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A Rota Marítima da Seda, o Descobrimento e a porcelana chinesa “Made in

Portugal”

Introdução
No contexto de globalização, as relações sino-portuguesas ganham um lugar
particular importante na história das civilizações Ocidental e Oriental. Na Era dos
Descobrimentos entre 1453 e 1660, os exploradores portugueses lançaram-se ao mar,
abriram um caminho marítimo entre Ocidente e Oriente, e o mundo seria inteiramente
interligado pela primeira vez na História. O resultando foi, por um lado, uma grande
mudança da Rota Marítima da Seda, partindo do Leste Asiático e do Sudeste Asiático,
nas áreas costeiras do Oceano Índico, na costa do Mar da China Oriental da África e
na Península Arábica na Ásia Ocidental e, por outro, a chegada à Europa através do
Oceano Atlântico. A China começou a atrair os comerciantes portugueses que
buscavam fortuna, e o comércio a nível mundial transforma-se significativamente: os
eixos de circulação transpõem-se do Mar Mediterrâneo e do Mar Vermelho para o
Oceano Atlântico, ou seja, do domínio muçulmano para o domínio português. Por
outro lado, os missionários portugueses entraram na terra da China, abriram as nossas
pesadas e antigas portas com os seus conhecimentos de ciência e cultura, e
transferiram a civilização chinesa para Portugal, registando-se um novo auge no
intercâmbio cultural entre o Oriente e o Ocidente.
No início da Idade Média, a porcelana e o chá da China foram os primeiros
produtos globalizados que se tornaram populares na Europa e foram transportados por
mar aos estrangeiros. Por isso, a linha de comércio ultramarino também foi nomeada
como “Rota Marítima da Porcelana” e “Rota Marítima de Chá”. Os lucros do
comércio marítimo foram uma das principais fontes de receita do governo chinês
durante esse período.
A porcelana e o chá chineses foram os primeiros produtos globalizados. Graças
aos portugueses, a história dos caminhos percorridos pelos dois símbolos chineses até
Lisboa estende-se por cerca de quinhentos anos. Foram primeiro importados e depois
produzidos na Europa, afetaram o estilo dos portugueses, os costumes associados às
refeições e a própria arte.
A porcelana, é outro resultado dos contactos das culturas chinesa e portuguesa.
Neste trabalho tentaremos conhecer melhor o papel de Portugal na antiga Rota
Marítima da Seda e o caminho marítimo dos navegadores portugueses durante a época
dos Descobrimentos, a fim de entendermos a situação atual: o significado da
aproximação cultural e económica entre os dois países nesta nova era das Novas
Rotas da Seda é fundamental para reestimular o interesse pelo nosso património
comum.
O meu trabalho é composto por cinco partes. A primeira parte explica os
contactos de Portugal com a China via Rota Marítima da Seda e via caminhos da
missionação e do comércio de chá.
A segunda parte explica o contexto da chegada da porcelana chinesa a Portugal,
nomeadamente o desenvolvimento da porcelana do Dinastia Ming e as primeiras
atividades comerciais dos portugueses do Sul da China.
A terceira parte explica a presença chinesa na porcelana portugueses como a
porcelana chinesa foi conhecida pelo povo português e como foi aceite e apreciada.
A quarta parte explica a porcelana na vida social portuguesa desde os tempos de
Catarina da Bragança até à atualidade. Através da leitura e análise de estudos e
materiais, académicos, culturais e industriais/comerciais, introduzirei factos históricos
para investigações. Serão efeituadas pesquisas, no Museu de Porcelana de Vista
Alegre, para conhecer o processo da criação da linha chinesa dos seus produtos, bem
como a sua influência no mercado europeu e mundial. Para conhecer melhor a ligação
do povo português com a porcelana chinesa, será realizado um levantamento junto da
comunidade mais próxima (alunos e docentes da Universidade do Minho) sobre a
tradição de coleção privada.
Capítulo I - Contactos de Portugal com a China via Rota Marítima da Seda
e via caminhos da missionação e do comércio de chá.
1.1 As notícias dos jesuítas sobre o uso de porcelana
Os jesuítas chegaram à via Rota Marítima da Seda. Foram os responsáveis pela
ligação cultural entre o Ocidente e o Oriente entre os finais do século XVI e o século
XVIII, com a política da acomodação cultural empreendida, sendo determinante para
enraizar essas ligações culturais. Serviram de intermediários de intercâmbios entre
Ocidente e Oriente. No processo de missionação, os jesuítas revelaram curiosidade
sobre as culturas chinesas. Eles recolheram informações sobre as experiências
ultramarinas, olhando para a diversidade dos costumes sociais dos povos e
caracterizando-os por contraste com o que conheciam.
Surpreendendo pela dureza, translucidez, pureza e cor branca, a porcelana é um
dos tesouros exclusivos que fascinaram a mente dos europeus desde a Idade Média.
Conhecidas de forma muito vaga, estas louças eram populares sobretudo através de
relatos de missionários e comerciantes, que navegavam pelo mágico mundo do
Extremo Oriente e conviviam com as comunidades asiáticas.
Em 1501, os Reis Católicos receberam uma carta do D. Manuel, referindo o
sucesso da expedição de Pedro Álvares Cabral, 1 notando que <<alguns vasos de
porcelana eram tão delicados que um só vaso podia chegar a custar cem
cruzados>>2.
Em 1548, o primeiro missionário jesuíta, Frei Gaspar da Cruz, chegou à Índia,
com o objetivo de fundar uma missão dominicana no Oriente. Foi à ilha Langbaijiao
que ficava em Guangzhou em 1556 e por lá permaneceu durante um ano. Regressou a

1
Pedro Álvares Cabral chegou a Calecute em 13 de setembro de 1500. Conseguiu fazer negócios com
êxito com o samorim e obteve autorização para estabelecer uma feitoria e um armazém. Em Certa
Enformaçam do mais que na Índia e Província della, há uma carta escrita por D. Manuel aos Reis
Católicos, datada de 28 de Agosto de 1501, a relatar o sucesso da expedição de Pedro Álvares Cabral.
https://www.novomilenio.inf.br/festas/1500c.htm
2
https://www.novomilenio.inf.br/festas/1500c.htm
Lisboa em 1569 e publicou o seu livro Tratado das cousas da China que foi o
primeiro livro a descrever as relações entre Portugal e a China, fornece múltiplas
informações, incluindo, por exemplo, o primeiro relato detalhado sobre o uso de
porcelana e o seu fabrico, promovendo o intercâmbio luso-chinês.
Apresentou as seguintes indicações:
E porque há muitas opiniões entre os portugueses que nam entraram na
China sobre onde se faz a porcelana e acerca do material de que se faz, dizenso
hus que de cascas de ostra, outros que de esterco de muito tempo podre, por
nam serem enformados na verdade, parece me conveniente cousa dizer aqui ho
material de que se faz conforme a verdade dita pelos que ho viram. 3´É
NECESSÁRIO INDICAR A FONTE COMPLETA: DATA, NÚMERO DE
PÁGINA; CITAÇÕES SUPERIORES A TRÊS LINHAS TÊM DE SER
DESTADAS DO CORPO DO TEXTO e não têm aspas.

Referiu-se a uma pedra branca e mole, a que agora chamamos caulino, Frei
Gaspar da Cruz foi o primeiro europeu que encontrou a fórmula de porcelana e a
registou nas suas escritas:

Ho material da porcelana, he hua pedra branca e mole, e algua he


vermelha, que nam he tam fina, ou pera milhor dizer, he hu barro rijo, ho qual
depois de bem pisado e moido e deitado em tanques dagoa, os quaes elles tem
muito bem feitos de pedra de canteria, e algus engessados, e sam muito limpos,
e depois de bem envoltos nagoa, da nata que fica de cima fazem as porcelanas
muito finas: e assi quanto mais abaixo, tanto sam mais grossas e baixas de que
se serve ha gente pobre da China, fazem nas primeiros deste barro, da maneira
que os oleiros fazem outra qualquer louça, depois de feitas as enxugam ao sol,
depois de enxutas lhe poe ha pintura que querem de tinta de anil que he tam
fina como se vee; depois de enxutas estas pinturas, poe lhe ho vidro, e vidradas

3
Tratados das coisas da índia
cozem nas.4

Referiu ainda que:

...e comoquer que também ha porcelana seja de barro comum que se usa
por toda ha terra da China e por toda ha india, toda via há muita porcelana
grossa e outra muito fina, e a algua que nam he licito vender se comumente,
porque soo usam della os regedores por ser vermelha e verde, e dourada e
amarela: vende se algua desta e muito pouca e muito escondida. 5
As principais ruas dos mercadores, sam as ruas mais principaes que tem
cubertos de hua banda e da outra: he toda via ho principal lugar da venda da
porcelana nas portas das cidades, e todo ho mercador tem a sua porta hua
tavoa e, que tem escrito tudo o que na sua loja se vende.6

Também descreveu um banquete que um mercador rico e honrado fez em


Cantão, o qual foi para folgar de ver:

