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Livro Digital - Conhecendo A Arqueologia de São Luís-MA
Livro Digital - Conhecendo A Arqueologia de São Luís-MA
arqueologia de
arqueologia de São
São Luís
Luís
Deusdédit Carneiro Leite Filho
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ser remixada, adaptada e servir para criação de obras derivadas, desde que com fins não comerciais, que seja atribuído
crédito ao autor e que as obras derivadas sejam licenciadas sob a mesma licença.
46 f.
ISBN: 978-65-89787-55-6
CDU: 902(812.1)
APRESENTAÇÃO
Caro(a) cursista,
Esperamos que você goste deste material e aprenda com ele sobre a arqueologia
de São Luís, sua importância e seus significados para a população ludovicense.
1
Desde 1953 foi estabelecido, por meio de uma convenção de antropólogos, que os nomes dos grupos étnicos do Brasil
seriam grafados no singular e com letra maiúscula inicial em artigos de natureza acadêmica.
SUMÁRIO
RESUMO ......................................................................................................................... 44
REFERÊNCIAS ................................................................................................................ 45
Objetivos:
1.1 Introdução
A presença humana no Maranhão é muito antiga e, em especial na Ilha de São Luís, remonta
a 200 gerações de diferentes grupos que aqui viveram antes do contato com os primeiros europeus.
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A partir dos reinos da Península Ibérica, a expansão mercantilista europeia, com o incremento
das navegações na costa da África e ilhas Atlânticas, desencadeou um processo irreversível de
contato entre esses distintos mundos: um processo de aniquilamento e controle com consequências
desastrosas para as sociedades americanas.
Com a retomada do controle dos portugueses, São Luís, é elevada à sede do Estado
Colonial do Maranhão e é adotado um modelo de planejamento voltado para a implantação do tecido
urbano, por meio de ruas e quadras planejadas pelo engenheiro Frias de Mesquita (DIAS, P. 2004,
p.420). Como pode ser abaixo:
Figura 1 - Planta holandesa da cidade de São Luís no século XVII Johannes Vingboons -1665
Como resultado, no início do século XIX, a cidade de São Luís se tornou um movimentado
porto, com a existência de 20 casas de importação e exportação de origem inglesa e com uma
população de 25 mil habitantes. Observa-se também o aumento do consumo de produtos de origem
inglesa e francesa, que dominavam o mercado mundial com a produção de bens de consumo (louças,
artigos de higiene e toucador, armas, equipamentos etc).
Figura 2 – Vista geral da Rua Portugal em 1908, mostrando a arquitetura dos prédios comerciais e de
moradia de tradição portuguesa
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Esse modo de viver mais citadino, marcado pelo consumo de produtos europeus, vai
caracterizar todo o século XIX até o início do século XX. As sucessivas flutuações da exportação
do algodão e arroz, acentuadas crises, mudanças políticas e principalmente o impacto da abolição
da escravatura vai se refletir no padrão de vida da elite econômica que ainda se redireciona para a
implantação de um parque fabril têxtil.
ATENÇÃO
2 ARQUEOLOGIA PRÉ-COLONIAL
Localizada entre duas grandes baías, São José e São Marcos, a ilha de São Luís está inserida
em um local de confluência de diferentes unidades ambientais, entre a expansão do litoral amazônico
e as áreas mais arenosas e expostas do litoral nordestino, fazendo parte do direcionamento natural dos
grandes sistemas hídricos, oriundos da área continental até o desaguar no mar, conforme apresentado
na Figura 3, a seguir.
Figura 3 – Detalhe da ilha do Maranhão (São Luís) representada em cartografia do século XVII, mostrando a
ocupação inicial dos europeus e os grandes rios que desembocam nas baias de São Marcos e São José
Fonte: Atlas do Brasil. João Teixeira Albernaz, 1640. Disponível em: https://www.brasil-turismo.com/maranhao/
albernaz.htm. Acesso em: 11 set. 2021.
