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FACULDADE DE LETRAS
PROFESSOR: LEONARDO LENNERTZ MARCOTULIO
(DRE: 115089298)
Rio de Janeiro
29 DE NOVEMBRO DE 2017
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(DRE: 115089298)
Rio de Janeiro
29 DE NOVEMBRO DE 2017
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01) INTRODUÇÃO
No estudo sobre a história de uma língua, ter contato com textos produzidos em
outras épocas é essencial, pois isso permite que se tenha acesso ao estágio de uma
determinada língua em um período em questão. No caso do português, para que se tenha
acesso ao seu estágio de desenvolvimento durante o período medieval, é fundamental que se
tenha contato com as cantigas galego-portuguesas, textos de origem oral e que eram
marcantes na sociedade da região da Península Ibérica em que o português se desenvolveu
inicialmente como língua. Compiladas em diferentes cancioneiros e em diferentes momentos,
estas cantigas chegaram até os dias de hoje por meio de três fontes principais: o Cancioneiro
da Ajuda (compilado no final do século XIII), o Cancioneiro da Biblioteca Nacional
(compilado no início do século XVI) e o Cancioneiro da Vaticana (compilado entre o final do
século XV e o início do XVI). No trabalho abaixo, com o objetivo de se comparar a forma de
fixação da língua nestes diferentes cancioneiros, serão apresentados aspectos que se
contrastam entre os três através da cantiga “A dona que home” de Paio Gomes Charinho.
Objetiva-se, com esta comparação, a formação de uma boa base sobre o estudo do português
medieval. Para isto, em um primeiro momento, serão realizadas edições diplomáticas e
semidiplomáticas de cada um dos testemunhos analisados para, em um segundo momento, se
analisarem as questões paleográficas e em um terceiro momento as questões fonético-
fonológicas.
07) A nasalidade de natureza vocálica presente na palavra foi transcrita como um til
<uã>;
08) Os recursos abreviativos foram adaptados da seguinte maneira:
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10) o traço abreviativo presente em palavras como foi transcrito como: <ϼ>
11) o traço abreviativo presente em palavras como foi transcrito como: <q’ria>
12) o recurso abreviativo presente em palavras como foi transcrito como “9”:
<u9>;
{a}
Dona que
ome ſennoꝛ
l) o traço abreviativo presente em palavras como foi transcrito como “de'”: <
d'eite >;
A ho
dona que mi senhor deuia
con dereyta chamar per boa fe
me9 amig9 direi u9 eu quen e
hunha dona q’ eu ui noutro dia
enon lhousey mays datanto dizer
mays quena uiße podeßentender
todo seu ben senhora chamaria
10) Inseriu-se quebra de linha entre as estrofes, que foram delimitadas através da presença
das letras capitulares omitidas no testemunho original.
