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Centro Universitário de Brasília- UniCeub

Faculdade de Ciências da Educação e Saúde- FACES

Curso de Psicologia

O processo de subjetivação de mulheres prostitutas residentes do DF: discursos sobre a

regulamentação do trabalho sexual

Jordana Naves Ripoll Craveiro - 21907458

Brasília- DF

Outubro de 2021
Centro Universitário de Brasília- UniCeub

Faculdade de Ciências da Educação e Saúde- FACES

Curso de Psicologia

O processo de subjetivação de mulheres prostitutas residentes do DF: Discursos sobre a

regulamentação do trabalho sexual

Jordana Naves Ripoll Craveiro - 21907458

Trabalho desenvolvido e apresentado para a disciplina Estágio Básico 1

do Centro de Ensino Universitário de Brasília (UniCEUB).

Prof. Orientador: Lívia Campos e Silva

Brasília- DF

Outubto de 2021
Sumário

1 Introdução..……………………………………………………………………1

2 Objetivo………………………………………………………………………...5

3 Justificativa……………………………………………………………………..5

4 Metodologia…………………………………………………………………….6

5 Fundamentação Teórica ………………………………………………………..10

6 Referências……………………………………………………………………..16

7 Apêndice……………………………………………………………………….19
1. Introdução

A prostituição é uma das profissões mais antigas do mundo a se ter registros. Desde a

Idade Clássica, o trabalho sexual é visto como vantagem econômica e política pelos

representantes públicos. Assim, segundo Foucault (1988), a sexualidade está associada às

relações de poder como dispositivo social de controle sobre as pessoas e portanto segue a

lógica do capital que transforma o corpo em mercadoria.

Neste projeto, será apresentada a insuficiência dos modelos legais, abolicionista e

liberal, propostos pelas principais abordagens feministas e adotados internacionalmente, para

o esclarecimento do fenômeno da prostituição. Com enfoque no modelo abolicionista adotado

pelo Brasil, os estudos referidos demonstram que esse formato possibilita a continuidade de

ilicitudes e reforça a vulnerabilidade das trabalhadoras do sexo. Já o modelo liberal, concebe

a prostituição de modo abstrato, uma vez que considera que os programas ocorrem nos

mesmos moldes de trocas voluntárias que as relações de trabalho existentes em outros setores

(O’Connell, 1995). Assim, o trabalho demonstra que ao mesmo tempo que imprescindível, o

modelo de regulamentação apresenta-se insuficiente, uma vez que, esse exclui a significância

da estrutura histórica e psíquica da lógica de poder capitalista para o processo de subjetivação

das trabalhadoras do sexo.

Á partir do considerado, procura-se criticar a normatização do sofrimento psíquico

vigente, estruturada pela lógica hegemônica de controle, ao compreender a complexidade do

fenômeno da prostituição para as mulheres brasileiras. Investiga-se, assim, o processo de

subjetivação de mulheres prostitutas e suas relações com a profissão, com intuito de analisar,

a partir da teoria psicanalítica, a prostituição em sua dimensão de sofrimento psíquico.

Dessa maneira, o trabalho orienta-se pela seguinte problemática: as abordagens

abolicionista e liberal conseguem propor um modelo jurídico que inclua a complexidade do

fenômeno da prostituição?; a regulamentação da prostituição garante as condições sociais de


autorrealização individual das trabalhadoras do sexo?; a prostituição pode ser entendida como

uma patologia social?; quais as diferenças e semelhanças do processo de subjetivação de

mulheres prostitutas em seus discursos sobre a regulamentação do trabalho sexual no Brasil?;

quais são os caminhos para o desenvolvimento de modelos jurídicos e de políticas públicas

que contemplam a dimensão do sofrimento psíquico presente no trabalho da prostituição?

2. Objetivos

2.1. Objetivo geral

O objetivo desta pesquisa é investigar a prostituição como fenômeno à partir da analise

história e dos significados que as mulheres trabalhadoras do sexo residentes do Distrito

Federal, Brasil, atribuem à essa profissão.

