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FILOSOFIA

ANALÍTICA
INE EAD – INSTITUTO NACIONAL DE ENSINO
FILOSOFIA ANALÍTICA

Sumário
FILOSOFIA ANALÍTICA ....................................................................................................... 1
FILOSOFIA ANALÍTICA ........................................................................................................ 3
UM POUCO DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANALÍTICA ...................................................... 3
Wittgenstein e o projeto analítico .......................................................................................... 6
O BACKGROUND ANALÍTICO ............................................................................................. 7
George Edward Moore (1873 – 1958) .................................................................................. 8
Gottlob Frege (1848 – 1925)............................................................................................... 12
O projeto de formalização da linguagem ............................................................................ 13
A ANÁLISE WITTGENSTEINIANA DA LINGUAGEM ......................................................... 14
Os Jogos de Linguagem ..................................................................................................... 16
Formas de Vida .................................................................................................................. 18
Gramática ........................................................................................................................... 20
LINGUAGEM E MUNDO: A REALIDADE COMO SOMBRA DA GRAMÁTICA................... 26
SUPERAÇÃO DA METAFÍSICA PELA ANÁLISE LÓGICA DA LINGUAGEM .................... 30
O significado de uma palavra ............................................................................................. 30
PALAVRAS METAFÍSICAS SEM SIGNIFICADO................................................................ 33
O SENTIDO DE UMA PROPOSIÇÃO ................................................................................. 36
PSEUDOPROPOSIÇÕES METAFÍSICAS .......................................................................... 38
A FALTA DE SENTIDO DE TODA A METAFÍSICA ............................................................ 43
METAFÍSICA COMO EXPRESSÃO DE UM SENTIMENTO VITAL .................................... 48
Enriqueça seus estudos...................................................................................................... 51
REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 52

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FILOSOFIA ANALÍTICA

A Filosofia analítica é uma vertente do pensamento contemporâneo,


reivindicada por filósofos bastante diferentes, cujo ponto comum é a ideia de que
a filosofia é análise - a análise do significado dos enunciados e se reduz a uma
pesquisa sobre a linguagem.
Inicialmente, Filosofia analítica assumiu a hipótese de que a lógica criada
por Gottlob Frege, Bertrand Russell e outros, entre o final do século XIX e o início
do século XX, poderia ter consequências filosóficas gerais e ajudar na análise
de conceitos e no esclarecimento das ideias. Um dos mais claros exemplos
dessa tendência é a análise de Russell de frases contendo descrições definidas.
Os primeiros filósofos analíticos foram Frege, Russell, George Edward Moore e
Ludwig Wittgenstein. Na Inglaterra, com Russell e Moore, opunha-se às escolas
procedentes do idealismo alemão, principalmente o hegelianismo, representado
sobretudo por J. M. E. McTaggart e F. H. Bradley.
Mas há várias correntes dentro da filosofia analítica; dentre elas, o
positivismo lógico, que se distingue pela rejeição de toda e qualquer metafísica.
Neste contexto, convém destacar o Círculo de Viena, de corte neopositivista,
fundado por Moritz Schlick e constituído por filósofos e lógicos austríacos e
alemães: Carnap, eventualmente Hans Reichenbach e, em seus primeiros
tempos, Wittgenstein. Suas teses foram proclamadas num manifesto,
Concepção científica do mundo (1929).

UM POUCO DA HISTÓRIA DA FILOSOFIA ANALÍTICA

Na passagem do século XIX para o século XX, a filosofia passou por uma
nova e profunda remodelação, a chamada "virada linguística", sob a influência
de Frege, Bertrand Russell e Wittgenstein. A atividade filosófica passou a ser
considerada basicamente como um método lógico de análise do pensamento.
Posteriormente, com os autores ligados ao Círculo de Viena e demais positivistas
lógicos, será vista como um método de análise do significado das proposições
da ciência; ou ainda, para autores como Peter

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Strawson, será uma tentativa de se descrever alguns dos conceitos fundantes


do nosso esquema conceitual. Nascia assim a chamada filosofia analítica.
O surgimento da filosofia analítica marcou, portanto, uma nova divisão
entre modos de se fazer filosofia. Os próprios filósofos analíticos forjaram o termo
Filosofia continental para referir-se às várias tradições filosóficas procedentes da
Europa Continental, principalmente da Alemanha e da França.
Com o início da Segunda Guerra Mundial, muitos dos principais
componentes do Círculo de Viena tiveram que fugir para os Estados Unidos, e
da síntese de sua filosofia – o positivismo lógico – com a cultura americana
nasceu uma nova corrente filosófica, o chamado Pragmatismo - ou o
"Pragmatismo moderno", uma vez que, como corrente filosófica, o pragmatismo
estava há mais tempo enraizado nos Estados Unidos, e precisamente com esse
nome, sobretudo nas obras de William James (1842-1910), Charles Sanders
Peirce (1839-1914) e John Dewey (1859-1952).
A filosofia analítica, através de suas sucessivas manifestações, sempre
comportou duas correntes: o empirismo lógico e a filosofia da linguagem
ordinária. Na primeira geração o empirismo lógico é representado por G. Frege,
cuja Begriffschrift (Halle, 1879) constitui a obra fundamental da lógica moderna.
Ele leva adiante o projeto leibniziano, que permanecera suspenso, de uma
"língua característica". Os Grundgesetze der Arithmetik (Breslau, 1884)
proporcionam a primeira definição lógica de número cardinal. No caso da filosofia
da linguagem ordinária, H. Sidgwick (1838-1900), em Method of Ethics (1874),
representa a resistência da tradição empirista inglesa contra o idealismo neo-
hegeliano na Inglaterra. Na segunda geração temos as filosofias de Russell, no
caso do empirismo lógico, e George Edward Moore, na filosofia da linguagem
ordinária.
A partir de meados do século XX, mais uma vez sob a forte influência de
estudos advindos do campo da Lógica – dessa vez especificamente da lógica
modal – houve uma retomada, por parte dos filósofos analíticos, de questões
metafísicas e epistemológicas, tal como tradicionalmente concebidas. Assim, a
partir de alguns escritos seminais de autores como Saul Kripke, Hilary Putnam e
Tyler Burge, passou-se mais uma vez a tematizar assuntos tais como o da
relação entre o sujeito e o mundo – ou, mais especificamente, entre o sujeito e

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seu ambiente físico e social – condições de identidade de objetos através de


mundos possíveis, etc. Nascia assim o externalismo.
Atualmente a filosofia analítica é a filosofia dominante nos departamentos
universitários de filosofia nos países de anglófonos, bem como nos países
escandinavos, em certos países do Leste Europeu, como a Polônia, e também
em Israel. Algumas vezes é entendida por oposição à filosofia continental.
Entretanto, considerando que algumas de suas raízes estão no continente
europeu, e.g., com os trabalhos de Franz Brentano, e alguns dos seus
seguidores (e.g. Alexius Meinong), em torno do conceito de intencionalidade,
talvez a alegada oposição seja apenas aparente.
Além da referência original à lógica contemporânea, não há ideia
unificadora ou dogma característico da filosofia analítica:
A epistemologia e a lógica de Frege opunham-se sobretudo ao empirismo.
Todavia, muitos filósofos analíticos posteriores, notadamente os positivistas
lógicos e Quine, defenderam posições empiristas e rejeitaram o racionalismo de
Frege. Filósofos analíticos mais recentes, como Tyler Burge, rejeitam o
empirismo e defendem o racionalismo.
Em lógica, Frege se opôs ao "psicologismo" de John Stuart Mill. Algumas
ideias atribuídas a Mill - e.g., que nomes próprios não têm o que chama de
conotação - voltaram a circular entre os filósofos analíticos. Saul Kripke, por
exemplo, defende uma teoria milliana dos nomes próprios, contra o alegado
descritivismo do que chama "a concepção de Frege-Russell".)
Russell, entre outros, defendeu posições realistas. Já seu primeiro aluno
e depois colega Wittgenstein parece ter sido, ao menos por algum tempo, um
anti-realista.
O Círculo de Viena e a filosofia da linguagem ordinária se opunham a toda
e qualquer metafísica. Hoje a metafísica floresce na filosofia analítica.
Até o início da década de 1950, o positivismo lógico era o principal
movimento dentro da filosofia analítica. No entanto, o movimento sofreu um
golpe mortal em 1951, quando Quine publicou "Dois Dogmas do Empirismo". Foi
o fim do positivismo lógico. Depois disso a filosofia analítica desenvolveu-se em
diversas direções. A ciência cognitiva e a filosofia da mente tomaram o lugar da
lógica e da filosofia da linguagem. Há uma metafísica e mesmo uma

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teologia analítica. Há uma filosofia política (John Rawls e Robert Nozick) e


diversos estudos sobre ética.

Wittgenstein e o projeto analítico

Ao final do século XIX surge uma nova


concepção de filosofia que se constitui como
uma reação ao idealismo especulativo de
inspiração hegeliana e ao empirismo
psicologista: a Filosofia Analítica da
Linguagem. Esse movimento tem origem em
Cambridge, sobretudo com George Edward
Moore e Bertrand Russell, e, paralelamente,
com Gottlob Frege na Alemanha. O recurso a
entidades subjetivas, como ideias e
representações mentais, ou a entidades
metafísicas, como formas e essências, é
questionado, já que são inverificáveis, inacessíveis a um exame empírico. Essa
reação levou a uma concepção de Filosofia como análise conceitual realizada
através de um método linguístico: é através da análise do funcionamento da
linguagem, dos princípios que governam seu uso, que podemos analisar o
pensamento. Devemos, portanto, explicar estes princípios para tornar possível a
análise do pensamento.
De acordo com Michael Dummett, a ruptura com a filosofia moderna (séc.
XVI-XVII), que tinha como questão central a epistemologia, a investigação sobre
a natureza e possibilidade do conhecimento, abre espaço para a questão
lógicolinguística, ou seja, o conhecimento não pode ser entendido
independentemente de sua formulação e expressão em uma linguagem,
caracterizando a assim chamada “virada linguística” (linguistic turn). É nesse
contexto que nasce a filosofia analítica contemporânea, que:
[...] define sua tarefa como a análise dos conceitos, visando desse modo
elucidar os problemas filosóficos [...]. A análise do conceito como parte da

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tentativa de solução de um problema filosófico não depende de uma


compreensão da história do conceito, de suas origens e evolução, mas sim, na
concepção tipicamente analítica, apenas da determinação da definição desse
conceito da forma mais clara e precisa possível.
Inicialmente, a análise, na perspectiva da filosofia da linguagem, é vista
como um procedimento, um método de investigação filosófica, que revela a
essência da linguagem examinando sua estrutura, isto é, mostrando como os
signos simples se relacionam entre si, e determinando como se dá a relação
entre esses signos e a realidade. Este método de análise vai sofrer profundas
alterações, como veremos em seguida. Mas a perspectiva analítica mantém seu
objetivo de produzir um esclarecimento filosófico sobre perplexidades geradas
por uma má compreensão da linguagem. Trata-se de analisar a linguagem como
forma de dissolver problemas filosóficos.

O BACKGROUND ANALÍTICO

A filosofia analítica não teve um desenvolvimento linear e homogêneo, ao


contrário, se deu de forma dispersa no tempo e no espaço, comportando uma
heterogeneidade de concepções. Danilo Marcondes distingue, em meio a essa
multiplicidade, duas grandes vertentes de análise. A primeira, que podemos
chamar de semântica clássica, se desenvolve a partir das obras de Frege,
Russell (sobretudo com a teoria das descrições definidas e com o atomismo
lógico) e Wittgenstein (com o Tractatus logico-philosophicus). Esta vertente
possui como traço comum a preocupação com a fundamentação da ciência,
utilizando a lógica como recurso básico. Marcondes inclui ainda nessa tradição
o positivismo lógico do Círculo de Viena, de início fortemente influenciado pelo
Tractatus de Wittgenstein. A segunda grande vertente, também conhecida como
“filosofia da linguagem ordinária”, parte da influência da „análise conceitual‟
proposta por
Moore, de Gilbert Ryle, do “segundo” Wittgenstein (sobretudo com as
Investigações Filosóficas) e de John Langshaw Austin e a Escola de Oxford. A
distinção entre essas duas correntes, no entanto, não deve ser pensada em
termos absolutos, já que elas interagem de diversas formas.

