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Não sofras com paciência; luta com heroísmo. A submissão é uma ignomínia,
quando o poder paternal é uma afronta.
— Camilo Castelo Branco, Amor de perdição2 (1862)
A
m or de perdi ção (AP ) ( com o Viagen s na m in h a
terra, de Almeida Garrett) é um romance – embora ambos o se-
jam por razões diferentes. Interessando aqui AP, a tese (comum)
de que seria uma novela só faria (pouco) sentido se o leitor se
concentrasse apenas na intriga a que convencionalmente AP é reduzido: uma
história que se esgota no seu teor e crescendo melodramático, e num concei-
to também ele redutor (se nos lembrarmos das discussões sobre o conceito
filosófico de paixão, que recrudescem nos séculos XVII e XVIII e levam por
exemplo Descartes, o homem da razão, a escrever também um Traité des pas-
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Antigo Regime, antedatando 1789. Mas todo o resto vem depois: em 1801, Do-
mingos Botelho é corregedor em Viseu, e começa a paixão de ódio e vingança,
insuperável; o seu primeiro filho, Manuel, tem 22 anos (as datas nunca são cer-
tas em Camilo, mas isso que importa?), enquanto Simão tem quinze, e estuda
humanidades em Coimbra. Eis como o irmão o descreve:
O filho mais velho escreveu a seu pai queixando-se de não poder viver com seu
irmão, temeroso do génio sanguinário dele. Conta que a cada passo se vê ameaçado
na vida, porque Simão emprega em pistolas o dinheiro dos livros, convive com os
mais famosos perturbadores da academia, e corre de noite as ruas insultando os
habitantes e provocando-os à luta com assuadas. (...) Os quinze anos de Simão têm
aparências de vinte. É forte de compleição; belo homem com as feições de sua mãe, e
a corpulência dela; mas de todo avesso em génio. Na plebe de Viseu é que ele escolhe
amigos e companheiros. Se D. Rita lhe censura a indigna eleição que faz, Simão
zomba das genealogias, e mormente do general Caldeirão que morreu frito. Isto bas-
tou para granjear a malquerença de sua mãe. O corregedor via as coisas pelos olhos
de sua mulher, e tomou parte no desgosto dela, e na aversão ao filho.5
7 Ibid., p. 234.
13 Ibid., p. 66-67.
14 Ibid., p. 72.
15 Ibid., p. 75.
16 Idem.
17 Cf. Helena Buescu, “O cívico, o romântico e o afectivo”, in Grande angular. Comparatismo e
práticas de comparação, Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 105-130.
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