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BACHARELADO EM DIREITO
Guanambi-BA
2022
ANA FLÁVIA OLIVEIRA MARINHO
Guanambi-BA
2022
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO......................................................................................................................6
2 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA RELIGIÃO, MORAL, ÉTICA E O DIREITO
VOLTADO PARA A PROSTITUIÇÃO ................................................................................7
3 PROSTITUIÇÃO NO BRASIL – CONSIDERAÇÕES JURÍCO-PENAIS...................10
4 PROFISSIONAIS DO SEXO: UMA QUESTÃO TRABALHISTA...............................13
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................17
REFERÊNCIAS......................................................................................................................19
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RESUMO:
ABSTRACT:
The present research aims to analyze the regulation of prostitution and the possibility of pro-
tecting commercial and non-forced sexual activity, making it possible to characterize it as an
employment relationship, in order to guarantee labor legal protection and, consequently, so-
cial security to these professionals. It is explained about the minimum criminal law and the
principles of law related to this theory. The systems of approach to prostitution in Brazil and
in the world, as well as the crimes characterized and typified in the Brazilian Penal Code,
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1 INTRODUÇÃO
No Brasil, a prostituição em exercício por indivíduos com idade maior do que dezoito
anos e plenamente capazes é considerada uma atividade lícita, reconhecida, pelo Ministério
do Trabalho e Emprego (MTE), na classificação Brasileira de Ocupações (CBO), sob o núme-
ro 5198-05,3, o que proporcionou aos profissionais do sexo a possibilidade de contribuírem
individualmente com a Previdência Social, ao se declararem trabalhadores autônomos (MI-
NISTÉRIO DO TRABALHO E EMPREGO, 2015).
Apesar dessa inclusão da prostituição como uma ocupação, o reconhecimento dos con-
tratos de trabalho e, por consequência do vínculo de emprego, é negado baseado no argumen-
to de que as condutas com o intuito de promoção da prostituição são vedadas, o que torna a
manutenção das casas de prostituição um crime, segundos os artigos 228, 229 e 230 do Códi-
go Penal (MUÇOUÇAH, Renato de Almeida Oliveira, 2015).
Nesse sentido, torna-se fundamental discutir a problemática que norteia a presente
pesquisa, ou seja, qual a abordagem legal acerca dos profissionais do sexo e o exercício de
seu trabalho na esfera do Direito previdenciário e do Direito Trabalhista? Isso porque, o não
reconhecimento da relação enquanto relação de emprego obsta que sejam garantidos os direito
trabalhistas e previdenciários as essas trabalhadoras, de modo que, acredita-se que seja neces-
sária uma regulamentação da prostituição de maneira que os direitos sejam garantidos a esses
profissionais.
Esse trabalho se propõe, enquanto objetivo analisar a validade e o reconhecimento da
prostituição comercial e não forçada como uma relação de trabalho diante do Direito Traba-
lhista, Previdenciário e Penal, bem como trazer o tratamento dado pela moral, ética e religião,
de modo a observar os aspectos gerais da prostituição no Brasil e os desafios vivenciados pe-
los profissionais, uma vez que esta atividade representa uma forma de trabalho lícito que deve
ter a devida tutela estatal, para que os direitos e garantias fundamentais expressos na Consti-
tuição Federal sejam aplicáveis aos profissionais do sexo.
Assim, em relação ao âmbito penal, é necessário questionar quais os bens jurídicos tu-
telados nos tipos penais sobre a prostituição, com o fim de verificação se a criminalização da
conduta de promoção da prostituição, de forma efetiva, tem o objetivo de proteção da integri-
dade física e psíquica do trabalhador ou somente a tipificação de fatos meramente imorais
(SEMER, Marcelo, 2014).
Nesse sentido, serão abordadas as consequências jurídicas do trabalho lícito da prosti-
tuição frente à Justiça do Trabalho e à Previdência Social, a diferença entre o binômio prosti-
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tuição e exploração sexual e, também, como relação de emprego protegida pelo Direito do
Trabalho.
