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PEER REVIEW, Vol.

5, Nº 4, 2023
DOI: 10.53660/247.prw409
ISSN: 1541-1389

A inserção da Justiça Restaurativa Integral no processo de solução dos


crimes relacionados ao trabalho em condições análogas à escravidão
The insertion of Integral Restorative Justice in the process of solving crimes
related to work in conditions analogous to slavery
Fabrício Bezerra Alves de Sousa1*

RESUMO
O presente artigo analisa a inserção da justiça restaurativa integral no processo de solução dos crimes
relacionados ao trabalho em condições análogas à escravidão respondendo aos seguintes questionamentos
como problemas de pesquisa: a justiça restaurativa pode contribuir com a solução dos conflitos do trabalho
em condições análogas à escravidão? Seria ela capaz de reduzir ou solucionar a prática do trabalho em
condições análogas à escravidão? O objetivo geral é analisar a inserção da justiça restaurativa na solução
dos crimes relacionados ao trabalho em condições análogas à escravidão. E como objetivos específicos
traçar os perfis das vítimas e infratores nos crimes de redução a condição análoga de escravo; apontar a
legislação penalista brasileira sobre o trabalho escravo no Brasil e as recomendações da OIT; e compreender
os instrumentos de solução de conflitos e a possibilidade da inserção da justiça restaurativa aos crimes
relacionados ao trabalho escravo. A metodologia usada foi a pesquisa bibliográfica e documental, a partir
de artigos científicos, dissertações, resoluções, Leis, o Código Penal. Chega-se à conclusão de que a justiça
restaurativa poderia ser usada juntamente com a penalização já existente como forma de coibir o trabalho
em condições análogas à escravidão, mas jamais poderia substituir a justiça tradicional.
Palavras-chave: Justiça Restaurativa; Trabalho Escravo; Solução de conflitos.

ABSTRACT
This article analyzes the insertion of integral restorative justice in the process of solving crimes related to
work in conditions similar to slavery, answering the following questions as research problems: restorative
justice can contribute to the solution of conflicts at work in conditions similar to slavery? Would it be
capable of reducing or solving the practice of working in conditions analogous to slavery? The general
objective is to analyze the insertion of restorative justice in the solution of crimes related to work in
conditions analogous to slavery. And as specific objectives to trace the profiles of victims and offenders in
crimes of reduction to analogous condition of slave; point out the Brazilian penal legislation on slave labor
in Brazil and the recommendations of the ILO; and understand the conflict resolution instruments and the
possibility of inserting restorative justice to crimes related to slave labor. The methodology used was
bibliographical and documentary research, based on scientific articles, dissertations, resolutions, laws, the
Penal Code. It comes to the conclusion that restorative justice could be used together with the existing
penalization as a way to curb work in conditions analogous to slavery, but it could never replace traditional
justice.

Keywords: Restorative Justice; Slavery; Conflict Resolution.

1
Instituto de Educação Superior Raimundo Sá.
*E-mail: fabriciobas48@gmail.com

Recebido: 15/02/2023 |Aceito: 18/03/2023 | Publicado: 24/03/2023


INTRODUÇÃO
O presente artigo é uma análise sobre o trabalho forçado, frente aos instrumentos
de controle e proteção da vítima na legislação brasileira, e surge a partir da dificuldade
punitiva frente à hipossuficiência da vítima. Dessa forma se delimita a inserção da justiça
restaurativa integral no processo de solução dos conflitos que envolvem os crimes
relacionados ao trabalho em condições análogas à escravidão.
Busca responder aos seguintes questionamentos como problemas de pesquisa: A
justiça restaurativa integral pode contribuir com a solução dos conflitos que envolvem o
trabalho em condições análogas à escravidão? Seria ela capaz de buscar uma maior
eficácia para reduzir ou solucionar a prática do trabalho em condições análogas à
escravidão?
Tem como objetivo geral analisar a possibilidade da inserção da justiça
restaurativa integral no processo de solução dos conflitos que envolvem os crimes
relacionados ao trabalho em condições análogas à escravidão. E como objetivos
específicos traçar os principais perfis das vítimas e infratores envolvidos na prática do
crime de redução a condição análoga de escravo; apontar a legislação penalista brasileira
que trata sobre o trabalho escravo no Brasil e as recomendações da OIT; e compreender
os instrumentos de solução de conflitos e a possibilidade da inserção da justiça
restaurativa integral no processo de solução dos conflitos que envolvem os crimes
relacionados ao trabalho escravo.
A metodologia usada foi a pesquisa bibliográfica e documental, a partir de artigos
científicos, dissertações, resoluções, Leis, o Código Penal.
Em um primeiro momento foram abordados a prática do crime de redução análoga
a escravo no Brasil, buscando sua conceituação, traçando o perfil tanto para o trabalhador,
como para o autor do crime.
No segundo momento é abordado a legislação penalista brasileira que trata sobre
o trabalho escravo no brasil e as recomendações da Organização Internacional do
Trabalho, que são a Convenção nº 29, de 1930, que versa sobre Trabalho Forçado ou
Obrigatório, e na Convenção nº 105, de 1957, que fala sobre a Abolição do Trabalho
Forçado.
Assim, passado o momento de introdução, no terceiro tópico buscou-se explicar o
que é a justiça restaurativa, sua conceituação e as formas que a mesma pode ser utilizada
no Brasil.