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Essa ambiência possibilitou que grupos humanos antigos tivessem acesso a condições
favoráveis de sobrevivência e permanência nesses territórios. Embora ainda não tenham sido localizados
sítios pré-coloniais de caçadores coletores na ilha propriamente dita, na área continental já foram
encontrados vestígios de fogueiras e artefatos característicos dessas populações, cuja antiguidade
recua até cerca de 9.000 anos antes do presente (CALDARELLI e LEITE FILHO, 2003; BANDEIRA,
2013).
Em alguns locais do litoral brasileiro, o impacto das oscilações climáticas foi decisivo na
composição de ambientes costeiros, havendo significativas mudanças até períodos mais recentes,
como a oscilação da linha de praia até 3.000 anos atrás, quando o mar estaria a 300 metros abaixo do
nível atual.
Desta forma, presume-se que uma grande quantidade de vestígios da exploração destas
regiões esteja atualmente submersa, embora em terra firme, páleo-canais e antigos sistemas de
drenagem tenham sido propícios para ocupação de grupos pré-históricos em áreas mais interioranas
da ilha. (LEITE FILHO, 2010).
ATENÇÃO
Sambaqui
“[...] nos sambaquis é recorrente encontrada parte significativa de restos de alimentação e seus
construtores. E ainda, nesse espaço também foram acumulados artefatos que poderiam ainda estar
sendo utilizados, artefatos quebrados e fragmentos de matéria prima. Também são encontradas
marcas de fogueiras, de habitação e sepultamentos. As fogueiras e restos alimentares indicam que eles
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ATENÇÃO
preparavam suas refeições e descartavam o que delas sobrava no próprio sambaqui. Artefatos (pontas
de osso, lâminas de machado, quebra coquinhos, almofarizes, lascas de quartzo), seus fragmentos e
respectivas etapas de fabricação indicam que eles preparavam muitos dos seus instrumentos no próprio
sítio, ali os utilizavam e os abandonavam. Alguns, diretamente relacionados com a captura de animais,
parecem ter sido abandonados junto com os restos de alimentação; outros foram intencionalmente
dispostos em lugares específicos para ressaltar a importância de determinadas áreas do sambaqui. É
esse material que compõe o sambaqui.”
Pesquisas realizadas nos últimos anos envolvem também análises cuidadosas nas
arcadas dentárias de esqueletos encontrados nos sambaquis do sudeste do país, detectando forte
desgaste em função de produtos derivados de ambientes salinos e calcificações de restos de comida
decorrentes de hábitos alimentares, além da presença de resíduos de amido, o que indica que na
dieta desses grupos já estava incluído o consumo esporádico de tubérculos e vegetais.
Fonte: Arqueologia do Maranhão: TORRES, T.; LEITE FILHO, D.; GASPAR, E. (2008).
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Nesse local observou-se, no setor sul, uma concentração maior de restos cerâmicos, líticos
e faunísticos, achados que somaram mais de 60 mil fragmentos, além de esqueletos em posição fetal
que foram cuidadosamente escavados, consolidados e transportados para estudos em laboratório.
Os dados derivados dessa pesquisa, juntamente com outras realizadas nos últimos 15 anos, serão
decisivos para ampliarmos os conhecimentos sobres as práticas culturais e o espólio material desses
grupos.
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Figura 9 – Conjunto de fragmentos cerâmicos
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Figura 12- Resgate arqueológico das urnas associadas aos grupos prototupis. Detalhe de uma
vasilha cerâmica com decoração interna
Os grupos Tupinambá eram descritos pelos franceses, como ferozes inimigos dos Tremembé,
reocuparam parte da área em meados do século XVI, sendo esses últimos senhores absolutos na ilha
de São Luís, quando os franceses se estabeleceram na região.
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3 ARQUEOLOGIA DO CONTATO
A partir do contato entre culturas diferenciadas, seja por meio da conquista ou do
estabelecimento de trocas comerciais, ocorre a sobreposição ou a influência de valores próprios de
cada grupo culturalmente estabelecido. Assim, a arqueologia de contato vai estudar os processos
decorrentes desses encontros, suas narrativas e o reflexo nas práticas culturais observado na herança
material.