Quanto à sua natureza, esta é uma pesquisa exploratória, destinada a auxiliar a cons-
trução do conhecimento teórico. De natureza básica, com um aporte puramente teórico, sua
composição se dá a partir de uma revisão bibliográfica da literatura, destinada a averiguar o
status da discussão teórica em torno do tema, (GIL, 2008).
Ainda é notável que há um número reduzido de artigos científicos no âmbito do Direi-
to acerca da temática, algo que não ocorre nos estratos da antropologia, sociologia e ciências
sociais, o que demonstra a importância comprovada dessa temática pela grande quantidade da
bibliografia existentes em outras áreas.
Nesse sentido, este trabalho tem sua importância como forma de ser um instrumento
para promover uma reflexão mais aprofundada e o esclarecimento acerca da prostituição não
forçada para que o tema e suas problemáticas sejam trazidos à tona. A temática abordada foi
escolhida com o intuito discutir a proteção jurídica trabalhista e consequemente, previdenciá-
rias sejam asseguradas as profissionais do sexo, partindo do pressuposto que necessária uma
regulamentação da prostituição de maneira que os direitos sejam garantidos a esses profissio-
nais.
Difundida por todo o mundo, a prostituição cumpre papel diferente em cada sociedade,
apresentando-se sob as mais diversas facetas. Desde a Europa Ocidental até o extremo Orien-
te, a prostituição foi difundida. Conforme Fábio Lopes Alves:
O epíteto ‘a mais antiga das profissões’ atribuído à prostituição, busca
dar conta da universalidade deste fenômeno conhecido em todas as
épocas e lugares. Tão antiga quanto a prostituição são o preconceito, o
rechaço público e a estigmatização das prostitutas, expressos na „mais
antiga das ofensas ‟que designa sua prole. (ALVES, 2010, p. 9 apud
NUCCI, 2014, p. 47).
Embora a prostituição seja centro de escarnio em diversas culturas e sociedades, na
Grécia e em Roma as prostitutas eram admiradas.
Na Grécia, a mulher não era considerada cidadã, desta forma não tomava parte na vida
política da pólis, contudo, no topo da vida social, as hetairae, prostitutas muito ricas, belas,
cultas e consideradas de alto luxo, participavam das reuniões do intelectual da época. Segundo
NUCCI (2014, p. 51): “No ápice da escala social, estavam as denominadas hetairae prostitutas
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de alta classe, que usavam suas aptidões para fascinar generais, estadistas, intelectuais, artistas
etc. Eram as mais bem educadas mulheres gregas [...]”
Tangente à prostituição na antiguidade clássica, valorosa é a lição de Guilherme de
Souza Nucci acerca do tratamento dispensado pelo Estado para a prostituição:
Na época dos romanos, a prostituição destacava-se como uma ativida-
de muito complexa. De um lado, a prostituição comum, caracterizada
pelo exercício do meretrício por parte das mulheres em aposentos re-
servados a isso, por outro, a prostituição exercida pela alta burguesia
como uma profissão em sua própria residência. A prostituição, tanto
para romanos quanto para os gregos estava sujeita à taxação e registro
em órgão público. (NUCCI, 2012, p. 53).
Depreende-se que na antiguidade clássica o Estado regulamentava a exploração da
prestação de serviços sexuais, havendo a cobrança de tributos, bem como regras de compor-
tamentos que as prostitutas deviam seguir ao andar pela pólis.
É relevante frisar que nem só prostitutas da alta burguesia e prostitutas de luxo existi-
am na Grécia e Roma antiga, os prostíbulos romanos se abasteciam principalmente de escra-
vas trazidas dos campos de batalhas. Sob outro aspecto, a corrupção infantil de meninos e
meninas também era bastante difundida (BENTO, 2006).
Foi a partir da difusão do Cristianismo que a prostituição e também o lenocínio passa-
ram a ser severamente reprimidos. Com a introdução do Cristianismo nos muros de Roma
pelo imperador Constantino, o meretrício passou a ser proibido.
