrução. Sua criação independente
tar decotadas, com cabelos curtos e até por andar em
não teria o mesmo sucesso, visto seu tempo de lazer, bem como
forde bigode.11
suas bases econômicas, não permitirem tanto, pelo menos nas pri­
meiras décadas de fixação.
" j— ‘♦v/i.iuuici uma, m i p u i l a i i c i a í u i a uu u u m u iu a u i w *w i **-
O surgimento dessa nova instituição, nas colônias no Brasil, roi0e - 0 Pr° f essor da colônia. Um imigrante assim registrava o
e que era totalmente desconhecida na Polônia, veio trazer um ele­ acionamento com o professor:
mento de concorrência ao tipo de liderança ao qual o clero estava
acostumado
108 JWACHOWICZ, Rom&o. Strxempy hlatoryczne. Datilografado, inédito.

109
Havia casos em que, no decurso do ano escolar, troca­ to ao fato de serem os colonos exclusivamente os que construíram
va-se três ou quatro vezes ao ano o professor. Não pres­ as capelas e igrejas. Querem ser donos da situação no campo reli­
ta. ensina dem ais... é herege... até o padre falou gioso, influindo sobre o pastor* O mesmo sacerdote constatava
disso... portanto fora com ele. Outros ( colonos) esta­ que no Brasil a submissão que existia na Polônia diminuiu e que
vam insatisfeitos: É orgu lh oso... não bebe com a gen­ por este motivo muitos padres poloneses deixaram as colônias e
t e . .. não vai à igreja ( . . . ) . Os outros ( professores) da­ foram para os Estados Unidos.”
vam de ombros, afirmando que com essa plebe ninguém Para manter sua liderança, algo ameaçada no Brasil, os pa­
pode ( . . . ) . O maior problema acontecia quando vinha dres desejavam manter os colonos o mais isoladamente possível
alguém que se impunha aos colonos e conhecia a arte da influência dos brasileiros e de outras nacionalidades.
de lecionar e encontrava um óbice na pessoa do padre. Um outro tipo social, que veio a adquirir excelente posição nas
Este, do púlpito, verbeava: herege... m a ç o m ... fora
colônias, foi o comerciante, ao qual os colonos chamavam de
com el e... longe dele. Nós simples colonos, imediata­ vendeiro, o dono da venda. Estes eram os verdadeiros intermediá­
mente víamos chifres e rabo no mestre. As palavras
rios entre o colono produtor e o consumidor. Numa colônia, a
maçom e herege eram e ainda constituem algo condená­ atividade econômica girava em torno do vendeiro. Ele comprava
vel e portador de desgraça. Na segunda-feira, nenhuma
do colono sua produção e revendia para outrem. Os colonos sem­
criança polonesa ia às aulas. Era a form a mais fácil
pre se queixavam dos preços que o vendeiro lhes pagava. Este, por
para afastar um professor.1
outro lado, vendia de tudo o que o colono necessitava, da aguar­
dente ao arado. Os colonos eram apenas simples instrumentos
Por outro lado, nas novas condições brasileiras, começaram
desses negociantes. Desempanhavam nas colônias o papel de capi­
a surgir reações a tais lideranças clericais. Em Sta. Catarina, na talistas. Apesar de serem freqüentemente criticados e apontados
colônia Rio Natal, um imigrante registrava: como os responsáveis pelo embebedamento do povo, constituíam
um mal necessário. Esses comerciantes, quando se tornavam mais
Mihkowski era uma dessas criaturas raras, autodidata, poderosos economicamente, podiam fazer alguma ameaça à lide­
dedicado à causa polonesa, cultivador de suas tradições rança do padre. Por isso, o sacerdote de form a geral não simpati­
e devotado aos problemas sociais. Proprietário de uma zava com a sua influência na colônia. Na maior parte delas, a
pequena área rural, cedeu uma casa de madeira para ali venda funcionava até mesmo como correio da localidade. O pró­
abrir a escola. Até o meio dia trabalhava, juntamente prio padre muitas vezes precisava ir apanhar sua correspondência
com a esposa, na lavoura e à tarde lecionava para as nr, venda.
crianças da região. A pequena colônia sonhava com uma
capela. Mihkowski solicitara ao sacerdote que de tem­ Em Lucena, atual Itaiópolis (Sta. Catarina), ocorreu um caso
pos em tempos ali passasse para visitar R io Natal. O concreto de rivalidade entre o padre e os comerciantes. A sede da
padre anuiu ao convite sob a condição de que os colo­ colônia distava cerca de 6 a 7 km de Alto Paraguaçu. O padre es­
nos ali construíssem uma capela, sugerindo ainda qwe a colheu para sede da paróquia a colônia de Alto Paraguaçu, o que
escola fosse fechada, transformando-a em casa de ora­ motivou protestos dos negociantes estabelecidos na sede, Itaió-
ção. O sacerdote prometeu proceder a bênção da mesma, polis, até que na mesma foi erigida outra paróquia. O padre Aloise
e Minkowski apresentou uma contra proposta, no sen­ Iwanow preferiu sofrer as agruras da colônia e passar necessida­
tido de que a casa servisse de capela nos dias santifica­ des, a gozar de conforto e independência na cidade.10
dos e nos dias úteis continuasse como escola. Ou capela O clero polonês não estava acostumado à competição, exigia
ou escola — retrucou o padre. Diante da posição intran­ obediência cega. O clero e o camponês na Polônia não enfrentaram
sigente, os cckmos determinaram manter a escola.1 de modo geral a concorrência de pastores protestantes ou de sa­
cerdotes ortodoxos. Se havia elementos de outras religiões, esses
O padre Wojciech Sojka, constatando estas novas reações dos organizavam uma comunidade separada. Essa separação era dese­
imigrantes no Brasil em relação ao clero, atribuiu tal procedimen­ jada e motivada pelo clero polonês, porque convinha à conser-

“WACHOWICZ, Romão. Memórias de Koscianski. Anais da Comunidade "SOJKA, Pe. Wojciech. Poczatki duszpasterstwa polskiego w Brazylii.
brasileiro — polonesa. Curitiba, 1971. (3): 36-79. p. 60. Duszpastcrz polski zagranica. Roma, 1967, 18 (71): 154-178, p. 175.
7HESSEL, Mariano. N a senda dos pioneiros. Anais da comunidade bra-
sileiro-polonese. Curitiba, 1970 (1 ): 93-113, p. 108. ”Ibid., p. 175-176.
'"K L O B U K O W S K I, Estanislau. Recordações de viagem, p. 62.
110 111
vação do comportamento religioso entre os camponeses. Este de­ Em Alto Paraguaçu (Sta. Catarina), a sociedade leiga local co­
sejo de isolamento da comunidade, procurado e desejado pelo cle­ meçava a se destacar na liderança da colônia, com promoções cí­
ro, afastava da mentalidade do camponês a noção de rivalidade e vicas, teatro e outras atividades culturais. Sua sede era própria,
competição, tanto do ponto de vista político, como econômico. En­ num espaçoso edifício de madeira de bom acabamento. A paró­
tretanto, surgiram casos no Brasil em que as organizações leigas quia não teve dúvida, levantou ao lado da canônica suntuoso edi­
sobrepujaram a influência do clero. Foram casos de exceção, pois fício de material, salão e palco, sob a justificativa de que as asso­
a paróquia triunfou em todas as colônias. Mesmo a supremacia ciações religiosas necessitavam de sede mais ampla. As atividades
leiga, quando ocorria, era de forma temporária. da sociedade decaíram e as iniciativas passaram para o edifício
Em São Mateus do Sul, o surgimento de líderes leigos capa­ paroquial. Nítido caso de duplicação de patrimônios por iniciati­
zes levou à fundação, na última década do século passado, da So­ va da paróquia, para manter a liderança sobre os colonos. Casos
ciedade Strzélec (o Atirador). A liderança de um comerciante, An­ como estes não eram raros e tinham o efeito de funcionarem como
tônio Z. Bodziak, levou à polarização dos colonos em torno da lide­ um verdadeiro antídoto contra o surgimento de lideranças leigas
rança leiga, agrupados na sociedade Strzelec. Em conseqüência, autônomas na colônia. P or outro lado, as lideranças das Associa­
surgiram fortes desavenças entre os funcionários e comerciantes ções religiosas estavam na absoluta dependência do padre vigário.
v ii 4- r t l/ ^ A n A <* — * - 1 ’ — —3 ~
D nnnvn 1A W t O r w o n f o
brasileiros, que não queriam permitir o surgimento de uma comu­
nidade polonesa autocéfala, liderada por poloneses. Desembocou Nos livros de registros de matrimônios da Paróquia de Abran-
esta rivalidade no campo político, impulsionando os poloneses à ches em Curitiba, constata-se que o espírito aldeão, gregário no
adesão ao partido maragato, federalista, contra a situação picapau, início, era tão forte que os imigrantes nas primeiras décadas de
govemista. Esta liderança leiga, levou à organização do batalhão colonização no Brasil, casavam-se com cônjuges originários de sua
polazo, chamado oficialmente de batalhão Gumercindo Saraiva, na própria aldeia ou adjacências. Depois os casamentos evoluem, com
revolução federalista. Frise-se no entanto que esta liderança leiga cônjuges de outras regiões, porém com procedência da mesma
só foi possível, mediante a anuência e apoio do vigário aos pro­ ocupação prussiana, para em seguida estenderem-se a outras par­
pósitos da sociedade Strzelec. O vigário, padre Smolucha, dizia tes de ocupação na Polônia. Somente depois, aumentaram os ca­
para os seus seguidores: Confiem nele, porque eu confio.11 Caso samentos mistos, i.é., cônjuges pertencentes a etnias diferentes.
contrário, tudo indica que ela não se manifestaria.
A presença do clero regular polonês no Brasil fez terminar os
Na colônia Murici, no município de São José dos Pinhais, os tempos pioneiros, quando a má conduta e a falta de controle mo­
colonos, juntamente com o padre vigário, edificaram em terreno ral gerava alguns escândalos de maior monta. A conduta do clero
particular um excelente edifício para sede da Sociedade Agrícola polonês tornou-se até exemplar, comparada, por exemplo, com o
São José, a qual tinha por finalidade beneficiar os colonos com clero italiano.13
sua atividade. O vigário, não desejando que a Sociedade Agrícola
fosse autônoma e se colocasse fora de seu alcance, exigiu dos co­ Com o surgimento no Brasil, após a independência da Polônia
lonos que passassem a escritura do terreno da Sociedade para a de organizações extra-nacionais, que visavam congregar e estimu­
paróquia, o que equivalia a passá-la para a Cúria Metropolitana, lar as instituições existentes, sobretudo as escolas-sociedade, bem
i.é., para o bispado. Os colonos reunidos negaram-se a satisfazer como a criação de novas entidades culturais, esportivas e profis­
o vigário. Este acusou logo os responsáveis: influência de elemen­ sionais, o clero deixou então de ser o líder único e a força influente
tos esquerdistas da colônia Afonso Pena e do consulado polonês exclusiva nas colônias. Passou a representar uma das forças atuan­
de Curitiba. Sua tribuna era o púlpito. Não admitindo que sua au­ tes. A iniciativa principal passou para o domínio leigo.
toridade fosse atingida, o vigário fundou outra sociedade com fi­
nalidades idênticas, com paroquianos seus seguidores. Era a So­
ciedade Agrícola Sto. Estanislau. O livro Tombo da paróquia in­
forma que, devido às brigas surgidas, houve até intervenção da
polícia.12

llGRABOWSKI, Francisco. Memórias da


revolução brasileira dos anos
de 1893-1894. Anais da comunidade brasileii
5-85, p. 25. polonesa. Curitiba, 1971 (5):
12Ex Livro Tombo da paróquia de Muricy.

