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Tais Camargo Daniela Miwa

Leite Filho, Deusdédit Carneiro

Conhecendo a arqueologia de São Luís [livro eletrônico]. /


Deusdédit Carneiro Leite Filho. – São Luís: UEMAnet, 2021.

46 f.

ISBN: 978-65-89787-55-6

1. Arqueologia urbana. 2. Pré-colonial. 3. Cultura material.


I.Título.

CDU: 902(812.1)
APRESENTAÇÃO

Caro(a) cursista,

O texto que você tem em mãos propõe a construção e circulação de


conhecimento, visando divulgar e sensibilizar os moradores do Centro Histórico de São
Luís sobre um patrimônio de pouca visibilidade: o patrimônio arqueológico. Assim, será
exposto de forma didática o percurso da herança arqueológica da cidade ao longo do
tempo, suas possibilidades e ameaças na construção e revalorização dessa herança
que é de todos nós.

Inicialmente, abordaremos a área do conhecimento da arqueologia pré-


colonial contextualizada regionalmente, destacando a presença muito antiga de
povos caçadores coletores; posteriormente, descreveremos os vestígios, hábitos e
características dos povos dos sambaquis, cuja presença foi amplamente documentada
na Ilha de São Luís. Por fim, descrevemos os grupos que já viviam aldeados e praticavam
a horticultura de forma rotineira.

No segundo tópico ressaltaremos a importância dos relatos dos primeiros


cronistas sobre os índios, a fauna e, principalmente, a visão dos europeus sobre os
povos Tupinambá1, sociedade dominante na ilha e parte do litoral no período de
estabelecimento da presença francesa mais efetiva.

Finalizando, falaremos sobre o desenvolvimento histórico do espaço urbano,


o legado arqueológico, a fragilidade do acervo e a possibilidade de pesquisas futuras.

Esperamos que você goste deste material e aprenda com ele sobre a arqueologia
de São Luís, sua importância e seus significados para a população ludovicense.

Tenham todos(as) uma excelente leitura.

1
Desde 1953 foi estabelecido, por meio de uma convenção de antropólogos, que os nomes dos grupos étnicos do Brasil
seriam grafados no singular e com letra maiúscula inicial em artigos de natureza acadêmica.
SUMÁRIO

1 A HERANÇA ARQUEOLÓGICA DE SÃO LUÍS ................................................................ 7

1.1 Introdução ......................................................................................................................... 7

2 ARQUEOLOGIA PRÉ-COLONIAL ................................................................................... 11

2.1 A vida anterior ao contato com os europeus ........................................................................ 11

2.2 Povos coletores-pescadores-caçadores do litoral ............................................................... 13

2.3 Sociedades guerreiras: horticultores e caçadores .............................................................. 19

3 ARQUEOLOGIA DO CONTATO ....................................................................................... 23

3.1 O mundo Tupinambá: a visão do europeu ........................................................................ 23

4 A DINÂMICA E A CONSOLIDAÇÃO DO ESPAÇO URBANO .......................................... 31

RESUMO ......................................................................................................................... 44

REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 45



A HERANÇA ARQUEOLÓGICA DE SÃO


1 LUÍS

Objetivos:

Caracterizar e situar cronologicamente os vestígios ocupacionais decorrentes da fixação


e deslocamento de grupos culturais diferenciados no território, por meio da análise dos
remanescentes das distintas produções materiais e padrões de assentamento detectados na
paisagem;

Contextualizar o impacto do contato da expansão mercantilista europeia sobre as populações


nativas por meio dos relatos de cronistas, releituras historiográficas do processo colonizador e
testemunhos materiais e documentais da gênese da implantação da cidade de São Luís;

Estabelecer o processo da fixação do modelo colonizador europeu e suas produções materiais


na dinâmica do cotidiano urbano, a partir da memória arqueológica e a herança do patrimônio
cultural dos diferentes atores sociais envolvidos nesse processo.

1.1 Introdução

A presença humana no Maranhão é muito antiga e, em especial na Ilha de São Luís, remonta
a 200 gerações de diferentes grupos que aqui viveram antes do contato com os primeiros europeus.

A constatação da existência desses ancestrais mais antigos dos ludovicenses pode


ser observada em algumas situações especiais em que o dia a dia dessas comunidades deixou
marcas, vestígios e fragmentos das suas moradias, restos alimentares ou artefatos que podem ser
documentados ou analisados pelos estudiosos do passado. Esses povos não possuíam escrita e suas
tradições e saberes eram transmitidos de geração em geração, por um forte sentido comunitário no
qual a oralidade e as tradições culturais eram socialmente perpassadas. Essas populações conheciam
profundamente e exploravam os diferentes ecossistemas em busca de alimentos e tinham um modo de
vida próprio, que se reflete nas suas escolhas culturais, práticas ritualísticas de religiosidade, tratamento
dos mortos e uma cultura material própria de cada contexto ou período cronológico distinto.

Com o incremento da agricultura e o aumento dos contingentes populacionais, surgiram


aldeias onde, normalmente, as pessoas habitavam em grandes casas comunitárias, divididas por
subgrupos de famílias, de acordo com a filiação mítica dos seus ancestrais. Esses modos de vida
tradicionais perduraram por um longo período, com uma grande diversidade linguística e cultural,
além da formação de territórios baseados nas associações, controle e guerra, estabelecendo áreas de
hegemonias entre os diferentes grupos.


 7
A partir dos reinos da Península Ibérica, a expansão mercantilista europeia, com o incremento
das navegações na costa da África e ilhas Atlânticas, desencadeou um processo irreversível de
contato entre esses distintos mundos: um processo de aniquilamento e controle com consequências
desastrosas para as sociedades americanas.

A gênese do nosso país remonta justamente a esses sangrentos episódios e da imposição de


um modelo colonialista que estruturou a base das relações econômicas e sociais que se desenvolveram
em nossa sociedade.

Em função da amplitude das novas terras, a coroa portuguesa adotou o sistema de


capitanias hereditárias, mas as expedições de reconhecimento para a posse das terras foram atrasadas
por sucessivos naufrágios. Os franceses, que já comercializavam na região, em 1612 adotaram uma
estratégia de aproximação com os Tupinambás, que estavam estabelecidos em 27 aldeias na Ilha de
Upaon-Açu, e muitas outras em Alcântara, Cumã e Cametá. Desse período, temos diversos relatos
sobre o modo de vida e as características dos índios da região.

Com a retomada do controle dos portugueses, São Luís, é elevada à sede do Estado
Colonial do Maranhão e é adotado um modelo de planejamento voltado para a implantação do tecido
urbano, por meio de ruas e quadras planejadas pelo engenheiro Frias de Mesquita (DIAS, P. 2004,
p.420). Como pode ser abaixo:

Figura 1 - Planta holandesa da cidade de São Luís no século XVII Johannes Vingboons -1665

Fonte: Reis Filho (2000)

Já em 1622, é implantada a Câmara dos Vereadores, devido ao aumento da população


causado pela migração de casais de açorianos que futuramente, viriam a ocupar também as terras

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férteis do continente, desenvolvendo os primeiros engenhos. Posteriormente, os holandeses se fixam


na região por cinco anos, deixando as primeiras representações iconográficas e cartográficas mais
detalhadas da cidade de São Luís.

A partir da criação da Companhia de Comércio do Grão-Pará e Maranhão, a entrada


maciça de mão de obra compulsória de origem africana é impulsionada, promovendo uma economia
agroexportadora. Ocorre então uma renovação urbana, com a construção de casas comerciais,
administrativas e civis, adotando técnicas construtivas e estilísticas decorrentes da reconstrução de
Lisboa, que teve sua estrutura urbana fortemente danificada por um grande terremoto e reconstruída
sob as diretrizes do Marques de Pombal.