Entretanto, foi o imperador Carlos Magno que estabeleceu, através da lex julia de
adulteris, punição para quem prostituísse outrem, com correspondente tipificação no art. 228
do Código Penal brasileiro. Por outro lado, cabe ressaltar que a prostituição nunca deixou de
existir, visto que ao passo que a igreja a proibia, também a considerava um mal necessário.
Assim esclarece Beatriz Gimeno:
(...) os cristãos conseguem manter a ideia da instituição como um mal
necessário e, ao mesmo tempo, culpa-la. Foi Santo Agostinho que cu-
nhou a famosa expressão homem com duas cabeças, a mais rebelde
das duas se encontra entre as pernas. Em 1358, o Concílio de Veneza
declara a prostituição como absolutamente indispensável para o mun-
do ‟. Assim que o homem é o que tem duas cabeças, mas a mulher é a
culpada por sua ânsia desmedida de sexo. (GIMENO, 2012, p. 129
apud NUCCI, 2014, p. 54, grifo do autor).
A prostituição nem sempre foi considerada crime, ou mesmo uma atividade imoral.
Em diversas sociedades da antiguidade, mormente a antiguidade clássica, tanto a prostituição
quanto o lenocínio eram práticas desempenhadas por sacerdotes, ou seja, as prostitutas sacer-
dotais e dos demais sacerdotes que as auxiliavam, servindo como intermediadores entre elas e
os “fiéis” (LOPES, 2017).
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Colônia de Portugal, o Brasil herdou parte de sua cultura e costumes, dentre eles a
prostituição (DELMANTO, 2011).
Com a chegada dos colonizadores portugueses em terras brasileiras, notadamente por-
tugueses homens que haviam passado meses confinados em navios longe de suas famílias,
iniciou-se uma miscigenação entre portugueses e as índias. Preocupada com a mistura de ra-
ças, a Igreja interpelou junto ao rei que enviasse mulheres brancas para o Brasil, entre as mu-
lheres que vieram para a colônia, havia muitas prostitutas (GRECO, 2014).
No período colonial brasileiro, o lenocínio era previsto em uma lei afonsina, sob forte
influência da Igreja, com o título “crimes contra os alcaiotas e os alcoviteiros”, sendo forte-
mente reprimido (MACIEL, 2008, p. 59).
Com a descoberta do ouro em Minas Gerais e estados vizinhos, surgiram as primeiras
casas de prostituição (BENTO, 2006).
Conforme Masson (2013), a imigração para o Brasil gerou um desequilíbrio entre o
número de homens e mulheres, aumentando significativamente o número de homens solteiros,
acrescentando-se a isso o fato da cultura latina aceitar a prostituição, o Brasil tornou-se um
campo fértil para a prostituição. Ademais, a corrupção generalizada entre políticos e policiais
permitiu um afrouxamento na fiscalização, ensejando um aumento da atividade do proxene-
tismo.
As grandes cidades brasileiras, mormente as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e
Salvador, possuíam vida noturna agitada para a sociedade recatada da época, parte dessa agi-
tação noturna se devia aos prostíbulos e casas afins, como as tavernas, locais em que muitas
profissionais do sexo atuavam (POCHMANN, 2010).
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A sociedade recatada brasileira dos séculos XVII, XVIII e XIX, que preconizava a va-
lorização da virgindade, a monogamia e o patriarcalismo, fomentava a procura pela prostitui-
ção para conter o impulso sexual dos rapazes, a fim de mantê-los “sob controle” para o casa-
mento. Dessa forma, a prostituição desempenhava importante papel para a sociedade brasilei-
ra naquela época, assim como também o faz atualmente (RANGEL, 2008).