21
No terceiro tópico que trata sobre inserção da justiça restaurativa integral no
processo de solução dos conflitos que envolvem os crimes relacionados ao trabalho em
condições análogas à escravidão, busca-se responder aos questionamentos feitos,
chegando a conclusão de que o crime tira a dignidade do trabalhador, o reduzindo a um
mero instrumento na mão do autor, o mesmo se encontra sem valor, reduzido a uma
economia em relação a direitos trabalhistas, onde trabalha exaustivamente, sendo assim
não poderia ser substituída a penalização adotada pelo Código Penal, e sim ser
complementar a esta.

PRÁTICA DO CRIME DE REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA DE ESCRAVO


NO BRASIL
No Brasil, infelizmente, as notícias sobre trabalho escravo continuam atuais,
situações onde pessoas são encontradas incomunicáveis, em lugares de difícil acesso,
trabalhando até a exaustão, sem que possam ter o mínimo de dignidade humana.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho - OIT (2021), o trabalho digno
seria:

O conceito de trabalho digno resume as aspirações de homens e


mulheres no domínio profissional e abrange vários elementos:
oportunidades para realizar um trabalho produtivo com uma
remuneração justa; segurança no local de trabalho e proteção social para
as famílias; melhores perspetivas de desenvolvimento pessoal e
integração social; liberdade para expressar as suas preocupações;
organização e participação nas decisões que afetam as suas vidas; e
igualdade de oportunidades e de tratamento.

Um lugar com oportunidades e tratamento iguais para homens e mulheres


realizarem um trabalho produtivo, com remuneração justa, segurança no local de trabalho,
proteção social para a sua família, e com perspectivas de desenvolvimento pessoal e
integração social.
Segundo Brito Filho (apud MORENO et. al. 2019, p.4), conceitua-se o trabalho
em condições a análogas à escravidão da seguinte madeira: “podemos definir trabalho em
condições análogas a de escravo como o exercício do trabalho humano em que há
restrição, em qualquer forma, à liberdade do trabalhador, e/ou quando não são respeitados
os direitos mínimos para o resguardo da dignidade do trabalhador”.

22
Ou seja, são desrespeitados os direitos fundamentais da vítima, que tem seu livre-
arbítrio limitado, atingindo a sua dignidade, onde são submetidos a jornadas de trabalho
intensas, exaustivas, onde não conseguem manter contato com o “mundo exterior”.
Segundo Moreno, Andrade, Neves e Fiche (2019 p.200), o trabalho análogo ao
escravo é uma das piores formas de exploração humana, e fundamenta-se em tirar
vantagem econômica da situação:

O trabalho análogo ao de escravo, ou “trabalho forçado ou obrigatório”,


tanto no Brasil como no resto do mundo, configura-se umas das piores
formas de exploração humana e está fundamentado fortemente em
causas econômicas. Conforme se observa nos dados do Observatório
Digital do Trabalho escravo, o empregado é escravizado em razão da
sua vulnerabilidade socioeconômica. O empregador, por sua vez,
explora a mão de obra escrava com o intuito de aumentar o lucro e
diminuir os custos de sua produção.
O Global Estimates of Modern Slavery: Forced Labour and Forced
Marriage é um relatório da OIT que traz a informação acerca da
estimativa da submissão no plano internacional de quase 40,3 milhões
de pessoas vítimas de escravidão moderna em 2016, sendo 25 milhões
em situação de trabalho forçado; 15,4 milhões submetidas a casamento
forçado; e quatro milhões, a trabalho forçado por autoridades de
governos, com lucro estimado para os exploradores na ordem de US$
150 bilhões.