Estavam as mesas postas em três lanços da casa, para cada convidado


uma mesa muito linda e sua cadeira dourada ou prateada, e cada mesa tinha
em fronte um frontal de damasco até ao chão. Nas mesas não havia toalhas
nem guardanapos, assim porque as mesas são muito lindas, como porque
comem tão limpamente que não têm necessidade destas coisas. Estava a fruta
posta logo na borda de cada uma das mesas, toda posta em ordem, a qual eram
castanhas assadas e esburgadas, e nozes limpas e [d]escascadas, e cana-de-
açúcar limpa e feita em talhadas, e a fruta que acima dissemos que chamam
líchias, grandes e pequenas, mas eram passadas. Toda esta fruta estava posta
em castelinhos bem feitos, atravessada com pauzinhos muito limpos. Pelo que
todas as mesas em roda, com estes castelinhos, ficavam como ornadas. Logo
4
Cruz, Tratados das coisas da índia TODAS AS REFERÊNCIAS TÊM DE TER DATA E NÚMERO
DA PÁGINA.
5
Tratados das coisas da índia
6
Tratados das coisas da índia
após a fruta estavam todas as iguarias postas em bacios finos de porcelana,
todas muito bem aparadas e mui limpamente cortadas, e tudo posto em boa
ordem. E ainda que iam ordens de bacios por cima de outros, todos estavam
postos polidamente, de maneira que o que estava à mesa podia comer do que
quisesse sem ser necessário tirar bacio nem mudá-lo. 7
E logo estavam dois pauzinhos dourados muito galantes para comer com
eles metidos entre os dedos; usam deles a modo de tenazes, de maneira que
nada do que está à mesa tocam com a mão. E ainda que comam uma porcelana
de arroz com aqueles paus, a comem sem lhe[s] cair grão. E porque comem
muito limpamente sem tocar com a mão no comer, não têm necessidade de
toalhas sem de guardanapos. À mesa lhe[s] vem tudo cortado e mui bem
preparado. Tinham também uma porcelana muito pequena dourada, que leva
um bocado de vinho, e só para isto há servidor à mesa. Bebem tão pouco
porque a cada bocado de comer há-de ir bocado de beber, e por isso é tão
pequena a vasilha. 8

Em 1562, durante o Concílio de Trento em Roma, o Arcebispo de Braga, D. Frei


dos Mártires, num jantar com o Papa Pio IV, terá feito a seguinte observação:

em Portugal, temos um tipo de louça de mesa que, embora sendo de barro,


supera a prata, tanto em elegância como em asseio...chamamos-lhe porcelana.
Vem da Índia e é manufaturada na China. A louça é tão fina e transparente que
os brancos brilham mais do que o cristal e o alabastro e as peças decoradas a
azul são um assombro para os olhos, lembrando uma combinação de alabastro
e safiras. Ninguém se preocupa por ser tão frágil, uma vez que é muito barata.
A sua beleza e caracter exótico levam a que seja altamente considerada pelos
grandes príncipes, essa a razão para que este tipo de louça exista em

7
Tratados das coisas da índia
8
Tratados das coisas da índia
Portugal>>9

O Papa Pio IV sabia que em Lisboa havia uma espécie de serviço de porcelana,
que era superior à prata e ao ouro em beleza e pureza. De Lisboa, foi-lhe enviado um
generoso conjunto para Roma, composto por peças de diferentes tipos de porcelana. O
Papa também recomendou aos seus duques e príncipes a compra de porcelana
chinesa.10
Álvaro Semedo, cujos nomes chineses são Xie Wulu 谢务禄 e Zeng Dezhao 曾
德昭 ,era missionário jesuíta português na China. Entrou na China em 1608 e serviu
como vice-provincial jesuíta da missão na província Cantão e passou o resto da sua
vida aqui. No livro que publicou em 1642 Imperio de la China y cultura evangélica
en el, observou a cidade chamada Jingdezhen, conhecida como o capital da porcelana,
do seguinte modo:

Esta província é célebre pelos solhos enormíssimos e ainda mais pela sua
porcelana; na verdade, única no seu género; que se encontra apenas numa sua
vila (Keng Tak Tchan), de forma que, quanta se consome no reino e se distribui
por todo o mundo, provém desse lugar. Não se encontra, porém, o barro com o
qual é feita, vindo este doutro sítio, mas existe a água com que é precisamente
fabricada para se conseguir a sua perfeição, pois que se for feita com outra, a
obra não adquire tanto brilho... simplesmente feita de barro, porém, de uma
qualidade pura e excelente. Fazem-se em tempo igual e da mesma forma que os
nossos vasos de barro. Apenas a fabricam com mais diligência e primor. O azul
com que pintam a porcelana é o anil que abunda. Algumas são pintadas de
vermelho e, para o rei, de amarelo.11

9
DIAS, Pedro, Symbols and images of Christianity in Chinese Porcelain, in Reflections, Lisboa,
catálogo da exposição Museum de São Roque, 1997, p.26.
10
Mo, GUO, A China em Portugal - A porcelana Blue Canton da Vista Alegre
11
SEMEDO, Álvaro, Relação da Grande Monarquia da China, Notícias de Macau, Macau, 1956, p.
44-45.
NOTAS: OS TÍTULOS DE OBRAS TÈM DE SER COLOCADOS EM ITÁLICO (CF. 9); AS NOTAS
DE RODAPÉ DEVEM SER NOS MESMOS CARACTERES QUE O CORPO DO TEXTO (TIMES
NEW ROMAN) E SÃO DE TAMANHO 10.
Há jesuítas portuguesas que contam o uso de porcelana do imperador chinês,

por exemplo, Tomás Pereira foi um padre que o imperador Kangxi 康 熙 apreciou

muito. Acompanhou muitas vezes Kangxi 康熙 em tempos livres, registando muitos

detalhes da vida do imperador. Tomás Pereira descreveu um jantar com o imperador


no banquete da família. <<Aos 15 de Julho, nos mandou o Rey alguns peixes frescos,
tomados em sua lagoa, que tem dentro no seu jardim.... Gostou o Rey tanto, que junto
de nós de cocras estaua com huã porcelana na mão uasando a agua, pera a uer
correr. >>12
Um outro símbolo da cultura chinesa, o chá chinês, é uma bebida aromática,
comumente comummente preparada derramando água fervente sobre as suas folhas e
servido em chávenas de porcelana.
Em 1560, o missionário jesuíta português Gaspar Cruz descreveu no Tratados
das coisas da China que os chineses bebem chá em taças de porcelana:

Qualquer pessoa ou pessoas que chegam a qualquer casa de homem


limpo, têm por costume oferecerem-lhe em uma bandeja galante uma
porcelana, ou tantas quantas são as pessoas, com uma água morna a que
chamam chá, que é tamalavez vermelha e mui medicinal, que eles costumam a
beber, feita de um cozimento de ervas que amarga tamalavez. Com isto
agasalham comummente todo o género de pessoa[s] que têm algum respeito,
quer conhecidos quer não, e a mim ma ofereceram muitas vezes.13

Frei Gaspar da Cruz introduziu a porcelana na Europa. Mas os portugueses não


manifestaram grande interesse naquela “beberagem” de paladar adstringente quando
começaram a contactar com o chá, porque “na Europa são os homens amigos do

12
Idem, ibidem, p. 74. Idem e ibidem colocam-se sempre em itálico.
13
Cruz, Frei Gaspar, Tratados das coisas da China
doce”.14 Os portugueses concentraram-se no comércio de especiarias e drogas que já
eram conhecidas pelos europeus.
O chá chinês tem desempenhado um papel fundamental no mercado desde que
as potências asiáticas e ocidentais se envolveram no comércio global desde o século
XVI. Apesar de os portugueses terem sido pioneiros no contacto com o chá, em
meados do século XVI, foram os holandeses e os britânicos que o transportaram em
grandes quantidades na Europa através de uma série de rotas comerciais marítimas.
Durante o século XVI e o início do século XVII, o chá chinês era uma
mercadoria rara na Europa. Era considerado, por um lado, uma bebida medicinal,
porque existiam várias notícias sobre a sua função curativa e medicinal na China e
Japão. Por outro lado, um produto exótico e sofisticado, acessível apenas à classe
alta, isto é, à elite.
Esta bebida exótica foi considerada ainda mais luxuosa depois de Catarina de
Bragança (1638-1705), a rainha consorte portuguesa de Carlos II de Inglaterra, ter
levado o chá para a Família Real inglesa quando casou. Carlos II e D. Catarina de
Bragança casaram a 21 de maio de 1662; depois ela manteve o seu costume de beber
chá. O gosto dela pelo chá logo se tornou uma moda na Família Real inglesa,
começou a servir-se o chá no corte real, propagando-se de seguida aos meios
aristocráticos e às classes médias.
Para fazer sobressair a cor e o cheiro do chá, os europeus começaram a apreciar
muito os serviços de chá feitos de porcelana. Beber chá com serviços de porcelana
transformou a maneira da vida dos europeus, incluindo o modo de consumo, os gostos
e as práticas sociais. Os europeus não só usam as porcelanas para beber chá, como
também o fazem com o chocolate quente e o café, porque conseguem aguentar a
temperatura das bebidas quentes.