Na opinião de Bitencourt (2012), a prostituição não é considerada crime no Brasil,
consistindo em uma conduta atípica, contudo, nossa legislação penal pune as condutas que
violem a dignidade sexual, especialmente as condutas tendentes à exploração sexual, ou seja,
a mediação para servir a lascívia de outrem, o favorecimento da prostituição ou outra forma
de exploração sexual, a manutenção de casa de prostituição e o rufianismo. Tais figuras típi-
cas penais, também designadas por lenocínio, estão dispostas nos artigos 227 a 230 do Código
Penal brasileiro.
Das figuras típicas penais dispostas anteriormente, o rufianismo parece ser a conduta
que mais causa asco social. Talvez por estar relacionado ao gigolô, ou ao policial corrupto que
aparece no final da noite cobrando a sua exorbitante comissão por “agenciar” um determinado
profissional do sexo. Entretanto, o crivo da realidade tem mostrado que o rufião pode ser
aquele agente sério que busca clientes com maior poder aquisitivo, portanto, dispostos a pagar
quantias mais significativas, valorizando assim o trabalho do profissional do sexo, numa rela-
ção simbiótica (DELMANTO, 2011).
Assim é a explanação de Gabriela Leite:
Apesar do nome, o cafetão não tem nada a ver com a chamada cafeti-
na, que seria preferível chamar de empresária da prostituição. Ele não
tem quase nenhuma função prática. Há muitas décadas o gigolô reina-
va como uma espécie de parasita, que se aproveitava da fragilidade,
do medo, da solidão da mulher que trabalhava na noite para explorá-
la. Em troca de ‘proteção’, muito entre aspas, elas sustentavam esses
homens. Na verdade, a maior parte do dinheiro que ganhavam não era
delas. Ficavam apenas com o suficiente para suas despesas. O fato é
que ainda hoje muitas vezes as prostitutas são seduzidas a ter um cafe-
tão, sobretudo por causa de um preconceito a que estão sujeitas. Mui-
tas garotas passaram anos e mais anos trabalhando na prostituição e
acabaram sem nada graças a eles. A prostituta não está enquadrada no
Código Penal Brasileiro. No entanto, é uma das atividades que mais
sofrem preconceito e repressão policial. O que é considerado crimino-
so no Brasil é o explorador sexual, ou seja, o cafetão, dito protetor, ou
a cafetina, a dona da casa. Se um grupo de prostitutas formar uma co-
operativa, automaticamente ele será enquadrado no Código Penal, e
elas passam a ser consideradas fora-da-lei. Mas, em tese, quando a
prostituta exerce o seu trabalho, nada se pode fazer contra ela. Em te-
se. O Código Penal Brasileiro é muito antigo, de 1940 para cá não so-
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truída, sendo um elemento central na vida da população (RIBEIRO, B.L.C.; REIS, I.M.,
2019).
Com o reconhecimento do exercício da prostituição como uma ocupação, o Ministério
do Trabalho e Emprego, reconheceu essa atividade como uma forma de trabalho. Sendo a
definição de trabalho toda a atividade humana lícita que pode ser remunerada ou não e que
tem o intuito de obter um determinado resultado (SILVA NETO, 2008, p. 23).
No artigo 5 da Constituição Federal, o exercício de qualquer trabalho é livre. Esse é
um direito individual e social que dá a liberdade de ação profissional para a realização de de-
terminadas atividades ou não. Desse modo, o Estado possui o dever de abstenção de maneira
que não deve obstar o exercício de atividades qualquer que sejam, já que os indivíduos têm o
direito de escolher a atividade laboral mais conveniente ao seu interesse e às suas necessida-
des (MUÇOUÇAH, Renato de Almeida Oliveira, 2015).
Nesse aspecto, o direito é crucial para o reconhecimento e sedimentação da dignida-
de dos indivíduos, a partir do fornecimento de ferramentas de maneira que sejam possíveis o
desenvolvimento e a participação das pessoas em sociedade de maneira democrática (RIBEI-
RO, B.L.C.; REIS, I.M., 2019).