Segundo relatório da OIT o lucro estimado em 2016 em cima do trabalho forçado


foi de 150 (cento e cinquenta) bilhões de dólares,
Conforme dados recolhidos do Observatório Digital do trabalho escravo, entre os
anos de 1995 e 2020, foram resgatados 53.378 (cinquenta e três mil e trezentos e setenta
e oito) trabalhadores do trabalho análogo ao de escravo, sendo 26.755 (vinte e seus mil e
setecentos e cinquenta e cinco), 73% (setenta e três por cento) dos trabalhadores em
atividades ligadas ao setor agropecuário. A criação de bovinos aparece como a atividade
que mais utilizou a mão de obra escrava no período, cerca de 16.626 (dezesseis mil e
seiscentos e vinte e seis) pessoas. Logo em seguida, vem o cultivo de cana-de-açúcar,
com 7.590 (sete mil e quinhentos e noventa) indivíduos resgatados do trabalho análogo
ao de escravo. Posteriormente, a construção civil é o setor que mais explora trabalhador
em condições análogas às de escravo, no mesmo período foram resgatados 2.242 (dois
mil e duzentos e quarenta e dois) trabalhadores.
Ainda segundo o Observatório, o perfil das vítimas, em sua maioria é de pessoas
com baixa escolaridade, 39% (trinta e nove por cento) só possuem até 5º ano do ensino
fundamental, e 31% (trinta e um por cento) são analfabetas, 43% (quarenta e três por

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cento) se enquadram como parda, ou se declara como mulata, cabocla, cafuza, mameluca
ou mestiça de preto com pessoa de outra cor ou raça. Em sua maioria são pessoas do sexo
masculino, com faixa etária entre 18 (dezoito) e 29 (vinte e nove) anos2.
Para analisar o perfil dos empregadores, como é um número restrito que aceita
falar sobre o assunto, foi usado como base um estudo feito pela Organização Internacional
do Trabalho, sobre o perfil dos principais atores envolvidos no trabalho escravo rural no
Brasil, assim, em sua maioria são homens adultos, com idade média de 47 (quarenta e
sete) anos, em sua predominância brancos, com ensino superior completo, com profissões
ligadas ao meio rural ou mais de uma profissão. Normalmente homens instruídos, com
uma boa condição de vida, que são conhecedores da lei.

A legislação penalista brasileira que trata sobre o trabalho escravo no Brasil e as


recomendações da OIT
A legislação penal brasileira, data de 1943, é bastante antiga e foi sendo atualizada
ao passar dos anos, com inclusão de artigos e incisos ao longo do tempo, como é o
presente caso, onde a Lei nº 10.803, de 11 de dezembro de 2003 alterou o Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 2003 que institui o Código Penal, para estabelecer penas ao
crime nele tipificado e indicar as hipóteses em que se configura condição análoga à de
escravo.

Redução a condição análoga à de escravo


Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer
submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer
sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por
qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o
empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de
11.12.2003)
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena
correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de
11.12.2003)
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de
11.12.2003)

2
Fonte: Bancos de dados do Seguro-Desemprego do Trabalhador Resgatado, do Sistema de
Acompanhamento do Trabalho Escravo (SISACTE) e do Sistema COETE (Controle de Erradicação do
Trabalho Escravo), referentes ao período iniciado em 2003 (Primeiro Plano Nacional de Erradicação do
Trabalho Escravo). Os dados brutos foram fornecidos pelo Ministério da Economia do Brasil. Tratamento
e análise: SmartLab. Disponível em:
<https://smartlabbr.org/trabalhoescravo/localidade/0?dimensao=perfilCasosTrabalhoEscravo>. Acesso
em: 30 jun. 2021.

