Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A águia bicéfala, pela sua relativamente escassa expressão na maioria das áreas
heráldico-geográicas ocidentais, não vem merecendo, entre a bibliograia que nos
é mais comum e acessível, um estudo detalhado. Michel Pastoureau, por exemplo,
aborda de modo absolutamente supericial a águia bicéfala, e apenas num sub-
-capítulo dedicado à águia, considerando como discutível a sua origem e analisando
exclusivamente a sua dimensão na heráldica ocidental (1997: 149). Importa, pois,
para sondar as suas origens rumar a oriente, onde a sua pujança foi constante e
continuada, e, igualmente, à bibliograia aí produzida, sendo, nesta demanda,
imperativo rumar a Bizâncio.
1
No decurso da Quarta Cruzada (1202 – 1204), que icaria conhecida por “Cruzada Comercial”, ins-
tigados pelo doge de Veneza Enrico Dandolo, os cruzados saquearam áreas da actual Croácia e conquistaram
Constantinopla aos Bizantinos aí fundando o denominado Império Latino (o Imperium Romaniæ ou Império
Latino de Constantinopla, que duraria até 1261). De acordo com muitos autores, dado o manifesto desvio re-
lativamente aos propósitos de libertar Jerusalém dos turcos otomanos, deve ser questionável o seu estatuto de
Cruzada tanto mais que, tal conquista feriu deinitivamente, o relacionamento entre a Igreja Católica e a Igreja
Ortodoxa, aprofundando o Cisma existente desde o século XI, e levando os bizantinos a fugirem para o exílio
criando-se diversos Estados sucessores, sendo os mais notáveis o Império de Niceia (1024 – 1261), o Império
de Trebizonda (1204 – 1461) e o Despotado (ou Principado) de Épiro (1205 – 1479), todos eles reclamando a
legitimidade na sucessão do Império Bizantino.
224 ESTUDOS DE HER ÁLDICA MEDIEVAL
A Águia
A águia na mitologia greco-romana era um dos atributos de Zeus/Júpiter que a
transportava na mão direita. A partir do século II a.C. a República romana tomou a
Aquila como símbolo do Estado romano e das suas legiões, airmando Plutarco3, que
tal decisão se deveu ao general e cônsul Caio Mário (Gaius Marius).
Constantinopla, segunda Roma, herdeira assumida da primeira, terá usado
inicialmente, e de modo natural, a águia na forma habitual do Império, ou seja a
águia natural, de uma única cabeça. Embora S. Roberto Belarmino airme, no seu
De transitu Romani Imperii a Graecis ad Francos (1584), que a águia bicéfala foi
adoptada como símbolo do Império Romano, quando este foi dividido entre os ilhos
de Teodósio “o Grande” que em 395 lhe sucederam (Arcádio no Oriente e Honório
no Ocidente). Precisando, ainda, que o Império do Oriente era representado por uma
águia de ouro em campo vermelho e o Império do Ocidente por uma águia de negro
em campo de ouro. Outras teses apontam para tal transformação com Constantino
2
Lembremos que o advento da heráldica ocorre algures na primeira metade do século XII (no tempo da
conquista Normanda da Inglaterra, como comprova a tapeçaria de Bayeux [circa 1070] a heráldica ainda não
existia). As raízes da heráldica parecem ser detectáveis numa crónica contemporânea de Henrique I de Inglaterra
(c. 1068/1069; rei: 2 de Agosto de 1100 a 1 de Dezembro de 1135) na ocasião em que arma cavaleiro o seu
genro Godofredo V, conde de Anjou em 1127, dando-lhe um escudo com leões de ouro. O seu esmalte funerário
(Godofredo faleceu em 1151) representa o seu escudo de azul com leões de ouro constituindo aquela que é
considerada a primeira representação heráldica. Assim, só em meados do século XII as armas começaram a ser
hereditárias na Europa Ocidental pelo que, antes do advento da heráldica, não poderiam igurar nas armas ou nos
estandartes bizantinos elementos heráldicos que ainda não existiam, resultando estes, seguramente, de posterior
inluência Ocidental.