01) Esta edição semidiplomática se destina a leitores que pesquisem, trabalhem ou estudem
com a lírica medieval através das classes de Poesia Portuguesa oferecidas pelo curso de
graduação da UFRJ;
02) No que se refere à transcrição, com relação à edição diplomática que também foi
realizada para este trabalho realizou-se:
a) A unificação dos alógrafos de <r> e <s>;
b) A substituição do alógrafo “ծ” pelo alógrafo “d”, por se assemelhar mais ao grafema
<d>;
c) A substituição do grafema <u> por <v> quando representava a fricativa labiodental
sonora /v/;
d) A eliminação do grafema <y> e de sua variante “ẏ” e transcrição como <i> na
representação de vogais e semivogais;
e) A eliminação do grafema <h> na representação do fonema /i/ e consequente
substituição por <i>;
f) A eliminação do grafema <u> das elisões em que figurava como um apoio à junção de
uma consoante oclusiva velar com uma vogal palatal, como em “logueu”;
03) As abreviaturas no texto foram desenvolvidas e optou-se por sinalizar as sequências
desenvolvidas por meio do uso do itálico; as únicas abreviaturas não desenvolvidas são as
que indicam nasalidade;
04) Inseriu-se um apóstrofe (’) nos casos de elisão vocálica;
05) Inseriu-se um hífen (-) em contextos nos quais o pronome se encontrava em posição
enclítica;
06) Normatizou-se, de acordo com o padrão ortográfico do português moderno: a) a
segmentação e a junção de palavras; b) a acentuação; c) o uso de maiúsculas e
minúsculas, e d) a pontuação;
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10) Deu-se preferência por mudar a grafia de “hunha” por “uã” devido à forma com que esta
palavra se apresenta no Cancioneiro da Ajuda;
11) Optou-se pelo não uso das letras capitulares;
O primeiro fator que chama a atenção de um leitor, até mesmo de um leitor leigo e
que não tenha conhecimentos sobre a área da filologia e da crítica textual, é que os três fac-
símiles apresentam estruturações textuais bem distintas, com o testemunho do Cancioneiro da
Ajuda sendo o que mais se diferencia dos demais. Primeiramente, é possível notar que este
testemunho apresenta sete versos a mais que os presentes no Cancioneiro da Biblioteca
Nacional e da Vaticana.
No testemunho da cantiga de Paio Gomes Charinho presente no Cancioneiro da
Ajuda, também é possível notar uma segmentação bastante incomum dos versos que se
apresentam como sendo da primeira estrofe nos outros testemunhos. Há um espaçamento
maior entre os primeiros versos deste cancioneiro se comparado aos demais versos e isso se
deve a uma possível não finalização deste testemunho por parte do copista. Como se sabe, as
cantigas presentes neste e nos outros cancioneiros são de tradição oral e eram um fator
bastante marcante da cultura galego-portuguesa no período medieval. Como indicado pelo
próprio nome, as cantigas eram compostas para serem cantadas e, por isso, pode-se especular
que os espaços existentes entre os versos da primeira estrofe deste fac-símile seriam
preenchidos com as partituras desta cantiga como forma de se fixar para os futuros leitores
daquele cancioneiro não só o conteúdo textual daquela cantiga, como também sua
organização melódica.
Ainda com relação a este fac-símile, duas outras características o diferenciam dos
demais: a presença da pontuação e a ausência de letras capitulares no início de uma nova
estrofe. Com relação à pontuação, se pode perceber, na primeira estrofe, que sua função é
delimitar os versos presentes na cantiga, dado que, diferente dos demais testemunhos, ao
menos na primeira estrofe, este não apresenta o recurso de apresentar os versos ordenados um
abaixo do outro e sempre em linhas diferentes, ou seja, não apresenta a divisão padrão na
separação entre versos de cantigas e poemas dos dias de hoje. Entretanto, embora seja
possível perceber que a pontuação possui esta função na primeira estrofe, também se pode
perceber que os dois primeiros versos deste testemunho se apresentam sem esta pontuação ou
sem quaisquer outros recursos de separação, o que indica que se apresentam unidos. No
entanto, não se pode atestar o real motivo para isto ocorrer, dado que a ausência de separação
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pode ser por erro do copista ou não. Na ausência de uma explicação segura sobre o motivo
desta ausência de pontuação, se dá preferência, neste trabalho, apenas por citar esta
característica do testemunho do Cancioneiro da Ajuda. Da pontuação presente nas outras
estrofes, comentar-se-á em um momento posterior.