Como resultado, no início do século XIX, a cidade de São Luís se tornou um movimentado
porto, com a existência de 20 casas de importação e exportação de origem inglesa e com uma
população de 25 mil habitantes. Observa-se também o aumento do consumo de produtos de origem
inglesa e francesa, que dominavam o mercado mundial com a produção de bens de consumo (louças,
artigos de higiene e toucador, armas, equipamentos etc).

Gradativamente, a Praia Grande se consolida como bairro comercial, expandindo os


aterros de realengos e proporcionando o surgimento de uma arquitetura de origem lusitana, com as
caraterísticas de casas comerciais estabelecidas no térreo e a moradia dos proprietários nos andares
superiores, como pode ser visto a seguir.

Figura 2 – Vista geral da Rua Portugal em 1908, mostrando a arquitetura dos prédios comerciais e de
moradia de tradição portuguesa

Fonte: CUNHA, G. (1987 p. 90).


 9
Esse modo de viver mais citadino, marcado pelo consumo de produtos europeus, vai
caracterizar todo o século XIX até o início do século XX. As sucessivas flutuações da exportação
do algodão e arroz, acentuadas crises, mudanças políticas e principalmente o impacto da abolição
da escravatura vai se refletir no padrão de vida da elite econômica que ainda se redireciona para a
implantação de um parque fabril têxtil.

A herança material dessas dinâmicas históricas vivenciadas nesses espaços domésticos e


públicos, ficaria materializada e documentada arqueologicamente nos estratos, nas construções, nos
arruamentos e nos quintais, cabendo aos profissionais, órgãos competentes, a população como um
todo, a gestão e a salvaguarda desse patrimônio. Portanto, a arqueologia vai estudar todos os vestígios
deixados pela experiência humana ao longo do tempo.

ATENÇÃO

Você sabe a origem da palavra Arqueologia?

Do grego Archaios = Antigo e Logos = Estudo, significa etimologicamente o estudo do


que é antigo. Ciência que estuda os restos materiais deixados sobre o solo. A Arqueologia
busca reconstituir o passado humano a partir dos seus traços materiais, artefatos, estruturas,
construções, obras de arte, alterações do meio ambiente, comércio, dados somáticos e
biológicos. Embora mais empregada aos tempos pré-históricos, quando registros escritos
não estavam disponíveis, a arqueologia estuda também o período histórico.

(MENDONÇA, A. 1997. p.19).

Convidamos você para conhecer um pouco mais sobre o passado arqueológico da


cidade de São Luís, desde a ocupação dos seus habitantes mais antigos até o reconhecimento como
patrimônio da humanidade. Vamos lá?

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2 ARQUEOLOGIA PRÉ-COLONIAL

Tradicionalmente, o termo Pré-história é utilizado para o estudo dos povos anteriores à


invenção da escrita. Entretanto, no que se refere aos povos originários do continente americano, o
termo pré-colonial é mais adequado, em função das características e contextos muito próprios das
sociedades que habitaram o território antes da chegada dos primeiros colonizadores europeus.

2.1 A vida anterior ao contato com os europeus

Localizada entre duas grandes baías, São José e São Marcos, a ilha de São Luís está inserida
em um local de confluência de diferentes unidades ambientais, entre a expansão do litoral amazônico
e as áreas mais arenosas e expostas do litoral nordestino, fazendo parte do direcionamento natural dos
grandes sistemas hídricos, oriundos da área continental até o desaguar no mar, conforme apresentado
na Figura 3, a seguir.

Figura 3 – Detalhe da ilha do Maranhão (São Luís) representada em cartografia do século XVII, mostrando a
ocupação inicial dos europeus e os grandes rios que desembocam nas baias de São Marcos e São José

Fonte: Atlas do Brasil. João Teixeira Albernaz, 1640. Disponível em: https://www.brasil-turismo.com/maranhao/
albernaz.htm. Acesso em: 11 set. 2021.


 11
Essa ambiência possibilitou que grupos humanos antigos tivessem acesso a condições
favoráveis de sobrevivência e permanência nesses territórios. Embora ainda não tenham sido localizados
sítios pré-coloniais de caçadores coletores na ilha propriamente dita, na área continental já foram
encontrados vestígios de fogueiras e artefatos característicos dessas populações, cuja antiguidade
recua até cerca de 9.000 anos antes do presente (CALDARELLI e LEITE FILHO, 2003; BANDEIRA,
2013).

Essas populações se especializaram na coleta e caça, desenvolvendo conhecimentos no


manejo e fabricação de artefatos líticos de grande refinamento tecnológico, como pontas de flechas,
bifaces e lascas, além dos machados de mão, sendo que um deles foi encontrado descontextualizado
no interior da Ilha de São Luís, conforme observado nas Figuras 4 e 5 a seguir.

Figura 4 - Homem pré-histórico produzindo artefato em pedra por lascamento

Fonte: Agnes Guerra, 2021.

Figura 5 - Artefatos em pedra, lítico lascado

Fonte: LEITE FILHO, D; PORTELA, S. Acervo: CPHNA-MA.

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Na Arqueologia Brasileira, esses sítios são conhecidos como pertencentes a um período


pré-cerâmico.

2.2 Povos coletores-pescadores-caçadores do litoral

A crescente descoberta de achados arqueológicos tem ampliado significativamente


o conhecimento sobre o passado das sociedades que habitaram o Brasil antes da chegada dos
europeus. Desde o final do século XIX e início do XX, vestígios associados às populações antigas têm
sido descritos, além da presença de restos acumulados que indicavam a exploração das regiões dos
estuários, manguezais e áreas da faixa litorânea por essas sociedades pré-históricas.

Neste contexto, destaca-se o trabalho pioneiro do geógrafo e arqueólogo Raimundo Lopes,


que no início do século XX, discutiu a antiguidade e as características de seus sítios oriundos, além
de referenciar as ocorrências na ilha de São Luís, dos sítios Maiobinha e Pindaí, ambos praticamente
destruídos pela implantação de condomínios, postos de gasolina e edificações comerciais.

Em alguns locais do litoral brasileiro, o impacto das oscilações climáticas foi decisivo na
composição de ambientes costeiros, havendo significativas mudanças até períodos mais recentes,
como a oscilação da linha de praia até 3.000 anos atrás, quando o mar estaria a 300 metros abaixo do
nível atual.

Desta forma, presume-se que uma grande quantidade de vestígios da exploração destas
regiões esteja atualmente submersa, embora em terra firme, páleo-canais e antigos sistemas de
drenagem tenham sido propícios para ocupação de grupos pré-históricos em áreas mais interioranas
da ilha. (LEITE FILHO, 2010).

Os vestígios deixados pelos habitantes destas regiões apresentam também características


topográficas e morfológicas próprias, com deposição de restos alimentares que formam verdadeiros
montículos que se destacam na paisagem. Tais locais são de interesse para a pesquisa e protegidos
por lei desde 1961, sendo os mesmos designados na Arqueologia Brasileira como “sambaquis”, termo
que em Tupi significa restos e amontoados de conchas. Conheça um pouco mais sobre o Sambaqui
no quadro abaixo.

ATENÇÃO

Sambaqui

“[...] nos sambaquis é recorrente encontrada parte significativa de restos de alimentação e seus
construtores. E ainda, nesse espaço também foram acumulados artefatos que poderiam ainda estar
sendo utilizados, artefatos quebrados e fragmentos de matéria prima. Também são encontradas
marcas de fogueiras, de habitação e sepultamentos. As fogueiras e restos alimentares indicam que eles


 13
ATENÇÃO

preparavam suas refeições e descartavam o que delas sobrava no próprio sambaqui. Artefatos (pontas
de osso, lâminas de machado, quebra coquinhos, almofarizes, lascas de quartzo), seus fragmentos e
respectivas etapas de fabricação indicam que eles preparavam muitos dos seus instrumentos no próprio
sítio, ali os utilizavam e os abandonavam. Alguns, diretamente relacionados com a captura de animais,
parecem ter sido abandonados junto com os restos de alimentação; outros foram intencionalmente
dispostos em lugares específicos para ressaltar a importância de determinadas áreas do sambaqui. É
esse material que compõe o sambaqui.”