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I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do
trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela
Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de
documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no
local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído
pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de
11.12.2003)
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou
origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003) (BRASIL, 1943)

Assim o aspecto punitivo penal do trabalha a condição análoga à de escravo é


bastante claro, com pena de dois a oito anos e multa, além da pena correspondente a
violência sofrida pela vítima. Também se enquadram no crime o uso de meios de
transporte por parte do trabalhador que tenham o intuito de retê-lo no local de trabalho,
vigiar ostensivamente o local de trabalho, reter documentos ou objetos do trabalhador, se
for cometido contra crianças ou adolescentes, ou se a sua motivação for preconceito, de
cor, raça, etnia, religião ou origem.
Também foram ratificados, pelo Brasil, as Convenções da Organização
Internacional do Trabalho (OIT), que é a única agência das Nações Unidas que tem
estrutura tripartite, na qual representantes de governos, de organizações de empregadores
e de trabalhadores de 187 Estados-membros participam em situação de igualdade das
diversas instâncias da Organização.
A Convenção nº 29, de 1930, versa sobre Trabalho Forçado ou Obrigatório, foi
aprovada na 14ª Conferência Internacional do Trabalho (Genebra-1930), e entrou em
vigência no Brasil, em 25 de abril de 1958, nela todos os membros da OIT se obrigam a
suprimir o emprego do trabalho forçado ou obrigatório sob todas as formas no mais curto
prazo possível, nela conceitua-se o trabalho forçado, as suas características, como deve
funcionar a carga de trabalho, e etc.

Art. 1 — 1. Todos os Membros da Organização Internacional do


Trabalho que ratificam a presente convenção se obrigam a suprimir o
emprego do trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas formas
no mais curto prazo possível.
2. Com o fim de alcançar essa supressão total, o trabalho forçado ou
obrigatório poderá ser empregado, durante o período transitório,
unicamente para fins públicos e a título excepcional, nas condições e
com as garantias estipuladas nos artigos que seguem.
3. À expiração de um prazo de cinco anos a partir da entrada em vigor
da presente convenção e por ocasião do relatório previsto no art. 31

25
abaixo, o Conselho de Administração da Repartição Internacional do
Trabalho examinará a possibilidade de suprimir sem nova delonga o
trabalho forçado ou obrigatório sob todas as suas formas e decidirá da
oportunidade de inscrever essa questão na ordem do dia da Conferência.
Art. 2 — 1. Para os fins da presente convenção, a expressão ‘trabalho
forçado ou obrigatório’ designará todo trabalho ou serviço exigido de
um indivíduo sob ameaça de qualquer penalidade e para o qual ele não
se ofereceu de espontânea vontade.

A Convenção nº 105, de 1957, sobre a Abolição do Trabalho Forçado, foi


aprovada na 40ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Genebra – 1957), e
entrou em vigência no Brasil em 18 de junho de 1966, nela buscou-se tratar pontos que
não haviam sido inseridos na convenção anterior, como por exemplo em seu art. 1º:

Art. 1 — Qualquer Membro da Organização Internacional do Trabalho


que ratifique a presente convenção se compromete a suprimir o trabalho
forçado ou obrigatório, e a não recorrer ao mesmo sob forma alguma:
a) como medida de coerção, ou de educação política ou como sanção
dirigida a pessoas que tenham ou exprimam certas opiniões políticas,
ou manifestem sua oposição ideológica à ordem política, social ou
econômica estabelecida;
b) como método de mobilização e de utilização da mão-de-obra para
fins de desenvolvimento econômico;
c) como medida de disciplina de trabalho;
d) como punição por participação em greves;
e) como medida de discriminação racial, social, nacional ou religiosa.

Essa nova resolução foi usada como uma forma de melhorar a resolução anterior,
assim, fazendo com que o trabalho não fosse caracterizado como forma de punição entre
empregador e empregado.