Falaremos também sobre como este processo se deu com o encontro do europeu e os
indígenas que ocupavam a ilha de São Luís. Você já se perguntou como era a vida destes indígenas e
o que aconteceu com estas populações? Descubra no texto abaixo.
Os povos indígenas conhecidos como Tupinambá habitavam uma grande parte da faixa
litorânea do Brasil, razão pela qual também são os mais descritos pelos cronistas que estabeleceram
os primeiros contatos. Essa denominação era aplicada a grupos de padrões linguísticos e culturais
aparentados, que por sua vez dividiam-se em áreas territoriais distintas. Nos séculos XVI e XVII,
viajantes deixaram, de forma detalhada, uma grande variedade de relatos que documentam a partir
das visões eurocentristas e dos códigos subsequentes, o modo de vida dos falantes de língua tupi-
guarani e suas práticas culturais mais evidenciadas (Figura 14).
Figura 14 - O Encontro dos franceses com o líder Tupinambá paramentado com o manto de penas
de guará
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As aldeias indígenas na Ilha de Upaon-Açu eram descritas como estruturas, contendo um
grande pátio central quadrado, com casas distribuídas em seu entorno. As edificações apresentavam
características e técnicas construtivas próprias, utilizando madeiras de lei e palhas criteriosamente
selecionadas e adaptadas às condições climáticas equatoriais. Abbeville (2002) descreve uma aldeia
contendo quatro cabanas, dispostas em um terreiro ou praça central, construídas de troncos grossos
de madeira e cobertas de cima a baixo com folhas de palmeiras (Figura 15). As casas mediam de vinte
e seis a trinta pés de largura de duzentos a quinhentos pés de comprimento, segundo o número de
pessoas que nela habitam. As mesmas características ainda seriam registradas durante a ocupação
holandesa da região, trinta anos depois, quando a permanência Tupinambá estava praticamente
extinta.
Fonte: Cartilha de Educação Patrimonial do CPHNA-MA. TORRES, T.; LEITE FILHO, D.; GASPAR, E. (2008).
O interior da maloca era delimitado em duas partes distintas, à direita e a esquerda, sendo as
mesmas subdivididas e denominadas pelos tupinambás de ok [oca] ou cherok [cheroca] que significa
“meu canto, minha morada” (D’ÉVREUX, 2009). Cada unidade familiar obedecia a um líder, que por
sua vez reconhecia uma liderança principal, representante de toda a grande casa e seus habitantes.
Tais moradias não possuíam janelas, apresentando aberturas de acesso ao seu interior. O
espaço era subdividido entre famílias, sem uma divisória física clara, onde a disposição dos pertences
como redes de dormir, objetos de uso pessoal (adornos, armas, amuletos) e utensílios familiares (cestos,
potes, instrumentos) estabelecia hierarquias simbólicas e o uso racional dos espaços.
A preparação dos alimentos era tarefa das mulheres, que dispunham de um conjunto de
recipientes cerâmicos, raladores em suporte de madeira e colheres usados na preparação de beijus,
farinhas, carnes e peixes.
A guerra também assumia função essencial na manutenção dos territórios de caça e áreas
de exploração no entorno das aldeias, sendo essencial na manutenção dos valores da sociedade
Tupinambá. O sociólogo Florestan Fernandes, apoiado na leitura minuciosa dos relatos de cronistas
e viajantes, realizou um trabalho inédito de compilação, comparação e análise dos diversos aspectos
econômicos e culturais que caracterizaram a sociedade Tupinambá.
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Estudos apontam a vingança como elemento base de toda a estrutura sociocultural dessas
sociedades, destacando-se a guerra e rituais dela derivados, encenação e diálogos que antecedem o
sacrifício e as práticas de consumo cerimonial da carne dos prisioneiros.
Estas últimas horrorizaram os europeus, que as apontaram como argumento para promover
a deliberada eliminação dos que se recusaram a aceitar o cristianismo ou resistiram à escravização.