14
FRÓIS, Luís, Tratado das Contradições e Diferenças de Costumes entre a Europa e o Japão, Instituto Português
do Oriente, 2001, pág. 97.VER O QUE ESCREVI NA NOTA 11.
1.2 Misteriosa Ilha de S. João (Shangchuan) e os pedaços de porcelana

Em 2016, o Instituto de Pesquisa Provincial de Relíquias Culturais e


Arqueologia de Cantão realizou uma série de escavações e pesquisas arqueológicas na
Ilha Shangchuan ( 上川 , shangchuan),15 cujo nome deriva de São João. A ilha é rica
em portos naturais e serviu como um importante marco de navegação para a rota
marítima desde a dinastia Song. A ilha, no litoral de Cantão, medindo 156,7
quilômetros quadrados, é uma das maiores ilhas do Delta do Rio das Pérolas.
A escavação centrou-se na praia Huawanping ( 花 碗 坪 , huawanping), onde
desenterrou um grande número de peças de porcelana azul e branca. A maioria da
porcelana de exportação relaciona-se com as atividades comerciais portuguesas ao
longo da costa sudeste da China durante a dinastia Ming.
Esses fragmentos de cerâmica são pedaços de tigelas ou pratos. Segundo as
características do esmalte e da pasta, bem como a técnica de produção, por um lado,
pode-se indicar que essas cerâmicas são produtos de Jingdezhen; por outro lado, é
possível datar esses pedaços do período que vai do ano 1514 até ao ano de 1557, ou
seja, entre o ano 9º ano do período Zhengde e 36º ano do período Jiajing.16 A maioria
dos cacos é decorada com padrões tradicionais chineses, como flores, nuvens e fênix.
A descoberta sugere que a ilha de Shangchuan serviu como entreposto
comercial de transição para o comércio sino-português antes de os portugueses

15
http://www.cnts.gov.cn/jmtsswgj/gkmlpt/content/2/2588/mpost_2588261.html#4437
16
https://xueshu.baidu.com/usercenter/paper/show?paperid=931c345ac25b28ff4dcccbe892be5151
tomarem Macau como seu principal assentamento em 1557. Curiosamente, algumas
peças estão pintadas com a Ordem da Cruz de Cristo, emblema da histórica Ordem de
Cristo portuguesa, testemunhando assim a presença portuguesa e católica na ilha.
Em maio de 1513, com ordem do governador de Malaca Afonso de
Albuquerque, o explorador português Jorge Álvares chegou à costa chinesa, mais
precisamente a uma ilha no Delta do Rio das Pérolas, a que chamaram “Tamão”. Mas
a localização de Tamão precisa do assentamento português e, por isso, permanece
uma questão de debate entre os historiadores. Renderizado em chinês, o nome é
idêntico ao Distrito de Tuen Mun ( 屯门区 , Tun men qu), atualmente em Hong Kong.
Isso leva alguns pesquisadores a vincular Tamão da dinastia Ming a Tuen Mun (屯门,
Tun men) nos Novos Territórios de Hong Kong.
Contudo, as fontes portuguesas afirmavam claramente que Tamão era uma ilha.
Como TuenMun não é uma ilha, alguns pesquisadores propuseram que Tamão possa
realmente referir-se a uma das ilhas próximas.
Um historiador macaense, José Mária Braga, refere-se a uma ilha que é hoje em
dia a ilha de Lingdling ( 伶 仃 , Ling ding) e é amplamente seguido pela erudição
ocidental. No entanto, estudos chineses recentes argumentam que essa identificação é
insuficientemente apoiada por evidências históricas e sugerem várias outras ilhas
como a vizinha Chek Lap Kok ( 赤鱲角 , chì liè jiǎo) ou a ilha maior de Lantau ( 大屿
山,da yu shan).
De acordo com a verificação duma arqueóloga Huangwei (黄薇, huang wei), no
norte do cais de Sanzhougang da ilha de Shangchuan, há um lugar com o nome de
“Daao” (大澳 , Da ao ) que, no dialeto local, se pronuncia “Daao”, foneticamente
parecido de Tamão. Para essa arqueóloga, a ilha Shangchuan é Tamão.

Fragmentos de pratos azuis e brancos do período Zhengde


(1506-1521) e Jiajing (1522-1566), escavados na ilha de
Shangchuan.
Fragmento da ilha de Shangchuan com símbolo Ordem da
Cruz de Cristo.

Símbolo de “Ordem da Cruz de Cristo” de Portugal.

Na aldeia de estalagmite de Shangchuan há um monumento memorial de pedra


que foi estabelecido por Jorge Álvares, com as armas de seu reino. A intenção era, é
claro, comemorar a sua “descoberta” da China. Um filho seu havia morrido, e ele
sepultou-o em Tunmên. Foi ao pé do mesmo monumento que ele próprio foi enterrado
sete anos depois, quando morreu de uma doença noutra visita à China.
Há uma capela anexa ao cemitério de São Francisco Xavier, estabelecida em
memória do missionário católico conhecido por suas extensas viagens pela Ásia. Ali
também foram recuperadas algumas peças de porcelana azul e branca com a Ordem
do Cruz de Cristo. Francisco Xavier chegou à ilha de Shangchuan em 1552, mas
morreu logo depois no mesmo ano.
Em 1639, os jesuítas em Macau construíram um túmulo para o santo como
objetivo de marcar o local de sepultamento original depois que o corpo foi levado
para Goa, então capital da Índia portuguesa.
Depois de 1864, o catolicismo francês chegou à ilha e continuou a missão de
São Francisco Xavier. A capela atual foi patrocinada pelo bispo Guillemin entre 1867
e 1869.
As histórias da coluna na aldeia de estalagmite e São Francisco Xavier na ilha
Shangchuan, talvez sejam referências importantes para apontar as atividades de
comércio e contrabando dos portugueses, também como atividades missionárias
quando inicialmente chegaram à China.

Igreja de São Francisco Xavier na ilha de Shangchuan

Coluna na aldeia de estalagmite da ilha de


Shangchuan

Capítulo II - O contexto da chegada da porcelana chinesa a Portugal


2.1 A situação da porcelana chinesa em Portugal antes do século XVI

A porcelana foi introduzida na Europa no século XIV. Era considerada um


objeto raro e luxuoso, valorizado tanto pela sua durabilidade quanto pela sua
delicadeza e origens exóticas.
A origem do nome da porcelana no mundo ocidental ainda não é inteiramente
clara. Este nome não tem nenhuma ligação com os caracteres chineses, e a sua
pronúncia também não parece chinesa”.17 De facto, este nome apareceu pela primeira
vez na Europa e foi utilizado por Marco Polo.
Entre 1271-1275, este viajante italiano percorreu a China. Durante as suas
viagens de dezassete anos, visitou uma fábrica de porcelana e afirmou que porcelana
era exportada para todo o mundo.18 Trouxe a porcelana chinesa para a Europa: um
pequeno frasco verde-acinzentado junto de uma abundância de brocados de seda,
especiarias e frascos de aromas almiscarados.19
Marco Polo utilizou a palavra “porcellana”, um apelido italiano de concha para
descrever uma peça de porcelana branca que viu na província de Fujian. Descreveu as
peças como objetos semelhantes ao nacarado das pequenas conchas. Talvez Marco
Polo tenha encontrado semelhanças da superfície entre porcelana e pequenas conchas:
o brilho, a brancura, a delicadeza e a beleza. 20 No Dicionário Etimológico da Língua
Portuguesa, afirma-se que a palavra italiana “porcellana” é “caurim, molusco de
concha branca e brilhante, designação aplicada depois à porcelana por se
assemelhar àquele animal e por se julgar que a louça se obtinha com aquela concha
pulverizada.”21
Usufruídas na sua plenitude e fazendo parte do quotidiano das Cortes Persas e
Otomanas, através do contacto estabelecido com os países do Próximo e Médio
Oriente, estas peças chegaram ao Ocidente, sendo inicialmente adquiridas por classes
sociais economicamente favorecidas.22
Em 1330, o bispo da Índia, Padre Jordanes, envia para a Europa as notícias de
que vinham da China os mais nobres, valiosos e belos vasos de porcelana 23.
Os europeus também criaram vários mitos para a porcelana, como exemplo,
“deitando veneno numa xícara desta preciosa matéria, logo ela se partia, revelando