2.2. Objetivos específicos

Para isso, propõe-se: (i) analisar os principais discursos feministas sobre a prostituição e

os modelos legais existentes, com enfoque no adotado pelo Brasil, com intuito de apontar

suas determinadas incompletudes para o entendimento da complexidade do fenômeno; (ii)

compreender, por meio de uma perspectiva crítica, os impactos do trabalho sexual para os

processos de subjetivação e o sofrimento psíquico à eles veiculados, iii) examinar os sentidos

atribuídos pelos discursos das mulheres prostitutas a respeito da regulamentação de sua

profissão.

3. Justificativa

A partir do levantamento bibliográfico na plataforma Scielo, que utilizou

palavras-chave como "trabalho sexual", "prostituição", "feminismo", "política",

"regulamentação,"espaço urbano", etc, constatou-se a escassez de estudos que abordem os

aspectos psicológicos ligados ao fenômeno do trabalho sexual.

Nesse sentido, faz-se necessário ampliar a discussão sobre o trabalho sexual, uma vez

que, as contribuições até então vigentes apresentam abordagens analíticas pouco interativas
para a compreensão do fenômeno prostituição. Portanto, a elaboração desse estudo propõem a

expansão do conhecimento acadêmico sobre os possíveis modelos da profissão sexual para,

assim, tornar possível o desenvolvimento de políticas públicas que possam compreender a

prostituição em sua complexidade.

Nesse sentido, o presente projeto consta com possíveis contribuições nos seguintes

âmbitos: (i) acadêmico; gerar dados e propostas de caminhos para o desenvolvimento de

sistemas legais e políticas públicas voltadas as trabalhadoras do sexo, e incrementar o debate

e a construção teórica das diferentes vertentes do movimento feminista; (ii) da psicologia;

refletir sobre os impactos do trabalho sexual para a saúde mental e o processo de

subjetivação das prostitutas, compreendendo a vulnerabilidade e a precarização constituintes

dessa profissão; e discutir sobre o papel da psicologia para a elaboração de caminhos e

formatos do trabalho sexual que proponha a autorrealização individual e a produção de

subjetividades saudáveis; (iii) social; contribuir para o desenvolvimento de políticas públicas

para trabalhadoras do sexo que compreendam o sofrimento psíquico em sua estrutura

sociocultural histórica e que garantam os direitos dessas profissionais à saúde pública de

qualidade.

4. Metodologia

O presente projeto será efetuado por uma pesquisa qualitativa orientada pela teoria

psicanalítica. A pesquisa qualitativa se torna única pelo seu objeto de estudo: o sujeito.

Assim, ela encara esse sujeito como ativo e produtor de suas próprias interpretações do

mundo social. Portanto, tal pesquisa não tem como objetivo generalizar o fenômeno, mas sim

compreendê-lo de forma específica, individual e focal buscando analisar minuciosamente os

significados, os fenômenos psicológicos e os fenômenos sociais que compõem o seu objeto.

Ou seja, "o método qualitativo compreende a parcialidade do conhecimento, isto é, entende

as limitações técnicas ao estudar o ser humano, o que faz com que essa perspectiva não caia
em generalizações falsas sobre os processos humanos" (Alonso, 2016). Assim, o papel do

pesquisador é se aprofundar na rede de significados do sujeito, com o intuito de compreender

suas interpretações próprias da realidade experienciada e vivenciada.

Sobre a pesquisa qualitativa, Minayo (2001, p.21) pontua:

"Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de realidade que não pode ser
quantificado. Ou seja, ela trabalha com um universo de significados, motivos,
aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo
das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à
operacionalização de variáveis. Assim, a pesquisa qualitativa se debruça sobre o campo
das experiências, das vivências, das perspectivas e da subjetividade. Ou seja, se ocupa
do universo dos significados, das construções simbólicas que os sujeitos produzem
sobre suas realidades sociais". (Minayo, 2001, p.21)

Nesse sentido, seguindo os princípios da pesquisa qualitativa, faz-se fundamental

analisar a produção discursiva das mulheres prostitutas para compreender os significados a

elas atribuídas sobre os modelos de pré e pós regulação de sua profissão, levando em

consideração suas dimensões psíquicas, históricas e estruturais. Para isso, utiliza-se a análise

do discurso (AD) como instrumento analítico, uma vez que a AD traduz a necessidade de se

olhar os textos e as falas com um desejo de ir além do expressado. Assim, "usá-la pressupõe

um abandono pela ideia de que a linguagem traz em si suas verdades, nisto o foco da análise

do discurso é encontrar o sentido do dito, transcendendo o escrito e alcançando seu

significado através de um estudo sobre o contexto e as circunstâncias que o formularam".