Segundo a classificação de José Afonso da Silva (2009, p. 106), caso não haja uma lei
contrário ou restrinja o exercício dos profissionais do sexo, seu trabalho é lícito, não devendo
haver a restrição dessa atividade, seja ela exercida de forma autônoma ou mediante subordi-
nação, e a ele devem ser atribuídos todos os direitos jurídicos decorrentes da atividade eco-
nômica individual ou da relação de trabalho, sendo dever do Estado a sua proteção.
Ao se analisar os elementos da prestação de serviço sexual, é que se torna possível a
caracterização da relação de trabalho ou emprego. Caso o exercício desses serviços seja reali-
zado em casas de prostituição que possuem quadros de profissionais do sexo para atendimento
dos seus clientes com certa habitualidade, mediante contraprestação pecuniária, e sob a su-
bordinação do empregador, estarão, então os elementos fático-jurídicos dos artigos 2 e 3 das
Leis do Trabalho configurados, o que valida a relação de emprego (MUÇOUÇAH, Renato de
Almeida Oliveira, 2015).
Mas caso essa prestação seja fora de casas de prostituição, sem pessoalidade e sem a
subordinação do empregador, o vínculo empregatício não será configurado, mas por ser uma
prestação de serviços autônoma, a qualificação fica como trabalhador autônomo (SEMER,
Marcelo, 2014).
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Por isso, o indivíduo que promove a prestação de serviços sexuais possui direitos e
obrigação em uma relação contratual que pode ser de emprego ou de trabalho autônomo de-
pende da forma como são prestados esses serviços (GUERRA, Pablo, 2015).
É necessário que o Direito Trabalhista abra espaço e mude sua perspectiva de forma
que englobe as formas de trabalho que ainda não alcançaram o ordenamento justrabalhista,
em que muitos trabalhadores ainda trabalham de maneira não digna pelo descuidado dos direi-
tos e dos interesses extrapatrimoniais diante de tantos estigmas sociais existentes (RIBEIRO,
B.L.C.; REIS, I.M., 2019).
O reconhecimento do trabalho, exercido pelos profissionais do sexo, no Cadastro Bra-
sileiro de Ocupações, tornou possível que estes pudessem contribuir com a Previdência Social
como trabalhadores autônomos e contribuintes individuais.
Nesse sentido, ao serem segurados obrigatoriamente pela Previdência Social, possuem
o direito à aposentadoria por invalidez, por idade, por tempo de contribuição, especial, auxí-
lio-doença, salário-família, salário-maternidade e auxílio acidente, bem como os seus depen-
dentes terão a pensão por morte e o auxílio reclusão (SILVA NETO, Manoel Jorge e, 2008).
Caso haja lesão dos direitos dos profissionais do sexo, cabe ao Poder Judiciário apre-
ciar o caso e oferecer a tutela jurisdicional. A Justiça do Trabalho possui a competência de
cumprir o julgamento das demandas, o processamento e o julgamento das ações provenientes
da relação de trabalho, diante do artigo 114 da Constituição Federal que foi alterado pela
Emenda Constitucional n. 45/2004 (SILVA, José Afonso da, 2009).
Porém, o Judiciário Trabalhista insiste em argumentar a ilicitude do objeto de contrato
de trabalho, respaldando-se em teoria das nulidades trabalhistas, diante de um vínculo empre-
gatício que é reconhecido pelo Ministério do Trabalho e Emprego e lícito do ponto de vista da
lei (SILVA, José Afonso da, 2009).
Ao adotar essa postura subjetiva e contra ao que foi previsto por lei, o Poder Judiciá-
rio passa a desrespeitar rotineiramente o Direito Trabalhista, algo que, de certa forma, pode
ser visto com um viés discriminatório e colaborativo para a banalização e tolerância da injus-
tiça social e do sofrimento que atinge esses profissionais do sexo diariamente (RIBEIRO,
B.L.C.; REIS, I.M., 2019).
As pressões contrárias ao reconhecimento do trabalho realizado pelos profissionais
do sexo como uma ocupação são impactantes na subjetividade, na identidade e na saúde des-
ses trabalhadores que acabam sendo expostos e tendo seus direitos garantidos por Lei violados
(RIBEIRO, B.L.C.; REIS, I.M., 2019).