112
113
Os poloneses transformaram as outrora incultas terras de
inatas dos dois primeiros planaltos do Paraná, em celeiros do Es­
tado, introduzindo ou difundindo novas técnicas agrícolas, novos
instrumentos, novos produtos e uma nova mentalidade agrícola.
Entre os novos instrumentos agrícolas trazidos pelo imigrante po­
lonês na região, encontra-se o arado, a grade, instrumento para
aplainar a terra arada, a gadanha, que é um ferro com cabo para
CAPÍTULO V I I I cortar trigo, centeio ou capim, o picador de palha, o mangoal, ins­
trumento para malhar as espigas de cereais, moinho manual, ins­
ESTRUTURAS OCUPACIONAIS trumento semelhante à mó, o radnik, utensílio utilizado para fazer
sulcos no solo para semeadura, a alfange, lâmina de ferro semi­
circular, utilizada no corte dos cereais como o trigo e centeio, e a
A imigração, dirigida para os estados meridionais do país, ti­ carroça, que vai caracterizar toda a colonização polonesa no sul
nha por finalidade básica, segundo a política imigratória seguida úo Brasil. Sua aceitação e difusão no sul do Brasil fo i de tal mon­
pelo governo brasileiro, ampliar a produção de subsistência. Inte ta, que a carroça gerou na região o que poderia chamar-se de ciclo
ressava-lhe o recrutamento e fixação de camponeses. A introdução da carroça. Enquanto que o Brasil, excluindo-se os estados m eri­
de indivíduos com profissões urbanas, não estava na cogitação dionais, notadamente o Paraná, fo i de uma maneira abrupta lan­
das autoridades. çado da era do muar, do transporte em lom bo de burro, i.é., das
Já em 1858, o vice-presidente da Província do Paraná expri­ tropas, para a era dos transportes rodoferroviários. N o Paraná,
mia a necessidade da Província introduzir no seu meio colonos graças à carroça, a evolução dos transportes foi de certa form a
mofigerados e laboriosos, com a finalidade de desenvolver a agri­ parecida com a ocorrida no continente europeu: entre o transpor­
cultura de subsistência, produtos estes dos quais, apesar da ferti­ te animal e o veículo autopropulsor, desenvolveu-se um ciclo inter­
lidade de suas terras, a Província era carente, sendo obrigada a mediário, que é o da carroça. N o Paraná, além dos russos alemães
recebê-los da marinha e por preços exagerados.1 do Volga, que se notabilizaram como carroceiros, surgiram como
Entre as inúmeras vantagens apontadas para a introdução de concorrentes aos mesmos os poloneses, notadamente os masovia-
imigrantes europeus na região, destacava-se o fato de serem co­ nos, que dedicavam-se ao transporte da erva mate, principalmente
nhecedores de processos mais acabados e habituados ao uso de utilizando-se de pesadas carroças cracovianas,*4
instrumentos mais vantajosos para o maneio e cultura das terras.2 Do interior da região, transportavam a erva para os moinhos
As autoridades alimentavam esperanças de que a estrutura da de beneficiamento em Curitiba. O transporte da produção colonial
agricultura paranaense fosse modificada pelos imigrantes euro­ até os centros maiores, onde era comercializada, era feito no Pa­
peus, portadores de técnicas e tradição mais evoluídas. Os colo­ raná sobretudo por carroceiros poloneses, os quais funcionavam
nos europeus teriam a missão de compensar o atraso e as técnicas como uma espécie de negociantes móveis, pois na volta adquiriam
elementares utilizadas pelo elemento local, ou seja, o caboclo. A outras mercadorias que eram revendidas nas colônias. A existên­
localização de grandes contingentes imigratórios poloneses no sul cia de aproximadamente 50 desses carroceiros na colônia Lucena
do Paraná, levou um observador da colonização polonesa no Bra­ (Itaiópolis), por exemplo, gerou protestos dos comerciantes esta­
sil, Michal Pankiewicz, a proferir a seguinte sentença em relação belecidos, alegando que os carroceiros não pagavam impostos e
à participação dos poloneses na agricultura paranaense: eles sim, tratando-se portanto de concorrência desleal. Porém o
governo não tomava providências, visto que o comércio da cidade
N o Paraná, graças a fatores circunstanciais, consegui­ de Rio Negro apoiava a existência desses carroceiros, pois obti­
mos monopolizar a agricultura, somos a única força nham com eles grandes lucros.5
agrícola da região. Sobre os nativos com o agricultores,
não pode haver conversa* _Q desenvolvimento e decadência do transporte através do car-
roçao cracoviano, no Paraná, está ligado à evolução da economia
■PARANÁ. Relatório apresentado pelo vice-presidente Francisco u iu c ia to
ervateira.
de Mattos. Curitiba, Typ. Paranaense. 1958 p. 21.
2Id.
‘S IE M IE R A D ZK I J. Przyszlosó zywiolu polskiego w Braziln. Przeglad
... Mlchal- z Parany i o Paranie. Warszawa, Gebethur i Emigracyjny. Lwów, 1893. n.° 23, p. 245.
Wolfi. 1916. p. 18.
5ZD A N O W S K I, F. Bernard. Poludniowa Parana. Kalendarz Polski. Porto
Alegre, 1901. p. 80.
114
115
Em vão procurei no Paraná um nativo o qual amanhas­
O binômio mate-carroça dominou a economia dos pla­ se a terra com o arado, até agora não encontrei nenhum?
naltos paranaenses até a década de 1930, quando ambos
os seus elementos se eclipsaram quase ao mesmo tem­ Os brasileiros reconheciam perfeitam ente os m éritos dos po­
po, entrando a erva em colapso por causa da produção loneses na agricultura. Tam bém reconheciam que os imigrantes
argentina e cedendo lugar a carroça aos veículos moto­ poloneses eram os melhores para prom overem o desmatamento
rizados que passaram a dominar.*
das selvas para fins agrícolas .*
Mas, foi a carroça polaca que mais caracterizou o colono po­ O que fazia o colono polonês exultar no Brasil, era a possi­
lonês. Menor que o carroção cracovia.no, é utilizada para trans­ bilidade de adquirir praticamente tanta terra quanto fosse capaz.
porte de menor quantidade de mercadorias, em distâncias tam­ Dava preferência por terrenos cobertos de matas, as quais não
bém menores; ainda é muito utilizada no transporte dos instru­ possuía na Polônia e invejava aqueles que as possuíam.
mentos agrários até o local de trabalho. Uma série de aperfeiçoa­ No início, sem orientação alguma, tentou dirigir e trabalhar
mentos técnicos a distingue dos outros tipos: na sua propriedade, como o fazia na Polônia. Desejava derrubar
1 — a junção do cabeçalho móvel com o chassi da carroça é o mato e arar o terreno. Mas, logo percebeu que tal não podia
feito de tal forma, que não é definitiva nem irremovível. Em con­ fazer, devido aos cepos que permaneciam. Adaptou então o mé­
sequência, o cabeçalho pode ser aproximado ou distanciado, per­ todo utilizado pelos nativos: derrubar a mata do trecho escolhido
mitindo o aumento ou diminuição do comprimento da carroça, o para a cultura, tomando o cuidado de deixar as árvores muito
que permite adaptá-la ao tipo de mercadoria a ser transportada. grossas de pé, como imbuias e pinheiros, por exemplo. O mato
cortado esperava-se secar, ao que era ateado fogo. Assim, no meio
2 — a carroceria é removível. Quando o veículo irá realizar
dos tocos carbonizados, plantava milho ou semeava centeio, trigo,
uma longa viagem, coloca-se uma carroceria de varas grossas, de
etc. Quando os cepos já estavam praticamente erradicados ou apo­
vime, o que diminui o peso e poupa os animais de tração.
drecidos, o terreno já podia ser considerado de capoeira, passando
3 — quando a mesma é utilizada para o transporte de carga então a utilizar-se do arado para revolver a terra. Após um ou
não compacta como estrume, cereais não ensacados, etc. a carro­ dois anos de colheita, deixava o terreno para descanso por alguns
ceria é trocada por tábuas que impedem sua perda. anos, em cujo período o mesmo cobria-se de capoeira. Entretanto,
4 — quando a mesma é utilizada para transporte de pessoas a aceitação por parte dos imigrantes do sistema das queimadas,
a passeio, como por exemplo na ida à missa dominical, ou a uma veio prejudicar sobremaneira a terra. Para K . Gluchowski, os co­
festa de casamento, a carroceria é também trocada por tábuas lonos das proximidades de Curitiba, que já desde 25 a 50 anos, ex­
muitas vezes entalhadas e pintadas com cores bem coloridas. Os ploravam suas terras, enfraqueceram-nas devido ao uso do fogo,
assentos também eram trocados, tendo muitas vezes encosto e de tal forma que a mesma só proporcionava boas colheitas com
molas Era a chamada bryczka. adubos sintéticos ou naturais.9
Ernesto de Oliveira, Secretário da Agricultura do Estado do Nas colônias onde havia preponderância de brasileiros nas
Paraná, em 1910, assim se expressava sobre a situação da agricul­ proximidades, surgiam conflitos entre os imigrantes e os mesmos.
tura no Estado: Tal fato se devia à inexistência de cercas nas proximidades dos
brasileiros. Não costumavam cercar seu gado, fosse bovino, suíno
Nossos conterrâneos, apesar de conviverem com os co­ ou qualquer outra espécie de animais de criação. Estes conflitos
lonos estrangeiros por 20 anos com o vizinhos, vendo-os deram-se de preferência nas colônias onde predominavam nas
a trabalhar a terra e conseguir colheitas anualmente, proximidades os campos, como por exemplo em M urici e Afonso
nem sequer assimilaram deles o manejo do arado, o Pena, no município de São José dos Pinhais, ou nos Campos Ge­
qual trouxeram de sua terra de origem. Nosso patrício, rais de Ponta Grossa. Nas colônias localizadas na zona da mata,
se destrói anualmente alguns alqueires de mata, se não estes conflitos também existiam, mas o eram em menor número.
a transforma em cinzas, se não liquida uma grande r i­
queza representada pela madeira, pode m orrer de fome.
por PA N K ^E ^Icz^^h ]Maravillloso progresso agrícola do Paraná. Citado

»cner r « l EmÍSracy'iny' Lwów. Ano II, 1893. p. 29.