(Virgínia Carneiro, 2011, p.6)

"Há a necessidade de se ver no discurso algo além de seus signos e códigos textuais,
para isso é preciso: [...] não mais tratar os discursos como conjuntos de signos
(elementos significantes que remetem a conteúdos ou a representações), mas como
práticas que formam sistematicamente os objetos de que falam. Certamente os discursos
são feitos de signos; mas o que fazem é mais que utilizar esses signos para designar
coisas. É esse mais que os torna irredutíveis à língua e ao ato da fala. É esse "mais" que
é preciso fazer aparecer e que é preciso descrever". (Foucault, 2008, p.55).

De forma geral a AD está vinculada a uma busca pelo sentido do uso da língua e

de suas manifestações, através da articulação simultânea entre o sujeito, sua fala e a

externalidade que o circunda, trata-se, pois, de uma relação entre a comunicação e os


aspectos ideológicos de sua construção. "Existe desse modo, uma dependência entre o

dizer e as condições de sua produção". (Silva & Sargentini, 2005). “O enunciado não

diz tudo, devendo o analista buscar os efeitos dos sentidos e, para isso, precisa sair do

enunciado e chegar ao enunciável através da interpretação”. (Caregnato & Mutti, 2006,

p. 681).

Enfatiza-se, portanto, que:

"A apreensão do sentido da linguagem ultrapassa a esfera textual, assim, entender e


interpretar o discurso pressupõe um estudo que contemple questões referentes aos
aspectos subjetivos, sociais, políticos, históricos e ideológicos de quem o emite. Porém,
a busca dessas questões, ao perpassar pela interpretação do pesquisador, é, portanto, um
recorte, uma impressão, um entendimento específico de uma realidade delimitada".
(Carneiro, 2011, p.7).

Dito isso, a análise do discurso é uma disciplina de interpretação fundada pela

intersecção de epistemologias distintas, pertencentes às áreas da lingüística, do materialismo

histórico e da psicanálise. Dessa forma, os conceitos psicanalíticos oferecerão o suporte

teórico para desvelar as vivências das colaboradoras. Segundo Figueiredo e Minerbo (2006),

"a pesquisa em psicanálise, trata-se de um trabalho de descoberta/invenção que se alimenta

do depoimento e, em contrapartida, o enriquece e abre para dimensões psíquicas, individuais

e sociais, inesperadas".

"Interpretar significa olhar para o fenômeno investigado fora de seu campo habitual. O
olhar do psicanalista é um olhar fora da rotina, que desopacifica o objeto. Ele ressurge
diferente, desconstruído, transformado. (...) O sujeito também se transforma na medida
em que se torna capaz de ver coisas que não via antes. Pois também o “objeto” e a
própria “teoria” passam pelo mesmo processo de transformação sofrido pelo
pesquisador ao longo da pesquisa com o método psicanalítico". (Figueiredo & Minerbo,
2006)
5. Instrumentos

A investigação dos processos de apropriação de significados sobre as vivências e

experiências de mulheres profissionais do sexo será feita por meio de entrevistas

semi-estruturadas. A partir das entrevistas semi-estruturadas será possível analisar, por meio

dos discursos, os sentidos que as participantes dão a elas mesmas. Esse instrumento foi
escolhido, uma vez que, ele visa abrir espaço para a inclusão e coleta de informações que vão

além da sistematização das perguntas elaborada pelo pesquisador, tornando a participação da

entrevistada mais ativa. Ou seja, a entrevista semi estruturada é caracterizada pela presença

de um roteiro feito previamente, porém é dinâmica ao possibilitar a inclusão de novas

questões no decorrer da pesquisa.

O roteiro das entrevistas deve ser um guia para o pesquisador, englobando todas as

questões principais a serem exploradas, mas podem haver adaptações ao longo da entrevista.