(GASPAR, M.D., 1999, p. 160).

Os sambaquis do sudeste e principalmente os de Santa Catarina, apresentam mais de 30


metros de altura, o que lhes confere certa monumentalidade, além de uma cultura material distinta,
com destaque para os zoólitos, esculturas portáteis de animais confeccionadas em rochas de grande
apelo estético, provavelmente de uso ritual.

Já na região equatorial, em ambientes que apresentam maior proximidade com o universo


amazônico, esses sítios pré-históricos diferem significativamente dos sítios conhecidos no litoral do
sudeste e sul do país, pois apresentam, junto aos restos de moluscos, uma cerâmica que data de até
pelo menos 6.000 anos antes do presente.

O desenvolvimento de programas de pesquisas realizadas em 1971 por arqueólogos do


Museu Paraense Emílio Goeldi, estabeleceu então a fase Mina na arqueologia pré-histórica regional,
com base no estudo da composição da pasta de cerâmica, cujo traço diferenciador é a utilização
de concha moída como elemento que garantia a plasticidade e resistência aos artefatos cerâmicos.

Pesquisas realizadas nos últimos anos envolvem também análises cuidadosas nas
arcadas dentárias de esqueletos encontrados nos sambaquis do sudeste do país, detectando forte
desgaste em função de produtos derivados de ambientes salinos e calcificações de restos de comida
decorrentes de hábitos alimentares, além da presença de resíduos de amido, o que indica que na
dieta desses grupos já estava incluído o consumo esporádico de tubérculos e vegetais.

A grande quantidade de testemunhos possibilitou ainda a documentação do modo de


vida destes habitantes e suas práticas culturais, tais como o enterramento cerimonial dos seus
mortos. Devido à natureza dos restos alimentares caracterizados pela coleta de moluscos e o seu
amontoamento, esses sítios apresentam condições de preservação excepcionais e os estudos
apontam que, diferente de muitos outros grupos que se deslocavam constantemente, eles habitavam
por muito tempo o mesmo local, o que favoreceu o acúmulo de restos alimentares e vestígios
culturais. (GASPAR, 1999, p.160).

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Figura 6 – Reconstituição artística de enterramento cerimonial em um sambaqui na Ilha de São Luís


e arqueólogos escavando o local

Fonte: Arqueologia do Maranhão: TORRES, T.; LEITE FILHO, D.; GASPAR, E. (2008).

Intervenções realizadas no âmbito da formação acadêmica foram desenvolvidas nos


sambaquis do Bacanga e Itapari, já no século XXI. Tais pesquisas permitiram a formulação de hipóteses
e a subdivisão de pelo menos três momentos com traços culturais distintos de ocupação: uma primeira
ocupação mais antiga pré-sambaquieira por grupos que já manipulavam e produziam artefatos
cerâmicos em sítios a céu aberto, com datações que recuam até 6.600 anos A.P. Uma segunda com
o registro estratigráfico mais espesso e uniformidade cultural, onde o traço característico é a cerâmica
da tradição Mina, o que aponta para uma permanência temporal mais significativa de populações
sambaquieiras (5.800-1480 anos AP). E uma terceira, com processo deposicional associado a grupos
que praticavam a coleta, pesca e caça, além do cultivo de mandioca (1.080-900 AP). Esses grupos
foram denominados pós-sambaquianos. (BANDEIRA, 2013).

Em 2020, foi realizada uma pesquisa associada ao licenciamento para implantação de um


condomínio na Chácara Rosana, nas imediações do bairro do Turu. O local já havia sido impactado
pela terraplanagem para edificação de um conjunto habitacional 10 anos antes. Os procedimentos
adotados pela equipe de arqueologia oriunda do estado do Piauí foram devidamente aprovados junto
ao IPHAN. O sítio já era conhecido desde 1970 pelo trabalho do professor Olavo Correia Lima.


 15
Nesse local observou-se, no setor sul, uma concentração maior de restos cerâmicos, líticos
e faunísticos, achados que somaram mais de 60 mil fragmentos, além de esqueletos em posição fetal
que foram cuidadosamente escavados, consolidados e transportados para estudos em laboratório.
Os dados derivados dessa pesquisa, juntamente com outras realizadas nos últimos 15 anos, serão
decisivos para ampliarmos os conhecimentos sobres as práticas culturais e o espólio material desses
grupos.

As evidências materiais e carapaças de conchas associadas a esse padrão cultural foram


bastante numerosas por toda a ilha de São Luís e litoral continental. Desde a chegada dos primeiros
imigrantes europeus essas áreas vêm sendo sistematicamente exploradas. O processo de fabricação
de cal, do qual existem ainda diversas estruturas de fornos históricos do século XIX, sistematicamente,
promoveram o desmonte desses testemunhos, que guardam a memória do cotidiano desses povos
antigos. É o caso das importantes edificações e ruínas dos sítios Piranhenga e do Físico, ambos às
margens do rio Bacanga. As Figuras 7 e 8 ilustram de forma didática como seria o cotidiano em um
sambaqui, bem como o exemplo de um sambaqui encontrado em áreas de dunas e alguns exemplos
de material cerâmico encontrados nesses sítios (Figuras 9 e 10).

Figura 7 – Reconstituição livre da implantação na paisagem de um sambaqui na Ilha de São Luís

Fonte: Wagner Santiago (2016).

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Figura 8 – Representação de um Sambaqui

Fonte: Ilustração Mariana Massarani (2021).


 17
Figura 9 – Conjunto de fragmentos cerâmicos

Fonte: LEITE FILHO, D.; PORTELA, S. Acervo: CPHNAMA-SECMA (2021).

Figura 10 – Sambaqui dunar no município da Raposa e detalhe de camada de concentração de


restos alimentares (conchas), fragmento cerâmico e sedimento arenoso de coloração marrom,
características típicas dos sambaquis do litoral do Maranhão em São José de Ribamar

Fonte: LEITE FILHO, D. Acervo CPHNAMA. (2015).

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2.3 Sociedades guerreiras: horticultores e caçadores

Grupos de horticultores e ceramistas, já plenamente aldeados, também ocuparam a ilha


de São Luís em períodos anteriores ao ano 1000, destacando-se pela utilização de urnas funerárias de
grande dimensão, provavelmente para enterramento primário, como observado no Sítio da Mata, no
interior da ilha (Figura 11). Esses sítios são de grande importância para o conhecimento dos diferentes
grupos culturais que ao longo do tempo ocuparam essa região.

Figura 11 – Resgate de pequeno vasilhame e urna em trabalhos de escavações no interior da ilha de


São Luís. Sítio da Mata

Fonte: Acervo (Scientia-CPHNAMA) (2013).

Também foram detectados vestígios arqueológicos da presença de populações Tupi-guarani


na ilha de São Luís. Originalmente, esses grupos se dispersaram em duas levas migratórias a partir
do Rio Madeira, os grupos conhecidos como prototupis e protoguaranis. Acredita-se que os prototupis
chegaram ao litoral do Maranhão, vindos pela calha do Rio Amazonas ou pelo sul da Amazônia Oriental,
chegando ao litoral pelo fluxo natural dos rios do interior maranhense (PROUS, 2006).