Entretanto, a atuação de todo o processo de colonização das Américas foi marcada paradoxalmente
pela violência, aniquilação e massacre de grande parte das sociedades nativas que resistiram ao
avanço dos interesses dos colonizadores e seus descendentes.
Figura 16 – Gravuras em metal de Theodore de Bry a partir das descrições de Hans Staden, que
foi prisioneiro dos Tupinambás e de Jean de Lery. Aldeia Tupinambá. Dança ritualística Tupinambá.
Cerimônia de aniquilação do prisioneiro. Preparação da cauinagem
Fonte: Gravuras de Theodor de Bry (Americae Tertia pars Memorabile Provincial Brasiliae ... (Frannkfurt
1592). In: Júlio Bandeira (2006).
Na visão religiosa Tupinambá, a alma do morto deve trilhar uma longa jornada, superando
perigos até chegar à casa do pai grande, onde a caça abundante era trazida espontaneamente e
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dançava-se e bebia-se cauim em harmonia com os guerreiros ancestrais. Os tupinambás representam
esse paraíso como um lugar prazenteiro, recoberto de florestas e regado por maravilhoso rio, em cujas
margens se viam enormes árvores. A Terra sem mal. (METRAUX, 1979).
Os significados etimológicos referentes aos nomes das aldeias (Figura 18) foram, transcritos
com a colaboração de intérpretes franceses que já mantinham um contato maior com os Tupinambás.
O significado dos topônimos em tupi antigo foi assim descrito: Timboú (raiz de árvore que serve
para embriagar peixe); Tapari (tapada ou curral, camboa de peixe); Carnaupió (derivado da árvore
carnau); Euaíne (água velha ou água turva); Itaendaue (largo de pedra); Araçuí-Ieuue (um pássaro);
Pindotuue (folhas de palmeira); Uatimbup (raiz de timbó); Juniparã ( jenipapo amargo); Toroiepeep
(calçado); Januarém (cão fedorento); Uarapirã (cova vermelha); Coieup (cabaça que serve de prato);
Eussauap (lugar onde se come caranguejo); Maracanã pisip (grande ave); Taperuçu (aldeia grande
e velha); Torupé (beberagem); Aqueteuue (praça de peixe); Caranavue (palmeira); Ieuireé (pernas
finas); Eucatu (água boa); Jeuireé (a pequena); Uri Uaçueupé (lugar onde existe macorãns (peixes);
Maiue ou Maioba ( folhas compridas e largas); Pacuri euue (árvore do bacuri); Euapar (água torcida);
Meuroti euue (árvore da palmeira) (In: ABBEVILLE, 2002, p.186-88).
Figura 18 – Aldeias Tupinambás da Ilha de São Luís no período do contato com os Franceses
Fonte: Abbeville, 1980. Composição: Leite Filho, Gaspar, Portela. 2021. CPHNA-MA.
Figura 19 – Representação artística dos principais locais assinalados pelos cronistas franceses, com
destaque para os fortes, atracadouros e aldeias tupinambás
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Um exemplo da herança indígena marcada no imaginário maranhense fica explicitado pela
poesia do poeta indianista Gonçalves Dias, que resgatou fragmentos dos rituais e práticas culturais
dos grupos Tupis e Jês na sua produção poética como destacamos a seguir:
Um dos testemunhos materiais que se mantém desde a época dos Tupinambás são os
currais de pesca de alvenaria em pedras sobrepostas, usados para apreensão de peixes que ficavam
impedidos de retornar ao mar quando a maré descia (Figura 20). Tais sítios, conhecidos como camboas,
são ainda observados em diversas praias ao sul da ilha e também em algumas praias dos municípios
costeiros, uma vez que a sua relativa integridade foi mantida pelos pescadores de gerações posteriores
que ainda os usam, haja vista o potencial pesqueiro desses locais.