Assim, as participantes serão convidadas a darem seu depoimento livremente, imprimindo ao

seus relatos suas próprias categorias, ordenamentos e seleções dos fatos vividos.

Nesse sentido, para que as colaboradoras possam relatar sobre o questionário de

maneira conforme sua disposição física e psíquica, as entrevistas serão realizadas

presencialmente, sem limite de tempo e os horários e locais de encontro serão determinados a

partir da disponibilidade das participantes.

Antes do início da pesquisa, as colaboradoras receberão o Termo de Consentimento

Livre e Esclarecido – TCLE, que garante o sigilo e o respeito às participantes. O TCLE é

fundamental para garantir a compreensão sobre a segurança da coleta de dados e das

entrevistas, portanto, por meio deste documento serão esclarecidos os fins da pesquisa e

como se dará o sigilo das informações.

6. Procedimentos

6.1. Procedimentos de coleta de dados

Inicialmente, o projeto será submetido à apreciação do Comitê de Ética do UniCeub.

Após aprovação, será realizado o recrutamento das participantes. Participarão desta pesquisa

10 pessoas do sexo feminino, que se autodeclaram mulheres, profissionais do sexo, entre 25 a

30 anos, residentes do Distrito Federal. As participantes serão recrutadas a partir do contato

via telefone com casas de prostituição do DF. A escolha das participantes justifica-se pela
idade, a pesquisa procura mulheres profissionais do sexo na faixa etária mais demandada que

atuam a pelo menos 5 anos como profissionais do sexo no Distrito Federal, Brasil.

Após aceitação das participantes, será solicitada a assinatura do TCLE (Anexo 1). Em

seguida, será agendado um encontro presencial. À ocasião do encontro, será realizada uma

entrevista semi-estruturada (Anexo 2), que será gravada e em seguida transcrita. Outros

detalhes serão registrados pelo pesquisador em um diário de campo.

6.2. Procedimentos de análise

Para a análise do material, serão adotados os seguintes procedimentos: (i) identificar as

posições subjetivas dos participantes no discurso; (ii) localizar pontos de interrupção da fala,

atos falhos, esquecimentos, repetições, paráfrases, metáforas e metonímias; (iii) evidenciar os

mecanismos ideológicos e culturais presentes nos discursos; (iv) levantar hipóteses sobre os

não-ditos presentes nas falas dos entrevistados; (v) analisar as cadeias associativas em torno

das quais se estruturam as falas dos participantes; (vi) identificar elementos de expressão

não-verbal.

7. Fundamentação Teórica

Apresenta-se a seguir algumas das bases teórico-conceituais que orientam a elaboração

deste projeto. Para fins didáticos, esta apresentação será dividida em seis eixos temáticos

principais: (i) história da prostituição; (ii) movimento feminista e modelos jurídico-políticos

da prostituição no Brasil e no mundo; e (iii) subjetivação, sofrimento psíquico e patologia

social na perspectiva da psicanálise.

(i) História da prostituição

A prostituição existe desde os fundamentos da humanidade. Antes vista como sagrada e

ligada aos cultos religiosos na pré-história, passou a ser significada como profana e exercida

quase exclusivamente por mulheres escravizadas a partir da Idade Clássica. Roberts (1998)

destaca que, nesse período, ocorreu uma mudança no papel do Estado, que passou a intervir
no sexo percebido como negócio lucrativo. A prostituição, agora representada pela

escravização de mulheres, tornou-se objeto de enriquecimento e de administração da máquina

pública, alterando seu significado e desdobramentos na sociedade.

Nesse sentido, o presente trabalho parte da compreensão de prostituição como a

transformação de um corpo em mercadoria, obedecendo a lógica do capital, assim como a

interesses políticos, em que o corpo prostituído seria um espelho da sociedade (Souza, 1998).

Segundo Foucault (1988), a sexualidade está associada às relações de poder como dispositivo

social de controle sobre as pessoas. Portanto, a prostituição, como venda do corpo, sexo e

desejo, e relacionada à complexidade da sexualidade, deve ser concebida como incitação aos

discursos de poder.