3
Cf. Vidas paralelas. A vida de Mário, Lisboa, Amigos dos Livros, 1978.
TEMÁTICAS GERAIS 225
Magno que a teoria adoptada como símbolo visual de que uma só coroa dominava
um único Império, bicéfalo com duas capitais.
A generalização desta, como elemento decorativo, parece ter ocorrido apenas
na corte dos últimos Coménios (séc. XII), sendo referenciável nos trajes de corte
dos membros da família imperial e de outras famílias nobres (como por exemplo
os Cantacuzene, Ducas, Laskaris e Vatatzes) embora não do próprio imperador. As
primeiras utilizações pelo imperador parecem datar apenas dos alvores do século
XIV, embora nesse século ainda subsista alguma confusão emblemática, pois ao
longo do mesmo, os Paleólogos usaram tanto a águia simples como a sua variante
bicéfala.
A Águia Bicéfala
As raízes da transformação da tradicional águia na bicéfala radicam,
seguramente, na inluência das representações tradicionais desta na Ásia Menor,
embora os detalhes da sua concreta adopção não sejam certos. Comprovam-se
utilizações desde os primeiros séculos depois de Cristo e seguramente antes do
7
De prata três faixas de preto.
TEMÁTICAS GERAIS 229
8
De acordo com a lenda o Imperador Constantino I adoptou a frase grega “ἐν τούτῳ νίκα” (latinizada em
In hoc signo vinces, “sob este signo vencerás”), como moto após a visão do chi rho tida antes do início da batalha
da Ponte Mílvio contra o imperador Maxêncio em 28 de Outubro de 312.
O primeiro historiador da igreja cristã, Eusébio de Cesareia, airmou que Constantino marchava com
o seu exército, quando olhou para cima e viu uma cruz de luz sobre ele com as letras gregas «ἐν τούτῳ νίκα”,
inicialmente não percebeu o signiicado da aparição mas na noite seguinte sonhou com Cristo que lhe explicou
que deveria usar aquele símbolo contra os inimigos tendo-o Constantino passado de imediato ao seu labarum (o
estandarte militar) e convertendo-se pouco depois ao cristianismo.
9
A contemporaneidade destas armas é, como se sabe, motivo controverso.
230 ESTUDOS DE HER ÁLDICA MEDIEVAL
Parece, de facto, que a águia bicéfala apenas se terá apenas ixado já no decurso
do século XV, embora, e sempre, fora do ornamento dos escudos. A excepção a esta
norma apenas se veriica em documentos ocidentais, à cabeça dos quais o famoso
Conciliumbuch ou Chronik des Constanzer Concils 1414 bis 1418 de Ulrich von
Richental, que continha a descrição das armas dos participantes no famoso Concílio
de Constança (1414-1418), e onde a águia bicéfala aparece (erradamente) dentro do
ordenamento do escudo, desde logo porque no Ocidente a transposição das armas
reais para a bandeira era a regra.
Não é, pois, de estranhar neste período que, em Agosto de 1439, João VIII
Paleólogo tenha concedido a um cidadão de Florença, Giacomo de Morellis, o
direito de usar no seu estandarte o seu semeion (σημεῖον), sinal ou marca, porém o
surgimento nas armas deste de um escudo vermelho com uma águia bicéfala de ouro
deve tratar-se de uma posterior adição, tanto mais que a águia não deveria ter sido
encarada como um móvel heráldico o que é atestado, aliás, pelo facto de as antigas
famílias imperiais (ou Estados como a Sérvia) colocarem sempre o escudete no peito
da águia e não esta coninada ao escudo.
Na heráldica do Sacro Império, a primeira referência à águia bicéfala no Ocidente
é de cerca de 1250, constante do armorial, Liber Additamentorum de Matthew Paris
(c. 1200 – 1259), para o Imperador Frederico II, de ouro uma águia bicéfala de negro,
que substituía a anterior águia simples e foi posteriormente adoptada por muitas
cidades alemãs e famílias aristocráticas. Após a dissolução do Sacro Império, em
1806, a águia bicéfala foi abundantemente mantida pelo Império Austríaco e pela
Confederação Germânica.
