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Ficha Técnica

Título: As Crianças Também Se Apaixonam

Autor: Gervânío Cabral

Categoria: Romance

2022 CABRAL, Gervânío.

Todos os direitos para a publicação desta obra reservados por:

Ideias de Ouro, S.A

Angola – Luanda

Telefone: (+244) 942 635 783

E-mail: ideias.ouro@yahoo.com

Coordenação Editorial: Gervânío Cabral

Revisão Inicial: Gervânío Cabral/Ideias de Ouro, S.A

Revisão Final: Kiala Nvumbi/Mari Búh Empire

Diagramação: Gervânío Cabral/ Ideias de Ouro, S.A

Capa: Gervânío Cabral/ Ideias de Ouro, S.A

1ª Edição: Abril de 2022

Nota: A presente obra foi disponibilizada gratuitamente pela Ideias de Ouro, S.A, é expressamente
proibido a reprodução, no todo ou em parte, da presente obra sem autorização prévia da editora e do
autor. É totalmente reprovável a comercialização desta obra.

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Para Celmira,

Uma paixão da primeira-classe.

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Sumário

Ficha Técnica ................................................................................................................ 1

Dedicatória.........................................................................................................................3

A Parte Antes de Todas As Outras Partes ou Prefácio ................................................... 7

Capítulo I: Maria António Maria ................................................................................. 12

Capítulo II: La Muerte ................................................................................................ 15

Capítulo III: El Dios.................................................................................................... 18

Capítulo IV: La Sociedad ............................................................................................ 21

Capítulo V: Los Ninjas................................................................................................ 23

Capítulo VI: El Niño ................................................................................................... 25

Capítulo VII: El Ladrón .............................................................................................. 28

Capítulo VIII: El Árbol ............................................................................................... 31

Capítulo IX: El Viejo Perro ......................................................................................... 33

Capítulo X: La Última Palabra .................................................................................... 36

A Parte Depois de Todas As Outras Partes ou Epílogo ................................................ 39

Bonús: O Camponês e o Bambu .................................................................................. 41

O Camponês e o Bambu .............................................................................................. 42

Agradecimentos .......................................................................................................... 47

Sobre o Autor.............................................................................................................. 48

Outras Obras da Editora .............................................................................................. 50

Próximo Lançamento .................................................................................................. 51

Sugestão de Leitura ..................................................................................................... 52

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A Magia da Paixão

Mesmo sem saber se a vou ter

Começo a sonhar

Mas o que serão dos sonhos

Se ela não me amar?

A negação, a associação e a admissão

O desejo, o gotejo e o gracejo do gotejo

O medo, o prazer e o prazer do medo

Sinto os efeitos incessantes

da magia da paixão

Onde a razão é irrelevante

Face a ditadura do coração

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“A magia não deslumbra o mágico, ela deslumbra o espetador. E é esse
deslumbramento que deslumbra o mágico...”

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A Parte Antes de Todas As Outras Partes ou Prefácio

A rua Calle estava em silêncio total quando se avistou na nela o terceiro filho de
uma jovem mulher mãe de seis filhos, dos quais, três meninas e três meninos, e essa
jovem achava isso belo, e por isso me refiro ao facto de ter três filhos de cada sexo, o
que representava um motivo de orgulho para essa jovem mulher, cujo nome completo
possui dois nomes iguais.

Os pássaros não cantavam, se o faziam, de certeza que era longe da rua Calle, as
flores não embriagavam os narizes com suas fragrâncias, se o faziam, de certeza que era
longe da rua Calle, o céu estava azul, com sol e sem nuvens quando de súbito uma
nuvem de fumaça negra surgiu e subiu pelo céu azul claro da tarde, tarde de uma terça-
feira, o dia da lua numa certa língua que um homem de um braço só adorava falar,
ouvir, escrever e ler.

O já referido terceiro filho da já referida jovem mulher mãe de seis filhos, saiu
de casa para brincar na rua com seus amigos, como era costume. Não da jovem mulher
mãe de seis filhos, mas sim do seu terceiro filho, que era o mais zargateiro entre os seis.
O menino havia acabado de almoçar, e acariciava sua barriga com a palma das mãos,
estava satisfeito, pois havia comido o seu prato preferido e repetido duas vezes. E por
pouco não repetiu a terceira. Por ser o segundo rapaz, tinha o segundo nome de um
artista latino, seu irmão mais velho, tinha o primeiro nome desse mesmo artista,
enquanto o seu terceiro irmão, que era o quinto filho, ficou com o terceiro nome do já
referido artista latino.

Enquanto acariciava sua barriga cheia de comida, o rapaz olhou para o céu e viu
a nuvem de fumaça negra que contrastava com o céu azul sem nuvens, e isso despertou
sua atenção. E num ato de puro instinto, levou as mãos à cabeça, grande, diga-se de
passagem, tão grande que motivava seus irmãos por vezes a chamarem-lhe de cabeçudo
ou cabeção.

- Fogo, fogo, fogo – gritou o menino.

Isso fez com que sua mãe saísse de casa para apurar o que se passava, junto com
sua mãe, saíram seus irmãos e irmãs, com exceção do terceiro rapaz e quinto filho e da

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segunda menina e quarta filha, o primeiro porque estava dormindo depois de um almoço
delicioso e a segunda porque estava tão entretida com um livro que ganhou do vizinho
que nem deu pelos gritos de seu irmão e a ida a rua de sua mãe e seus irmãos e irmãs.

No mesmo instante que a maioria dos membros daquela família saíram de casa,
também saiu a vizinha da casa ao lado da deles, no momento do segundo grito de fogo,
se quiser ser mais especifico, a vizinha da casa ao lado já estava na rua, enquanto a mãe
do menino saiu apenas ao fim do terceiro grito, então, salvo aqui o equivoco do mesmo
instante, porque foi um instante mais tarde que o primeiro instante.

Todos olharam para o menino de tronco nu, cabeça grande, rabo coberto por um
velho calção rasgado jeans azul e pés descalços apontando em direção a nuvem de
fumaça no céu azul claro com o seu braço esquelético direito, tão esquelético quanto o
seu braço esquerdo, porém ligeiramente mais curto.

- Onde há fumo, há fogo – disse a vizinha, vizinha conhecida por muitos dos
moradores da rua Calle como vizinha fofoqueira, e será tratada assim por mim também,
que em momento algum, revelarei os verdadeiros nomes dessas pessoas, para proteger
suas identidades ou para atiçar sua curiosidade, ou ainda para mentir a mim mesmo,
depois a ti, pois posso revelar ou não, vai depender.

A mãe do menino, a tal jovem mãe de seis filhos, ficou com medo, porque
quando mais nova, viu sua casa ser engolida pelo fogo, e isso trouxe essa recordação de
volta, soube disso porque numa conversa noturna sobre o incêndio muitos meses depois,
ela segregou isso a sua primeira filha, a segunda dos seis, que era a sua preferida, mas
isso não é da nossa conta, não por ora, porque talvez seja mais tarde.

A vizinha fofoqueira tinha razão ao dizer que onde há fumo há fogo, e de facto,
havia fogo na casa do estrangeiro, um homem que de tempo em tempo ausentava-se da
rua Calle para visitar sua terra natal, e era aquela uma dessas ocasiões, pois o
estrangeiro não estava em casa porque havia viajado para visitar sua terra natal, todos da
rua sabiam disso, porque na rua Calle, essas coisas todos ficam sabendo, muitas vezes
graças a agilidade de divulgar uma informação da vizinha fofoqueira. Outras vezes, sem
a influência dela, porque ela só é chamada de fofoqueira por ser a mais fofoqueira entre
os fofoqueiros moradores da rua Calle.

A mãe de seis filhos, também começou a gritar:

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- Fogo, fogo – gritou a mulher, e num estalar de dedos, a rua já estava cheia de
gente.

A princípio, apenas olhavam atónitos para a fumaça que saia da casa do


estrangeiro e subia até o céu.

O primeiro a agir foi um homem de poucas palavras, um homem que tinha


apenas um braço, e mesmo com o seu um braço apenas, correu para dentro de sua casa,
onde pegou um balde preto de plástico e encheu-o de água, e fez cerca de vinte e cinco
metros para jogar o primeiro balde de água na casa em chamas, aquilo fez com que
outros vizinhos que até aquele momento estavam apenas olhando fizessem o mesmo, e
em pouco tempo, os homens da rua Calle estavam unidos na luta contra o fogo que
consumia a casa do estrangeiro. Naquele momento, já a quarta filha da jovem mãe de
seis filhos estava na rua com o livro numa das mãos e o medo em todo corpo franzino.

Uns com baldes de água, outros com areia e um com um extintor de incêndio, os
homens da rua Calle tentavam extinguir o fogo, enquanto a maioria das mulheres apenas
olhavam e uma delas conversava com os bombeiros através do único telefone que havia
na rua Calle e no bairro onde a rua estava. Aquela que conversava, era a prostituta, que
saia de casa sempre que o sol se punha, para trabalhar ao pé da calçada de uma rua
muito distante da rua Calle, uma rua que ficava numa zona da cidade que ironicamente
era chamada de cidade.

Quando os bombeiros chegaram ao local, o fogo já estava extinto, graças aos


esforços de muitos homens que moravam na rua Calle, com destaque para o homem
com apenas um braço, ou melhor, o homem de um braço só, porque foi ele que teve
coragem de arrombar a porta da casa, dando um pontapé, é bem verdade que aquele ato
de heroísmo queimou uma parte de sua pata da perna direita, mas ele só sentiu a dor
daquela queimadura quando tudo havia passado, quando os bombeiros entraram na casa
para apurar a causa do fogo, causa que ele já sabia, mas não ousou dizer, pois como
disse antes, era um homem de poucas palavras e acrescento agora que também era um
homem de muita prudência.

Os moradores da rua Calle precisaram apenas de sete dias para deixar de falar
sobre o incêndio, até voltaram a falar, mas muito vagamente, pois, aconteceram outras
coisas que ocuparam os pacatos moradores daquela rua, com destaque para a morte do

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homem de um braço só, homem que passou a ser chamado de falecido, ao invés do seu
próprio nome, um nome bonito, daqueles meio difícil de pronunciar a primeira ou
segunda tentativa, mas agradáveis de falar, escrever e de ouvir.