Já com relação à ausência de letras capitulares, a explicação é mais simples. Em uma
análise mais detalhada do fac-símile em questão, bem como em uma análise mais detalhada
da edição diplomática para este testemunho realizada neste trabalho, se pode notar a presença
de letras sobrescritas no início do primeiro verso de cada estrofe. Um leitor mais atento
consegue perceber que estas letras são, respectivamente, “a”, “c”, “e”, “e” e “e”. A presença
de tais letras sobrescritas se deve ao fato de que, no ato de fixação de um texto em um suporte
gráfico, no período histórico em questão, havia a presença de mais de um escriba/copista na
realização de uma determinada cópia. Isso porque os escribas realizavam funções diferentes
na fixação de um texto e possuíam habilidades diferentes. Havia o escriba que transcrevia o
texto, assim como o escriba responsável por fazer as letras capitulares. Em uma busca por
textos medievais realizadas na internet, se pode perceber que estas letras capitulares eram
bem ornamentadas e desenhadas no período referente à Cancioneiro da Ajuda. Estas letras
eram um recurso artístico presente nos textos e, por isso, precisavam ser feitas com cuidado.
Não era qualquer escriba que sabia fazê-las e por isso havia essa divisão. No entanto, como já
mencionado com relação às partituras, tal testemunho não está finalizado e se pode formular
uma hipótese de que o copista responsável pela transcrição do texto, em seu ato de fixação,
transcreveu as letras inicias de cada estrofe sobrescritas como uma maneira de deixar
marcado, para o segundo copista, quais letras capitulares deveriam ser desenhadas ao início de
cada estrofe.
Com relação à estrutura textual dos testemunhos do Cancioneiro da Biblioteca
Nacional e do Cancioneiro da Vaticana, se pode dizer que são bastante semelhantes. Os dois
apresentam uma divisão dos versos em estrofes, com estrofes que se se organizam da mesma
maneira se comparados os testemunhos. Entretanto, para mostrar que os dois fac-símiles
apresentam diferenças, se pode dizer que as letras capitulares presentes no Cancioneiro da
Vaticana apresentam o mesmo tamanho ao longo da cantiga, enquanto que no testemunho da
Biblioteca Nacional, a letra capitular que inicia a cantiga é maior que as demais.
Ainda que a letras capitulares estejam ausentes no Cancioneiro da Ajuda, se pode
dizer que o espaço destinado a elas apresenta diferença de tamanho, o que indica que este
testemunho apresenta recurso semelhante ao do Cancioneiro da Biblioteca Nacional de
apresentar a primeira letra capitular como a maior.
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3.2) ALOGRAFIA
como “ſenhor” ( ), mantendo o “ſ”, mas sendo escrita com “nh” (mas disso, falar-se-á
depois). Enquanto que no Cancioneiro da Vaticana, a mesma palavra é escrita como “senhor”
( ). Nestes exemplos, nota-se que “s” (mais conhecido como “s” de dupla curva, “s”
redondo” ou “s” sigmático) e “ſ” (mais conhecido como “s longo”) são alógrafos de <s>.
Ainda com relação ao grafema <s>, em palavras que apresentam o duplo “s” (“ss”) é possível
perceber, no Cancioneiro da Vaticana, que este se materializa como “ß” (alógrafo que se
assemelha bastante a um dos grafemas do alfabeto alemão atual), em palavras como o verbo
Outro caso de alografia diz respeito ao grafema <d>, que nos testemunhos pode
variar entre um “d” reto e um “ծ” uncial. No Cancioneiro da Ajuda, se pode notar que o
alógrafo “d”, pode-se notar que este aparece em palavras como “perder” ( ), “guardei”
“máteu” ( ). Uma boa leitura da cantiga se faz necessária justamente para que não se
cometa o erro de se fazer uma má leitura destes traços abreviativos, porque, principalmente no
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caso do último cancioneiro mencionado, as palavras “nó” e “tá”, poderiam ser interpretadas,
por um leitor do século XXI, como significando “enlaçamento de cordas”, devido a existência
da palavra “nó” e como “conjugação do verbo estar”, devido a forma atual “tá” proveniente
de “está”.
O grafema <i> também apresenta mais de uma forma de materialização quando os
três testemunhos são comparados. Sua forma pode variar entre um “i”, um “y” e um “ẏ”.