17
Dias, 1996. P17
18
https://www.comes.com.br/post/a-história-da-porcelana
19
https://www.newyorker.com/books/page-turner/the-european-obsession-with-porcelain
20
https://www.newyorker.com/books/page-turner/the-european-obsession-with-porcelain
21
Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa, José Pedro Machado, p.402
22
Dias, 1996. P17
23
http://www.hottopos.com/notand21/NOTANDUM21.pdf.
o crime e desmascarando o criminoso.”24 Apesar de falta, esta história permite-nos
entender o fascínio dos europeus por este produto exótico.
As referências textuais portuguesas atestam a presença da porcelana na corte
real de Lisboa já no final do século XV. Portugal é assim a primeira potência ocidental
que transformará a porcelana da China num produto de grande procura, sendo
responsável pelas primeiras encomendas europeias.
Como já foi referido anteriormente, o Vasco da Gama apresentou ao D. Manuel
I e à sua Rainha as porcelanas que havia comprado em Calecute: vêm da India, fazem-
se na China,25 quando o navegador regressou da Índia a Portugal em 1499.
Apesar de não ter tido quaisquer contactos diretos com a China, trouxe as peças
de porcelana chinesa, começando assim uma grande ligação comercial e cultural que
dura há muitos séculos. Vasco da Gama saiu de Lisboa em 8-7-1497 com quatro naus
e 160 homens, chegando à Índia em 1-5-1498. Após cerca de três meses na Índia,
voltou a Lisboa, onde chegou a 20-8-1499, com um tempo total de viagem de cerca de
vinte e seis meses e um rico carregamento nos porões, incluindo as primeiras peças de
porcelana chinesa. 26
Foi recebido por D. Manuel I e Nicolau Coelho transportou para a Casa da
Rainha no Palácio da Alcáçova depois do seu regresso, “[...] huma arca, em que
vinhão todo as joyas e panos para ElRey [...] Nicolau Coelho abrio a arca, e
apresentou no estrado da Rainha os colares e joyas, e panos d’ElRey de Cananor e
Melinde, e as cartas nas folhas d’ouro, e o pedaço do ambre, que a Rainha mais
estimou, e assi o almiscre e bejoim, e porcelanas que se comprerão em Calecut.” 27
D. Manuel ficou tão impressionado comas peças de porcelana que possuía no
seu guarda-roupa “[...] quatro porcelanas da Chyna de prata branca forradas de fora de
cana tecida [...]”, 28 e escreveu <<grandes quantidades de peças de porcelana que vêm
de outras províncias para a Índia para vender...os nossos homens trouxeram apenas
umas quantas peças”. 29

24
Malta, 1994, p.14
25
Gaspar Correia, Lendas da Índia, Vasco da Gama cap 22. Vol I. P.141
26
Nuno, 1987, p.XV
27
Correia, 1922, p. 140-141
28
Dias, 1996, p. 24
29
Maria Antónia Pinto de Matos, ―The Portuguese Trade‖, in Oriental Art, vol. XLV-1, 1999, p.22.
Em 1556, Frei Gaspar Correia também refere no seu livro Lendas das Índias as
primeiras peças de porcelana chinesa com que Vasco da Gama presenteou D. Manuel
I quando regressou da Índia: “huma panela de porcelana [com] cinquenta papos de
almíscar, seis bacios de porcelana grandes como grandes gamelas [...] e seis
porcelanas couas, que quada huma leuaria dez canadas d’agoa.”30
As porcelanas trazidas por Vasco da Gama abrem um novo capítulo da história
da porcelana. Os portugueses esforçam-se cada vez com a importação para Ocidente
de porcelanas exóticas, estimulando assim a comunicação cultural entre Oriente e
Ocidente.

Nota: desenvolver a seguinte ideia: como é que a importação de porcelanas


contribuiu para estimular a comunicação cultural entre Oriente e Ocidente?

Os chineses criaram uma divindade especial para a arte de porcelana. Os


europeus também atribuíam à porcelana propriedades mágicas. O povo do império
Otomano acreditava que a porcelana rachava no caso de conter substância venenosa; o
povo do império islâmico pensava que a porcelana mudava de cor quando posta em
contato com veneno. Hoje sabemos que não é possível examinar o veneno com a peça
de porcelana, todavia, a ideia do envenenamento ficou enraizada nos espíritos ao
longo dos séculos, e por certo a presença de porcelana evitou muitos assassínios.
Antes do século XIV, as colheres, os copos e até os pratos, são muito raros. A
maioria dos europeus cortava o pão às fatias, utilizando-as como <<prato>> da
comida. Até ao século XVII, a porcelana e o chá propagam-se entre os povos
europeus. A maneira de comer e os gostos da vida transformaram-se.
Graças aos portugueses, o chá chegou à Europa no século XVI. O padre jesuíta
Cruz, em 1560, foi o primeiro europeu a contatar diretamente com o chá e a escrever
sobre ele. E mais tarde, devido à intervenção da portuguesa D. Catarina de Bragança,
entre 1652 e 1654, o chá chegou à Inglaterra. Na corte, começou a servir-se esta

30
Lendas das Indias, INCOMPLETA
bebida e o mais significante ainda foi a instauração da tradição britânica de ―Chá das
Cinco‖. Nesse caso, para realçar a beleza da cor e o cheiro do chá, toda gente aprecia
muito os copos de porcelana. O chá, servido na porcelana, ia mudando a vida
portuguesa e europeia, incluindo o modo de consumo e as práticas sociais, tornando-
se num elemento indissociável da personalidade das pessoas e da maneira de ser. Não
apenas o copo de porcelana para tomar chá, como também qualquer peça de porcelana
com paisagem e expressões chinesas podiam provocar o interesse dos europeus pelos
modos de vida chineses.
Além disso, o consumo de bebidas quentes como o chá, o café e, mais tarde, o
chocolate quente, tornava ainda mais necessário o uso da porcelana. As faianças não
conseguem aguentar a temperatura das bebidas quentes, são porosas e estalam com
facilidade.
Os chineses gostam de decorar a porcelana com a história tradicional. Um dos
episódios mais frequentes era A história da ala ocidental (Em inglês: The West
Chamber, em chinês: 西厢记, em pinyin: xixiangji, é uma história romântica escrita
na dinastia Yuan): O rapaz educado, Zhangsheng, deparou-se com uma ragariga de
família rica e influente, Cui Yingying. Apesar de haver uma grande distância de
estatuto entre as duas famílias, eles ficam fascinados um com o outro, apaixonam-se,
trocam cartas de amor, saem juntos clandestinamente, enviando mensagens através da
criada pessoal, chamada Hongniang. Ultrapassadas as restrições e as regras sociais, os
dois ficam juntos. Encontrei o tema em duas peças no museu de Victoria e Albert em
Londres, uma da dinastia Yuan, e outra da dinastia Qing.
Os consumidores europeus não conseguiam perceber completamente o que a
história conta, nem sabiam a sua origem, mas a sua característica exótica atraía-os. Os
compradores europeus não sabiam nada sobre a história nem as personagens, mas elas
capturavam a elegância dos chineses, o espírito das imagens, a versão chinesa das
histórias de amor, até a característica reservada e terna das mulheres chinesas,
estimulando a sua paixão e fervor pela misteriosa cultura chinesa.
A paixão dos portugueses levou-os a imitar as peças chinesas, combinando as
suas imagens próprias com a paisagem natural chinesa. As pessoas com ―o nariz
grande‖ (as personagens europeias) vivem tranquilamente no mundo da fantasia da
China.
Quer no mundo real, quer no mundo espiritual, os europeus precisavam de
porcelana chinesa. Não foi apenas aceite a praticabilidade da porcelana, como
também, e mais importante ainda, o gosto pelo sentido estético da arte e a ideia
principal da sociedade chinesa. Sobretudo, apareceu mais tarde a decoração de
paisagem (em chinês: shanshui, como explicarei adiante) nas peças da porcelana
chinesa, apresentando os elementos chineses essenciais da natureza e da sociedade e
construindo uma imagem autêntica sobre a vida chinesa.
No artigo European Fantasies of Asian, Steven Paissien explorou as razões da forte

paixão pela cultura oriental dos europeus no século XVIII. Ele indicou que muitos motivos

estavam a funcionar ao mesmo tempo, mas o mais importante era de ordem psicológica:

<<relief that the Ottoman empire was beginning to crumble after the Turks‘ defeat at the

Siege of Vienna in 1683 and their threat to the continent fading. The Mughal empire in India

was also coincidentally collapsing, and this ―newly impotent‖ became a subject of
21
―escapist magic‖>>.
Portanto, o tema da chinoiserie31 foca exatamente um mundo ociental idealizado pelos

europeus: o povo com espírito gentil, sempre descansando e brincando tranquilamente no

pavilhão, em sintonia com a natureza, e passando o tempo harmonicamente. Este caso

certifica que as pessoas sempre querem o que não têm e até não são capazes de ter.
À medida que a técnica do fabrico de porcelana melhorou na China e o gosto pela

porcelana delicada cresceu na Europa, uma nova tendência apareceu e desenvolveu-se

rapidamente.