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George Edward Moore (1873 – 1958)

A reação de Moore ao idealismo absoluto


pode ser considerada um dos estopins do
movimento analítico. Essa investida de Moore
começou em 1898, e foi enraizada, não no
empirismo, mas no realismo. Ele defendeu a
visão antiidealista de que conceitos não são
abstrações de ideias, mas existências
independentes em si mesmas. Existências que se combinam para formar
proposições que são objetos de pensamento independentes da mente. A noção
idealista de que a unidade de uma proposição depende da atividade
sintetizadora da mente foi „jogada para escanteio‟ em favor de um platonismo
irrestrito, insistindo que as relações são objetivas e independentes da
consciência. Uma proposição verdadeira não corresponde à realidade, ela é
parte da realidade. A verdade e falsidade de proposições são absolutas, e não
uma questão de grau.
Negado o monismo dos idealistas, Moore passou a atacar a ideia de que
a realidade é subjetiva, espiritual ou mental. Afirmou que nenhuma boa razão
tem sido dada para a doutrina de que não existe distinção entre a experiência e
seus objetos, ou que o que nós percebemos não existe independentemente de
nossa percepção. Em outras palavras, ele insistiu que objetos do conhecimento
(incluindo proposições) existem independentemente de serem conhecidos. O
conhecimento de alguma coisa, seja por meio da percepção ou do pensamento,
é diferente do objeto que se conhece; é uma relação cognitiva exterior ao objeto
do conhecimento.
Em seus primeiros escritos, Moore evocou a noção de „análise‟ – um
método de fazer filosofia que iria ter grande influência sobre as próximas
décadas. A análise não foi concebida, inicialmente, para ser da linguagem, mas
de alguma coisa objetiva que é significada por expressões. Uma análise que se
aplicasse estritamente a entidades linguísticas – como a decomposição de uma
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expressão verbal em seus elementos simples constituintes, indicando-se sua


ordenação – não teria, para ele, relevância filosófica, já que não envolve
diretamente nenhuma determinação ou esclarecimento do significado da
expressão. A análise linguística não é um fim em si mesma, mas um método
através do qual conceitos são analisados e o significado das expressões
determinados, produzindo-se assim um esclarecimento. A análise de um
conceito seria a explicitação de seu significado, através de outra expressão
equivalente que o torne mais claro, possibilitando um melhor entendimento de
seu sentido e uma melhor determinação do objeto a que se aplica.
Embora Moore não esclareça qual é sua concepção da natureza do
conceito, de acordo com Hacker, fica claro que o conceito não é uma entidade
mental, o que nos traria de volta ao idealismo que é rejeitado por ele. O conceito
deve ser entendido como o conteúdo significativo das expressões verbais, ou
seja, Moore tomou o conceito como sendo o significado de uma expressão –
aquilo que a expressão substitui („stands for‟). Apesar de o conceito não se
confundir com a expressão verbal, é necessário usar expressões verbais,
através das quais o conceito se expressa, na análise.
A concepção de Moore do método filosófico estava distante da orientação
linguística que a filosofia assumiria subsequentemente. Para ele, o primeiro e
mais importante problema da filosofia é dar uma descrição geral de todo o
Universo, mencionando todas as coisas que sabemos estar nele, e como essas
coisas se relacionam.

Bertrand Russell (1872 – 1970)

Russell seguiu os passos de Moore na


crítica ao Idealismo, substituindo esta doutrina,
não pelo empirismo, mas pelo realismo
platônico. Para Russell a realidade consistiria
em uma pluralidade de itens externamente
relacionados uns aos outros de múltiplas de
maneiras.

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Ele aceitou a concepção referencialista de significado, a saber, que se


uma expressão tem um significado, então deve haver alguma coisa que ela
significa. Russell persuadiu-se que o caminho para a verdade em filosofia era a
análise, sendo essa essencialmente a decomposição de coisas conceitualmente
complexas (das quais o mundo supostamente consiste) em seus constituintes
simples e não analisáveis.
Dentro de pouco tempo, no entanto, Russell reformulou sua teoria (como
fez ainda outras vezes). Até aquele momento, Russell, como Moore, acreditava
que a expressão linguística de uma sentença era um meio transparente por meio
do qual ver a real questão da reflexão filosófica – a saber, as proposições. Eram
essas, seguindo seu ponto de vista, as portadoras de verdade e falsidade; e ele
as concebia, assim como Moore, como objetos não linguísticos, independentes
da mente, que contêm, não palavras, mas entidades objetivas. Sua teoria das
descrições (1905), ao mostrar que a estrutura gramatical de uma expressão pode
ocultar a verdadeira forma lógica da proposição expressa, gerou a possibilidade
de um racha entre essas estruturas. Assim, seria necessário submeter as
sentenças a uma análise lógica a fim de revelar ou tornar explícita a forma lógica
oculta. Essa teoria surge da análise de expressões que não possuem uma
referência ou denotação, e que, por não se referirem a nenhum objeto existente,
não são nem verdadeiras nem falsas. Isso pode ser percebido no exemplo
clássico da análise da sentença “O atual rei da França é careca”. Como não
existe um rei da França, a sentença não pode ser verdadeira; mas dizer que é
falsa implica dizer que o atual rei da França não é careca, o que não resolve o
problema. Essa questão teve muitas implicações para sua concepção de análise
filosófica, que se tornou um instrumento para descobrir a verdadeira forma lógica
das proposições.
Quando Russell começou a evocar a noção de que são fatos, ao invés
de proposições, que compõem o mundo, ele distinguiu a forma gramatical de
uma sentença da forma lógica do fato correspondente. Assim, argumentou que
a primeira tarefa da filosofia é a investigação das formas lógicas dos fatos do
mundo. A lógica e seu aparato técnico se tornaram ferramentas de análise,
permitindo-nos penetrar nas características desviantes da gramática ordinária

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para conseguir alcançar a verdadeira estrutura lógica das coisas, comum à


linguagem e ao fato. A função da análise da linguagem seria, portanto,
determinar os componentes últimos que constituem um fato na realidade.
A análise revela a verdadeira forma da sentença, indicando como suas
partes se articulam para formar o todo.
Isso significa que o método de análise é também um procedimento de
tradução de uma linguagem menos perfeita (a linguagem comum) – em que a
forma gramatical oculta a forma lógica (a estrutura comum à sentença e ao fato)
– para a linguagem lógica – que exibe a forma lógica de modo direto e explícito,
dissipando possíveis dúvidas e mal-entendidos.
Esse método supõe a existência de uma linguagem logicamente perfeita,
que deve espelhar a forma lógica dos fatos e então revelar a estrutura lógica do
mundo de maneira clara e correta, evitando equívocos e confusões.
A teoria das descrições forçou Russell a conceder maior importância a
investigação da linguagem e simbolismo do que fora dado até esse momento,
ao menos porque revelou quão enganadora é a linguagem ordinária, se tomada
como sendo um meio transparente através do qual investigar as formas das
proposições (ou fatos).
A força motriz da filosofia de Russell é o desejo de estabelecer uma
rigorosa fundamentação para o conhecimento. Com esse intuito, defendeu o
„método científico na filosofia‟. A filosofia, assim como a ciência, busca alcançar
o conhecimento – uma compreensão teórica do mundo. Ela difere das outras
ciências por sua generalidade e formalidade. Seu núcleo, a lógica, consiste de
proposições completamente gerais, e fornece critérios para se justificar a
determinação da relação verdadeira, correta, entre a linguagem e a realidade.
Seu interesse deve ser naquilo que é verdade em qualquer mundo possível,
independentemente dos fatos que só podem ser descobertos pela experiência
sensível.
Tanto Moore quanto Russell, em seus diferentes estilos de análise,
inauguraram a filosofia analítica do século 20. No entanto, ambos os filósofos
insistiram em enfatizar que sua análise era de fenômenos, e não da linguagem.
Mesmo assim, os fundamentos que deixaram foram rapidamente adaptados a
análise lógico-linguístico, assim que a „virada linguística‟ se deu na filosofia.

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Gottlob Frege (1848 – 1925)

Foi a obra de Frege que conferiu uma posição de


destaque à linguagem, ao afirmar que é apenas através
da análise da linguagem que podemos analisar o
pensamento. A filosofia da linguagem seria, assim, o
fundamento de toda outra filosofia. Frege pode ser
considerado, nesse aspecto, o precursor da filosofia da
linguagem de tradição analítica. É Frege, portanto, que
estabelece que o objetivo da filosofia deve ser a análise da estrutura do
pensamento; e que o único método apropriado para efetuar essa análise é
tornando explícitos os princípios que regulam nosso uso da linguagem.
Frege rompe com a teoria kantiana em seu caráter subjetivista (ainda que
transcendental) e em seu apelo à intuição pura na constituição do conhecimento.
Assim, distingue o objeto do conhecimento e seu reconhecimento, afirmando que
é o conteúdo objetivo da asserção que deve ser o objeto de investigação do
lógico. A tarefa filosófica seria a investigação do pensamento como algo objetivo,
impessoal e atemporal, e não como algo psicológico e subjetivo, como era
característico das correntes idealistas. O princípio da investigação filosófica é a
análise conceitual de definições, isto é, a análise do significado, e não de
processos mentais, subjetivos. A análise do significado, por sua vez, depende
de um modelo de como a linguagem funciona, da caracterização de sua
estrutura. É dessa forma que passamos aqui a uma primazia da investigação
lógica da linguagem.
É a discussão de Frege do problema do significado que constitui um dos
principais pontos de partida para o desenvolvimento da teoria semântica. Frege
estabelece uma distinção fundamental entre o sentido (Sinn) e a referência
(Bedeutung). A referência é o objeto designado, enquanto que o sentido é o
modo de designar o objeto, de determinar a referência, ou seja, o modo pelo qual
o objeto se apresenta. Duas expressões podem, portanto, ter a mesma
referência e diferentes sentidos.

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A Conceitografia (1879) de Frege toma como ponto de partida, como


afirma Marcondes, a concepção de que as proposições com significado têm um
conteúdo conceitual objetivo, e de que esse conteúdo não é adequadamente
representado pela linguagem comum, devendo ser possível construir uma
notação em que o conteúdo conceitual de qualquer proposição possa ser
expresso de forma mais clara e adequada. A tarefa filosófica pode ser vista,
então, como a determinação desse conteúdo objetivo a partir da crítica de sua
expressão na linguagem comum e de sua tradução para uma linguagem lógica
formal e depurada das imperfeições da linguagem comum. Segundo essa
concepção, a análise filosófica se dá através de um processo de tradução de
uma linguagem para a outra mais perfeita, em que os problemas da anterior são
resolvidos.
É a partir dessa concepção que se desenvolve a noção de análise lógica
como descrição semântica da sentença capaz de distinguir na linguagem os
elementos que refletem a estrutura do pensamento dos que não refletem.

O projeto de formalização da linguagem

Frege e Russell igualmente pensavam que as proposições lógicas são


verdades perfeitamente gerais. De acordo com Frege, as „leis do pensamento‟
que a lógica investiga são generalizações sobre proposições, conteúdos
julgáveis ou pensamentos. Uma proposição como “Chove ou não chove” é uma
instância particular de uma lei lógica, mas não uma lei lógica em si. As leis da
lógica governam tudo o que é pensável. Consequentemente a lógica é a ciência
das leis mais gerais da verdade. Eles acreditavam que os axiomas primitivos da
lógica são auto-evidentes, verdades indemonstráveis. O que é importante não é
o fato de que pensamos de acordo com essas leis, mas o fato de que as coisas
se comportam de acordo com elas. Em outras palavras, o fato de que quando
pensamos de acordo com elas, pensamos verdadeiramente.
Ambos os filósofos consideravam a linguagem natural logicamente
defeituosa. A gramática ordinária é um guia falível para as estruturas reais que
a lógica e filosofia devem investigar. A linguagem desenvolvida por Frege foi
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concebida para revelar a verdadeira estrutura do pensamento, que a linguagem


natural esconde. Todas as expressões em sua fórmula lógica são amplamente
definidas, sendo impossível formar expressões sem referência ou sentenças
expressando pensamentos sem valor de verdade. Russell, fiel ao atomismo
metafísico e a correspondência entre a proposição verdadeira e o fato, afirma
que, em uma linguagem perfeita, haverá uma palavra, e não mais, para cada
objeto simples, e tudo que não é simples será expresso por uma combinação de
palavras, derivada das palavras que se referem às coisas simples que formam o
objeto complexo de que se trata. Uma linguagem desse tipo seria completamente
analítica, deixando clara a estrutura lógica dos fatos afirmados ou negados.
É evidente, afirma Hacker, que, apesar dos grandes avanços na
formalização alcançada por Frege e Russell, havia muito pouco avanço na
compreensão acerca da natureza da lógica e proposições da lógica. Foram
essas questões que o jovem Wittgenstein confrontou na segunda década do
século XX.