Antes de seguir com a exemplificação, é necessário dizer que há um pingo acima do alógrafo
“ẏ” devido à “assimilação" de traços do “i”, que apresenta um pingo e também representa um
som vocálico. No Cancioneiro da Ajuda, é possível encontrar três alógrafos de <i>, têm-se “i”
com “i”, aparecem com “y”. É o caso de “aſſy” ( ) e “mays” ( ). Já o alógrafo “i”,
( ); o alógrafo “y” também pode ser visto em: “ſſeyo” ( ) (que aparece com pingo
usado em palavras como: “maẏs” ( ) (que por se apresentar de duas formas no mesmo
É importante destacar também o caso do grafema <s>, que poderia representar um som
surdo em contextos mais gerais e um som sonoro em um contexto intervocálico como ainda
ocorre no português moderno. Também é possível, em comparação com o português
brasileiro moderno, perceber que o grafema <l> sempre representava uma consoante lateral
alveolar e nunca uma semivogal posterior /w/.
O som representado pelo grafema <z>, bem como o representado pelo grafema <ch>
merecem ser mais bem analisados na tabela. Antes de prosseguir com a leitura, por fim, é
fundamental ressaltar a presença do grafema <y> no português medieval e sua dupla
representação fonológica: vogal /i/ e semivogal /j/.
Nos três fac-símiles analisados neste trabalho, outro fator referente ao modo de
fixação dos três cancioneiros chama bastante à atenção: a segmentação e a junção de algumas
palavras. Tal característica destes textos dificulta ainda mais sua leitura por parte de um leitor
moderno, dado que prejudica o entendimento sobre a real fronteira entre as palavras e gera,
como consequência, um obstáculo para o entendimento da mensagem da cantiga.
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apresenta a elisão da vogal “o” do pronome “quando” e que está presente nos Cancioneiros da
Biblioteca Nacional e Vaticana.
Partindo de exemplos presentes no Cancioneiro da Ajuda e com os alógrafos
presentes neste testemunho, têm-se: “llouſeẏ” (junção do pronome “lhe” + verbo ousar (na
forma ousei) com elisão da vogal “e” do pronome “lhe”), poծeſſen tender” (junção do verbo
poder (na forma pudesse) + “entender” com elisão da vogal “e” da última sílaba de
“pudesse”), “ծereit e” (elisão da vogal “o” da palavra “dereito”), “ſoubeu” (junção do verbo
saber (na forma soube) + pronome “eu” com elisão da vogal “e” da última sílaba de “soube”),
“mendauerria” (junção do pronome “me” + pronome adverbial anafórico “ende” (com elisão
da última vogal “e” + verbo haver (na forma “haveria”)), “comeu” (junção da conjunção
“como” e do pronome “eu” com elisão da vogal “o” da última sílaba de “como”), “coꝛp e”
(elisão da vogal “o” da última sílaba da palavra “corpo”), “manteu” (junção do pronome “me”
(com elisão da vogal “e”, do pronome “ante” (com a vogal “e” também elidida) e do pronome
“eu”), “toծaqueſto”, “log eu” (elisão da vogal “o” da última sílaba da conjunção “logo”) e
“menծeu” (junção do pronome “me” (com a vogal “e” elidida), + pronome “ende” (com a
última vogal “e” elidida) + pronome “eu”).
No Cancioneiro da Biblioteca Nacional, têm-se: “lhouſei”, “poծeſſentenծer”, “ծeite”,
“ſoubeu”, “quātomenծaueiria”, “comeu”, “coꝛpe”, “toծaqſto”, “māteu”, “logueu”.
No Cancioneiro da Vaticana, têm-se: “lhousey”, “podeßentender”, “deíte”, “soubeu”,
“quantomendauerria”, “comeu”, “ocorpe”, “todaqſto”, “máteu”, “logueu”.
caso de omissão de grafemas. Para aclarar a explicação, é necessário reafirmar que tais textos
eram fixados nos cancioneiros por meio do trabalho de copistas. Trabalho este que era manual
e que, como qualquer outro trabalho que dependa da atividade humana, é passível de erro. O
copista pode, por distração, por exemplo, ter se esquecido de transcrever o grafema <r>
presente na primeira sílaba do verbo “guardar”, o que gerou essa dupla grafia.