4 A DINÂMICA E A CONSOLIDAÇÃO DO
ESPAÇO URBANO
Não era a cidade de São Luís cousa de consideração, se não mais que uma fortaleza cercada
de um muro grosso para a banda do rio Mony que encerra o Colégio, e por banda da rua
ia fechando com um portão feito pelos primeiros conquistadores, com umas poucas casas
espalhadas por várias ruas pouco povoadas; mas depois da expulsão dos Holandeses, foi
crescendo pouco a pouco, tanto para este como para o sul, que hoje é uma cidade bastante,
com mais de seiscentas famílias. (BETENDORF, 2010. p.19).
Como relatado, a ocupação da Ilha de São Luís por europeus se deu de forma lenta, a partir
da expulsão dos franceses e do estabelecimento efetivo da colonização portuguesa, contando com a
presença de efetivos militares e administrativos acrescidos pela vinda de famílias açorianas no início
do século XVII. O planejamento da implantação urbana com arruamentos e quadras padronizadas foi
fielmente executado e controlado pela ação da câmara.
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Figura 21 – Vista da cidade de São Luís elaborada durante a ocupação holandesa
Figura 22 – Representação de gato Maracajá, tatu, preguiça e macacos do século XVII. Organizados
pelo Frei Cristóvão de Lisboa
Fonte: História dos Animais e Árvores do Maranhão, Arquivo Histórico Ultramarino e Centro de Estudos
Históricos Ultramarinos. Lisboa (1967).
Tal fato ocasionou um considerável aumento populacional e o surgimento de uma elite que
redefiniu o parcelamento do solo urbano, expandindo a quantidade e dimensão dos lotes, assim como
maior elaboração dos padrões construtivos, primando por maior sofisticação. Paralelamente, ocorreram
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mudanças nos hábitos de consumo da época, influenciados pela grande oferta de bens de origem
inglesa, produzidos e comercializados em larga escala, refletindo padrões sociais economicamente
definidos.
Figura 24 – Vista do antigo Porto da Praia Grande, área atualmente aterrada. Cartão postal com
imagem da Praça João Lisboa
A arqueologia deste novo período vai ser influenciada pelo estudo dos processos de
circulação, produção e consumo de bens que marcaram a história cotidiana das sociedades recentes.
Assim, a presença de construções, o esforço empregado na sua criação, as dinâmicas de seu uso e
sua inserção na paisagem constituem-se tópicos significativos do processo histórico vivenciado ao
longo do tempo.
SAIBA MAIS
Arqueologia Histórica
A definição de arqueologia histórica que está emergindo, atualmente, é a que a define como
o estudo arqueológico dos aspectos materiais, em termos históricos, culturais e sociais
concretos, dos efeitos do mercantilismo e do capitalismo que foi trazido da Europa em
fins do século XV e que continua até hoje. Obviamente, vista desta maneira, a arqueologia
histórica abrange um campo com interesses amplos. Como arqueologia, contudo, a maior
atenção da arqueologia histórica refere-se às manifestações materiais do mundo, em
rápida transformação, posterior a cerca de 1500 d.C. Temas que a arqueologia histórica
pode estudar incluem os tipos de artefatos traficados pelos indígenas, as mudanças sociais
acarretadas nas sociedades indígenas graças à introdução de objetos materiais europeus,
os assentamentos e a cultura de africanos escravizados, a arquitetura e as plantas dos
fortes europeus e das cidades coloniais, a relação entre artefatos e classes econômicas
entre trabalhadores urbanos, imigrantes, e assim por diante.
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além das questões científicas e acadêmicas, a carta de Veneza, desde 1966, demanda a execução de
estudos arqueológicos antecedendo intervenções em bens de caráter histórico.
O trabalho também resultou no mapeamento das atividades de descarte nas ruas do Centro
Histórico da cidade (Figura 26), recuperando objetos e fragmentos de materiais descritos em fontes
históricas e revelando as práticas de consumo da sociedade da época. Pesquisas históricas apontam a
importância da leitura de aspectos do cotidiano em associação à cultura material, tais como a análise
de inventários e testamentos de São Luís do século XVIII (MOTA, et al.,2001).