Elemento pouco comum na heráldica portuguesa, ainda assim, também entre
nós a sua aparição se faz, também, por via bizantina. Na realidade, segundo Azevedo
(1963) e Maclagan (1975) , foi através de Vataça Laskaris10, que este móvel heráldico
surgiu em Portugal. A mais antiga representação da águia bicéfala em Portugal
encontra-se, assim, naturalmente no fabuloso túmulo de Dª. Vataça na Sé Velha de
Coimbra (c. 1336).
A sua expressão continuará diminuta no Livro do Armeiro-Mor onde surge
apenas oito vezes. Esta reduzida expressão levou mesmo Stubbs Bandeira (1985:
26) a considerar que entre nós a “águia de duas cabeças” é um “termo pouco usado
10
Filha de Eudoxia Laskaris (e de Guillermo Pedro, 1º Conde de Vintimiglia e Tende) e neta do imperador
Teodoro II Ducas Laskaris de Niceia. Nasceu em Ventimiglia (c. 1268) e faleceu em Coimbra em 1336. Exilada
em Aragão veio para o nosso país como dama de companhia da Rainha Santa Isabel mulher do Rei D. Dinis.
TEMÁTICAS GERAIS 231
Fig. 6 - Túmulo de Dª. Vataça na Sé Velha de Coimbra (fotograia de Uxbona para Wikimedia
Commons).
O caso da Sérvia
A história da heráldica Sérvia mergulha as suas raízes nos seus principados ou
ducados medievais: Rascia, Doclea-Zeta, Travunia, Zahlumia e Bósnia12. As dinastias
sérvias – lideradas por zhupans - disputaram, não raras vezes, o domínio sobre as
terras sérvias e o título de príncipe13. É, pois, com o desenvolvimento e o posterior
fortalecimento do Estado sérvio, que situaremos a partir da casa de Nemanjić, a chamada
dinastia dos Estêvãos (Stefan), que governou a Sérvia de 1166 a 1371, e da qual resultou
o estabelecimento de contactos estreitos com realidades políticas vizinhas, bem como
com países mais distantes da Europa Central e Ocidental, para os quais tantas vezes a
Sérvia abriu o caminho para fortes inluências do mundo bizantino.
Na realidade quando Estêvão Nemanja, até então Grande Zhupan, se retirou
para um convento (c. 1196) e o seu secundogénito foi coroado como Estêvão I, rei
da Sérvia essa nova nação independente e ortodoxa era reconhecida como tal pelo
Império de Constantinopla (Romanof 1996: 8)14.
Apesar de ter vivido num período proto-heráldico, Nemanja desenvolveu os
símbolos do estado e ao invés de Uroš15 introduziu um novo nome titular – Estêvão –,
que se manteve até o inal da dinastia.
Uma forte ideologia imperial de evidente inluência bizantina, aliada a uma
lorescente cultura cortesã que, com base nos ideais da cavalaria, permitiu fazer aluir
ao território sérvio, uma multiplicidade de gentes que tanto inluíram na sua vida
quotidiana. Uma dessas áreas lorescentes manifestou-se através do aparecimento e
uso da heráldica.
É durante o período do Imperador Estêvão Uroš IV Dušan “o Poderoso”
(1331-1355) que a maior parte dos hábitos heráldicos se vão estabelecer na Sérvia.
Mais céleres nas terras ocidentais e eventualmente mais lentos e erráticos nas áreas
12
Em sérvio Raška, Duklja, Travnja, Zahumlje e Bosna.
13
A partir do século XI, o governante da Sérvia possuía o título de prefeito, herdado da velha ordem pa-
triarcal. A dinastia Nemanjić (1166-1371) foi a primeira a quebrar a herança patriarcal tradicional e a introduzir
o direito de primogenitura.
14
Num processo em tudo análogo ao que ocorria entre os estados “latinos”, cuja independência só era
deinitiva e com valor jurídico após o reconhecimento pela Santa Sé (Oliveira 1998: 32-33).
15
Referimo-nos à casa de Vojislavijević que, entre 1050 e 1165, governou o ducado de Rascia.