A ANÁLISE WITTGENSTEINIANA DA LINGUAGEM

A obra de Wittgenstein parece consolidar as intenções do movimento


analítico: a rejeição ao idealismo e ao psicologismo, e a escolha do tema da
linguagem como central para a reflexão filosófica. No entanto, o trabalho do
filósofo reformula muitos pontos da discussão que vinha sendo travada no
interior da filosofia analítica.
Enquanto a filosofia da primeira fase da obra de Wittgenstein,
representada pelo Tractatus Logico-philosophicus, ainda se aproxima bastante
das ideias centrais de Russell e Frege, a segunda fase de sua obra, representada
pelos escritos posteriores a 1929, sobretudo pelas Investigações Filosóficas,
apresenta uma nova concepção de método filosófico e de análise da linguagem.
Enquanto antes a análise linguística se dava através de uma perspectiva
semântico transcendental, a partir das Investigações essa perspectiva passa a
ser pragmática, indicando a importância de se considerar a linguagem como um
modo de comportamento social, devendo ser examinada

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do ponto de vista de suas funções e efeitos que o contexto sócio-cultural lhe


impõe. Como afirma Danilo Marcondes, agora a linguagem não é mais
considerada tomando como base a forma lógica da proposição, a partir da qual
se determina sua relação com o real, isto é, sua verdade ou falsidade. A noção
de linguagem se dissolve em uma multiplicidade de “jogos de linguagem”, que
se definem como um todo, consistindo do “conjunto da linguagem e das
atividades com as quais está interligada”. A linguagem passa a ser entendida
como ação, como sistemas de atos simbólicos, e não como representação
mental ou sistema formal. “O termo „jogo de linguagem‟ deve aqui salientar que
o falar da linguagem é uma parte de uma atividade ou de uma forma de vida”.
Neste contexto, Wittgenstein produz uma transformação na discussão
clássica da filosofia ao negar a existência de uma essência metafísica,
apresentando a noção de “formas de vida” como o fundamento da linguagem, do
pensamento e do significado. Assim, quando investigamos a linguagem, estamos
igualmente investigando a realidade da qual falamos.
Esta mudança na concepção de linguagem reflete-se também na
concepção da tarefa da filosofia. Se desde o Tractatus Wittgenstein já afirmava
que a filosofia não é um corpo doutrinário, mas uma atividade de elucidação, nas
Investigações essa posição é radicalizada. A afirmação nas Investigações
Filosóficas de que “a significação de uma palavra é seu uso na linguagem”, de
que a linguagem “está em ordem tal como está”, ou que os problemas filosóficos
“nascem quando a linguagem entra em férias”, procura pôr em evidência que a
elucidação dos problemas filosóficos consistiria em “reconduzir as palavras do
seu uso metafísico para seu uso cotidiano”, negando uma abordagem
especulativa de um conceito, que consistiria em abstraí-lo do seu contexto de
uso, isto é, isolá-lo das diferentes funções que pode exercer em atos
comunicativos. É necessário examinar a linguagem a partir de seu uso,
considerando os jogos de linguagem, suas regras, seu contexto. Os problemas
filosóficos se originam, em grande parte, de uma consideração errônea,
equivocada, da linguagem e de seu modo de funcionar. Assim, Wittgenstein
defende que a filosofia deve apenas descrever a linguagem em seus contextos
de uso, negando a formulação de uma teoria ideal da linguagem. Dessa forma a
investigação filosófica se transforma numa análise gramatical, isto é, em uma

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análise do conjunto de regras de uso de palavras que explica o significado de


um termo nos diferentes jogos de linguagem de que participa. No §89 das
Investigações, Wittgenstein afirma: “Mas não que devêssemos descobrir com
isso novos fatos: é muito mais essencial para nossa investigação não querer
aprender com ela nada de novo. Queremos compreender algo que já esteja
diante de nossos olhos. Pois parecemos, em algum sentido, não compreender
isto”.
Delineado o contexto teórico em que se insere o pensamento de
Wittgenstein, passemos agora a discutir mais detalhadamente algumas noções
que assumem relevada importância em sua obra, apontando as transformações
que desencadearam na análise da linguagem.

Os Jogos de Linguagem

O projeto de análise do uso das palavras e das frases na linguagem


ordinária se consolida com o conceito de “jogos de linguagem”, que são sistemas
de comunicação completos em si mesmos, com regras e propósitos que se
justificam internamente. Descrevendo-se os diferentes jogos de linguagem em
que é usada uma mesma expressão, isto é, descrevendo-se os diferentes atos
comunicativos nos contextos sócio-culturais em que são realizados, elucida-se o
sentido da expressão. A análise deste conceito permite uma melhor avaliação
do novo método de análise linguística.
Ao destacar a importância do sistema de referência, Wittgenstein renuncia
à noção de objeto simples, central no Tractatus Logico-Philosophicus, bem como
no atomismo lógico em geral. O que corresponde agora ao nome, e é
imprescindível para que este tenha significação, é o sistema que é utilizado na
linguagem em ligação com ele, e não uma referência supostamente fixada por
alguma essência transcendental do objeto.
Wittgenstein rompe com as concepções tradicionais da linguagem ao
introduzir as noções de contexto e de ação do falante como relevantes para a
determinação do sentido. Essa tese nega a ideia de uma relação essencial entre
o signo e o objeto, justamente por aceitar que as expressões têm várias
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funções determinadas pelos contextos de uso, e não apenas a função


referencialista.
Afirma:
Quantas espécies de frases existem? Afirmação, pergunta e comando,
talvez? – Há inúmeras de tais espécies: inúmeras espécies diferentes de
emprego daquilo que chamamos de “signo”, “palavras”, “frases”. E essa
pluralidade não é nada fixo, um dado para sempre; [...] É interessante comparar
a multiplicidade das ferramentas da linguagem e seus modos de emprego, a
multiplicidade das espécies de palavras e frases com aquilo que os lógicos
disseram sobre a estrutura da linguagem. (E também o autor do Tractatus
Lógico-philosophicus).
Restringir as palavras de uma língua à função designativa significaria
identificá-las ao papel dos substantivos nas linguagens naturais. Mas,
evidentemente, nem todas as palavras designam objetos e mesmo quando não
são designativas podem ser compreendidas, tendo, portanto, sentido. Afirma
ainda que a exigência lógica da simplicidade do objeto exprime a necessidade
de que a definição ostensiva25 associe à palavra uma característica essencial do
objeto, abstraída de seus aspectos acidentais. Assim, a expressão
supostamente denotaria aquilo que constitui o objeto, o que ele é, a sua
essência.
A crítica de Wittgenstein não consiste apenas em mostrar que a
simplicidade é uma questão de contexto: que em certas circunstâncias um objeto
pode ser considerado como simples e em outras como composto de partes mais
elementares, mas em afirmar que a definição ostensiva pode ser sempre
interpretada, o que significa que tal como a definição verbal, a definição
ostensiva é ela também parte de um ato comunicativo onde os falantes
desempenham papéis determinados e dominam uma linguagem, de tal maneira
que atividades diferentes poderiam correlacionar uma mesma palavra com
objetos diferentes.
Wittgenstein considera que uma palavra em si mesma é morta, quem lhe
dá vida é o uso. Isto significa que a palavra é um instrumento do ato
comunicativo, uma ferramenta, e que só pode ser definida como palavra (e não
apenas como sinal) pelo papel que exerce no ato comunicativo, dentro do

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contexto geral em que a linguagem é usada, assim como as peças do xadrez,


que não representam coisa alguma, só assumindo significação dentro das regras
do jogo.
O conceito de jogo não admite uma definição „traço por traço‟. Assim, não
há qualquer conjunto de condições necessárias e suficientes para que uma
atividade seja definida como jogo; teoricamente, o conceito pode ser
indefinidamente estendido. Ademais, o objetivo do jogo permanece inteiramente
interno a ele, não sendo determinado em nada pelo exterior. Chamamos de
“jogos” determinadas atividades, não em virtude de um conjunto fixo de
propriedades comuns, pois não existe nenhuma definição precisa de jogo, o que,
no entanto, não nos impede de compreender ou explicar o que é “jogo”. O que
faz diversas atividades serem chamadas de “jogos” é uma rede de semelhanças
variadas, comparáveis às que observamos entre os membros de uma família.
Explicar o que é um jogo é antes de tudo dar exemplos, isto é, descrever jogos,
depois construir outros por analogia com eles, para mostrar o que deve ser
excluído da família dos jogos. “Os jogos de linguagem figuram muito mais como
objetos de comparação, que, através de semelhanças e dissemelhanças, devem
lançar luz sobre as relações de nossa linguagem”. Os exemplos usados para
explicar “jogo” são paradigmáticos, isto é, “centros de variações”. Mas mesmo
que não tenha limites nítidos, o conceito de jogo não deixa de ter unidade. Sua
extensão não é rigidamente demarcada. A explicação envolve o uso de
paradigmas, sem que se precise especificar o grau de semelhança com eles.
Se em certos casos é possível circunscrever o conceito de jogo, a localização
dessa fronteira é determinada apenas pelo objetivo momentâneo.

Formas de Vida

Nas Investigações Filosóficas, Wittgenstein procura precisar o conceito de


jogos de linguagem através do conceito “formas de vida”. Coloca: “o termo “jogo
de linguagem” deve aqui salientar que o falar da linguagem é parte de uma
atividade ou de uma forma de vida”.

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Se a expressão “jogos de linguagem” denomina uma família de atos


comunicativos completos, e os atos linguísticos a unidade básica da
comunicação linguística, é também verdade que, para Wittgenstein, é o modo de
agir humano, a prática histórico-social, que especifica e identifica os atos
comunicativos. Torna-se evidente, então, que o conceito de formas de vida
remete a análise do falar à análise do agir. Em outras palavras, compreende o
dizer através do fazer.
Assim como as palavras derivam seu significado de seu contexto
linguístico, os jogos de linguagem derivam seu significado das formas de vida.
Nossos conceitos e jogos de linguagem são dependentes do mundo, mas eles
não são diretamente produtos do mundo, mas de nossas vidas conduzidas no
mundo. Os significados das palavras não são determinados pelos objetos aos
quais eles se referem, pelas imagens mentais que eles evocam, mas pelos jogos
de linguagem em que são usados, e estes, por sua vez, são manifestações de
uma forma de vida.
As regras da linguagem, como as de um jogo de xadrez, são regras
autônomas. São arbitrárias, no sentido que não levam em conta uma pretensa
essência ou forma da realidade, não podendo ser vistas como corretas ou
incorretas de um modo filosoficamente relevante, mas alterá-las equivaleria a
mudar o jogo. Afirmar que a linguagem é autônoma não é o mesmo que dizer
que é facilmente alterável ou uma simples escolha individual. A linguagem está
imersa numa forma de vida, estando, portanto, sujeita as mesmas restrições a
que se sujeitam as atividades humanas em geral.
Nossos jogos de linguagem e regras não repousam na vontade humana
ou em escolhas individuais. As regras são conectadas com circunstâncias que
justificam seu uso, com práticas e comportamentos de uma comunidade
linguística. Na linguagem que usam, os homens estão de acordo, diz ainda
Wittgenstein. Não é um acordo sobre os instrumentos e nem sobre os usos
destes instrumentos; se há um acordo sobre a linguagem é porque há um acordo
sobre a forma de vida. “Correto e falso é o que os homens dizem; e na linguagem
os homens estão de acordo. Não é um acordo sobre as opiniões, mas sobre o
modo de vida”.

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A visão unitária da linguagem, própria do Tractatus, foi, a partir de então,


ultrapassada. Essa pretensa linguagem unitária fragmenta-se em inúmeros
sistemas, os “jogos de linguagem”. Mas esses sistemas linguísticos estão
firmados sobre algo mais fundamental – um contexto humano ou uma forma de
vida particular, que delimita a aplicação e interpretação de regras. Nós somos
constrangidos não por uma forma lógica, mas por nossa “forma de vida”. Essa
imagem repudia a ideia de uma única forma necessária de linguagem e introduz
a ideia de muitas e variadas unidades de sentido inter-relacionadas, inseridas
em um contexto de vida mais amplo. O falar passa a ser visto como uma prática
social entre outras, abordável do ponto de vista antropológico.
Fragmentada em jogos múltiplos, a linguagem não perde por isso sua
unidade. Não mais aquela conferida pela essência, pela posse comum de um
conjunto fixo de propriedades; trata-se agora da unidade de uma família de jogos
de linguagem, ligados entre si por “semelhanças de família”, sem que se possa
encontrar casos comuns a todos. Portanto, compreender o funcionamento da
linguagem é compreendê-la como um conjunto de diferentes ações
comunicativas que têm entre si “semelhanças de família”.

Gramática

Falar uma língua é tomar parte em uma atividade guiada por regras.
Compreender uma linguagem envolve dominar as técnicas de aplicação de suas
regras. A própria noção de linguagem implica a presença de uma forma
gramatical, de regras através das quais palavras são conectadas, umas às
outras, num sistema. Wittgenstein reconhece, portanto, a importância dessa
forma gramatical na determinação do significado.
Hacker, de forma esclarecedora, justapõe a concepção de Wittgenstein
de gramática com sua concepção anterior de sintaxe lógica. De acordo com o
Tractatus, linguagens ordinárias podem variar superficialmente, mas
ocultam uma uniformidade latente, que se torna manifesta através da análise
lógica. A análise traz à tona as regras essenciais de qualquer linguagem

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possível. Há somente uma lógica “que abrange tudo e espelha o mundo”42,


comum a todos os sistemas linguísticos capazes de afigurar a realidade.
Muitas dessas regras da sintaxe lógica estão escondidas da visão. Elas
não são evidentes no uso comum da linguagem, na qual expressões logicamente
diferentes parecem enganosamente uniformes. Elas não são usadas nas
atividades pedagógicas diárias – usadas para explicar como aderir corretamente
às práticas que governam. Não são citadas para justificar o uso de expressões
ou para criticar ou corrigir maus usos. As regras latentes de qualquer linguagem
possível são sempre seguidas pelos falantes, mesmo se eles não são capazes
de dizer o que elas são ou empregá-las como normas de correção para a
avaliação do uso de expressões. De qualquer forma, no Tractatus, essas regras
são absolutamente determinadas, pois são elas que, juntas com a atribuição de
significados aos nomes simples, estabelecem o sentido das proposições. Elas
não são usadas em atividades pedagógicas, mas funcionam como instrumento
de garantia do discurso, impedindo que a
„denotação‟ extrapole seus limites. A distinção entre sentido e não-sentido era
concebida como sendo independente do contexto e propósito, estabelecido de
uma vez por todas.
A gramática, diferente da sintaxe lógica, não é universal, não consiste de
regras que necessariamente sublinham qualquer linguagem possível – diferentes
linguagens possuem diferentes gramáticas. A gramática de uma linguagem
consiste de regras para o uso correto43 de expressões daquela linguagem.
Regras da gramática são abertas à visão, e não ocultas como o são as
regras da sintaxe lógica como concebidas no Tractatus.
As „regras da gramática‟ são explicitas na maneira como uma linguagem
é ensinada, em explicações dadas pelos falantes sobre o significado das
palavras, na maneira como eles criticam e corrigem maus usos da linguagem,
nas justificativas dadas para usar uma palavra de uma maneira ou de outra.
“„Hidden rules‟ are not rules at all”, já que não podem ser usadas pelos falantes
como regras, não podem desempenhar o papel de padrões de correção, guias
para conduta, ou justificativas para empregar expressões. Dar o significado de
uma palavra é especificar sua gramática.