Outro fator que chama bastante atenção quando se trabalha com textos medievais é o
polimorfismo gráfico, isto é, a presença de mais de uma maneira de escrever uma determinada
palavra. No entanto, antes de prosseguir com a exemplificação de polimorfismo gráfico nos
testemunhos referente à cantiga de Paio Gomes Charinho, é necessário fazer algumas
pequenas observações sobre o porquê da grafia das palavras dos textos medievais serem tão
variáveis.
Primeiro, é necessário mencionar que o número de pessoas que liam e escreviam no
início da Idade Média era bastante limitado e que a maior parte dos textos escritos nesta época
e que se conservaram até os dias de hoje, eram escritos por pessoas que, de alguma forma,
trabalhavam na atividade de escrever textos, no caso das cantigas, os copistas/escribas.
Estes copistas, monges beneditinos com bom conhecimento em latim, possuíam a
tarefa de fixar textos em um período de início de consolidação das línguas romance, ou seja,
das línguas modernas que provieram do latim, mas sem quem tivessem muitos exemplares
escritos desta nova modalidade de língua escrita no qual pudessem se basear. Por isso,
precisavam buscar, no ato de fixar textos, meios de escrever que se adaptassem as novas
realidades linguísticas e que não estavam presentes no latim. A criatividade fazia parte do
trabalho desempenhado por estes profissionais. Isto gerava uma multiplicidade de formas de
representação de um mesmo fenômeno linguístico não só ao se comparar a escrita de copistas
diferentes, como também ao se comparar a escrita de um mesmo copista e por isso surgem os
casos de polimorfismo gráfico mencionados. Há ainda que se citar os casos de erro ou
distração dos copistas e que já foram mencionados no capítulo sobre omissão de grafemas.
Por fim, vale mencionar que tal polimorfismo podia ocorrer em diferentes níveis,
seja pela existência de alografia, seja pela junção ou segmentação de palavras, seja pelo uso
de abreviaturas. Se comparados os exemplos presentes no Cancioneiro da Ajuda, têm-se
polimorfismo em: “ſennoꝛ” / “ſēnoꝛ”, “peꝛ” / “ϼ”, “non” / “nȯ”, “guardar”/ “guadar”, “ben” /
“bē”, “mais” / “mas” . No Cancioneiro da Biblioteca Nacional, têm-se polimorfismo em:
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3.8) PONTUAÇÃO
3.10) ABREVIATURAS
As abreviaturas são um recurso bastante usado nos textos medievais e geram uma
grande dificuldade de leitura no leitor moderno, o que torna a compreensão dos textos
bastante trabalhosa. Tais recursos abreviativos são diversos e podem dar-se por meio de
diferentes recursos gráficos. Nos três testemunhos analisados neste trabalho é possível
encontrar três tipos de recursos abreviativos: o traço geral abreviativo, o uso de signos
particulares e o de letras sobrepostas.
Como já indicado pelo próprio nome, o traço geral abreviativo se dá através da
realização de pequenos traços ou pontos ao redor de uma dada palavra, seja este traço
realizado na parte inferior, superior, esquerda ou direita da palavra em questão. O uso de
signos particulares diz respeito a signos específicos utilizados na abreviatura de palavras.
Signos estes que geralmente são tradicionais no sistema escrito de uma dada cultura e que são
facilmente entendidos por seus leitores, mas que geram dificuldade de compreensão se
analisados fora de seu contexto original de produção. Um exemplo de signo particular
encontrado nos três cancioneiros é <9>, que representava a terminação –us no sistema de
escrita latino, mas que, neste trabalho foi desenvolvido ora como –os e ora como -us: “u9”
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(vos), “me9” (meus), por exemplo. Já o recurso de letras sobrepostas é uma forma de
abreviatura em que uma determinada letra é posta de forma sobreposta em um dada palavra
com o objetivo de abreviar uma determinada sequência de grafemas, como em “pr” (por).