«BARTHELMESS, Artur. Contribuição para o estudo de alguns proble War<:,0,„„ Kazimierz. Wsród pionierów polskich na antypodach.
mas da Geografia Econômica do Paraná. Mimeografado. awa, Nakladem Inst. Naukowego do Badan Emig. i Koloni. 1927. p. 277.
116 117
cas de arame farpado, de troncos encaixados ou de ripas lascadas
Fra a manifestação do milenar conflito entre os agricultores e os de pinheiro, motivaram alterações na estrutura econômica e social
criadores. Na colônia Murici, um livro do acervo do arquivo pa­
roquial assim descreve o conflito ocorrido: da região.
Os poloneses foram os responsáveis diretos pela introdução
de cercas nos sertões paranaenses e, em conseqüência, do declínio
No início ninguém (dos brasileiros) possuía suas terras do modo de viver semi-nômade das populações ocupadas com o
cercadas. O gado dos ricos senhores pastava livremente gado. A maior fixação do homem à terra e a delim itação das p ro­
onde queria. Como então aqui plantar, se de noite o priedades por meio de cercas, eram essenciais à introdução da
gado bovino a tudo pode arruinar? Os prejuízos que os
agricultura de subsistência na região.
nossos sofreram inverteram-se a seu favor. O governo, Os proprietários brasileiros, inclusive os chamados caboclos,
defendendo o colono e a agricultura, perm itiu que se começaram a sentir-se apertados. Viam cercas p or todos os lados,
matasse o gado trânsfuga. Os ricos fazendeiros queixa­
às quais sua psicologia não estava acostumada. A solução encon­
ram-se dos nossos ( poloneses) até no R io de Janeiro,
trada era ir adiante, interiorizando-se na mata. Desta form a , a
entretanto a resposta era sempre a mesma: Cerquem
fome de terras, manifestada pelos colonos poloneses no Brasil, en­
seu gado e então não lhe matarão as reses. Assim os po­
contrava ambiente propício para seu desenvolvimento e satisfação.
loneses matavam o gado e comiam-no, defendendo-se da
fome que no início freqüentemente lhes visitava.10 Jan Hempel constatava no Paraná a existência de um adian­
tado processo de compra de terras das mãos dos brasileiros e in­
Nos Campos Gerais, o abatimento de reses para enfrentar a clusive dos alemães e italianos, os qudis não estão aguentando a
fome também foi utilizado pelos colonos. A Gazeta Polska infor­ concorrência com os nossos (c o lo n o s ) devido a sua resistência e
mava que tal se dava por causa da inconsciência dos líderes da laboriosidade.13 Constatava ainda o autor citado, que nas vizi­
colonização, que se locupletavam com os recursos destinados à nhanças das colônias polonesas, a terra co m o que se derrete nas
fixação dos imigrantes em suas datas, mãos dos brasiléiros
Viajando-se de trem de Curitiba por quatro horas consecuti­
Os colonos, para não m orrerem de fome, lançaram mão vas atravessa-se continuamente terras em mãos dos poloneses.ís Os
do gado dos grandes fazendeiros, conseguindo desta brasileiros moravam somente nas estações das estradas de ferro,
forma sobreviver até que viesse a prim eira colheita. ou eram proprietários de pequenos negócios, m aiores extensões
( . . . ) Em vista da matança de cabeças de gado, surgi­
de terras já ali não possuíam.
ram divergências entre os poloneses, que lutavam pela
vida, e os fazendeiros, que defendiam suas proprieda­ O nosso camponês provou no Paraná que é trabalhador
des ( . . . ) . Há dias capangas negros (de fazendeiros), como a mais laboriosa form iga e com sua resistência
assaltaram os lavradores do Capão Grande, travando-se vai em frente para lá onde todos os outros sucumbiram,
uma luta de seis poloneses com os capangas de Ribas.
Dois dos pretos foram mortos, enquanto os poloneses desistindo.16
receberam ferimentos e estilhaços de arma de fogo.11 Seu ardor pelo trabalho e o desejo de tornar-se iom próspero
lavrador, levaram-no a trabalhar em excesso. E r árduo
O conflito entre colonos e proprietários brasileiros era tão co­
trarem-se camponeses doentes por excesso de es* £ aue
mum e freqüente nos primeiros tempos que Emil Migasinski re­
amanho da terra. Justificavam tamanho esforço
gistrava que numa delegacia do interior do Estado, o escrivão lhe
se nós relaxarmos, tornar-nos-emos mendigos re ,
mostrou um livro de registros repleto de queixas referentes ao
gado abatido pelos colonos.12 dúvida sua antiga situação na Polônia, onde tinham ^
sesperadamente no amanho da terra para fugir do espec P
A introdução da agricultura com novos métodos e instrumen­ letarização. Tal comportamento, transferiram para o
tos, as mudanças nos meios de comunicação, a introdução de cer-
u HEM PEL, Jan. Listy z Parany. Polski Przeglad Emigracyjny.
"'M U R IC Y — kolonja polska w Brazylii od 1878-1928. Pamiatka Jubileus- 25 (ev. 1907, n.° 4. p 12
zowa. p. 6. l4Id.
"Gazeta Polska. Curitiba, 9 jul. 1893. 15Id.
'-M IG A S IN S K I, Emil Lucjan. Polacy w Paranie wspólczesnej. Warszavra, l8Id.
Ksiengarnia “Kroniki Rodzinnej”. 1923. p. 93. ''M U R IC Y — kolonya polska w Brazylii od 1878-1928. p. 10.

119
í

Na colônia Cruz Machado, erigida antes da Primeira Guerra do Paraná dispunha de 19.989.700 ha, dos quais 27%, ou seja,
Mundial e formada por cerca de 70 mil hectares, localizaram-se 5.302.709 ha, eram ocupados por proprietários particulares que se
poloneses, ucranianos e alemães. As condições de fixação foram dedicavam à lavoura e criação de gado. Estes 5.302.709 ha estavam
das mais drásticas e difíceis. Os colonos, chegando ao local, não ocupados por 30.951 propriedades.
encontraram ainda seus lotes medidos e demarcados. Foi preciso
aguardar meses seguidos o término das medições. A terra não era
fértil e a comunicação com Marechal Mallet era horrível. A falta SITUAÇÃO DAS PRO PRIED AD ES AG RÍCO LAS NO
de higiene nos barracos veio agravar as condições. O cemitério PA R A N Á (1920)
da localidade povoou-se de cadáveres rapidamente. As chuvas tor­
renciais agravavam mais ainda a situação. Morriam não só crian­ °/o das superfície % da
Propriedade
ças como também adultos. Repetia-se o mesmo processo do pe­ Número propriedades em ha superfície
ríodo da febre brasileira. em ha

Os imigrantes alemães não agüentaram as dificuldades e des­ 17.284 80 350.000 15


Menos de 40
locaram-se para a sede da colônia, ou para as cidades. O campo­ 500.000
40-100 1216
nês polonês não só suportou as condições adversas, mas foi o que
100.1000 5.677 18 1.600.000 30
adquiriu dos alemães os lotes abandonados.18
1000-25000 714 2 2.850.000 55
O processo de compra de terras por iniciativa privada eviden­
ciou-se no comportamento dos colonos de Tomás Coelho, colônia TOTAL 30.951 100 5.300.000 100
erigida em 1876, a 18 km de Curitiba.

As novas gerações, apesar da proximidade da capital, volta­
ram as costas para a urbanização e embrenharam-se nas matas, As duas primeiras categorias, i.é., propriedades de ^
em direção ao oeste. Foram adquirindo terras dos brasileiros e eram consideradas realmente p rodutw as.Ctep o l o n e ^ r e f e r a
povoaram todo o município de Araucária. Surgiram novas locali­ diretamente do serviço de colonização oficial 6.43 , Adaui-
dades: Roça Velha, Roça Nova, Costeira, Palmital, Rio Abaixo, tensão média era de 20 ha, o que representava 1 • .. ' das
Campo Redondo, Boa Vista, Ipiranga, Campina das Pedras, Rio riram até 1920, de particulares brasileiros, fora dos h m _
Verde, etc. Ultrapassaram as fronteiras do município e penetra­ colônias oficiais, 7.667 propriedades, cuja media de
ram em território da Lapa, povoando Serrinha e Catanduva, ori­ 60 ha, o que representa 460.020 ha. Junto portanto, os P
ginando posteriormente o município de Contenda. Os colonos de seus descendentes possuíam 14.101 propriedades • ‘
Tomás Coelho penetraram também nas terras do município de Se compararmos com o número de propriedades exis
Campo Largo e atingiram também as terras de Palmeira, estabe­ ha, o qual era de 24.560, teremos que os poloneses possuíam n
lecendo-se em Papagaios Novos, São Pedro, etc. Irati recebeu de­ Paraná, 57,5% das propriedades até 100 ha.
zenas de famílias de Tomás Coelho, bem como Rio Azul e Teixeira
Soares. Tomás Coelho foi considerada como exemplo de colônia Na terceira categoria, que abrangia as propriedades de 100 ^
mãe, pois em 45 anos o número de famílias originais aumentou 1.000 ha, os poloneses possuíam 600 propriedades ate 20
quatro vezes e ocupou no mínimo dez vezes mais terras que a co­ até 750 ha, totalizando 700 propriedades equivalentes a 195.ouu na^
lônia original. Se compararmos com o total de propriedades desta categ
tente no Estado, que era de 5.677, teremos que 12,3% estavam em
Os colonos descendentes de poloneses ocuparam, pelo proces­
mãos de poloneses e seus descendentes.
so de compra de terras, praticamente todo o médio vale do Iguaçu.
Os poloneses ocuparam esta gigantesca extensão de terras, junta­ Na quarta categoria estavam os fazendeiros latifundiários
mente com os ucranianos. Os brasileiros permaneceram pelas ma­ onde os nomes poloneses eram apenas isolados, mas que
tas, porém sempre cediam suas terras para os poloneses e ucra­
nianos. começando a aparecer. Em 1920, pois, os poloneses e seus descen­
dentes possuíam no Paraná aproximadamente 8.000 km , carac
rizando-se preferencialmente como pequenos proprietários que n
Segundo K. Gluchowski, o Paraná apresentava em 1920 as se­ entanto tendiam a aumentar o tamanho m édio de suas proprie­
guintes características referentes à ocupação da terra: o Estado
dades, face ao processo de compra.20
1“GLUCHOWSKI, p. 72.
1#Ibid., p. 285 e ss.
9üTJ

121
Nas colônias oficiais, a média da propriedade era dada como Tal qual na agricultura, os poloneses no setor das profissões
de 20 ha, enquanto nos terrenos adquiridos pelo processo de com­ artesanais dominavam amplamente onde quer que estivessem lo­
pra a média era calculada em 60 ha. calizados. No Paraná, neste campo distinguiam-se dos profissio­
nais das outras nacionalidades.22 N o soerguimento das colônias,
Em 1922, o cônsul Gluchowski fez um levantamento estatístico
os poloneses eram auto-suficientes. Entretanto, os profissionais
da produção animal existente nas propriedades de poloneses, em
de ofício estavam intimamente ligados à atividade derivada das
oito colônias federais do Estado do Paraná: Vera Guarani, Ivaí,
Taió, Iapó, Apucarana, Cruz Machado, Senador Correia e Cândido necessidades da agricultura.
de Abreu. Constatou que os imigrantes poloneses possuíam: Em 1924, em todo o Paraná encontravam-se estabelecidos 367
profissionais de ofício, a saber:
253.284 ................... animais miúdos
84.958 ................... suínos Ferreiros .................... 81
9 -858 ................... colmeias de abelhas Sapateiros .................. 81
7.061 ................... cavalos Alfaiates ...................... 51
5.219 ................... bovinos Marceneiros e
1 469 ................... cabras Carpinteiros ............... 36
676 ................... muares
Segeiros ...................... 30
286 ................... ovelhas
Açogueiros .................. 36
Pedreiros .................... 19
Esta produção, dividida pelo número de proprietários polo­
neses, deu por propriedade: 1,3 cabeças de gado bovino, 2 cavalos Seleiros ....................... 18
c muares, 20 animais sem chifre,21 60 animais miúdos, 2,5 colmeias Outros ......................... 29
2*
de abelhas. Como existiam no Paraná 14.401 propriedades nas
mãos de poloneses e seus descendentes, Gluchowski calculou o to­ Estes dados, recolhidos por K . Gluchowski com a colaboração
tal da produção polonesa, multiplicando as médias obtidas pelo de padres poloneses e os mais destacados colonos, são indiscuti­
total de propriedades existentes. Se compararmos os dados obti­ velmente aproximados e com tendência ao registro de menor nú­
dos com os dados do censo de 1920, teremos o percentual da pro­ mero do que na realidade existia.
dução polonesa no Paraná:
Mesmo nas colônias onde existiam outras nacionalidades, co­
Espécie Produção do mo ucranianos, alemães, etc. registrava-se predominância dos pro­
Produção polo­ % fissionais poloneses:
Estado (1920) nesa (1922)
.. . **-Í!
aíos ofícios sabem vencer a concorrência e angariar a
freguesia. P or exemplo, numa colônia com o Prudentó-
Gado bovino 539.763 18.000 3 polis, onde predom inam num ericamente os ucranianos,
Gado cavalar os quais não simpatizam com o os poloneses, estes supe­
e muar ram nos ofícios na Cidade.!i
190.138 28.802 15
Criação miúda 288.020 Repetia-se portanto aqui no Brasil, com os ucranianos, o mes-
778.342 37
o comportamento constatado na terra de origem: a Galícia
oriental.