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O sentido de uma proposição é determinado por seu lugar no sistema


gramatical, no sentido de que este determina suas relações lógicas com outras
proposições [...]. A gramática de uma língua é o sistema global de regras
gramaticais, das regras constitutivas que a definem, pela determinação daquilo
que faz sentido dizer ao usá-la.
A gramática filosófica não lida com regras especiais. Wittgenstein não
buscou ampliar o conceito de gramática, ou mesmo introduzir um conceito
diferente, mas sim indicar que existem dois tipos de interesse nas regras de uma
linguagem. O interesse do filósofo na gramática é guiado pelo propósito de
elucidar problemas filosóficos. Esses problemas derivam da má compreensão e
mau uso da linguagem, e são clarificados e resolvidos apontando as formas
pelas quais as expressões são mal utilizadas, questões ilegítimas formuladas,
regras de linguagem violadas. Mas essas regras não são aquelas que
interessam ao gramático; são primeiramente explicações do significado, e não
regras sintáticas sobre as quais os gramáticos tendem a focar.
Da mesma maneira, Wittgenstein não estava buscando estender o
conceito de regras. Para Wittgenstein algo conta como uma regra da gramática,
não se possui uma determinada forma (ex. uma determinada forma de
generalidade), mas se é usada de uma determinada maneira (ex. como um guia
de conduta, explicando ou justificando ações, como um padrão de correção,
etc.). O estatuto lógico de uma sentença não se deve à sua forma linguística,
mas sim ao modo como ela é utilizada, podendo, portanto, alterar- se.
Como afirma Hacker, depois de Platão, filósofos passaram a aceitar como
explicação correta apenas aquela que captura a essência do explicandum em
uma definição formal, dando as condições necessárias para a aplicação de uma
expressão. Mas este seria, de acordo com Wittgenstein, um ideal equivocado,
dado que nem todos os nossos conceitos são completamente definidos,
preparados para todas as ocasiões possíveis, e eles não deixam de
desempenhar sua função por isso. “We don‟t have to apply them in all
conceivable eventualities but only in actual ones. If a rule for the use of an
expression provides a standard for its correct use in normal

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circumstances, than it has fulfilled its function”. Os conceitos são regras de


aplicação de palavras de acordo com a gramática, e uma regra só pode ser
julgada como adequada ou não dentro de um contexto. Se uma regra exerceu
com sucesso seu papel na prática, está em ordem. Se essas condições de
normalidade mudam, então as definições formais e explicações do significado
de palavras podem se tornar obsoletas. As regras gramaticais surgem da práxis
da linguagem.
Mas, - questiona Wittgenstein – “um conceito impreciso é realmente um
conceito?”, e também “não é a imagem pouco nítida justamente aquela de que,
com frequência, precisamos?”. E mais à frente:
Mas é absurdo dizer: „pare mais ou menos aqui!? Imagine que eu esteja
com alguém numa praça e diga isso. Dizendo isso, não irei traçar um limite
qualquer, mas farei com a mão um movimento indicativo – como se lhe
mostrasse um determinado ponto. (...) A exemplificação não é aqui um meio
indireto de elucidação, - na falta de outro melhor. Pois toda elucidação geral pode
também ser mal compreendida.
Exemplos, da mesma forma que definições ostensivas e explicações por
meio de uma paráfrase contextual são explicações de significado perfeitamente
legítimas. Todas são corretas e adequadas pois desempenham o papel de
padrões de uso correto na prática de usar a linguagem. A gramática abrange
todas as regras para o uso de palavras, e todas as explicações de significado,
incluindo definições ostensivas.
Wittgenstein distingue a “gramática profunda” da “gramática superficial”
das palavras. Como afirma no §664 das Investigações: “poder-se-ia distinguir,
no uso de uma palavra, uma „gramática superficial‟ de uma „gramática
profunda‟. Aquilo que se impregna diretamente em nós, pelo uso de uma palavra,
é o seu modo de emprego na construção da frase; a parte de seu uso
– poderíamos dizer – que se pode apreender com o ouvido”. Esta última, isto é,
as características imediatamente evidentes das palavras, seus aspectos
superficiais, não deve ser objeto do filósofo, mas sim dos linguistas, uma vez que
é essa a gramática responsável pela construção da frase de modo correto.
A gramática de superfície (a estrutura sentencial) do enunciado “Eu estou
com dor” é igual à do enunciado “Eu estou com um alfinete” (...). Suas

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gramáticas profundas, entretanto, são completamente diferentes: as palavras


possuem possibilidades combinatórias diversas, e as proposições constituem
lances diferentes no jogo de linguagem, possuindo relações e articulações
lógicas distintas”.
A gramática profunda revela as diferentes espécies de uso das
expressões, e é nela que o filósofo deve se concentrar. Ela é um instrumento
que nos permite verificar a pluralidade dos usos das palavras e as diversas
formações de proposições, permitindo-nos analisar os diversos modos do
discurso.
Esta distinção entre gramática profunda e superficial não indica, contudo,
um contraste entre níveis diferentes de regras gramaticais. A ideia de
profundidade sugere, enganosamente, como afirma Glock, que a gramática
profunda é descoberta por meio da análise lógica, como no Tractatus, ou por
meio da análise linguística como concebida por Chomsky.
Estamos na ilusão de que o especial, o profundo, o essencial (para nós)
de nossa investigação residiria no fato de que ela tenta compreender a essência
incomparável da linguagem. Isto é, a ordem que existe entre os conceitos de
frase, palavra, conclusão, verdade, experiência etc. Esta ordem é uma super
ordem entre – por assim dizer – superconceitos. Enquanto as palavras
“linguagem”, experiência”, “mundo”, se têm um emprego, devem ter um tão
humilde quanto as palavras “mesa”, “lâmpada”, “porta”.”
O contraste não se dá entre a superfície e a “geologia” das expressões,
como era o caso no Tractatus, que propunha alcançar um ponto de vista lógico
correto escavando sob as aparências da linguagem para descobrir sua estrutura
latente. O contraste se dá “entre as cercanias locais, que podem ser apreendidas
em um lance de olhos, e a geografia geral, isto é, o uso geral de uma expressão.”
Não se trata, portanto, de uma investigação “geológica”, mas sim “topográfica”.
Wittgenstein afirmou ainda que, assim como as violações corriqueiras da
gramática, as proposições metafísicas são absurdas, pois não existem regras
metalógicas ou conceitos logicamente mais fundamentais do que outros. A
gramática é plana. Não existem “superconceitos”, pois todos os conceitos têm
valores comuns, isto é, adquirem valor na medida em que são usados

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dentro dos jogos de linguagem. Não existe uma separação entre linguagem e
metalinguagem, enquanto uma super-ordem que garantiria a regulação da
linguagem, constituindo sua essência. A gramática não se desvincula do próprio
uso linguístico que regula.
Não se trata de compreender a gramática profunda como um instrumento
de normatização do discurso, o que se pretendia com o logicismo Tractatiano.
Não se trata de corrigir a linguagem cotidiana através da gramática profunda
como se ela fosse o parâmetro de uma linguagem ideal. Nas Investigações não
existem conceitos privilegiados que possam servir de parâmetros para algum tipo
de aferição. Com efeito, as Investigações eliminam essa concepção de uma
“norma”, “ordem” ou “essência” de determinada parte da linguagem que sirva de
parâmetro para toda linguagem.
Ao refletir sobre nosso uso da linguagem, devemos nos ater ao que é
chamado uma explicação do significado de uma expressão e resistir às
tentações de um falso ideal de explicação. Não há uma linguagem ideal,
desprovida de equívocos. “Se acreditamos que devemos encontrar aquela
ordem, a ideal, na linguagem real, ficaremos insatisfeitos com aquilo que na vida
quotidiana se chama “frase”, “palavra”, “signo”.” .
Sendo assim, a explicação das regras gramaticais não constitui apenas
uma tarefa secundária para a filosofia. “A essência está expressa na gramática”;
“que espécie de objeto alguma coisa é, é dito pela gramática”, uma vez que
especifica o que pode ser dito com sentido sobre ele. “Não analisamos um
fenômeno (por exemplo, o pensar), mas um conceito (por exemplo, o do pensar),
e portanto o emprego de uma palavra.”.
As investigações empíricas quanto à natureza física ou matéria X
pressupõem a gramática de „X‟, uma vez que essa última determina o que pode
contar como X. A resposta à pergunta socrática “O que é X?” não nos é dada
pelo exame de essências (objetos mentais ou abstratos), mas pelo
esclarecimento do significado de “X”, que é fornecido pelas regras de uso do
termo “X”.
A busca por essências, tarefa que perpassou toda a História da Filosofia,
é então substituída pela investigação gramatical, por uma tentativa de entender

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“como” a linguagem funciona. O que interessa é compreender os diversos


“usos” da linguagem.

LINGUAGEM E MUNDO: A REALIDADE COMO SOMBRA DA GRAMÁTICA

Vimos, portanto, que Wittgenstein mudou radicalmente a maneira de


conceber as regras que regem a nossa linguagem. Essa mudança recoloca a
problemática da relação entre linguagem e mundo, questão que perpassa toda
a obra do autor.
No Tractatus, Wittgenstein afirma que a estrutura da linguagem espelha a
estrutura da realidade, refletindo a relação entre as coisas no mundo. Qualquer
linguagem capaz de descrever a realidade deve ser governada pela sintaxe
lógica, cujas regras devem corresponder aos traços estruturais da realidade: a
forma lógica dos nomes deve espelhar a essência dos objetos aos quais
correspondem. Afirma: “Especificar a essência da proposição significa
especificar a essência de toda descrição e, portanto, a essência do mundo”
Nas Investigações Filosóficas a ideia de um isomorfismo entre linguagem
e realidade ganha outro sentido. Não sugere mais que a linguagem deve
espelhar a forma lógica do universo, mas sim que a aparente „estrutura da
realidade‟ não passa de uma sombra projetada pela gramática.
A linguagem deixa de ter a função exclusiva de representação biunívoca.
O que faz sentido em um sistema de linguagem dado, “o que é (logicamente)
dito possível e o que não é”61, depende do que nossa gramática autoriza, e não
de um acordo com uma „estrutura do mundo‟. A gramática constitui nossa forma
de representação, estabelece o que pode contar como uma descrição inteligível
da realidade, mas não é diretamente controlada por essa realidade. De acordo
com essa nova concepção, a gramática é autônoma e autocontida, posto que
não precisa “prestar contas” à realidade extralinguística para se legitimar. Essa
concepção abre espaço para a possibilidade de existirem diferentes gramáticas.
Ao negar o isomorfismo entre o fato e a proposição com base na
adequação entre o objeto e o nome, ou entre a essência do mundo e seu

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representante na linguagem, Wittgenstein desmonta a concepção denotacionista


de linguagem. A crítica ao modelo metafísico de explicação da linguagem se
relaciona a uma nova concepção de explicação do significado. É o uso que
constitui a significação, e não a denotação de objetos. Assim, existindo uma
multiplicidade usos, existe uma multiplicidade de significações. A questão da
relação entre linguagem e o mundo, quando formulada com uma pretensão de
validade universal, torna-se ociosa com a noção de autonomia da gramática. Isso
porque toda mudança operada nas regras de uso de uma expressão será
também uma mudança de significação. A significação, enquanto uso, muda de
acordo com o jogo de linguagem.
Assim, é a partir da noção de regras de uso que o problema da harmonia
entre linguagem e realidade aparece no segundo Wittgenstein. A questão
poderia tornar-se então: „Como se dá a relação entre as regras que regem um
jogo de linguagem e as atividades com as quais está interligada?‟, ou „Como
uma regra se relaciona com sua aplicação?‟, ou ainda, „Como se dá o acordo
entre uma explicação de uso e esse uso propriamente dito?‟. Mas dentro do jogo
de linguagem particular, a relação entre uma regra gramatical e o que está de
acordo com ela é algo sem mistérios. O problema só surge quando abstraímos
as palavras de seu contexto, quando tentamos estabelecer uma relação que se
aplique a todas as situações, quando buscamos formular uma teoria sobre essa
relação. Se investigarmos os casos em que as expressões aparecem inseridas
em seu contexto, a relação e aplicação não serão problemáticas, mas dadas pelo
próprio contexto.
Uma relação entre duas coisas não se dá porque elas possuem algo em
comum, mas porque nós selecionamos um critério para estabelecer essa
relação. Uma matéria possui inúmeras propriedades que poderiam ser utilizadas
como critério para definir diferentes conceitos. A escolha desses critérios,
portanto, não se deve a uma correspondência com a realidade, mesmo que leve
em consideração a maior ou menor utilidade, o maior ou menor poder
explanatório. A gramática não está sujeita á refutação empírica. “As convenções
gramaticais não podem ser justificadas descrevendo-se o que é representado.
Qualquer descrição desse tipo já pressupõe as regras gramaticais. (...) Não se
pode usar a linguagem para ir além daquilo que é possível comprovar”. Não