(ii) Movimento feminista e modelos jurídico-políticos da prostituição no Brasil e no

mundo

Nesse sentido, foi com o início da modernidade e da luta pelos direitos cívicos

femininos que as discussões sobre a prostituição passaram a ocupar espaços significativos na

esfera política. Dentre as diversas referências teóricas que retratam sobre o trabalho sexual,

analisa-se as duas principais correntes do movimento feminista sobre o assunto. Primeiro

com a constituição das perspetivas marxista-socialista e radical e posteriormente, a partir dos

anos 70, com a teoria liberal, o movimento feminista demonstra ser fundamental para a

construção das representações sociais contemporâneas sobre o conceito e a projeção do

trabalho sexual no Brasil e no mundo.

Segundo as perspectivas marxista-socialista e radical, denominadas de abolicionistas,

defende-se o fim da prostituição, uma vez que, entende-se as mulheres prostitutas como

vitimas da opressão e violência que são consideradas intrínsecas ao comércio do sexo. Já para

o modelo liberal feminista, também designado de pró-prostituição, o trabalho sexual não é

inerentemente explorador, o que o torna abusivo são as condições em que é exercido. Nessa
perspectiva, O’Neill (2001) afirma que "a prostituição é encarada como uma resposta

compreensível às necessidades socioeconômicas entendidas num contexto de cultura

consumista e num enquadramento social".

Por um lado, a proibição da prostituição propõem a permanência do trabalho sexual

regida por uma “tolerância regulada” ou gestão diferencial das ilegalidades, nas palavras de

Foucault (1999). "Isso possibilita a continuidade das atividades prostitucionais, criando um

contexto que risca as fronteiras da legalidade de uma profissão que permeia questões como os

padrões morais e o necessário reconhecimento dos direitos das trabalhadoras sexuais". (Pena,

2020). Como também, "abre margem para a continuidade de ilicitudes, como a exploração e o

tráfico de mulheres, e à complexificação da criminalidade que se faz presente nessa

atividade" (Brants, 1998).

Por outro lado,

"O modelo liberal de regulação do trabalho sexual também concebe a atividade de


modo abstrato, ao considerar que os programas ocorrem nos mesmos moldes de trocas
voluntárias às relações de trabalho existentes em outros setores. A valorização, na
indústria do sexo, ocorre de modo relativamente diferente do trabalho em geral, pois a
troca de dinheiro por sexo é, em essência, estigmatizada. O argumento é que, apesar do
aumento de investimentos nessa indústria, o estigma do sexo se mantém e se constitui
em uma pré-condição e finalidade dessa troca peculiar". (O’Connell, 1995).

Assim,

"A regulamentação reafirma o controle da prostituição através do aparelho estadual que


visa o controle – dos espaços e dos corpos – , a intervenção na economia do sexo e a
localização de áreas onde essa atividade possa ser monitorada e afastada dos olhos
daqueles que não a toleram (...) Apesar de ser considerada pelos higienistas do século
XIX um elemento de desordem urbana, não se abre mão da lógica que rege a existência
do trabalho sexual". (Pena, 2020).

Nesse contexto, segundo os argumentos e críticas dos dois principais modelos teóricos,

apresenta-se três sistemas legais para o trabalho sexual que são praticados pela cultura

ocidental, eles se configuram em: abolicionista de regime geral, no qual há a ilegalidade da

prostituição; abolicionista coercitivo, proibição através de medidas coercivas em nível local;

e o regulamentarista, no qual a prostituição é reconhecida e regulamentada.


A maioria dos países adota o abolicionismo coercitivo, como é o caso do Brasil que

assume esse sistema desde 1942. Conforme Prado (2006, p. 699), essa legislação pune o

agenciador ou explorador, que recebe parte dos lucros obtidos pelo profissional do sexo, mas

não a prostituta por considera-la vítima da coação desses terceiros. Essa concepção

apresenta-se simplista ao sustentar uma leitura que posiciona todas as situações e

experiências da prostituição como vitimizantes. Segundo Oliveira (2008), "o modelo

abolicionista na prática reforça o cenário em que as prostitutas são necessariamente retratadas

como vítimas de tráfico e potencializa o estigma já sofrido por elas, dificultando ainda mais

seu acesso à saúde e a outros direitos, além de elevar seu grau de vulnerabilidade".