A magia não deslumbra o mágico, ela deslumbra o espetador. E é esse


deslumbramento que deslumbra o mágico, disse o falecido a quarta filha da jovem mãe
de seis filhos numa bela noite de luar onde presenteou a menina com um livro
fascinante, muito antes de ter falecido. E numa tarde ensolarada, a menina lembrava se
daquelas palavras, poucos minutos depois de receber a triste notícia. Notícia esta que foi
o anúncio da morte do homem de um braço só. Um sentimento de revolta invadiu a
menina que não quis acreditar no que acabara de escutar de seu irmão mais velho, o
primeiro de seis, dos quais, três rapazes e três meninas, como venho referindo desde o
início, todos eles partilhando o nome de artistas, os rapazes de um músico latino e as
meninas, o de uma escritora cigana.

- Como pode ele estar morto? Ainda vi ele à noite passada – pensou
inocentemente a menina que estava estupidamente apaixonada. E sabia-o, sabia-o
perfeitamente que estava apaixonada e que a partir daquele momento, teria que carregá-
lo consigo, porque aprendeu isso com ele, isso e muitas outras coisas, porque o falecido
era o que os humanos chamam de enciclopédia ambulante, o tipo de pessoa que as
pessoas procuram quando não sabem algo que precisam saber.

O homem de um braço só, quando ainda em vida, ensinou a menina que nós
carregamos todos aqueles que amamos quando eles partem, e quando nós partirmos, os
que nos amam, passam a nos carregar. E nesse dia o falecido homem de um braço só
confessou que estava carregando demasiadas pessoas.

O falecido foi encontrado sem roupa e sem vida no seu quarto pelo estrangeiro,
que estranhou ver as portas e janelas da casa escancaradas, por isso, deu ouvidos a voz
que surgiu dentro de sua cabeça e disse, entra. E assim que entrou no apartamento,
chamou pelo nome do falecido, mas como não obteve resposta alguma, decidiu procurá-
lo pela casa toda, terminando sua busca no quarto, onde encontrou o falecido homem de
um braço só nu, pendendo no telhado com uma corda enrolada no pescoço, sem vida,
com um pedaço de papel preso em sua mão direita cerrada em forma de punho. E mais
tarde veio-se a saber que aquele pedaço de papel tinha os seguintes dizeres:

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- Para ser sincero, os únicos que têm final feliz são aqueles que se suicidam –
essas palavras não fizeram sentido para o estrageiro, não porque elas não possuem
sentido algum, mas sim porque aquele estrageiro não sabia ler naquela língua, embora
soubesse falar, não sabia ler nem escrever.

Além daquele papel, havia outro que estava sob a cama do falecido homem de
um braço só, aquele segundo papel era um poema inacabado, escrito na língua preferida
do falecido.

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Capítulo I: Maria António Maria

- Parodiando o falecido homem de um braço só, considerando que “esteje” não


existe e Deus também, então que Deus “esteje” contigo, neste caso, com vocês – disse o
melhor amigo do falecido, diante de todos que tiraram tempo para assistir o falecido ser
enterrado, e havia muita gente presente naquele cemitério, muita gente triste pela sua
partida, muita gente que ficou com o coração partido com a sua partida, inclusive a
quarta filha da jovem mãe de seis filhos, dos quais três rapazes e três meninas. A
menina procurava ocultar se entre as pessoas maioritariamente vestidas de preto, pois,
se fosse avistada por sua mãe, fosse qual fosse sua explicação para ter ido ao cemitério,
levaria uma sova daquelas que só as mães, os polícias e os ladrões sabem dar.

As palavras do melhor amigo deixaram alguns dos presentes indignados, e uns


poucos com um sorriso no canto da boca, aqueles poucos, tratava-se do estrageiro, um
outro homem, Gael e Júlio Cesar, não o imperador romano, mas sim, um humanista que
rejeitou a nacionalidade do seu país e tornou-se um cidadão internacional por pura
influência do falecido, o outro homem que soltou um sorriso, não era homem, era
mulher, e nunca soube seu verdadeiro nome.

O dia estava cinzento, foram poucas as vezes que deu para ver o sol, mas foram
muitas as lágrimas que aqueles homens e mulheres derramaram pelo falecido, houve
quem achava aquela partida prematura, houve quem achasse injusta, houve até quem
verbalizou, trata-se da jovem mãe de seis filhos, dos quais, três rapazes e três meninas:

- Porque as pessoas boas morrem – disse ela para si, mas Júlio Cesar, não o
imperador romano, que desconhecia a jovem mulher, mas conhecia o falecido, escutou
o desabafo dela, mas não ousou se manifestar, apenas seguiu em frente, embora
continuasse parado ao pé da mulher. Foi naquele instante que a primeira gota de lágrima
caiu, apenas pelo canto do olho esquerdo da jovem mãe, e outras lágrimas seguiram
aquela lágrima corajosa, e foi aí que começou o chororó, ou choradeira ou nhanhá,
nhonhonhó, como dizia a avó dela.

Trinta e quatro anos, seis filhos, dos quais, três meninas e três meninos, onde as
meninas partilharam o nome de sua escritora preferida e os meninos o nome do músico
preferido de seu ex-marido. Aquela foi uma decisão tomada quando ela ficou grávida da

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primeira criança, um menino que viria a ser o segundo filho preferido, porquê não sei,
mas essa questão passou muitas vezes pela cabeça do terceiro filho, o que ficou com o
último nome do músico latino.

Maria António Maria, era esse o nome da jovem mãe, que naquela altura, de
acordo a sua idade, não era tão jovem assim, mas ao contrário da sua idade biológica, a
sua idade física era de vinte e sete, quiçá vinte e cinco.

Às vezes pensava no pai de seus filhos, que há muito não dava sinais de vida,
porque há muito estava noutra província, numa zona sem cobertura, com outra mulher,
numa época em que os smartphones não surgiam na cabeça de ninguém, ou talvez já
tenham surgido muito ligeiramente na cabeça de Jobs, nunca se vai saber o que surge na
cabeça das pessoas a menos que elas digam ou demostrem.

Maria recebera o nome da sua avó materna, segundo sua mãe as primeiras filhas
devem ser charas das mães das mães, e embora não gostasse do nome Maria, até aí a
mãe de seis filhos, dos quais, três rapazes e três meninas, entendia, o que a inquietava
mesmo era o fato de ser duas vezes Maria, poderia ser só uma vez Maria, e várias vezes
quando mais nova e umas poucas quando mais velha, perguntou isso a sua mãe, é claro
que nem sempre usou as mesmas palavras, nem sempre o mesmo tom de voz, nem
sempre o mesmo ânimo, algumas vezes era na brincadeira, outras vezes era na raiva,
porque seus colegas de escola zombavam de seu nome.

- Maria António Maria – era assim que cantavam os meninos e meninas de sua
classe na primeira-classe no caminho de volta para casa, mas nem sempre era assim,
porque aqueles miúdos, às vezes tinham outra vítima, ou uma brincadeira que os distraía
na longa caminhada da escola para casa, sem a companhia de um adulto, o mais velho
do grupo era o mais burro, e tinha orelhas iguais as de um jumento, era José Tavares dos
Santos, mas todos naquela altura chamavam-lhe de Zê, Zê Burro, para ser exato, porque
é bem verdade que tinha dez anos de idade e havia feito quatro anos na primeira-classe.

Às vezes Maria lembrava-se de Zê, mas não por muito tempo, porque Zê morreu
antes de fazer dezoito anos, e Maria não gostava de chorar, e sempre que se lembrava de
Zê, lágrimas escorriam-lhe pelo rosto. Mas naquele momento, no funeral de seu falecido
vizinho de um braço só, ela chorou, por Zê burro, por seu pai, por sua avó, por seu
falecido vizinho, por seu ex-marido, por seu irmão que partiu em busca do el dourado e

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não mais voltou. E enquanto Maria António Maria chorava, o melhor amigo do falecido
prosseguiu com o seu discurso:

- Inúmeras vezes o falecido leu o livro O Mundo de Sofia, porque amava


filosofia. Inúmeras vezes escreveu poemas de melancolia, porque como dizia, a vida
não é feita só de alegria. E é este falecido que me ensinou a viver, que me contou aquela
regra número um dos buracos, que diz que quando estamos dentro de um, devemos
parar de cavar, o Ger... – e naquele instante, o discurso foi interrompido, porque o
melhor amigo do falecido começou a lacrimejar, e deixou o seu silêncio falar por si,
porque diz-se que o silêncio fala, e aquele silêncio súbito que instalou se naquele meio
por cerca de cinco minutos, presumiram muitos dos presentes, mas durou apenas
quarenta e um segundos, falou, falou muitas coisas, até deu resposta a certas perguntas.
E depois disso, o melhor amigo do falecido prosseguiu pela segunda vez:

- Diante desse mar de gente inconsolada com a perda, posso afiançar que o
ditado popular que a medida em que o tempo vai passando, ele vai merecendo menos o
nome de popular. Ditado este que diz que a morte nos despe de nossos bens para nos
vestir de nossas virtudes, e a reação das pessoas aqui cimenta a minha afirmação pia de
que o malogrado era um homem cheio de virtudes.

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Capítulo II: La Muerte

- Lembro-me de assistir os vídeos do casamento dos meus pais


inúmeras vezes, e não esqueço da parte que eles concordam quando o padre diz até que
a morte os separe, e a morte separou os, embora ambos estejam vivos, já não estão
juntos, o que quer dizer que estão separados, e o motivo da separação deles só pode ter
sido a morte, embora minha mãe a chame de Bruxa e os outros insistam em chamá-la de
Engracia, minha madrasta só pode ser a Morte, porque só a morte podia separar os meus
pais, e se a tal Engracia separou eles, ela é a Morte, não Engracia nenhuma nem Bruxa,
é simplesmente a Morte.