Explicados os tipos de abreviatura, se pode expor os exemplos encontrados em cada
um dos fac-símiles. No Cancioneiro da Ajuda, têm-se: “u9”, “ſēnoꝛ” (senhor), “ϼ” (per),
“poꝛē” (por en), “quāto” (quanto), “nō” (non), “bē” (bem), “q” (que), “d’s” (Deus),
“qria”(queria). No Cancioneiro da Biblioteca Nacional, têm-se: “me9” (meus), “amig9”
(amigos), “ծireiu9” (direi-vos), “q’” (que), “bē” (bem), “ϼ” (per), “pr” (por), “d'eite” (direito
é), “quātomenծaueiria” (quantomendaueiria), “nō” (non), “q’ria” (queria), “toծaqſto”
(todaquesto), “māteu” (manteu), “tāto” (tanto), “nē” (nem), “tā” (tão), “quādeu” (quandeu).
Já no Cancioneiro da Vaticana, têm-se: “me9” (meus), “amig9” (amigos), “u9” (vos), “q’”
(que), “bé” (bem), “ϼ” (por), “pe” (per), “deíte”, “nó” (non), “q” (que), “qrria” (queria),
“todaqſto” (todaquesto), “máteu” (manteu), “táto” (tanto), “tá” (tão), “quádeu’ (quandeu),
“bó” (bom).
4.1) VOCALISMO
No processo de evolução da língua latina que gerou a formação das línguas romances,
dentre elas o português, uma série de mudanças referentes ao quadro fonético e fonológico do
latim foram realizadas. Dentre estas mudanças, algumas envolveram a transformação do
quadro vocálico latino. Abaixo, serão expostos alguns dos processos sofridos pelas vogais
latinas e que gerou o quadro vocálico do português.
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posterior média breve), devido a seu timbre aberto, as mesmas se transformaram em /ɛ/ e /ɔ/
no português moderno.
Explicado este processo de evolução do quadro vocálico do latim para o português, se
pode exemplificar a questão por meio de exemplos retirados da cantiga. Para isto, por meio da
consulta a um dicionário latino, serão apresentados exemplos de como determinadas palavras
se apresentavam no latim e como se apresentam no português medieval. Como se objetiva,
nesta parte do trabalho, apenas explicar a reorganização do sistema vocálico, outros
fenômenos presentes nas palavras usadas como exemplo não serão explicados.
O verbo “ueer”, presente nos três fac-símiles, é uma evolução do verbo latino
“uĭdere”, que, quanto a vogal anterior alta breve, representa um caso de simplificação
vocálica devido à fusão entre ĭ e ē: UĬDERE > ver (/ĭ > e/). O verbo “conselhar”, também
presente nos três fac-símiles, é outro exemplo para este padrão: CONSĬLĬĀRE > conselhar (/ĭ
> e/). A palavra “ela” também: ĬLLA > ela (/ĭ > e/). O verbo “poder”, também presente nos
três testemunhos, é outro exemplo, agora com relação ao ē: PŎTĒRE > poder (/ē > e/).
Já o substantivo “amigos”, presente nos três fac-símiles, é uma evolução de “amicŭm”,
que, quanto a vogal posterior alta breve, representa um caso de simplificação vocálica devido
à fusão entre ŭ e ō: AMICŬM > amigo (/ŭ > ō /).
Outro fenômeno ocorrido na transição do latim para o português foi a síncope das
breves postônicas. Este fenômeno teria ocorrido porque, em palavras proparoxítonas, a sílaba
átona imediatamente posterior a tônica tinha a tendência de ser facilmente suprimida na fala,
devido a uma tendência comum a todas as línguas romance geradas através do latim. Na
cantiga em questão, é possível perceber este fenômeno em palavras como: “dona”,
proveniente do latim “domĭna”. Em um processo que ocorreu da seguinte maneira: DOMĬNA
> dona (ĭ > síncope).
