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5, Nº 4, 2023
DOI: 10.53660/247.prw409
ISSN: 1541-1389
RESUMO
O presente artigo analisa a inserção da justiça restaurativa integral no processo de solução dos crimes
relacionados ao trabalho em condições análogas à escravidão respondendo aos seguintes questionamentos
como problemas de pesquisa: a justiça restaurativa pode contribuir com a solução dos conflitos do trabalho
em condições análogas à escravidão? Seria ela capaz de reduzir ou solucionar a prática do trabalho em
condições análogas à escravidão? O objetivo geral é analisar a inserção da justiça restaurativa na solução
dos crimes relacionados ao trabalho em condições análogas à escravidão. E como objetivos específicos
traçar os perfis das vítimas e infratores nos crimes de redução a condição análoga de escravo; apontar a
legislação penalista brasileira sobre o trabalho escravo no Brasil e as recomendações da OIT; e compreender
os instrumentos de solução de conflitos e a possibilidade da inserção da justiça restaurativa aos crimes
relacionados ao trabalho escravo. A metodologia usada foi a pesquisa bibliográfica e documental, a partir
de artigos científicos, dissertações, resoluções, Leis, o Código Penal. Chega-se à conclusão de que a justiça
restaurativa poderia ser usada juntamente com a penalização já existente como forma de coibir o trabalho
em condições análogas à escravidão, mas jamais poderia substituir a justiça tradicional.
Palavras-chave: Justiça Restaurativa; Trabalho Escravo; Solução de conflitos.
ABSTRACT
This article analyzes the insertion of integral restorative justice in the process of solving crimes related to
work in conditions similar to slavery, answering the following questions as research problems: restorative
justice can contribute to the solution of conflicts at work in conditions similar to slavery? Would it be
capable of reducing or solving the practice of working in conditions analogous to slavery? The general
objective is to analyze the insertion of restorative justice in the solution of crimes related to work in
conditions analogous to slavery. And as specific objectives to trace the profiles of victims and offenders in
crimes of reduction to analogous condition of slave; point out the Brazilian penal legislation on slave labor
in Brazil and the recommendations of the ILO; and understand the conflict resolution instruments and the
possibility of inserting restorative justice to crimes related to slave labor. The methodology used was
bibliographical and documentary research, based on scientific articles, dissertations, resolutions, laws, the
Penal Code. It comes to the conclusion that restorative justice could be used together with the existing
penalization as a way to curb work in conditions analogous to slavery, but it could never replace traditional
justice.
1
Instituto de Educação Superior Raimundo Sá.
*E-mail: fabriciobas48@gmail.com
21
No terceiro tópico que trata sobre inserção da justiça restaurativa integral no
processo de solução dos conflitos que envolvem os crimes relacionados ao trabalho em
condições análogas à escravidão, busca-se responder aos questionamentos feitos,
chegando a conclusão de que o crime tira a dignidade do trabalhador, o reduzindo a um
mero instrumento na mão do autor, o mesmo se encontra sem valor, reduzido a uma
economia em relação a direitos trabalhistas, onde trabalha exaustivamente, sendo assim
não poderia ser substituída a penalização adotada pelo Código Penal, e sim ser
complementar a esta.
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Ou seja, são desrespeitados os direitos fundamentais da vítima, que tem seu livre-
arbítrio limitado, atingindo a sua dignidade, onde são submetidos a jornadas de trabalho
intensas, exaustivas, onde não conseguem manter contato com o “mundo exterior”.
Segundo Moreno, Andrade, Neves e Fiche (2019 p.200), o trabalho análogo ao
escravo é uma das piores formas de exploração humana, e fundamenta-se em tirar
vantagem econômica da situação:
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cento) se enquadram como parda, ou se declara como mulata, cabocla, cafuza, mameluca
ou mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça. Em sua maioria são pessoas do sexo
masculino, com faixa etária entre 18 (dezoito) e 29 (vinte e nove) anos2.
Para analisar o perfil dos empregadores, como é um número restrito que aceita
falar sobre o assunto, foi usado como base um estudo feito pela Organização Internacional
do Trabalho, sobre o perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no
Brasil, assim, em sua maioria são homens adultos, com idade média de 47 (quarenta e
sete) anos, em sua predominância brancos, com ensino superior completo, com profissões
ligadas ao meio rural ou mais de uma profissão. Normalmente homens instruídos, com
uma boa condição de vida, que são conhecedores da lei.
2
Fonte: Bancos de dados do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, do Sistema de
Acompanhamento do Trabalho Escravo (SISACTE) e do Sistema COETE (Controle de Erradicação do
Trabalho Escravo), referentes ao período iniciado em 2003 (Primeiro Plano Nacional de Erradicação do
Trabalho Escravo). Os dados brutos foram fornecidos pelo Ministério da Economia do Brasil. Tratamento
e análise: SmartLab. Disponível em:
<https://smartlabbr.org/trabalhoescravo/localidade/0?dimensao=perfilCasosTrabalhoEscravo>. Acesso
em: 30 jun. 2021.