234 ESTUDOS DE HER ÁLDICA MEDIEVAL
orientais, todavia iniciada a sementeira a tradição heráldica sérvia não mais deixou
de lorescer até aos nossos dias. São muitos os exemplos de brasões representados
em proclamações, selos, moedas, monumentos, lápides funerárias, adornos, roupas
e pratos que, a partir de então, revelam a importância dada à heráldica medieval
na Sérvia, com uma crescente importância e papel de relevo atribuído ao escudo.
Em diversas situações se tornam comuns as representações dos símbolos heráldicos
acompanhando as imagens do imperador, a cavalo, segurando um ceptro. E ambas
estão inegavelmente relacionadas com a ideologia imperial bizantina assumida pelos
sérvios. Torna-se, indesmentível a partir de então que as representações heráldicas
tinham encontrado um lugar de primeiro plano entre os elementos simbológicos do
poder na Sérvia imperial medieval.
Evidentemente que a esta penetração dos hábitos heráldicos na Sérvia não
foi estranha uma forte inluência externa, maioritariamente de cavaleiros e mesmo
mercenários alemães contratados no tempo de Dušan, que teria já possuído um Rei
de Armas, Stanislav Rupcic, responsável pela criação de um armorial (Jonovski 2009:
5), o denominado “Armorial de Fojnica”. Não será, pois, de estranhar uma notória
inluência teutónica nas práticas e hábitos
heráldicos locais, sendo muitas insígnias
análogas às apresentadas em armoriais
germânicos de idêntico período16. Assim
aos escudos familiares de “estilo” alemão
sobrepõem-se o emblema imperial.
Segundo Konstantin de Kostonets
“o ilósofo” (c. 1380 – 1431) airmou na
sua Biograia do Déspota Stefan Lazarević
(1431), os «ocidentais» vinham à corte da
Sérvia, para que este os armasse cavaleiros.
Verdadeira fronteira da cristandade, a Sérvia
Fig. 12 - Reconstituição das armas do Déspota apresentava para uma Europa cavaleiresca já
Stefan Lazarević com base em selos, moedas e maioritariamente afastada dos propósitos de
frescos do século XIV. Note-se, circundando o
escudo, a insígnia da Ordem de Cavalaria do
proselitismo que não eram despicientes. Na
Dragão (Reconstituição do Prof. Aleksandar realidade, durante este período, o papel de
Palavestra).
16
Sobretudo no famoso Die Wappenrole von Zürich (assim denominado por se encontrar na Burgerbibliothek
daquela cidade), datável de cerca de 1345, de autoria desconhecida e que, à data, um dos mais antigos armorialis
conhecidos. Veja-se Steen Clemmensen http://www.armorial.dk/.
TEMÁTICAS GERAIS 235
17
Sevastokrator (do grego: σεβαστοκράτωρ; em sérvio: Севастократор) era um importante título da
corte no inal do Império Bizantino. Foi título igualmente usado por outros governantes cujos estados possuíam
fronteira com o Império ou estavam dentro de sua esfera de inluência. A palavra é um composto das expressões
gregas “sebastos” (“venerável”, o equivalente grego de Augusto) e “kratōr” (“o que governa”, o mesmo elemento
como usado em “autokratōr”, o que governa por si ou “imperador”).
O título foi criado pelo imperador Aleixo I Comneno para homenagear o seu irmão mais velho, Isaac
Comneno, Aleixo I tê-lo-á feito para aumentar a dignidade do irmão acima do lugar de César, que já tinha
236 ESTUDOS DE HER ÁLDICA MEDIEVAL
Fig. 16 - Anel da Rainha Teodora - Inv. No. 342, Museu Nacional de Belgrado (Narodni Muzej u
Beograd).
ouro mesmo durante o domínio bizantino.
Igualmente no Mosteiro de Studenica (Sérvia central), um fresco representando
Estêvão Radoslav (1227 – 1234) representa a águia bicéfala de ouro na capa
vermelha (c. 1208), embora devido ao mau estado de conservação do fresco de difícil
observação.