31
2.2 O desenvolvimento da porcelana na Dinastia Ming
A porcelana é um material cerâmico vitrificado, impermeável, duro, translúcido
e preparado com argilas muito finas. Neste tipo de produções eram utilizadas pastas
pouco plásticas, de cozedura branca que vitrificavam a elevadas temperaturas, mais
precisamente entre 1500ºC a 1700ºC. Este tipo de pasta - refratária ao calor e que,
depois de cozida, mantém a tonalidade branca – tem por base três componentes
fundamentais: caulino, feldspato e quartzo. A porcelana é uma das invenções mais
conhecidas e criativas na história chinesa, e gradualmente torna-se o melhor
instrumento de intercâmbio e divulgação culturais.
A palavra “China” em inglês significa porcelana. Há uma explicação para a
origem da palavra “China”, cuja pronúncia é parecida com o nome antigo de
Jingdezhen, uma cidade chinesa conhecida como “capital de porcelana”:

Alegadamente, Jingdezhen deu origem ao nome inglês do país. O antigo


nome da cidade é Changnan... No passado, Changnan era sinônimo de porcelana
e, com o tempo, comerciantes estrangeiros de cerâmica fizeram o nome soar
como “china”. O resto é história. 32

Um país é nomeado pela palavra porcelana no contexto de língua ocidental,


mostrando a importância essencial da porcelana chinesa na cultura mundial e, ao
mesmo tempo, mostrando o reconhecimento do Ocidente pela cultura chinesa.

32
Wings of China, No. 05, Vol. 198, 2011, p. 179.
A porcelana mais antiga, comummente chamada de “porcelana primitiva”,
apareceu durante a Dinastia Shang,33 mas a primeira porcelana em sentido real não foi
produzida até à Dinastia Han Oriental34. As técnicas de fabricação de porcelana
amadureceram na Dinastia Tang35. A partir da dinastia Song (960-1279), a arte da
porcelana alcançou um grande desenvolvimento e realizou-se o sistema do forno
oficial para satisfazer a demanda da corte real. Em 1004, o Imperador Zhenzong36
selecionou Jingdezhen para a produção de porcelana imperial. Nessa altura, a
porcelana azul e branca começou a atrair a atenção das pessoas e tornou-se a categoria
mais saliente.37 Na Dinastia Yuan38, com a grande fama e importância, Jingdezhen,
produziu porcelana azul e branca que mais tarde se tornou a fábrica mais significante
da porcelana. A Dinastia Ming (1368 - 1664) herdou e desenvolveu tradições e
técnicas de porcelana das dinastias anteriores e começou a alcançar uma “época
dourada” de desenvolvimento da porcelana. Foi o período mais importante na história
de porcelana.

O período Hongwu 洪武 (1368-1398)

33
Dinastia Shang, 商朝
34
Dinastia Han 汉朝,
35
Dinastia Tang 唐朝
36
Imperador Zhenzong 宋真宗,
37
https://www.chinaeducationaltours.com/guide/culture-chinese-porcelain-history.htm
38
Dinastia Yuan 元朝
Os fornos de Jingdezhen sofreram um declínio temporário durante a transição
da Dinastia Yuan para a Dinastia Ming. No início do período Hongwu, estabeleceu-se
o forno oficial em Jingdezhen, as porcelanas azuis e brancas continuaram a ser
produzidas para o palácio imperial. Mas o governo impôs a proibição do comércio
exterior naquele período, e o fornecimento de cobalto importado foi interrompido. Os
fornos oficiais usam principalmente o cobalto doméstico como pigmento de azul e
branco para o palácio imperial, fazendo com que as cores azul e branca adquiram um
tom cinza-claro, em comparação com a cor brilhante azul e branca do período Yuan.
Um desenvolvimento importante do período Hongwu foi o grande número de
porcelanas decoradas vermelhas de sob vidrado sendo produzido, e mais bens
herdados do que a porcelana azul e branca – REVER ESTA FRASE; NÃO É
COMPREENSÍVEL Isso deve estar relacionado com as regras habituais de

“vermelhidão é apropriada”红为宜 (hong wei yi)no período Hongwu. 39

Um jarro azul e branco, Dinastia Ming, Período Hongwu. Lote

vendido por 18.040.000 HKD na Christie's em Hong-Kong.

Um suporte do copo decorado vermelho, Dinastia Ming, Período


Hongwu, Lote vendido por 2.500.000 HKD na Christie's em Hong
Kong

39
https://www.britannica.com/art/pottery/Ming-dynasty-1368-1644
Períodos de Yongle 永乐 (1403-1423) e Xuande 宣德 (1426-1435)

Em 1405, durante as viagens diplomáticas de Zhenghe ao Sudeste Asiático, o

cobalto com nome Sumali Qing ( 苏 麻 离 青 , sumali qing) foi trazido para a China,

permitindo a retomar a produção de azul e branco imperial. Então, os períodos Yongle


e Xuande entraram nas idades de ouro da produção chinesa de porcelana azul e
branca. Com o seu estilo artístico único, tornou-se um modelo para as gerações
posteriores de produção de porcelana azul e branca.

A porcelana que representa melhor o imperador Yongle é “branco doce” (甜白,

tianbai), amplamente produzida ao gosto do imperador Yongle. É composta por um


esmalte branco especial de aparência suave e cremosa, com um estilo branco
monocromático distinto em relação à porcelana que havia sido deixada sem
decoração. A porcelana vermelha sacrificial sob vidrado também se tornou popular. O
facto de muitas vezes ser aplicada em altares a porcelana sacrificial originou esta
designação.
O Imperador Xuande da Dinastia Ming, ascendeu ao trono em 1424. Durante o
seu reinado, envidou todos os esforços para desenvolver a economia social e defendeu
a criação artística, criando uma nova era para o desenvolvimento político, económico
e cultural da Dinastia Ming. O gosto extremo do imperador Xuande pela arte
promoveu grandemente o desenvolvimento completo da arte de porcelana. O reinado
de Xuande só dura 10 anos, mas a quantidade de porcelanas produzidas era enorme.
Um vaso de porcelana excepcionalmente vidrado em tianbai, do

período Yongle (1403-1424). Lote vendido por 2.450.000 USD,

no 17 de setembro de 2008, em Christie's de Nova Iorque.

Magnífico e raríssimo jarro “dragão” azul e branco, da época

Xuande (1426-1435). Vendido por HK$ 158.040.000 em 30

de maio de 2016 na Christie's de Nova lorque.

Prato vidrado a vermelho, período Xuande (1426-1435).

Recolhido pelo Museu Provincial de Hunan.

Os períodos interregnos - períodos de Zhengtong 正统 (1436-49), Jingtai 景

泰(1450-56) e Tianshun 天顺 (1457-64)

Nenhum exemplo de louça imperial com marca de reinado foi encontrado


durante essa duração comummente denominada período de interregno. Este foi um
período de agitação política. Com base nos registos oficiais, o forno oficial não cessou
a produção, mas a produção foi em escala muito reduzida.
Período de Chenghua 成化 (1465-1487)

Por causa da situação política estável e da economia próspera durante o reinado


do imperador Chenghua, a fabricação de porcelana começou a reviver após a
estagnação nos três reinados anteriores. As porcelanas imperiais de Chenghua têm
características únicas entre os vários tipos na Dinastia Ming. A cerâmica azul e branca
no período Chenghua usa principalmente azul cobalto doméstico, um cobalto local

chamado 平等青 ou 坡塘青 (pingdeng \ potang qing), extraído na província Jiangxi.

Tem uma cor mais pálida e elegante, quando aplicado sobre o motivo; o azul é mais
uniforme, diferente das cores brilhantes nos períodos Yongle e Xuande e significa a
mudança de estilo dos fornos reais na dinastia Ming.

A porcelana de Cores Conflitantes ( 斗彩 doucai) representa o padrão mais alto

de artesanato no período Chenghua e é justamente considerado como um dos picos de


excelência na história da porcelana chinesa. É uma técnica de combinação de azul e
branco sob vidrado com a aplicação de esmaltes sobre o vidrado. Na decoração de
Cores Conflitantes, com base na porcelana azul e branca suave sob vidrado, os
pigmentos sobre o vidrado são usados para a coloração secundária preencher o espaço
dentro do contorno da azul e branca. 40

Tigela azul e branca com desenho de flores, período

Chenghua (1465-1487). Coletado pelo Instituto de

Pesquisa de Arqueologia de Cerâmica Jingdezhen.

40
https://www.britannica.com/art/pottery/Ming-dynasty-1368-1644
Jarra coberta de cores conflitantes, o desenho de

animais oceânicos, período Chenghua (1465-1487).

Coletado pelo Instituto de Pesquisa de Arqueologia

de Cerâmica Jingdezhen.