Constata-se portanto, a preferência da criação de animais ca­ O trabalho de marcenaria e carpintaria dos poloneses era
racterísticos da pequena propriedade. O gado bovino era pouco j 'Jí,0 solicitado e admirado pelos brasileiros. Na colônia Jangada,
numeroso, satisfazendo apenas as necessidades familiares, sobre­ izada no trajeto entre os campos de Palmas e União da Vi-
tudo de leite e seus derivados.

'-'Em polonês é costume dividir os animais em chifrudos e não chifrudos zawa, Sklad Glówny: Syndykat Em igracyjny. 19 • P-
(rogacisna i nie rogacisna). “ GLUCHOWSKI, p. 257-258.
-4Ibid., p. 244.
122
123
Moinhos hidráulicos ---- 39
tória, os tropeiros provenientes de Palmas, muitos deles ricos e 17
abastados fazendeiros, possuindo alguns milhares de cabeças de Olarias a vapor .............
19
gado, não sabiam aproveitar os benefícios que podiam desfrutar, Serrarias .......................
Moinhos de mandioca .. 13
moravam debaixo de choupanas, acendiam fogo no chão e dor­ 10
miam em couros de gado jogados. N o momento em que os colonos Cortumes .......................
Torrefações de café . . . . 8
começaram a construir suas casas, algumas delas bastante elegan­
Fábricas de palha ......... 5
tes, então os fazendeiros admiravam-se do trabalho do polaco, co­
5
mo eles os chamavamP Gostaram muito do serviço dos colonos e Hotéis .............................
os que sabiam construir, ou trabalhar com a serra, eram levados Fábricas de instrumentos
para Palmas por esses fazendeiros. agrícolas ......................... 4
Secadores de mate ....... 3
Em Curitiba, os profissionais poloneses também eram respei­ Fábricas de cal ............... 3
tados como os melhores e seus serviços eram muito procurados. Pedreiras ....................... 3
Muitos tinham seus próprios estabelecimentos, porém por falta de Fábricas de doces ......... 3
capital não partiam para o que se pode considerar como indús­ Outros estabelecimentos 12
trias. Estas, na capital, cada vez tomavam-se mais numerosas e
estavam nas mãos de alemães ou luso-brasileiros. Os poloneses Essas empresas poderíam ser assim classificadas quanto ao
então eram obrigados a ceder, pois não agüentando a concorrên­ capital que representavam: 25 representavam um capital de 60 con­
cia, ou fechavam o estabelecimento ou tomavam-se empregados tos cada; 50 de 15 contos cada e 83 de 5 contos cada, num total
dos outros. Um colono que, abandonando sua profissão de agri­ estimado em 2.665:0001000.28
cultor, depois de dois anos de proletarização em Curitiba, conse­
guiu abrir seu próprio estabelecimento de ferreiro-mecanizado, Com relação ao comércio, o colono polonês trouxe, de sua
assim descrevia sua clientela: terra de origem, estereótipos medievais contrários a esse tipo de
atividade. O comércio, notadamente no entendimento do colono,
Em prim eiro lugar situo a Companhia Ferroviária para era considerado como uma atividade não muito recomendável.
Seus preconceitos anti-mercantilistas provinham do fato de o co­
a qual forneço peças miúdas para vagões. P or falta de
mércio, em suas aldeias de origem, estar quase todo ele nas mãos
capital e máquinas, não posso fabricar peças maiores.
de judeus e alemães. Os negociantes geralmente eram mal vistos,
Estas são fabricadas pelos alemães. E m segundo lugar
oram tidos numa colônia como um mal necessário, parasitas e
como clientes, estão os alemães, de cujas casas comer­
aproveitadores. Esta posição negativista face ao comércio, atingia
ciais obtenho crédito e encomendas. E m terceiro lugar inclusive outras classes sociais. Em 1922, quando da formatura de
estão os brasileiros. E m quarto os italianos e em quinto uma turma de ginasianos no Colégio Henrique Sienkiewicz em
os meus patrícios.**
Curitiba, o paraninfo em seu discurso de despedida aconselhava a
seus afilhados o bom uso que deveríam fazer dos conhecimentos
No artesanato de Curitiba, em primeiro plano destacavam-se auferidos, mas advertindo que deles não deveria sair algum dia
os poloneses como sapateiros, existindo 28 com estabelecimentos um comerciante.
independentes e 50 empregados em fábricas de calçados. Destaca­ Mas, apesar da existência desses estereótipos, o comércio
vam-se também como carpinteiros, pedreiros, motoristas autôno­
mos, açougueiros, etc.27 varejista e em grande parte o atacadista, nas colônias, fo i caindo
nas mãos polonesas.
A participação dos poloneses na indústria não era muito signi­ K. Gluchowski registrava em 1922, 201 firmas comerciais de
ficativa. Os estabelecimentos industriais pertencentes a poloneses poloneses no Paraná.211
estavam na maiora das empresas ligadas às necessidades e pro­ Desse número, a grande maioria eram comerciantes varejistas.
dução agrícola. N o Paraná, em 1924, registravam-se:*2 Tratava-se de uma classe de comerciantes não especializada. Estes
não possuíam entidades que os congregassem e os esclarecessem.
‘ •PAM IEN T N IK l emigrantów
Os métodos usados por estes eram individualistas e muitas vezes
tetut Gospodarstwa Spolecznego. — Ameryka Poludniowa. Warszawa, Ins-
2«Ibid.t memória n.° 9, p. 123. Comps. 1939. Memória n 0 13, p. 164.
^G LU C H O W SK I, p. 244. “ "uv/nuwBM, n. 244
-"GLUCHOWSKI, p. 248.
124
125
brutais. Estas atitudes eram típicas de populações pioneiras, rare-
feitas e espalhadas por colônias e matas.
Apesar de terem ocorrido tentativas de estabelecimento de
firmas importadoras, nos fins do século X IX e no início do sé­
culo XX, somente na década de 1920 surgiram as primeiras fir­
mas importadoras mais ou menos bem sucedidas.
Em 1921, realizou-se em Curitiba, sob o patrocínio do consu­
lado polonês a primeira tentativa de se organizar um Banco Po­ CAPÍTULO IX
lonês e uma câmara de comércio Polono-Brasileira. Estas inicia­
tivas vegetaram por cerca de um ano, tendo sido dissolvidas. FALACIAS E ESTEREÓTIPOS
Analisando os motivos do insucesso, atribuiu-se o mesmo à falta
de maturidade do comerciante polonês no Paraná e às intrigas te­
cidas em contrário pelo Banco Francês-Italiano e pelo Banco Ale­
Até a vinda de imigrantes europeus ao Paraná, a ideojogia
mão, em vias de abrir suas portas em Curitiba.
racial do m eio permanecia a mesma dos tempos coloniais, a qual
O processo de recrutamento de emigrantes na Polônia pelos
era relativamente simples. Os dirigentes luso-brasileiros, baseados
agentes, os obstáculos antepostos pelos governos de ocupação à
em falácias que os ajudavam a manter seu status, desenvolveram
saída dos camponeses, o transporte e o embarque nos portos eu­
e mantiveram entre si a teoria da inferioridade intelectual e moral,
ropeus, foram passos de um processo de adaptação, dramático
não só do escravo africano que lhes era totalmente submisso, co­
para o camponês. Entretanto, ainda mais dramático fo i no Brasil
mo também do negro liberto, do mulato e, por extensão, do ca­
o processo de fixação desses imigrantes a suas datas de terra.
boclo. Tal ideologia racial vem da época colonial, quando havia
Desde o primeiro grupo de pioneiros até as últimas levas vindas
fortes pressões para afastar o negro do acesso à propriedade, o
pouco antes da Primeira Guerra Mundial, constataram-se situa­
que poderia motivar sua ascensão social. Esta herança, ainda vi­
ções verdadeiramente difíceis na fixação do imigrante polonês.
gente no início do século X X , é uma reminiscência de estereótipos
Com o aumento da imigração para o Paraná, a concorrência
oriundos de idéias da superioridade racial do branco. Reflete pois
com os alemães, no fornecimento de gêneros alimentícios e outros
o desejo luso-brasileiro de se conservarem as mesmas estruturas
produtos, deixou de existir, pois os poloneses, ocupando uma série
de colônias em derredor de Curitiba, formaram o prim eiro cintu­ de dominação exclusiva.
rão verde da capital paranaense. Mesmo com o surgimento de co­ A chegada de novos elementos étnicos para a região, a partir
lônias italianas também em derredor de Curitiba, os poloneses do­ de meados do século X IX , não fez diminuir a formação de este­
minaram com seus produtos, mesmo porque o crescimento da reótipos, ao contrário, a equação complicou-se ainda mais. Cada
cidade era tamanho, que absorvia toda a produção.30 grupo étnico em separado trouxe consigo também eis suas falácias:
Entretanto, os poloneses e os alemães novamente entraram em consequentemente, introduziu novos estereótipos e formou outros,
conflito face à concorrência, desta feita com os carroceiros russo- na ideologia racial do meio. Grupos étnicos como o alemão, italia­
-alemães, procedentes do Volga, que dominavam o transporte em no, polonês, sírio-libanês. ucraniano etc., em virtude do contacto
carroções no Paraná. Como os poloneses estavam familiarizados forçoso que eram obrigados a manter entre si, criaram novos este­
com esse tipo de transporte, sendo o mesmo inclusive de origem reótipos, utilizando-se muitos dos já existentes na sociedade de
eslava, entraram firmemente no negócio, pois não só sabiam com­ adoção. A chegada pois dos contingentes imigratórios não relaxou
portar-se com o mesmo, como também sabiam construí-lo. a tensão racial, como poderia se esperar, mas ao contrário, deu-lhe
Na colônia Antônio Olinto, ocupada por centenas de imigran­ novos impulsos e matizes, não mais na manutenção de uma situa­
tes poloneses e ucranianos, o transporte da produção colonial era ção privilegiada como foi na sociedade luso-afro-ameríndia. A
feito no início pelos russo-alemães, pois os mesmos inclusive esta­ nova tensão racial foi orientada num sentido maior de competição.
vam estabelecidos em colônia vizinha. Como os poloneses entra­ As posições negativistas por parte dos imigrantes alemães e ucra­
ram também na concorrência dos transportes, surgiu um clima nianos em relação aos poloneses, além do espírito competitivo aí
tamanho de rivalidade e competição que, diante dos conflitos estabelecido, encontraram profundas raízes na história desses po­
ocorridos, houve a intervenção do cônsul austríaco de Curitiba, na vos na Europa. Atritos e conflitos seculares predispuseram-nos a
questão. tais manifestações no Brasil.
Em relação aos chamados luso-brasileiros, em virtude da am­
cyjnTSL w ó ÍE mA93Z? I 62KOnStanty' Pozostalosc brasylijska. Przeglad Emigra- pliação dos contactos inter-étnicos, a situação adquiriu conotações
126 127
diversas, porém não muito dissemelhantes. As elites dirigentes ter aqui um sossego ilimitado, servindo-se como bem entendessem
luso-brasileiras, adaptando e praticando a política do governar é da língua que trouxeram consigo. O fato de partir do próprio imi­
povoar, permitiram que dezenas de milhares de imigrantes se esta­ grante, a iniciativa da fundação de escolas para alfabetizar seus
belecessem em regime de pequena propriedade agrícola, no sul do filhos é uma surpresa, porque o colono não estava acostumado a
Brasil. Os brasileiros desejavam trazer camponeses fortes, resis­ dirigir-se por si próprio, nem orientar seu futuro.
tentes e cheios de iniciativa para povoar os imensos sertões do Bra­ Os colonos poloneses, criando pois suas escolas-sociedades
sil meridional. Esperavam que esses trouxessem técnicas, instru­ ou através das escolas religiosas pertencentes a congregações
mentos e nova mentalidade agrícola. Sua esperança era que essas originárias da Polônia, impediram que seus filhos tivessem maior
populações substituíssem a mão de obra escrava e que abasteces­ acesso à língua portuguesa.
sem os centros urbanos brasileiros influenciados por idéias racis­ Nestor Victor, visitando a escola das irmãs religiosas da co­
tas, em desenvolvimento em alguns países da Europa, levados lônia Murici, assim se expressa:
pelos seus próprios estereótipos com relação às populações afri­ Crianças já nascidas no Brasil, mas educadas p o r com ­
canas e ameríndias aqui estabelecidas. Pretendiam, ainda com a pleto ainda à lei dos seus pais, vestidos ao caráter de
política imigratória, o chamado branqueamento ou caiamento da lá ( . . . ) por enquanto tão estrangeiras com o si nunca
população brasileira. Esta idéia é confirmada pelos próprios bra­ houvessem respirado a nossa atmosfera ( . . . ) ■ Conviría
sileiros responsáveis.1 Para colimar esses objetivos, o governo termos escolas públicas na colônia e dispormos de ou­
brasileiro proporcionava aos camponeses ádvenas todas as faci­ tros meios para assimilá-los mais prom ptam ente do que
lidades na aquisição de pequenas propriedades agrícolas, peque­ de facto se dá. E m todo caso não há perigo nenhum em
nos auxílios em instrumentos e sementes, e ofereciam aos natura­ ter-se adiado esse problem a até aqui. A segregação em
lizados e já aqui nascidos uma constituição amplamente liberal. que elles ainda vivem é mais obra dos padres que os di­
Com a adoção, em suas leis, do preceito do jus solis e rejeitando o rigem do que coisa de caso p or elles pensado.*
jus sanguinis predominante na Europa, o filho do imigrante aqui
nascido tomava-se ipso facto cidadão brasileiro. Mas não basta­ Quando porém a imigração polonesa, a partir da última dé­
vam apenas leis nacionalistas para tornar o filho do imigrante, cada do século X IX , começou a receber intelectuais capazes de
brasileiro de língua e cultura. As leis abrasileiravam os descenden­ liderá-la com sucesso e passou a exigir uma participação no pro­
tes, porém as autoridades brasileiras não proporcionavam as con­ cesso político do Estado, face ao grande número dessa naciona­
dições mínimas exigidas para que esses descendentes de imigrantes lidade no Paraná, a reação das elites luso-brasileiras foi no sentido
tivessem o acesso à cultura luso-brasileira. de considerar os filhos de estrangeiros como estrangeiros e não
As escolas, principal instrumento para se atingir este propó­ aceitar o que a lei dizia, que eram brasileiros. A política da Velha
sito — apesar de algumas tentativas do governo provincial — não República, praticada através de grupos oligárquicos, favoreceu a
foram oferecidas aos filhos dos colonos. não participação dos descendentes de imigrantes no processo po­
O camponês polonês, acostumado com governos fortes e lítico. As eleições não secretas e o sistema de listas eleitorais faci­
atuantes, estava condicionado a ser mandado e dirigido pelos re­ litava o monopólio absoluto das elites luso-brasileiras na política.
presentantes dos governos ocupantes. As escolas que existiam em Nas próprias sedes das colônias, todos os cargos públicos existen­
suas aldeias, não surgiam por sua própria iniciativa. A mesma tes, quer na parte burocrática das administrações coloniais, ou na
era imposta pelo governo prussiano e russo, e nela lecionava-se administração da máquina estatal: coletorias, tabelião, delegado
em língua alienígena O camponês chegou a desenvolver até uma etc., sempre eram preenchidas por elementos brasileiros. Os filhos
certa repulsa à escola, como representante de uma cultura que de imigrantes, quando muito chegavam apenas a chefes de quar­
lhes era indesejável. Repentinamente, no Brasil, sentiu-se livre, teirão ou sub-delegados. A elite luso-brasileira
sozinho, sem ninguém a lhe tolher a iniciativa. Experimentou uma ( . . . ) considerava a política com o sua propriedade p ri­
sensação de alívio, de liberdade, mas também de falta de orienta­ vada e perm itiam com má vontade alguém não dos seus
ção, acostumado que estava a obedecer, já por quatro gerações a ter acesso a essas questões:'
consecutivas. Mas não ficou de braços cruzados. Compreendeu que
ele mesmo deveria cuidar de seus interesses e que, se não tomas­ Esses ádvenas podiam ser, tanto os imigrantes propriamente
sem a iniciativa, ninguém faria nada por ele. Rejubilaram-se por ditos, como os já aqui nascidos.2