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dispomos de um ponto de vista exterior à gramática, extralinguístico ou pré-


conceitual, a partir do qual poderíamos justificar nosso sistema gramatical.
Dessa forma, para o segundo Wittgenstein, não podemos fundamentar
filosoficamente a linguagem. Não existe uma essência oculta que possa servir
de fundamento ontológico para nossa linguagem. As essências metafísicas são
meras ilusões que enfeitiçam nosso entendimento, são apenas „sombras‟ da
gramática. Cabe, portanto, à filosofia, apenas descrever os usos das palavras, e
não postular teorias para fundamentar esses usos.
Wittgenstein afirma: “A filosofia não deve, de modo algum, tocar no uso
efetivo da linguagem; em último caso, pode apenas descrevê-lo. Pois também
não pode fundamentá-lo. A filosofia deixa tudo como está”. E depois: “A filosofia
simplesmente coloca as coisas, não elucida nada e não conclui nada. – Como
tudo fica em aberto, não há nada a elucidar. Pois o que está oculto não nos
interessa. Pode-se chamar também de „filosofia‟ o que é possível antes de todas
as novas descobertas e invenções”.
Dentro dessa perspectiva, os problemas filosóficos são como
malentendidos gramaticais. Surgem, principalmente, quando confundimos nossa
gramática profunda com a gramática de superfície, formando „falsas analogias‟.
Para „dissolver‟ esses problemas, devemos adotar um método terapêutico de
análise da linguagem para que possamos compreender como ela funciona e
reconduzir as palavras para seu uso cotidiano. Wittgenstein assegura:
Quando os filósofos usam uma palavra – “saber”, “ser”, “objeto”, “eu”,
“proposição”, “nome” – e procuram apreender a essência da coisa, deve-se
sempre perguntar: essa palavra é usada de fato desse modo na língua em que
existe? –
Nós reconduzimos as palavras do seu emprego metafísico para seu
emprego cotidiano.
Alguns filósofos, como salientou Stegmuller - “entre eles também Bertrand
Russell – objetaram contra a filosofia da segunda fase de Wittgenstein,
afirmando que este, de repente, estaria dividindo completamente a conexão
entre linguagem e realidade‟; que não estaria mais se preocupando com
esclarecer a questão de como a linguagem „se refere ao mundo real‟”.
No entanto, é somente quando concebemos uma imagem metafísica do

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“mundo real” separada da linguagem que o problema da relação entre eles


aparece. De acordo com Wittgenstein, o que precisamos é dirigir nossa atenção
para a maneira como essas expressões são usadas cotidianamente. O que
devemos é investigar esses usos, e não propor teorias para responder a um falso
problema. Ao verificarmos os usos das palavras „real‟ ou „realidade‟ dentro do
jogo de linguagem em que estão sendo proferidas, constataremos que a
aplicação se dá sem problemas ou ambiguidades.
Assim, ao negar a existência de uma lógica como condição transcendental
de possibilidade de representação do mundo pela linguagem, e,
consequentemente, invalidar a ideia de que a linguagem deve ser um „quadro‟
da realidade, Wittgenstein torna a questão da simetria entre linguagem e mundo
sem sentido. Ao adotar uma perspectiva pragmática essa questão passa a ser
um falso problema.
A dissolução do problema não implica na negação de que ao fazermos
afirmações estamos realmente fazendo afirmações sobre as coisas no mundo.
Mas implica na negação de uma lógica, externa à linguagem e ao mundo, que
garanta uma relação biunívoca entre nomes e objetos simples, ou entre
predicados e propriedades. Essa lógica só pode ser pensada como derivada do
uso da linguagem na prática, do uso comum no interior de uma forma de vida. A
lógica não mais representa uma „ordem a priori‟. Ela está expressa na gramática
de nossos múltiplos jogos de linguagem.
Condé afirma: “Se há uma relação entre a linguagem e o mundo, ela
ocorre no jogo de linguagem, pois ele [o mundo], enquanto um conjunto de ações
e usos de palavras, e, portanto, significações no interior de uma forma de vida,
não privilegia conceitos (“Não há superconceitos”, I.F.§97). A realidade não é
mais um superconceito fundamentado metafisicamente, mas simplesmente algo
dado nas formas de vida.” É nossa forma de vida que constitui o fim da cadeia
de razões, o fundamento último.
Assim, como afirma Marcondes, quando investigamos a linguagem
estamos ao mesmo tempo investigando a sociedade da qual ela é linguagem, o

contexto social e cultural na qual é usada, as práticas sociais, os paradigmas e


valores, a “racionalidade” desta comunidade. Não há, portanto, uma separação
radical entre “linguagem” e “mundo”, já que a “realidade” é constituída pelo modo

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como usamos a linguagem.


Para Peter Winch, nossa ideia do que pertence ao domínio da realidade
nos é dada pela linguagem que usamos. Os conceitos que temos estabelecem
para nós a forma da experiência que temos do mundo. “O mundo é para nós o
que se apresenta através desses conceitos. Isto não quer dizer que os nossos
conceitos não possam mudar; mas quando mudam, isto quer dizer que o nosso
conceito do mundo também mudou”.

SUPERAÇÃO DA METAFÍSICA PELA ANÁLISE LÓGICA DA LINGUAGEM

O significado de uma palavra

Se uma palavra (em uma linguagem determinada) tem um significado,


costuma-se também dizer que ela designa um “conceito”; se uma palavra parece
ter um significado, mas na verdade não tem, falamos de um “pseudoconceito”.
Como explicar o surgimento de um pseudoconceito? Não é verdade que cada
palavra foi introduzida em uma linguagem apenas para exprimir algo
determinado, de tal modo que desde sua primeira utilização ela tinha um
significado determinado? Como pode haver palavras sem significado nas línguas
tradicionais? Originalmente, toda palavra (desconsiderando algumas poucas
exceções, das quais daremos exemplos posteriormente) tem um significado. No
curso do desenvolvimento histórico, uma palavra muda frequentemente de
significado. E acontece inclusive de uma palavra perder seu antigo significado,
sem ganhar um novo. Desse modo, surge um pseudoconceito.
Em que consiste, afinal, o significado de uma palavra? Quais estipulações
devem ser feitas no que diz respeito a uma palavra para que ela tenha um
significado? (Não importa para nossas considerações se essas estipulações são
enunciadas explicitamente, como no caso de algumas palavras e símbolos da
ciência moderna, ou se são admitidas tacitamente, como acontece no caso da
maior parte das palavras das línguas tradicionais). Em primeiro lugar, a sintaxe
da palavra precisa ser fixada, isto é, o modo de ocorrência na forma proposicional
mais simples em que ela pode aparecer; chamamos essa forma proposicional
de proposição elementar. A forma proposicional elementar da palavra “pedra” é,
por exemplo, “x é uma pedra”; nas proposições com essa forma, há no lugar de
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“x” qualquer designação pertencente à categoria das coisas, por exemplo, “este
diamante”, “esta maçã”. Em segundo lugar, no que concerne à proposição
elementar P com a respectiva palavra, é preciso dar uma resposta à seguinte
questão, que pode ser formulada de diferentes maneiras:
1. De que proposição P é dedutível, e quais proposições são
dedutíveis de P?
2. Sob quais condições P deve ser verdadeira e sob quais condições,
falsa?
3. Como se deve verificar P?
4. Qual é o sentido de P?
(1) é a formulação correta; a formulação (2) corresponde ao jargão da
lógica; (3) corresponde ao jargão da teoria do conhecimento; (4) corresponde ao
jargão da filosofia (fenomenologia). Wittgenstein declarou que aquilo que os
filósofos querem dizer com (4) é apreendido por (2): o sentido de uma proposição
reside em seu critério de verdade. [(1) é a formulação “metalógica”; uma
exposição mais detalhada da metalógica como teoria da sintaxe e do sentido
será feita à frente].
No caso de muitas palavras, inclusive no caso da imensa maioria das
palavras da ciência, é possível especificar o significado de uma palavra
recorrendo a outras palavras (“constituição”, definição). Por exemplo,
“„Artrópodes‟ são animais com corpos articulados invertebrados, membros
articulados e um exoesqueleto de quitina”. Através disso, está respondida a
questão mencionada para a forma proposicional elementar da palavra
“artrópode”, a saber, para a forma proposicional “a coisa x é um artrópode”; por
meio disso, determina-se que uma proposição com essa forma deve ser
dedutível das premissas da forma “x é um animal”, “x é invertebrado”, “x tem
membros articulados”, “x tem um exoesqueleto de quitina”, e que, inversamente,
todas estas proposições devem ser dedutíveis daquela proposição. Por meio
dessa determinação da dedutibilidade (em outras palavras: do critério de
verdade, do método de verificação, do sentido) da proposição elementar sobre
“artrópode”, o significado da palavra “artrópode” é fixado. Desse modo, cada
palavra da linguagem é reduzida a outras palavras e, em última instância, às
palavras que ocorrem nas assim chamadas “proposições observacionais” ou

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“proposições protocolares”. A palavra recebe seu significado por meio dessa


redução.
A questão acerca do conteúdo e da forma das primeiras proposições
(proposições protocolares), que ainda não teve nenhuma resposta definitiva,
pode ser deixada de lado em nossa discussão. Costuma-se falar na teoria do
conhecimento que as primeiras proposições se referem ao “dado”; mas não há
nenhum acordo sobre o que se deve considerar como sendo o dado. Às vezes,
defende-se a concepção segundo a qual as proposições sobre o dado falam das
qualidades sensoriais e afetivas mais simples (por exemplo, “quente”, “azul”,
“felicidade” etc.); outros se inclinam para a concepção segundo a qual as
primeiras proposições falam de vivências totais e relações de similaridade entre
elas; segundo outra concepção, as primeiras proposições falam também de
coisas. Independentemente da diversidade destas concepções, é certo que uma
sequência de palavras tem um sentido apenas se suas relações de dedução são
estipuladas a partir de proposições protocolares, seja esta ou aquela a natureza
destas proposições protocolares; do mesmo modo que uma palavra tem um
significado apenas se as proposições em que ela pode ocorrer são redutíveis a
proposições protocolares.
Uma vez que o significado de uma palavra é determinado por seu critério
(dito de outro modo: pelas relações de dedução de sua proposição elementar,
por suas condições de verdade, pelo método de sua verificação), depois de
estipulado o critério já não há mais margem para se definir o que se “quer dizer”
com a palavra. Não é preciso fornecer nada menos que o critério para que uma
palavra obtenha um significado preciso; mas não se pode fornecer nada mais
que o critério, pois todo o resto é determinado por ele. O significado está contido
implicitamente no critério; resta apenas torná-lo explícito.

Suponhamos, a título de exemplo, que alguém invente a palavra “babigo”


e afirme haver coisas que são babigas e coisas que não o são. Para apreender
o significado dessa palavra, colocamos a questão acerca do critério: como se
determina, em casos concretos, se uma coisa é babiga ou não? Suporemos
inicialmente que aquele que é questionado não tem uma reposta; ele diz que não
há nenhuma característica empírica para a babiguidade. Neste caso, nós não
permitiremos o emprego dessa palavra. Se aquele que utiliza a palavra, no

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entanto, diz haver coisas que são babigas e coisas que não são, permanece um
mistério eterno ao pobre e finito entendimento humano saber quais coisas são
babigas e quais coisas não o são, de modo que consideramos isso um discurso
vazio. Mas talvez ele queira nos assegurar que quer dizer algo com a palavra
“babigo”. Com isso, apenas tomamos conhecimento do fato psicológico de que
ele associa representações e sentimentos quaisquer à palavra. Mas uma palavra
não ganha um significado desse modo. Não se estipulou nenhum critério para a
nova palavra, de tal modo que as proposições em que ela ocorre não dizem
nada, sendo meras pseudoproposições.
Em segundo lugar, suponhamos o caso em que há o critério para uma
nova palavra, por exemplo, “bebigo”; e que a proposição, “Isto é bebigo” é
verdadeira se, e somente se, a coisa é quadrada. (Não importa para nossas
considerações se esse critério é proposto explicitamente ou se o estipulamos
observando em quais casos a palavra é utilizada afirmativamente e em quais
casos ela é utilizada negativamente). Diríamos aqui: a palavra “bebigo” tem o
mesmo significado da palavra “quadrado”. E nós não permitiremos que aqueles
que a utilizam “queiram dizer” algo diferente de “quadrado”; toda coisa quadrada
também é, decerto, bebigo, mas isso repousa no fato de que a quadridade é a
expressão visível da bebiguidade, e esta é uma propriedade oculta, não
perceptível. Nós retrucaríamos que, uma vez estipulado o critério, está
estipulado que “bebigo” significa “quadrado” e que já não há liberdade para se
“querer dizer” isto ou aquilo com a palavra.
Resumamos brevemente nossas considerações. Seja “a” uma palavra
qualquer e “S(a)” a proposição elementar em que ela aparece. A condição
necessária e suficiente para que “a” tenha um significado pode ser dada pelas
seguintes fórmulas, que no fundo dizem a mesma coisa:
As características empíricas de “a” são conhecidas.

