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ASPECTOS TÉCNICOS E JURÍDICOS

SOBRE A EXPOSIÇÃO DE ANIMAIS SILVESTRES1


A Constituição Federal de 19882 petente – o direito de utilizá-lo da for- ra-se jardim zoológico qualquer cole-
adotou a concepção de que o meio am- ma que desejar. Nesse sentido, a lei res- ção de animais silvestres mantidos vi-
biente e os recursos ambientais perten- tringe tal utilização visando o bem-es- vos em cativeiro ou em semiliberdade
cem a toda a coletividade3. Nessa linha, tar do animal e a proteção do meio am- e expostos à visitação pública” (art. 1º).
surge uma terceira categoria de bens biente como um todo, do qual a fauna é Importante registrar que o espetáculo
jurídicos – os bens difusos –, na qual se parte integrante. circense com animais silvestres nativos
inclui o bem ambiental sob a designa- Apesar de frequentemente se encon- ou exóticos e, em alguns casos, com
ção de “bem de uso comum do povo” trar animais silvestres em estúdios, animais domésticos, é proibido por lei
enfraquecendo, dessa forma, a dicoto- shows, cursos e eventos, é importante em vários Estados e Municípios brasi-
mia tradicionalmente conhecida “bens lembrar que a utilização, exposição ou leiros. No âmbito federal, encontra-se
públicos e bens privados”. exibição requer a devida autorização, em tramitação no Congresso Nacional
Os bens difusos, portanto, não são sob pena do cometimento de crime am- projeto de lei para a regulamentação da
bens públicos – entendidos como aque- biental previsto no artigo 29 da Lei nº matéria5.
les que pertencem ao patrimônio indi- 9.605, de 12.02.1998: “... expõe à ven- Observa-se, portanto, que a legisla-
vidualizável dos entes públicos (União, da, ... utiliza ... espécimes da fauna ção estadual e municipal também pode
Estados e Municípios) - tampouco bens silvestre, nativa ou em rota migratória, regulamentar a exposição de animais
privados - que pertencem aos particu- bem como produtos e objetos dela ori- silvestres e ser até mais restritivas que
lares. São, portanto, bens cuja titula- undos, provenientes de criadouros não a legislação federal, visando sempre a
ridade é difusa, que pertencem a todos autorizados ou sem a devida permis- uma maior proteção do meio ambiente.
indistintamente – gerações presentes e são, licença ou autorização da autori- No município de São Paulo, têm-se
futuras – e não a indivíduos, grupos ou dade competente”. Também é previsto como exemplos a Lei nº 10.309, de
coletividade determinados. como crime ambiental a prática de abu- 22.04.1987, a qual prevê que somente
Os bens ambientais, gênero no qual so ou maus-tratos, ferimentos e muti- será permitida a exibição artística ou
se incluem os animais silvestres, enqua- lação de animais silvestres, domésticos circense de animais após a concessão
dram-se na categoria de bens difusos ou domesticados, nativos ou exóticos do laudo específico, emitido pelo Ór-
cuja titularidade é indeterminada, sen- (art. 32). gão Sanitário Responsável e que o re-
do tutelados pelas normas de direito O Decreto Federal nº 6.514, de ferido laudo mencionado apenas será
público. A utilização dos recursos am- 22.07.2008, por sua vez, considera in- concedido após vistoria técnica efetu-
bientais, dentre os quais se inserem os fração administrativa a exploração e o ada pelo Agente Sanitário, em que se-
recursos faunísticos é, portanto, limi- uso comercial de imagem de animal rão examinadas as condições de alo-
tada pela própria legislação. silvestre mantido irregularmente em jamento e manutenção dos animais
Com a Constituição Federal de cativeiro ou em situação de abuso ou (art. 27, caput e parágrafo único) e a
1998, a fauna silvestre deixou de ser maus-tratos, impondo multa de R$ Lei nº 14.014, de 30.06.2005, que pro-
propriedade do Estado4, conferindo-se 5.000 (cinco mil reais) a R$ 500.000,00 íbe, no âmbito do Município de São
um novo tratamento jurídico a essa ca- (quinhentos mil reais) (art. 30, caput), Paulo, a utilização de animais de qual-
tegoria de bem jurídico, o “bem ambi- permitindo-se o uso de imagem tão so- quer espécie em apresentação de cir-
ental” considerado como um todo (meio mente para fins jornalísticos, informa- cos e congêneres (art. 1º).
ambiente) ou como recurso ambiental, tivos, acadêmicos, de pesquisas cien- Conclui-se, portanto, que a exibição
a exemplo da fauna e da flora. tíficas e educacionais (art. 33, parágra- de animais silvestres deve considerar a
Seguindo esse raciocínio, mesmo os fo único). preocupação com o bem-estar dos ani-
animais adquiridos com nota fiscal de Por outro lado, a exposição de ani- mais expostos, a segurança do público
criadouros registrados não perdem a mais à visitação pública, autorizada ex- presente e a mensagem ambiental a ser
qualidade de bens difusos, não tendo o pressamente pela legislação pátria, é de- divulgada. Em razão disso, deve haver
indivíduo que detém a posse do animal finida como “jardim zoológico” na Lei a manutenção desses animais em recin-
– ainda que autorizada pelo órgão com- nº 7.173 de 14.12.1983: “... conside- to adequado e a devida assessoria téc-
nas para o Poder Público, mas para toda
a coletividade a defesa e proteção do
meio ambiente ecologicamente equili-
brado, além da promoção da conscien-
tização pública para a sua preservação.
Assim, é recomendável que o público
seja devidamente orientado sobre a im-
portância biológica dos animais silves-
tres em seu ambiente natural e sobre a
ilegalidade da captura e manutenção em
cativeiro de animais silvestres sem au-
torização, salientando-se que a mani-
pulação de animais silvestres por indi-
víduos despreparados ou sem experiên-