De período um pouco posterior, de referir ainda, o anel da Rainha Teodora
(c. 1322), mulher do Rei Estêvão Uroš
III Dečanski (1321 – 1331), outrora
pertencente ao Mosteiro de Banjska e
hoje depositado no Museu Nacional de
Belgrado.
A julgar pelos seus modelos
iconográicos, a águia bicéfala terá evoluído
como símbolo pessoal do soberano, para,
na fase inal da sua evolução, na época dos
déspotas, receber o pleno signiicado de
um símbolo heráldico.
Fig. 17 - Bandeira atribuída ao Império Sérvio
– séc. XIV (ouro e vermelho)(desenho de Ivan Parece ser defensável que a águia de
Sarajčić para Flags of the World).
prometido ao seu cunhado, Nicéforo Melissenos. Na sua Alexíada, Ana Comneno, classiica o título de sevas-
tokrator como “um segundo imperador”, e igualmente que, juntamente com o de César, lhe era concedido o
direito de usar uma coroa (mas não o diadema imperial). Durante a dinastia Comneno, o título continuou a ser
o mais importante abaixo do de imperador até 1163, até quando o Imperador Manuel I criou o título de Déspota.
TEMÁTICAS GERAIS 237
duas cabeças foi considerada como o símbolo do soberano e este, de certo modo,
confundível com o próprio Estado. Este símbolo foi, num primeiro período, o
signiicado ideológico e simbólico para a base do que foi a anexação pela dinastia
sérvia da herança bizantina e tal implicava o direito de herdar o trono e o império
sérvio representado pela imagem do emblema da águia de duas cabeças como já
Fig. 19 - Reconstituições (pouco realistas) da bandeira sérvia como representada no mapa de An-
gelino Dulcert (ouro e vermelho)(desenhos de Baks para Wikipedia e de B1mbo para Wikimedia
Commons).
238 ESTUDOS DE HER ÁLDICA MEDIEVAL
18
Bibliothèque Nationale de France, em Paris, “Cartes et Plans”, Rés. Ge. B., 696.
TEMÁTICAS GERAIS 239
por Solovyev (2000: 120), embora advogasse a existência de um outro armorial Ilírio,
que designou de “Armorial Proto-Ilírio” e que dataria da segunda metade do século
XVI o qual teria servido de base às cópias dos demais armoriais Ilírios. Esta tese foi
aceite e usada por Matkovski (1990: 78), embora deixando aberta a possibilidade do
armorial de Rupcic ter efectivamente existido. Na realidade, algumas descobertas
recentes, nomeadamente de artefactos, parecem demonstrar similaridades com as
armas presentes nos Armoriais Ilíricos o que demonstra que os seus artesãos ou
possuíam grande conhecimento da heráldica e simbologia da nobreza medieval ou
se haviam inspirado efectivamente em armoriais existentes.
O domínio Otomano
O opressivo domínio otomano parece ter sido relativamente pouco atento à
utilização heráldica e em especial ao uso da cruz tetragramática e da águia bicéfala,
pelo menos, evidentemente, em situações não oiciais (utilização no mundo
eclesiástico, em livros, etc.). Uma vez mais de acordo com informação transmitida
por Marko Drasković, as autoridades otomanas não levantavam demasiados
problemas embora, na realidade, os sérvios sob domínio turco também não tenham
feito uso alargado da sua tradicional
simbologia ou invés do que aconteceu
sob o domínio Habsburgo. Porém,
torna-se claro que ao longo dos séculos
XVI, XVII e XVIII, e até à revolta de
1804, quer a águia bicéfala, quer a cruz
sérvia surgem em inúmeras colecções
de manuscritos como identiicativos da
Sérvia.
O Principado autónomo
Após a revolta de 1804 e
posterior, em 1817 a Sérvia separou-
-se do domínio otomano. Entre
1848-1860 permaneceu como Grão-
Ducado de Vojvodina Sérvia e Tamiš Fig. 22 - Brasão de armas do Imperador austríaco
Banat. Heraldicamente este período como Grão-Duque da Vojvodina Sérvia e Tamiš Ba-
nat (desenho de Dragomir Acović).