Essas palavras foram ditas pela quarta filha da jovem mãe de seis filhos, e foram
ditas num momento de pausa, um momento que o homem de um braço só decidiu fazer
uma pausa na explicação de matemática porque a menina já havia feito demasiados
exercícios naquela manhã, e também não achava justo ela passar tanto tempo estudando
porque era época de férias e a menina pela sua idade devia estar a brincar como as
outras crianças, presas a um estado contínuo de infinito.

Deixa-me organizar as coisas, era manhã de Dezembro, uns poucos dias depois
da casa do estrageiro ter pegado fogo, e um dia antes dos ninjas invadirem a rua Calle.
Naquela sexta-feira a quarta filha da jovem mãe de seis filhos, dos quais três meninos e
três meninas, havia ido a casa do homem de um braço só por um simples motivo, quis
ajuda para resolver um exercício que tirou do livro de matemática de um de seus irmãos
mais velhos, o livro da classe que ela frequentaria no ano seguinte, cujas aulas
iniciariam em Fevereiro próximo.

O homem de um braço só além de prudente, também era paciente, embora ainda


estivesse sentindo dor na pata direita queimada na tentativa bem-sucedida de extinguir o
incêndio na casa do estrageiro, estrageiro que ainda não havia voltado, talvez porque
ainda não sabia sobre o incêndio ou porque estava se divertindo bastante com seus
familiares e amigos, inocente de que sua casa havia pegado fogo, e essa inocência foi
devido ao fato de ninguém ter conseguido contatá-lo, pois todas as tentativas
fracassaram. O telefonema encontrou seu telefone desligado e era o único meio que

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havia naquela época além das cartas de contatar um homem que está a um oceano de
distância.

O homem de um braço só estava debruçado sobre a sua secretária, bebendo café


com leite e lendo novamente o livro O Mundo de Sofia quando escutou batidas na porta.
Interrompeu a leitura e foi atender, deparou se com a menina, a quarta filha da jovem
mãe de seis filhos. A menina abraçava um caderno no peito, e segurava um lápis na mão
direita, lápis que estava tão destruído quanto suas velhas roupas que já haviam
pertencido a dois de seus três irmãos mais velhos. Aquela menina era a quarta filha, o
primeiro filho era um magricelas egocêntrico, a segunda filha era outra magricelas,
porém medrosa, enquanto o terceiro filho era um magricelas cabeçudo e zargateiro,
presumo que zargateiro deve significar alguém muito confucionista, mas só a jovem
mãe de seis filhos pode dizer o que realmente significa essa palavra, pois ela dizia
constantemente naquele menino cabeçudo que ele era muito zargateiro. O quinto filho
era um menino chorão, enquanto a sexta e última filha era uma menina antipática.

Contudo, voltemos a quarta filha, que estava diante do homem de um braço só,
abraçada a um caderno velho, segurando um lápis velho, vestida de roupas velhas,
calçando umas chinelas velhas, as chinelas pertenceram ao seu irmão cabeçudo, mas
como o pé do menino aumentou e as chinelas já não lhe serviam, ele as abandonou para
andar descalço, e como a menina não tinha chinelas e detestava andar descalça,
aproveitou as chinelas abandonadas pelo irmão, o vestido que usava, pertenceu a sua
irmã, a segunda filha, enquanto a calça pertenceu a seu irmão mais velho e também ao
seu irmão cabeçudo. E deves estar se questionando porque a menina vestiu vestido com
calça, a resposta é que o vestido era tão pequeno que parecia blusa e a mãe da menina
não quis ver sua filha andar por aí com as pernas e parte das nádegas a mostra, por isso
mandou ela usar mais qualquer coisa, e essa coisa foi a velha calça azul jeans que já
pertenceu a dois de seus três irmãos mais velhos.

O homem de um braço só achou aquilo engraçado, porém deprimente, porque


pareceu que a menina se sentia bastante intrigada com a separação de seus pais.

- E onde será que está essa tal Morte agora? – perguntou o homem de um braço
só a menina. Mas ela não teve tempo de responder aquela questão, pois seu irmão mais
novo surgiu, dando cabo do clima que havia naquela varanda que dava diretamente para
a rua.

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Quem estivesse na varanda podia ver facilmente os que passavam pela rua, e o
mesmo acontecia com os que estivessem na rua. Deve ser por isso que o menino não
precisou entrar, apenas gritou o nome de sua irmã a partir da rua. Aquilo fez o homem
de um braço só e a menina com o segundo nome de uma escritora cigana se voltarem
para o menino que trouxe um recado da mãe, um recado que fez a menina fazer cara feia
e o homem de um braço só sorrir.

E naquele instante, em que se passava a cena do menino gritando para a menina


na varanda do homem de um braço só, um homem estrangeiro estendia seu tapete
marroquino na mesquita e se ajoelhava sobre ele, com a cabeça voltada para direção de
Meca, sem saber que sua casa havia pegada fogo, o estrangeiro rezou para Alláh, e foi
uma reza tão linda que não ouso traduzir, também não ouso transcrevê-la em árabe,
porque você não deve falar árabe tão bem quanto eu e ele.

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Capítulo III: El Dios

- Às vezes parece que Alá é Deus, mas não, Deus é que é Alá – disse o homem
de um braço só, quebrando o silêncio que havia entre ele e a menina que estava
totalmente concentrada nos exercícios que estavam no caderno, mais especificamente o
número 13, que era uma fácil equação do primeiro grau, que muitos resolvem apenas
com os olhos, e têm a resposta em menos de um minuto, ou pouco mais de um.

As palavras do homem de um braço só arrancaram a menina de sua habitual


concentração e aquelas palavras fizeram confusão na sua cabecinha, porque embora
tenha escutado, pareceu-lhe ter escutado mal, porque nada pareceu ter sentido, pois sua
mãe dizia constantemente que o Deus do estrageiro era Alá, e todos os estrangeiros que
se vestiam como ele eram mamadus, e era assim que os habitantes da rua Calle e muitos
outros do mesmo país chamavam os estrangeiros africanos que têm como religião o islã.

- Como Alá não é Deus? – perguntou a menina ao homem de um braço só, e foi
apenas naquele momento que ele apercebeu-se que havia pensado alto, ou verbalizado
seus pensamento, porque era uma coisa entre ele e ele, embora pareça brincadeira, mas
ele tinha diálogos dentro de sua cabeça, não monólogos, diálogos, onde há emissor e
recetor que constantemente invertem de papel, onde um assunto é discutido por vozes
que apresentam diferentes argumentos.

- Nada não, estava apenas pensando alto – respondeu o homem de um braço só,
tentando mudar de assunto, mesmo sem intensão de passar de um assunto para outro, e
sim de um assunto para o silêncio anterior.

- A mamã diz que só há um Deus verdadeiro e o nome dele é Jeová. Todos os


outros Deuses são falsos – disse a menina, abandonando os exercícios por resolver.
Tanto a menina quanto o homem de um braço só, não imaginavam que minutos depois
daquilo o irmão mais velho da menina apareceria e gritaria para eles a partir da rua.

E o homem de um braço só, apenas calou, e muitos devem presumir que quem
cala consente, mas é só mais um dos muitos ditados com defeito.

- Eu tenho uma amiga que iria adorar você – disse o homem de um braço só,
antes do silêncio se instalar entre eles e a menina voltar a se concentrar nos exercícios,

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embora tenha pensado no que sua mãe dizia sobre adorar, isto é, a jovem mãe de seis
filhos dos quais três rapazes e três meninas, dizia que só devemos adorar Deus, e nada
mais, não devemos adorar pessoas nem objetos, apenas e somente Deus.

E no instante em que aqueles pensamentos visitavam a cabeça da quarta filha da


jovem mãe de seis filhos, o rapaz dos brincos passou calmamente pela rua, estava
segurando um saco plástico que tinha vinte pães pequenos. O rapaz dos brincos era
franzino e de poucas palavras, suas palavras eram tão raras que uma certa vez a
prostituta chamou-o apenas para se certificar se ele realmente falava, e ele falou, falou
que sim, e nada mais além disso.

Na cabeça daquele rapaz reinava o desejo de ser médico, ter uma casa com uma
piscina enorme e um quintal tão maravilhoso que seus futuros filhos não saíram para
brincar na rua como fazem a maioria das crianças da rua Calle.

Além da casa do homem de um braço só, o rapaz dos brincos também passou
pela casa de outros moradores da rua Calle, entre eles, destaco a casa assombrada e a do
ancião que não suportava o padre que morava na igreja que ficava no final da rua, uma
igreja enorme que outrora foi linda, mas naquela época era velha e feia.

Inúmeras vezes aquelas duas figuras se envolveram em uma discussão, pois o


ancião afirmava piamente que a igreja Católica era falsa, enquanto o padre dizia que os
Testemunhas de Jeová são filhos da Católica, só que filhos rebeldes, que querem a todo
custo contrariar o pai. Nestes instantes o ancião ficava vermelho de raiva, e invocava
uma das fragilidades da igreja católica, a adoração de estátuas. Se fosse muitos anos
mais tarde, acredito que o ancião também invocaria a pedofilia, não sabendo dos casos
de pedofilia que surgiriam na sua religião também.

Porém, vamos deixar para lá o padre e o ancião, e mais tarde falarei sobre o
pastor, mas por ora, revelarei um segredo do rapaz dos brincos, um segredo que apenas
ele e quiçá Deus sabem. Não sei se é o Deus de Moisés ou o Deus de Paulo, não sei se é
o Deus de Maomé ou o Deus Mandume, isso eu não sei, contudo sei que o rapaz dos
brincos quando tinha dezassete anos de idade, chegou à casa, vindo da escola, triste por
mais um dia sem graça, sentindo-se o ser mais estranho entre os seres, incapaz de
invocar sua amiga imaginária que deixou de aparecer quando ele fez treze anos, ele

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recorreu ao super-homem, que não era homem, nem super, era apenas um boneco de
plástico com um fato azul, tanga e capa vermelha.