Dentre esses sistemas de trabalho sexual, a regulamentação da prostituição insere-se

como essencial para a garantia dos direitos fundamentais, uma vez que, garante as condições

dignas de trabalho como acesso gratuito aos serviços de saúde, segurança, licença

maternidade, apoio jurídico etc. Dessa forma, somente com a legitimidade do trabalho sexual

que é possível garantir a participação das prostitutas como sujeitos com direito a

representação e inscrição no espaço público de decisão, elementos essenciais de uma

sociedade democrática.

"Quando as prostitutas demandam representação política também estão, em alguma


medida, questionando a própria definição de justiça e quem ela contempla, inserindo,
ainda que de modo incipiente, a discussão sobre os contornos excludentes que formatam
a justiça instaurada". (Queiroz & Primo, 2018).

Ao não incluir a significância da lógica de poder capitalista para o processo de

subjetivação das trabalhadoras do sexo e seus possíveis desdobramentos psíquicos, o discurso

liberal torna-se incompleto. Portanto, é necessário analisar a prostituição além da garantia de

direitos jurídicos e representativos, deve-se garantir os direitos a saúde pública, tanto em sua

dimensão física quanto psíquica. É necessário efetuar uma discussão aprofundada, uma vez

que, os modelos abolicionistas e liberais demonstram ser insuficientes para o esclarecimento

do debate sobre o fenômeno da prostituição.


Dessa forma, para apresentar além das estruturas duais e contraditórias que nossas

sociedades necessariamente têm, propõe-se criticar o impacto das normas sociais na limitação

das possibilidades de realização da vida de mulheres prostitutas com intuito de enfatizar a

importância da instauração de outras justiças, instituídas por vias além da regulação. Assim,

utiliza-se como eixo a perspectiva crítica e o diagnóstico do sofrimento social à força

disciplinar do poder, segundo os conceitos de subjetividade, sofrimento psíquico e patologia

social. (Dunker, 2011)

(iii) Subjetivação, sofrimento psíquico e patologia social na perspectiva da psicanálise

Será utilizada a teoria psicanalítica para a compreensão do conceito subjetivação, com

isso, torna-se fundamental explicitar o significado de sujeito.

"O sujeito do inconsciente é diferente do indivíduo pensado como algo indivisível


dotado apenas de uma consciência. Freud traz a ideia dos pensamentos inconscientes,
ou seja, os quais a consciência não acessa, e afirma que “o eu não é senhor nem em sua
própria casa”. (...) Assim, o sujeito do desejo se constitui, conforme Elia (2004), a partir
do campo da linguagem, não sendo nem inato e nem efeito de aprendizado(...) o sujeito
para a psicanálise, o sujeito do inconsciente, é constituído a partir de um Outro que lhe
transmite a linguagem". (Junior, 2019).

Nesse sentido, a linguagem instaura a divisão do sujeito inconsciente, pois inicialmente

o desejo é desejo de não se sabe o quê, desejo do outro, desejo que surge da falta de um

objeto sentido como perdido mas que nunca foi tido (Soler, 2016). Assim, "sabendo que o

desconhecido do inconsciente na subjetividade, sempre é constituído a partir de um Outro,

trata-se de um dispositivo de controle de massa, ou seja, de produção de subjetividades dentro

do limiar em que estas são passíveis de controle". (Junior, 2019)

"O processo de produção de identidade social tem início no debate a respeito da


estrutura do sofrimento psíquico. Ao ser traduzido em patologia, o sofrimento
transforma-se em modo de partilha de identidades que trazem em seu bojo regimes
definidos de compreensão de afetos e de expectativas de efeitos. Nesse sentido,
podemos dizer que as patologias são setores fundamentais de processos de socialização.
Não se socializa apenas levando sujeitos a internalizarem disposições normativas
positivas, mas principalmente ao lhe fornecer uma gramática social do sofrimento, se
socializa não apenas da anunciação das regras mas principalmente através da gestão das
margens."(Safatle, 2018).
A partir do pressuposto de que os vínculos sociais são fundados a partir de circuitos de

afetos, os quais definem os modos de interpretação e sentido diante de estruturas normativas,

a análise do processo de subjetivação de prostitutas deve contemplar o entendimento de que

encontram-se afetos que circulam de forma preferencial dentro das relações de poder (Safatle,

2018).