é extremamente curioso por, pela
240 ESTUDOS DE HER ÁLDICA MEDIEVAL
20
Os bósnios eram então considerados croatas muçulmanos ou sérvios muçulmanos; os macedónios eram
considerados sérvios bem como os montenegrinos, os albaneses não eram considerados como uma nação da
Jugoslávia.
21
Em 1941 o país foi ocupado pelas forças alemãs, e a monarquia continuou no exílio a partir de Abril
desse ano. Formalmente Pedro II foi rei até à abolição da monarquia em 29 de Novembro de 1945 e subsequente
proclamação da república.
22
Alexandre I.
TEMÁTICAS GERAIS 243
23
O Montenegro existira como entidade autónoma na Idade Média, e ressurgiu em 1908 como reino,
durante essa existência como reino até 1918 possuía as armas então recuperadas. Em 2006, após a independência,
as mesmas foram alteradas e o escudo central passou a possuir o seguinte ordenamento: de azul, um leão passante
de ouro sobre um terreiro de verde, perilado de ouro, em ponta.
24
Notem-se os casos da Bulgária Geórgia,Hungria, Montenegro, Polónia e Rússia.
TEMÁTICAS GERAIS 245
25
A página deste notável heraldista pode ser acedida em: http://www.ljubodraggrujic.com.
246 ESTUDOS DE HER ÁLDICA MEDIEVAL
Bibliograia
Books, 1993.
GALVãO-TELLES, João Bernardo. 2005. “Temudos”, in SEIXAS, Miguel Metelo de
e GALVãO-TELLES, João Bernardo, Peregrinações Heráldicas Olisiponenses. A
Freguesia de Santa Maria de Belém, Lisboa, Universidade Lusíada Editora/Junta
de Freguesia de Santa Maria de Belém, pp. 240-242.
GEROLA, G., L’aquila bizantina e l’aquila imperiale a due teste, Felix Ravenna, 43
(1934), pp. 7-36.
IVANIć, Branka, Prstenje srpske srednjovekovne vlastele [Anéis da Nobreza Medieval
Sérvia], Belgrado, Narodni muzej, 1998.
JONOVSKI, Jovan, “Coats of Arms of Macedonia”, Macedonian Herald, 3 Mar.
(2009), pp. 1-13.
LANGHANS, Franz Paul de Almeida, Heráldica. Ciência de temas vivos, vol. 1,
Lisboa, Fundação Nacional para a Alegria no Trabalho, 1966.
LOPANDIć, Duško, Purpur imperije - rimski carevi sa prostora Srbije i Balkana [Púrpura
imperial - os imperadores romanos da Sérvia e dos Balcãs]. Belgrado: Marso book.
--------------------, “Sérvia: Pátria de imperadores romanos”. Lusíada. História 5/6
(2009), pp. 149-163.
LOUDA, Jiři & MACLAGAN, Michael, Lines of Succession, Londres, Orbis
Publishing, 1981.
MACLAGAN, Michael, “A Byzantine Princess in Portugal”, in ROBERTSON, Giles &
HENDERSON, George (ed.), Studies in Memory of David Talbot Rice, Edimburgo,
Edinburgh University Press, 1975, pp. 284-293.
МATKOVSKI, Аleksandar, Grbovite na Makedonija (prilog kon makedonskata
heraldika) [Armas da Macedónia (Tributo à Heráldica Macedónia)], Skopje,
Misla, 1990.
MAZOWER, Mark, he Balkans. From the end of Byzantium to the present day,
Londres, Orion books, 2000.
MILOšEVIć, Desanka, Nakit od XII do XV veka iz zbirke Narodnog muzeja [Joalharia
dos séculos XII a XV da Colecção do Museu Nacional de Belgrado], Belgrado,
Narodni muzej, 1990.
NEUBEKER, Ottfried, Heraldry. Sources, symbols and meaning, Londres, Tiger Books
International, 1997.