2VICTOR, Nestor. A terra do futuro. Rio de Janeiro, Typ. do Jornal do


Kazimierz. Wsród pionierów polskich na antypodach. Commercio. 1913. p. 229.
Warszawa, Nakladem Inst. Naukowego do Badan Emig. i Koloni. 1927. p. 337. •XJLUCHOWSKI, p. 340.
128
129
\

ticamente, sob a liderança de Antonio Z. Bodziak. Devido às pés­


A política de um país pobre, subdesenvolvido, de estruturas
simas condições com que se processou a fixaçao dos mesmos à
fundamentalmente agrárias, desejoso de importar imigrantes com
terra e a exploração de que eram vítimas nos trabalhos de estra­
técnicas agrícolas mais aprimoradas que as utilizadas pelos seus
das a maioria dos mesmos colocou-se em oposição ao governo
próprios habitantes, facilitando a distribuição de terras aos estran­
central, representado pelo Marechal Floriano. As autoridades
geiros, em detrimento das populações nativas atrasadas, provocou
burocráticas, nomeadas pelo governo, viam sua supermacia amea­
uma reação de setores ponderáveis das elites político-culturais,
reação que não tardou a manifestar-se. çada, face ao grande número dos poloneses, enfrentando essa con­
corrência política imprevista, à qual não estavam acostumados, e
No Paraná, muito antes da revolução de 1930, setores da
partindo ainda de imigrantes recém chegados. O Juiz Distritário
inteligentzia voltavam-se contra as tentativas de ascenção político-
de São Mateus, extravasando sua indignação com relação às ativi­
-social dos filhos dos imigrantes. As elites luso-brasileiras queriam
afastá-los de toda participação no processo político da sociedade dades políticas dos poloneses, chegou a dizer: Ao arado é preciso
paranaense. atrelá-los.7
Júlio Perneta, lídimo representante do movimento simbolista Os poloneses, organizados em São Mateus, começaram a se
paranaense e brasileiro, expoente da revista O Cenáculo, intransi­ tomar uma força incômoda para o partido situacionista. Em 1892,
gente ativista anti-clerical, asseverava dentro da linha defendida o governo suspendeu o pagamento para os imigrantes que traba- |
pelo grupo de O Cenáculo: lhavam nas estradas, ficando o comércio e os colonos sem receber. ’
Em grupo, os colonos dirigiram-se para Curitiba a fim de exigir o
Não sou dos que combatem systematicamente o elemen­ pagamento devido, o que de fato concretizou-se.
to estrangeiro, não! eu o quero na agricultura, na indús­
tria e no comércio, porém não interferindo, com o infe­ Participaram desse m ovim ento mais de 150 homens
lizmente aqui acontece, nos negócios públicos de minha ( . . . ) . E m Curitiba dirigiram-se ao governador pedindo
pátria.* pelo seu soldo e solicitando a continuação dos trabalhos
nas estradas. O governo prom eteu satisfazer as reivin­
Os objetivos, com semelhante manifestação por parte de Julio dicações, o que de fato ocorreu. Os caixeiros foram até
Perneta, eram inclusive despertar o espírito nacional que dorme São Mateus, porém realizaram apenas parte do paga­
enervado nos cochins podres da política, com o um chim opiado.s mento.8
Contra esse monopólio político, exclusivo dos luso-brasileiros,
levantava-se o jornal de língua polonesa Prawda, perguntando qual Individualmente, os brasileiros situacionistas começaram a
o papel então reservado aos poloneses: se estes elevam a cultura provocar colonos poloneses, soltando seus animais de criação para
desse país mediante um trabalho que alimentava as cidades do destruírem as plantações de trigo e centeio e originando uma série
Paraná, transformando as matas paranaenses em campos de cul­ de atritos com a polícia."
tura, os descendentes de poloneses, como recompensa por tudo A falta de justiça rápida e eficiente, constituía um dos mais
isso, recebiam a relegação à condição exclusiva de trabalhadores. sérios problemas enfrentados pelos colonos. Divergências ocorri­
Sua participação na sociedade deveria ser só de trabalho e nada das entre si mesmos, ou com pessoas de outras nacionalidades,
mais? dificilmente tinham soluções satisfatórias para as partes. A justi­
ça, quando existente, era lenta, cara e muitas vezes ineficiente. Os
Não podem interessar-se pelo poder legislativo, mas se­ casos surgidos eram resolvidos freqüentemente pelo delegado e
rão obrigados a obedecer as leis, pagar os impostos seus auxiliares, nem sempre com a probidade que deveria caracte­
( . . ■) não podem preocupar-se com a sorte desse país? rizá-los. Casos como o seguinte, narrado por um imigrante, eram
( . . . ) Aqueles que legalmente se tornaram cidadãos de comuns nas colônias:
sua Pátria e trabalham para o bem estar, não podem ser
considerados estrangeiros ( . . . ) . 8 O Sr. ( . . . ) era delegado e prefeito de Lucena. Procu ­
rava encrencas pelas colônias, servindo-se de seus se-
Em São Mateus do Sul, os poloneses, ainda na última década quazes, para depois prom ulgar o veredicto e levar pro-
do século passado, começaram a se estruturar e organizar-se poli-
7Gazeta Polska w Brazylii. Curitiba, 30 set. 1893.
p 1j PEBNE TA- Julio- Pelas tradições. Curitiba, Impressora Paranaense. 1900. "GRABOW SKI, Francisco. Memórias da revolução brasileira dos anos de
1893-1894. Anais da comunidade brasileiro-polonesa. Curitiba, 1971 (5 ): 5-85,
«rbid., p. 14. p. 18.
•Prawda. Curitiba, 9 ago. 1900. 9Ibid., p. 20.