Nessa tarde, a semana estava na quinta-feira, o mês estava no dia 3, o dia estava
nas quinze horas, os pais do rapaz que era filho único, não estavam em casa, por isso o
rapaz dos brincos que na altura ainda não usava brincos, correu para o seu quarto,
direito para o guarda-roupa e abriu a caixa cheia de poeira, e entre carros e outros
brinquedos de plástico e não só, ele escolheu o super-homem, pois queria que ele o
salvasse de sua melancolia.

Segurou o boneco de plástico com a mão direita, ainda vestia o seu uniforme do
colégio, ainda calçava o ténis converse preto e branco, ainda vestia a calça azul jeans. E
foi assim que o rapaz dos brincos sentou no chão do seu quarto com as pernas cruzadas,
as costas curvadas, um sorriso no rosto e o boneco do super-homem nas mãos, o rapaz
brincou, tal e qual como fazia quando era mais novo, se esquecendo do resto do mundo
e penetrou na sua fantasia.

E depois de brincar, guardou o super-homem e voltou a sua realidade, uma


realidade onde alguns meses depois, ele colocou um furo na orelha direita, sua mãe
gritou com ele, mas ele não ligou e passado duas semanas do primeiro furo, ele achou
que ele precisava de companhia, não o rapaz, o furo. Foi então que ele colocou o
segundo furo, mas desta vez sua mãe não gritou com ele, foi seu pai, que não sentiu
necessidade alguma de gritar com o rapaz além do pedido da mãe, que não teve
coragem de gritar novamente com o rapaz, por isso pediu ao pai que o fizesse. E o pai
de fato fê-lo, e presumiu que os seus gritos surtiram efeito, pois o rapaz dos brincos não
fez outro furo depois dos gritos, mal sabem eles que a intensão do rapaz era mesmo ter
dois furos e não três.

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Capítulo IV: La Sociedad

Não comece a correr antes de saber de onde vêm os tiros, pensou o homem de
um braço só, e ficou alegre por ter pensado nesta frase e até sabia onde a usaria. Mas
não pensou nesta frase por tanto tempo, pois teve que voltar sua atenção para sua única
aluna que estava no seu segundo dia de aula.

Imagina uma criança fofa, de pele negra, do sexo feminino, com cerca de nove
anos de idade, cabelos longos pretos, olhos negros, joelhos que se tocam, corpo quase
franzino e um lindo sorriso, essa criança que imaginaste é a quarta filha de uma jovem
mãe de seis filhos, dos quais, três rapazes e três meninas, onde os rapazes partilharam os
três nomes de um músico latino e as meninas os três nomes de uma escritora cigana.

Essa menina estava apaixonada, por alguém de poucas palavras, e muito


silencioso, o tipo que chamam de tímido. Por isso a arte lhe tocou, quando ela leu as
escondidas o poema escrito pelo homem de um braço só, quando o homem deixou a
menina na varanda e entrou para beber água e mijar, presumindo que ela ficaria
entretida com o exercício de matemática que ele deixou para ela resolver, mas a verdade
é que ela ficou entretida com o poema escrito à mão, pelo dono de uma caligrafia que
não se inclinava para a direita nem para a esquerda, o que demostrava o equilíbrio
daquele homem de apenas um braço.

O tema do poema era “a magia da paixão”, e ele foi o meio pelo qual a arte
tocou a menina, que não conseguiu conter as lágrimas que escorreram livremente pelo
seu rosto lindo, não feito daquela beleza padronizada pela sociedade, mas a verdadeira,
onde há diferentes formas de beleza, sem exigir os olhos x e o nariz y ou a boca z.

Quando a menina escutou os passos do homem de um braço só se aproximando,


ela colocou o papel com o poema no lugar, como se nunca tivesse tocado nele. Mas o
homem com apenas um braço notou, porém, sua prudência não permitiu que ele
dissesse que notou. Há um grande problema quando lidamos com pessoas que dão valor
aos detalhes, elas sabem que algo está um centímetro mais a esquerda ou direita do
habitual, elas sabem quando falta apenas um ponto, elas sabem que algo foi movido,
mesmo que esteja apenas um milímetro fora do lugar.

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Com o regresso do homem de um braço só, tudo voltou como estava, isto é, a
quarta filha da jovem mãe de seis filhos voltou a resolver os exercícios de matemática,
enquanto o homem de um braço só apenas a observava enquanto pensava por alto.

Algo inquietava aquele homem, estava apaixonado e seu romance era proibido,
mesmo que a outra parte também estivesse apaixonada por ele, a sociedade reprovaria a
relação, a sociedade é assim, má, muito má mesmo, elas representam um conjunto de
maldade humana que dá cabo de muitas mentes humanas.

A sociedade é como um câncer, a sociedade é o grande distribuidor da maldade,


mas tudo começa com o homem, o pecado da bíblia sagrada dos animais. Esse homem
que faz mal aos outros por egoísmo, por ser incapaz de se colocar no lugar dos outros,
por ser incapaz de pensar no direito igual que os outros têm. É esse homem que junto
com outros homens como ele, forma a sociedade repugnante.

A aula de matemática naquele dia terminou às 12h34, porque o irmão mais velho
da menina trouxe um recado, um recado que deixou a menina atónita, depois alegre,
depois triste.

E quando a menina partiu com o menino, o homem de um braço só pensou,


pensou no quão mal está a sociedade, no quão egoísta são os homens, no quão ignorante
são algumas mulheres que deixam os homens tratá-las como ser inferior tal como fazem
com os outros animais.

Quem disse ao homem que ele é o ser mais inteligente? Quem disse ao homem
que precisa matar para viver? Quem disse ao homem que ele é o centro do universo?

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Capítulo V: Los Ninjas

Depois da menina ter ido embora, começou a preparação da invasão dos


ninjas, não tardaria muito, a rua Calle estaria cheia de ninjas. O homem de um braço só
saiu da varanda e foi para sala assim que sua única e melhor aluna partiu. Ele estava
alegre com a capacidade da menina de aprender rápido, também estava envergonhado,
pois a menina leu o seu poema e descobriu que ele estava apaixonado, mas o que ele
não sabia, é que a menina também estava, e ela tal como ele, não conseguia parar de
pensar no seu apaixonado. Na inteligência do rapaz, que era demasiado bom a
matemática.

O irmão mais velho da menina mentiu, a mãe não estava a chamá-la, e isso a
menina soube quando chegaram em casa e a mãe nem sequer estava lá, e se estivesse,
não teria tantos meninos lá, porque a casa estava cheia com os meninos que moravam na
rua Calle. A menina não entendeu, mas seu irmão mais velho explicou o plano a todos,
um plano simples, abusivo e barulhento. Um plano cuja sua execução traria um sorriso
no canto da boca do homem de um braço só, e muitas veias no pescoço do pastor,
porque seria bruscamente arrancado de algo agradável e calmo que estaria fazendo.

A rua Calle estava banhada pelo silêncio, o típico silêncio de uma rua de um
bairro pobre numa tarde ensolarada, em que o clima decide ultrapassar os trinta graus. O
plano teve origem depois do primeiro filho da jovem mãe de seis filhos, dos quais, três
rapazes e três meninas, ter assistido um filme onde os ninjas salvaram a terra da
destruição, e foi justo no final do filme que ele teve a ideia, confesso que não surgiu
uma lâmpada por cima de sua cabeça, mas seria bom se tivesse surgido, ou se o franzino
rapaz saísse correndo pela rua Calle gritando eureka, todavia, o menino apenas teve a
ideia, contou ao seu irmão cabeçudo e zargateiro, esse achou a ideia bestial, até
classificou-a como a melhor ideia de sempre. E juntos reuniram os meninos da rua em
casa, aproveitando a ausência da mãe que havia ido a um lugar qualquer comprar
qualquer coisa para o almoço, que pela hora que comeram naquele dia, seria mais digno
chamá-lo de jantar, pois quando os seus seis filhos se reuniram à volta da mesa,
faltavam catorze minutos para às sete da noite.

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Contudo, voltemos aos ninjas, ninjas que pegaram em suas camisolas e
colocaram na cabeça, depois pegaram nas mangas das já referidas camisolas e fizeram
um nó na parte de trás da cabeça, deixando assim o peito desnudo e os olhos
descobertos. E foi com o peito desnudo que eles invadiram a rua Calle quando
escutaram o primeiro filho da jovem mãe de seis filhos dizer “bigidalavaruado”, os
outros meninos não conseguiram pronunciar essa palavra, e duvido que os outros
moradores da rua Calle se tentassem conseguiriam.

- Bigidalavaruado – gritou o menino, e assim que suas palavras tocaram o chão


de terra da rua Calle, os ninjas começaram a invasão, numa tremenda algazarra, o
enorme grupo de meninos ninjas andou causando pânico de uma ponta da rua a outra,
gritando, batucando em tampas de panelas velhas, em garrafas e bidões, os ninjas
acabaram com o silêncio que banhava a rua Calle naquela tarde ensolarada.

A barulheira assustou a vizinhança que como é hábito, saiu a rua para saber o
que se passava, o último a sair foi o pastor, a primeira foi a vizinha fofoqueira. O pastor
estava lendo o livro de Mateus 2:11 quando escutou a algazarra, e isso deixou ele bravo,
mas verdade seja dita, ele é o tipo de homem que ferve em pouca água, ou faz
tempestade em um copo de água. A vizinha fofoqueira estava sentada na casa da
prostituta, ela, a prostituta e uma outra vizinha, a mãe do rapaz dos brincos, tanto a
prostituta como a mãe do rapaz dos brincos, escutavam o que a vizinha fofoqueira dizia
sobre o misterioso homem de um braço só, dizia a fofoqueira que ele perdeu o seu braço
na guerra, numa batalha na fronteira com o Congo Democrático, mas não condiz com a
história verdadeira, e para piorar, o homem de um braço só nunca pertenceu ao exército,
ele achava a educação militar ignorante, porque toda educação que nos limita ou impede
de questionar, segundo o homem de um braço só, não pode ser sábia.

O resto dá para imaginar, os meninos encheram a rua de barulho, os adultos não


gostaram, e fazendo uso da violência, ainda que desnecessariamente, muitos meninos
foram arrancados daquela marcha barulhenta de ninjas para o interior de suas casas.
Muitas orelhas foram puxadas, muitas palmadas foram dadas, muitos gritos foram soltos
e foi usando a força bruta que os adultos da rua Calle impediram a invasão dos ninjas.
Ressalvando aqui o erro de impedir, porque eles apenas interromperam, não impediram.