JUSTIÇA RESTAURATIVA
A justiça restaurativa é uma técnica de solução de conflito e violência que se
orienta pela criatividade e sensibilidade se trata de um processo colaborativo voltado para
resolução de um conflito caracterizado como crime, que envolve a participação maior do
infrator e da vítima. Segundo ZEHR, (apud POMPEU, 2018, p. 99-100), exemplifica
sobre o que a justiça restaurativa não é ou não possui:

Sob essa ótica, são lançadas as seguintes conjecturas em tom de


desenlace de seus contornos, haja vista se tratar de um termo comum e,
muitas vezes, erroneamente interpretado. Nesse sentido, cumpre
enumerar que a Justiça Restaurativa: (I) não tem como objeto principal
o perdão ou a reconciliação; (II) não é mediação; (III) não tem por
objetivo maior reduzir a reincidência ou as ofensas em série; (IV) não

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detém pauta programática hermética; (V) não foi concebida para ser
aplicada somente em crimes de menor potencial ofensivo; (VI) não é
necessariamente um substituto ao processo penal; (VII) não é
necessariamente uma alternativa ao cárcere; e (VIII) não se contrapõe à
Justiça Retributiva.

A justiça restaurativa não pode ser considerada como um meio de conciliação,


apesar de ter a sua audiência regida pelo mediador. Ela pode ser usada tanto em crimes
graves como os leves, a mediação vítima-ofensor consiste basicamente em colocá-los em
um mesmo ambiente guardado de segurança jurídica e física, com o objetivo de que se
busque ali acordo que implique a resolução de outras dimensões do problema que não
apenas a punição, como, por exemplo, a reparação de danos emocionais.
A sua realização não implica em que a pena tradicional não será punida, podem
ser concomitantes, porém em casos que tenham o menor potencial ofensivo, o acordo
poderá excluir o processo legal como versa o art. 74 da Lei nº 9.099 de 1995, que dispõe
sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências:

Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e,


homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de
título a ser executado no juízo civil competente.
Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de
ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado
acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.

Dessa forma a ação penal de inciativa privada ou de ação pública condicionada à


representação, tendo um acordo homologado, gera a renúncia do direito de queixa ou de
representação.
Outro caso em que a justiça restaurativa pode ser aplicada de forma efetiva são os
casos de infrações que foram cometidas por crianças ou adolescentes, onde o encontro
restaurativo e o estabelecimento de plano de recuperação poderiam evitar eu o
adolescente precisasse de internação, contando que o resultado final gere uma segurança
para vítima e reorganização para o infrator.
Importante ressaltar que a justiça restaurativa não retira o direito do ofendido de
recorrer à Justiça tradicional, ela se caracteriza como uma intervenção restaurativa
suplementar, que possuem três fases, a persuasão, onde existe um ambiente de negociação
direta entre as partes, a dissuasão que funciona como um misto de acordo com
possibilidade de punição, e aí sim a interdição, onde é aplicado o mecanismo punitivo.

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A justiça restaurativa é benéfica em seus aspectos, pois é uma tentativa de alcançar
a pacificação das relações sociais de uma forma mais efetiva que uma decisão judicial.
A Justiça Restaurativa nutre ou se nutre de valores e princípios orientadores. Ela
é aberta e não se cristaliza em um sistema oficial de normas, embora possa contribuir e
dialogar com as diversas institucionalidades (escolas, prisões, polícias, empresas, sistema
de Justiça, movimentos sociais, etc.).
O Conselho Nacional de Justiça possui duas Resoluções que dispõem sobre a
Política Nacional de Justiça, são elas a de nº 255 e a de nº 300, que complementa a
primeira. Em ambas as resoluções o CNJ incentiva o uso da justiça restaurativa:

CONSIDERANDO a necessidade de legitimar e fortalecer a identidade


da Justiça Restaurativa no cenário nacional e diferenciá-la de outros
institutos; de qualificar o entendimento de Justiça Restaurativa como
um conjunto de ações que não se reduzem a um método de resolução
de conflitos; de evitar desvirtuamentos na gestão de implementação da
Justiça Restaurativa; de incentivar os tribunais a implantarem
programas e/ou projetos de Justiça Restaurativa, sobremaneira a
criarem órgão central de macrogestão e coordenação; de fortalecer os
programas, projetos e/ou as ações de Justiça Restaurativa em
desenvolvimento nos tribunais, a partir da sensibilização dos
integrantes dos órgãos diretivos dos tribunais, bem como dos
magistrados, servidores e técnicos; de discutir e qualificar temas que
são fundamentais para os programas e projetos de Justiça Restaurativa,
como estrutura, formação e avaliação;

Nela o CNJ aconselha a criação de programas que fortaleçam a justiça


restaurativa, que ela seja aplicada e desenvolvida nos fóruns e tribunais, e que servidores,
magistrados e técnicos sejam instruídos sobre a mesma.