Assim, com o entendimento de patologia social, formulada pela perspectiva crítica,

pretende-se compreender as características fantasmáticas dos processos de subjetivação de

prostitutas, para assim, explicitar o implícito presente na prática e na significação do trabalho

sexual. "Pois, assumida tal perspectiva, pode-se então abrir uma crítica baseada não apenas

nas dinâmicas de explicitação de contradições normativas, mas também nos processos de

destituição de afetos, tendo em vista a desconstituição de modos hegemônicos de reprodução

social" (Safatle, 2018).

Segundo (Honneth, 2007, p.35), " entende-se como patologias sociais as deficiências

sociais no interior de uma sociedade que não derivam de uma violação aos princípios de

justiça comumente aceitos, mas de prejuízos às condições sociais de autorrealização

individual" (Safatle, 2018). Abarca-se patologias enquanto categorias que descrevem modos

de participação social, e não uma reflexão sobre a sociedade como organismo saudável ou

doente (Safatle, 2018). Portanto mesmo com a regulamentação dos direitos das trabalhadoras

do sexo, a prostituição é carregada pela lógica de poder dos afetos, que em sua primesia

promove o distanciamento do sujeito de si mesmo e, portanto, o sofrimento psíquico. Dessa

forma, faz-se necessário investigar o processo de subjetivação das mulheres prostitutas sobre

suas profissões, levando em consideração seus circuitos de afetos que perpassam pelas

dimensões psíquicas, históricas e estruturais da lógica hegemônica de controle.


8. Referências

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em Ciências Sociais: Bloco Qualitativo- Sesc, São Paulo, SP.

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Soler, C (2016). O que faz laço. São Paulo: Escuta, 2016.


9. Anexos

ANEXO 1
Termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE)

TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)


O processo de subjetivação de mulheres prostitutas residentes do DF: discursos sobre a
regulamentação do trabalho sexual
Instituição das pesquisadoras: Centro Universitário de Brasília - UniCEUB
Pesquisador responsável: Profa. Ma. Lívia Campos e Silva
Pesquisadora assistente: Jordana Naves Ripoll Craveiro

Você está sendo convidado(a) a participar do projeto de pesquisa acima citado. O


documento abaixo contém todas as informações necessárias sobre a pesquisa que estamos
fazendo. Sua colaboração neste estudo será de muita importância para nós, mas se desistir a
qualquer momento, isso não causará nenhum prejuízo.
O nome deste documento que você está lendo é Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE).
Antes de decidir se deseja participar (de livre e espontânea vontade) você deverá ler e
compreender todo o conteúdo. Ao final, caso decida participar, você será solicitado a
assiná-lo e receberá uma cópia do mesmo.
Antes de assinar faça perguntas sobre tudo o que não tiver entendido bem. A equipe
deste estudo responderá às suas perguntas a qualquer momento (antes, durante e após o
estudo).

Natureza e objetivos do estudo


● O objetivo específico desta desta pesquisa é investigar a prostituição como
fenômeno a partir da analise história e dos significados que as mulheres trabalhadoras do
sexo residentes do Distrito Federal, Brasil, atribuem a essa profissão.

● Você está sendo convidado a participar exatamente por corresponder ao perfil


delimitado para essa pesquisa.

Procedimentos do estudo
● Sua participação consiste em responder uma entrevista individual sobre o tema
focalizado na pesquisa.
● O procedimento consiste na realização de uma entrevista individual
semiestruturada.
● Não haverá nenhuma outra forma de envolvimento ou comprometimento neste
estudo.
● A entrevista será gravada em áudio, com o consentimento do participante, para
facilitar o posterior trabalho de análise.
● A pesquisa será realizada em uma casa de prostituição do Distrito Federal.