FONTE: IBAMA
cia pode oferecer risco às pessoas e aos
animais, com possibilidade de ocorrên-
cia de ferimentos em ambos, devendo
nica, alertando que as práticas de abu- na esfera civil7. também ser evitadas práticas que sub-
so, maus-tratos6, ferimentos, mutilações Além disso, a utilização do animal metam os animais a estresse desneces-
ou experimentos dolorosos são consi- deve transmitir uma mensagem educa- sário, tais como manipulação excessi-
derados infrações e crimes ambientais tiva, que considere a importância da va, temperatura ambiente em desacor-
ensejam penalização nas esferas admi- proteção à fauna silvestre e seu ambi- do com as exigências biológicas de cada
nistrativa e penal, além da obrigação ente, uma vez que a própria Constitui- espécie, excesso de barulho ou lumino-
de reparar o dano ambiental causado ção Federal impõe como dever, não ape- sidade inadequada. 

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Érika Pires Ramos. Procuradora Federal. ambiente; ra ou exótica em circos. Assunto: Social -
Procuradoria Federal Especializada junto VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, Meio ambiente. Data de apresentação: 30/
ao IBAMA em São Paulo - AGU. e-mail: na forma da lei, as práticas que colo- 10/2008. Situação: 13/06/2011 - REMETI-
erika.ramos@agu.gov.br quem em risco sua função ecológica, DA À CÂMARA DOS DEPUTADOS. Dispo-
Vincent Kurt Lo. Analista Ambiental do Nú- provoquem a extinção de espécies ou nível em: http://www.senado.gov.br/ativida-
cleo de Fauna e Recursos Pesqueiros - IBA- submetam os animais a crueldade. de/materia/detalhes.asp?p_cod_mate
MA/SP. e-mail: vincent.lo@ibama.gov.br [...] =87991. Acesso em: 20.06.2011.

2
Art. 225. 3
O novo Código Civil brasileiro (Lei nº 6
Segundo Curt Trennepohl, “o abuso se
Todos têm direito ao meio ambiente eco- 10.406, de 10.01.2002), em certa medida, caracteriza pela imposição ao animal de
logicamente equilibrado, bem de uso também segue essa linha ao adotar, da esforço físico acima da sua capacidade ou
comum do povo e essencial à sadia qua- mesma forma que a Constituição Federal, da obrigação de executar tarefa ou ativida-
lidade de vida, impondo-se ao Poder a designação “bem de uso comum do de que contrarie sua natureza. O mau-tra-
Público e à coletividade o dever de de- povo” para os recursos ambientais (exem- to é caracterizado quando se inflige ao ani-
fendê-lo e preservá-lo para as presen- plos: rios e mares). mal dor física ou psicológica”. O autor sus-
tes e futuras gerações. tenta que permanece em vigor o Decreto
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse 4
Art. 1º. Os animais de quaisquer espéci- nº 24.645, de 10.07.34, que define maus-
direito, incumbe ao Poder Público: es, em qualquer fase do seu desenvolvi- tratos. TRENNEPOHL, Curt. Infrações con-
I - preservar e restaurar os processos mento e que vivem naturalmente fora do tra o meio ambiente: multas, sanções e
ecológicos essenciais e prover o mane- cativeiro, constituindo a fauna silvestre, processo administrativo: comentários ao
jo ecológico das espécies e ecossiste- bem como seus ninhos, abrigos e criadou- Decreto nº 6.514, de 22 de julho de 2008.
mas; ros naturais são propriedades do Estado, São Paulo: Editora Fórum, 2009, p.168-169.
[...] sendo proibida a sua utilização, persegui-
V - controlar a produção, a comercializa- ção, destruição, caça ou apanha. (Lei nº 7
Art. 225. [...]
ção e o emprego de técnicas, métodos e 5.197, de 03.01.1967 – Lei de proteção [...]
substâncias que comportem risco para a àfauna). § 3º - As condutas e atividades considera-
vida, a qualidade de vida e o meio ambi- das lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
ente; 5
PLS - PROJETO DE LEI DO SENADO, Nº infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a
VI - promover a educação ambiental em 407 de 2008. Autor: SENADOR - Ada Me- sanções penais e administrativas, indepen-
todos os níveis de ensino e a conscientiza- llo. Emenda: Proíbe a utilização ou exibi- dentemente da obrigação de reparar os
ção pública para a preservação do meio ção de animais da fauna silvestre brasilei- danos causados.

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