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Essa insegurança em relação aos direitos, mesmo estes tendo sido garantidos pelo re-
conhecimento do Ministério do Trabalho e Emprego, o não reconhecimento por parte do Po-
der Judiciário na esfera trabalhista faz com esses trabalhadores adotem mecanismos de defesa
em uma tentativa de evitarem descompensar-se psicologicamente diante do sofrimento em
saúde mental (RIBEIRO, B.L.C.; REIS, I.M., 2019).
E, pela falta dessa regulamentação, no ano de 2016 a Sexta Turma do Tribunal Supe-
rior de Justiça, deu provimento ao Habeas Corpus (HC) 211.888/TO, de uma profissional do
sexo que foi acusada pelo Ministério Público pelo crime de roubo impróprio, a impetrante
alegou que subtraiu para si um objeto do seu cliente quando esse se recusou a pagar pelo ser-
viço prestado por ela, e como meio de se defender, utilizou-se de uma faca. Dessa forma, o
relator ministro Rogério Schietti Cruz, afirmou:
“Profissionais do sexo têm direito a proteção jurídica e que seria pos-
sível cobrar em juízo o pagamento por esse tipo de serviço. Não se
pode negar proteção jurídica àqueles que oferecem serviços de cunho
sexual em troca de remuneração, desde que, evidentemente, essa troca
de interesses não envolva incapazes, menores de 18 anos e pessoas de
algum modo vulneráveis e desde que o ato sexual seja decorrente de
livre disposição da vontade dos participantes”.
Como forma de tentativas para regulamentação, houve alguns projetos de lei que não
prosperam. Em 2003, o tema foi tratado pela primeira vez no Parlamento Brasileiro trazido
pelo então deputado Fernando Gabeira, apresentando assim um projeto de lei. O Projeto de
Lei 98/2003 trazia como principal objetivo a remuneração pelo serviço sexual prestado e su-
pressão dos artigos 228 e 229 do Código Penal que criminaliza tal ato, (RAGO, 1991, TEI-
XEIRA RODRIGUES, 2003).
Após um ano sem qualquer observância a PL 98/2003, fora perceptível a divergência e
dificuldade em análise e aprovação do Projeto de Lei, visto que afligia vários interesses da
oposição. Oposição esta, que muitas vezes é formada por bancadas religiosas, ex-agentes ju-
diciários e etc. Isso trouxe um retrocesso à luta histórica das entidades que sempre buscou
garantias na legislação por direitos a esses profissionais do sexo, (PIMENTEL, 1994).
Mais tarde, houve mais dois projetos de lei, um de nº 4.244/04 que tentou trazer a va-
lorização dos profissionais, além trazer as previsões do projeto anterior. E, o outro projeto de
Lei de nº 4.211/12 do Deputado Jean Wyllys, trazia a descriminalização, a regulamentação
junto ao Direito do Trabalho, o acesso a saúde, a segurança pública e a dignidade da pessoa
humana, juntamente com a fiscalização a casas de prostituição e combate à exploração sexual.
Ainda sim, a falta de participação de parlamentares que são a favor ao movimento fe-
minista, dá margem a continuação de uma omissão sobre o tema frente ao Parlamento. A falta
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de entidades que se ofereça pelo apadrinhamento e luta pela aprovação da PL, permitem o
desengajamento e com isso divergências sobre o tema são criadas (EDWARDS, 1997; RO-
BERTS, 1998),
O problema quanto ao reconhecimento do vínculo empregatício nas relações entre os
indivíduos maiores de dezoito anos de idade e plenamente capazes que exercem a prostituição
e aquele que dela se beneficia na qualidade de empregador repousa no objeto do contrato, que
é considerado pela doutrina e jurisprudência majoritárias como ilícito. Cabe então que seja
feita uma digressão das nulidades trabalhistas para que haja a compreensão o equívoco que
vem sendo cometido pela Justiça Trabalhista.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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