Riscos e benefícios
● Este estudo possui baixos riscos, que são inerentes ao procedimento de entrevista.
Medidas preventivas, durante a entrevista, serão tomadas para minimizar qualquer risco ou
incômodo. Por exemplo, será esclarecido que não há respostas certas ou erradas em
relação às perguntas que serão apresentadas e que é esperado que o/a participante responda
de acordo com as suas opiniões pessoais.
● Caso esse procedimento possa gerar algum tipo de constrangimento você não
precisa realizá-lo.
● Sua participação poderá ajudar na construção de uma compreensão mais
aprofundada sobre o tema em questão.

Participação, recusa e direito de se retirar do estudo


● Sua participação é voluntária. Você não terá nenhum prejuízo se não quiser
participar. Você poderá se retirar desta pesquisa a qualquer momento, bastando, para isso,
entrar em contato com uma das pesquisadoras responsáveis.
● Conforme previsto pelas normas brasileiras de pesquisa com a participação de seres
humanos você não receberá nenhum tipo de compensação financeira pela sua participação
neste estudo.

Confidencialidade
● Seus dados serão manuseados somente pelos pesquisadores e não será permitido o
acesso a outras pessoas.
● O material com as suas informações (gravação em áudio da entrevista) ficará
guardado sob a responsabilidade da pesquisadora assistente, NOME DA
PESQUISADORA, com a garantia de manutenção do sigilo e confidencialidade e será
destruído após a pesquisa.
● Os resultados deste trabalho poderão ser apresentados em encontros ou revistas
científicas, entretanto, ele mostrará apenas os resultados obtidos como um todo, sem
revelar seu nome, instituição a qual pertence ou qualquer informação que esteja
relacionada com sua privacidade.

Se houver alguma consideração ou dúvida referente aos aspectos éticos da pesquisa,


entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa do Centro Universitário de Brasília –
CEP/UniCEUB, que aprovou esta pesquisa, pelo telefone 3966.1511 ou pelo e-mail
cep.uniceub@uniceub.br. Também entre em contato para informar ocorrências irregulares ou
danosas durante a sua participação no estudo.

Eu, _ _ _ _ _ _ _ _ _ __ RG __ ____ __, após


receber uma explicação completa dos objetivos do estudo e dos procedimentos envolvidos
concordo voluntariamente em fazer parte deste estudo.
Este Termo de Consentimento encontra-se impresso em duas vias, sendo que uma cópia será
arquivada pela pesquisadora assistente, e a outra será fornecida ao senhor(a).

Brasília, ____ de __________de _

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _
Participante

_ _ _ _ _ _ _ _ _
Pesquisadora Responsável: Lívia Campos e Silva
E-mail: livia.campos@ceub.edu.br

_ _ _ _ _ _ _ _ _ _ __
Pesquisadora Assistente: Jordana Naves Ripoll Craveiro
Celular: (61)999666170– E-mail: retrapollar@gmail.com

Endereço do/a(os/as) responsável(eis) pela pesquisa:


Instituição: Centro Universitário de Brasília – UniCEUB
Endereço: SEPN 707/907, Campus do UniCEUB
Bairro: Asa Norte
Cidade: Brasília – DF
CEP: 70790-075
Telefones p/contato: (61) 3966-1200

ANEXO 2

Roteiro para entrevista semi-estruturada

1) Como foi sua trajetória em direção ao trabalho sexual?

2) Até que ponto você se reconhece nessa profissão?

3) Como você pensa que o seu trabalho interfere na sua qualidade de vida?

4) Quais são as principais frustrações do seu dia-a-dia? E no trabalho?

5) Quais são seus pensamentos sobre os fatores de risco da profissão?

6) Compartilhe sobre sua história de vida ( Infância, adolescência, vida adulta…)

7) Quais suas expectativas para o futuro?

8) Como são suas relações com os clientes?


9) Qual a sua opinião sobre a perspectiva do movimento feminista que diz que as

trabalhadoras do sexo são vitimas da prostituição?

10) Existem 3 principais modelos de legislação da prostituição no mundo (Apresentar

modelos). Qual sua perspectiva quanto a prática do trabalho sexual em cada um

desses modelos?

11) De que modo você acredita que a regulamentação do trabalho sexual interferiria no

seu cotidiano?

12) Na sua perspectiva, qual seria um modelo eficaz para o trabalho do sexo?

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