Em 2004, a partir da ocupação de um loteamento popular no Alto do Calhau, foi notificada a


ocorrência de um achado fortuito por operários e efetuado um salvamento expedito pelos arqueólogos
do Centro de Pesquisa (Figura 12). Foi encontrado um conjunto de 5 vasilhas com bordas vermelhas
reforçadas, apresentando decoração interna em preto sobre fundo branco com motivos de elaboração
complexa. Os exemplares apresentavam-se em bom estado de conservação, formando um conjunto
amontoado, emborcados e encaixados, sendo que o maior cobria o menor, formando uma sequência
intencionalmente depositada.


 19
Figura 12- Resgate arqueológico das urnas associadas aos grupos prototupis. Detalhe de uma
vasilha cerâmica com decoração interna

Fonte: GASPAR, E.; LEITE FILHO, D.C. Acervo CPHNAMA (2004).

Os atributos e características decorativas desse conjunto remetem à tradição Tupi-guarani ou,


mais precisamente, Prototupi, tradicionalmente descritas na literatura arqueológica como pertencentes
à expansão das populações de gênese Tupi, de origem amazônica. A datação obtida a partir de carvões
situou o achado cronologicamente em 1.250 AP (Beta Analitic), também apresentando fragmentos
cerâmicos e restos alimentares de oferenda. As urnas funerárias estão, atualmente, em exposição no
Centro de Pesquisa e são testemunhos da presença dessas populações em período anterior ou próximo
ao contato com os europeus.

As populações nativas que os primeiros europeus encontraram no litoral do Maranhão,


ainda no início do século XVI, seriam culturalmente distintas dos tupis históricos: eram grupos de fala
Jê, provavelmente conhecidos posteriormente como Tremembé, fabricantes do machado semilunar e
que ocupavam o litoral da baía de Turiaçu até o Ceara, conforme observado na Figura 13.

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20 Deusdédit Carneiro Leite Filho



Figura 13 – Lâminas de machados oriundas de sítios arqueológicos da ilha de São Luís.

Fonte: LEITE FILHO, D.; PORTELA, S. Acervo: CPHNA-MA (2021).

Os grupos Tupinambá eram descritos pelos franceses, como ferozes inimigos dos Tremembé,
reocuparam parte da área em meados do século XVI, sendo esses últimos senhores absolutos na ilha
de São Luís, quando os franceses se estabeleceram na região.

Portanto, a longa ocupação do território maranhense na pré-história remonta cerca de 200


gerações de grupos culturalmente diferenciados, somando-se às 13 estabelecidas após o contato com
os europeus. Ou seja, o cerne da herança genética e cultural dos maranhenses totaliza 213 gerações
de grupos e indivíduos de características em grande parte desconhecidas.


 21



3 ARQUEOLOGIA DO CONTATO
A partir do contato entre culturas diferenciadas, seja por meio da conquista ou do
estabelecimento de trocas comerciais, ocorre a sobreposição ou a influência de valores próprios de
cada grupo culturalmente estabelecido. Assim, a arqueologia de contato vai estudar os processos
decorrentes desses encontros, suas narrativas e o reflexo nas práticas culturais observado na herança
material.
Falaremos também sobre como este processo se deu com o encontro do europeu e os
indígenas que ocupavam a ilha de São Luís. Você já se perguntou como era a vida destes indígenas e
o que aconteceu com estas populações? Descubra no texto abaixo.

3.1 O mundo Tupinambá: a visão do europeu

Os povos indígenas conhecidos como Tupinambá habitavam uma grande parte da faixa
litorânea do Brasil, razão pela qual também são os mais descritos pelos cronistas que estabeleceram
os primeiros contatos. Essa denominação era aplicada a grupos de padrões linguísticos e culturais
aparentados, que por sua vez dividiam-se em áreas territoriais distintas. Nos séculos XVI e XVII,
viajantes deixaram, de forma detalhada, uma grande variedade de relatos que documentam a partir
das visões eurocentristas e dos códigos subsequentes, o modo de vida dos falantes de língua tupi-
guarani e suas práticas culturais mais evidenciadas (Figura 14).

Figura 14 - O Encontro dos franceses com o líder Tupinambá paramentado com o manto de penas
de guará

Fonte: Agnes Guerra, 2021.


 23
As aldeias indígenas na Ilha de Upaon-Açu eram descritas como estruturas, contendo um
grande pátio central quadrado, com casas distribuídas em seu entorno. As edificações apresentavam
características e técnicas construtivas próprias, utilizando madeiras de lei e palhas criteriosamente
selecionadas e adaptadas às condições climáticas equatoriais. Abbeville (2002) descreve uma aldeia
contendo quatro cabanas, dispostas em um terreiro ou praça central, construídas de troncos grossos
de madeira e cobertas de cima a baixo com folhas de palmeiras (Figura 15). As casas mediam de vinte
e seis a trinta pés de largura de duzentos a quinhentos pés de comprimento, segundo o número de
pessoas que nela habitam. As mesmas características ainda seriam registradas durante a ocupação
holandesa da região, trinta anos depois, quando a permanência Tupinambá estava praticamente
extinta.

Figura 15 – Reconstituição do cotidiano de uma aldeia Tupinambá

Fonte: Cartilha de Educação Patrimonial do CPHNA-MA. TORRES, T.; LEITE FILHO, D.; GASPAR, E. (2008).

O interior da maloca era delimitado em duas partes distintas, à direita e a esquerda, sendo as
mesmas subdivididas e denominadas pelos tupinambás de ok [oca] ou cherok [cheroca] que significa
“meu canto, minha morada” (D’ÉVREUX, 2009). Cada unidade familiar obedecia a um líder, que por
sua vez reconhecia uma liderança principal, representante de toda a grande casa e seus habitantes.

Conhecendo a arqueologia de São Luís-MA


24 Deusdédit Carneiro Leite Filho



Tais moradias não possuíam janelas, apresentando aberturas de acesso ao seu interior. O
espaço era subdividido entre famílias, sem uma divisória física clara, onde a disposição dos pertences
como redes de dormir, objetos de uso pessoal (adornos, armas, amuletos) e utensílios familiares (cestos,
potes, instrumentos) estabelecia hierarquias simbólicas e o uso racional dos espaços.

A dinâmica do quotidiano refletia as relações de parentescos e os códigos de sociabilidade,


que demonstravam a coesão de grandes grupos com vínculos de parentesco e relações de
ancestralidade. A manutenção do fogo sempre aceso, dia e noite, permitia a proteção contra mosquitos
e a intrusão de animais potencialmente peçonhentos ou perigosos, principalmente cobras e onças,
servindo também para iluminar e para afugentar os espíritos que poderiam atormentar o mundo dos
vivos (AZEVEDO, 2009).

Possuíam um amplo conhecimento das plantas para fins medicinais, ritualísticos ou


alimentares, praticando a agricultura de queimada no cultivo de mandioca, milho e cará, que eram
processados e utilizados largamente na alimentação cotidiana. Cultivavam também o amendoim e, em
menor escala, o tabaco, algodão e a cabaça. O urucum era plantado e consumido na culinária, além de
ser utilizado na pintura corporal e no tingimento de objetos.

A obtenção de proteínas era, em grande parte, assegurada nas práticas associadas à


caça, atividade exclusivamente masculina de antiga tradição entre muitas culturas indígenas. Era feita,
geralmente, por expedições de grupos reduzidos de caçadores que praticavam uma série de rituais
propiciatórios e de apaziguamento dos espíritos antes do abate dos animais. São conhecidas até hoje
as proibições do consumo de certos animais em função das relações míticas ancestrais, linhagens e
códigos a serem seguidos.