1. Estipulou-se de quais proposições elementares “S(a)” pode ser


deduzida.
2. As condições de verdade de “S(a)” foram estipuladas.
3. O método de verificação de “S(a)” é conhecido.

PALAVRAS METAFÍSICAS SEM SIGNIFICADO


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Fica patente, pois, que muitas palavras metafísicas não cumprem as


condições fornecidas acima, de tal modo que não têm significado.
Tomemos como exemplo o termo metafísico “princípio” (enquanto
princípio do ser, não enquanto princípio do conhecimento ou axioma). Diferentes
metafísicos responderam à pergunta sobre o que seria o “princípio (supremo) do
mundo” (ou “das coisas”, “do ser”, “do ente”), por exemplo: a água, o número, a
forma, o movimento, a vida, o espírito, a ideia, o inconsciente, a atividade, o bem
etc. Para descobrir o significado que a palavra “princípio” tem nessas questões
metafísicas, devemos perguntar aos metafísicos sob quais condições a
proposição da forma “x é o princípio de y” deve ser verdadeira e sob quais
condições ela deve ser falsa; em outras palavras, perguntamos pela nota
característica ou pela definição da palavra “princípio”. O metafísico responde
mais ou menos da seguinte forma: “x é o princípio de y” deve significar “y surge
de x”, “o ser de y reside no ser de x”, “y existe por causa de x” etc. Essas palavras,
porém, são ambíguas e indeterminadas. Elas geralmente têm um significado
claro; por exemplo, nós dizemos de uma coisa ou de um evento y que ele “surge”
de x se observamos que coisas ou eventos do tipo y frequentemente ou sempre
se seguem daquelas do tipo x (relação causal no sentido de sucessão regular).
Mas o metafísico nos diz que não fala dessa relação empírica constatável; caso
contrário, suas teses metafísicas seriam simples proposições empíricas do
mesmo tipo que as da física. A palavra “surgir” não deve ter aqui o significado de
uma relação de sucessão temporal e condicional que ela normalmente tem. No
entanto, nenhum critério para outro significado é fornecido. Consequentemente,
não existe de maneira alguma o suposto significado “metafísico” que a palavra
deveria ter por oposição ao significado empírico. Se pensarmos no significado
original da palavra “princípio” (e da palavra grega correspondente “ἀρχή”),
notamos o mesmo processo de desenvolvimento. A palavra é destituída
explicitamente do significado original de “início”; ela já não deve significar o que
é primordial no tempo, mas o que é primordial sob outra perspectiva,
especificamente metafísica. Os critérios para essa “perspectiva metafísica” não
são fornecidos. Nos dois casos, a palavra é destituída de seu significado anterior
sem que ganhe outro; ele permanece uma concha oca. Diferentes

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representações de um período anterior ainda estão associadas a elas; elas se


vinculam a novas representações e sentimentos nos contextos em que ela é
agora utilizada. Mas uma palavra não tem significado em função disso; e ela
permanece sem significado até que se possa indicar um método de verificação.
Outro exemplo é a palavra “Deus”. No caso dessa palavra,
desconsiderando as variantes de seu uso no interior de um dado domínio,
devemos distinguir o uso linguístico em três diferentes casos ou períodos
históricos, que, no entanto, se sobrepõem temporalmente. No uso mitológico da
linguagem, a palavra tinha um significado claro. Às vezes, designavam-se com
esta palavra (assim como com as palavras equivalentes de outras línguas) os
seres corpóreos que habitavam o Olimpo, o céu ou o mundo subterrâneo,
dotados de força, sabedoria, bondade e felicidade em maior ou menor grau de
perfeição. Outras vezes, a palavra designava seres espirituais, que não tinham
um corpo humano, mas que de alguma forma se revelavam nas coisas e
processos do mundo visível e, por isso, eram empiricamente constatáveis. No
uso metafísico da linguagem, ao contrário, “Deus” designa algo supra-empírico.
A palavra foi explicitamente despojada do significado de um ser corporal ou de
um ser espiritual encarnado. E, como não foi dado nenhum novo significado, ela
se tornou sem significado. No entanto, tudo se passa como se a palavra “Deus”
tivesse um significado mesmo no âmbito da metafísica. Mas as definições que
são apresentadas se revelam pseudodefinições em um exame mais detido; elas
conduzem ou a cadeias de palavras logicamente inadmissíveis (das quais se
falará adiante) ou a outras palavras metafísicas (por exemplo, “fundamento
originário”, “o absoluto”, “o incondicionado”, “o autônomo”, “o auto-suficiente”
etc.), mas em nenhum caso as definições levam às condições de verdade de
suas proposições elementares. No caso dessa palavra, nem mesmo a primeira
exigência da lógica é satisfeita, isto é, da forma da proposição elementar em que
ela ocorre. A proposição elementar deveria ter aqui a forma “x é um Deus”; o
metafísico ou recusa completamente essa forma, sem apresentar outra, ou,
quando a admite, não especifica a categoria sintática da variável x. (Categorias
são, por exemplo: corpos, propriedades de corpos, relações entre corpos,
números etc.).
No que concerne à palavra “Deus”, entre o uso mitológico e o uso

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metafísico da linguagem, há o uso teológico da linguagem. Aqui, não há nenhum


significado próprio, mas oscila-se entre aqueles dois empregos. Muitos teólogos
têm um conceito de Deus claramente empírico (na nossa designação,
mitológico). Nesse caso, não há pseudoproposição; mas o inconveniente para o
teólogo consiste em que as proposições da teologia são proposições empíricas
e, por isso, o juízo pertence à ciência empírica. No caso de outros teólogos,
impõe-se claramente o uso metafísico da linguagem. No caso de outros tantos,
o uso linguístico não é claro, seja porque eles seguem ora este, ora aquele uso,
seja porque eles se valem de expressões que nãos são claramente apreensíveis
e que oscilam entre os dois lados.
Assim como os exemplos examinados, “princípio” e “Deus”, os outros
termos são, em sua maior parte, termos especificamente metafísicos sem
significado, por exemplo, “ideia”, “o absoluto”, “o incondicionado”, o “infinito”, “o
ser do ente”, “o não-ser”, “coisa em si”, “espírito absoluto”, “espírito objetivo”,
“essência”, “ser em si”, “ser em si e para si”, “emanação”, “manifestação”, “cisão”,
“o eu”, “o não-eu” etc. Com essas expressões, ocorre o mesmo que ocorria com
a palavra “babigo” no exemplo inventado anteriormente. O metafísico nos diz que
não pode indicar condições de verdade empíricas; quando ele acrescenta que,
não obstante, “quer dizer” algo com tal palavra, sabemos que ele se refere
apenas a representações e sentimentos acompanhando a palavra, por meio das
quais ela não obtém nenhum significado. As supostas proposições metafísicas
contendo tais palavras não têm sentido, não dizem nada, são meras
pseudoproposições. Consideraremos posteriormente a questão de como
explicar seu surgimento histórico.

O SENTIDO DE UMA PROPOSIÇÃO

Até aqui consideramos pseudoproposições em que ocorre uma palavra


sem significado. Há ainda um segundo tipo de pseudoproposições. Elas
consistem em palavras com significado combinadas de tal modo que não resulta
nenhum sentido. A sintaxe de uma linguagem especifica quais combinações de
palavras são admissíveis e quais são inadmissíveis. Mas a sintaxe gramatical
das linguagens naturais não cumpre inteiramente a tarefa de excluir

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combinações de palavras sem-sentido. Tomemos como exemplo as duas


sequências de palavras seguintes:
1. “César é e”
2. “César é um número primo”
A sequência de palavras (1) é formulada contrariamente à sintaxe; a
sintaxe requer que haja no terceiro lugar não um conectivo, mas um predicado,
isto é, um substantivo (com artigo) ou um adjetivo. A sequência de palavras
“César é um general”, por exemplo, é formulada de acordo com a sintaxe; ele é
uma sequência de palavras dotada de sentido, uma proposição genuína. Mas a
sequência de palavras (2) é formulada igualmente de acordo com a sintaxe, pois
ela tem a mesma forma gramatical da proposição mencionada. (2) é, no entanto,
sem-sentido. “Número primo” é uma propriedade de números; ela não pode nem
ser atribuída a uma pessoa nem ser negada dela. Como (2) parece uma
proposição, mas não é, não diz nada, não exprime nem um estado de coisas
existente nem um estado de coisas inexistente, chamamos essa sequência de
palavras de “pseudoproposição”. Como a sintaxe gramatical não é violada, é-se
tentado à primeira vista a adotar a opinião errônea de que se trata de uma
proposição, ainda que se trate de uma proposição falsa. “a é um número primo”,
porém, é falsa se e somente se a é divisível por um número natural diferente de
a e de 1; aqui, “a” não pode evidentemente ser substituído por “César”. O
exemplo foi escolhido para que a falta de sentido fosse facilmente notada; no
caso de muitas das chamadas proposições metafísicas não é fácil reconhecer
que são pseudoproposições. Que seja possível formular na linguagem comum
uma sequência de palavras sem-sentido sem ferir as regras da gramática mostra
que a sintaxe gramatical, considerada do ponto de vista da lógica, é insuficiente.
Se a sintaxe gramatical correspondesse exatamente à sintaxe lógica, não
poderia haver nenhuma pseudoproposição. Se a sintaxe gramatical distinguisse
não apenas as categorias de substantivo, adjetivo, verbo, conjunção etc., mas
fizesse também distinções lógicas necessárias no interior dessas categorias, não
poderiam ser formuladas pseudoproposições. Se os substantivos, por exemplo,
fossem divididos em mais categorias de palavras, conforme designem corpos,
números etc., as palavras “general” e “número primo” pertenceriam a categorias
de palavras diferentes, e (2) seria tão contrária à gramática quanto (1). Nessa

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linguagem corretamente formulada, todas as sequências de palavras sem-


sentido seriam, portanto, do mesmo tipo que o exemplo (1). Elas seriam, com
isso, excluídas automaticamente pela gramática; isto é, não seria preciso atentar
para o significado das palavras individuais a fim de evitar a falta de sentido, mas
apenas para as categorias de palavras (a “categoria sintática”, por exemplo:
coisa, propriedade de coisa, relação de coisas, número, propriedade de
números, relação de números etc.). Se nossa tese de que as proposições da
metafísica são pseudoproposições for correta, a metafísica não poderia ser
expressa em uma linguagem formulada de modo logicamente correto. Daí a
grande importância filosófica da tarefa de formular uma sintaxe lógica, na qual
trabalham atualmente os lógicos.

PSEUDOPROPOSIÇÕES METAFÍSICAS

Gostaríamos agora de indicar alguns exemplos de pseudoproposições


metafísicas, nas quais é possível reconhecer claramente que a sintaxe lógica é
violada, embora a sintaxe gramatical tradicional seja respeitada. Escolhemos
algumas frases da doutrina metafísica que exerce atualmente a maior influência
na Alemanha.
Investigado deve ser apenas o ente e mais – nada; somente o ente e além
dele – nada; unicamente o ente e para além disto – nada. Que acontece com
este nada? (...) Há o nada apenas porque há o não, isto é, a negação? Ou ocorre
o contrário? Existe a negação e o não apenas porque há o nada? (...) Nós
afirmamos: o nada é mais originário que o não e a negação (...) Onde
procuramos o nada? Onde encontramos o nada? (...) Nós conhecemos o nada.
(...) A angústia torna manifesto o nada. (...) Diante de que e por que nós nos
angustiávamos não era „propriamente‟ – nada. De fato: o próprio nada –
enquanto tal – estava aí. (...) O que acontece com o nada? (...) O próprio nada
nadifica.
A fim de mostrar que a possibilidade de formação de pseudoproposições
repousa sobre uma falha lógica da linguagem, propomos o esquema abaixo. As
proposições em I estão isentas de objeções tanto gramatical quanto logicamente,
sendo, portanto, dotadas de sentido. As proposições em II (com exceção de B 3)

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estão em perfeita analogia com as proposições em I. A forma proposicional II A


(pergunta e resposta) não satisfaz, porém, as exigências de uma linguagem
logicamente correta. Ela é, apesar disso, dotada de sentido, uma vez que pode
ser traduzida em uma linguagem correta; isso é mostrado pela proposição III A,
que tem o mesmo sentido de II
A. A inadequação da forma proposicional II A se mostra no fato de que, a partir
dela e por meio de operações gramaticais irrepreensíveis, podemos chegar às
formas proposicionais semsentido II B, que foram extraídas da citação acima.
Essas formas não podem sequer ser formuladas na linguagem correta da coluna
III. Entretanto, sua falta de sentido não é notada à primeira vista, uma vez que
somos iludidos facilmente pela analogia com as proposições dotadas de sentido
de I B. O erro de nossa linguagem constatado aqui reside em que, ao contrário
de uma linguagem logicamente correta, ela permite a identidade formal entre
sequências de palavras dotadas de sentido e sem-sentido. A toda proposição
verbal está associada uma fórmula correspondente na notação da logística;
essas fórmulas permitem reconhecer de modo particularmente claro a analogia
inadequada entre I A e II A e as formas sem-sentido II B, engendradas por ela.