NITIć, Aleksandra, “Tkanine i profani kostim u srpskim slikarstvu XIV i prve polovine
XV veka – poreklo i razvoj stila” [Têxteis e traje secular em pinturas sérvias do século
XIV e primeira metade do século XV – A origem e desenvolvimento da moda]. Niš
248 ESTUDOS DE HER ÁLDICA MEDIEVAL
i Vizantija II. Zbornik radova (sympozjum: Niš 3–5.VI 2003 r.), pp. 317–334.
OLIVEIRA, Humberto Nuno de, “As Concepções de Moscovo como a Terceira Roma e
de «Russia Homeland/Motherland» como constantes Histórico-culturais na Estratégia
de Expansionismo Russo”, Revista da Marinha, nº 837, ano 57 (Abr. 1993), pp. 30-33.
--------------------, Elementos de História Política e Diplomática de Portugal (Primeira
Dinastia). Lisboa: Nobiscum: editores e livreiros, 1998.
--------------------, “A Hungria entre duas Guerras Mundiais”, Lusíada. História 4
(2007), pp. 11-63.
--------------------, “E se fosse Guimarães?”, Lusíada. Política Internacional e
Segurança 2 (2009), pp. 37-56.
--------------------, “Subsídio para a História das relações bilaterais entre Portugal e a
Sérvia”, Lusíada. História 7 (2010), pp. 443-473.
PARANI, Maria G., Reconstructing the Reality of Images: Byzantine Material Culture
and Religious Iconography (11th to 15th Centuries), Leiden, Brill, 2003.
PASTOUREAU, Michel, Traité d’Héraldique, Paris, Picard, 1997.
RICHENTAL, Ulrich (c. 1365-1437?) Chronik des Konstanzer Konzils, Augsburg,
Anton Sorg, 2nd September 1483.
Rodoslovne tablice i grbovi srpskih dinastija i vlastele [Tabelas de genealogia e
emblemas da dinastia e nobreza sérvia], Belgrado, Nova Knjiga, 1987.
ROMANOFF, Dimitri, he Orders, Medals and History of the Kingdoms of Serbia and
Yugoslavia, Rungsted Kyst, Balkan Heritage, 1996.
RüDT VON COLLENBERG, W.H., “Byzantinische Präheraldik des 10. & 11. Jhs”,
Recueil du 12e congrès International des Sciences Héraldique et Généalogique
(Stuttgart 1978), pp. 169-181.
SAVIć, Vanja, Historical Symbolism of Serbia’s Coat of Arms, Disponível em:
http://www.jat.com/active/en/home/main_menu/travel_info/jat_review/
oktobar_2007/simbolika_srpskog_grba.html, 2010.
SILAEV, Andrej, “Georgijevi, Koreni iz davnina” [As raízes do passado], Ocilo, nº 2,
Jun. (2009), pp. 8-11.
SOLOVyEV, Aleksandar, “Les emblèmes héraldiques de Byzance et les Slaves”,
Seminarium Kondakovianum 7 (1935), pp. 119-164.
--------------------, Istorija srpskog grba i drugi heralkdički radovi [História do
brasão de armas da Sérvia e outras obras heráldicas], Belgrado, Pravni fakultet
univerziteta u Beogradu, 2000.
STEVOVIć, Ljubomir, Koreni Srpske Heraldike [Raízes da Heráldica Sérvia],
TEMÁTICAS GERAIS 249
Agradecimentos
Ao colega e amigo de longa data Miguel Metelo de Seixas pelas sempre atentas
sugestões e palavras de incentivo no decurso da elaboração de um mais vasto estudo
do qual resultou este trabalho. Ao Presidente da Sociedade Heráldica Sérvia (na qual
com manifesta honra fui admitido), Marko Drasković pela atenção e paciência ao
longo de múltiplos “e-mails” com dúvidas e perguntas a que sempre com gentileza,
solicitude e cortesia respondeu. À Senhora Gordana Grabě, responsável pelas
Relações Públicas do Museu Nacional de Belgrado pela inexcedível amabilidade
e solicitude com que atendeu os meus pedidos. Ao Senhor Embaixador Duško
Lopandić pela amizade com que, enquanto representante da República da Sérvia em
Portugal (2007-2011), sempre incentivou e apoiou as minhas “incursões” sérvias.