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Capítulo VI: El Niño

Se a invasão dos ninjas ocorresse dois anos mais cedo, teríamos visto entre a
multidão a catorzinha, que na verdade já tinha dezasseis anos de idade, mas que dois
anos mais cedo brincava com e como os outros garotos que colocaram as camisolas na
cabeça e se converteram em ninjas e invadiram a rua Calle numa tarde ensolarada.

Muitos adultos e muitos adolescentes da rua Calle se sentiam atraídos pela


catorzinha, tanto é que chegavam a verbalizar essa atração e foi com o começo dessas
verbalizações que a catorzinha notou que não era mais uma criança, por isso abandonou
a gangue comandada pelo filho mais velho da jovem mãe de seis filhos, dizendo:

- Não posso mais andar com vocês porque são crianças – naquela altura os
garotos e garotas ficaram indignados com ela, enquanto os adolescentes e alguns adultos
ficavam babados, uns pelo rabo da menina, outros pelos seios, uns poucos pelo rosto e
alguns por todo corpo da menina.

Talvez se a catorzinha estivesse na invasão dos ninjas não teria que abandonar a
rua Calle por vergonha, talvez se a catorzinha estivesse na invasão dos ninjas não teria
ficado grávida de um homem adulto que já tinha duas mulheres e uns tantos filhos.
Talvez aquele bebê que foi encontrado aos gritos no contentor de lixo da rua Rule,
situada a uns cem quilómetros da rua Calle, não tivesse sido abandonado. Talvez tivesse
nascido uns anos mais tarde ou talvez nem tivesse nascido e nem fosse resgatado pelo
rapaz de nome bonito e sorriso tímido.

Após a invasão dos ninjas, o marido da fofoqueira saiu tranquilamente da casa


incendiada do estrangeiro que ainda não havia regressado de sua viajem, aquela altura
os ninjas já haviam sido espancados e presos em suas casas, a rua voltara a ser banhada
pelo silêncio, os moradores que estavam minutos atrás na rua motivados pela algazarra
da invasão, já haviam entrado em suas casas, com exceção de um homem de um braço
só, esse homem viu o marido da fofoqueira sair tranquilamente, tão tranquilo que
esqueceu de fechar o ziper da calça. O mesmo homem também viu minutos mais tarde a
catorzinha sair da mesma casa, apressada e meio atrapalhada, tentava arrumar o cabelo e
o vestido ao mesmo tempo, pois não tinha a experiência do marido da fofoqueira na
malandragem, nem na fuga a paternidade.

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Foi no momento que o primeiro filho da mãe de seis filhos gritou
bigidalavaruado que um dos milhares de espermatozoides do marido da vizinha
fofoqueira alcançou o óvulo e a catorzinha ficou grávida, mas ela não sabia, foi saber
uns dois meses mais tarde, após ter se sentido por um tempo superior a vizinha
fofoqueira por ter roubado o seu marido, o que não chegou a ser verdade. E ainda houve
o tempo em que a menina se sentia mais mulher por não ser mais virgem e o tempo em
que presumiu se que estava doente, porque os desmaios e enjoos levaram sua mãe a
presumir isso, sem ter ido a médico algum, mas mais tarde foram obrigados, porque a
menina passou muito mal durante uma madrugada de Abril, e depois dessa madrugada,
muita coisa mudou na vida da catorzinha, pois o marido da vizinha fofoqueira não
aceitou assumir a gravidez, a mãe da menina, por vergonha, mudou se de bairro, a
fofoqueira não ousou fazer fofoca sobre esse assunto, guardou a sete chaves, tal como o
homem de um braço só, que em silêncio assistiu o desenrolar da história enquanto o
resto dos moradores da rua Calle não deram por isso, e quando digo por isso, me refiro a
gravidez da catorzinha, ao facto do pai do filho que a menina carregava ser o marido da
vizinha fofoqueira e o facto da menina ser menor de idade, o que constitui um ato de
pedofilia.

Talvez tenha sido por isso que os moradores da rua Calle ficaram indignados
quando o carro da polícia surgiu na rua Calle e levou violentamente o marido da
fofoqueira, que tal como ela, fingiu não saber o que se passava, e foi dado como
inocente pela sociedade que adora presumir, e presumiram que a polícia estava
prendendo um homem inocente, foi por isso que alguns chegaram a gritar contra os
polícias, que como a maioria dos polícias, não eram muito bons policiais, pois
abusavam do seu pouco poder, porque as pessoas mesquinhas com um pouco de poder
são assim mesmo.

Contudo, recuemos um pouco mais, porque quando aconteceu isso, o homem de


um braço só, que denunciou o ato de pedofilia, não fazia mais parte do mundo dos
vivos, e como gostamos bastante desse homem com apenas um braço, regressaremos ao
momento em que ele ainda vivia, na noite do dia em que a rua Calle foi invadida por
ninjas ao comando da palavra bigidalavaruado.

Deitado na cama, o homem de um braço só pensava, na sua aluna de matemática


marchando com o tronco nu junto com os ninjas, na catorzinha, na mãe de seis filhos

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que só chegou a casa às seis da tarde e ficou furiosa ao escutar a história dos ninjas da
boca da vizinha fofoqueira.

O homem estava apaixonado, e sabia disso, porque pensava tanto na sua


apaixonada como pensava na pedofilia e nas suas implicações.

E naquela noite ele teve um sonho molhado, onde se relacionava sexualmente


com a prostituta, mas o sonho não terminou, pois foi despertado pelos gritos da mulher
do pastor. Que era mais uma vez, espancada pelo seu marido, o motivo era o mesmo de
muitas madrugadas de violência, ele queria, ela não, então ele partiu para a agressão.

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Capítulo VII: El Ladrón

Bigidalavaruado, pensou o homem de um braço só, e sorriu, porque é uma


palavra engraçada, uma palavra que ninguém da sua terra natal alguma vez escutaria.
Uma palavra inventada pelo primeiro filho da jovem mãe de seis filhos, dos quais, três
rapazes e três meninas, onde os rapazes partilhavam o nome de um músico latino e as
meninas o de uma escritora cigana, uma escritora cigana que ele amava e um músico
latino que ele adorava.

O homem de um braço só adormeceu passado alguns minutos, pensou na sua


amada, imaginou os dois de mãos dadas na rua Calle, caminhando, ela com aquele seu
sorriso, e ele com aquela sua serenidade. E não sei se aquelas imaginações
influenciaram, mas o que é certo é que o homem de um braço só acabou sonhando com
ela, no sonho não estavam na rua Calle, no sonho ela beijou ele, no sonho ele não tinha
um braço só. Por isso foi um ótimo sonho, todavia teve o mesmo destino dos ótimos
sonhos, foi interrompido, pelo som de gritos, gritos femininos, de uma mulher aflita,
uma mulher jovem que já havia dado a luz a seis crianças, uma mulher que tinha o
primeiro nome igual ao último, uma mulher que não sai de perto de quem ama, uma
mulher que num futuro não tão distante, se gabaria por ter educado seus filhos.

Uma mulher que estava sendo assaltada por um homem sem vergonha, porque se
tivesse um pouco, não assaltaria as pessoas, mas como não tinha nem um pingo, tentou
assaltar uma mulher, mãe, solteira, que morava com seis crianças, é bem verdade que
uma das seis crianças foi o ninja líder de uma invasão de ninjas que ocorreu na tarde do
dia anterior ao assalto, mas o mesmo líder dos ninjas não era pário para um homem de
um metro e oitenta, talvez tenha sido por isso que o menino apenas fez chichi nas
calças, que na verdade eram uns calções com múltiplos bolsos, um calção azul, azul e
feio, jeans, porém um jeans sem qualidade alguma.

O assaltante tinha uma arma, chegou a apontar a menina que era aluna do
homem de um braço só, levou o pouco dinheiro que tinha e deixou muito medo naquela
casa.

Mal ouviu os gritos, o homem de um braço só rolou pela cama, não tão
facilmente, porque o braço que não tinha fez muita falta na rotação, mas mesmo com

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esse contratempo, foi o segundo homem a chegar ao lugar de onde vinham os gritos, a
casa onde morava Maria qualquer coisa Maria com seus seis filhos, a casa onde morava
a sua apaixonada. Como sempre, a primeira pessoa a chegar ao local foi a vizinha
fofoqueira.

Quase todos os moradores da rua Calle estavam na casa da jovem mãe de seis
filhos, com exceção da prostituta que estava a aquela altura dando sexo em troca de
dinheiro. Quem também não se juntou aos outros moradores foi a catorzinha, porque o
seu sono era tão profundo que não escutou nada, dormiu como uma pedra e acordou
apenas na manhã do dia seguinte, mas a vizinha fofoqueira se encarregou de lhe meter a
par da situação, mal sabiam ambas que num futuro um pouco distante daquele passado,
elas se odiariam, porque a catorzinha estaria grávida do marido da fofoqueira.

Mas como não quero me aproximar muito do momento da morte do homem de


um braço só, continuarei com a manhã do dia do assalto, quando o homem de um braço
só, que passou o resto da madrugada acordado, ofereceu clandestinamente dinheiro a
jovem mãe de seis filhos, mas esta rejeitou uma, duas, três, quatro, cinco vezes, mas na
sexta tentativa do homem de um braço só, ele teve sucesso. Ele quis ajudar, ela
precisava de ajuda, mas não quis tirar o pouco que aquele homem com apenas um braço
tinha.

Muitos meses depois do assalto, menos de nove, porque a catorzinha ainda não
havia abandonado o seu primogénito no contentor de lixo de uma rua não tão distante
daquela, o homem de um braço só ainda não havia morrido e o marido da vizinha
fofoqueira ainda não havia sido preso por pedofilia denunciado pelo homem de um
braço só. Homem este que todas as manhãs de segunda à sexta-feira durante três
semanas, recebeu a quarta filha da jovem mãe de seis filhos e ensinou-a sobre
matemática, com muita calma e paciência, a menina aprendeu, e ficou contente, pois
assim poderia conversar com seu apaixonado sobre a ciência dos números.