“queria”. Neste trabalho, porém, para facilitar a explicação, será usada a forma no infinitivo
para explicar este processo: QUAERĔRE > querer (/ae > ɛ/).
4.2) CONSONANTISMO
4.2.1) LENIÇÃO
proveniente de “ego”: EGO > eu (g > síncope) e em “fe”, que vem de “fĭdem”: FĬDEM > fe
(d > síncope).
Este processo teria sido o primeiro a ocorrer dentre os processos de lenição e isso
pode ser explicado através de exemplos que indicam que as consoantes oclusivas sonoras
ainda ocorrem no português. Na cantiga, consoantes oclusivas sonoras podem ser encontradas
em palavras como: “amigos”, mas o processo que explica a existência de oclusivas sonoras
em contexto intervocálico será mostrado no tópico seguinte.
Por fim, a lenição também teria ocasionado a simplificação das geminadas oclusivas
em contexto intervocálico. No entanto, esta simplificação também teria ocorrido com as
outras consonantes oclusivas provenientes do latim. Para explicar melhor este processo, é
importante mencionar que todas as consoantes latinas possuíam uma contraparte geminada e
que este era um recurso de diferenciação de palavras no idioma latino. Na evolução do idioma
que gerou o português, contudo, estas geminadas foram simplificadas em todos os contextos.
Na cantiga, embora não haja exemplos de simplificação de geminadas oclusivas, têm-se
exemplos deste processo em: “ella”, proveniente do latim “ĭlla”: ĬLLA > ela (/ll > l).
materializada como “dixe”. De acordo com este trabalho, esta forma pode ser explicada como
sofrendo o seguinte processo: DICERE > dixe > ks> js> ʃ*. Hipótese.
Com relação a consoante /dʒ/, pode-se explicar sua formação da seguinte maneira. A
oclusiva sonora /d/, de articulação relaxada, não se assibila ou palataliza em contato com o /j/,
mas se funde a ele. No caso do verbo “ueian”, proveniente do latim “uideant”, têm-se:
UIDEANT > u[jd]eant > u[dj]eant > ui[dʒ]eant.
O grupo medial consonantal latino <ct>, teria evoluído, na Península Ibérica, de uma
forma com que a consoante oclusiva velar surda teria se vocalizado, passando a uma
semivogal /j/. O fator extralinguístico que teria provocado este fenômeno teria sido a
ocupação germânica na Península. Na Cantiga, é possível ver este processo por meio da
palavra “dereito”, presente nos três fac-símiles (“ծereito” no Cancioneiro da Ajuda,
“ծereẏta” no Cancioneiro da Biblioteca Nacional, e “dereyta” no Cancioneiro
da Vaticana) e que provém do étimo vulgar latino “derectus”. Este processo pode ser
explicado seguinte esquema: DERECTUS > ct > jt.
4.2.8) SÍNCOPE DO –L
5) CONCLUSÃO
Assim, por meio de uma análise contrastiva dos três testemunhos da cantiga “A dona
que home”, produzidas em momentos diferentes e por escribas diferentes, se pode comparar
as soluções adotadas pelos diferentes cancioneiros para representar o português medieval,
bem como se pode fazer um estudo sobre o estágio da língua no período em questão e
entender como foi à evolução da língua latina que gerou o português. Por ser de tradição oral
possui uma linguagem que se assemelha a fala e permite com que leitores curiosos consigam
entender um pouco sobre como era o português em seu desenvolvimento inicial como língua.
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6) BIBLIOGRAFIA
LOPES, C.; MARCOTULIO, L.; BASTOS, M.; OLIVEIRA, T. Olhares sobre o português
medieval: Filologia, História e Língua. Rio de Janeiro: Editora Vermelho Marinho, 2017.
336p.