Tal configuração histórica propiciou a criação de uma identidade local própria, manifestada
no diversificado patrimônio cultural maranhense. O processo atualizou a construção de cenários
variados na cidade, onde percebe-se, ainda hoje, resquícios da realidade de outrora, quando se
verificavam uma série de contrastes evidenciados na dinâmica da vida cotidiana da cidade.
Em 2006, um sobrado na Rua do Giz foi recuperado para abrigar a então Casa França-
Maranhão no Centro Histórico (Figura 27), inaugurando a prática arqueológica associada a intervenções
restaurativas em áreas urbanas da cidade. As escavações resgataram um diversificado conjunto de
objetos domésticos de uso pessoal, utilitário e decorativo.
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Figura 27 – Escavação no pátio do sobrado colonial. A seguir, conjunto restaurado de faiança inglesa
e coleção de cachimbos
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SAIBA MAIS
Cultura Material
Por cultura material, poderíamos entender aquele segmento do meio físico que é
socialmente apropriado pelo homem. Por apropriação social convém pressupor que o
homem intervém, modela, dá forma a elementos do meio físico, segundo propósitos e
normas culturais. Essa ação, portanto, não é aleatória, casual, individual, mas se alinha
conforme padrões, entre os quais se incluem os objetivos e projetos. Assim, o conceito
pode tanto abranger artefatos, estruturas, modificações da paisagem, como coisas
animadas (uma sebe, um animal doméstico), e, também, o próprio corpo, na medida em
que ele é passível desse tipo de manipulação (deformações, mutilações, sinalações) ou,
ainda, os seus arranjos espaciais (um desfile militar, uma cerimônia litúrgica).
Para analisar, portanto, a cultura material, é preciso situá-la como suporte material, físico,
imediatamente concreto, da produção e reprodução da vida social.
(MENESES, U.B., 1983.p.112).
A extensa história humana e cultural dos povos que habitaram ao longo do tempo a Ilha
de São Luís encontra-se impressa nos vestígios arqueológicos que sobreviveram às ações do tempo.
Sua importância é imprescindível para o melhor entendimento do passado e presente de todos que
trilharam os caminhos de pedra e solo que compõe a essência da cidade de São Luís.
Sugestões de Filmes
HANS STADEN. Direção: Luiz Alberto Pereira. Produção: Luiz Alberto Pereira. Rio de Janeiro: Riofilme,
1999. DVD
MEMÓRIA DE PEDRA. Direção: Marcus Saldanha. Produção: Marcus Saldanha e Jacelena Dourado.
Youtube, 2018. 1 vídeo (43 min e 45 seg). Disponível https: //www.youtube.com/watch?v=jBL56sM-
F6k. Acesso em: 22 ago. 2021.
COMO ERA GOSTOSO O MEU FRANCÊS. Direção: Nelson Pereira dos Santos. Produção: Condor
Films. Brasil: New Yorker Films, 1973.
UMA HISTÓRIA DE AMOR E FÚRIA. Direção: Luiz Bolognesi. Produção: Gullare e Buriti Films. Brasil:
Europa Fims, 2013. YouTube.
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Sugestão de Sites
https://www.itaucultural.org.br/projetos/arqueologia/
http://casas.cultura.ma.gov.br/portal/cphna/
https://www.instagram.com/museu.cphnama/
https://imirante.com/oestadoma/noticias/2019/08/23/programa-visita-o-centro-de-pesquisa-de-
historia-natural-e-arqueologia-do-maranhao/
https://imirante.com/oestadoma/noticias/2021/09/08/dos-tambores-a-pre-historia-os-museus-
que-contam-alem-dos-409-anos-de-historia-de-sao-luis/
https://oimparcial.com.br/noticias/2021/09/upaon-acu-1a-terra-indigena-do-maranhao/
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GLOSSÁRIO
Antes do Presente (AP): marcação do tempo usada como referência do ano de 1950,
ano da oficialização da descoberta do carbono 14.