A atividade de coleta de mariscos, frutos e raízes era um importante complemento


realizado tradicionalmente, pelas mulheres e crianças. Durante o período das chuvas, os Tupinambás
estabelecidos na ilha de São Luís e nos territórios adjacentes deixavam suas aldeias e construíam
acampamentos provisórios nas áreas de praias, restinga e próximos aos manguezais para a pesca,
coleta e consumo de mariscos e frutos do mar, pois eram excelentes navegadores e pescadores.
As provisões alimentares eram cuidadosamente armazenadas e consumidas de forma coletiva em
algumas situações cotidianas e nas grandes festas ritualísticas.

A preparação dos alimentos era tarefa das mulheres, que dispunham de um conjunto de
recipientes cerâmicos, raladores em suporte de madeira e colheres usados na preparação de beijus,
farinhas, carnes e peixes.

A guerra também assumia função essencial na manutenção dos territórios de caça e áreas
de exploração no entorno das aldeias, sendo essencial na manutenção dos valores da sociedade
Tupinambá. O sociólogo Florestan Fernandes, apoiado na leitura minuciosa dos relatos de cronistas
e viajantes, realizou um trabalho inédito de compilação, comparação e análise dos diversos aspectos
econômicos e culturais que caracterizaram a sociedade Tupinambá.


 25
Estudos apontam a vingança como elemento base de toda a estrutura sociocultural dessas
sociedades, destacando-se a guerra e rituais dela derivados, encenação e diálogos que antecedem o
sacrifício e as práticas de consumo cerimonial da carne dos prisioneiros.

Estas últimas horrorizaram os europeus, que as apontaram como argumento para promover
a deliberada eliminação dos que se recusaram a aceitar o cristianismo ou resistiram à escravização.
Entretanto, a atuação de todo o processo de colonização das Américas foi marcada paradoxalmente
pela violência, aniquilação e massacre de grande parte das sociedades nativas que resistiram ao
avanço dos interesses dos colonizadores e seus descendentes.

Figura 16 – Gravuras em metal de Theodore de Bry a partir das descrições de Hans Staden, que
foi prisioneiro dos Tupinambás e de Jean de Lery. Aldeia Tupinambá. Dança ritualística Tupinambá.
Cerimônia de aniquilação do prisioneiro. Preparação da cauinagem

Fonte: Gravuras de Theodor de Bry (Americae Tertia pars Memorabile Provincial Brasiliae ... (Frannkfurt
1592). In: Júlio Bandeira (2006).

Conhecendo a arqueologia de São Luís-MA


26 Deusdédit Carneiro Leite Filho



Os guerreiros utilizavam adornos labiais e tembetás feitos de quartzo polido ou pedras


verdes (amazonita), além de portarem em seus corpos pinturas e tatuagens que indicavam a quantidade
de inimigos que foram mortos pela sua atuação bélica. Os mantos, confeccionados de penas de guará,
eram exclusivos das grandes lideranças. Fabricavam cestos de fibras, lanças, tacapes, arco e flecha
e machados de lâminas de pedra amplamente usados nas atividades cotidianas, antecedendo a
introdução de artefatos de ferro pelo colonizador (MÉTRAUX,1979).

De igual importância, a cerâmica utilitária, com destaque para os recipientes destinados


a cauinagem, e principalmente a cerâmica ritualística, com faixas vermelhas nas bordas internas e
desenhos geométricos no interior, são de grande interesse arqueológico (Figura 17). Essas urnas eram
utilizadas nas cerimônias de enterramento e são encontradas nos sítios arqueológicos em diversos
locais da ilha de São Luís, como também no continente, servindo de testemunho da dispersão dos
grupos de filiação tupi-guarani pela região.

Figura 17 – Representação de grupos ceramistas decorando vasilhas utilitárias e cerimoniais

Fonte: TORRES, T.; LEITE FILHO, D.; GASPAR, E. (2008).

Na visão religiosa Tupinambá, a alma do morto deve trilhar uma longa jornada, superando
perigos até chegar à casa do pai grande, onde a caça abundante era trazida espontaneamente e


 27
dançava-se e bebia-se cauim em harmonia com os guerreiros ancestrais. Os tupinambás representam
esse paraíso como um lugar prazenteiro, recoberto de florestas e regado por maravilhoso rio, em cujas
margens se viam enormes árvores. A Terra sem mal. (METRAUX, 1979).

Os significados etimológicos referentes aos nomes das aldeias (Figura 18) foram, transcritos
com a colaboração de intérpretes franceses que já mantinham um contato maior com os Tupinambás.
O significado dos topônimos em tupi antigo foi assim descrito: Timboú (raiz de árvore que serve
para embriagar peixe); Tapari (tapada ou curral, camboa de peixe); Carnaupió (derivado da árvore
carnau); Euaíne (água velha ou água turva); Itaendaue (largo de pedra); Araçuí-Ieuue (um pássaro);
Pindotuue (folhas de palmeira); Uatimbup (raiz de timbó); Juniparã ( jenipapo amargo); Toroiepeep
(calçado); Januarém (cão fedorento); Uarapirã (cova vermelha); Coieup (cabaça que serve de prato);
Eussauap (lugar onde se come caranguejo); Maracanã pisip (grande ave); Taperuçu (aldeia grande
e velha); Torupé (beberagem); Aqueteuue (praça de peixe); Caranavue (palmeira); Ieuireé (pernas
finas); Eucatu (água boa); Jeuireé (a pequena); Uri Uaçueupé (lugar onde existe macorãns (peixes);
Maiue ou Maioba ( folhas compridas e largas); Pacuri euue (árvore do bacuri); Euapar (água torcida);
Meuroti euue (árvore da palmeira) (In: ABBEVILLE, 2002, p.186-88).

Figura 18 – Aldeias Tupinambás da Ilha de São Luís no período do contato com os Franceses

Fonte: Abbeville, 1980. Composição: Leite Filho, Gaspar, Portela. 2021. CPHNA-MA.

Conhecendo a arqueologia de São Luís-MA


28 Deusdédit Carneiro Leite Filho



No início do século XVII, durante o estabelecimento da colônia francesa (Figura 19),


houve, em um primeiro momento, uma política estratégica de aliança com os povos locais, através da
aproximação e interação, utilizando os nativos na manutenção de interesses territoriais e mercantis.
Uma relação de parceria e cordialidade fundamentada por leis que estabeleciam os direitos dos nativos
nas relações cotidianas com as tropas, religiosos e civis possibilitou a construção de edificações como
a paliçada do Forte São Luís, depósitos e alojamentos no interior da fortaleza. Os Tupinambás, por
sua vez, apesar da desconfiança, esperavam proteção militar contra seus inimigos regionais e contra
a expansão portuguesa.

Figura 19 – Representação artística dos principais locais assinalados pelos cronistas franceses, com
destaque para os fortes, atracadouros e aldeias tupinambás

Fonte: NORBERTO, A.(2013).

A França Equinocial durou apenas três anos, após a Batalha de Guaxenduba os


portugueses consolidaram o controle da região, estabelecendo toda a política administrativa e militar
de expansão e controle sobre a fronteira amazônica, a partir da estruturação do núcleo original de
São Luís.


 29
Um exemplo da herança indígena marcada no imaginário maranhense fica explicitado pela
poesia do poeta indianista Gonçalves Dias, que resgatou fragmentos dos rituais e práticas culturais
dos grupos Tupis e Jês na sua produção poética como destacamos a seguir:

Meu canto de morte,


Guerreiros, ouvi:
Sou filho das selvas,
Nas selvas cresci;
Guerreiros, descendo
Da tribo Tupi.
Da tribo pujante,
Que agora anda errante
Por fado inconstante,
Guerreiros, nasci:
Sou bravo, sou forte,
Sou filho do Norte;
Meu canto de morte,
Guerreiros, ouvi.
Gonçalves Dias (I-Juca-Pirama, 1857).