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Ao examinar mais precisamente as pseudoproposições de II B, outras


diferenças se revelam. A formação das proposições (1) reside simplesmente no
erro de empregar a palavra “nada” como nome de um objeto, pois ela costuma
ser empregada na linguagem comum dessa forma para formular uma proposição
existencial negativa (ver II A). Em uma linguagem correta, entretanto, não é um
nome particular, mas uma determinada forma lógica que serve a esse propósito
(ver III A). Na proposição II B 2, aparece algo novo, a saber, a formação da
palavra destituída de significado “nadificar”; a proposição é sem-sentido,
portanto, por uma dupla razão. Nós dissemos anteriormente que as palavras
destituídas de significado da metafísica normalmente surgem do fato de que uma
palavra dotada de significado se torna destituída de significado na metafísica
pelo emprego metafórico. Aqui, porém, temos diante de nós um dos poucos
casos em que é introduzida uma nova palavra que não tem significado desde o
início. A proposição II B 3 deve ser igualmente rejeitada por uma dupla razão.
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O erro em empregar a palavra “nada” como nome de um objeto vai de par com
o da proposição anterior. Além disso, ela encerra uma contradição. Pois mesmo
que fosse legítimo introduzir a palavra “nada” como nome ou caracterização de
um objeto, a existência seria negada a esse objeto em sua definição, ao passo
que ela seria novamente atribuída na proposição (3). Se já não fosse sem-
sentido, essa proposição seria, pois, um contrassenso.
Tendo em vista os erros lógicos grosseiros que encontramos nas
proposições II B, poderíamos supor que, no artigo citado, a palavra “nada” deva
ter um significado completamente diferente. E essa suposição se fortalece ao
lermos ali que a angústia torna manifesto o nada, que na angústia o nada está
aí enquanto tal. Aqui, a palavra “nada” parece dever designar certa disposição
afetiva, talvez de cunho religioso, ou algo que esteja na base de tal disposição.
Fosse esse o caso, os erros lógicos indicados nas proposições II B não
ocorreriam. Mas o início da citação acima mostra que essa interpretação não é
possível. A combinação de “apenas” e de “e mais nada” mostra claramente que
a palavra “nada” tem o significado usual de uma partícula lógica, que serve para
expressar uma proposição existencial negativa. Dessa introdução da palavra
“nada”, segue-se imediatamente a questão fundamental do artigo: “Que
acontece com este nada?”.
Nossa desconfiança de que talvez tenhamos interpretado
equivocadamente é completamente dissipada quando notamos que o autor do
artigo tem perfeita clareza de que suas questões e suas sentenças contradizem
a lógica. “Pergunta e resposta são, no que diz respeito ao nada, igualmente
contraditórias em si mesmas (...) A regra fundamental do pensamento a que
comumente se recorre, o princípio de nãocontradição, a „lógica‟ geral, destrói
essa pergunta”. E tanto pior para a lógica! Devemos derrubar seu reinado: “Se
assim se rompe o poder do entendimento no campo da interrogação acerca do
nada e do ser, então também se decide, com isto, o destino do domínio da
„lógica‟ no interior da filosofia. A própria ideia de „lógica‟ dissolve-se no
redemoinho de uma interrogação mais originária”. Estará, porém, a ciência
sóbria de acordo com uma interrogação contrária à lógica? Mesmo quanto a isso,
a resposta já está dada: “A aparente sobriedade e superioridade da

ciência transforma-se em ridículo, se não leva a sério o nada”. Encontramos, pois,

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uma boa confirmação para nossa tese; um metafísico chega aqui, ele próprio, à
constatação de que suas perguntas e respostas não se conciliam com a lógica e
o modo de pensar da ciência.
A distinção entre nossa tese e aquela dos antimetafísicos anteriores
agora é clara. A metafísica não é para nós “pura fantasia” ou “fábula”. As
proposições de uma fábula não contradizem a lógica, mas apenas a experiência;
elas são inteiramente dotadas de sentido, ainda que falsas. A metafísica não é
“superstição”; pode-se acreditar em proposições verdadeiras ou falsas, mas não
em sequências de palavras sem-sentido. As proposições metafísicas não podem
sequer ser consideradas como “hipóteses de trabalho”; pois é fundamental para
uma hipótese a relação dedutiva com proposições empíricas (verdadeiras ou
falsas), e precisamente isso falta às pseudoproposições.
Para salvar a metafísica, será levantada, considerando a chamada
limitação da faculdade de conhecimento humana, a seguinte objeção: as
proposições metafísicas não podem ser verificadas pelo homem ou mesmo por
um ser finito; mas elas podem ser consideradas talvez como conjecturas sobre
aquilo que poderia ser respondido por um ser com faculdades de conhecimento
superiores ou mesmo perfeitas, e enquanto conjecturas, elas ainda assim seriam
dotadas de sentido. Contra essa objeção, faríamos a seguinte consideração. Se
o significado de uma palavra não pode ser especificado, ou a sequência de
palavras é formulada contrariamente à sintaxe, já não há uma questão. (Que se
pense, por exemplo, nas pseudoquestões: “Esta mesa é babiga?”, “O número
sete é sagrado?”, “São os números pares ou os números ímpares os mais
escuros?”). Ali onde não há uma questão, nenhum ser onisciente pode
responder. Aquele que objeta dirá talvez: assim como alguém dotado de visão
pode comunicar um conhecimento novo a um cego, um ser superior talvez possa
nos comunicar um conhecimento metafísico, por exemplo, que o mundo visível
é a manifestação de um espírito. Aqui, deveríamos refletir sobre o que
“conhecimento novo” significa. Podemos sempre imaginar que encontramos
animais que nos relatam sobre um novo sentido. Se esses seres tivessem
provado o teorema de Fermat ou tivessem inventado um novo instrumento físico
ou tivessem estipulado uma lei natural até então desconhecida, nosso
conhecimento teria sido enriquecido com sua ajuda. Pois nós podemos provar

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tais coisas, assim como um cego pode compreender e provar toda a física (e,
com isso, todas as proposições de alguém dotado de visão). Se, no entanto, os
supostos seres nos disserem algo que não podemos verificar, também não
poderemos compreender isso; não se tratará para nós de uma informação, mas
de meros sons vocais sem sentido, ainda que sejam acompanhados de
associações de ideias. Por meio de um outro ser, conheça ele mais ou menos
ou tudo, nosso conhecimento pode ser apenas qualitativamente ampliado, mas
não pode se tratar de um conhecimento, em princípio, de outro tipo. O que é
incerto para nós pode se tornar mais certo com o auxílio de outro ser; mas aquilo
que é incompreensível para nós é sem-sentido, não pode se tornar dotado de
sentido com o auxílio de outro ser, mesmo que ele tenha o conhecimento.
Portanto, nenhum deus e nenhum diabo podem nos proporcionar uma
metafísica.

A FALTA DE SENTIDO DE TODA A METAFÍSICA

Os exemplos de proposições metafísicas que analisamos foram todos


tirados de um único artigo. Mas os resultados valem de modo semelhante, em
parte literalmente, para outros sistemas metafísicos. Quando tal artigo cita uma
frase de Hegel com aprovação (“O puro ser e o puro nada são, portanto, o
mesmo”), ele o faz com pleno direito. A metafísica de Hegel tem, de um ponto
de vista lógico, exatamente o mesmo caráter que encontramos naquela
metafísica moderna. E o mesmo vale inclusive para os outros sistemas
metafísicos, ainda que sua expressão verbal e, com isso, o tipo de erros lógicos
se distancie mais ou menos daquele dos exemplos discutidos.
Não seria necessário aduzir aqui outros exemplos para a análise de
proposições metafísicas particulares de diferentes sistemas. Indiquemos apenas
os tipos de erros mais frequentes.
Provavelmente, a maior parte dos erros lógicos cometidos em
pseudoproposições repousam sobre os defeitos lógicos que se prendem ao uso
da palavra “ser” em nossa língua (e das palavras correspondentes nas

outras línguas, ao menos, na maior parte das línguas europeias). O primeiro erro
é a ambiguidade da palavra “ser”; às vezes, ela é utilizada como cópula antes de
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um predicado (“Eu sou esfomeado”), às vezes, como a indicação de existência


(“Eu sou”). Esse erro é agravado pelo fato de que os metafísicos frequentemente
não são claros acerca dessa ambiguidade. O segundo erro reside na forma do
verbo no segundo significado, o de existência. Por meio dessa forma verbal, tem-
se a ilusão de um predicado ali onde não há nenhum. Sabe-se há muito tempo
que a existência não é uma propriedade (cf. a refutação de Kant da prova
ontológica de Deus). Mas apenas a lógica moderna é completamente consequente
a esse respeito: ela introduz o sinal de existência em uma forma sintática tal que
ele não pode se vincular a sinais para objetos, mas apenas a um predicado (cf.,
por exemplo, proposição III A na tabela acima). A maior parte dos metafísicos
desde a Antiguidade se deixou enganar pela forma verbal e predicativa da palavra
“ser”, chegando a pseudoproposições, por exemplo, “Eu sou”, “Deus é”.
Encontramos um exemplo desse erro no “cogito, ergo sum” de Descartes.
Desconsideremos aqui completamente as reservas acerca do conteúdo que
foram levantadas contra a premissa – se a proposição “Eu penso” é a expressão
adequada do estado de coisas em questão ou se inclui talvez uma hipóstase – e
consideremos as duas proposições apenas do ponto de vista lógico-formal.
Notamos aí dois erros lógicos essenciais. O primeiro está na conclusão “Eu sou”.
O verbo “ser” é tomado aqui sem dúvida no sentido de existência; pois uma
cópula não pode ser usada sem predicado; o “Eu sou” de Descartes foi entendido
neste sentido. Com isso, essa proposição vai de encontro à regra lógica
mencionada acima de que a existência só pode ser afirmada em ligação com um
predicado, não em ligação com um nome (sujeito, nome próprio). Uma
proposição existencial não tem a forma “a existe” (como tem aqui “eu sou”, isto
é, “eu existo”), mas “existe algo de tal e tal tipo”. O segundo erro reside na
passagem de “eu penso” para “eu existo”. Se for deduzida da proposição “P(a)”
(“a tem a propriedade P”) uma proposição existencial, a existência só pode ser
afirmada em relação ao predicado P, não em relação ao sujeito a da premissa.
De “Eu sou europeu”, não se segue “Eu existo”, mas “Existe um europeu”. De
“Eu penso”, não se segue “Eu sou”, mas “Existe algo pensante”.
O fato de que nossas línguas expressam a existência por meio de um
verbo (“ser” ou “existir”) não é, em si mesmo, um erro lógico, mas apenas
inadequado, perigoso. É se facilmente levado pela forma verbal à concepção

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errônea de que a existência é um predicado; chega-se, assim, às formulações


logicamente errôneas e, por isso, sem-sentido, como acabamos de examinar.
Formas como “o ente”, o “não-ente”, que há muito têm desempenhado um papel
importante na metafísica, têm a mesma origem. Em uma linguagem logicamente
correta, essas formas não podem ser formuladas. Parece que, no latim e no
alemão, talvez por influência do modelo grego, as formas “ens” e “seiend” foram
introduzidas especialmente para uso dos metafísicos; desse modo, a linguagem
foi logicamente deteriorada, embora se acreditasse melhorar uma série de
coisas.
Outra violação muito frequente da sintaxe lógica é a chamada “confusão
de esferas” dos conceitos. Enquanto o erro mencionado acima consiste em que
um sinal com significado não-predicativo é empregado como um predicado, aqui
um predicado é empregado como predicado, mas como predicado de uma outra
“esfera”; há uma violação das regras da chamada “teoria dos tipos”. Um exemplo
artificial é a proposição considerada anteriormente: “César é um número primo”.
Nomes próprios e numerais pertencem a esferas lógicas distintas e,
consequentemente, também predicados de pessoas (“general”) e predicados de
números (“número primo”). O erro da confusão de esferas não é, diferentemente
do uso linguístico mencionado do verbo “ser”, exclusivo da metafísica, mas
aparece frequentemente na linguagem cotidiana. Mas, neste caso, ele raramente
conduz à falta de sentido; a ambiguidade das palavras em relação às esferas é
tal que pode ser facilmente evitada.
Exemplo: 1. “Esta mesa é maior que aquela”. 2. “A altura desta mesa
maior que a altura daquela”. A palavra “maior” é empregada em (1) como relação
entre objetos, e empregada em (2) como relação entre números, logo, para duas
categorias sintáticas distintas. O erro não é importante aqui; ele poderia, por
exemplo, ser eliminado ao se escrever “maior1” e “maior2”; “maior1” é, então,
definido a partir de “maior2”, na medida em que a forma proposicional (1) é
explicada como tendo o mesmo significado que a forma (2) (e algumas outras
semelhantes).
Como a confusão de esferas na linguagem cotidiana não causa nenhum
dano na linguagem cotidiana, não se costuma dar atenção a ela. Isso se adéqua
ao uso ordinário da linguagem, mas teve consequências danosas na metafísica.