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GLOSSÁRIO
Tecido Urbano: rede material e funcional que é criada, num dado lugar, pelo efeito
associativo dos edifícios, das infraestruturas urbanas e dos espaços não edificados que
nele existem.
Topônimos: são os nomes próprios de lugares, bem como sua origem e evolução.
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RESUMO
A presença humana na ilha de São Luís remonta há pelo menos seis milênios, com
diferentes grupos culturais até o encontro com a expansão europeia. O território era marcado
pela existência de culturas pré-históricas diversas em períodos distintos, desde caçadores
coletores, sucedidos pelos grupos de pescadores coletores que exploravam recursos
marinhos e fluviais, até grupos já aldeados, com cerâmica, horticultura e ferramentas em
pedra e osso. Neste aspecto, os tupinambás foram dominantes no final dos séculos XVI
e início do XVII, sendo dizimados e reduzidos pela ação colonizadora. Mais tarde, com a
formação da cidade, uma nova dinâmica nos moldes ocidentais produziu a expansão do
tecido urbano. Na economia, destacavam-se atividades da agricultura na produção de
algodão e arroz voltadas ao mercado europeu, a transferência forçada de escravos africanos
e os processos subsequentes de miscigenação entre os atores sociais envolvidos. Como
resultado, São Luís, ao longo de quatro séculos, assistiu ao crescimento populacional e
as sucessivas mudanças espaciais, tecnológicas, econômicas e políticas que a levaram à
formação atual. A arqueologia, desde então, procura investigar a dinâmica de vida com seus
suportes socioculturais e reflexos materiais. Estudando o passado mais remoto da cidade e
do seu entorno, trazendo à luz momentos ricos, próprios e diversificados que marcaram a
sua história.
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REFERÊNCIAS
BANDEIRA, A.M.; BRAND, R. A.; ROGENS, B.; SANTOS, G.; LABRADOR, B.; NERY, Y. Sistema
de Assentamentos no Sítio Salvarterra 2 – Baixo Itapecuru-Bacabeira-Maranhão. In: TARAIRIÚ.
UEPB. Campina Grande, Ano. IV, v. 1, número 6. Revista Eletrônica do Laboratório de
Arqueologia e Paleontologia. 2013.p. 139-157.
D’EVREUX, Pe. Yves. História das coisas mais memoráveis ocorridas no Maranhão nos
anos de 1613 e 1614. Rio de Janeiro: Fundação Darcy Ribeiro, 2009. 465p.
DIAS, G. I Juca-Pirama seguido de Os Timbiras. L&PM. Porto Alegre, 2007. 104p. 534p.
45
LEITE FILHO, D. C. Ocupações pré-coloniais no litoral e nas bacias lacustres do Maranhão. In:
PEREIRA, E; GUAPINDAIA, V.(org). Belém: MPEG-IPHAN-SECULT, 2010.
LETE FILHO, D.C; PEREIRA, A.; GASPAR, E.; FIGUEIREDO, D.; MEDEIROS, M. A. Centro de
Pesquisa de História Natural e Arqueologia do Maranhão: conhecendo, valorizando e
preservando o patrimônio cultural maranhense. São Luís: Gov. do Maranhão-SECMA, 2013. 66p.
LISBOA, F.C. História dos Animais e Arvores do Maranhão. Arquivo Histórico Ultramarino e
Centro de Estudos Históricos Ultramarinos. Lisboa, 1967. 194p.
MÉTRAUX, A. A religião dos Tupinambás e suas relações com a das demais tribos tupi-
guaranis. 2. ed. Nacional/EdUSP: São Paulo, 1979. 225p.
NORBERTO, Antônio (org.). França Equinocial – Uma história de 400 anos em textos,
imagens, transcrições e comentários. São Luís, 2012. 215p.
ORSER Jr. C.E. Introdução à arqueologia histórica. Belo Horizonte: Oficina de Livros, 1992.
p.142.
SILVEIRA, S.E. Relação Sumária das Cousas do Maranhão. São Luís: Edições AML, 2013.
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