Um dos testemunhos materiais que se mantém desde a época dos Tupinambás são os
currais de pesca de alvenaria em pedras sobrepostas, usados para apreensão de peixes que ficavam
impedidos de retornar ao mar quando a maré descia (Figura 20). Tais sítios, conhecidos como camboas,
são ainda observados em diversas praias ao sul da ilha e também em algumas praias dos municípios
costeiros, uma vez que a sua relativa integridade foi mantida pelos pescadores de gerações posteriores
que ainda os usam, haja vista o potencial pesqueiro desses locais.

Figura 20 – Armadilhas de captura de peixes ou Camboas

Fonte: COELHO FILHO, I e LEITE FILHO, D. Acervo CPHNAMA. (2020).

Conhecendo a arqueologia de São Luís-MA


30 Deusdédit Carneiro Leite Filho



4 A DINÂMICA E A CONSOLIDAÇÃO DO
ESPAÇO URBANO

O crescimento populacional, a partir do domínio europeu, foi materializado pela


transferência de conhecimentos e práticas construtivas herdadas durante um processo histórico
de consolidação. Entretanto, as primeiras edificações na região, construídas pelos franceses,
incorporaram e adaptaram técnicas nativas, talvez pela facilidade de acesso à matéria-prima
local. Somente com o passar dos anos surgiram as primeiras edificações de caráter mais sólido:
construções de pedra, tijolos, cal e telhas, presentes nas residências, conventos, fortes e fazendas.

A cidade gradativamente estabeleceu-se como centro administrativo e econômico regional


e, no final do século XVII, apresentou as seguintes características urbanísticas:

Não era a cidade de São Luís cousa de consideração, se não mais que uma fortaleza cercada
de um muro grosso para a banda do rio Mony que encerra o Colégio, e por banda da rua
ia fechando com um portão feito pelos primeiros conquistadores, com umas poucas casas
espalhadas por várias ruas pouco povoadas; mas depois da expulsão dos Holandeses, foi
crescendo pouco a pouco, tanto para este como para o sul, que hoje é uma cidade bastante,
com mais de seiscentas famílias. (BETENDORF, 2010. p.19).

Como relatado, a ocupação da Ilha de São Luís por europeus se deu de forma lenta, a partir
da expulsão dos franceses e do estabelecimento efetivo da colonização portuguesa, contando com a
presença de efetivos militares e administrativos acrescidos pela vinda de famílias açorianas no início
do século XVII. O planejamento da implantação urbana com arruamentos e quadras padronizadas foi
fielmente executado e controlado pela ação da câmara.

Diversas representações cartográficas mostram a cidade de São Luís e suas primeiras


ocupações ao longo dos rios, além de alguns aldeamentos indígenas. Porém, somente no período da
dominação holandesa que a cidade inicial foi representada com vista panorâmica e planta atribuída
a Franz Post. A iconografia retrata a cidade de São Luís no momento do controle e desembarque dos
holandeses, sendo o mais antigo e importante registro dos primórdios da implantação, com vista a
partir do mar e suas construções de caráter militar, religioso e civil.


 31
Figura 21 – Vista da cidade de São Luís elaborada durante a ocupação holandesa

Fonte: Franz Poust, 1641 (GOULART, 1990).

Desse período inicial, há o registro de diversas narrativas da ocupação do território. Estas


apresentavam descrições e representações do cotidiano da colônia e da natureza exuberante da
região, com especial destaque para a “Relação Sumária das Cousas do Maranhão”, de Simão Estácio
da Silveira (16240) e a “História dos Animais e Árvores do Maranhão”, do frei Cristovão de Lisboa, obra
originalmente manuscrita e produzida entre 1625 e 1631.

Conhecendo a arqueologia de São Luís-MA


32 Deusdédit Carneiro Leite Filho



Figura 22 – Representação de gato Maracajá, tatu, preguiça e macacos do século XVII. Organizados
pelo Frei Cristóvão de Lisboa

Fonte: História dos Animais e Árvores do Maranhão, Arquivo Histórico Ultramarino e Centro de Estudos
Históricos Ultramarinos. Lisboa (1967).

A Companhia Geral de Comércio do Grão-Pará e Maranhão comprometeu-se a introduzir


na região 10.000 escravos africanos anualmente, o que não ocorreu, gerando o descontentamento dos
moradores. Esse foi também um dos motivos da Revolta de Beckman em 1684.

Já em 1755, a partir da criação da companhia idealizada pelo Marquês de Pombal,


intensificou-se o comércio e o tráfico de escravos, com a vinda de 25.365 africanos dos portos
de Cacheu e Bissau durante 20 anos (BOXER, 2002). O porto de São Luís tornou-se então rota
fundamental no processo da diáspora africana para o novo mundo, recebendo fluxos de escravos
vindos da Costa da Alta Guiné, Costa da Mina, Congo e Angola, dentre outras regiões (MILLER, 2008).

No entanto, a partir da criação da Companhia do Grão-Pará e Maranhão em 1775, uma


nova dinâmica econômica foi desenvolvida, baseada na importação de mão de obra africana e no
modelo agroexportador da monocultura do arroz e algodão.

Tal fato ocasionou um considerável aumento populacional e o surgimento de uma elite que
redefiniu o parcelamento do solo urbano, expandindo a quantidade e dimensão dos lotes, assim como
maior elaboração dos padrões construtivos, primando por maior sofisticação. Paralelamente, ocorreram


 33
mudanças nos hábitos de consumo da época, influenciados pela grande oferta de bens de origem
inglesa, produzidos e comercializados em larga escala, refletindo padrões sociais economicamente
definidos.

Figura 23 - Comerciante português e escravo africano na Praia Grande

Fonte: Agnes Guerra, 2021.

Como resultado, a Praia Grande vai se tornando um bairro comercial e importante


logradouro no processo de urbanização, caracterizado por casas onde o andar térreo funcionava
como comércio e depósito de mercadorias, enquanto os andares superiores abrigavam a família do
comerciante e seus muitos agregados (Figura 24).

Figura 24 – Vista do antigo Porto da Praia Grande, área atualmente aterrada. Cartão postal com
imagem da Praça João Lisboa

Fonte: Coleção Antônio Guimarães. Acervo MAVAM. (1940).

Conhecendo a arqueologia de São Luís-MA


34 Deusdédit Carneiro Leite Filho



A arqueologia deste novo período vai ser influenciada pelo estudo dos processos de
circulação, produção e consumo de bens que marcaram a história cotidiana das sociedades recentes.
Assim, a presença de construções, o esforço empregado na sua criação, as dinâmicas de seu uso e
sua inserção na paisagem constituem-se tópicos significativos do processo histórico vivenciado ao
longo do tempo.

SAIBA MAIS

Arqueologia Histórica

A definição de arqueologia histórica que está emergindo, atualmente, é a que a define como
o estudo arqueológico dos aspectos materiais, em termos históricos, culturais e sociais
concretos, dos efeitos do mercantilismo e do capitalismo que foi trazido da Europa em
fins do século XV e que continua até hoje. Obviamente, vista desta maneira, a arqueologia
histórica abrange um campo com interesses amplos. Como arqueologia, contudo, a maior
atenção da arqueologia histórica refere-se às manifestações materiais do mundo, em
rápida transformação, posterior a cerca de 1500 d.C. Temas que a arqueologia histórica
pode estudar incluem os tipos de artefatos traficados pelos indígenas, as mudanças sociais
acarretadas nas sociedades indígenas graças à introdução de objetos materiais europeus,
os assentamentos e a cultura de africanos escravizados, a arquitetura e as plantas dos
fortes europeus e das cidades coloniais, a relação entre artefatos e classes econômicas
entre trabalhadores urbanos, imigrantes, e assim por diante.