Ela estava apaixonada, porque as crianças também se apaixonam, mas parece


que os adultos se esquecem desse detalhe quando crescem, pois, ficam atónitos quando
se deparam com uma criança apaixonada.

O homem de um braço só, certo dia, ganhou coragem e foi até a casa da jovem
mãe de seis filhos, não aguentava mais guardar a sua paixão só para si, por isso disse

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diante de uma mulher e seis crianças que estava apaixonado, loucamente apaixonado,
disse ele, mas não foi levado a sério, pois era noite de 31 de Dezembro e nestas noites
muitos bebem e dizem disparates, foi o que a jovem mãe dos seis filhos pensou, mas o
que ela não sabia é que o homem de um braço só não estava bêbado nem havia dito
nenhum disparate, porque dizer a pessoa pela qual estamos loucamente apaixonados que
estamos loucamente apaixonados por elas não é disparate.

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Capítulo VIII: El Árbol

Havia uma árvore na rua Calle, uma árvore que chamam de macieira, esta
árvore ficava no quintal da casa onde morava a jovem mãe e seus seis filhos, e foi no
dia a seguir ao dia a seguir o assalto que aquela árvore fez o homem de um braço só
lembrar de outra árvore, uma do seu passado, quando era uma criança e ainda tinha dois
braços, quando ainda não achava a sociedade horrorosa, quando ainda nem sonhava que
estaria num país distante do seu, apaixonado por alguém como a pessoa que estava
apaixonado.

A árvore das lembranças do homem de um braço só, era uma sapsapeira, dava
uma fruta envolvida por uma casca verde e espinhosa, uma fruta deliciosa, uma fruta
que o homem de um braço só adorava comer, uma fruta que fazia ele trepar a árvore que
ficava no quintal de casa, tal como a macieira ficava no quintal da jovem mãe de seis
filhos. Uma árvore que fez ele adorar trepar, e foi essa adoração em partes que motivou
o seu acidente, foi uma queda feia, havia sangue espalhado por toda camisa branca do
rapaz que na altura ainda não era o homem de um braço só, embora seja ele.

Contudo, não é minha intensão, pelo menos por ora abordar sobre o acidente, o
que eu quero é contar sobre o dia que ele passou o dia na árvore, o dia em que todos
procuraram por ele, julgando que tinha desaparecido, enquanto ele observava todos com
um sorriso nos lábios, foi este o dia que ele disse certa vez a sua apaixonada que foi um
dos melhores dias de sua vida, pois viu sua mãe entrar em pânico com a possibilidade
dele ter desaparecido, viu seu pai chorar ao volante do carro enquanto ninguém olhava,
viu seu melhor amigo dançar como um louco num momento em que se viu sozinho no
quintal ao som de uma música que fazia qualquer um dançar.

Imagina um menino de cinco anos de idade, ele acorda cedo, antes de todos os
outros residentes da casa, menos da avó. Este menino diz a avó que está indo brincar no
quintal, mas a avó diz que não poderia, não antes de tomar seu pequeno-almoço. Logo
depois de comer, o menino teve o aval da avó e saiu, fitou a árvore, e decidiu subir, sem
intensão de se esconder entre os arbustos, mas quando viu que as pessoas começaram a
procurar por ele e não o viam na árvore, achou divertido, e ficou quieto sob um dos
ramos da velha sapsapeira, e de lá assistiu os seus familiares procurando por ele o dia

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todo, até o sol se pôr, e foi engraçado até então, mas quando a escuridão tomou conta do
lugar, o menino que achou aquilo engraçado, tão engraçado que resistiu ao estômago
roncante durante grande parte do dia, mas à noite ele chorou, porque a escuridão era
tanta que aquele menino já não conseguia ver os ramos onde pisar para descer da árvore,
por isso começou a chorar loucamente, pois estava com medo, muito medo.

Foram seus gritos de choro que despertaram a atenção das pessoas, que sentiram
se estupidas por não terem dado uma olhada na velha árvore enquanto procuravam pelo
menino. E foi observando o filho mais velho da jovem mãe de seis filhos e seu irmão,
não da mãe e sim do filho, ambos trepando a macieira tal igual como ele fazia
antigamente, quando era miúdo e tinha dois braços.

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Capítulo IX: El Viejo Perro

- Não se ensinam truques novos a cachorros velhos – disse o pai do rapaz dos
brincos ao terceiro filho da jovem mãe de seis filhos. Mas ainda assim, o menino
zargateiro como dizia sua mãe, não desistiu, mesmo com as gargalhadas que alguns
adultos e umas poucas crianças da rua Calle deram.

Aquilo ocorreu dois dias depois do assalto, quando o menino e seu irmão mais
velho assistiram a um concurso de cães pela televisão sem cores, porque naquela época
as televisões emitiam imagens a preto e branco, pelo menos a maioria delas.

O menino que respondia pelo segundo nome de um cantor latino, ficou


maravilhado com os truques dos cães, por isso escapou a vigilância de sua mãe e junto
com um amigo que só andava com os pés descalços caminharam uns tantos quilómetros
até a casa de sua avó, não a do zargateiro, mas sim do outro menino, o dos pés
descalços. Postos na casa da avó, roubaram uma velha cadela de dezoito anos de idade,
três anos acima da média de vida dos cães.

A velha cadela tinha ferida nas orelhas, em cada uma delas, e isso dava-lhe
demasiada comichão, por isso constantemente ela parava colocava o rabo no chão e
coçava as feridas com as suas patas traseiras, uma de cada vez, e fez isso muitas vezes
enquanto os meninos vinham com ela pelo caminho, a seguravam por meio de um
atacador que pertenceu a um par de ténis que há muito foi parar ao contentor de lixo,
mas há pouco protegia os pés de um homem insano que gostava de fazer cálculos
matemáticos na calçada com um pedaço de giz.

Essa sua atitude fez muita gente inventar que ele ficou louco por causa da
matemática, e tal coisa motivou o conceito empírico de que quem estuda bastante fica
louco. Mas aquelas duas crianças que vagueavam pelas ruas de uma cidade qualquer
com uma velha cadela com ferida nas orelhas, não faziam ideia de onde o ténis foi parar
nem do louco que fazia cálculos matemáticos no chão, o que elas também não sabiam
era a idade da cadela que puxavam e nem se deu o trabalho de resistir, pois estava farta
dos maus tratos que sofria na casa de sua antiga dona.

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A cadela tinha pelos brancos, com algumas zonas castanhas, sua calda era curta,
fruto do corte que sofreu quanto ainda era muito nova. Seu nome era Rita, mas com o
passar dos anos passou a ser chamada de Ri, porque tinha sempre os dentes a mostra, o
que fez um dos filhos da avó do menino dos pés descalços e tio do mesmo, chamar a
cadela de Ri, e ele riu se disso.

Ri latia para o menino dos pés descalços, mas mexia sua curta calda para o
zargateiro, por isso ficou com ele quando os meninos se separaram na rua Calle diante
da porta do homem de um braço só, que naquele momento, não estava em casa, o que
era raro.

Por isso quando retornou, a mãe já tinha gritado bastante com o filho e por fim
aceite a velha cadela.

E foi depois da chegada do homem de um braço só que o menino zargateiro foi


para rua com a sua cadela na intensão de se exibir, mas sofreu o oposto, foi zombado,
pois tentou ensinar a cadela a sentar na rua e por mais que o menino tentasse, a cadela
não dava a mínima, foi aí onde passou o pai do rapaz dos brincos com um grupo de
amigos, todos moradores da rua Calle, e ele se sentiu sábio quando disse ao menino
zargateiro:

- Não se ensinam truques novos a um cão velho – e gargalhou junto com seus
amigos e algumas crianças.

E durante dias, o menino zargateiro, chamado Luís, treinou sua cadela de nome
Rita e alcunhada por Ri e depois rebatizada por ele de Leo, mesmo sendo uma cadela,
ficou com um nome masculino.

Há qualquer coisa de especial na palavra que o filho mais velho da jovem mãe
de seis filhos inventou, porque foi só quando Luís disse:

- Senta, bigidalavaruado – que a cadela sentou. E daí em diante, sentava sempre


que escutava alguém dizer bigidalavaruado. Embora essa palavra tenha sido inventada
por Juan, o irmão mais velho de Luís, poucos a conheciam e dos poucos que a
conheciam, poucos conseguiam pronunciar, um deles era Guerra, o filho mais novo da
jovem mãe de seis filhos.

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E desta feita, acabo por revelar o nome dos três meninos e por consequência o
nome do cantor latino, o talentoso dominicano, Juan Luís Guerra.

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Capítulo X: La Última Palabra

Durante uma semana, Luís vagueou pela rua Calle com a cadela rebatizada
como Leo, ela cheirava mal, mas sentava bem, e isso era motivo suficiente para o
menino se exibir perante os moradores da rua Calla, pois sempre que ele dizia aquela
palavra que seu irmão Juan inventou e o homem de um braço só muito pensava, a
cadela sentava, e assim, sem saber, o menino provava ao pai do rapaz dos brincos e não
só, que podemos ensinar truques novos a cachorros velhos.

Aconteceram muitas coisas na rua Calle, de tempo em tempo havia um


acontecimento que enchia a vizinha fofoqueira de alegria, com exceção de quando seu
marido foi preso e a vizinhança achou injusto, mas não era, sabia o homem de um braço
só que não era, pois ele namorou com uma menor, engravidou essa menor e fugiu a
paternidade.

Mas esses acontecimentos foram engolidos pela história, silenciados por ou


ofuscados por três acontecimentos que pararam a rua Calle, o primeiro foi a revelação
de que a prostituta era de facto prostituta e o segundo foi a revelação de uma paixão,
também houve a morte de um velho cão, mas não teve impacto, mencionei apenas para
rimar, e há quem me diria que trata-se de uma cadela, porque era assim que a segunda
filha e quarta entre os seis filhos da jovem mãe corrigia todos que ousavam chamar Leo
de cão.