A INSERÇÃO DA JUSTIÇA RESTAURATIVA INTEGRAL NO PROCESSO DE


SOLUÇÃO DE CONFLITOS QUE ENVOLVEM OS CRIMES RELACIONADOS
AO TRABALHO EM CONDIÇÕES ANÁLOGAS À ESCRAVIDÃO
Dessa forma buscamos responder ao primeiro problema da pesquisa, se a justiça
restaurativa integral pode contribuir com a solução dos conflitos que envolvem o trabalho
em condições análogas à escravidão?
Sim, pode, uma vez que a justiça restaurativa não afasta o processo tradicional,
onde o autor do crime deverá ser punido, a audiência com a vítima pode fazer com que o
mesmo não volte a cometer tais crimes, vale ressaltar que em uma grande maioria, os
autores desse crime são pessoas instruídas, que conhecem a lei, ou se não conhecem tem
noção do que estão fazendo é errado.

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Poderia ser usada em paralelo com a punição descrita no Código Penal, a pena de
dois a oito anos, multa e audiência com a vítima, também seria para a vítima fechar um
ciclo de sua vida, falar sobre sua experiência diretamente com o seu agressor, tudo como
forma de coibir a repetição do crime.
Segundo Vitor Pompeu, a justiça restaurativa não busca punir, culpar ou
responsabilizar, mas sim aproximar os envolvidos do sentimento de justiça, agindo no
lado emocional nos envolvidos no caso:

Contudo, o real propósito das perspectivas restaurativas transcende


conceitos ou estruturações legais estáticas, haja vista que visa, como
propósito final, à verdadeira pacificação das pessoas envolvidas e
destas com a comunidade, sobrepondo-se às atribuições de
responsabilidade ou culpa, ao tempo que se aproxima da realização da
justiça. A Justiça Restaurativa não guarda estrutura mórfica pré-
constituída, sequer palpável. A bem da verdade, permeia todos os
instrumentos, institutos, propósitos e fundamentos que visam assegurar
ou aproximar os envolvidos do sentimento de justiça, como uma lente
de abordagem. (POMPEU, 2018, p. 122)

Assim, pode-se dizer que a justiça restaurativa pode contribuiria com a solução
dos conflitos que envolvem o trabalho em condições análogas à escravidão.
Seria ela capaz de buscar uma maior eficácia para reduzir ou solucionar a prática
do trabalho em condições análogas à escravidão?
Sim, a justiça restaurativa seria de grande ajuda na eficácia de reduzir prática de
trabalho em condições análogas à escravidão, porém a mesma não poderia solucionar tal
prática, apenas contribuir para a que não voltasse a ocorrer com os envolvidos no caso, o
Estado brasileiro possui muitas dificuldades em refrear tal prática, pois os autores sempre
estão em busca de enriquecimento econômico, buscando baratear o sistema de produção:

A prática do crime de redução de alguém à condição análoga à de


escravo (trabalho escravo contemporâneo), além de atentar contra os
princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e do valor
social do trabalho, também fere princípios econômicos como da justa
concorrência e competividade no mercado, em verdadeira prática de
dumping.
O maior desafio do Estado brasileiro atualmente é encontrar maneiras
eficazes para desestimular a prática do trabalho escravo a fim de
baratear seu sistema de produção.
Nesse sentido, a Análise Econômica do Direito, buscando o equilíbrio,
é um importante instrumento para encontrar e apontar mecanismos
para, no mínimo, inibir e desestimular a prática do trabalho escravo; e
ainda, que os empregadores, com boas práticas, contribuam com o
desenvolvimento econômico e social sustentáveis. (MORENO,
ANDRADE, NEVES, FICHE, 2019, p. 215)

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O crime tira a dignidade do trabalhador, o reduzindo a um mero instrumento na
mão do autor, o mesmo se encontra sem valor, reduzido a uma economia em relação a
direitos trabalhistas, onde trabalha exaustivamente, sendo assim não poderia ser
substituída a penalização adotada pelo Código Penal, e sim ser complementar a esta.
Como explica André Araújo Barbosa, não se pode acreditar que a prática restaurativa
possui uma fórmula mágica que irá solucionar o conflito:

A prática restaurativa é uma maneira de melhorar o sistema, de


proporcionar novas formas de tratar o conflito, que pode render bons
frutos, mas que tem efeitos limitados. Não pode ser vendida como a
fórmula mágica que vai resolver o problema da violência e trazer a paz
para a sociedade, até porque, como foi explicitado ao longo do trabalho,
não será o direito penal que vai resolver as divergências sociais e as
consequências das profundas desigualdades que marcam a sociedade
brasileira. No entanto, trabalhar com um sistema penal mais apropriado
a um Estado Democrático de Direito já é um passo para a efetivação da
dignidade das pessoas. (BARBOSA, 2015, p.153)

A justiça restaurativa visa trabalhar junto com o Direito Penal, para criar um
sistema penal mais apropriados a um Estado Democrático de Direito, buscando efetivar a
dignidade das pessoas, não irá resolver conflitos sociais e as suas consequências das
profundas desigualdades que marcam a sociedade brasileira, é uma ferramenta, e não uma
solução prática.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho buscou conceituar o que era o trabalho em condições análogas
à escravidão, e desmistificar o perfil tanto do trabalhador como do empregador, onde se
chega ao trabalhador, sem instrução, que vive em condição de pobreza e é levado a esse
tipo de situação por necessidade, através do empregador que é uma pessoa bem instruída
de posses e que possui plena consciência dos meios que está usando para o seu
enriquecimento.
No momento seguinte tratou-se sobre as legislações aplicadas aos casos que são o
Código Penal, que através da atualização feita pela Lei 10.803/2003 versa sobre as
punições quanto a submeter alguém a condições de trabalho análogas à escravidão. Além
disso também tratou sobre no mérito das Conferências feitas pela OIT – Organização

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Internacional de Trabalho, que busca combater o trabalho forçado nos 187 (cento e oitenta
e sete) países em que atua.
Após isso entra-se no mérito da Justiça Restaurativa, buscando conceituar e
explicar como a mesma funciona na prática que é uma técnica de solução
de conflito e violência que se orienta pela criatividade e sensibilidade se trata de um
processo colaborativo voltado para resolução de um conflito caracterizado como crime,
que envolve a participação maior do infrator e da vítima. Demonstrou com a mesma já
está de certa forma prevista no art. 74 da Lei nº 9.099 de 1995, que dispõe sobre os
Juizados Especiais Cíveis e Criminais.
O Conselho Nacional de Justiça possui duas Resoluções que dispõem sobre a
Política Nacional de Justiça, são elas a de nº 255 e a de nº 300, que incentivam o uso da
justiça restaurativa no Brasil.
A partir desse apanhado geral buscou-se responder aos questionamentos, se a
justiça restaurativa integral pode contribuir com a solução dos conflitos que envolvem o
trabalho em condições análogas à escravidão? Seria ela capaz de buscar uma maior
eficácia para reduzir ou solucionar a prática do trabalho em condições análogas à
escravidão?
A resposta é que a justiça restaurativa pode sim ser inserida no processo de solução
dos conflitos que envolvem os crimes relacionados ao trabalho em condições análogas à
escravidão, contando que a mesma não busque substituir a justiça tradicional, onde a
punição é prevista no Código Penal, mas poderá ser um auxiliar a causa, como um meio
de coibir que casos semelhantes aconteçam.
Como por exemplo, ao colocar frente a frente empregador que sujeitou o
empregado a perca de sua dignidade por meio do trabalho forçado, e deixar que os dois
conversem tendo um mediador, seria possível que esse autor não voltasse a cometer o
delito após a sua punição.
O presente trabalho é apenas uma iniciação a esse estudo tão importante, de como
a justiça restaurativa e o direito penal podem se complementar, e estabelecer uma relação
como meio de coibir essas situações.

REFERÊNCIAS
BARBOSA, André Araujo. Justiça restaurativa: uma proposta democrática e
dignificante de resposta ao delito viabiliza a partir dos juizados especiais criminais.

31
Dissertação submetida ao Programa de Pós- Graduação em Direito – Mestrado em
Direito Constitucional – da Universidade de Fortaleza, 2015, 179 p.

BRAGA, Ana Gabriela; ÁGUILA, Iara Marthos; CUNHA, Juliana Frei; BORGES,
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