Períodos de Hongzhi 弘治 (1488-1505) e Zhengde 正德 (1506-1521)

As porcelanas imperiais produzidas durante o período Hongzhi e Zhengde


continuaram essencialmente a usar técnicas decorativas do período Chenghua.
Hongzhi é um imperador frugal e capaz de manifestar empatia pelos sofrimentos do
povo. Durante o seu reinado, registros oficiais mostraram que ele emitiu decretos em
várias ocasiões para reduzir a produção nos fornos oficiais. Criou uma decoração de

esmalte amarelo brilhante chamado “amarelo delicado” 娇 黄 (jiao huang) nessa

época, cuja vaidade é fina e suave, juntamente com a cor e o brilho delicados,
atingindo assim o nível mais alto da história da porcelana.
Durante o reinado de Zhengde, um tipo de porcelana esmaltada colorida com
três cores principais - amarelo, verde e roxo - tornou-se muito popular em
Jingdezhen.41 Devido à sua simplicidade e asseio, bem como à sua elegância, também

recebeu outro nome - porcelana tricolor lisa ( 素三彩 , Susancai). Na China antiga,

41
http://en.chinaculture.org/library/2008-01/22/content_46696.htm
havia um ditado que dizia que “vermelho é cor de carne, não vermelho é cor lisa” 42.
Susancai não usa vermelho, e a cor do esmalte usada é principalmente "cor lisa", daí o
nome. A porcelana de esmalte verde malaquite também alcançou as maiores
conquistas.43

Tigela de vidro amarelo delicado da época Hongzhi (1488-1505),

coletado pelo Museu do Palácio, Pequim.

Tigela 'Dragon' esmaltada em verde do período Zhengde (1506-

1521). Lote vendido 420.500 USD em Christie's de Nova Iorque.

Pote retangular de narciso susancai da época Hongzhi (1488-1505),

coletado pelo Museu do Palácio, Pequim.

Períodos de Jiajing 嘉靖 (1522-1566), Longqing 隆庆 (1567-1572) e Wanli

万历 (1573-1620)

No período Jiajing, um cobalto importado chamado 回 青 hui qing foi

descoberto, e misturado com cobalto local, produzindo um azul violeta distinto. A


porcelana azul e branca pode ser vista numa surpreendente variedade de tons,

42
红为荤,非红为素。
43
https://www.britannica.com/art/pottery/Ming-dynasty-1368-1644
variando de um tom arroxeado escuro profundo a azul safira e violeta suave. Por isso,
a porcelana azul e branca tornou-se a mais popular naquela época.

A decoração de 五彩 (wucai) também era popular, atingindo o auge no período

Jiajing. Wucai significa literalmente decoração de “cinco cores”: azul, amarelo,


vermelho, verde e branco do corpo da porcelana. 44 Os estilos de Jiajing foram, até
certo ponto, continuados nos reinados seguintes dos imperadores Longqing e Wanli.
A porcelana imperial produzida durante o curto período Longqing era de uma
quantidade relativamente pequena e consistia principalmente em azul e branco.
O reinado de Wanli foi longo e a produção de porcelana enorme. Basicamente,
as espécies de porcelanas produzidas eram uma continuação daquelas do período

Jiajing. No entanto, uma categoria azul e branca com cinco cores 青花五彩 (Qinghua

wucai) destacou-se, cuja técnica é igual a 斗彩 doucai. A diferença encontra-se no

tom de cor dos esmaltes e na maior intensidade de uso do vermelho, combinado com

o azul violeta. Chama muito a atenção. 青 花 五 彩 (Qinghua wucai) não tem a

elegância suave, silenciosa e delicada do doucai no período Chenghua, mas tem um


charme de inocência.45 IDEIA MUITO INTERESSANTE
Durante o Jiajing e no período Wanli, as encomendas imperiais de porcelanas

eram enormes. Desde o período Jiajing, existe um sistema chamado 官搭民烧 (guan

da min shao)46, ou seja, o governo ordenou a produção de porcelana em fornos


privados. O sistema foi implementado porque os fornos oficiais não conseguiam
atender a demanda imperial; por consequência, a produção das porcelanas foi

44
https://www.christies.com/features/Ming-era-art-collecting-guide-8736-1.aspx
45
https://gotheborg.com/qa/ming_porcelain.shtml
46
Fornos comerciais selecionados foram amarrados para completar a maior parte do pedido do palácio a um preço
baixo. Se os fornos comerciais não conseguissem atender ao pedido, eram forçados a suprir o déficit comprando-os
do forno oficial a um preço alto.
basicamente subcontratada a fornos privados.
Isso infligiu grandes sofrimentos aos fornos comerciais, mas também obrigou os
fornos privados a tornarem-se rapidamente mais eficientes. Essas mudanças
permitiram a produção de grandes quantidades de porcelana durante esse período.
Em última análise, as inovações de eficiência e fabricação impulsionadas pelos
decretos permitiram que os fornos privados aumentassem massivamente a produção.
Como resultado, podemos vender porcelanas não imperiais para um grande mercado
doméstico e global, destacando-se a porcelana azul e branca como a mais comum de
todas as mercadorias Ming no Ocidente. 47

A jarra de azul e branca com cinco cores do A caixa de porcelana azul e branca do período
período Wanli (1573-1620), coletado no Museu Jiajing (1522-1566), colectado no Museu de
Nacional, Pequim. Palácio, Pequim.

Períodos de Taichang 泰昌 (1620) Tianqi 天启 (1621-1627) e Chongzhen 崇

祯(1628-1644)

Após a morte de Imperador Wanli, a demanda por porcelanas para o palácio


imperial diminuiu. O país foi atormentado por rebeliões civis e ameaças dos manchus.
Muitos estudiosos de cerâmica acreditam que o forno oficial deixou de funcionar
depois de Wanli. Existem muito poucos exemplos conhecidos de porcelana com
marcas dos dois reinados.
Em suma, a fábrica de porcelana imperial foi estabelecida em Jingdezhen no

47
https://www.britannica.com/art/pottery/Ming-dynasty-1368-1644
início da Dinastia Ming (1368-1644), e a partir desta época a posição de Jingdezhen
como centro de produção de porcelana consolidou-se. As mercadorias imperiais
especialmente fabricadas para uso na corte foram feitas de forma particularmente
requintada. A partir do período Yongle, as marcas de reinado dos imperadores
começaram a surgir gravadas nas porcelanas.
Além de porcelanas monocromáticas e azuis e brancas sob vidrado que
continuaram a ser produzidas entre as peças oficiais da Dinastia Ming, como antes

referido, as inovações surgiram ao longo do período, como o jihong ( 祭 红 ) no

Xuande (宣德, 1426-1436), o doucai (斗彩, cores concorrentes) no Chenghua (成化,

1465–1488), jiaohuang (娇黃) no Hongzhi (弘治, 1488–1506), e wucai (五彩, cinco

cores) no Wanli ( 万 历 1573–1620). Todos são significativos na história do

desenvolvimento da porcelana da Dinastia Ming.


Além dessas inovações decorativas, a dinastia exportou porcelana para todo o
mundo nescala sem precedentes. Além de fornecer porcelana para uso doméstico, os
fornos de Jingdezhen tornaram-se o principal centro de produção de exportações de
porcelana em grande escala para a Europa, começando com o reinado do imperador
Wanli (1573-1620). Nessa altura, o caulim e a pedra de cerâmica foram misturados em
proporções aproximadamente iguais. O caulim produzia produtos de grande
resistência quando adicionado à pasta; também aumentava a brancura do corpo – uma
característica que se tornou uma propriedade muito procurada, especialmente quando
as peças azuis e brancas cresceram em popularidade.48

2.3. Encomendas portuguesas de loisa do Sul da China e a fase inicial das


atividades comerciais de porcelana entre Portugal e a China

48
https://www.britannica.com/art/pottery/Ming-dynasty-1368-1644
As grandes viagens marítimas realizadas pelos portugueses ao longo do século
XV culminaram na abertura de um caminho marítimo para a Índia, que permitiu o
estabelecimento de relações diretas, e a partir de então ininterruptas, entre a Europa e
os remotos mundos orientais.49 Ao longo do século XVI, os portugueses foram
promotores de um difícil processo de aproximação da Europa à China.
Em 1498, o Vasco da Gama finalmente chegou às Índias, abrindo uma nova rota
marítima comercial para Oriente. Assim ocorreram os primeiros contactos entre
Portugal e a China. As porcelanas e as sedas chinesas passaram a ser incluídas nas
cargas das naus que faziam a Rota do Cabo, ainda que em número reduzido, sendo
adquiridas na Índia, em Calecute.
Em 1508, o rei D. Manuel enviou Diogo Lopes de Sequeira em viagem pelo
Oriente para recolher notícias sobre a China, do seu povo, do seu comércio e da sua
religião. D. Manuel, ao dar estas instruções a Diogo Lopes de Sequeira, baseava-se no
que os portugueses tinham ouvido e aprendido no decurso da viagem à India de Vasco
da Gama: a memória de «homens brancos», que umas oito décadas antes ainda
comerciavam no oceano Índico. Eram os chineses, que a essas paragens se deslocaram
regularmente até à proibição imperial de os súbditos saírem do seu país. Mas o
viajante não conseguiu obter as informações pedidas, e voltou a Portugal.
Em 1510, Afonso de Albuquerque chegou à Índia e conquistou Goa, e pouco
depois, em 1511, chegou a Malaca onde estabeleceu contactos entre a sua armada e os
juncos chineses ancorados no porto. Os chineses amigáveis ofereceram-lhe um junco
chinês para retornarem à China. Os contactos foram favoráveis e Albuquerque pôde
escrever ao rei D. Manuel que “os Chins servidores são de Vossa Alteza e nossos
amigos”. A conquista de Malaca foi, pois, determinante para os primeiros contactos
com a China.