130 131
veito pessoal. Reunia em torn o de si capangas, forman­ fome ( . . . ) ; o direito existente é caduco, d ireito da força
do deles uma polícia particular. Eram os maus elemen­ bruta, mão que não sabe p o r que bate. Fora com tal
tos em ação. Em todas as festividades promovidas pelos lei! Não a queremos e as leis existem para os cidadãos
colonos apareciam, com o fito de manter a ordem. Apa­ e não estes para as leis.15
reciam principalmente p or ocasião dos bailes feitos nas Em números posteriores, o mesmo jornal continua argumen­
escolas que tinham em mira reforçar a caixa escolar.
Eram uma desgraça — uma praga. Tinham com o missão tando a favor dos colonos:
provocar a aventura e depois lançar a culpa sobre ino­ Quanto custam os processos no Brasil, sabem todos
centes.*10 aqueles que tiveram contactos com os tribunais. ( . . . ) O
As prisões, conflitos e desentendimentos eram freqüentes. Os dinheiro ( . . . ) conseguido com tanto sacrifício some,
homens contratados para esse tipo de serviço, não economizavam passando a locupletar os bolsos alheios.15
castigos severos para com as pessoas que se antepunham a eles. Esses Tribunais de Conciliação não visavam suprimir a jus­
tiça brasileira. Os colonos, face aos fatos expostos, eram aconse­
Em poucos momentos, os capangas do prefeito — era lhados a evitar os processos. Somente em última instância, deve­
sua polícia — munidos de carabinas, aprisionavam-nos ríam ser procurados os tribunais competentes e oficiais. E m casos
( . . . ) . Agarraram-me e conduziram-me para um mata­ menores, as decisões deveríam ser tomadas pelo Tribunal de Con­
gal. Amarraram minhas mãos e meus pés. Começou o ciliação. Estes ocupar-se-iam das questões, sem despesas para os
flagelo ( . . . ) não havia lugar são, da cabeça aos pés.11 colonos. Por outro lado, esses tribunais teriam uma missão mais
nobre.16
Não contando com uma justiça honesta e eficiente ao seu al­ Os poloneses tinham o costume, trazido de sua terra natal, de
cance, os colonos da Colônia Lucena em 1901, argumentando que
procurar as autoridades competentes da aldeia, diante de qualquer
tal situação não podia continuar e que o governo era desprovido e
divergência. N o Brasil, estas autoridades competentes eram os
fraco para introduzir reformas no setor, resolveram agir por con­
ta própria. Reuniram-se em assembléia e aprovaram a criação de delegados das sedes municipais.
um Tribunal de Conciliação, composto por cinco membros, presi­ Os jornais brasileiros anotam cada acontecimento. Com
dido pelo padre vigário.12*1
7Um jornal governista assim noticiou o o correr do tempo, a palavra polaco passará a traduzir
fato em Curitiba: desordeiro. Isso depõem contra a nossa dignidade na­
cional e priva-nos do respeito, junto aos brasileiros e
Nessa reunião, na qual compareceram grande número
de colonos, pediu a palavra o padre Cezário e propôs outros estrangeiros.11
que se organizasse um Tribunal Correcional, composto
De fato, na mesma página do jornal D iário da Tarde, de
de cinco pessoas, eleitas pelos colonos, para julgar os
26/04/1901, em que se reprovava a criação desse Tribunal de Con­
delitos ali cometidos, evitando-se desta form a a inter­
venção das autoridades do Estado,u ciliação na colônia Lucena, estava inserida uma notícia policial,
onde se relatava com minúcias uma briga de dois colonos em
O jornal Prawda defendia os colonos, bem como seu direito Tomás Coelho, onde um feriu a perna de outro. Os alemães, por
de administrar a própria justiça, argumentando que: exemplo — segundo o jornal Prawda — quando brigavam ou se
desentendiam, não procuravam a polícia, resolviam os problemas
Os colonos precisam procurar juizes, além da 10.* fron­ entre si, de tal form a que os estranhos não tomavam conhecimen-
teira, os correios localizan>se em bodegas sujas, onde to; Os poloneses, com seu costume de procurar a justiça nos es­
as cartas são untadas com pimenta e sardinhas; as es­ critórios policiais, tal como faziam em sua terra natal, expunham-
tradas, quando existentes, clamam aos céus; os profes­ se no Brasil, face a vigência de outros costumes, a irisão diante
sores, se existem, tem que pensar com o não m orrer de dos outros. Do ponto de vista dos imigrantes, os Tribunais de
Conciliação podiam e deviam solucionar o problema.
10WACHOWICZ, Romão. Memórias de Koscianski. Anais da Comunidade
brasueiro-polonesa. Curitiba, 1971. ( 3 ) : 36-79 d . 68
n Id. «P ra w d a . Curitiba, 2 mai. 1901.
«P ra w d a . Curitiba, 9 mai. 1901.
'-Prawda. Curitiba, 2 mai. 1901. > «Id .
«D iá rio da Tarde. Anarchia? Curitiba, 26 abr. 1901. O grifo é do original. 17Id. O grifo é do original.
132
133
te para sua recuperação da longa viagem oceânica. Sem delongas,
deveria ser enviado para o Estado que escolhesse.
O periódico Przeglad K atolick i inform ava que os imigrantes
poloneses, devido às péssimas condições de recepção, criaram sé­
rio problema para as autoridades brasileiras, nas proxim idades
do Rio de Janeiro.3
As hospedarias dos imigrantes, nos Estados receptores, não
CAPÍTULO X tardaram também a ficar superlotadas. Em Curitiba, por exemplo,
a capacidade de hospedagem fo i amplamente superada pelo grande
FIXAÇAO E INTEGRAÇÃO NA SOCIEDADE DE ADOÇAO número de imigrantes. Para aliviar a tensão, grupos dos mesmos
foram transladados para barracos nas margens do rio Barigui, nas
proximidades da colônia Tom ás Coelho. Esses barracos eram co­
A partir de 1890, quando o Brasil passou a receber os contin­ bertos de pano, durante a noite, ainda se podia respirar, mas
gentes imigratórios mais expressivos de sua história, as condições auando o sol aquecia — com o relata um im igrante — o ar torna-
de recepção dos imigrantes deixavam muito a desejar. A fixação
dos poloneses em seus lotes atingiu características de uma tragé­
dia sem precedentes, fruto da improvisação dos dirigentes, que O cheiro p ior partia do mato, a tal ponto que as p ró ­
operavam uma estrutura imigratória totalmente inadequada para prias árvores sentiam-se humilhadas. Infelizm ente ( . . . )
o vulto tomado pela imigração. todos satisfaziam suas necessidades sob as árvores, co ­
mo se fosse uma imensa latrina. ( . . . ) E ra previsto:
Com a chegada dos imigrantes na hospedaria da Ilha das Flo­ uma cólera violenta teve surto e dizim ou violentamente.
res, na baía da Guanabara, começavam os sérios problemas no Ceifou jovens e velhos. Diariam ente 5 a 6 cadáveres
Brasil. Com sua capacidade de abrigo para 2.000 pessoas, a mesma eram deixados pelo anjo da m orte nos barracos. Mal
comportava freqüentemente 5.000. Esses milhares de imigrantes
esfriavam, eram levados num caixão de tábuas toscas
permaneciam aí amontoados por várias semanas, em preearíssi- para o cem itério. De dia abriam-se covas e à noite, à
mas condições higiênicas. As epidemias entre os imigrantes torna­ luz da figueira, fabricavam-se caixões ( . . . ) . Jamais
ram-se freqüentes; o tifo e a febre amarela grassavam. A assistên­
esquecerei o dia em que m orreu minha mãe. Nesse dia
cia médica era ineficiente. Até falta d’água se fez sentir, não só a
foram enterrados o ito im igrantes peregrinos.*
destinada à lavagem de roupa, como também para o consumo
pessoal. A hospedaria dos imigrantes passou a ser chamada de
cemitérios de imigrantes. Nessa oportunidade, o embaixador inglês Situação equivalente foi encontrada por Antonio Hem pel em
ofereceu auxílio ao governo brasileiro, para fazer frente a essa vários pontos da colonização no Paraná. Na colônia R io dos Patos,
situação, que provocava inclusive protestos da embaixada aus­ em Palmeira, os imigrantes, enquanto aguardavam nos barracos
tríaca. O próprio Presidente da República, Prudente de Moraes, a medição de seus lotes, eram vítimas de uma mortandade assom­
mandou recusá-la por considerá-la ofensiva à honra do Brasil brosa. Dos 582 que lá se encontravam, haviam falecido 30, dos
Organizaram-se então coletas entre os funcionários mais catego­ quais 16 crianças com menos de 8 anos.5
rizados, as quais ultrapassaram de muito a quantia ofertada pelo Em São Mateus do Sul, segundo o mesmo cronista, a situação
embaixador inglês. O Presidente da República visitou pessoalmente era idêntica. Em Rio Negro, enquanto os colonos aguardavam a
a hospedaria da Ilha das Flores, limpando-a da escória de maus medição dos lotes na colônia Lucena, foram sepultados no cemité­
funcionários? Todas as peças de roupa e fazenda utilizadas pela rio da cidade, 34 poloneses.0
administração foram incineradas e a quarentena foi proibida, para Enquanto se desenrolava esta crise do aparelho im igratório
evitar que a capacidade de abrigo fosse superada. O imigrante brasileiro, capaz de receber satisfatoriamente apenas 10% do nú-
recém chegado deveria permanecer na ilha apenas dias, o suficien-*2