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I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela
Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído
pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de
11.12.2003)
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) (BRASIL, 1943)
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abaixo, o Conselho de Administração da Repartição Internacional do
Trabalho examinará a possibilidade de suprimir sem nova delonga o
trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas formas e decidirá da
oportunidade de inscrever essa questão na ordem do dia da Conferência.
Art. 2 — 1. Para os fins da presente convenção, a expressão ‘trabalho
forçado ou obrigatório’ designará todo trabalho ou serviço exigido de
um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não
se ofereceu de espontânea vontade.
Essa nova resolução foi usada como uma forma de melhorar a resolução anterior,
assim, fazendo com que o trabalho não fosse caracterizado como forma de punição entre
empregador e empregado.
JUSTIÇA RESTAURATIVA
A justiça restaurativa é uma técnica de solução de conflito e violência que se
orienta pela criatividade e sensibilidade se trata de um processo colaborativo voltado para
resolução de um conflito caracterizado como crime, que envolve a participação maior do
infrator e da vítima. Segundo ZEHR, (apud POMPEU, 2018, p. 99-100), exemplifica
sobre o que a justiça restaurativa não é ou não possui:
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detém pauta programática hermética; (V) não foi concebida para ser
aplicada somente em crimes de menor potencial ofensivo; (VI) não é
necessariamente um substituto ao processo penal; (VII) não é
necessariamente uma alternativa ao cárcere; e (VIII) não se contrapõe à
Justiça Retributiva.
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A justiça restaurativa é benéfica em seus aspectos, pois é uma tentativa de alcançar
a pacificação das relações sociais de uma forma mais efetiva que uma decisão judicial.
A Justiça Restaurativa nutre ou se nutre de valores e princípios orientadores. Ela
é aberta e não se cristaliza em um sistema oficial de normas, embora possa contribuir e
dialogar com as diversas institucionalidades (escolas, prisões, polícias, empresas, sistema
de Justiça, movimentos sociais, etc.).
O Conselho Nacional de Justiça possui duas Resoluções que dispõem sobre a
Política Nacional de Justiça, são elas a de nº 255 e a de nº 300, que complementa a
primeira. Em ambas as resoluções o CNJ incentiva o uso da justiça restaurativa:
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Poderia ser usada em paralelo com a punição descrita no Código Penal, a pena de
dois a oito anos, multa e audiência com a vítima, também seria para a vítima fechar um
ciclo de sua vida, falar sobre sua experiência diretamente com o seu agressor, tudo como
forma de coibir a repetição do crime.
Segundo Vitor Pompeu, a justiça restaurativa não busca punir, culpar ou
responsabilizar, mas sim aproximar os envolvidos do sentimento de justiça, agindo no
lado emocional nos envolvidos no caso:
Assim, pode-se dizer que a justiça restaurativa pode contribuiria com a solução
dos conflitos que envolvem o trabalho em condições análogas à escravidão.
Seria ela capaz de buscar uma maior eficácia para reduzir ou solucionar a prática
do trabalho em condições análogas à escravidão?
Sim, a justiça restaurativa seria de grande ajuda na eficácia de reduzir prática de
trabalho em condições análogas à escravidão, porém a mesma não poderia solucionar tal
prática, apenas contribuir para a que não voltasse a ocorrer com os envolvidos no caso, o
Estado brasileiro possui muitas dificuldades em refrear tal prática, pois os autores sempre
estão em busca de enriquecimento econômico, buscando baratear o sistema de produção:
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O crime tira a dignidade do trabalhador, o reduzindo a um mero instrumento na
mão do autor, o mesmo se encontra sem valor, reduzido a uma economia em relação a
direitos trabalhistas, onde trabalha exaustivamente, sendo assim não poderia ser
substituída a penalização adotada pelo Código Penal, e sim ser complementar a esta.
Como explica André Araújo Barbosa, não se pode acreditar que a prática restaurativa
possui uma fórmula mágica que irá solucionar o conflito:
A justiça restaurativa visa trabalhar junto com o Direito Penal, para criar um
sistema penal mais apropriados a um Estado Democrático de Direito, buscando efetivar a
dignidade das pessoas, não irá resolver conflitos sociais e as suas consequências das
profundas desigualdades que marcam a sociedade brasileira, é uma ferramenta, e não uma
solução prática.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou conceituar o que era o trabalho em condições análogas
à escravidão, e desmistificar o perfil tanto do trabalhador como do empregador, onde se
chega ao trabalhador, sem instrução, que vive em condição de pobreza e é levado a esse
tipo de situação por necessidade, através do empregador que é uma pessoa bem instruída
de posses e que possui plena consciência dos meios que está usando para o seu
enriquecimento.