- Não é um cão, é uma cadela – dizia a menina, não se importando com a lição
que sua mãe lhe deu sobre corrigir as pessoas em público.

Eu não gosto do machismo, também não gosto do feminismo, por isso quando
me deparo com os dois brigando no meio da rua metafórica materializada por palavras,
eu faço um grande esforço para passar afastado dos dois. E uma voz dentro da minha
cabeça diz que revelar apenas o nome dos meninos é uma espécie de machismo, por isso
cá vai o nome das meninas: A segunda filha e primeira menina chamava-se Agatha, o
nome das outras revelarei mais tarde, espero que não descubras o nome da escritora
cigana antes de eu ter o prazer de revelá-lo.

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O céu estava azul, um azul claro, as aves que têm o privilegio de voar, voavam
com todo gosto, e o homem de um braço só gostou de observá-las pela janela de seu
quarto, eram 05h56 quando ele viu o corvo negro com peito branco, e 06h30 quando ele
viu o ganço branco passar, eram 06h35 quando ele viu a prostituta passar, duas horas
mais tarde que o habitual, porque já todos na rua Calle conheciam sua profissão, logo,
havia findado a necessidade de ser vista a chegar à casa ao amanhecer.

Às 07h33 já havia abandonado a janela, estava ocupado com seus pensamentos,


com sua paixão não correspondida, com sua curiosidade insaciável, com sua ideologia
bela e imoral, com sua criatividade, com suas lembranças de um passado que desejava
esquecer, um passado que fugiu, mas não conseguiu porque estava dentro dele, e não
podemos fugir do que está dentro de nós, temos que enfrentá-lo. E ele enfrentou o,
como o homem bravo que era.

Porque foi preciso coragem para ele fazer o que fez, pois conheço muitos
homens que não se suicidam apenas por falta de coragem, logo o suicídio é um ato de
coragem, um ato repugnado pela sociedade, a mesma sociedade repugnante, onde o
homem faz mal ao homem, sem explicar com coerência o porquê, um porque que José
Saramago buscava, porque esse homem, não compreendia o porque que o homem faz o
que faz ao homem, mas o homem de um braço só sabia, sabia que o egocentrismo era
homicídio a curto prazo, mas suicídio a longo prazo, porque segundo aquele homem
com apenas um braço que teve coragem de se suicidar naquela manhã de céu azul
limpo, o homem só é como é porque é egoísta, e esse seu egoísmo mata os outros no
curto prazo, mas a longo prazo, mata ele mesmo.

Esses foram uns dos muitos pensamentos que visitaram a cabeça do homem de
um braço só, um dos pensamentos ele achou tão agradável que escreveu num pedaço de
papel e não mais largou esse papel, porque carregavam palavras, palavras que ele tanto
presava, porque ele não era só o homem de um braço só, era também o melhor amigo
das palavras.

E foi com esse pedaço de papel numa das mãos que colocou a corda no pescoço,
que deixou de ser o homem de um braço só e passou a ser o falecido homem de um
braço só. O falecido homem de um braço só cuja morte fez muito mal a Chistie, que
desobedeceria as ordens de sua mãe e iria ao cemitério assistir ao enterro de um homem
que amava, um homem que amava de forma diferente, porque não tinha por ele o

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mesmo amor que tinha pelos seus irmãos Juan, Luís e Guerra, muito menos por sua
mãe, Maria qualquer coisa Maria, ou por seu pai, Sebastião, ou ainda por suas irmãs,
Agatha e Mallowan.

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A Parte Depois de Todas As Outras Partes ou Epílogo

Após a morte do homem de um braço só, uma morte que sabemos como
ocorreu, porém desconhecemos o porquê, e às vezes o porquê chega a ser mais
importante que o como, também mais difícil de alcançar, mas após a morte do homem
de um braço só, a quarta filha da jovem mãe de seis filhos, dos quais três homens e três
mulheres, onde os rapazes partilham o nome do talentoso músico latino Juan Luís
Guerra e as meninas o nome da talentosa escritora cigana Agatha Christie Mallowan.

Contudo, voltemos à quarta filha de Maria qualquer coisa Maria, Chistie, que
estava loucamente apaixonada, porque as crianças também se apaixonam, eu me
apaixonei quando era criança, e você também, a diferença é que com o passar do tempo
muitos adultos se esquecem desse pormenor, que as crianças também se apaixonam e
nem sempre por crianças como elas, muitas são as vezes que elas se apaixonam por
adultos, mas não foi esse o caso de Chistie, a menina estava apaixonada por um outro
menino, um que arrasava a matemática e morava a dez minutos da rua Calla, um
menino que sonhava ser jogador de futebol, mas não viria a se tornar um, todavia ele
não sabia disso, e por isso, me refiro ao facto de não se tornar um jogador de futebol e
ao facto de Christie estar apaixonada por ele, por isso estava tão entretido com a velha
bola de futebol que não deu por Chistie quando ela passou apressada pela sua rua vindo
do enterro de seu professor particular de matemática que tinha apenas um braço.

O menino da bola de futebol não viu Christie passar, por consequência não viu
ela expressar alegria que substituiu uma tristeza, também não viu quando ela tocou com
a ponta dos dedos da mão direita na testa, depois no ombro direito e a seguir no
esquerdo, quando terminou de pedir que a alma de um ateu que estava apaixonado por
sua mãe e tinha apenas um braço descansasse em paz. E saiu correndo em direção a rua
Calle, porque tinha que chegar à casa antes de sua mãe.

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Ya Hace Mucho

Ya hace mucho que no escribía

Tal vez porque la inspiración no aparecia

O tu ausencia me impedía

Ya hace mucho que no sonreía

Tal vez porque la nostalgia trago a melancólia

O te hubieras llevado mi alégria

Ya hace mucho que no dormía

Tal vez porque el insomnio me consumía

O la noche no existía

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Bónus: O Camponês e o Bambu

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O Camponês e o Bambu

Parei de fazer tudo que estava fazendo para registar esta história, ela chegou
sem antecipar, de onde eu menos esperava e não quero que ela se vá como muitas
paixões que hoje vivem no passado, muitas dela só no meu passado.

Estou com ela, não a prendi como muitos ousam fazer erroneamente com
algumas aves e pessoas e outras espécies de animais que dizem gostar muito, mas será
que gostam mesmo? Se sim, porque tornam lhes prisioneiros? Porque chegam ao ponto
em que chegam? Onde roubam a segunda pior coisa que se pode roubar de um ser, a sua
liberdade. A primeira e a terceira pior coisa que se pode roubar de um ser direi num
futuro não muito distante, um depois que é o agora para uns e o antes para outros.

Tudo aconteceu numa província que fica em um país, porém pertencente em


outro. Nesta referida província havia um jovem camponês, era um jovem não muito
jovem, que na sua última viagem a capital escutou o conselho de um desconhecido que
aconselhava um conhecido seu, não meu nem teu, muito menos do jovem camponês. O
conhecido era na verdade um conhecido do desconhecido e ambos eram desconhecidos
do jovem camponês, cujo nome prefiro não citar, pelo menos por ora, o que não garante
que vá citar mais adiante, o que nos deixa num quiçá, onde eu ainda não decidi e você
está sem resposta, é claro que a pergunta não é tão profunda como de onde viemos? Ou
talvez seja, porque estamos perante um quem é ele? O que é uma burla do quem eu sou?
Todavia não estamos cá para filosofias, talvez não por ora.

O camponês estava na capital vendendo banana a mando do seu velho pai, que
era um velho muito velho, tão velho que seus pés já haviam se aposentado, o preto dos
seus cabelos rebelde havia fugido, seus dentes haviam gastado e seus olhos estavam
bastante folgados, porque às vezes viam, às vezes não, fazendo do velho Joaquim um
míope temporário.

Antes de continuar, retifico o meu erro quando disse que tudo aconteceu na
província que fica num país, mas pertence em outro, porque a parte do conselho ocorreu
na capital, o resto é que foi na tal província.

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- Os anos seguintes serão os anos de ouro do bambu – disse o desconhecido.

- O que é o bambu? – perguntou o conhecido.

- Meu caro, o bambu é nada mais nada menos do que a planta que cresce mais
rápido no mundo. Meu caro, o bambu serve para fazer roupas, casas, móveis,
instrumentos musicais, medicamentos, artesanato, comida, bebidas, canas de pesca. O
bambu é o ouro vegetal. Faça sol, faça chuva, ele cresce, no calor, no frio, ele cresce.
Meu caro, o bambu cresce tão rápido que se ficas olhando para ele por mais de meia
hora vês ele aumentando de tamanho – disse cheio de animo na voz o desconhecido, e
prosseguiu dizendo:

- Meu caro, se você investir no bambu, você ficará rico, rico, rico, riiicooo.

Atrás desses homens estava o jovem camponês, na sua tenda vendendo banana.

Quando as bananas acabaram, o jovem camponês regressou a tal província que


fica em um país, mas pertence em outro. As palavras do desconhecido não saiam da
cabeça dele, as palavras daquele homem fizeram renascer o sonho do jovem camponês
de ser rico, comprar novos dentes para o seu pai, comprar óculos que impediriam os
olhos dele de serem tão folgados e uma cadeira de rodas para compensar os pés
aposentados.

Chegou da capital depois do sol se pôr, seu pai não viu ele chegar a casa, nem
ouviu, parece que os ouvidos do velho também estavam ficando folgados.

- Pai – gritou o jovem camponês – mas seu pai não escutou, por isso ele foi
dormir, estava bastante cansado pela viagem e os ouvidos de seu pai estavam tão
folgados quanto seus olhos. Antes de dormir, sob a luz fraca de uma vela, leu seu livro
preferido, O Processo, não o de Franz Kafka, era de outro autor, um cubano com apenas
um braço, tinha outros personagens, abordava outro tipo de processo, um desligado do
direito, um que transformava as coisas para alcançar determinado fim. Seu livro era
velho, tão velho quando seu pai, faltava uma página, a número 14, e todas as noites
quando o jovem camponês lia o livro com apenas 19 páginas, ele inventava uma página
14, às vezes tinha a ousadia de introduzir personagens novos na história. O personagem
principal do livro, um velho japonês fazia muitas perguntas aos seus vizinhos, entre elas
havia duas que ele fazia com frequência:

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- Qual é o processo que te separa dos teus sonhos? O que te impede de começar
agora este processo?