(ORSER JR., 1992. p.23)

Pesquisas no âmbito da Arqueologia histórica ocorreram em São Luís na década de 70,


quando o pesquisador Ulisses Pernambucano de Mello Neto desenvolveu uma escavação no Sítio
do Físico. Efetuou-se então a coleta, em diversas prospecções, de material cultural proveniente das
atividades diárias desenvolvidas no passado, estruturas para o tratamento e beneficiamento de couro,
sendo o local tradicionalmente considerado um dos maiores curtumes existentes na região. (MORAIS,
1980).

Posteriormente, na década de 80 se determina, em nível nacional, a obrigatoriedade de


relatórios de impacto ambiental, incluindo estudos de arqueologia em empreendimentos de grande
porte. O interesse pela pesquisa acadêmica do Estado é assim retomado, buscando-se caracterizar de
forma mais abrangente o patrimônio arqueológico regional. Entretanto, como resultado, a investigação
arqueológica de caráter histórico é relativamente recente em nosso país.

A cidade de São Luís possui um rico e variado acervo histórico e arquitetônico,


reconhecido pela UNESCO como Patrimônio da Humanidade desde 1997. As legislações de caráter
federal, estadual e municipal de proteção e gestão desse patrimônio fundamentam-se na adoção
de políticas internacionalmente aceitas. O caráter multidisciplinar da gestão e conservação desses
bens é assegurado pelo compromisso na manutenção das memórias e das heranças dos povos. Para


 35
além das questões científicas e acadêmicas, a carta de Veneza, desde 1966, demanda a execução de
estudos arqueológicos antecedendo intervenções em bens de caráter histórico.

Sendo assim, em função da crescente demanda de gerenciamento de impactos nos


recursos arqueológicos locais, pesquisas foram desenvolvidas, identificando sítios maranhenses
e seus conteúdos culturais. Os projetos intervencionistas, no entanto, raramente incorporaram o
desenvolvimento de práticas arqueológicas em ações restaurativas de sítios urbanos ou edificações
de caráter histórico e mesmo os órgãos e autoridades não se interessaram em documentar e registrar
as diversas ruínas existentes na ilha.

O desenvolvimento de escavações arqueológicas ocorreu de forma muito esporádica, não


se constituindo área de interesse ou preocupação dos gestores responsáveis, apesar da legislação e
do potencial de riqueza de informações que a arqueologia poderia trazer sobre o passado da cidade.

Em 2002, com a institucionalização do Centro de Pesquisa de História Natural e Arqueologia


do Maranhão, ocorreu o incremento de pesquisas locais e o primeiro monitoramento arqueológico junto
às obras da CAEMA para ampliação do sistema hidráulico no Centro Histórico de São Luís. Realizado
em duas etapas, iniciadas em 2003, logo se constatou a importância do descarte de lixo doméstico
como elemento indicador de preferências estéticas, padrões econômicos e hábitos de consumo em
ambientes urbanos (Figura 25).

Figura 25 – Monitoramento do Centro Histórico de São Luís na obra de substituição na canalização


de água. Cultura material, faiança fina azul e vidros de grês usados como tinteiros

Fonte: LEITE FILHO, D. Acervo CPHNAMA. (2003).

Conhecendo a arqueologia de São Luís-MA


36 Deusdédit Carneiro Leite Filho



O trabalho também resultou no mapeamento das atividades de descarte nas ruas do Centro
Histórico da cidade (Figura 26), recuperando objetos e fragmentos de materiais descritos em fontes
históricas e revelando as práticas de consumo da sociedade da época. Pesquisas históricas apontam a
importância da leitura de aspectos do cotidiano em associação à cultura material, tais como a análise
de inventários e testamentos de São Luís do século XVIII (MOTA, et al.,2001).

Tal configuração histórica propiciou a criação de uma identidade local própria, manifestada
no diversificado patrimônio cultural maranhense. O processo atualizou a construção de cenários
variados na cidade, onde percebe-se, ainda hoje, resquícios da realidade de outrora, quando se
verificavam uma série de contrastes evidenciados na dinâmica da vida cotidiana da cidade.

Figura 26 – Mapa da concentração de material arqueológico no Centro Histórico de São Luís

Fonte: GASPAR, E. ( 2012).

Em 2006, um sobrado na Rua do Giz foi recuperado para abrigar a então Casa França-
Maranhão no Centro Histórico (Figura 27), inaugurando a prática arqueológica associada a intervenções
restaurativas em áreas urbanas da cidade. As escavações resgataram um diversificado conjunto de
objetos domésticos de uso pessoal, utilitário e decorativo.


 37
Figura 27 – Escavação no pátio do sobrado colonial. A seguir, conjunto restaurado de faiança inglesa
e coleção de cachimbos

Fonte: GASPAR, E. e LEITE FILHO, D.; Acerto CPHNAMA. ( 2006).

Esse acervo instrumentalizava as diferentes tarefas cotidianas que caracterizavam a rotina


e o cenário das casas senhoriais onde viviam os indivíduos do segmento ludovicense privilegiado, entre
os séculos XVII a XX. Padrões de consumo e preferências estéticas da época também se encontravam
registradas nos inúmeros fragmentos, objetos (Figura 28 e 29), estruturas e construções identificadas
pelo trabalho de escavação arqueológica.

Conhecendo a arqueologia de São Luís-MA


38 Deusdédit Carneiro Leite Filho



Figura 28 – Alguns artefatos de vidro

Fonte: LEITE FILHO, D. PORTELA, S. Acervo: CPHNA-MA – SECMA. (2021).

Desde então, algumas obras de restauração contemplaram intervenções arqueológicas


no Centro Histórico de São Luís, tais como a restauração da fábrica Santa Amélia e as ações de
monitoramento do Palacete Gentil Braga, Forte Santo Antônio, além da antiga fábrica de sabão
Martins.

Figura 29 – Fornilhos de cachimbo em barro

Fonte: LEITE FILHO, D.; PORTELA, S. Acervo: CPHNAMA-SECMA. (2021).


 39
SAIBA MAIS

Cultura Material
Por cultura material, poderíamos entender aquele segmento do meio físico que é
socialmente apropriado pelo homem. Por apropriação social convém pressupor que o
homem intervém, modela, dá forma a elementos do meio físico, segundo propósitos e
normas culturais. Essa ação, portanto, não é aleatória, casual, individual, mas se alinha
conforme padrões, entre os quais se incluem os objetivos e projetos. Assim, o conceito
pode tanto abranger artefatos, estruturas, modificações da paisagem, como coisas
animadas (uma sebe, um animal doméstico), e, também, o próprio corpo, na medida em
que ele é passível desse tipo de manipulação (deformações, mutilações, sinalações) ou,
ainda, os seus arranjos espaciais (um desfile militar, uma cerimônia litúrgica).
Para analisar, portanto, a cultura material, é preciso situá-la como suporte material, físico,
imediatamente concreto, da produção e reprodução da vida social.
(MENESES, U.B., 1983.p.112).

A associação da prática arqueológica às ações educacionais em museus e espaços


restaurados, contando com a exposição de objetos resgatados e material informativo sobre a preservação
da herança patrimonial maranhense, é um mecanismo didático fundamental para a valorização do
passado. Projetos que incentivem e promovam uma maior sensibilidade dos moradores e gestores,
como no caso do Centro Histórico de São Luís, são fundamentais na valorização e ressignificação das
memórias, como exemplifica a cartilha abaixo (Figura 30):

Figura 30 – Cartilha de valorização do Patrimônio Arqueológico do Maranhão, distribuída às escolas


e ao público como forma de conscientização da importância da herança material do estado

Fonte: TORRES, T.; LEITE FILHO, D.; GASPAR, E. (2008).