No momento seguinte tratou-se sobre as legislações aplicadas aos casos que são o
Código Penal, que através da atualização feita pela Lei 10.803/2003 versa sobre as
punições quanto a submeter alguém a condições de trabalho análogas à escravidão. Além
disso também tratou sobre no mérito das Conferências feitas pela OIT – Organização
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Internacional de Trabalho, que busca combater o trabalho forçado nos 187 (cento e oitenta
e sete) países em que atua.
Após isso entra-se no mérito da Justiça Restaurativa, buscando conceituar e
explicar como a mesma funciona na prática que é uma técnica de solução
de conflito e violência que se orienta pela criatividade e sensibilidade se trata de um
processo colaborativo voltado para resolução de um conflito caracterizado como crime,
que envolve a participação maior do infrator e da vítima. Demonstrou com a mesma já
está de certa forma prevista no art. 74 da Lei nº 9.099 de 1995, que dispõe sobre os
Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
O Conselho Nacional de Justiça possui duas Resoluções que dispõem sobre a
Política Nacional de Justiça, são elas a de nº 255 e a de nº 300, que incentivam o uso da
justiça restaurativa no Brasil.
A partir desse apanhado geral buscou-se responder aos questionamentos, se a
justiça restaurativa integral pode contribuir com a solução dos conflitos que envolvem o
trabalho em condições análogas à escravidão? Seria ela capaz de buscar uma maior
eficácia para reduzir ou solucionar a prática do trabalho em condições análogas à
escravidão?
A resposta é que a justiça restaurativa pode sim ser inserida no processo de solução
dos conflitos que envolvem os crimes relacionados ao trabalho em condições análogas à
escravidão, contando que a mesma não busque substituir a justiça tradicional, onde a
punição é prevista no Código Penal, mas poderá ser um auxiliar a causa, como um meio
de coibir que casos semelhantes aconteçam.
Como por exemplo, ao colocar frente a frente empregador que sujeitou o
empregado a perca de sua dignidade por meio do trabalho forçado, e deixar que os dois
conversem tendo um mediador, seria possível que esse autor não voltasse a cometer o
delito após a sua punição.
O presente trabalho é apenas uma iniciação a esse estudo tão importante, de como
a justiça restaurativa e o direito penal podem se complementar, e estabelecer uma relação
como meio de coibir essas situações.
REFERÊNCIAS
BARBOSA, André Araujo. Justiça restaurativa: uma proposta democrática e
dignificante de resposta ao delito viabiliza a partir dos juizados especiais criminais.
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Dissertação submetida ao Programa de Pós- Graduação em Direito – Mestrado em
Direito Constitucional – da Universidade de Fortaleza, 2015, 179 p.
BRAGA, Ana Gabriela; ÁGUILA, Iara Marthos; CUNHA, Juliana Frei; BORGES,
Paulo César Corrêa. Formas Contemporâneas de Trabalho Escravo. São Paulo:
PPGD, 2015. 164p. ISSN: 2236-1928
COSTA, Rosalina Moitta Pinto da. “Limpando as lentes”: o que é justiça restaurativa?
Revista dos Tribunais, vol. 1023/2021, p. 279 – 299, Jan / 2021.
ITO FILHO, José Claudio Monteiro de. Trabalho decente – Análise jurídica da
exploração do trabalho – Trabalho forçado e outras formas de trabalho indigno. São
Paulo: LTr, 2004. p. 14. Apud MORENO, Jonas Ratier; ANDRADE, Marcio Amazonas
Cabral de; NEVES, Virgínia de Azevedo; FICHE, Marcelo Estrela. O trabalho escravo
contemporâneo no Brasil sob a ótica na análise econômica do Direito. Revista de
Direito do Trabalho, vol. 208/2019, p. 199 – 220, Dez / 2019
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LEMOS, Clécio. Justiça pós-penal: hora de propor. Revista Brasileira de Ciências
Criminais, vol. 169/2020, p. 139 – 162, Jul / 2020
MORENO, Jonas Ratier; ANDRADE, Marcio Amazonas Cabral de; NEVES, Virgínia
de Azevedo; FICHE, Marcelo Estrela. O trabalho escravo contemporâneo no Brasil sob
a ótica na análise econômica do Direito. Revista de Direito do Trabalho, vol.
208/2019, p. 199 – 220, Dez / 2019
OIT. Perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no Brasil.
Organização Internacional do Trabalho. - Brasilia: OIT, 2011. 1 v. ISBN:
9789228254938;9789228254945 (web pdf)
ZEHR, Howard. The little book of restorative justice. Intercourse: GoodBooks, 2002, p.
18-23, apud POMPEU, Victor Marcilio. Justiça restaurativa: alternativa de
Reintegração e de ressocialização. Tese apresentada Universidade de Fortaleza,
Programa de Pós-Graduação em Direito Constitucional, Fortaleza – CE, 2018.
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