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Foi-se levado aqui, seguindo o hábito na linguagem cotidiana, a confusões de


esferas que já não podem, ao contrário daquelas da linguagem cotidiana, ser
traduzidas em uma forma logicamente correta. Pseudoproposições desse tipo se
encontram particularmente com frequência, por exemplo, em Hegel e Heidegger,
que emprestou, juntamente com muitas particularidades do idioma hegeliano,
muitos de seus equívocos lógicos. (Por exemplo, propriedades que devem se
aplicar a objetos de um certo tipo, são aplicadas, ao invés disso, a uma
propriedade desses objetos ou ao “ser” ou ao “ente” ou a uma relação entre
esses objetos).
Depois de termos descobertos que muitas proposições metafísicas são
sem sentido, levanta-se a questão sobre se há um estoque de proposições
dotadas de sentido na metafísica, que permaneceriam após termos eliminados
as proposições sem-sentido.
A partir de nossos resultados até aqui, poder-se-ia chegar à conclusão
de que há na metafísica muitos perigos de se cair na falta de sentido e de que,
se quisermos praticar metafísica, devemos nos esforçar para evitar
cuidadosamente esses perigos. Mas, na realidade, o fato é que não pode haver
proposições metafísicas dotadas de sentido. Isso decorre da tarefa que a
metafísica se coloca: ela pretende encontrar e exprimir um conhecimento que
não é acessível à ciência empírica.
Dissemos anteriormente que o sentido de uma proposição reside no
método de sua verificação. Uma proposição afirma apenas o que nela é
verificável. Portanto, uma proposição, se afirma algo, só pode afirmar um fato
empírico. Algo que em princípio residiria para além da experiência não poderia
ser dito, nem pensado, nem questionado.
As proposições (dotadas de sentido) se dividem nos seguintes tipos:
primeiramente, há proposições que são verdadeiras apenas em razão de sua
forma (“tautologias” segundo Wittgenstein; elas correspondem, mais ou menos,

aos “juízos analíticos” de Kant); elas não afirmam nada sobre a realidade. A esse
tipo pertencem as fórmulas da lógica e da matemática; elas próprias não são
enunciados factuais, mas servem para a transformação de tais enunciados. Em
segundo lugar, há as negações de tais proposições (“contradições”); elas são
contraditórias, portanto, falsas em razão de sua forma. Para todas as demais

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proposições, a decisão acerca de sua verdade ou falsidade reside nas


proposições protocolares; elas são, pois, proposições empíricas (verdadeiras ou
falsas) e pertencem ao domínio da ciência empírica. Se quisermos formular uma
proposição que não pertença a esses tipos, ela será automaticamente sem-
sentido. Como a metafísica não pretende afirmar proposições analíticas nem cair
no domínio da ciência empírica, ela deve necessariamente ou empregar palavras
para as quais não se pode especificar nenhum critério e que são, portanto, vazias
de significado ou combinar palavras dotadas de significado de tal modo que não
resulta nem uma proposição analítica (ou contradição) nem uma proposição
empírica. Em ambos os casos, resultam necessariamente pseudoproposições.
A análise lógica decreta, com isso, a falta de sentido de todo suposto
conhecimento que pretende ir além ou aquém da experiência. Esse veredito
atinge, primeiramente, toda metafísica especulativa, todo suposto conhecimento
resultante do pensamento puro ou da intuição pura, que acredita poder passar
ao largo da experiência. Mas o veredito diz respeito também àquela metafísica
que, partindo da experiência, pretende conhecer, por meio de inferências
particulares, o que está fora ou atrás da experiência (isto é, ele diz respeito, por
exemplo, à tese neovitalista de uma “enteléquia” atuando nos processos
orgânicos, que não pode ser apreendida fisicamente; à questão acerca da
“essência do nexo causal” para além da constatação de determinadas
regularidades da sucessão; ao discurso da “coisa em si”). Além disso, o veredito
vale também para toda filosofia dos valores ou das normas, para toda ética ou
estética enquanto disciplina normativa. Pois a validade objetiva de um valor ou
de uma norma não pode (inclusive segundo a concepção dos filósofos dos
valores) ser verificada empiricamente ou ser deduzida de proposições empíricas;
ela não pode, pois, ser dita (por meio de uma proposição dotada de sentido).
Dito de outro modo: ou se especifica critérios empíricos para “bom” e “belo” e os
demais predicados das ciências normativas ou não. Uma proposição com um
predicado desse tipo será, no primeiro caso, um juízo de fato empírico, mas não
um juízo de valor; no segundo caso, ela será uma pseudoproposição; uma
proposição que exprimisse um juízo de valor não pode de modo algum ser
formulada.
O veredito da falta de sentido atinge, por fim, também aquelas correntes

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que se costuma chamar impropriamente de teoria do conhecimento, a saber, o


realismo (na medida em que ele pretende afirmar mais do que a descoberta
empírica, isto é, que os eventos mostram uma certa regularidade por meio da
qual é dada a possibilidade de aplicação do método indutivo) e seus adversários:
o idealismo subjetivo, o solipsismo, o fenomenalismo, o positivismo (no antigo
sentido). Mas o que resta, então, para a filosofia se todas as proposições que
podem ser afirmadas são de natureza empírica e pertencem à ciência do real?
O que resta não são proposições nem teoria, nem sistema, mas apenas um
método, a saber, o método de análise lógica. No que precedeu, mostramos a
aplicação desse método em seu uso negativo: ele serve aqui para a eliminação
de palavras destituídas de significado, de pseudoproposições sem-sentido. Em
seu uso positivo, ele serve para a clarificação de conceitos e proposições
dotados de sentido, para a fundamentação lógica da ciência do real e da
matemática. Aquela aplicação negativa do método é necessária e importante na
atual situação histórica. Mas a aplicação positiva é mais fecunda, inclusive na
prática atual; entretanto, não podemos entrar em detalhes aqui. A tarefa
mencionada da análise lógica, a investigação dos fundamentos, é o que
entendemos por “filosofia científica” em oposição à metafísica; a maior parte das
contribuições nesta revista pretendem realizar essa tarefa.
A questão acerca do caráter lógico das proposições que obtemos como
resultado da análise lógica, por exemplo, as proposições deste artigo e de outros
artigos lógicos, pode ser respondida aqui apenas indicando que tais proposições
são, em parte, analíticas, em parte empíricas. Essas proposições sobre
proposições e partes proposicionais pertencem, em parte, à metalógica pura (por
exemplo, “Uma sequência que consiste em um sinal de existência e um nome
de objeto é sem sentido”), em parte, à metalógica descritiva (por exemplo, “A
sequência de palavras em tal e tal passagem de tal e tal livro é sem-sentido”). A
metalógica será tratada em outro lugar; ali será mostrado que a metalógica, que
fala das proposições de uma linguagem, pode ser formulada nessa própria
linguagem.

METAFÍSICA COMO EXPRESSÃO DE UM SENTIMENTO VITAL

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A afirmação de que as proposições da metafísica são completamente


sem sentido, não dizem nada, causará um sentimento de estranheza mesmo
naquele que concorda intelectualmente com nossos resultados: teriam, de fato,
tantos homens de diferentes tempos e povos, entre eles, cabeças eminentes,
despendido tanto esforço ou mesmo fervor na metafísica, ainda que ela não
consistisse senão em meras palavras ordenadas sem-sentido? E seria
compreensível que essas obras exercessem tamanho efeito nos leitores e
ouvintes, ainda que contivessem não erros, mas nada sequer? Essas reservas
se justificam na medida em que a metafísica, de fato, contém algo; só que isso
não é um conteúdo teórico. As (pseudo) proposições da metafísica não servem
para a representação de estados de coisas, nem de estados de coisas existentes
(pois seriam proposições verdadeiras) nem de estados de coisas inexistentes
(pois seriam proposições falsas); elas servem para expressar um sentimento
vital.
Talvez possamos supor que a metafísica se originou do mito. A criança
está com raiva da “mesa malvada” que a atingiu; o primitivo se esforça para
satisfazer o ameaçador demônio do terremoto ou ele venera em gratidão a
divindade da chuva caudalosa. Temos diante de nós personificações de
fenômenos naturais, que são a expressão quase poética da relação emocional
do homem com o ambiente. A herança do mito aparece, por um lado, na poesia,
que produz e eleva conscientemente o efeito da mitologia para a vida; por outro
lado, na teologia, na qual a mitologia é desenvolvida em um sistema. Qual é o
papel histórico da metafísica? Talvez possamos ver nela o substituto da teologia
no nível do pensamento sistemático, conceitual. As fontes (supostamente)
sobrenaturais do conhecimento da teologia são substituídas aqui por fontes
naturais, mas (supostamente) supra-empíricas, do conhecimento. Em um olhar
mais detido, reconhece-se na roupagem modificada o mesmo conteúdo do mito:
descobrimos que inclusive a metafísica surge da necessidade de trazer à
expressão o sentimento vital, a postura segundo a qual o homem vive, a atitude
sentimental e volitiva em relação ao ambiente, aos outros homens, às tarefas às
quais se dedica, aos percalços que sofre. Esse sentimento vital se manifesta, na
maioria das vezes inconscientemente, em tudo que o homem faz e diz; ele marca
suas expressões faciais, provavelmente inclusive sua postura ao andar. Muitos

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homens têm a necessidade de colocar seu sentimento vital sob uma expressão
particular, na qual ele se torna perceptível do modo concentrado e vigoroso. Se
tais homens forem talentosos artisticamente, eles encontram na forma de uma
obra de arte a possibilidade de se expressar. Já foi explicado por muitos (por
exemplo, Dilthey e seus discípulos) como o sentimento vital se manifesta no
estilo e nas características de obra de arte. (A esse respeito, utiliza-se com muita
frequência a expressão “visão de mundo”; evitamo-la por causa de sua
ambiguidade, por meio da qual se borra a distinção entre sentimento vital e
teoria, que é, no entanto, decisiva para nossa análise). A esse respeito, apenas
o seguinte é essencial para nossa reflexão: a arte é a forma de expressão
adequada para o sentimento vital, a metafísica, entretanto, é uma forma
inadequada. Em si mesma, não haveria naturalmente nada a objetar contra o
emprego de uma forma de expressão qualquer. Mas no caso da metafísica a
situação é que ela, por meio de suas obras, finge ser algo que não é. Essa forma
é aquela de um sistema de proposições, que (aparentemente) estão em uma
relação de fundamentação, isto é, na forma de uma teoria. Daí que seja forjada
a ilusão de um conteúdo teórico, embora, como vimos, ele não esteja dado. Não
apenas o leitor, mas também o próprio metafísico se encontra sob a ilusão de
que algo é dito por proposições metafísicas, que estados de coisas são descritos.
O metafísico acredita se mover no domínio em que se trata do verdadeiro e do
falso. Na realidade, ele não disse nada, mas apenas trouxe algo à expressão,
assim como um artista. Que o metafísico se encontre sob essa ilusão não
podemos inferir imediatamente do fato de que ele tome a linguagem como meio
de expressão e proposições declarativas como forma de expressão; pois o
mesmo é feito pelo poeta lírico, sem cair, entretanto, nessa auto-ilusão. Mas o
metafísico aduz argumentos a favor de suas teses, ele exige a concordância com
seu conteúdo, ele polemiza contra os metafísicos de outras orientações ao tentar
refutar as proposições destes. O poeta lírico, ao contrário, não se esforça em sua
poesia para refutar as proposições da poesia de outro poeta; pois ele sabe que
ele se encontra no domínio da arte e não da teoria.
Talvez a música seja a forma de expressão mais pura para o sentimento
vital, pois ela está completamente livre de tudo que diz respeito a objetos. O
sentimento vital harmônico, que o metafísico pretende expressar em um sistema

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monista, é expresso mais claramente na música de Mozart. E se o metafísico


exprime seu sentimento vital dualista-heroico em um sistema dualista, ele não o
faz porque provavelmente lhe falte o talento de Beethoven para expressar esse
sentimento vital na forma adequada? Os metafísicos são músicos sem talento
musical. Por isso, eles possuem uma forte inclinação para trabalhar
teoricamente, vinculando conceitos e pensamentos. Ao invés, por um lado, de
cultivar essa inclinação no campo da ciência e, por outro lado, de satisfazer a
necessidade de expressão na arte, o metafísico confunde ambos e forja uma
forma que não produz nada para o conhecimento e produz algo inadequado para
o sentimento vital.
Nossa suposição de que a metafísica é um substituto, embora
inadequado, para a arte parece ser confirmada também pelo fato de que o
metafísico, que talvez possua o maior talento artístico, a saber, Nietzsche, seja
aquele que menos caia no erro de tal confusão. Uma grande parte de sua obra
tem predominantemente conteúdo empírico; trata-se aí, por exemplo, da análise
histórica de determinados fenômenos artísticos ou da análise histórico-
psicológica da moral. Mas na obra em que expressa mais fortemente aquilo que
outros exprimem por meio da metafísica ou da ética, a saber, no Zaratrusta, ele
não escolhe a enganosa forma teórica, mas escolhe explicitamente a forma
artística, poética.

Enriqueça seus estudos


Assista ao vídeo: Ludwig Wittgenstein e o Jogo de Linguagem
Publicado em 14 de set de 2015. Este é um breve estudo introdutório ao

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conceito de jogo de linguagem de Ludwig Wittgenstein preparado para alunos do


Ensino Médio, conceito chave não somente dentro do pensamento deste filósofo,
mas também para toda filosofia da linguagem e para a filosofia geral
contemporânea.

https://www.youtube.com/watch?v=AqjagczB-9Q

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