A maioria das vezes as pessoas eram incapazes de responder a primeira


pergunta, os poucos que respondiam a primeira, não respondiam a segunda, por isso os
vizinhos do velho japonês do livro do jovem camponês sofriam porque não ousavam
arriscar começar o processo.

- Todos devem passar pelo processo, comece agora e aproveite cada estágio que
passares, muda tudo que podes mudar para melhorar e que essa melhora seja continua, a
isso num futuro não muito distante, vão chamar kaizen, a outra coisa vão chamar ikigai,
eu chamo de “O Processo” – disse o velho japonês nas últimas palavras do livro
preferido do camponês, podemos fazer um experimento mental e nele imaginar que o
camponês tenha mais de um livro a seu dispor, será que “O Processo” continuaria sendo
seu livro preferido? E se a página que falta no livro seja a página que faz dele bom,
porque uma página pode salvar tudo, mas também pode arruinar tudo. Esses e muitos
outros pensamento visitaram a cabeça do camponês durante a longa noite que ele passou
parte dormindo, parte acordado.

O sol nasceu no dia seguinte, os ouvidos do pai do camponês e os olhos estavam


menos folgados, por isso o velho viu seu filho falar todo empolgado sobre o bambu e
ouviu ele repetir várias vezes a palavra “rico”.

O camponês recebeu a permissão de seu pai para semear o bambu na terra onde
havia bananas, porque eram as únicas terras que tinham, e foi com o único dinheiro que
tinham que o jovem camponês comprou milhares de sementes de bambu, semeio-as, e
esperou que ela crescesse tão rápido como disse o desconhecido.

Mas não aconteceu, primeiro dia, veio a ser noitinha e veio a ser manhã, o jovem
e seu velho pai fitaram a terra o dia todo, mas o bambu não cresceu, seus estômagos já
estavam roncando, a história tinha começado a se espalhar pela província. Se passaram
mais quarenta dias e quarenta noites, mas nada de bambu, muita fome e zombaria dos
amigos da família e não só. Um cão e uma galinha acabaram virando comida, a água do
rio, acabou virando comida. Seguiram-se dois anos, o velho estava mais velho, o jovem
estava menos jovem, o livro de todas as noites continuava tão agradável quanto antes.

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Durante esse tempo todo, o jovem passava o dia fitando a terra onde semeou o
bambu, pensando no quão desafortunado era, tanto ele como seu pai, que aquela altura
já havia perdido totalmente a visão e seus ouvidos passavam mais tempo sem ouvir. As
famílias das mulheres que aceitavam ficar com o jovem camponês, não aceitavam ele,
porque segundo eles, um homem sem dinheiro é um homem sem valor, e isso levou
muitas noites o jovem camponês a imaginar que numa cena na inexistente página 14 do
seu livro preferido o velho japonês diz:

- Um homem sem valor é um homem sem valor, com ou sem dinheiro.

Passado cinco anos da plantação do bambu, o jovem camponês voltou a capital,


para vender banana, não a mando de seu pai, porque seu pai já não tinha bananas, foi a
mando de um vizinho que estava próximo de ser rico, tanto é que não cultivava na sua
própria horta, não vendia seus produtos, contratava pessoas para fazerem isso por ele, o
que certa vez levou o camponês a pensar que se ele tivesse dinheiro suficiente para
contratar pessoas para trabalharem na sua horta, ele contrataria sim, mas nunca deixaria
de cultivar seus produtos, porque ele gostava de acompanhar o processo de crescimento,
semear, regar e esperar Deus fazer crescer:

Isso fazia ele lembrar de uma passagem bíblica que sua mãe decorou e fingia ler
para ele quando era criança, pois sua falecida mãe não sabia ler e lia em diferentes
páginas da mesma bíblia a mesma passagem.

- Eu plantei, Apolo regou, mas Deus a fez crescer.

- Eu plantei, eu reguei, mas ninguém o fez crescer – pensou a respeito do seu


bambu e soltou um suspiro tão profundo que a praça onde vendia as bananas do vizinho
quase rico parou por um instante, banhada por um silêncio súbito que desapareceu tão
rápido e inexplicavelmente como surgiu.

Anos foram, anos vieram, mas o bambu não cresceu, o jovem camponês deixava
de ser cada vez mais jovem, muitas partes do corpo de seu pai se aposentavam, os
conterrâneos zombavam nas costas, havia varias piadas sobre uma semente que não
cresce.

E passado sete anos da plantação do bambu, o jovem camponês decidiu por fim
ao seu sofrimento, com o pouco dinheiro que conseguiu trabalhando para o homem

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quase rico, comprou gasolina numa de suas viagens até a cidade, estava disposto a
queimar as suas terras junto com seu corpo, pois ambos sofriam.

Acordou cedo, cumprimentou o sol que estava radiante naquela manhã, foi até a
cozinha, pegou a gasolina, não disse bom dia ao seu velho pai porque seus ouvidos
estavam aposentados tal como seus pés e seus olhos.

Quando chegou no campo viu o bambu, crescido, gritou tanto que seu surdo pai
o ouviu. Toda manhã daquele dia em diante via o seu bambu cada vez maior, e pode
provar que era de facto a planta que mais cresce no mundo, o que também cresceu foi
sua riqueza, com inúmeras utilidades, o seu bambu vendeu tanto e tão rápido que os que
zombavam nas costas passaram a elogiar.

O que o camponês não sabia, mas acabou aprendendo é que apesar do bambu ser
a planta que mais cresce no mundo, ela leva sete anos crescendo para baixo, expandindo
e fortalecendo suas raízes, só depois é que ela cresce para cima, em apenas seis
semanas.

O camponês comprou um novo corpo para seu pai, olhos verdes, ouvidos
grandes, pernas grossas e cabelos pretos. Não viveu feliz para sempre, mas foi feliz por
muito tempo num tempo em que ia alternando entre a alegria e a tristeza. Tornou se
rico, não tão rico quanto o rei. Muitas mulheres seguiram lhe, mas ele não quis casar
com nenhuma delas, porque elas o queriam pelo seu dinheiro. E julgavam que por ter
dinheiro tinha valor, mas ele sempre teve valor, nem sempre teve dinheiro, porém elas e
a sociedade sendo elas parte da sociedade, não sabem distinguir o valor de um homem,
porque caiem no erro de quantificar algo qualitativo.

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Agradecimentos

Começo por agradecer a Nilsa Alexandrina, fez muitas perguntas depois de ler o
livro, estava demasiado empolgada. Também agradeço a Darcy Dias, por ler e opinar,
também estou grato a Edições Horús, pois foi a primeira editora a dizer que a minha
obra tem qualidade, a obra não é esta e nem chegou a ser editada pela editora, mas pulei
de alegria quando li o e-mail deles a dizer que aprovaram a minha obra, uma obra
intitulada Infinito: Esperança Absurda, a minha primeira obra, a obra que fez-me
realmente me sentir escritor.

Agradeço ao Kiala Nvumbi, meu companheiro de escrita e trabalhos literários, é


bem verdade que o rapaz é um folgado, mas faz um bom trabalho, seria ótimo se ele
fosse menos folgado. Agradeço ao Clinton Joaquim, um dos meus primeiros leitores,
que dizia constantemente que eu não tirava as ideias da minha cabeça, mas sim da
internet.

Estou grato a você que acabou de ler o livro, não deixe de deixar sua opinião
sobre a obra, é sempre interessante saber o que as pessoas acham dos livros, seja
positivo ou negativo. E partilhe, caso tenha te emocionado.

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Sobre o Autor

Gervânío Cabral (21 de Agosto de 1992, Luanda) é um jovem escritor que ao


longo da sua curta carreira como escritor principiada em 2016, tem passeado por
diversas categorias, desde o romance, a poesia e o conto infantil, pretendendo se
aventurar brevemente no mundo da fantasia e do ensaio. Por motivos particulares, tem
investido nos livros em formato digital. Para si, ler é uma necessidade como comer e
respirar. Gosta de ler e incentivar os outros a lerem também, é claro que fracassa muito
na sua tentativa de trazer pessoas ao mundo dos livros, mas gosta disso, é uma
motivação intrínseca.

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Parabéns!
Acabou de ler mais uma obra editada pela Ideias de Ouro, S.A.

Ajuda-nos na nossa missão de espalhar a arte.

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Outras Obras da Editora

O Louco do Meu Namorado – Gervânío Cabral & Stella Ribeiro

A Menina Que Não Sabia Dançar – Gervânío Cabral

Ao Som da Caneta – Garcia Fernandes Pedro

O Tema Perfeito – Kiala Nvumbi et al.

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Próximo Lançamento

Título: Estou Pensando Em Ti, Não Importa A Que Horas Leias Isso!

Autores: Edilson da Conceição, Nilsa da Cruz, Gervânío Cabral, Kiala Nvumbi

Categoria: Poesia

Editora: Ideias de Ouro, S.A

Data Prevista de Lançamento: Maio de 2022

Sinopse: Trata-se de uma antologia poética com poemas cheios daquilo a que chamam
paixão.

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Sugestão de Leitura

Título: Jesus Cristo e a História do Cu

Autor: Gervânío Cabral

Categoria: Conto

Classificação: 4,5/5

Resenha: “Jesus Cristo e a História do Cu” de Gervânío Cabral é um daqueles contos


que das duas uma: ou agarramos por achar piada ao nome ou ignoramos por achar
escandaloso. A história segue alguém que o narrador denomina congolês, um jovem que
passeia a meio da noite inebriado por um jardim que pouco se assemelha a um jardim e
acaba por adormecer num banco de pedra. Quando volta a si mesmo, encontra uma
figura especial que lhe conta um conto (...).

Resenha de Elisa Rodrigues (Revista Rabisca, 11ª edição, coluna Páginas no Escuro,
Abril de 2022).

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