«WACHOW ICZ, Romão. M em órias de Koscianski. Anais da comunidad


iKLOBUKOW SKI, Estanislau. Recordações de viagem. Anais da comuni­
dade brasileiro-polonesa. Curitiba, 1971 ( 4 ) : 5-107, p. 37. brasileiro-polonesa. Curitiba, 1971. (3 ): 36‘ ‘9’ P ‘ ' . d COmunidade brasi-
2Id. &HEMPEL, Antoni. Os poloneses no Brasil. Anais da c o m u n i u ^
lelro-polonesa. Curitiba, 1973. (7 ): 12-122. p. 64.
•PRZEGLAD Katolickl. Warszawa, 30 abr. 1891.
«Ibid., p. 72.
134
135
mero que vinha recebendo,7*10as irregularidades dos funcionários doentes. Os armazéns ou vendas levam os ditos talões
responsáveis eram notadas e registradas pelos cronistas da imigra­ (através destes sai o pagamento do g overn o), mas não
ção. Na colônia São Mateus, os imigrantes eram explorados nos entregam nada.1*
traoalhos de construção de estradas. Sempre recebiam menos do
que trabalhavam. Na colônia Cachoeira (São Mateus), para alguns 0 cronista Antonio Hempel foi visitar o hospital com o mé­
até a metade dos vencimentos eram sonegados. Por isso, quase não dico. Este resolveu transladar os doentes para outro local, como
havia pagamentos sem que surgissem conflitos com os imigran­ havia sido combinada com o chefe da colonização.
tes." Na colônia Rio dos Patos, os colonos eram roubados na dis­
tribuição de sementes.” Na colônia Jangada, nem sementes recebe­ Enorme fo i a nossa surpresa quando soubemos que o
ram. Os recém vindos foram obrigados a pedir emprestadas as se­ chefe se opôs. Antes era defensor ardoroso da idéia.
mentes, de patrícios já aqui estabelecidos, trazendo-as em sacos Afirm ou que as despesas seriam grandes demais e o
a pé, nas costas, em caminhadas que duravam duas semanas."’
aluguel ultrapassaria 50 m il réis. ( . . . ) O gesto irrito u
Em Rio Negro, da mesma forma. Os imigrantes na colônia também o médico. ( . . . ) Passado o m om ento em ocional
Lucena, para não morrerem de fome foram obrigados a ir a pé até e meditando mais a fundo, decidiu mudar de co m p o r­
Rio Negro, sede da colonização, e solicitar os alimentos que lhes tamento, acomodou-se. Não podia perder o cargo ren­
eram devidos:
doso.13
Para matar a fome (m eu paiJ cortou um pinheiro, mas
as frutas estavam verdes demais, ainda com leite. De- Uma vez estabelecidos na sociedade, os imigrantes iniciaram o
fendam-se, disse, e tomou um saco e fo i a R io Negro. processo de sua integração à sociedade de adoção. De m odo geral,
Mas ( . . . ) comprar o quê? Era preciso ganhar alguns ela dependia:
níqueis antes, para depois com prar alguns mantimentos,
carregando-os 46 km ( . . . ) . Sofrem os fom e mortal. ( . . . ) 1 — da maior ou menor afinidade cultural existente entre os
inopinadamente penetrou na cozinha um brasileiro. Veio grupos humanos colocados em contacto.
ver e saber o que estava acontecendo em nossa colônia. 2 — do grau de flexibilidade do próprio imigrante.
Nada do que falava pudemos entender. Procurava con­
versar mediante sinais. Examinou a cozinha. Estava va­ 3 — da capacidade assimiladora do meio de adoção.
zia. Forçou-nos a acompanhá-lo. Chegamos a sua roça
4 — da maior ou menor complexificação do m eio étnico.
onde crescia milho. Quebrou espigas e encheu com elas
alguns sacos. Retornou conosco. Recomendou que fizés­
Em relação ao prazo de duração do processo assimilatório,
semos fogo e ensinou-nos a maneira de assar milho
verde no braseiro. Igualmente m ostrou com o se podia reconhece-se na atualidade, depois de inúmeros estudos realiza­
dos, que o mesmo é um processo lento. A posição, por exemplo,
assar abóbora, envolvendo os pedaços em folhas de
milho. 11* do Vigário Geral Forense de Curitiba, segundo a qual já é tem po
de acabar com os europeus, todos devem tom ar-se brasileiros, sob
Nos barracos dos imigrantes no Rio Negro, o pão era sone­ todos os aspectos,1* em nada acelerava a assimilação ou integração
gado aos mesmos e vendido pelos funcionários no comércio local. do imigrante.
No hospital, quem podia falar clamava por alimentos. Interroga­ A afinidade cultural dos eslavos poloneses para com a cultura
do, o responsável explicava:
latino-luso-afro-brasileira, não era das maiores. A barreira da lín­
gua já dificultava, de início, uma aproximação m aior das partes.
Todos os dias vêm talões do chefe autorizando para dar Neste sentido, os imigrantes latinos, como os italianos ou espa­
galinhas, ovos, pão, arroz, carne e até vinho para os nhóis, levavam nítida vantagem para acelerar sua integração à
cultura brasileira. Os poloneses tinham nesse particular maiores
7Przeglad Emigracyjny. Lwów, 1894. p. 201. dificuldades. A imigração polonesa, sendo constituída de 95°/o de
sPrzeglad Emigracyjny. Lwów, 1893. p. 62.
»Id.
10P A M IE N T N IK I emigrantów — Ameryka Poludniowa. Warszawa, Ins- 12HEM PEL, p. 123.
tetut Gospodarstwa Spolecznego. Comps. 1939. Memória n.° 13. p. 165. 13Ibid., p. 124.
“ WACHOWICZ, p. 42.
' 4G LUCH OW SKI, Kazimierz. W sród pionierów polskich na antypodach.
136 warszawa, Nakladem Inst. Naukowego do Badán Emig. i Koloni. 1927. p. 113.

137
camponeses, ampliava os entraves para sua assimilação. O traba­
lho urbano, por outro lado, sendo mentalmente muito mais flexí- ,
vel, oferecia e obtinha maior contacto com a coletividade nacional.
O agricultor portanto, de todas as classes ocupacionais, era o
menos flexível para dar e receber elementos culturais. Por outro
lado, a capacidade de assimilação do meio paranaense nas últimas
décadas do século X IX e nas primeiras do século X X , deixava
muito a desejar. Os principais centros urbanos paranaenses, nota- C O N C L U S Ã O
damente a Capital, Curitiba, não se apresentavam ainda como lídi­
mos representantes do novo Brasil próspero e desenvolvido, ape­
sar do progresso advindo com o desenvolvimento da economia A imigração polonesa no Brasil caracterizou-se por ser cons­
ervateira. O Paraná ensaiava timidamente os seus primeiros pas­ tituída de agricultores, retirados de condições semi-feudais de
sos rumo à modernização. As iniciativas temiam ainda as posições vida, muitos deles inclusive com lembranças ainda bastante fortes
tradicionalistas. Com duas escolas de nível secundário e por muito
do sistema no qual viveram. Portadores de estereótipos seculares,
tempo com uma apenas, o ensino superior inexistente até 1912,
é natural que viessem a se caracterizar no Brasil com o refratários
com o sistema das escolas elementares totalmente deficiente, não
às inovações acentuadas. Sua falta de adaptabilidade às condições
poderia oferecer elementos culturais capazes de atrair os filhos
de concorrência, no sistema capitalista, era notória. N a imigração
dos imigrantes, em massa, para a cultura brasileira.
teve oportunidade de entrar em contacto e concorrer com im igran­
tes alemães, italianos, espanhóis etc. Todos estes, mais adaptados
às exigências da sociedade capitalista, venciam os poloneses na
concorrência de atividades urbanas, à qual estavam mais acostu­
mados e adaptados. Os poloneses em sua grande maioria, simples­
mente preferiam permanecer camponeses. Os imigrantes espa­
nhóis, alemães ou italianos sempre tinham algo a fazer, mesmo ./>, -
nos momentos difíceis, quando nada tinham de seu. E m último
caso, para sobreviver compravam uma escova, uma caixa de pasta
e dedicavam-se à tarefa de engraxate pelas ruas. Ou então, toma­
vam por 5 vinténs algumas bananas e vendiam-nas até ao escure­
cer, obtendo o dobro de lucro mesmo porém não acontecia com
o camponês polonês, não afeito à árdua luta de sobrevivência em
qualquer centro urbano?
No Brasil, enquanto predominava em sua mentalidade as es­
truturas mentais vigentes nas aldeias da Polônia, voltavam as cos­
tas às oportunidades que surgiam para urbanizar-se e embrenha-
vam-se cada vez mais para o interior, satisfazendo a sua extraor­
dinária sede de terras. Uma gleba de terras de sua propriedade,
coberta de matas à sua disposição para sulcar-lhe o solo com o
arado, era seu objetivo e seu sonho.
Das colônias ao derredor de Curitiba, a m aior parte penetrava
através das novas gerações, para o sertão inculto por desbravar,
voltando as costas para o quadro urbano. O cheiro do mato, o
panorama da criação doméstica e os celeiros abarrotados, faziam-
lhe bem à alma. Em todos os campos da atividade do imigrante
polonês, manifestava-se o seu conservadorismo, inclusive na agri-1

1Przeglad Katolicki. Warszawa, 12 íev. 1891.


138
139
ü*mpoatifi£fc. ampliava 06 entraves para sua assimilação. O traba­
lho urhaoo, por outro lado, sendo mentalmente muito mais flexí-
ve. oterecaa e obtinha maior contacto com a coletividade nacional.
O agncultor portanto, de todas as classes ocupacionais, era o
rrmrut* Hexivei para dar e receber elementos culturais. Por outro
lado. a capacidade de assimilação do meio paranaense nas últimas
oecadat do século XIX e nas primeiras do século XX, deixava
m utío a desejar. 06 principais centros urbanos paranaenses, nota- CONCLUSÃO
úamerite a Capital, Curitiba, não se apresentavam ainda como lídi­
mos representantes do novo Brasil próspero e desenvolvido, ape­
sar do progresso advindo com o desenvolvimento da economia
ervaleira O Paraná ensaiava timidamente os seus primeiros pas­ A imigração polonesa no Brasil caracterizou-se por ser cons­
sos rumo a modernização. As iniciativas temiam ainda as posições tituída de agricultores, retirados de condições semi-feudais de
tradicionalistas. Com duas escolas de nivel secundário e por muito vida, muitos deles inclusive com lembranças ainda bastante fortes
tempo com uma apenas, o ensino superior inexistente até 1912, do sistema no qual viveram. Portadores de estereótipos seculares,
com o sistema das escolas elementares totalmente deficiente, não é natural que viessem a se caracterizar no Brasil como refratários
podena oferecer elementos culturais capazes de atrair os filhos às inovações acentuadas. Sua falta de adaptabilidade às condições
do* imigrantes, em massa, para a cultura brasileira. de concorrência, no sistema capitalista, era notória. Na imigração
teve oportunidade de entrar em contacto e concorrer com imigran­
tes alemães, italianos, espanhóis etc. Todos estes, mais adaptados
às exigências da sociedade capitalista, venciam os poloneses na
concorrência de atividades urbanas, à qual estavam mais acostu­
mados e adaptados. Os poloneses em sua grande maioria, simples­
mente preferiam permanecer camponeses. Os imigrantes espa­
nhóis, alemães ou italianos sempre tinham algo a fazer, mesmo
nos momentos difíceis, quando nada tinham de seu. Em último
caso, para sobreviver compravam uma escova, uma caixa de pasta
e dedicavam-se à tarefa de engraxate pelas ruas. Ou então, torna*
vam por 5 vinténs algumas bananas e vendiam-nas até ao escure*
cer, obtendo o dobro de lucro. O mesmo porém não acontecia com
o camponês polonês, não afeito à árdua luta de sobrevivência era
qualquer centro urbano?
No Brasil, enquanto predominava em sua mentalidade as es­
truturas mentais vigentes nas aldeias da Polônia, voltavam as cos­
tas às oportunidades que surgiam para urbanizar-se e embrenha^
vam-se cada vez mais para o interior, satisfazendo a sua extraor­
dinária sede de terras. Uma gleba de terras de sua propriedade,
coberta de matas à sua disposição para sulcar-lhe o solo com o
arado, era seu objetivo e seu sonho.
Das colônias ao derredor de Curitiba, a maior parte penetrava
através das novas gerações, para o sertão inculto por desbravar,
voltando as costas para o quadro urbano. O cheiro do mato, o
panorama da criação doméstica e os celeiros abarrotados, faziaiQr
lhe bem à alma. Em todos os campos da atividade do írrugrans®
polonês, manifestava-se o seu conservadorismo, inclusive na agri-

1Przeglad Katolicki. Warszawa, 12 fev. 1891.