Conhecendo a arqueologia de São Luís-MA


40 Deusdédit Carneiro Leite Filho



A extensa história humana e cultural dos povos que habitaram ao longo do tempo a Ilha
de São Luís encontra-se impressa nos vestígios arqueológicos que sobreviveram às ações do tempo.
Sua importância é imprescindível para o melhor entendimento do passado e presente de todos que
trilharam os caminhos de pedra e solo que compõe a essência da cidade de São Luís.

Sugestões de Filmes

HANS STADEN. Direção: Luiz Alberto Pereira. Produção: Luiz Alberto Pereira. Rio de Janeiro: Riofilme,
1999. DVD
MEMÓRIA DE PEDRA. Direção: Marcus Saldanha. Produção: Marcus Saldanha e Jacelena Dourado.
Youtube, 2018. 1 vídeo (43 min e 45 seg). Disponível https: //www.youtube.com/watch?v=jBL56sM-
F6k. Acesso em: 22 ago. 2021.
COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS. Direção: Nelson Pereira dos Santos. Produção: Condor
Films. Brasil: New Yorker Films, 1973.
UMA HISTÓRIA DE AMOR E FÚRIA. Direção: Luiz Bolognesi. Produção: Gullare e Buriti Films. Brasil:
Europa Fims, 2013. YouTube.

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Sugestão de Sites

https://www.itaucultural.org.br/projetos/arqueologia/

http://casas.cultura.ma.gov.br/portal/cphna/

https://www.instagram.com/museu.cphnama/

https://imirante.com/oestadoma/noticias/2019/08/23/programa-visita-o-centro-de-pesquisa-de-
historia-natural-e-arqueologia-do-maranhao/

https://imirante.com/oestadoma/noticias/2021/09/08/dos-tambores-a-pre-historia-os-museus-
que-contam-alem-dos-409-anos-de-historia-de-sao-luis/

https://oimparcial.com.br/noticias/2021/09/upaon-acu-1a-terra-indigena-do-maranhao/


 41
GLOSSÁRIO

Ancestrais: gerações anteriores, antepassados.

Antes do Presente (AP): marcação do tempo usada como referência do ano de 1950,
ano da oficialização da descoberta do carbono 14.

Artefato: na visão da arqueologia, é resultado da ação sobre a matéria, é objeto ou


parte de objeto feito ou usado pelo homem, que fornece indicações sobre a época a que
pertenceu.

Datação: processo de fixação da data de criação, formação ou ocorrência de um


fenômeno, objeto. Podendo ser relativa (camada de deposições) ou absoluta (Carbono
14, termoluminescência etc.).

Oralidade: prática de expressão da língua natural por meio da produção sonora, em


diversos gêneros de texto orais, nos mais diferentes contextos. Além da fala, acompanhada
de outros aspectos como a prosódia, os gestos, a expressão facial, os movimentos
corporais. Os povos nativos da América repassavam os seus conhecimentos e tradições
que recuavam a histórias de muitas gerações dos seus ancestrais genéticos ou míticos.

Colonialismo: atividade na qual um grupo ou nação exerce domínio político, cultural


ou religioso sobre um determinado povo. O controle é exercido por meio de uma ação
política, ideológica, militar, comercial ou religiosa de fora que deseja explorar, manter ou
expandir seu território ou domínio sobre outros.

Ecossistemas: conjunto de comunidades que vivem em um determinado local e


interagem entre si e com o meio ambiente, constituindo um sistema estável, equilibrado
e autossuficiente.

Eurocentrismo: é a maneira de expandir os valores do continente europeu como sendo


nuclear e fundamental, seja através da história, da cultura ou da economia.

Etimológico: referente a origem das palavras.

Estrato: termo oriundo da geologia, utilizado na arqueologia para se referir a diversas


camadas sobrepostas de solos e refugos decorrentes dos processos da atividade humana.

Enterramento Primário: tratamento ritual de sepultamento do corpo, quando este é


culturalmente preparado e depositado em covas.

Mercantilismo: conjunto de práticas econômicas adotadas pelos estados nacionais e


metrópoles a partir do século XV, visando o acúmulo de riqueza e garantindo maior poder
aos reinos.


42 



GLOSSÁRIO

Monumentalidade: qualidade e característica do que é ou se mostra monumental, a


partir da percepção visual de caráter simbólico que reflete o destaque na paisagem sendo
reflexo do conhecimento técnico e estético dos grupos que conceberam e executaram a
intervenção.

Filiação mítica: vinculação a um conhecimento pelo qual um povo explica aspectos


essenciais da realidade em que vive: a origem do mundo, o funcionamento da natureza
e dos processos naturais. Explica sua ascendência geralmente a partir de heróis
civilizacionais que deram origem a linhagem da qual pertencem.

Horticultores: grupos humanos que, a partir do manejo de alimentos vegetais, baseiam


sua subsistência a partir do cultivo e seleção de espécies importantes na sobrevivência
das sociedades. Os americanos originais deram ao mundo diversos alimentos como o
milho, batata, tomate, mandioca e amendoim, frutos do seu cultivo milenar.

Paleocanais: são importantes feições morfológicas que permitem o entendimento


de sistemas de drenagens antigos, que ao longo dos anos moldaram-se às mudanças
geomorfológicas e ambientais.

Patrimônio Cultural: é o conjunto de valores de possui importância histórica


e cultural para uma sociedade, como a arquitetura, festas, danças, música, manifestações
populares, artes, culinária etc.

Prototupi/Protoguarani: termo oriundo da linguística para designar uma língua ancestral


que deu origem às línguas do tronco Tupi. Na arqueologia é utilizado para classificar os
vestígios materiais característicos desse grupo nas migrações de populações anteriores
aos Tupis e Guaranis históricos.

Sítio Arqueológico: é um local onde foram encontrados vestígios de ocupação humana,


seja esta ocupação antiga ou recente. No Brasil, são protegidos por lei desde 1961.

Tecido Urbano: rede material e funcional que é criada, num dado lugar, pelo efeito
associativo dos edifícios, das infraestruturas urbanas e dos espaços não edificados que
nele existem.

Topônimos: são os nomes próprios de lugares, bem como sua origem e evolução.


 43
RESUMO

A presença humana na ilha de São Luís remonta há pelo menos seis milênios, com
diferentes grupos culturais até o encontro com a expansão europeia. O território era marcado
pela existência de culturas pré-históricas diversas em períodos distintos, desde caçadores
coletores, sucedidos pelos grupos de pescadores coletores que exploravam recursos
marinhos e fluviais, até grupos já aldeados, com cerâmica, horticultura e ferramentas em
pedra e osso. Neste aspecto, os tupinambás foram dominantes no final dos séculos XVI
e início do XVII, sendo dizimados e reduzidos pela ação colonizadora. Mais tarde, com a
formação da cidade, uma nova dinâmica nos moldes ocidentais produziu a expansão do
tecido urbano. Na economia, destacavam-se atividades da agricultura na produção de
algodão e arroz voltadas ao mercado europeu, a transferência forçada de escravos africanos
e os processos subsequentes de miscigenação entre os atores sociais envolvidos. Como
resultado, São Luís, ao longo de quatro séculos, assistiu ao crescimento populacional e
as sucessivas mudanças espaciais, tecnológicas, econômicas e políticas que a levaram à
formação atual. A arqueologia, desde então, procura investigar a dinâmica de vida com seus
suportes socioculturais e reflexos materiais. Estudando o passado mais remoto da cidade e
do seu entorno, trazendo à luz momentos ricos, próprios e diversificados que marcaram a
sua história.


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