Depois de os portugueses ocuparem Malaca, estabeleceram ativamente postos


de negócios noutras partes do Sudeste Asiático e logo começaram a explorar as áreas

49
Rui Manuel Loureiro, Caminho da Porcelana REFERÊNCIA INCOMPLETA.
costeiras da China.
Em maio de 1513 chegou Jorge Alvares à China com ordem do governador de

Malaca. Afonso Albuquerque chegou a Tamão (Tunmendao, 屯 门 岛 , na provícia

Cantão) e trocou porcelanas e especiarias com os habitantes locais, tornando-se o


primeiro português a chegar à China. Todavia, Albuquerque não entrou na China
continental e morreu na ilha de Shangchuan. O registo documentado mais antigo
desta visita em detalhe sobre comércio sino-português é uma carta para o Duque
Giuliano de Medici, escrita pelo mercador italiano Andrea Corsali, que viajou para a
China com o navegador Rafael Perestrelo. A carta diz:

Os mercadores da terra da China também fazem viagens a Malaca através


do Grande Golfo para obter carregamentos de especiarias, e trazer de seu
próprio país almíscar, ruibarbo, pérolas, estanho, porcelana e seda e materiais
forjados de todos os tipos, como damascos, cetins e brocados de extraordinária
riqueza... No último ano, alguns dos nossos portugueses fizeram uma viagem à
China. Não lhes foi permitido desembarcar, pois dizem que é contra o seu
costume deixar estrangeiros entrarem nas suas habitações. Mas venderam seus

bens com grande lucro...50

Esta viagem pioneira também foi mencionada por outro italiano chamado
Giovanni da Empoli que estava ao serviço português:

Descobriram também a China, onde estiveram homens nossos que aqui


estão hospedados: que é a maior riqueza que pode haver no mundo. As grandes
coisas são tantas que vêm de lá, que são surpreendentes.51

50
Archivo Storico Italiano ,Henry Yule edit,Cathay and the way thither,being a collection of medieval
51
notices of China Vol. 1 ( UK: The Hakluyt Society,1915) ,p. 180.
As cartas apontavam que os dois locais principais nos primeiros contactos
comerciais entre Portugal e a China, além da Malaca (já ocupada pelos portugueses),
incluíam as áreas costeiras da China, onde os portugueses ancoraram e esperaram para
negociar privadamente com mercadores chineses. Entre as mercadorias exportadas
pelos mercadores chineses deveria haver porcelana.
O relato da riqueza da China e a perspetiva de um comércio lucrativo com ela
serviram de estímulo aos aventureiros portugueses. Consideravelmente, uma grande
quantidade de porcelana foi importada para Lisboa nestes anos. Por exemplo, João de
Sá, que foi “Tesoureiro das Especiarias” da Casa da Índia, 52 registou um total de 692
peças de porcelana e outros bens exóticos entre fevereiro de 1511 e abril de 1514.53
É provável que a porcelana chinesa tenha sido adquirida pelos portugueses
durante este período tenha sido constituída por peças do início e do meio da dinastia
Ming, encontradas na ilha de Shangchuan. No entanto, devido aos dados limitados, a
confirmação dos produtos no início do comércio sino-português ainda carece de mais
pesquisas.
A primeira visita oficial portuguesa foi a missão de Fernão Pires de Andrade a
Cantão em 1517, deixando na China uma missão diplomática encabeçada por Tomé
Pires. A embaixada efetivamente visitou Pequim em 1520-1521, mas foi recambiada à
procedência pela Corte Ming. Na China os portugueses depararam-se uma civilização
pouco permeável, pois as autoridades chinesas consideravam o Império superiormente
distinto de todas as vizinhas civilizações, encarando com grande desconsideração os
contactos com o exterior.
Além disso, os portugueses (tanto os da embaixada como muitos outros que,
entretanto, haviam chegado ao litoral cantonês) violaram repetidamente os protocolos
que regiam o comportamento dos estrangeiros. 54 Portanto, a partir de 1517 a tentativa
52
A Casa da Índia era uma empresa comercial real encarregada de administrar o comércio ultramarino com a Ásia.
Recebia, avaliava e armazenava todas as mercadorias, que eram vendidas sob o controle de funcionários públicos.
Numa tentativa de prevenir o contrabando, a Casa da Índia fiscalizava também a carga e descarga dos navios,
pagava as tripulações e fiscalizava todas as embarcações.
53
A. Braamcamp Freire, Cartas de Quitação del Rei D. Manuel I, Archivo histórico portugues, vol. 1, Lisbon,
1903, p. 75. Cited in Pinto de Matos, 2002–2003, p. 37.
54
Primeiro, os portugueses foram denunciados na corte imperial como violentos conquistadores pelos emissários
do antigo sultão de Malaca. Depois apresentaram-se falsamente como siameses, tentando contornar o preceito que
proibia a receção de embaixadas oriundas de países desconhecidos. Em terceiro lugar, seguindo um costume
tipicamente europeu, nas missivas diplomáticas abordavam o imperador chinês em pé de igualdade como el-Rei D.
Manuel. De seguida, desrespeitaram funcionários alfandegários em Cantão, tentando ainda construir uma feitoria
por parte dos portugueses de estabelecerem um relacionamento diplomático de igual
para igual, inevitavelmente sairia frustrada.
A morte do Imperador levou as autoridades chinesas, em 1522, a determinar o
fecho dos portos ao comércio com o exterior. No entanto, os portugueses recusaram-
se a interromper o comércio durante o funeral da corte, gerando um conflito ainda
maior. Os desacatos no litoral com os portugueses levaram as autoridades chineses a
publicarem um decreto de expulsão dos portugueses, negando-lhes a entrada em
Cantão.
Obrigados a saírem de Cantão, os portugueses voltaram-se para Quanzhou e
Zhangzhou na província de Fujian para o comércio, e mais tarde levaram os negócios
até Ningpo (é conhecido em português como Liampo) na província de Zhejiang,
descobrindo “mais de cinquenta portos melhores que os de Cantão”, como escreveria
um cronista português, Castanheda. 55
A influência portuguesa expandiu-se ao longo do Sul da China, especialmente
em Ningbo. Nesta altura, a atitude da corte Ming para com as atividades comerciais
portuguesas passou gradualmente de um estado embaraçoso de “não permitir que
paguem tributos, mas não as poder controlar”,56 tornando-se Ningbo o local mais
ativo para os portugueses fazerem atividades comerciais antes da abertura da área de
Macau.
Como o comércio era ilegal, grande parte do negócio era feito nas ilhas ao largo
da costa. Para ambas as partes, os negócios tinham os maiores aliciantes, pois a
nobreza local não apenas encorajava os contrabandistas, como frequentemente mexia
os pauzinhos, já que muitos comerciantes e nobrezas da costa haviam enriquecido por
meio do comércio exterior.
Os portugueses subornaram os magistrados locais de Fujian e Zhejiang para
poderem fazer o contrabando ao longo das costas das duas províncias. Esse
contrabando levava muita porcelana para Portugal, onde era vendida a altos preços.

fortificada numa das ilhas próximas de Tamão. Finalmente, seguindo um costume adoptado em outros portos
asiáticos, os portugueses compravam jovens chineses, dando lugar à difusão seguindo os quais se dedicariam à
antropofagia. Estes repetidos abusos, que pouco auspiciosamente, coincidiram com a morte do imperador
Zhengde, acabaram por indispor a burocracia mandarinal.
55
Rui Manuel Loureiro.
56
迄不许其朝贡,又无力以制之。《História de Ming》Vol.325,《Estrangeiro·VI· Frangi》,P.8433.
Embora oficialmente impedidos de visitarem Cantão, os portugueses não deixaram de
obter algum lucro com o comércio ali realizado. Assim, por volta de 1527, o capitão
de Malaca, Jorge Cabral, tentou a reaproximação ao Sul da China.Com efeito, o
capitão português recebera amistosamente “dois juncos de Chinchéu (Cantão), reino
sujeito a el-Rei da China”57. E, no sentido de reatar as boas relações mercantis,
encomendara a esses chineses do Fujian “algumas peças” de porcelana, pagando
antecipadamente. Nesse ano, enviou a João III uma carta, documentando outra ordem
real de porcelana, que refere que “encomendou também algumas peças de louça para
58
Vossa Alteza”. Os contrabandos em Cantão, Fujian e Zhejiang levavam grandes
quantidades de porcelana para Portugal, onde foram apreciadas pela coroa e a
nobreza, e vendidas a altos preços. O Sul da China tornou-se assim a principal base do
comércio português.
Galeote Pereira, no relato das suas viagens comerciais ao longo da costa da
China entre 1539 e 1547, e da sua captura e prisão em 1549, informa-nos que:

O sexto condado tem o nome de Quianssi (Jiangxi), como também a sua


principal cidade, e é aquela em que toda a porcelana fina é feita de Culio para
cima, sem que nenhuma seja feita em outro lugar e de Culljo para baixo em
todos os cidades da China; e esta cidade de Quiansi fica mais perto de Liampo
(Ningbo), sendo os portugueses ignorantes deste país, e encontrando grande
abundância daquela porcelana fina para ser vendida em Liampo, e aquela muito
boa barata, pensou a princípio que tinha sido feita lá, no entanto, eles
perceberam que a posição de Quiansi mais perto de Liampo do que de Chincheo
ou Cantão (Cantão), era a causa de tanta porcelana fina em Liampo.59

Muitas referências, porém, podem ser encontradas nos inventários da esposa de


D. João III, Catarina da Áustria. Um documento em pergaminho iluminado, redigido

57
Rui Manuel Loureiro
58
IANTT, Corpo Cronológico, part. 1, bundle 22, doc. 80. Cited in Pinto de Matos, 2011, p. 126.
59
Culio ou Culljo ainda não foi identificado. Citado em C. R. Boxer (ed.), South China in the XVI Century. Sendo
as narrativas de Galeote Pereira, Pe. Gaspar da Cruz, O.P., Pe. Martin De Rada, O.E.S.A., (1550–1575), Bangkok,
reimpressão de 2004, p. 5, nota 2.
em 1548 pelo camareiro-mor de Catarina, Francisco Velásquez, enumera 11
porcelanas de diversos materiais.60 Em 1555, Catarina comprou 320 porcelanas para a
sua mesa pela elevada quantia de 22.420 réis. 61 Em 1557, expôs quatro tigelas de
porcelana (uma amarela, outra preta e outras duas não especificadas) e três pratos
pequenos (dois amarelos e um preto) no seu guarda-roupa.62 As tigelas e pratos
amarelos podem ter sido como aqueles com esmalte amarelo monocromático feitos
nos fornos imperiais Ming em Jingdezhen durante o reinado do Imperador Jiajing
(1522-1566).
D. João III e D. Catarina terão também oferecido, durante o seu reinado,
numerosas peças aos diplomatas acreditados em Lisboa. É conhecida a peça doada a
Pompeo Zambeccari, Núncio Papal em Portugal de 1550 a 1553. Consiste numa tigela
em porcelana da China, azul e branca do período Jiajing (1522-1566), hoje no Museu
Cívico em Bolonha. A faixa central em prata, que rodeia a tigela, contém a seguinte
inscrição em latim. “Pompeius Zambecarius Sulmonensis - Nuntius - Ad Regem
Lusitan M-D-L II”, que significa “Pompeo Zambeccari de Sulmona Núncio ao Reino
de Portugal 1554”.63

“Quitação que a rainha D. Catarina mandou passar a Francisco Velasquez fidalgo da Casa d'El-Rei que foi seu guarda

jolas no ano de 1548", 88x44 cm, sinete no verso Museu Nacional de Arte Antiga. Legado Barros e Sá, Inv. n.° 25

60
Anemarie Jordan Gschwend, A Herança de Rauluchantim, Cat., Lisboa, 1996, p. 85.
61
ANTT, Corpo Cronológico, Part 1, Bundle 96, Document 147..
62
IANTT, Casa Forte, Livro da Cartuxa d’Évora 8, Prateleira VI, 69v.
63
Anemarie Jordan Gschwend, A Herança de Rauluchantim, Cat., Lisboa, 1996, p.112-113
A evidência material da variedade e qualidade da porcelana embarcada para
Lisboa no início da década de 1550 é também fornecida por achados arqueológicos
marítimos de dois naufrágios portugueses nas suas viagens de volta para casa: São
João e São Bento. O navio São João naufragou em 1552 e o seu navio irmão, São
Bento, naufragou dois anos depois, em 1554, ambos na costa leste da África do Sul.
Fornecem a evidência arqueológica mais antiga do comércio português de porcelana
registada até agora. Um estudo de quase 30.000 estilhaços que chegaram às praias
perto de Porto Edward, bem como às praias de Msikaba, onde se que o São João e o
São Bento, respetivamente, tenham naufragado, mostrou que as suas cargas de
cerâmica consistiam predominantemente de porcelana azul e branca feita para
exportação em fornos privados em Jingdezhen durante o reinado de Jiajing.64
As porcelanas variavam de alta a média qualidade, todas com formas puramente
chinesas e motivos decorativos derivados da natureza com associações taoistas, como
animais míticos (dragões, qilins, leões budistas e fênix), pássaros e peixes, além de
uma variedade de flores, frutas e bordas de volutas. A carga de São João também
incluía porcelanas decoradas com cenas de paisagens chinesas ou inscrições árabes.65
Os sobreviventes do naufrágio informam que “...a mercadoria em o navio,
pertencente ao rei e a outros, valia um milhão em ouro, pois um navio tão ricamente
carregado não havia deixado a Índia desde que foi descoberto”.66 Ambas as cargas
incluíam porcelana azul e branca mais grosseira de qualidade variável, produzida em
fornos privados em Jingdezhen ou no sul da China.
As semelhanças de estilo com fragmentos encontrados durante as escavações
arqueológicas no sítio de Huawanping, na ilha de Shangchuan, na província de

64
Tim Maggs , 'O Grande Galeão São João: restos de um naufrágio de meados do século XVI no Litoral Sul de
Natal', Anais do Museu de Natal, vol. 26 (1), 1984, p. 178; e Valerie Esterhuizen, ‘São Bento – Jiajing (1522–66)’,
em Roxanna M. Brown (ed.), Boletim do Museu de Cerâmica do Sudeste Asiático, vol. V, no. 3, maio-junho de
2008, p. 2, respetivamente.
65
Chris Auret e Tim Maggs, ‘The Great Ship São Bento: restos de um naufrágio português de meados do século
XVI na costa de Pondoland’, Annals of the Natal Museum, vol. 25 (1), outubro de 1982, pp. 12–34; Maggs, 1984,
pp. 175–180; L. Valerie Esterhuizen, ‘Chinese Ming Blue and White Porcelain Recovered from 16th and 17th
Century Portuguese Shipwrecks on the South African Coast’, Taoci, 1, Outubro 2000, pp. 93–99. L. Valerie
Esterhuizen, 'História escrita em cacos de porcelana. São João e São Bento, dois naufrágios portugueses do século
XVI», Taoci, 2 de Dezembro de 2001, pp. 111–116;
66
George McCall Theal, Registros do Sudeste da África, vol. VIII, Cidade do Cabo, 1898–1903, p. 134. Citado em
Burger, 2003, p. 34.
Guangdong, mostram que os portugueses provavelmente adquiriram algumas dessas
porcelanas azuis e brancas de alta e mais grosseira qualidade, bem como uma pequena
quantidade de porcelana decorada com esmaltes sobre vidrado, através dos
comerciantes de sucata chineses que frequentavam esta feitoria clandestina em
Shangchuan antes de 1557. As peças de porcelana compradas por Catarina da Áustria
em 1555, mencionadas anteriormente, sugerem que os envios de porcelana para
Lisboa eram regulares naquela época e provavelmente consideráveis.

Fragmento de uma tigela azul e branca do local do naufrágio dos fornos de São Bento (1554) Jingdezhen,

província de Jiangxi Dinastia Ming, marca do reinado de Jiajing e do período (1522-1566). © Valerie

As África
Esterhuizen, referências
do Sul históricas e arqueológicas comprovavam que apesar das relações
Apesar de as trocas comerciais entre a China e Portugal terem sido proibidas,
violentas e legalmente inexistentes entre 1522 e 1554, os portugueses continuaram a
comercializar e encomendar porcelanas. É possível concluir que uma quantidade
relativamente grande de porcelana foi importada para Portugal durante as primeiras
décadas de comércio direto com a China, principalmente para uso pessoal do Rei e
membros da corte real de Lisboa, ou enviada como presente para os seus parentes
residentes em outras cortes europeias, bem como para o clero.
O comércio sino-português foi oficialmente retomado em 1554. Nesse ano
Leonel de Souza, natural do Algarve, e o capitão-mor de Chaul fizeram um acordo
com a China. Segundo os termos deste acordo, os portugueses seriam autorizados a
comercializar nos portos chineses, desde que pagassem as taxas alfandegárias. Este
acordo abre um novo período nas relações comerciais sino-portuguesas.
Em 1557, os portuguese ocuparam Macau, conquistando uma grande remessa
de lucros sobre os produtos que seriam comercializados. Desde então, as grandes
quantidades da porcelana, seda, chá, pintura, papel e mobiliário que contam histórias
chinesas foram transportadas para todo o mundo através de Macau, que se tornou o
entreposto comercial internacional e o centro da Rota marítima da Seda, enquanto a
zona costeira, sobretudo Cantão começou a juntar a esta via.

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