139
cultura. Esta característica, adquirida e herdada das condições nue para a mentalidade da época, passou a ser considerado corno
conjunturais a que sua pátria na Europa estava submetida, trans­ sendo uma atividade exercida por pessoas de status inferior. Os
feriu-se igualmente para o Brasil. Aqui, na América, foram obri­ grandes latifundiários, dedicavam-se à monocultura agrícola ou a
gados a adotar as novas culturas agrícolas, que por força das cir­ criação de gado bovino. Por outro lado, as atividades ocupacionais
cunstâncias foram obrigadas a praticar, porém teimosamente pro­ secundárias, típicas também de uma sociedade alemã, com o tra­
curaram manter suas culturas tradicionais, como o centeio e a balhadores de ofício, carroceiros etc., encontraram já o m eio curi-
“ tatarca” (trigo sarraceno), para a preparação de sua caracterís­ tibano saturado por outros grupos étnicos, preferencialm ente os
tica broa preta de centeio.
alemães.
A agricultura de subsistência, em regime de pequena proprie­
A mesma coisa ocorre com a maneira de preparação do dade, caracterizou pois o imigrante polonês no Brasil, notada-
solo, o mesmo na escolha das sementes, o mesmo com mente no Paraná. Por isso, o termo polaco, ou polonês, passou a
o instrumental agrário utilizado. E m toda a parte a ser um termo que se identificava de imediato, na sociedade local,
mesma teimosia e conservadorismo, às vezes acompa­ com a agricultura. Tal correlação criou entre os descendentes de
nhado por um retrocesso. Estas são algumas das carac­ poloneses, que procuravam em ergir dentro da estrutura social do
terísticas do camponês polonês.* meio paranaense, uma espécie de reticências quanto às suas ori­
gens. Ser de origem polaca, era adm itir ipso facto que se perten­
Tais características foram acompanhadas por uma imensurá­ cia a uma camada mais baixa da sociedade. Ser pequeno agricultor
vel vontade de trabalhar, bem como uma resistência incomum no era uma atividade envolta em falácias, no m eio de adoção. Estas
trabalho. Estes traços fundamentais acompanharam o camponês falácias continuaram com os descendentes de poloneses, que pro­
polonês para a América. No Brasil, até o advento das modernas curavam libertar-se dos liames que os prendiam à atividade agrí­
vias de comunicação e de um mais moderno sistema de ensino, cola. O descendente que, mudando de ocupação econômica, pas­
estas características tendiam a conservar-se indefinidamente, pelo sou a exercer outras atividades na sede da colônia ou em outras
isolamento da maioria das colônias do interior. Além disso, qual­ ocupações existentes nos centros urbanos maiores, como Curitiba
quer tentativa de um trabalho social com os mesmos, esbarrava e Ponta Grossa por exemplo, desejava libertar-se de sua condição
com um fato inexistente na Polônia: sua dispersão pelas linhas de polaco, de filho de imigrante colono. Desejava passar a perten­
coloniais, ao contrário do agrupamento das residências nas aldeias cer a uma camada superior da hierarquia social.
de origem, tendiam a torná-los mais isolados e conservadores, O descendente de colonos poloneses nas últimas décadas do
afastados de todo maior contacto com a sociedade envolvente. século passado e nas primeiras do século X X , que abandonava a
Outra característica que os distingüiu no Brasil fo i a ausência profissão de seus ancestrais e procurava urbanizar-se, imergia
nas colônias de um proletariado rural numeroso, como nas aldeias numa fase crítica, verdadeiramente dramática, do processo de in­
de origem. Este era praticamente inexistente nas colônias brasi­ tegração, na sociedade de adoção. Eram descendentes, não mais
leiras. Cada família era proprietária. Podia ser mais abastada ou poloneses, e mesmo em maioria não o queriam ser mais, mas no
menos, mas todos nas colônias pertenciam à mesma classe de pe­ entanto, ainda não eram inteiramente brasileiros. Para servir o
quenos proprietários. Por isso é que no Brasil, com terras prati­ exército, para pagar os impostos, nas repartições públicas, ele era
camente à vontade, uma família numerosa era considerada por considerado brasileiro, de direito. Entretanto, quando concorria
todos como uma verdadeira graça de Deus, o que não ocorria nas com outros, disputando um emprego, quando era comparado com
famílias pobres na Polônia. Toda mão de obra existente tornou-se patrícios seus que se dedicavam sobretudo a trabalhos braçais, ele
indispensável para o agricultor, mesmo a de crianças. Os agricul­ então, era polaco.
tores nas colônias constituíram uma camada social única. Outras O correlacionamento que o meio de adoção fez de polaco com
atividades absorviam uma percentagem bem menor de poloneses um baixo nível de instrução, muitas vezes levou-o a sentir vergo­
e seus descendentes. Quando os poloneses chegaram ao Brasil, di­ nha de sua própria origem. Este sentimento de vergonha levou a
rigiram-se à agricultura de subsistência, em regime de pequena muitos indivíduos de ascendência polonesa a rejeitar sua origem
propriedade. Este tipo de agricultura, nos tempos coloniais, era étnica. Estes passaram a se apresentar como alemães, austríacos
exercido por agregados, libertos ou descendentes de índios, pelo ou russos, de acordo com as regiões de procedência da Polônia.
Quando interpelados por alguém que conhecia m elhor esta proble­
mática, saíam-se com evasivas como: N ão sei, pelo menos era o
^ L U C H O W S K I, Kazimierz. Wsrod plonierów polskich na antypodach.
Warszawa, Nakladem Inst. Naukowego do Badan Emig. i Koloni. 1927. p. 382. Que constava no passaporte do meu avô. Tal atitude tem sua ex-
140 piicaçao no fato de muitos passaportes de emigrantes poloneses

141
virem extraídos sob a nacionalidade da potência de ocupação da gando inclusive a fornecer campeões de atletismo, não só de âm ­
região na Polônia. bito regional mas brasileiro e sul-americano; a criação de enti­
Os estereótipos como polaco sem bandeira, polaco burro, po­ dades destinadas a melhorar o nível da agricultura dos descen­
laco e colarinho não se quadram, polaco burro é pleonasmo, leva­ dentes de poloneses no Brasil; prom oções culturais com o a vinda
ram alguns descendentes de poloneses a adquirirem um complexo de poloneses pintores, músicos, cantores, cientistas, pilotos p ro ­
de inferioridade, em relação à sua origem étnica. A constatação movendo raides transoceânicos etc.; o desenvolvim ento de uma
desse complexo de inferioridade ocorria sobretudo em camadas ativa indústria gráfica em língua polonesa, a penetração em gran­
sociais intermediárias, entre o camponês e os indivíduos urbani­ de escala dos descendentes de poloneses, nas escolas de nível su­
zados, de cultura superior. O camponês não o possuía porque os perior em Curitiba; todas essas novas atitudes e posicionam entos
descendentes continuavam na própria classe de origem de seus an­ vieram alterar a conotação negativa adquirida pela im igração p o ­
tepassados; as camadas urbanas mais cultas também não o pos­ lonesa na região, embora ainda persista o problem a de uma m aior
suíam, devido à própria condição de poder avaliá-lo.
integração do polono-paranaense ou polono-brasileiro de origem
A identificação do polonês com o meio rural, sua conseqüente rural, sobretudo o proveniente das colônias afastadas e isoladas
aversão pelo quadro urbano, bem como seu baixo índice de ins­
trução, já era constatada em 1890, por ocasião da fundação da do hinterland.
No Paraná, sobretudo na região da Grande Curitiba, a m aior
primeira sociedade polonesa em Curitiba. Somente foram encon­
incidência da imigração polonesa trouxe hostilidade do nacional
trados em Curitiba, 22 poloneses capazes de se interessarem pela
ao não nacional, aqui especificamente dirigida ao polaco,41 devido
criação de uma sociedade. Rezava a ata de instalação da mesma:
à concorrência inevitável e à própria mentalidade arcaica, da qual
A maioria dos poloneses está nas colônias, completa­ o camponês polonês era portador.
Fenômeno semelhante ocorreu com os alemães em Santa Ca­
mente isolados da civilização. Cada ano decaem m oral­
tarina, com os italianos em São Paulo e com o português no R io
mente, fisicamente e economicamente. ( . . . ) P o r isso,
de Janeiro, onde o nacional ou o não nacional, desacostumado ou
perante os brasiléiros e outras nacionalidades, têm me­
impossibilitado, diante da concorrência do grupo m ajoritário, de
nos respeito. Precisamos energicamente criar uma So­
ciedade e um jornal polonês, para que possam ler e des­ realizar sua acumulação capitalista, vingava-se na anedota
sa maneira frear sua constante desmoralização.s
a um tempo agressiva e simpática, frequentem ente com
Observe-se que, mesmo antes da vinda das grandes levas de alta compreensão humana. N o Paraná, ou m elhor, na
imigrantes poloneses, no período da febre brasileira, já existia em vasta área da Grande Curitiba e de sua influência mais
Curitiba o problema da baixa avaliação do polonês, pelo meio de direta, a vítima é o polaco.s
adoção, e sua perda de respeito por parte dos brasileiros e outras
nacionalidades. O período que mais caracteriza uma baixa avalia­ Segundo o professor Bento Munhoz da Rocha Neto, o colono
ção do polonês no Paraná, corresponde às décadas que antecede­ polono-paranaense merece figurar entre os tipos regionais brasi­
ram a restauração da Polônia como nação politicamente indepen­ leiros. Identifica-se o mesmo por sua expressão humana caracte­
dente. Com o surgimento de grupos intelectuais, leigos e eclesiás­ rística, por seus usos e costumes, pelo comportamento que às ve­
ticos, no início do século X X e com a abertura do consulado polo­ zes contrasta com os grupos que compõem a comunidade. Nessas
nês em Curitiba, a situação começou a mudar para melhor. A or­ atitudes, identificam-se muitos traços de sua região de origem ,
ganização de instituições como a Kultura e Oswiata organizações porém não é mais o camponês que veio. Adaptou-se, adquirindo
estas supraterritoriais, destinadas a centralizarem e coordenarem novos hábitos, constituindo assim um tipo peculiar da região nos­
o desenvolvimento nas colônias polonesas de escolas que chega­ sa*4
6
5
ram em 1937 ao número de 349, com mais de 12.000 alunos, das Por isso, o referido autor afirm a que, no Paraná, pode-se di­
quais 167 no Paraná com mais de 6.000 alunos; dezenas de grupos zer: o polaco é nosso, pois povoando a região centro sul do Estado,
teatrais nas maiores escolas; a organização Junak, que chegou in­ veio a caracterizar a imigração européia, não portuguesa, na
clusive a ter quase uma centena de sedes no Sul do Brasil, com região.
a finalidade de desenvolver a cultura física entre a juventude, che­
4ROCHA NETO, Bento Munhoz da. Poloneses no Paraná. Boletim do
*KSIEGA lsza. Protokulama Towarzystwa Tadeusza Kosciuszki w Kury- Instituto Histórico Geográfico e Etnográfico Paranaense. Vol. X IV , Curitiba,
tybie. Ata de 15/06/1891. 1971. Sem anotação de páginas.
5Id.
«Id.

143
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